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Resoluções de Exames - DPP

Direito Processual Penal (Universidade de Lisboa)

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––– Resoluções de Exames –––


_ Direito Processual Penal _
FDUL

Anos letivos 2015-2016 a 2020-2021 1

Índice

Época Normal – 9 de junho de 2015 ........................................................................ 2

Época Normal – 18 de junho 2019 ........................................................................... 8

Época Normal – 23 de junho 2020 ......................................................................... 15

Época de Coincidências – 7 de julho de 2020 ........................................................ 20

Época de Recurso – 29 de julho de 2020 ................................................................ 25

Época Normal – 21 de junho de 2021 .................................................................... 31

Época de Recurso – 22 de julho de 2021 ................................................................ 37

Época de Coincidências de Recurso – 27 de julho de 2021.................................... 42

Época de Finalistas – 9 de setembro de 2021........................................................ 50

1Compilação das resoluções/tópicos de correção dos exames da FDUL que foram publicadas
com enunciado anexo, até ao ano letivo de 2021/2022 (exclusive);

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Época Normal – 9 de junho de 2015

Alberico, casado com Blimunda, consumia bebidas alcoólicas em


quantidades excessivas com regularidade. Quando alcoolizado, insultava a mulher,
chamando-lhe “velha malcheirosa e sem dentes”, e dava-lhe palmadas na cabeça e
puxões de cabelo. Praticou estes factos quase diariamente ao longo de dois anos.
Cansada de tantos maus-tratos, Blimunda participou criminalmente contra
Alberico na esquadra da PSP mais próxima da sua residência.

1. No decurso de inquérito aberto por crime de violência doméstica – art. 152.º, n.º
1, al. a), e n.º 2, do Código Penal –, o Ministério Público apresenta Alberico
perante o Juiz de Instrução para primeiro interrogatório judicial de Arguido
detido. Findo o interrogatório, requer a sujeição do Arguido a obrigação de
permanência na habitação.

a. Pode o Juiz aplicar a medida de prisão preventiva? (1,5 valores)

A medida de coação em causa está prevista no art. 202.º: art. 191.º, n.º 1. Alberico
já foi constituído arguido: arts. 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b). Já há um processo
instaurado, visto que estamos na fase de inquérito: arts. 192.º, n.º 1, e 194.º, n.º 1.
Estão assim reunidas as condições gerais de aplicação de uma medida de coação.
O enunciado não dá informações suficientes que permitam saber se os pressupostos
gerais da aplicação de medidas de coação estão preenchidos. Assim, podemos abrir a
hipótese de isso acontecer; ou seja, pode partir-se do princípio de que pelo menos um
dos perigos referidos no artigo 204.º está verificado e que a prisão preventiva é uma
medida adequada, necessária e proporcional, atendendo ao propósito de evitar esse
perigo: art. 193.º. Estas exigências aparecem especialmente realçadas no caso da
prisão preventiva: n.º 2 e n.º 3 do mesmo artigo. Uma vez que estamos na fase de
inquérito, porém, o perigo em causa teria de ser o referido na al. a) ou o referido na
al. c) do art. 204.º, visto que a medida em causa é mais grave do que a requerida pelo
MP: art. 194.º, n.º 2 e n.º 3.
Podemos também presumir que estão verificados fortes indícios de que o Arguido
terá praticado o crime: art. 202.º, n.º 1, al. b).
Em abstrato, a aplicação da medida de prisão preventiva é também possível em
processo por crime de violência doméstica. Com efeito, este crime pode ser

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considerado “criminalidade violenta”, como resulta do art. 1.º, al. j), pelo que a
aplicação é permitida pelo art. 202.º, n.º 1, al. b).
Em conclusão, na hipótese de estarem verificados os referidos pressupostos gerais,
o Juiz poderia aplicar a medida de prisão preventiva.
Seria valorada a referência à alteração do art. 194.º, n.º 2 e n.º 3, através da Lei n.º
20/2013, de 21-02, que tornou possível a aplicação de medida de coação mais grave
do que a promovida pelo Ministério Público e a alusão à discussão doutrinária em
torno desta alteração.

b. Supondo que a prisão preventiva foi mesmo decretada e que Alberico está
preso preventivamente há sete meses sem ter havido acusação, que pode
ele fazer? (1,5 valores)

Por aplicação do art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, não tendo havido ainda acusação,
o prazo máximo de prisão preventiva seria de seis meses. Estando Alberico preso
preventivamente há sete meses, o prazo já foi excedido.
Na hipótese de a medida ter sido aplicada legalmente (v. resposta à questão 1.1.),
Alberico poderia apenas reagir por meio da providência de habeas corpus, nos
termos do art. 222.º, n.º 1, e n.º 2, al. c).
Alberico poderá ainda deduzir pedido de indemnização, nos termos dos arts. 225.º,
n.º 1 e n.º 2, al. b), e 226.º.
Se se tiver considerado na resposta à questão a. que a medida de coação não poderia
ser aplicada, por não estarem cumpridos os seus pressupostos gerais, o Arguido
poderá também requerer a revogação da medida, nos termos do art. 212.º, n.º 1, al.
a), e n.º 4.
Poderá ainda recorrer dessa decisão, nos termos do art. 219.º, n.º 1.
Seria valorada a resposta que destacasse o facto de o prazo máximo de duração deste
inquérito ser de 8 meses, por decorrência do art. 276.º, n.º 2, al. a), discutindo a partir
daí a possível desarticulação da solução legal face às necessidades do processo.

2. Imagine que o processo está em segredo de justiça e que decorreram já três


meses de prorrogação sobre o prazo de duração do inquérito. O Ministério
Público vem requerer nova prorrogação por mais sete meses, por considerá-
los imprescindíveis à conclusão do inquérito. Pode o Juiz deferir o requerido?
(3 valores)

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O artigo 89.º, n.º 6, ao remeter para o art. 1.º, als. i) a m), prevê a possibilidade de
uma segunda prorrogação do prazo de duração do segredo de justiça em casos de
processo por criminalidade violenta, o que, como se viu, abrange a presente situação.
Essa segunda prorrogação não poderá ultrapassar o limite do tempo “objetivamente
indispensável à conclusão da investigação”. Não há, porém, um limite temporal
expressamente previsto, ao contrário do que acontece em relação à primeira
prorrogação, para a qual se prevê o prazo máximo de três meses.
Uma vez que o Ministério Público requer a (segunda) prorrogação por sete meses,
cabe discutir se esse limite de três meses deve valer também aqui.
Pode defender-se uma resposta negativa, com base em argumentos como os
seguintes:
i) a lei nada diz sobre a existência de um prazo, ao contrário do que acontece
quando se refere a primeira prorrogação;
ii) a limitação através de um prazo máximo fixado em abstrato e a priori
parece ir contra o propósito declarado de conceder o tempo “objetivamente
indispensável à conclusão da investigação”;
iii) só deste modo se garantirá o respeito pelos interesses da investigação nos
processos mais complexos, dando-se também cumprimento à garantia
constitucional do segredo de justiça (art. 32.º, n.º 2, da CRP), que, de resto,
é instrumental relativamente àqueles interesses; uma atuação rigorosa
do Juiz de Instrução permitirá evitar a eternização do processo e, como
o segredo de justiça dificilmente será absoluto, os direitos de defesa do
Arguido não são (totalmente) sacrificados.
Esta foi a posição defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu ac. de
fixação de jurisprudência n.º 5/2010.
Em sentido contrário, pode defender-se, como faz o Prof. PAULO DE SOUSA
MENDES, que o limite de três meses vale também para a segunda prorrogação.
Sobretudo porque em 2010 – portanto, posteriormente ao referido ac. do STJ de
fixação de jurisprudência – os prazos máximos de duração do inquérito foram
alargados, atendendo-se aí especificamente a situações como as que possibilitam a
segunda prorrogação referida. Assim sendo, perde muita razão de ser a principal
preocupação invocada para defender a ilimitação desta segunda prorrogação.

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3. Suponha que, durante a audiência, o Juiz apercebe-se da necessidade de


convocar uma testemunha não arrolada por nenhum dos sujeitos processuais.
Que pode/deve fazer? (2 valores)

Independentemente do contributo dos sujeitos processuais, o Tribunal deve


oficiosamente produzir todas as provas necessárias à descoberta da verdade material
(princípio da investigação).
No caso, apercebendo-se da relevância do depoimento de uma testemunha não
arrolada, deveria ordenar a sua convocação e inquiri-la na audiência com sujeição ao
contraditório, nos termos dos arts. º 340.º, n.º 1 e n.º2, 348.º e 128.º e ss.

4. Durante o julgamento, apura-se que todos os factos ocorreram na presença do


filho do casal e que este por vezes também era vítima dos mesmos maus-tratos
de Alberico. Estes factos não constavam da acusação do Ministério Público.
Por outro lado, dizia-se na acusação que os factos ocorreram no domicílio do
casal, o que, porém, não ficou demonstrado em audiência. Que pode/deve fazer
o Tribunal? (4 valores)

Uma vez que se descobrem novos factos que não constavam da acusação, tendo
ainda outros factos que dela constavam ficado por demonstrar, estão assim em causa
problemas relativos ao objeto do processo.
O facto de as agressões também terem sido praticadas contra o filho é independente
da factualidade constante da acusação, pelo que a tomada de conhecimento daquele
facto novo vale como notícia do crime, devendo o Tribunal extrair certidão do processo
e comunicar esse facto ao Ministério Público, a quem caberá depois abrir o
inquérito, nos termos gerais (art. 262.º, n.º 2). Salvo se se entendesse tratar-se de um
caso de ofensas à integridade física praticadas contra a criança, pois nesse caso o
Ministério Público só teria legitimidade para promover o processo se fosse
deduzida queixa (art. 49.º e art. 143.º, n.º 2, do CP).
Relativamente às restantes alterações, elas envolvem factos novos (a conduta foi
praticada na presença do filho do casal), mas não totalmente, pois dizem ainda
respeito ao mesmo pedaço de vida que era objeto do processo. É preciso saber,
portanto, se há uma alteração substancial deste objeto.
Estas alterações não envolvem um agravamento dos limites máximos das sanções

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aplicáveis, pois a disposição legal a aplicar é a mesma. O segmento do art. 152.º, n.º
2, convocado, no entanto, é outro, pois agora a punição é agravada pelo facto novo
referido e não por a conduta ter sido praticada no domicílio do casal (este facto
constava da acusação, mas ficou por provar). Deste modo, é preciso discutir se está
em causa um “crime diverso” para efeitos do art. 1.º, al. f).
Seguindo PAULO DE SOUSA MENDES, para casos próximos, pode entender-se
estar em causa um crime diverso e, como tal, uma alteração substancial do objecto
do processo, pelo que deverá aplicar-se o art. 359.º.
Não havendo acordo entre o Arguido, o MP e o Assistente em sentido contrário
(art.
359.º, n.º 3), não poderá continuar o julgamento com conhecimento dos factos novos.
Estes factos também não são autonomizáveis, pois não podem ser conhecidos noutro
processo sem violação do princípio ne bis in idem (art. 29.º, n.º 5, da CRP), não se
aplicando assim o disposto no art. 359.º, n.º 2. Por conseguinte, os factos teriam de
ser desconsiderados e o Arguido apenas poderia vir a ser condenado por violência
doméstica, nos termos do art. 152.º, n.º 1, na medida em que não se deu por provada
a circunstância agravante constante da acusação.
Seria valorada a discussão sobre as posições doutrinárias que tentam encontrar
soluções alternativas a esta para casos como o presente, em que a verdade material é
pelo menos parcialmente sacrificada.

5. Antes da leitura da sentença, mas já após encerramento da audiência, o


Ministério Público requer a junção ao processo de um “importante
documento, comprovativo dos factos da acusação”, junção que o Juiz aceita,
vindo a valorar este documento na sentença. Aprecie esta atuação do Tribunal.
(2 valores)

Esta atuação do Juiz viola o princípio do contraditório (garantido para o julgamento


no art. 32.º, n.º 5, da CRP, e no art. 327.º do CPP).
Com efeito, este princípio engloba tanto a possibilidade de cada um dos sujeitos
processuais oferecer as suas provas, como também a possibilidade de controlar as
provas contra si oferecidas pelos restantes sujeitos, pronunciando-se sobre a sua
produção e discutindo o valor e resultado da prova, quando essa produção tenha
lugar.
A atuação do Juiz está, deste modo, viciada de irregularidade: arts. 118.º, n.º 2, e

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123.º, do CPP.

6. Imagine que, durante o inquérito, a polícia apreendeu uma carta fechada


escrita por Alberico e dirigida a um amigo. A polícia abriu imediatamente a
carta e constatou que nela Alberico admitia a prática de todos os factos em
investigação. Confrontado com esta carta em julgamento, Alberico, perante a
concludência desse meio de prova, acaba por fazer uma confissão integral e sem
reservas dos factos imputados. Já após o trânsito em julgado da decisão
condenatória, Alberico vem a aperceber-se de que a sua carta foi aBerta e lida
pela polícia nas condições descritas. Que pode ele fazer? (4 valores)

Uma vez que a carta apreendida ainda se encontrava fechada, está em causa uma
apreensão de correspondência.
Nos termos do art. 179.º, n.º 1, a apreensão de correspondência tem de ser ordenada
ou autorizada por um Juiz, sob pena de nulidade. O enunciado não é claro sobre o
cumprimento do disposto nessa norma. Já é mais clara, porém, a violação do regime
da apreensão de correspondência quando se diz que a polícia abriu e leu
“imediatamente” a carta apreendida: nos termos dos arts. 179.º, n.º 3, e 252.º, n.º 1, a
correspondência tem de ser lida, em primeiro lugar, pelo Juiz. Excecionalmente, os
Órgãos de Polícia Criminal podem ser os primeiros a proceder à leitura, mas mesmo
aí tem de haver autorização pelo Juiz: art. 252.º, n.º 2.
Tendo sido infringido o disposto nestas normas, está em causa a violação de uma
proibição de prova, nos termos do artigo 126.º, n.º 3: “são [...] nulas, não podendo ser
utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão [...] na correspondência”. Deste
modo, a carta não deveria ter sido utilizada como meio de prova.
A confissão integral e sem reservas tem, entre outros efeitos, o de se dar
imediatamente como provados os factos confessados, nos termos do art. 344.º, n.º 2,
al. a). A confissão feita por Alberico constituiria em teoria, portanto, meio de prova
válido para fundamentar a condenação. Deve discutir-se, contudo, se a valoração
dessa confissão não estaria impedida pelo efeito-à-distância da proibição de prova.
Ou seja, se a proibição de utilização da carta apreendida não se estenderia à
valoração da confissão. Uma vez que, aparentemente, Alberico confessou os factos
de livre vontade, este poderia ser um caso de exceção à regra do efeito-à-distância,
na medida em que o Arguido, com a sua conduta, parece vir “limpar a nódoa”
introduzida no processo com a violação da proibição de prova.

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Seria valorada a referência ao Ac. do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de


março de 2004 (relator: Moura Ramos), que considerou que a invalidade da prova
primária não afetava uma posterior confissão voluntária e esclarecida quanto às suas
consequências, tratando-se de um ato independente praticado de livre vontade.
Há doutrina que considera, porém, que a confissão não pode ter esse efeito em casos
como o presente, por não ter sido uma confissão esclarecida: o Arguido apenas
confessou por ter sido confrontado com a carta apreendida em julgamento e em
virtude de ter acreditado que a mesma serviria de meio de prova “concludente” contra
si. Assim, o efeito-à-distância manter-se-ia e a confissão deveria ser desconsiderada.
Deve discutir-se se a base legal para este efeito pode ser encontrada no art. 122.º, n.º
1, do CPP ou, eventualmente, apenas no art. 32.º, n.º 8, da CRP.
Dado que a sentença condenatória já transitou em julgado, o Arguido pode apenas
interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 449.º, n.º 1, al. e).

Época Normal – 18 de junho 2019

Abel, Berta e Carlos foram detidos e constituídos Arguidos nas respetivas


habitações, em Lisboa, às 7h00 da manhã do dia 3 de junho de 2019, na sequência
dos mandados de detenção emitidos pelo MP, no âmbito de um processo-crime em
que eram suspeitos de vários crimes. Foram realizadas buscas, autorizadas por Juiz
de Instrução, e apreendida documentação relevante quer nas habitações, quer nas
instalações do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), Lisboa. Foi
ainda apreendida a quantia de 1000€ que estava dentro de uma caixa na casa de
Abel e Berta (casados), embrulhada em uma cópia certificada da escritura de
partilha de uma herança de um familiar de Berta.
Os Arguidos foram apresentados no dia seguinte a interrogatório judicial,
tendo sido informados que sobre os mesmos recaía a suspeita de vários crimes, nos
seguintes termos:
- Quanto a todos os Arguidos, e em coautoria, a prática de um crime de associação
criminosa (p. e p. pelo art. 299.º, n.os 1, 2 e 5, do CP), dado todos colaborarem para,
e em conjugação de esforços, simularem a realização de formação profissional
necessária à certificação de motoristas de mercadorias e de passageiros e, em troca,

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receberem vantagens, pagas pelos motoristas que efetivamente não realizavam


qualquer formação;
- Quanto aos Arguidos Abel e Berta, e em concurso efetivo, a prática de um crime
de corrupção passiva para ato ilícito (p. e p. pelo art. 373.º, n.º 1, em conjugação com
o art. 386.º, n.º 1, al. d), e com o art. 28.º, todos do CP), na medida em que aquele, na
qualidade de Coordenador de uma Equipa de Fiscalização das Escolas de Condução
e Centros de Formação do IMT fornecia informação relevante aos demais sobre como
se manterem “fora do radar” da atividade inspetiva daquele Instituto. Já Berta
angariava os potenciais motoristas que pretendiam obter tal certificação sem a
receberem, pagando uma quantia em troca. Uma quantia que seria repartida entre
todos os membros, não se sabendo ainda em que proporção;
- Quanto ao Arguido Carlos, e em concurso efetivo, a prática de um crime de
corrupção ativa para ato ilícito (p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1, do CP), bem como de um
crime de falsificação de documento (p. e p. pelos arts. 255.º, al. a), 256.º, n.º 1, als. a)
e e), n.º 4, e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP), na medida em que, sendo dono da “Escola
de Condução e Formação sempre em linha torta”, simulava fornecer formação aos
motoristas e emitia os respetivos documentos com vista a que obtivessem ou
renovassem a respetiva licença.

Responda fundamentadamente às seguintes questões:

1. Aprecie a detenção dos Arguidos nos termos suprarreferidos. (2,5 valores)

A detenção poderia ser realizada, nos termos do art. 257.º do CPP.


Deveria identificar-se que, por não haver qualquer flagrante delito em curso, não
poderia a detenção fundar-se no regime previsto nos arts. 255.º e 256.º do CPP.
Consequentemente, a detenção dos Arguidos apenas poderia ser feita de acordo
com o art. 257.º do CPP. Deveria identificar-se que a regra seria a do mandado do
Juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, mandado do MP, como
efetivamente sucedeu. Deveria mencionar-se quais os requisitos de admissibilidade
da prisão preventiva, nomeadamente os requisitos específicos do art. 202.º do CPP.
Em especial, os fortes indícios relativos a um crime de catálogo do art. 202.º, n.º 1, do
CPP. No caso, seria aplicável a al. c), por se tratar de criminalidade altamente
organizada, nos termos do art. 1.º, al. m), do CPP, a que corresponde pena de prisão
superior a 3 anos, no tocante ao crime de associação criminosa imputado a todos os

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Arguidos. Haveria ainda que referir que pelo menos uma das circunstâncias
previstas no n.º 1 do art. 257.º do CPP teria de estar verificada. Não havendo
elementos no enunciado, ter-se-ia de ponderar a eventual aplicação das als. a) ou b)
do n.º 1 do art. 257.º do CPP.
Por fim, haveria que discutir se a emissão dos mandados de detenção fora de
flagrante delito satisfaria o princípio da proporcionalidade, tendo em conta a
finalidade pretendida, a saber: assegurar a presença dos Arguidos para primeiro
interrogatório judicial ou acautelar um dos perigos previstos no art. 204.º do CPP e
que só a detenção permitisse prevenir. Haveria que evidenciar por que razão a
realização das buscas nos diversos locais e em simultâneo, ademais com a notificação
aos Arguidos para comparecerem a primeiro interrogatório judicial, não seria
suficiente face ao perigo concreto.

2. Considere que o MP requereu, no primeiro interrogatório judicial de


Arguidos detidos, a proibição de contactos entre todos e a suspensão do
exercício de funções ao Arguido Abel, atendendo ao perigo de continuação
de atividade criminosa e de perturbação do inquérito. Poderá o Arguido
reagir (e com que fundamento) perante uma eventual aplicação da prisão
preventiva com fundamento no perigo de perturbação do inquérito? (3,5
valores)

O Arguido poderia impugnar através de interposição de recurso, pedido de


revogação e/ou arguição de nulidade a aplicação da prisão preventiva, dado a mesma
ter sido aplicada em violação dos requisitos legais.
Independentemente das condições gerais, princípios, requisitos gerais e
específicos das medidas de coação que poderiam estar verificados, o problema neste
caso centra-se na relação do princípio da reserva de Juiz com a direção do inquérito
pelo MP.
O Juiz de Instrução ao aplicar a medida de prisão preventiva ao Arguido Abel
com fundamento no perigo de perturbação de inquérito (art. 204.º, al. b), do CPP)
violou assim aquele papel de garante ou de Juiz das liberdades durante a fase de
inquérito cuja direção cabe ao MP, incluindo a definição da estratégia quanto ao teto
máximo das medidas coativas, pelo que não poderia, sob pena de nulidade, aplicar
medida mais grave do que a requerida (art. 194.º, n.º 3, do CPP).

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Seria valorizada a discussão sobre a constitucionalidade da solução legal prevista no


art. 194.º, n.º 2, do CPP.
Haveria que discutir o tipo de nulidade subjacente ao art. 194.º, n.º 3, do CPP. Não
se tratando de nulidade insanável por não integrar o catálogo do art. 119.º do CPP,
nem a sua insanabilidade estar especialmente prevista, ter-se-ia de concluir que se
trata de nulidade dependente de arguição, nos termos do art. 120.º, n.º 1, do CPP.
O Arguido poderia interpor recurso da medida de coação, nos termos do art. 219.º
do CPP, cumulando tal pretensão com o pedido de revogação, nos termos do art. 212.º,
n.º 1, al. a), e n.º 4, do CPP, ou simplesmente invocando a nulidade perante o Juiz
de Instrução, nos termos dos arts. 120.º, n.º 1, e 194.º, n.º 3, do CPP. Não parece
haver fundamento para o habeas corpus perante o STJ, ao abrigo do art. 222.º, n.º 2,
do CPP.

3. Admita que foi deduzida acusação contra os Arguidos pelos factos e crimes
suprarreferidos. Entre outras provas, a acusação sustenta-se em mensagens
de correio eletrónico trocadas entre os Arguidos, que demonstrariam a
atividade criminosa. O Arguido Abel considera que tais provas não
deveriam ser valoradas, dado que foram obtidas aquando da referida busca
domiciliária com apreensão do seu computador portátil, tendo o mesmo sido
forçado a fornecer a palavra-passe do respetivo equipamento. De que modo e
com que fundamento poderá Abel fazer valer a sua pretensão? (4 valores)

O Arguido poderia requerer a abertura de instrução invocando a proibição de prova


ou deduzindo requerimento avulso, a todo o momento, com idêntico teor, ou ainda
através da contestação.
Relativamente à busca domiciliária, tendo-se referido que a mesma foi realizada
pelas 7h da manhã ao abrigo de despacho de autorização emitido pelo Juiz de
Instrução (art. 177.º, n.º 1, do CPP), havendo indícios da prática de crime e do
respeito pelo princípio da proporcionalidade, a mesma seria válida.
No que respeita à apreensão do portátil de Abel, a resposta deveria centrar-se na
expressão “forçado a fornecer a palavra-passe do respetivo equipamento”. Quanto à
apreensão, nos termos do art. 178.º, n.ºs 4 e 6, do CPP, os OPC poderiam validamente
apreender o portátil, sujeita a validação em 72h por despacho da autoridade
judiciária competente. Já o acesso ao conteúdo do portátil, bloqueado através de
palavra-passe, e considerando que tal constitui um elemento criativo e não

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“preexistente” (na terminologia do TEDH), o Arguido gozaria do direito a não se


autoincriminar. O conteúdo da correspondência eletrónica sempre poderia ser
alcançado através da injunção aos prestadores de serviços para acesso a tais dados,
nos termos do art. 14.º, n.º 4, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de
setembro). Deveria discutir-se se o regime de apreensão do correio eletrónico obedece
ao art. 189.º, n.º 1, do CPP, ao art. 179.º do CPP ou apenas à Lei do Cibercrime.
Seja como for, o acesso ao conteúdo do portátil não poderia ser obtido através de
violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare através de coação moral, sob
pena de constituir um método absolutamente proibido de obtenção de prova (art.
126.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPP). Tal geraria uma violação de proibição de prova,
cominada com nulidade sui generis. Deveria referenciar-se o regime da nulidade sui
generis da prova proibida, a saber: proibição de obtenção e de valoração da prova
proibida, sendo apenas permitida a sua valoração para a responsabilização dos
agentes que utilizaram tal método proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 4, do CPP,
devendo em princípio ser desentranhada dos autos, sendo de conhecimento oficioso e
insanável mesmo para além do trânsito em julgado, constituindo ademais
fundamento de recurso extraordinário de revisão de sentença, nos termos do artigo
449.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
Tal nulidade da prova principal contaminaria as eventuais provas secundárias que
com aquela estivessem numa relação de causalidade ou, na terminologia da
jurisprudência nacional, em que se estabeleça um “nexo de dependência cronológica,
lógica e valorativa”, através do chamado efeito-à-distância, devido à teoria,
originária na jurisprudência dos EUA, dos frutos da árvore envenenada ou da sua
congénere alemã teoria da nódoa ou da mancha, nos termos do art. 32.º, n.º 8, da CRP
e art. 122.º, n.º 1, do CPP.
Por fim, e apesar de tal nulidade ser de conhecimento oficioso, o Arguido, tendo
sido notificado da acusação, poderia invocar a mesma. Desde logo através de
requerimento para a abertura de instrução, devendo identificar-se os requisitos para
este efeito, nomeadamente da legitimidade, prazo, representação judiciária e
conteúdo, nos termos do art. 287.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP. Ainda que tal questão
pudesse circunscrever-se à matéria de direito, tal seria admissível através
requerimento avulso a todo o tempo ou ainda em sede de contestação, nos termos do
art. 315.º do CPP.

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4. Imagine que se apurou, durante o inquérito, que Berta não praticou os factos
que lhe foram imputados, tendo o MP arquivado o inquérito nesta parte.
Daniela, jornalista de investigação, durante a preparação de uma
reportagem, apurou novos elementos de prova que indiciam que a pessoa que
praticara os factos inicialmente imputados a Berta era um dos 20
trabalhadores da Escola de Condução X, sem, contudo, ter conseguido
proceder à sua identificação. Poderá Daniela constituir-se Assistente? Em
caso afirmativo, poderá reagir ao despacho de arquivamento? (4 valores)

Em primeiro lugar, haveria de dizer-se que Daniela ao pretender participar no


processo apenas poderia fazê-lo através do requerimento de constituição de
Assistente, devendo identificar-se os requisitos do mesmo: legitimidade, prazo,
representação judiciária e pagamento da taxa de justiça, nos termos dos arts. 68.º,
n.º 1, al. e), n.º 3, 69.º e 519.º, todos do CPP, bem como art. 8.º do RCP. O requisito
discutível seria precisamente o da legitimidade, pois deveria equacionar-se se os
jornalistas têm legitimidade ao abrigo da al. e) do n.º 1 do art. 68.º do CPP. Ainda que
a tenham, a sua intervenção seria restrita aos crimes de corrupção para os quais a
al. e) atribui legitimidade a qualquer pessoa.
A admitir-se a constituição de Assistente, haveria que discutir-se qual o meio
processual para Daniela exercer a sua pretensão. Não seria admissível o
requerimento para abertura de instrução (art. 287.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPP),
dado que esta não poderia identificar os suspeitos a serem constituídos Arguidos,
pelo que não poderia cumprir com o requisito de conteúdo deste requerimento (uma
acusação em sentido material), nem poderia cumprir com o disposto nas als. b) e c)
do n.º 3 do art. 283.º, n.º 3, ex vi art. 287.º, n.º 2, in fine, todos do CPP. O que
significaria que Daniela apenas poderia requerer a intervenção hierárquica, nos
termos do art. 278.º do CPP.

5. Admita que os Arguidos Abel e Berta tinham requerido a abertura de


instrução. No final da mesma, poderia Abel impugnar o despacho de
pronúncia que o tivesse pronunciado nos termos da acusação pública, bem
como pela prática, em concurso efetivo, de um crime de abuso de poder (p. e
p. pelo art. 382.º do CP), por considerar o Juiz de Instrução que a conduta

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do mesmo violou diversos deveres funcionais pretendendo obter vantagem


ilegítima? (4 valores)

Abel poderia invocar a irregularidade ou nulidade do despacho de pronúncia que


tivesse procedido a uma mera alteração da qualificação jurídica (AQJ) face à
acusação sem cumprir com os trâmites legalmente impostos.
Em primeiro lugar, haveria que identificar que o despacho de pronúncia não
adicionara qualquer elemento factual à acusação (i.e., acontecimento histórico,
pedaço de vida, caso ou problema submetido à apreciação judicial). O Juiz de
Instrução ao pronunciar o Arguido Abel nos termos da acusação pública, bem
como pela prática, em concurso efetivo, de um crime de abuso de poder p. e p. pelo
art. 382.º do CP, por considerar que a sua conduta violara diversos deveres funcionais
pretendendo obter vantagem ilegítima, não tomou em consideração qualquer
elemento factual novo. A violação dos deveres funcionais já estava factualmente
sustentada na acusação. Ou seja, trata-se de uma mera AQJ.
Consequentemente, o Juiz de Instrução deveria ter cumprido com os trâmites
legalmente previstos, nos termos do art. 303.º, n.º 1, ex vi n.º 5 do mesmo preceito do
CPP. Se tivesse cumprido, comunicando a AQJ, concedendo prazo (não superior a 8
dias) e produzindo a nova prova que o Arguido eventualmente tivesse requerido, e
não fosse supérflua ou dilatória, a pronúncia seria totalmente válida.
Não havendo elementos que permitam concluir que o Juiz de Instrução respeitou
aqueles procedimentos, haveria então que retirar as respetivas ilações, a saber: o
despacho de pronúncia seria, no mínimo, irregular (art. 123.º do CPP) ou mesmo nulo
quanto a esta parte, se se considerar que houve preterição de ato legalmente
obrigatório, nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP. Em qualquer caso, a
pronúncia não seria nula nos termos do art. 309.º do CPP, dado que não há qualquer
facto novo e porque, ao contrário do regime do julgamento/sentença, a preterição na
instrução do regime da AQJ ou da ANSF é sancionada de modo diverso da preterição
do regime da ASF.
Do eventual despacho que indeferisse a invalidade em causa admitir-se-ia recurso,
nos termos gerais do art. 399.º do CPP, sob pena de o regime previsto no art. 303.º,
n.º 1, ex vi n.º 5, do CPP não ter qualquer utilidade.

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Época Normal – 23 de junho 2020

No dia 5 de abril de 2020, Bela realizava, em Lisboa, um longo passeio


higiénico para espairecer das agruras do estado de emergência e das discussões
conjugais com António. Enquanto deambulava, Bela foi abordada por Xavier, que
a tentou violar. Bela conseguiu escapar às garras de Xavier e fugiu para casa,
contando o sucedido ao marido. António decidiu de imediato tomar satisfações de
Xavier, até porque o conhecia. António e Bela encaminharam-se apressadamente
para o prédio de Xavier.

Chegados ao apartamento de Xavier, António envolveu-se verbal e


fisicamente com ele, tendo acabado por lhe desferir uma facada. Bela, que assistia a
tudo, gritava a plenos pulmões: “Socorro! Ai que eles vão-se matar!”. Nisto, surgiu
Carlos, agente da PSP, que morava ao lado e ouviu a gritaria. Vendo Xavier caído
no chão a esvair-se em sangue com uma faca espetada no abdómen e António e Bela
a entrar no elevador do prédio, Carlos impediu o elevador de fechar a porta e, ato
contínuo, deu ordem de detenção a ambos, que a acataram.

Entretanto, e após deter António e Bela, chamou a emergência médica para


socorrer Xavier.

Aqueles foram constituídos Arguidos de imediato, informados dos seus


direitos, mas tentaram convencer Carlos de que tudo não tinha passado de legítima
defesa de António e que Bela nem havia feito nada. Xavier veio a ser declarado
morto ainda dentro do seu apartamento, devido a hemorragia fatal. Foi apreendida
a faca espetada em Xavier.

O Ministério Público (MP), após ouvir Bela, ordenou a sua libertação, não
validando a sua constituição como arguida, e veio a imputar a António a prática de
um crime de homicídio (p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal).

Responda fundamentadamente às seguintes perguntas:

1. Na qualidade de Juiz, como decidiria o seguinte requerimento apresentado pela


defesa de António:

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“São provas proibidas, pelo que não podem ser valoradas, a faca apreendida, bem
como, devido ao efeito à distância, o exame pericial subsequente de fls. 1511 dos
autos (em que se atesta que as impressões lofoscópicas encontradas no cabo da
faca e no corpo da vítima condizem com as do Arguido), porquanto:

i) o Agente Carlos não atuou na qualidade de órgão de polícia criminal, já que


estava de folga, além de que não tinha competência legal para investigar crimes
de sangue;

ii) a apreensão da faca não foi realizada validamente porque essa diligência foi
realizada em casa habitada sem consentimento dos visados, não obstante a
apreensão ter sido validada por despacho do MP; e

iii) a impressão lofoscópica, apesar de ter sido obtida com o consentimento do


Arguido, só decorreu de ordem do magistrado do MP e não de um Juiz (e mesmo
que tivesse sido por este, o Arguido nunca poderia ser obrigado a autoincriminar-
se).” (6 valores)

Após conceder contraditório (32.º/5 e 20.º/4 da CRP) aos demais sujeitos processuais,
decidiria rejeitar o requerimento da defesa, por não lhe assistir qualquer razão, uma
vez que não haveria qualquer infração às regras de obtenção ou de produção de prova,
nem qualquer violação de proibições de prova (ficando prejudicada a questão do efeito
à distância).

Os OPC (1.º/c) e 55.º do CPP e 3.º da LOIC) mantêm todos os seus deveres em matéria
de medidas cautelares e de polícia, independentemente de se encontrarem ao serviço
no momento da atuação urgente. A competência para a investigação seria do MP
(263.º do CPP), a quem cabe a direção do inquérito, incluindo a prática de todos os
atos (267.º do CPP) que não estejam reservados ao JI (268.º e 269.º do CPP).

• O OPC apenas coadjuva o MP na fase de inquérito, na sua dependência


funcional, sem qualquer dependência hierárquica ou disciplinar, respeitando-
se a autonomia tática e técnica dos OPC.
• Por delegação de competências (270.º do CPP), os OPC podem praticar todos
os atos de inquérito que não sejam da competência exclusiva do MP ou que
não sejam da competência do JI. A investigação de crimes de homicídio está
reservada à PJ (7.º/2/a) da LOIC).

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• Porém, não se confunde a atuação delegada pelo MP nos OPC para a


investigação com a competência própria que todos os OPC detêm para os atos
urgentes em matéria de medidas cautelares e de polícia.

A apreensão da faca era válida (249.º/2/c) e 178.º/4 do CPP), carecendo tão só de


validação pelo MP (178.º/6 do CPP), que é a AJ competente na fase de inquérito. Não
procedia a alegação de falta de consentimento dos visados, mesmo que a faca fosse
propriedade de António, dado que a apreensão estava legitimada pela detenção em
flagrante delito no domicílio de Xavier (174.º/5/c) do CPP).

O exame pericial era igualmente válido porque a ordem foi emanada pela AJ
competente no inquérito (172.º/1 do CPP), o MP. O Arguido, ao submeter-se à
recolha de impressões digitais, não pode agora invocar que tal careceria de despacho
do JI, o qual apenas seria necessário se o Arguido tivesse de ser compelido a prestar
tal meio de prova (172.º/2 do CPP). Deveria discutir-se o sentido de “ser compelido”:
se inclui a força física (adequada, necessária e proporcional) ou apenas a cominação
da pena de desobediência para o caso da recusa. Deveria ainda problematizar-se a
compatibilidade deste tipo de atuações com o princípio nemo tenetur se ipsum
accusare: atuações passivas, i.e., em que os elementos a recolher (impressão digital)
preexistem independentemente da vontade do visado e não carecem da sua
colaboração ou ato criativo/cultural, com discussão da jurisprudência relevante sobre
o tema desde o Ac. Saunders vs. UK do TEDH.

2. Em fase de inquérito, Bela prestou depoimento perante o MP, na qualidade de


testemunha, apesar de previamente informada do seu direito a não responder.
Também António prestou declarações perante o MP, na qualidade Arguido.
Havia contradições sensíveis entre o depoimento de Bela e as declarações de
António. Em fase de julgamento, Bela remeteu-se ao silêncio. O MP defendeu
que o auto do depoimento de Bela perante o MP poderia ser lido em audiência e
constituiria prova de que o Arguido iniciara o confronto verbal e físico com a
vítima, pelo que deveria ser condenado nos termos acusados. A defesa contrapôs
que o Arguido deveria ser absolvido porque agira em legítima defesa e opôs-se à
leitura do auto do depoimento de Bela, até porque esta se recusara
legitimamente a depor em julgamento.

Poderá o tribunal valorar o depoimento de Bela anterior ao julgamento para


condenação do Arguido? (5 valores)

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O direito de recusa de depoimento do cônjuge aplica-se independentemente da fase


ou da entidade perante quem é prestado tal depoimento, devendo Bela ser informada
desse direito (134.º/1/a) e 2 do CPP). O que foi cumprido de modo que as declarações
prestadas em inquérito eram válidas. Tal como seria válida a recusa da mesma em
prestar declarações em julgamento, invocando o referido privilégio (134.º/1/a), ex vi
348.º/1 do CPP).
Deveria identificar-se o princípio da imediação (355.º/1 do CPP) o seu sentido e
alcance, incluindo as exceções (355.º/2 e 356.º do CPP). Deveria discutir-se o regime
legal da reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações e as restrições
admitidas pela jurisprudência (356.º/6 do CPP).
Poderia discutir-se a admissibilidade da leitura e valoração do depoimento
testemunhal à luz da jurisprudência comparada, especialmente o caso Crawford vs.
Washington, valorizando-se a discussão do direito ao confronto.

3. No final do julgamento de António, o tribunal veio a apurar que a faca utilizada


para matar Xavier tinha sido levada pelo mesmo desde que saíra de casa,
revelando assim premeditação. Considerou ainda que António praticara um
crime de violação de domicílio.
Comunica isto mesmo aos sujeitos processuais ao abrigo do art. 358.º do CPP,
tendo todos (Arguido incluído) declarado que prescindiam de prazo para
qualquer ato.
Consequentemente, em sede de sentença, o tribunal condenou António pela
prática de um crime de homicídio qualificado (p. e p. pelo art. 132.º, n.º 1 e n.º 2,
alínea j), do CP), em concurso efetivo ideal com um crime de violação de domicílio
(p. e p. pelo art. 190.º, n.º 3, do CP). A defesa do Arguido invoca de imediato que
a sentença é inválida. O MP pronunciasse pela validade da mesma até porque o
Arguido, devidamente informado, nada requereu e prescindiu de prazo. O
tribunal indeferiu a arguição da invalidade e manteve a sentença intacta. Na
qualidade de defensor do Arguido, notificado daquela sentença, poderia reagir e
com que fundamento? (7 valores)

A resposta seria positiva, através de recurso invocando a nulidade da sentença.

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Haveria que distinguir: quanto à parte dos factos novos, a sentença seria nula;
quanto à parte da qualificação jurídica adicionada (i.e., o crime de violação de
domicílio), não haveria qualquer invalidade, uma vez que:
• Os factos descritos na acusação já continham a entrada no apartamento de
Xavier, tratando-se de uma mera alteração da qualificação jurídica;
• Consequentemente, o tribunal teria cumprido com os trâmites impostos
legalmente (358.º/1, ex vi n.º 3 do mesmo preceito do CPP) ao ter comunicado
previamente a AQJ. O Arguido é que dispensou prazo para se pronunciar,
pelo que a sentença, quanto a esta parte, seria válida;
• Poderia discutir-se, de acordo com o TEDH no caso Drassich v. Itália, se se
justifica um direito de requerer prova suplementar também nos casos de AQJ.
Voltando à questão de facto: deveriam identificar-se os factos novos (utilizando os
critérios doutrinários e jurisprudenciais), os quais não eram totalmente
independentes, pelo que constituíam uma alteração de factos.
Haveria ASF: 1.º/f) do CPP: agravação da pena máxima, pois passaria de 16 para 25
anos de pena de prisão.
Não autonomizáveis: a premeditação só por si não constitui um crime autónomo.
Tratando-se de ASF, não autonomizáveis, o tribunal procedeu corretamente ao tê-la
comunicado aos sujeitos processuais (359.º/3 do CPP). Porém, não havendo acordo
para a continuação do processo pelo novo objeto, deveria discutir-se as soluções
doutrinárias e jurisprudenciais a que o tribunal poderia lançar mão em face do
disposto no 359.º/1 do CPP. Deveria aplicar-se uma solução e discutir-se as
alternativas.
O facto de o Arguido nada ter requerido e prescindido de prazo para rever a sua
estratégia de defesa não equivale a acordo. Nem parece proceder que possa haver
uma mera irregularidade, pois o facto de o tribunal a qualificar incorretamente como
alteração não substancial de factos não equivale à comunicação para efeitos de
acordo. E a manifestação de acordo perante uma ASF não autonomizáveis tem de ser
expressa.
Em caso algum, o tribunal deveria conhecer deste novo facto para condenar o
Arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art. 132.º/1
e 2/j) do CP.
No limite só poderia condená-lo pelo objeto definido, neste caso concreto, na acusação
do MP (identificando-se o princípio da vinculação temática).

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Consequentemente a sentença seria nula (379.º/1/b) do CPP), podendo o Arguido


invocar a nulidade em sede de recurso ordinário e no prazo do mesmo, ou seja: 30
dias (379.º/2, 410.º/3 e 411.º/1 do CPP).

Época de Coincidências – 7 de julho de 2020

Abel, Bento e Carlos foram notificados para comparecer perante a Polícia


Judiciária (doravante, PJ) com vista a serem constituídos Arguidos e prestarem
declarações nessa qualidade. No âmbito deste interrogatório foram informados de
que havia suspeitas fundadas da prática de um crime de roubo praticado no dia 2 de
junho de 2020 na ourivesaria Ouro Fino, sita em Lisboa. Abel e Bento nada
declararam. Carlos confessou que os comparsas tinham planeado e executado o
referido roubo e que ele lhes fornecera informações relevantes sobre a segurança da
ourivesaria, indicando também o sítio (cofre do escritório de advocacia de Xavier,
namorado da irmã de Abel) onde ficara escondido o produto do referido roubo.

Feita a busca, foi encontrado quase todo o produto do roubo, perante o espanto
de Xavier que afirmou não ter o código de acesso ao referido cofre, dado que o mesmo
até fora comprado por Abel que o deixara por uns breves dias naquele escritório.

No final do inquérito, o Ministério Público (doravante, MP), com base na


factualidade descrita, acabou por deduzir acusação contra Abel e Bento, em
coautoria, e Carlos, por cumplicidade, pela prática de um crime de roubo, p. e p. no
art. 210.º, n.º 1, do CP, bem como, relativamente a Abel e Bento, em concurso efetivo
real, de um crime de sequestro, p. e p. no art. 158.º, n.º 1, do CP, praticados contra
Daniela (proprietária da referida ourivesaria).

Responda fundamentadamente às seguintes perguntas:

1. Poderia o MP propor a suspensão provisória do processo relativamente a


Carlos contra o pagamento de uma compensação a Daniela, na condição de
prestar declarações no julgamento reafirmando as informações prestadas à
PJ? (5 valores)

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A resposta deverá ser negativa.


A suspensão provisória do processo, prevista nos art.os 281.º e 282.º do CPP, é um
mecanismo de diversão processual que permite ao MP, relativamente a crimes
puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão,
suspender o processo em alternativa a acusar, mediante a imposição ao Arguido de
injunções ou regras de conduta, desde que o Juiz de Instrução concorde e se
verifiquem os pressupostos constantes das várias alíneas do n.º 1 do art. 281.º do
CPP.
Estando Carlos indiciado por cumplicidade num crime de roubo, p. e p. no art. 210.º,
n.º 1, do CP, a sua pena abstrata será especialmente atenuada, nos termos dos art.ºs
27.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 41.º, n.º 1, do CP, sendo de um mês a 5 anos e 4
meses (o limite mínimo de um ano é reduzido ao mínimo legal, ou seja, um mês, e o
limite máximo é reduzido de um terço, ou seja, de 2 anos e 8 meses, ficando em 5
anos e 4 meses).
Deste modo, a suspensão provisória do processo não seria in casu possível, por se
tratar de crime punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, ainda que
a injunção de pagar uma compensação a Daniela fosse admissível, nos termos do
art. 281.º, n.º 2, al. a), do CPP, e os restantes requisitos do n.º 1 da citada disposição
pudessem, em abstrato, estar preenchidos.
Pode, de iure condendo, discutir-se se não se justificaria estender à suspensão
provisória do processo o mecanismo consagrado nos art.ºs 16.º, n.º 3, e 381.º, n.º 2, do
CPP, possibilitando-se ao MP lançar mão da suspensão provisória do processo
relativamente a crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, se
fosse previsível que o Arguido, caso viesse a ser julgado, não seria condenado em
pena de prisão superior a 5 anos. Sendo a suspensão provisória do processo também
manifestação do princípio da oportunidade, a referida solução permitiria maximizar
o referido princípio.
De referir ainda que sujeitar a suspensão provisória do processo à condição de o
Arguido reiterar no julgamento as informações prestadas à PJ não parece ser
admissível, por o nosso processo penal, apesar de conhecer manifestações do
princípio da oportunidade, ser orientado pelo princípio da legalidade (art. 219.º, n.º
1, da CRP), sendo inadmissíveis formas de plea bargaining próprias de outros
ordenamentos jurídicos como o norte-americano. Admite-se a discussão do problema
em função da eventual aplicação do disposto no artigo 126.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do
CPP às declarações do Carlos.

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2. Como deve proceder o Tribunal perante um requerimento do MP, no início da


audiência de julgamento, solicitando a tomada em consideração da “utilização
de uma caçadeira, não referida na acusação, para ameaçar Daniela, o que
agravaria o crime de roubo, nos termos do art. 210.º, n.º 2, al. b), do CP”? (5
valores)

O Tribunal deveria, após o prévio exercício do contraditório por parte dos restantes
sujeitos processuais, e na falta de acordo de todos, rejeitar a promoção do MP, dado
que a mesma comportaria uma alteração substancial de factos não autonomizáveis,
pelo que não poderia ser tida em conta pelo Tribunal sob pena de violação do princípio
da vinculação temática.

Efetivamente, a utilização de “uma caçadeira para ameaçar Daniela” constitui um


facto processual novo (acontecimento diverso não constante da acusação), ademais
não totalmente independente (não se trata de um outro objeto distinto do que estava
em discussão), pelo que constitui uma alteração de factos. E uma alteração de factos
substancial nos termos do art. 1.º, al. f), do CPP, desde logo por haver agravação do
limite máximo da pena abstratamente aplicável (ao invés de 8 anos do n.º 1 do art.
210.º do CP, passaria a ser suscetível de ser aplicada a pena de 15 anos nos termos
do n.º 2 daquele preceito). E tratando-se de uma alteração substancial de factos não
autonomizável, na medida em que não poderia ser destacada e constituir um
processo penal autónomo sem violação do princípio ne bis in idem (até porque não
estava em causa a posse de arma ilegal, mas “apenas” a utilização da caçadeira
naquele mesmo roubo), não poderia o Tribunal ter em conta os novos factos no
processo em curso, pelo que deveria continuar a julgar apenas com base na
factualidade anterior, nos termos do art.º 359.º, n.º 1, do CPP – exceto se houvesse
acordo do Arguido, do Assistente e do MP, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito
legal, caso em que poderia o Tribunal prosseguir o julgamento também pelos novos
factos. Seria valorizada a resposta de quem discutisse o abandono da solução da
absolvição da instância (pois implica a extinção da instância, proibida legalmente) e
a eventual solução de se atender aos novos factos na pena concreta do crime de que
o Arguido vinha acusado de modo a aproximá-la do seu máximo ou de anulação do
processado e regresso do processo ao inquérito para conhecimento de todos os factos
em conjunto.

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Não havendo acordo, e caso o Tribunal tivesse em conta a nova factualidade e viesse
até a condenar o Arguido com base na mesma, tal sentença seria nula. Trata-se de
uma nulidade, atípica, com regime próprio. Trata-se de uma nulidade (sanável) da
sentença, nos termos dos art.ºs 118.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, cuja arguição
deve ter lugar por via de recurso ordinário, perante o Tribunal superior, no prazo de
30 ou de 20 dias, consoante haja ou não impugnação da prova gravada (art.ºs 399.º,
410.º, n.º 1, e 411.º, n.º 1, do CPP).

3. Poderá o Tribunal valorar os objetos apreendidos no escritório de Xavier? (4


valores)

A resposta deverá ser negativa.


Está em causa a possibilidade de o Tribunal de julgamento valorar objetos
apreendidos na sequência de uma busca realizada a um escritório de advocacia.
As buscas e apreensões integram meios de obtenção de prova (arts. 174.º a 186.º do
CPP), tanto mais que constituem procedimentos e instrumentos utilizados pelas
autoridades judiciárias e pelas polícias criminais para a aquisição de meios de prova
no processo penal.
Em geral, a busca é autorizada ou ordenada através de despacho da autoridade
judiciária – com um prazo de validade máximo de 30 dias –, devendo esta, sempre
que possível, presidir à diligência (art. 174.º, n.ºs 3 e 4, do CPP), e respeitadas as
formalidades do art. 176.º do CPP. Também a apreensão exige, em princípio,
despacho da autoridade judiciária a autorizar, ordenar ou validar a sua realização,
podendo os órgãos de polícia criminal realizar apreensões no decurso de buscas, sem
prejuízo da sua necessária validação pela autoridade judiciária num prazo máximo
de 72 horas, ex vi arts. 178.º, n.ºs 4 e 5, e 249.º, n.º 2, al. c), do CPP.
Todavia, tratando-se de buscas e apreensões a escritórios de advogados, a sua
realização, durante o inquérito, é da competência exclusiva do Juiz de Instrução
(art. 268.º, n.º 1, al. c), do CPP) e, em qualquer dos casos e sob pena de nulidade,
“presidida pessoalmente pelo Juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho
(distrital) da Ordem dos Advogados [...], para que o mesmo, ou um seu delegado,
possa estar presente” (arts. 177.º, n.º 5, e 180.º do CPP).
No caso sub judice, o produto do roubo constitui um objeto suscetível de apreensão,
ex vi art. 178.º, n.º 1, do CPP. Mas tendo a apreensão daquele objeto sido efetuada no
escritório de advocacia de Xavier e na sequência de busca realizada a esse mesmo

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escritório, exigia-se que, no decurso do inquérito, aquelas diligências tivessem sido


realizadas pelo Juiz de Instrução e, em qualquer dos casos, que fossem, sob pena
de nulidade, presididas pessoalmente por Juiz, o qual avisaria previamente o
Presidente do respetivo Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, para que o
mesmo, ou um seu delegado, pudesse estar presente (arts. 177.º, n.º 5, e 180.º do
CPP). Dado que tal parece não ter sucedido, seria possível considerar como meios
proibidos de obtenção de prova a busca e a apreensão realizadas.
Além disso, o carácter proibido dos meios de obtenção de prova implica, em princípio,
a proibição de utilização (= valoração) das provas obtidas, já que estas são igualmente
nulas e não podem ser usadas, sendo certo que a violação da proibição de valoração
determina a invalidade do ato e eventualmente dos termos subsequentes (art. 32.º,
n.º 8, da CRP e arts. 118.º, n.º 3, e 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP). E o desrespeito dos
pressupostos das buscas e apreensões em escritório de advogado gera também a
nulidade e a inadmissibilidade da prova, sujeitando-se ao regime de nulidade sui
generis cominado no art. 126.º, n.º 3, do CPP, que consagra as chamadas proibições
relativas de prova, uma vez que os preceitos que estabelecem aqueles pressupostos
constituem os casos previstos na lei de restrição a direitos de liberdade.
Portanto, in casu não poderiam ser usados nem valorados pelo Tribunal os objetos
apreendidos. Caso fossem utilizados ou valorados, poderia ser arguida a nulidade da
prova obtida com fundamento no carácter proibido dos meios de obtenção de prova
(arts. 118.º, n.º 3, 126.º, n.º 3, 177.º, n.º 5 e 180.º do CPP). E, ainda que a nulidade em
questão não fosse arguida ou conhecida antes do trânsito em julgado da decisão final,
seria possível interpor recurso de revisão da sentença que se fundasse na valoração
de prova nula (art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP), tanto mais que a verdade obtida
através desses meios de prova resultava afinal na injustiça da condenação.

4. Poderá o Tribunal considerar as mensagens SMS guardadas nos telemóveis


dos Arguidos de que se serviam para combinar os pormenores do roubo e que
foram apreendidas aquando da comparência na PJ? (4 valores)

A resposta deverá ser negativa.


As mensagens SMS guardadas nos telemóveis dos Arguidos constituem
comunicações transmitidas por via telemática, estando guardadas em suporte digital
(no cartão ou na memória do telemóvel), pelo que se subsumem na referência a

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“comunicações de natureza semelhante [a correio eletrónico]” feita pelo art. 17.º da


Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime – LCC).
Assim sendo, seria necessário para a utilização e valoração das mensagens SMS
como meio de prova o preenchimento dos requisitos e condições previstos nos art.
11.º, n.º 2, alínea c), e 17.º da LCC, aplicando-se, correspondentemente, o regime da
apreensão de correspondência no art. 179.º do CPP, cabendo aqui debater as várias
posições jurisprudenciais e doutrinárias acerca da melhor interpretação da remissão
para o regime do CPP.

Época de Recurso – 29 de julho de 2020

Ana e Bernardete, colegas de casa, todas as semanas se dirigiam ao


supermercado para fazer compras para todos os vizinhos do prédio, durante o Estado
de Emergência decorrente da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2.
Numa dessas idas ao supermercado, Ana resolveu colocar dentro da sua mala um
creme, no valor de € 45,00, pensando que estava assegurada a fuga perfeita sem
proceder ao pagamento do bem, até porque teve manha suficiente para retirar o
alarme da caixa. Contudo, à saída do supermercado, Claúdio, segurança, interpelou
Ana e pediu-lhe que mostrasse o que ela tinha dentro da mala. Ana, muito aflita,
abriu a mala e, enquanto devolvia o produto, alegou que tinha ficado sem trabalho e
que não tinha meios para comprar aquele creme que tanto queria...
Diana, que estava nesse momento a entrar no supermercado e viu toda a
ocorrência, não se coibiu de comentar: “Que vergonha... se ainda roubasse comida...
agora um creme!”. Bernardete, que tinha um ódio de estimação por Diana, não se
ficou e retribuiu: “Não falas assim da minha amiga! Atiras-te aos maridos das
outras, mas estás aqui com finezas! Sua desavergonhada!” Diana não respondeu,
mas jurou vingança. Com efeito, contactou Edgar, o seu eterno admirador, e pediu-
lhe que desse “uns bons tabefes” a Bernardete. Informou-o, pois, de que
Bernardete levava diariamente a passear o seu pequeno salsicha ao Jardim das
Flores, pelas 17h00. Nesse dia, à hora marcada, Edgar dirigiu-se encapuzado ao
jardim e esbofeteou e pontapeou Bernardete, com recurso a uma soqueira,
deixando-a inconsciente. Bernardete, por sua vez, assim que teve alta do hospital
para onde foi levada de urgência, apressou-se a apresentar queixa contra
desconhecidos junto da PSP.

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Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

1. Suponha que Ana foi acusada pelo MP de um crime de furto simples, nos
termos do artigo 203.º, n.º 1, do CP, sem que o proprietário do supermercado
se tenha constituído assistente no processo. Ana, todavia, entendia que
tinha praticado um crime de furto, nos termos dos artigos 202.º, alínea c),
203.º, n.º 1, e 207.º, n.º 2, do CP. Enquanto advogada/o de Ana, o que faria
para reagir contra o despacho de acusação? (5 valores)

Ou se admite a possibilidade de apresentação de requerimento de abertura de


instrução (RAI) pelo Arguido apenas para discutir questões de direito (incluindo a
arguição de invalidades do inquérito, nomeadamente por ilegitimidade do MP) ou
tal RAI deverá ser rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do
287.º, n.º 3, in fine, do CPP.
Em primeiro lugar, deveria mencionar-se os requisitos do RAI:
i) legitimidade (que assistiria ao Arguido nos termos do artigo 287.º, n.º 1,
alínea a), do CPP, a desenvolver infra);

ii) prazo (20 dias a contar da notificação da acusação);

iii) representação judiciária; e


iv) conteúdo (ainda que por súmula, e sem formalidades especiais, deveria
mencionar-se as razões de discordância de facto e de direito face à decisão
final de inquérito, nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do CPP).
Ainda que estivessem assegurados os demais requisitos, deveria desenvolver-se o
requisito relativo à legitimidade do Arguido. Tendo este sido acusado, a sua
legitimidade para deduzir RAI estaria dependente de se admitir que o mesmo
poderia deduzir tal requerimento apenas para discutir questões jurídicas ou para
invocar invalidades processuais. Na verdade, no caso concreto não haveria qualquer
questão de facto controvertida. Apenas uma mera qualificação jurídica.
Assim, a possibilidade de reagir contra o referido despacho de acusação tem sido
objeto de controvérsia na doutrina. Estando em causa uma mera questão de direito,
é questionável se poderá o Arguido apresentar RAI nos termos do artigo 287.º, n.º

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1, alínea a), do CPP. Neste âmbito deveriam ser discutidas as teses a favor e contra
e respetivos argumentos.
Note-se que mesmo para quem sustentar que o Arguido apenas pode deduzir RAI
por questões de direito que possam ser úteis (i.e., que conduzam a um despacho de
não pronúncia), também neste caso haveria legitimidade dado que seria alcançado
um despacho idêntico (i.e., um despacho que ponha fim ao processo, evitando-se
assim o julgamento), pelo que a contestação não seria o momento adequado para
levantar a questão.
Caso se pugnasse pela possibilidade de apresentação de RAI, deveria ser discutida a
eventual inadmissibilidade legal do procedimento, nomeadamente a circunstância
de, em virtude da AQJ, o MP deixar de ter poderes para, inexistindo constituição
como Assistente, proceder à investigação do referido crime, nos termos do artigo 50.º
do CPP, mais se salientando que deveria ter sido o Assistente, e não o MP, a
apresentar acusação particular, nos termos do artigo 285.º do CPP, e que aquele
apenas poderia ter acompanhado a acusação, segundo o artigo 285.º, n.º 4, do CPP.
Importa nomeadamente discutir se a AQJ, de crime semipúblico para particular,
afeta a validade do inquérito e da acusação pública, ou se apenas produz efeitos para
o futuro, questionando se faz sentido uma regressão do processo à fase anterior ao
inquérito e à acusação pública; ou se deve antes o ofendido ser notificado para,
desejando, pôr termo ao processo, através da desistência da queixa – não da acusação
particular, pois esta não foi apresentada (art. 51.º do CPP).
Dever-se-ia ainda questionar a possibilidade de a arguida requerer a abertura da
instrução para invocar a invalidade decorrente da ilegitimidade do MP num processo
por crime particular sem que tenha havido a constituição como Assistente e a
dedução de acusação particular por este. Seria de discutir se tal ilegitimidade, que
constitui um pressuposto processual, gera até uma nulidade insanável nos termos do
artigo 119.º, alínea b), do CPP. Uma invalidade que não depende de arguição, mas
que pode ser invocada a todo o tempo e constituindo o RAI um desses momentos
adequados.
Caso se pugnasse pela impossibilidade de apresentação de RAI, deveria o JI rejeitar
o requerimento por inadmissibilidade legal da instrução, devendo o processo
prosseguir para julgamento. Neste âmbito deverá ser valorizada a resposta que
referir que, avançando para julgamento, é questionável que o Juiz possa logo em
sede de saneamento (artigo 311.º do CPP) alterar a qualificação jurídica,
nomeadamente tomando em consideração o Acórdão de fixação de jurisprudência do

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STJ n.º 11/2013, sendo de referir o voto de vencido do conselheiro Manuel Joaquim
Braz. Porém, é de notar que a falta de legitimidade do MP corresponde à falta de um
pressuposto processual que é de conhecimento oficioso e que no saneamento o Juiz
deverá apreciar. Deste modo, e independentemente da AQJ quanto à natureza do
crime, poderia conhecer da referida questão, bem como da eventual invalidade
processual mencionada supra.

2. No âmbito da investigação, dois OPC dirigiram-se a casa de Edgar pelas


17h00 com a finalidade de descobrir a soqueira com a qual teria sido cometido
o crime contra Bernardete. Apesar de Edgar não se encontrar em casa, a
sua mãe consentiu que entrassem no quarto do filho. Já no interior do mesmo,
encontraram a famigerada soqueira e apreenderam-na como prova do crime.
Depois da busca, e apenas para garantir o integral cumprimento da lei, os
mesmos OPC entregaram a Edgar uma declaração através da qual este
consentia na busca efetuada no dia anterior, a qual foi, por este, prontamente
assinada. Pronuncie-se sobre a atuação dos OPC. (6 valores)

A busca domiciliária efetuada seria nula nos termos do artigo 32º, n.º 8, da CRP, e
artigo 126º, n.º 3, do CPP e, por conseguinte, sê-lo-ia também a apreensão efetuada,
não podendo a prova ser utilizada por ser proibida.
Em primeiro lugar, uma busca domiciliária só pode ser realizada quando existirem
indícios de que os objetos relacionados com o crime ou que possam servir de prova se
encontram em casa habitada ou numa sua dependência fechada.
A realização da busca domiciliária terá de cumprir os requisitos previstos no artigo
177.º do CPP. No caso, sendo o enunciado omisso quanto à existência de despacho
fundamentado que autorizasse as respetivas buscas, apenas poderiam ser efetuadas
caso fosse prestado consentimento, documentado, por parte do visado, nos termos do
artigo 177.º, n.º 3, alínea a) e 17.º, n.º 5, alínea b), do CPP, dado que se mostrava
respeitado o princípio da proporcionalidade, nos seus vários corolários ou vertentes
da necessidade, adequação e justa medida.
Deveria ainda referir-se que é pressuposto das buscas domiciliárias a existência de
indícios da prática do crime investigado. Ora, mesmo que não se exigisse o crivo dos
indícios suficientes como para a dedução de uma acusação (ou de uma medida de
diversão), sempre seria necessário demonstrar-se o nível da suspeita fundada (tal
como a jurisprudência tem vindo a reforçar). Neste caso concreto, não se conhece

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como poderia Edgar ser suspeito, nem, muito menos, como recairia sobre o mesmo
a suspeita fundada. Seria discutível a verificação deste pressuposto.
Quanto ao consentimento, não se encontrando o visado em casa, a mãe não poderia
consentir na realização de uma busca ao quarto do filho, uma vez que, a partir do
momento em que esse ato deixava de ter por objeto o quarto da mãe (ou mesmo os
espaços comuns) e passava a ter por objeto o espaço privado do filho, o visado passava
a ser este último. Assim, poderia ser dado consentimento para que a busca fosse
realizada nas áreas comuns ou no seu quarto, mas não ao quarto do seu filho.
A exigência de consentimento do visado, nos termos do artigo 174.º, n.º 5, alínea b),
do CPP, nada tem a ver com a tutela da propriedade, do domínio ou da titularidade
do domicílio, mas sim com a privacidade, a intimidade e a vida familiar, direitos de
personalidade que apenas cabe ao próprio exercer.
Por outro lado, o consentimento é necessariamente prévio à realização do ato, não se
confundindo com a mera ratificação de uma atuação já encetada, razão pela qual o
consentimento a posteriori não pode sanar o vício em causa.
Deveria identificar-se a nulidade da prova recolhida, nos termos dos artigos 178.º,
n.ºs 3 e 4. Mas neste caso prevalece a aplicação do regime mais severo das proibições
de prova, nos termos dos artigos 118.º, n.º 3, e 126.º, n.º 3, do CPP, com as respetivas
consequências. Um regime que comporta a proibição de produção e de valoração da
prova proibida, sendo apenas permitida a sua valoração para a responsabilização dos
agentes que utilizaram tal método proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 4, do CPP,
devendo em princípio ser desentranhada dos autos, não podendo ser repetida, sendo
de conhecimento oficioso e insanável mesmo para além do trânsito em julgado e
constituindo ademais fundamento de recurso extraordinário de revisão de sentença,
nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP. Tal nulidade sui generis
decorrente de prova proibida comporta ainda o efeito à distância, i.e., a invalidade
da prova principal contaminaria (salvo alguma exceção) as eventuais provas
secundárias que com aquela estivessem numa relação de causalidade ou, na
terminologia da jurisprudência nacional, em que se estabeleça um “nexo de
dependência cronológica, lógica e valorativa”, através do chamado efeito à distância,
devido à teoria, originária na jurisprudência dos EUA, dos frutos da árvore
envenenada ou da sua congénere alemã teoria da nódoa ou da mancha, nos termos
do art. 32.º, n.º 8, da CRP e art. 122.º, n.º 1, do CPP, este último aplicável às proibições
de prova por raciocínio a fortiori.

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Referência à jurisprudência a respeito do tema, nomeadamente ao Ac. do TC n.º


507/94.

3. Considere agora que o Ministério Público, no final do inquérito, acusou


Edgar pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (p. e
p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do CP). Já na fase de julgamento, o Tribunal
entendeu, depois de produzida a prova testemunhal, que o facto de, em
consequência das agressões de Edgar, Bernardete ter ficado impedida de
praticar a sua profissão de bailarina profissional, o que já resultava da
acusação, levaria à verificação do crime de ofensa à integridade física grave
(p. e p. pelo artigo 144.º, alínea b), do CP). Assim, o Tribunal condenou Edgar
numa pena de prisão de 6 anos e 6 meses pela autoria material do crime de
ofensa à integridade física grave. Pronuncie-se sobre a validade da decisão do
Tribunal. (7 valores)

Estamos perante um caso de alteração da qualificação jurídica pelo Tribunal em fase


de julgamento, que segue o regime do artigo 358.º, n.º 3, do CPP, podendo ser a
decisão do Tribunal nula por violação do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP,
importando discutir e fundamentar a aplicação desta alínea à violação do regime
legal da AQJ, e não apenas do regime legal da AF, como sugere o texto legal.
O Tribunal decidiu alterar a qualificação jurídica do crime de ofensa à integridade
física simples para ofensa à integridade física grave, não havendo ASF, uma vez que
estes permaneceram imutáveis;
Assim, o regime da AQJ segue o regime da ANSJ previsto no artigo 358.º, n.º 3, do
CPP. Seria valorizada a discussão acerca do regime da AQJ, nomeadamente as
críticas que são aduzidas à solução consagrada na lei pelo legislador;
Deste modo, estava o Tribunal obrigado a comunicar ao Arguido a alteração, dando-
lhe prazo, se este o requerer, para preparar a sua defesa (artigo 358.º, n.os 1 e 3, do
CPP). Seria valorizada a discussão quanto à desnecessidade de comunicação ao
Arguido da AQJ em certos casos, nomeadamente quando não se verifica um
agravamento da sua situação processual, o que, de todo o modo, não se verificava no
presente caso.
Quanto à competência, estando em causa um crime de ofensa à integridade física
simples, seria competente o Tribunal Singular (artigo 16.º, n.º 2, alínea b), do CPP).

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Todavia, com a AQJ efetuada pelo Tribunal, passava a ser competente o Tribunal
Coletivo, nos termos do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do CPP, uma vez que este crime
é punível com pena de prisão até 10 anos.
Discussão das teses aplicáveis a este caso quanto à competência: nomeadamente se
o Tribunal Singular se deverá declarar incompetente e remeter o processo para
Tribunal Coletivo; ou se será antes competente, mas não poderá aplicar pena
superior àquela que estava prevista para a qualificação jurídica inicial.
De todo o modo, conclui-se que o Tribunal Singular estava obrigado a comunicar a
alteração ao Arguido (não decorre do enunciado que o tenha feito), e que não o
poderia condenar numa pena de prisão de 6 anos e 6 meses, ao abrigo da segunda
tese referida, uma vez que não teria competência para o efeito, sendo a sentença nula
nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP), podendo o Arguido invocar a
nulidade em sede de recurso ordinário e no prazo do mesmo, a saber: 30 dias (379.º,
n.º 2, 410.º, n.º 3, e 411.º, n.º 1, do CPP).

Época Normal – 21 de junho de 2021

Os agentes da PSP Paula e Paulo, devidamente fardados, encontravam-se a


tomar conta de uma ocorrência (no caso, um acidente de viação) na Avenida General
Norton de Matos, em Lisboa, quando Abel, que conduzia a sua viatura, passou pelos
mesmos levantando ostensivamente o dedo do meio da mão esquerda, em gesto de
insolência. Perante o acontecido, a agente Paula levantou a mão ordenando a
paragem da viatura. Abel acelerou gritando “Vão para o raio que vos parta, seus
palhaços! Ato contínuo, a agente Paula perseguiu-o no seu motociclo com os sinais
sonoros e luminosos ligados. Abel veio a despistar-se provocando danos na viatura
automóvel conduzida por Bernardo (condutor que, apercebendo-se da situação,
imobilizara a sua viatura de modo a dificultar que Abel prosseguisse a marcha).
Quando a agente Paula abordou o suspeito e ordenou que fizesse o teste de despiste
de alcoolemia, Abel esmurrou-a violentamente na face, e bem assim agrediu
Bernardo.

Por fim, a agente Paula conseguiu deter Abel pela prática, em concurso efetivo,
de dois crimes de ofensas corporais (um à agente Paula e outro a Bernardo – artigo
143.º e ss. do CP), de dano (artigo 212.º do CP), e de injúria (artigo 181.º e ss. do CP),

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tendo-o constituído Arguido e informado dos motivos da sua detenção e dos


respetivos direitos.

Durante a revista, encontrou-se no interior do bolso esquerdo do casaco de Abel


vários pedaços de um produto, que, submetido de imediato a um teste rápido, veio a
comprovar-se tratar-se de haxixe com um peso total de 5,51 gramas, pelo que Abel
foi ainda indiciado da prática de um crime de detenção de estupefaciente para
consumo (p. e p. pelo artigo 40.°, n.º 2, do DL n.°15/93, de 22 de janeiro2, por
referência à Tabela I-C anexa a tal diploma e ao disposto no artigo 2.°, n.º 2, da Lei
n.º 30/2000, de 29 de novembro e no artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26 de março
e respetiva Tabela).

Após o exame no laboratório de Polícia Científica foi confirmado que o produto


encontrado na posse do Arguido se tratava de canábis resina, produto vegetal
prensado, com um grau de pureza de 22, 4% THC com um peso líquido de 5,394
gramas correspondentes a 24 doses médias diárias.

Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

1. Sendo Magistrado do MP titular do processo, em que forma de processo


tramitaria os autos relativos aos crimes suprarreferidos imputados a Abel?
(4 valores)

Forma comum (salvo se algo, que não consta do enunciado, revelasse que a pena
concreta não deveria ser superior a 5 anos de acordo com um juízo de prognose)
Prioridade das formas especiais: nulidade dependente de arguição 120.º/2/a), sendo
a forma comum subsidiária
Exclusão de aplicação das formas especiais sumária e abreviada:

2 Artigo 40.º
Consumo
1 - Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas,
substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão
até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.
2 - Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida
pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3
dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.
3 - No caso do n.º 1, se o agente for consumidor ocasional, pode ser dispensado de pena.

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• Detenção em flagrante delito stricto sensu (255.º/1/a) e 3 e 256.º/1/1.ª parte –


atos de execução em curso que foram percecionados pela agente Paula
aquando da detenção) relativamente aos crimes de injúria agravada (artigos
181.º, 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), do CP), de natureza semipública (dependendo
de queixa) e de ofensas corporais: um, praticado contra Paula, teria a
natureza pública (143.º e 145.º, n.º 1, por referência à al. l) do n.º 2 do art.
132.º, todos do CP e art. 48.º do CPP); outro, contra Bernardo seria
semipúblico (art. 49.º do CPP e 113.º a 115.º do CP), pelo que seria necessário
queixa por parte do titular do direito (Bernardo quanto a este crime, e de
Paula quanto ao crime de injúria agravada) para que a detenção se
mantivesse (255.º/3) e para que o MP tivesse legitimidade para promover a
ação penal, sob pena de nulidade insanável (119.º/b)
• Porém, a pena abstrata aplicável seria superior a 5 anos de prisão: 4 meses e
meio pelo crime de injúria agravada (artigos 181.º e 184.º do CP); 4 anos pelo
crime de ofensas corporais contra Paula (143.º, 145.º/1/a) do CP) + 3 anos pelo
crime de ofensas corporais contra Bernardo (143.º CP) + 3 anos pelo crime de
dano + 1 ano pelo crime de detenção de estupefacientes = 11 anos e 4 meses e
meio de pena abstrata máxima
• Não havendo no enunciado ou pergunta elementos suficientes que
justificassem o juízo de prognose de que a pena concreta não seria superior a
5 anos (381.º/2 e 391.º-A/2), não seria de aplicar a forma sumária, nem a
abreviada (ainda que todos os crimes permitissem ser julgados em tribunal
singular, i.e., não houvesse nenhum caso de reserva qualitativa de
competência do tribunal coletivo – cfr. art. 13.º/1, 14.º/1, 14.º/2/a) ou 16.º/2/a)
– e a audiência de julgamento pudesse iniciar-se no prazo de 48h subsequente
à detenção (387.º/1, prorrogável até ao 20.º dia nas condições do n.º 2 do mesmo
preceito) ou mesmo que tal prazo fosse ultrapassado (dado o tempo necessário
para o exame de Polícia Científica), haveria um caso de evidência probatória
(391.º-A/3/a)) da forma abreviada. Contudo, a pena máxima abstratamente
aplicável ao Arguido seria superior a 5 anos impedindo assim as formas
especiais
• Presumia-se que seria organizado um só processo para o julgamento do
Arguido por todos estes crimes (por apensação natural ou verificação de
todos os requisitos da conexão: 24.º/1/b) – mesma ocasião e lugar –
inexistência de limites – 26.º – e tramitação concomitante – 24.º/2).

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2. Abel, perante os factos atinentes ao crime de dano (artigo 212.º do CP),


considera que os mesmos não revelam qualquer dolo. Na qualidade de
defensor de Abel, como deveria reagir após ser notificado daquela acusação
de modo a evitar que o Arguido fosse julgado pela prática do referido crime?
Se o defensor de Abel nada fizesse, o que deveria fazer o Juiz? (3 valores)
O Defensor de Abel deveria deduzir RAI (287.º/1/a)) e se não o tivesse feito, deveria
discutir-se se o Juiz no saneamento poderia rejeitar a acusação por manifestamente
infundada (311.º/2/a), n.º 3, al. d)), ou se apenas o deveria fazer no início do
julgamento (338.º)
Requisitos do RAI: legitimidade, prazo, conteúdo e representação judiciária
• Em especial a legitimidade e a finalidade da instrução apenas para apreciar
uma questão de direito
o Várias posições e respetivos fundamentos
Sustentando-se a inadmissibilidade do RAI do Arguido apenas para sustentar uma
QJ, teria de recomendar-se a contestação (315.º)
• Neste caso, deveria discutir-se se o Juiz de julgamento poderia até antes da
contestação e oficiosamente rejeitar a acusação por manifestamente
infundada (cfr. art. 311.º/2/a), n.º 3, al. d)), ou se apenas o poderia fazer no
início do julgamento (cfr. art. 338.º)

3. Suponha que, no decurso da instrução, Bernardo o contacta de modo a que


Abel fosse sujeito, de imediato, a prisão preventiva, atendendo a que
Bernardo teria recebido “recados sérios” de que não deveria depor contra o
Arguido. Como agiria na qualidade de mandatário de Bernardo no âmbito
do processo-crime em curso contra Abel? (3 valores)

Sem prejuízo da autónoma promoção penal pelo crime de ameaça e o recurso à


proteção devida à vítima (ao abrigo do regime de proteção de testemunhas), no
âmbito do processo-crime em curso, deveria constituir-se Assistente e nessa
qualidade requerer ao Juiz de Instrução (JI) a aplicação da prisão preventiva, ou,
discutir-se se o poderia fazer apenas na qualidade de vítima (solicitando a proteção
adequada).

Requisitos do requerimento de constituição como Assistente (68.º/1/a), 69.º e 70.º).

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Aplicação da prisão preventiva: na fase de instrução, pode ser aplicada oficiosamente


pelo JI (194.º/1), tendo por base um requerimento do Assistente ou até da vítima ao
abrigo do seu Estatuto (cfr. art. 67.º-A/4), sem prejuízo de ser ouvido o MP (194.º/1)
e da prévia audição do Arguido (194.º/4) atendendo ao perigo de perturbação da
instrução/produção de prova (204.º/b))

• Vantagem da constituição como Assistente: plena participação no processo-


crime em curso

Questão complexa: o crime do qual Bernardo seria vítima e teria legitimidade


para se constituir como Assistente não admite prisão preventiva (cfr. catálogo
do art. 202.º/1). Porém, as ofensas corporais qualificadas já o admitiam
(202.º/1/d))

• Deveria discutir-se tal problema: a legitimidade do Assistente ou da vítima


vs. os fins das medidas coativas referirem-se a todos os crimes (e tendo o JI
tomado conhecimento e podendo aplicar oficiosamente, nada impede que
determine a prisão preventiva);
• Deveria ainda problematizar-se se a aplicação é relativa ao crime doloso
punível com pena mais grave, como parece preferível
• Crivo dos “fortes indícios” do art. 202.º (e comparação do mesmo com o crivo
dos “indícios suficientes”)

A valorizar: o JI caso aplicasse a medida de prisão preventiva ficaria impedido de


participar no julgamento (art. 40.º/a))

4. No final do julgamento, o tribunal apura que Abel tinha no seu computador


(apreendido no decurso da busca à viatura que o Arguido conduzia no
momento dos factos) um ficheiro com uma lista de vários contactos, datas e
quantidade de “sacos”, bem como o valor “pago” e “em dívida” por cada um
daqueles contactos. Perante tal, o tribunal ficou convencido de que, afinal,
Abel deteria aquela quantidade de estupefacientes para vender a terceiros,
constituindo assim um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade
(p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro2, por referência
à Tabela I - C anexa), ao invés do mero crime de detenção para consumo. Como
procederia se fosse Juiz dos autos atendendo a que:
a. A defesa do Arguido invoca a nulidade da prova; (4 valores)

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Mesmo que não tivesse havido consentimento do visado, a prova seria válida, salvo
falta de autorização ou de validação pela autoridade judiciária competente
• Regime da busca (174.º/5/c) + 251/a)) e apreensão do computador (178.º/4 e
249.º/2/c)) encontrado na viatura: sujeitas a validação pela autoridade
judiciária competente (178.º/6 e 251.º/251.º/2), no caso o MP (263.º e 267.º) por
ser o dominus do inquérito e não se tratar de ato reservado ao JI (a contrario
sensu, 268.º e 269.º CPP)
• Quanto ao acesso ao conteúdo do computador nomeadamente quanto aos
ficheiros como aquele que está em causa:
o Apreciação do problema da privacidade digital
▪ Discussão sobre o âmbito de aplicação da privacidade em
ambiente digital
o Aplicação da LdCibercrime: âmbito extenso: art. 11.º/1/c)
▪ Pesquisa de dados: regime do art. 15.º
▪ A apreensão do ficheiro em concreto: art. 16.º

b. A inalterabilidade do objeto constante da acusação. (4 valores)

A vinculação temática do tribunal admite variações nos termos legalmente previstos


(cfr. art. 359.º/3 e 358.º). Porém, no caso, sem o consentimento do Arguido, do MP e
do Assistente, não seria possível condenar, validamente, o Arguido pelo crime de
tráfico de estupefaciente de menor gravidade (p. e p. pelo artigo 25.º, al. a) do DL n.º
15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I - C anexa);

Haveria um facto novo: a detenção do produto estupefaciente destinava-se à venda a


terceiros e não ao autoconsumo (podendo até configurar um ilícito de maior
gravidade atendendo a que haveria inclusivamente uma lista de contatos o que
pressuporia uma organização mais estruturada), constitui um pedaço de vida ou um
acontecimento diverso do descrito da acusação (detenção para consumo próprio);

Um facto novo que não é totalmente independente, i.e., estranho ao objeto pendente:
trata-se do mesmo pedaço de vida que estava em apreço judicial (o Arguido detinha
uma quantidade de estupefacientes que agora se descobriu destinar-se a revenda);

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Havendo uma alteração de factos, a mesma seria substancial (ASF), dado que resulta
num agravamento da pena máxima abstratamente aplicável (passando de 1 ano para
5 anos de prisão de máximo), nos termos do art. 1.º/f);

Por fim, não seria autonomizável já que não seria possível conhecer daquela atuação
intencional do Arguido sem violar-se o non bis in idem:

• A presente situação insere-se na constelação de casos designados de


alternatividade: não prova parcial dos factos antigos (intenção de
autoconsumo) e prova de um facto novo (intenção de revenda a terceiros) que
conjuntamente com os demais factos antigos (a detenção daquela quantidade
de estupefacientes) permite passar para um outro tipo de ilícito (tráfico), que
anula (ou não é cumulável com) o ilícito inicial (consumo)

No caso, o Juiz deveria proceder à comunicação dos factos novos aos sujeitos
processuais para efeitos de obtenção do seu acordo (art. 359.º/3)

Não havendo acordo (como parece que o Arguido se opõe à apreciação dos novos
factos), o tribunal não poderia validamente condenar o Arguido pelo novo crime (sob
pena de nulidade da sentença quanto a essa parte, ainda que dependente de arguição
em sede de recurso e no prazo do mesmo – arts. 379.º/1/b), n.º 2 e 410.º/3 e 411.º/1

• Discussão sobre as soluções possíveis e os respetivos fundamentos


• Cfr. Ac. do STJ (de uniformização de jurisprudência) n.º 1/2015 e Ac. do TC
n.º 711/2019

Época de Recurso – 22 de julho de 2021

Luiz, célebre poeta surrealista da cidade de Lisboa, encontrava-se, como era


seu hábito, junto ao Café Gelo, na Praça da Figueira, quando viu aproximar-se
Mário, um não menos afamado poeta, ainda que pertencente à escola infrarrealista.
Consequência do desprezo que nutriam pela corrente artística do outro, começaram
imediatamente a trocar provocações por via da declamação recíproca de versos de
escárnio. Sentindo-se especialmente visado na sua honra por uma metáfora onírica
de Luiz, Mário desferiu um murro violento na direção de Luiz, atingindo-o em cheio
na têmpora. Numa reação instintiva, Luiz ainda conseguiu pontapear Mário na

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barriga antes de começar a sentir os efeitos desorientadores do murro que o havia


atingido e cair no chão.
No dia seguinte, quando Mário se encontrava já na sua casa na cidade de
Évora, começou a sentir uma dor aguda no estômago e a cuspir sangue, tendo
imediatamente percebido que eram ainda sequelas do pontapé de Luiz. Nesse
mesmo dia, dirigiu-se à Esquadra de Investigação Criminal da Polícia de Segurança
Pública de Évora e apresentou queixa contra Luiz.
Duas semanas depois, tendo descoberto, por via de um amigo comum, que
Mário apresentara queixa contra si, Luiz contactou um advogado, a quem deu
instruções para dar entrada no Ministério Público de uma queixa contra Mário.
Na sequência das ocorrências, o Departamento de Investigação e Ação Penal
de Lisboa abriu dois processos. Num desses processos (processo n.º 1/T9LX), Mário
foi acusado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples
privilegiada (p. e p. pelo artigo 146.º, alínea a), em conjugação com o disposto no
artigo 143.º, ambos do Código Penal), por ter sido considerado que agira dominado
por uma vontade de defesa da honra, que constitui “um relevante valor social”, de
acordo com a acusação. No outro processo (processo n.º 2/T9LX), Luiz foi acusado
pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (p. e p. pelo artigo
143.º do Código Penal).

Responda às seguintes questões:

1. Luiz considera que Mário agiu motivado por um ódio pessoal à sua pessoa e
que deveria ter sido acusado pela prática do mesmo crime imputado no seu
processo (isto é, o crime de ofensa à integridade física simples) — razões pelas
quais discorda do teor da acusação deduzida no processo n.º 1/T9LX.

a. Poderia Luiz requerer a conexão dos dois processos? (3 valores)

A resposta seria positiva, quer por apensação natural, quer por verificação dos
requisitos da conexão previstos legalmente.

Caso de conexão inscrito no artigo 24.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal;

Indicação dos demais requisitos legais positivos e negativos da conexão:

- mesma fase de inquérito, de instrução ou de julgamento (artigo 24.º, n.º 2, do Código


de Processo Penal);

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- exclusão do limite à conexão do artigo 26.º do Código de Processo Penal.


Legitimidade do lesado e do Assistente para requerer a conexão de processos;
Efeitos da declaração de conexão: competência mantém-se no mesmo Tribunal
singular territorialmente competente (afastamento do disposto nos artigos 27.º e 28.º
do Código de Processo Penal); apensação dos processos (artigo 29.º, n.º 2, do Código
de Processo Penal).

b. O que poderia Luiz fazer com vista a evitar que Mário fosse julgado
pelo crime de ofensa à integridade física simples privilegiada? (4
valores)

De acordo com o enunciado, a discordância de Luiz com o crime imputado baseia-se


na convicção de existência de um facto que não consta da acusação (Mário foi
motivado por ódio, e não pela defesa da honra):
- Mário pretende trazer ao processo um facto novo que implicaria alteração
substancial da acusação (resultaria num agravamento da pena máxima aplicável,
cfr. artigo 1.º, alínea f)): não poderia, por isso, apresentar acusação subordinada
(artigo 284.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
- Meio adequado é a apresentação de RAI (287.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo
Penal). Requisitos:
Legitimidade: o Assistente tem legitimidade em crime semipúblico
quando pretenda introduzir um facto que importa uma ASF face aos
descritos na acusação do MP;
Questão prévia: teria de requerer a sua constituição como Assistente
- requisitos deste requerimento;
Conteúdo descrito no artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (a par
com o disposto no artigo 283.º, n.º 2, alíneas b) e c), do mesmo Código);
Prazo: 20 dias após a notificação da acusação;
Representação judiciária.

2. Durante o julgamento do Arguido Mário, Luiz afirmou que desde a agressão


nunca mais se sentira a mesma pessoa, descrevendo-se até como um “realista
convicto”. O Tribunal veio a apurar que Luiz sofrera danos cerebrais
permanentes. Em face deste quadro, poderia o Tribunal condenar Mário pela
prática de um crime de ofensa à integridade física grave (p. e p. pelo artigo

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144.º, alínea b), do Código de Processo Penal)? E pela prática de um crime de


ofensa à integridade física grave privilegiada (p. e p. pelo artigo 146.º, alínea
b), em articulação com o disposto no artigo 144.º, alínea b), ambos do Código
Penal)? (4 valores)

Tribunal de julgamento poderia condenar por qualquer um desses crimes com o


consentimento do Arguido, no entanto, tal opção estaria vedada neste caso em face
da violação das regras de competência (artigo 359.º, n.º 3, do Código de Processo
Penal): - Estamos em qualquer caso perante um facto novo: a afetação grave das
capacidades intelectuais de Luiz (artigo 144.º, alínea b), do Código Penal);

- Não totalmente independente, pois integra o mesmo “pedaço de vida” submetido já


a julgamento: a sequela corporal deriva da agressão;

- A alteração de factos seria substancial porque, em qualquer caso, resultaria desde


logo em um agravamento da pena máxima (artigo 1.º, alínea f), do Código de Processo
Penal);

- Não seria um facto autonomizável porque esta lesão a Luiz não poderia ser
judicialmente apreciada sem se incorrer numa violação do princípio ne bis in idem,
uma vez que só há uma ofensa corporal (agora com maior gravidade, dada a sequela);

- A falta de acordo do Arguido obstaria à referida alteração (sob pena de nulidade


da sentença, dependente de arguição em sede de recurso e no prazo do mesmo):
artigos 379.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 410.º, n.º 3, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo
Penal;

- Violação das regras de competência a pena cominada pelo artigo 144.º do Código
Penal não pode ser aplicada por Tribunal singular.

3. No momento da constituição de Luiz como Arguido no processo n.º 2/T9LX,


os agentes policiais comunicaram a Luiz que se lhes indicasse o nome do
poeta que escrevera versos de apologia à anarquia no edifício da esquadra,
tratariam pessoalmente de garantir que o Ministério Público não o
acusaria pela prática de qualquer crime contra Mário. Poderá ser instaurado
um processo por crime de dano contra a pessoa indicada por Luiz a partir da
notícia do crime assim obtida? (3 valores)

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Notícia é obtida através de declarações que foram prestadas face a uma promessa de
vantagem ilegal (artigo 32.º, n.º 8, da Constituição; artigo 126.º, n.ºs 1 e 2, alínea e),
do Código de Processo Penal):

As declarações assim obtidas estão manchadas por violação de uma proibição de


prova por parte dos agentes policiais, que não carece de arguição, nem se pode sanar
(artigo 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; referência ao disposto no artigo 449.º,
n.º 1, alínea e), do Código Processo Penal);

A instauração de um processo contra um terceiro com base em declarações inválidas


estaria também impossibilitada, por ser ato consequente daquela invalidade (artigo
32.º, n.º 8, da Constituição; artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Seria
valorada a discussão em torno da fonte de informação, à luz de um juízo de
ponderação de interesses.

4. Poderia o Juiz de julgamento do processo n.º 2/T9LX, no decurso da fase de


julgamento, e na sequência de requerimento do Assistente Mário no qual se
juntava prova de que Luiz estaria a planear uma viagem sem bilhete de
regresso para a América do Sul, ponderar a aplicação de uma medida de
coação e determinar a prisão preventiva do Arguido Luiz? (4 valores)

O Juiz do julgamento poderia, tanto oficiosamente como a pedido do Assistente


(conforme sucedeu in casu), ponderar a aplicação de medida de coação, uma vez
ouvido o Ministério Público e o Arguido (artigos 194.º, n.os 1 e 4, e 120.º, n.º 1, do
Código de Processo Penal);

No entanto, não se verificam os pressupostos específicos para aplicação de medida


de prisão preventiva (artigo 202.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). O crime de
ofensa a integridade física simples que foi imputado na acusação ao Arguido Luiz
não é um crime punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos (alínea a)),
nem constitui um caso de criminalidade violenta (alínea b) com artigo 1.º, alínea j),
do Código de Processo Penal). De igual modo, também não é um crime de terrorismo
ou manifestação de criminalidade altamente organizada (alínea c)), nem um crime
de catálogo das alíneas d) e e). Finalmente, também não está em causa uma situação
de entrada ou permanência irregular em território nacional, nem a pendência de
processo de expulsão ou extradição (alínea f)).

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Época de Coincidências de Recurso – 27 de julho de 2021

No dia 5 de junho de 2021, Louise, cidadã francesa, que vivia, em Portugal,


há2 anos em condições análogas às dos cônjuges com Ricardo, cidadão português,
tendo decidido abandoná-lo e “viver a sua vida”, apodera-se das chaves do automóvel
deste e sai de casa para nunca mais voltar.

Uma vez que não tinha quaisquer rendimentos, Louise falsifica a assinatura
de Ricardo e consegue vender o automóvel a um terceiro. Ricardo dirige-se à PSP
e apresenta denúncia contra Louise, afirmando que esta se tinha apropriado do seu
automóvel.

O Ministério Público (MP) abre o respetivo inquérito, procede às


diligências relevantes –entre as quais, a inquirição de Louise, que não presta
quaisquer declarações–e deduz acusação contra esta, com o seguinte teor:

“O Ministério Público deduz acusação, para julgamento em processo


comum, perante o tribunal coletivo, contra Louise, nascida em 15.10.1980,
portadora do CC n.º 123456, emitido pelas autoridades competentes da
República Francesa, residente em Quinta do Lagarto, n.º 2, Almancil,
porquanto:

1. No dia 5 de junho de 2021, a arguida Louise subtraiu, na residência de


Ricardo, sita em Y, as chaves do veículo automóvel marca Audi, Modelo A8,
com a matrícula XX-00-01, deixando a referida residência ao volante deste
veículo.

2. No dia 5de junho de 2021, a arguida Louise, imitando a assinatura de


Ricardo, que apôs numa declaração de venda de veículo automóvel, modelo
AXR10 do IMTT, vendeu o referido automóvel a Manuel pelo valor de
€70.000,00.

3.A arguida Louise agiu conscientemente, bem sabendo que as suas condutas
eram proibidas por lei.

4. A arguida Louise sabia que o veículo automóvel pertencia a Ricardo, mas


ainda assim subtraiu as chaves daquele veículo pretendendo apropriar-se do
mesmo.

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5. Ao imitar a assinatura de Ricardo na declaração de venda do veículo Audi,


a arguida Louise pretendia obter um benefício com a venda do referido
veículo, bem como causar prejuízo a Ricardo com a referida venda.

6.O veículo automóvel em causa tinha o valor de €80.000,00.

7. Com a conduta supra descrita, Louise cometeu um crime de falsificação de


documento p. e p. no art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP, e um crime de furto
qualificado, p. e p. nos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. a), e 202.º, al. b), do
CP.”

Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

1. Podia Ricardo constituir-se como Assistente nos autos? (4 valores)

Ricardo poderia requerer validamente a sua constituição como Assistente. São


requisitos do requerimento de constituição como Assistente a legitimidade, o prazo,
a representação judiciária (art. 70.º) e o pagamento da taxa de justiça (art. 519.º do
CPP) ou pedido de apoio judiciário.

Em regra, tem legitimidade para se constituir como Assistente o ofendido, i.e., o


titular do interesse especialmente protegido pela incriminação (art. 68.º, n.º 1, al. a),
do CPP).

O conceito restrito de ofendido, defendido por BELEZA DOS SANTOS, identifica o


ofendido com o titular do interesse protegido direta e imediatamente, de forma
exclusiva, pela incriminação, ou seja, com o titular do bem jurídico protegido pela
norma penal substantiva.

Relativamente ao crime de furto qualificado, p. e p. nos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2,
al. a), e 202.º, al. b), do CP, não restam dúvidas de que Ricardo é titular do interesse
–do bem jurídico patrimonial propriedade –diretamente protegido por aquelas
normas, relativamente ao crime de furto contra si cometido. E isto
independentemente do conceito de ofendido adotado.

No que se refere ao crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256.º, n.º 1, al.


c), do CP, a adoção do conceito restrito de ofendido fundamentou, inicialmente, a
recusa da jurisprudência em reconhecer ao particular prejudicado com aquele crime
a legitimidade para se constituir como Assistente, uma vez que o crime de

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falsificação era considerado como um crime contra a vida em sociedade, em que é


protegida a segurança e a confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do
documento enquanto tal, como bem jurídico. Tratando-se, desta forma, de um bem
jurídico de natureza pública ou supra-individual, não seria admissível a constituição
do particular prejudicado como Assistente.

Porém, o Ac. STJ 1/20033 veio fixar jurisprudência no sentido de que “no
procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido pela
alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado
pelo agente tem legitimidade para se constituir Assistente.”

Esta interpretação fundamentou-se na circunstância de, sendo o crime de falsificação


um crime intencional, no qual é exigido, para o preenchimento do tipo, que o autor
atue “com intenção de causar prejuízo” a outra pessoa ou ao Estado, não poder
afirmar-se que tal incriminação protege apenas interesses de natureza pública, mas
também interesses dos particulares.

Veio, assim, o STJ afirmar que o vocábulo “especial”, contido na al. a), do n.º 2, do
art. 68.º do CPP, “não significa ‘exclusivo’, mas sim ‘particular’, e que um só tipo legal
pode proteger mais do que um bem jurídico, questão a resolver face, ao mesmo tempo,
ao caso concreto e ao recorte do tipo legal interessado”.

O STJ passa assim a admitir um conceito restritivo alargado de ofendido4, mais


próximo do conceito amplo (que, apesar de partilhar da solução daquele acórdão, não
exige a proteção expressa do interesse do particular nos elementos do tipo).

Desta forma, no caso em apreço, poderia Ricardo constituir-se como Assistente, ao


abrigo da al. a), do n.º 1 do art. 68.º do CPP, uma vez que o tipo de falsificação protege
também interesses patrimoniais por si titulados, uma vez que foi praticado com
intenção de causar prejuízo a esses mesmos interesses. Seria de discutir a aplicação
do conceito amplo de ofendido, que no caso conduziria a idêntica solução.

Ricardo poderia requerer a sua constituição como Assistente até 5 dias antes do
início da audiência de julgamento, nos termos do art. 68.º, n.º 3, al. a), devendo,
porém, fazê-lo, caso pretendesse deduzir acusação subordinada, no prazo de 10 dias
contados da notificação da acusação (arts. 68.º, n.º 3, al. b), e 284.º, n.º 1, do CPP) ou

3DR I-A n.º 49, de 27.02.2003


4Para uma síntese sobre a evolução e os vários conceitos de ofendido, com referência também
ao conceito amplo, cf. o Ac. STJ 10/2010, de 17.11.2010 (DR I-A n.º 242, de 16.12.2010).

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de 20 dias, caso pretendesse requerer a abertura de instrução (arts. 68.º, n.º 3, al. b),
e 287.º, n.º 1, al. b), do CPP.

2. Ao receber o despacho de acusação, o Juiz constata que a arguida, Louise,


apesar de ter sido assistida pelo intérprete nomeado nos autos no primeiro
interrogatório, apenas tinha sido notificada da acusação em língua
portuguesa. Por este motivo, o Juiz profere despacho ordenando à secretaria
do seu tribunal a notificação da acusação à arguida traduzida para a língua
francesa. Pergunta-se:

a. Seria obrigatória a tradução da acusação para a língua entendida pela


arguida? (3 valores)

Relativamente a este problema, a única referência expressa à necessidade de


tradução e de interpretação consta do art. 92.º do CPP, no qual se determina a
obrigatoriedade de nomeação de intérprete ao Arguido que não entenda a língua
portuguesa. A necessidade de tradução apenas se refere à tradução de documentos
de língua estrangeira para a língua portuguesa. Desta forma, aparentemente, o
Arguido apenas teria direito à nomeação do intérprete.
Uma análise mais atenta das disposições conjugadas do CPP conduz-nos, porém, a
solução oposta. Com efeito, das disposições conjugadas dos arts. 283.º, n.º 5, 277.º, n.º
3, 111.º, n.º 1, al. c), e 113.º, n.º 10, do CPP, resulta que o Arguido tem de ser
notificado pessoalmente do despacho de acusação, destinando-se essa notificação a
dar a conhecer o conteúdo de tal despacho, para que o Arguido possa exercer os seus
direitos de defesa face ao mesmo, nomeadamente requerer a abertura da fase de
instrução (art. 287.º, n.º 1, al. a), do CPP). Ora, não entendendo o Arguido a língua
portuguesa, é evidente que tal notificação terá de ser efetuada em língua por ele
entendida, sob pena de serem violados os seus direitos de defesa, consagrados
naquelas disposições, bem como no art. 60.º do CPP, e, ainda, nos arts. 32.º, n.º 1, da
CRP, e 6.º, n.º 3, al. a), da CEDH. Com efeito, um dos direitos fundamentais de defesa
que assiste ao Arguido é o direito a conhecer os motivos da acusação que contra ele
é deduzida, em língua por si entendida, de forma a colocá-lo na mesma posição para
dela se defender do que um Arguido que entenda a língua portuguesa. Este direito
deve ser efetivado através da entrega por escrito da acusação traduzida, tal como
acontece com um cidadão nacional, não podendo ser realizado através da mera

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nomeação de intérprete no processo (de outra forma seria necessário que o Arguido
fosse notificado pessoalmente, por OPC, com a presença de intérprete, o que não só
é ineficiente em termos de economia processual, como não permite ao Arguido a
análise efetiva e ponderada da acusação, colocando-o numa situação de desvantagem
face ao Arguido que entenda a língua portuguesa)5.

b. Qual o conteúdo do despacho que o Juiz deveria ter proferido? (3 valores)

Relativamente a este ponto, na falta de disposição que comine a falta esta tradução
como vício de nulidade, apenas poderemos estar perante o vício de irregularidade
(art. 118.º, n.º 2, do CPP), ou, muito discutivelmente, de inexistência6 ou ainda da
nulidade sanável nos termos do art. 120.º, n.º 3 al. c) do CPP7. Tratando-se de
irregularidade, pelos motivos já expostos quanto à função do ato em causa, sempre
se tratará de uma irregularidade que deve ser conhecida e declarada oficiosamente
a todo o tempo, por afetar o valor do ato em causa (art. 123.º, n.º 2, do CPP). O Juiz
poderia, pois, conhecer e declarar a irregularidade em causa, declarando a invalidade
da notificação da acusação à arguida e de todos os atos subsequentes (art. 123.º, n.º
1 e 2, do CPP). Quais as a consequências dessa declaração? Poderia o Juiz reparar a
irregularidade em causa, da forma indicada na hipótese? Dir-se-á que não, por dois
motivos: i) a declaração de invalidade tem por consequência a invalidade da remessa
dos autos ao tribunal de julgamento, devendo os mesmos regressar à fase de
inquérito, dirigida pelo MP, a quem compete realizar a notificação da acusação em
falta; ii) após a notificação da acusação, a arguida poderá ainda requerer a abertura
da fase de instrução, pelo que não faz sentido manter-se o processo em fase de
julgamento. Desta forma, deveria o Juiz em causa ter declarado a irregularidade da
notificação da acusação e dos atos subsequentes, determinando o reenvio dos autos
ao MP para notificação da acusação devidamente traduzida.

5 Deve ainda salientar-se que está em vigor a Diretiva2010/64/UE do PE e do Conselho, de


20.10.2010, que impõe, no art. 3.º, a tradução dos documentos essenciais para garantir a
equidade do processo e o exercício das garantias de defesa (n.º 1), entre os quais se conta o
despacho de acusação (n.º 2).
6 Posição defendida em Ac. TRE, de 27.06.2007, Proc. n.º 848/07-1. Algo diferentemente, mas

subtraindo ao regime da nulidade ou da irregularidade por considerar que o direito


comunitário revogou tais preceitos do CPP, cfr. A. TRE, de 20.12.2018, Proc.
n.º5/2017.9GBLGS.E1.
7 Posição defendida pelo tribunal de 1.ª instância, mas em que o TRL divergiu entendendo

tratar-se de mera irregularidade –cfr. Ac. TRL, de 13.01.2021, Proc. n.º 13/18.6SILSB-F4-3

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3. Durante a fase de julgamento, e em função das declarações prestadas pela


arguida, provou-se que Louise tinha entrado na posse do automóvel de
Ricardo porque este a tinha autorizado a “usá-lo sempe que quisesse”.
Consequentemente, e sem mais demoras, o Juiz condenou Louise pela
prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. no art. 205.º, n.º
1, e n.º 4, al. b), do CP.
Pronuncie-se quanto à decisão proferida pelo Juiz. (4 valores)

Analisando a situação, conclui-se que havia um facto novo(a autorização prévia da


parte do titular do direito, ao invés da subtração tal como constava na Acusação),
tanto do ponto de vista naturalístico (acontecimento histórico distinto), como do
ponto de vista normativista/teleológico-culturalista (valoração da prévia entrega da
coisa e do abuso da confiança é diversa da subtração) ou até do ponto de vista do
concreto caso da vida que se destaca e submete a apreciação judicial(problema
jurídico distinto). Ademais, não se tratando de objetos do processo/ factos processuais
totalmente independentes, haveria uma alteração de factos. Alteração que seria
substancial (art. 1.º, al. f), do CPP) em virtude de se tratar de crime diverso (ainda
que não havendo agravamento da pena máxima), quer pelo critério do acontecimento
histórico, quer pelo agravamento da estratégia de defesa ou mesmo da imagem e da
valoração social ou ainda do tipo de ilícito distinto. Tal alteração substancial de factos
(ASF) não seria autonomizável (em virtude de não se poder retirar deste processo e
conhecer-se isoladamente num outro processo-crime sem que houvesse violação do
non bis in idem), pelo que o Juiz apenas poderia ter questionado os sujeitos
processuais (Arguido, MP e Assistente) se o processo poderia prosseguir tendo em
conta também os novos factos (prévia autorização para utilização do veículo),
conforme o disposto no art. 359.º, n.º 3, do CPP.
Não havendo acordo, o Juiz não deveria tomar em conta tais factos novos e, no caso
concreto, não deveria condenar nem por abuso de confiança (dado que não poderia
ter em conta, nos termos do art. 359.º, n.º 1, do CPP, a prova do novo facto: prévia
autorização), nem por furto (dado que haveria a não prova do facto subtração). Trata-
se, assim, de um caso de alternatividade.
Consequentemente, haveria nulidade da sentença (art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP),
dependente de arguição, sob pena de sanação, em sede de recurso ordinário, e no
respetivo prazo de interposição (tudo nos termos dos arts. 379.º, n.º 1, al. b), 410.º, n.º
3, e 411.º, n.os1 e 4, todos do CPP).

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Esta possível resposta à pergunta (que seria valorizada) é, no entanto, muito


discutida na doutrina, na medida em que afastaria toda e qualquer possibilidade de
punição do infrator. Não se diga que a solução é justa pelo facto de o denunciante ter
distorcido o relato dos acontecimentos que fez à PSP, de modo que acabou pagando o
preço da sua voluntária imprecisão, pois aqui não está em causa satisfazer um
interesse privado na condenação do infrator, mas sim defender o interesse público
na descoberta da verdade e na realização da justiça. Assim sendo, não se pode aceitar
uma interpretação do regime da alteração substancial de factos, no caso dos crimes
alternativos, que comprometa na íntegra a possibilidade da descoberta da verdade e
da realização da justiça. Por isso, há quem defenda que, se a alteração substancial
de factos, na fase de julgamento, implicar a subsunção num tipo legal de crime
alternativo, a mesma não pode ser tomada em conta pelo Juiz para o efeito de
condenação no processo em curso, mas deve ser comunicada ao MP para que proceda
pelos novos factos ou até discutir-se a admissibilidade da condenação alternativa.
Esta resposta também será valorizada, desde que o Aluno demonstre que conhece a
discussão doutrinária sobre este ponto.

4. Admitindo agora que o processo teria tramitado, validamente, sob a forma


abreviada, e que o MP teria deduzido acusação contra a arguida nos termos
suprarreferidos na hipótese, podia Louise requerer a suspensão provisória
do processo antes do início da audiência de julgamento? (4 valores)

Observando as disposições do CPP, verificar-se-á que, na forma comum, é possível


ao Arguido requerer a suspensão provisória do processo durante a fase de inquérito
ou de instrução, mas já não na fase de julgamento.
Nas formas de processo especiais, apenas encontramos referência à suspensão
provisória do processo nos arts. 384.º, n.º 4, e 391.º-B, n.º 4. A interpretação literal
deste último preceito levar-nos-ia, por isso, a concluir pela impossibilidade de o
Arguido requerer a suspensão provisória em processo abreviado após a dedução da
acusação.
Cumpre, porém, questionar se esta solução faz sentido, na economia do Código e face
às garantias de defesa do Arguido.
Com efeito, na redação anterior à Lei n.º26/2010, de 30de agosto, também no processo
sumário apenas existia no art. 384.º uma disposição semelhante à do atual art. 391.º-
B, n.º 4, do CPP. Discutia-se, pois, no domínio de vigência desta disposição, se era

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possível ao Arguido requerer a suspensão provisória depois da dedução de acusação


ou da sua apresentação para julgamento em processo sumário, tendo a
jurisprudência vindo a entender que tal era possível8, o que resultou, aliás, na
alteração da redação do referido art. 384.º. Este entendimento fundamentava-se na
impossibilidade (ou grande dificuldade) para o Arguido de requerer a suspensão
provisória em momento anterior, face à inexistência de inquérito na forma de
processo sumário.
No processo abreviado não houve qualquer alteração referente a este aspeto,
resultante da Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto.
Na redação do CPP resultante da Lei n.º 58/98, de 25de agosto, não se previa no
processo abreviado a aplicação da suspensão provisória do processo, muito embora
já se pudesse defendera aplicação da mesma por recurso às disposições da forma
comum do processo. Nesta redação, era possível ao Arguido, após a notificação da
acusação, requerer a realização de debate instrutório (art. 391.º-C). Com a Lei n.º
48/2007, de 29de agosto, passou a prever-se expressamente a aplicação dos arts. 280.º
a 282.º do CPP na forma de processo abreviado (art. 391.º-B, nº. 4), tendo, no entanto,
sido suprimida a possibilidade de requerer a realização do debate instrutório.
Questiona-se, pois, se não será, também no processo abreviado, aplicável
analogicamente o regime previsto para o processo sumário em sede de suspensão
provisória do processo, permitindo ao Arguido que a requeira mesmo após a dedução
da acusação.
Em favor desta solução militam os seguintes argumentos9:
i) também no processo abreviado não é necessária a realização de
inquérito, bastando o auto de notícia ou a realização de inquérito
sumário;
ii) tanto na forma comum, como na forma de processo sumário, o
Arguido pode requerer a suspensão provisória do processo, quer na
fase de inquérito, quer posteriormente à dedução de acusação (no
processo comum, requerendo a instrução, no processo sumaríssimo,

8 Cf. a título de exemplo, o Ac. TRP, de 09.09.2009, Proc. n.º 596/08.9GNPRT.P1, 1.ª Secção,
http://www.trp.pt/incidentescrime/crime_596/08.9gnprt.p1.html.
9 Cf., em sentido contrário, o Ac.TRG de 19.01.2009, Proc. 1700/08-2. Deve, porém, atentar-

se na circunstância de este acórdão suscitar questões de aplicação da lei no tempo que


poderão ter sido determinantes da conclusão contrária e que, não se verificando, poderão
tornar inaplicável a ratio decidendi subjacente ao acórdão.

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opondo-se à aplicação dessa forma do processo e, posteriormente,


requerendo a instrução);
iii) após a reforma de 2007, o instituto da suspensão provisória do processo
é, claramente, de aplicação obrigatória, seguindo critérios de
legalidade; logo, tem de assistir ao Arguido a possibilidade de sindicar
a não aplicação deste instituto pelo MP, o que, em regra, se fará
através da utilização da fase de instrução;
iv) tendo sido suprimida a fase de instrução no processo abreviado, o
Arguido terá, ainda assim, de ter a possibilidade de sindicar a não
aplicação da suspensão provisória, o que só poderá ter lugar, na grande
maioria dos casos, após a dedução a acusação em processo abreviado;
v) sendo a acusação em processo abreviado muitas vezes uma simples
decorrência da impossibilidade de julgar o caso em processo sumário,
por ultrapassagem do prazo legal previsto no art. 387.ºdo CPP, não se
vislumbra por que motivos pretenderia o legislador conferir, em
processo sumário, a possibilidade ao Arguido de requerer a aplicação
daquele instituto até ao início da audiência, retirando-lhe tal
possibilidade em processo abreviado;
vi) restringir esta possibilidade de o Arguido suscitar o controle da
aplicação (ou da não aplicação) do instituto da suspensão provisória do
processo, uma vez que estamos perante um instituto também regido
pelo princípio da legalidade, poderá contrariar o disposto no art. 32.º,
n.º 4, da CRP, uma vez que não é permitido ao Arguido suscitar o
controlo jurisdicional pelo Juiz de Instrução sobre a decisão do MP
de não aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.
Deveria, pois, permitir-se a Louise requerer a suspensão provisória do processo, por
aplicação do disposto no art. 391.º-B, n.º 4, e, analogicamente, do art. 384.º, n.º 1, do
CPP.

Época de Finalistas – 9 de setembro de 2021

“Polícia!” – ouviram Aníbal e Bento enquanto furtavam cortiça dentro de


um barracão na fazenda de Lau. Aníbal rendeu-se imediatamente e atirou-se para

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o chão, Bento saiu pela porta que ambos tinham arrombado e desatou a correr.
Iniciou-se uma perseguição a pé pela fazenda, até que, a meio do milharal, Bento
desapareceu.

Lançado o alerta pela rádio – “homem caucasiano, com 1,80m, cabelo


castanho, camisola e calças pretas” –, pouco tardou a que o agente Carlos
identificasse um suspeito que correspondia à descrição. Era Daniel, que estava a
passear, sem suspeitar sequer do que se passara. Após a revista habitual, de onde
resultou a apreensão de uma navalha “para autodefesa” e do telemóvel de Daniel,
Carlos analisou brevemente as SMS por aquele recebidas e, nada tendo encontrado,
colocou Daniel no carro-patrulha e deixou-o nos calabouços da PSP, lado a lado com
Aníbal.

Na cela, enquanto Daniel jazia no beliche a olhar para a fotografia da mulher


e da filha e a pensar na vida, sentiu uma presença aproximar-se de si. Era Aníbal.
Tirando-lhe a foto da mão disse: “linda família, se não quiseres que lhes aconteça
nada de trágico, sugiro que confesses tudo. A história é esta: foste à fazenda furtar
cortiça, já tinhas furtado cortiça antes e a prova disso é que a tua carrinha, uma Ford
Transit com a matrícula 55-55-AA está estacionada no Alto do Penedo cheia de cortiça
do Lau lá guardada. E no fim dizes que eu estava na fazenda do Lau porque me
tinhas enganado e me tinhas dito que a cortiça era tua”.

Ao ouvir passos, Aníbal voltou para o seu beliche. Carlos aproximou-se da


cela, bateu com o cassetete nas barras de ferro e gritou: “tu” – apontando para Daniel
– “vem comigo”.

Na sala de interrogatório, após várias tentativas para que Daniel falasse,


Carlos perdeu a paciência e afiançou-lhe que, a menos que confessasse o crime,
ficaria amarrado à cadeira, às escuras, durante toda a noite, impedido de dormir.

Daniel finalmente quebrou e transmitiu a Carlos informação que lhe fora


dada por Aníbal sobre a carrinha, assumindo as culpas. Com essa informação, a
carrinha foi identificada e a cortiça apreendida.

Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

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1. Analise a conduta de Carlos do ponto de vista estritamente processual,


designadamente no que respeita às medidas cautelares e de polícia, à obtenção
de prova e outros aspetos relevantes relativamente a Daniel (5 valores).

⎯ Carlos deteve Daniel validamente pela prática de um crime de furto qualificado,


p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, ao abrigo do disposto nos
artigos 255.º, n.º 1, alínea a) e 256.º, n.º 2, in fine, do CPP.

⎯ A revista e as apreensões foram validamente efetuadas também, nos termos do


disposto nos artigos 174.º, n.º 1, 178.º, n.º 4 e 249.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) e 251.º, n.º 1,
alínea a), todos do CPP.
⎯ A apreensão de SMS encontra-se sujeita ao disposto no artigo 17.º da Lei do
Cibercrime, por se tratar de “registos de comunicações de natureza semelhante” ao
correio eletrónico.
⎯ Por esse motivo, para a leitura daquelas mensagens seria necessária a existência
de despacho proferido pelo Juiz de Instrução, enquanto Juiz das garantias, como
postula o artigo 17.º da Lei do Cibercrime (LdC), aplicando-se correspondentemente
o artigo 179.º do CPP por força do referido preceito. o Seria valorizada a discussão
sobre se a remissão do artigo 17.º para o artigo 179.º do CPP engloba a exigência de
um crime de catálogo – caso em que não poderia ser emitido um despacho de
autorização, uma vez que o crime em causa só é punível com pena de prisão até 2
anos e não com mais de 3 anos, conforme exige o artigo 179.º, n.º 1, alínea b), do CPP
– ou se não é exigido que o crime em causa seja um crime de catálogo, caso em que o
despacho poderia ser emitido validamente pelo Juiz de Instrução.

• Seria valorizada a discussão sobre o regime aplicável à apreensão de correio


eletrónico: (i) revogação total do artigo 189.º, n.º 1, do CPP ou somente parcial
pela LdC; (ii) remissão do artigo 17.º da LdC para o regime de apreensão da
correspondência postal do CPP e as dificuldades geradas pela circunstância de a
distinção entre correspondência aberta ou fechada não ter paralelo no meio
digital.
⎯ Neste caso, nada tendo sido encontrado de relevante nas SMS, não se coloca um
problema probatório, mas apenas de eventual responsabilização criminal de Carlos,
desde logo por acesso ilegítimo, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime,
ou violação de correspondência, nos termos do artigo 194.º, n.ºs 1 e 2, do CP, para o
que a prova poderia ser utilizada, se necessário, ao abrigo do disposto no artigo 126.º,
n.º 4, do CPP.

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⎯ Carlos deveria ter constituído Daniel como Arguido, seja por força da detenção,
seja mais tarde quando o interrogou, seja simplesmente por ter sido levantado auto
de ocorrência e por o mesmo lhe ter sido comunicado nos termos do disposto no artigo
58.º, n.º 1, alíneas a), c) e d), do CPP.
⎯ Tendo havido detenção, o Arguido teria de ser submetido a primeiro interrogatório
judicial ou não judicial de Arguido detido, nos termos dos artigos 141.º e 143.º do
CPP, e nunca a interrogatório por órgão de polícia criminal, nos
termos do artigo 144.º.

⎯ Carlos não poderia igualmente ter ameaçado Daniel para obtenção da prova, sob
pena de contaminá-la, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 8, da CRP e 126.º,
n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), do CPP. Trata-se de método absolutamente proibido de
prova, que se distingue dos métodos relativamente proibidos de prova, entre o mais,
por não ser sanável pelo consentimento e por não admitir previsão legal como meio
alternativo para a sua produção.

⎯ À violação de proibições de prova corresponde a cominação de uma nulidade sui


generis. Deveria referenciar-se em que se traduz esse regime de nulidade sui generis,
a saber: proibição de obtenção e de valoração da prova proibida, sendo apenas
permitida a sua valoração para a responsabilização dos agentes que utilizaram tal
método proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 4, do CPP, devendo em princípio ser
desentranhada dos autos, sendo de conhecimento oficioso e insanável mesmo para
além do trânsito em julgado, constituindo ademais fundamento de recurso
extraordinário de revisão de sentença, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do
CPP e produzindo um efeito a distância de contaminação da prova secundária
associada à prova proibida.

2. Admita que Bento foi indicado por Aníbal como testemunha na fase de inquérito
e que prestou depoimento nessa qualidade perante o órgão de polícia criminal.
Com o desenrolar da investigação, apurou-se finalmente que Bento estaria
igualmente envolvido na prática do crime investigado. Considerando que já
prestara depoimento, o Ministério Público prescindiu de o interrogar e proferiu
despacho de acusação contra Aníbal, Bento e Daniel pela prática, em coautoria,
de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código
Penal, na forma tentada. Aprecie a acusação (4 valores).

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⎯ A omissão de interrogatório de Arguido, nessa qualidade, constitui sempre


nulidade, que poderá ser insanável, nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea c),
ou dependente de arguição, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d),
ambos do CPP, em função da solução adotada.
⎯ A circunstância de Aníbal ter já sido ouvido na qualidade de testemunha não
prejudica a obrigatoriedade de se proceder ao seu interrogatório como Arguido, nos
termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPP.
⎯ O único cenário em que esta obrigação pode ser afastada resulta do segmento final
daquela disposição e consiste nos casos em que não seja possível notificar o suspeito.

⎯ Discussão sobre a consequência processual desta omissão: se será a nulidade


insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), ou a nulidade dependente de arguição
resultante do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP.

⎯ Caso seja defendida esta última solução, a nulidade deverá ser arguida no prazo
referido no artigo 120.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

3. Em primeiro interrogatório judicial de Arguido detido, Daniel confessou o


crime, por entender que já não tinha escolha, uma vez que o confessara
previamente perante Carlos. Chegado a julgamento, Daniel remete-se ao
silêncio. Poderá o tribunal valorar as declarações prestadas em inquérito e
utilizar a prova apreendida na Ford Transit para fundamentar uma condenação?
A sua resposta seria idêntica se Aníbal também tivesse confessado e revelado a
localização da carrinha? (4 valores).

⎯ As declarações prestadas em fase de inquérito foram obtidas através de um método


absolutamente proibido de prova, nos termos dos artigos 32.º, n.º 8, da CRP e 126.º,
n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), assim como do artigo 3.º da CEDH.

⎯ A proibição de prova é uma invalidade sui generis, que não carece de arguição, nem
se pode sanar (artigo 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; referência ao disposto
nos artigos 118.º, n.º 3, e 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP).

⎯ A circunstância de Daniel ter confessado apenas por crer que a primeira confissão
era válida convoca a discussão sobre as exceções ao efeito a distância da prova
proibida, designadamente as exceções da mácula dissipada e but for (cf. Acórdão n.º
198/2004 do Tribunal Constitucional sobre a nulidade das escutas e confissão). É
valorada a discussão crítica sobre o ac. TC.

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⎯ Caso Aníbal também tivesse confessado e revelado a localização da carrinha,


poderia aplicar-se igualmente uma exceção à regra do efeito a distância,
designadamente a fonte independente.
⎯ Em todo o caso, e em regra, as declarações de Arguido prestadas durante a fase
de inquérito podem ser valoradas nas circunstâncias previstas no artigo 357.º do
CPP, ou seja, se o Arguido o solicitar ou se tiverem sido feitas perante autoridade
judiciária com assistência de defensor e o Arguido tiver sido informado nos termos
e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º do CPP.
⎯ Não valem, porém, como confissão, nos termos do disposto no artigo 357.º, n.º 2, do
CPP, precisamente porque a circunstância de não haver imediação torna mais difícil
de apurar o carácter livre e sem reservas da confissão.

⎯ É valorada a discussão sobre a inconstitucionalidade do artigo 357.º do CPP, no


confronto com os princípios da estrutura acusatória, processo justo e equitativo que
assegure todas as garantias de defesa (incluindo o nemo tenetur se ipsum accusare),
da imediação e do contraditório, e eventual repristinação do regime anterior.

4. O Ministério Público acusa Aníbal, Bento e Daniel pela prática, em


coautoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea
f), do Código Penal, na forma tentada. Insatisfeito, Lau deduziu acusação
subordinada contra Aníbal e Bento pelos factos vertidos na acusação pública e
também pela alínea a) do n.º 1 e pela alínea e) do n.º 2, uma vez que a cortiça
valia mais de 5.100€ e, para a obterem, Aníbal e Bento arrombaram a
fechadura. Notificados de ambas as acusações, Aníbal e Bento requerem a
abertura da instrução onde concluem que deverá ser proferido despacho de não
pronúncia. O Tribunal de Instrução decide pronunciar Aníbal e Bento nos
termos da acusação subordinada e não da acusação pública. Imagine que é
advogado e é contactado por Aníbal e Bento passados 10 dias da prolação do
despacho de pronúncia para reagir. Como poderá fazê-lo? (5 valores).

⎯ Os Arguidos poderiam recorrer apenas do facto relativo ao arrombamento, mas


não poderiam já arguir a nulidade do despacho de pronúncia dada a sanação de tal
vício.
⎯ A acusação pelo Assistente, admitindo que Lau terá essa qualidade, prevista no
artigo 284.º do CPP, apenas poderá ser deduzida por factos abrangidos pela acusação

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do Ministério Público, por parte deles ou por outros que não iMPortem alteração
substancial daqueles.
⎯ O aditamento de uma circunstância qualificativa e autónoma da infração poderá
configurar uma alteração substancial dos factos. Haveria que distinguir: o A
circunstância qualificativa respeitante ao valor da cortiça não parece iMPortar uma
alteração substancial dos factos (ASF), na medida em que não constitui um crime
diverso, nem uma alteração dos limites máximos da pena. Será, por isso, subsumível
no regime da alteração não substancial dos factos (ANSF), pelo que relativamente à
mesma, seria admissível a acusação subordinada. Consequentemente, a pronúncia,
quanto a esta parte, seria válida e não haveria lugar à aplicação do disposto no artigo
303.º, n.º 1, uma vez que não há alteração em relação aos factos vertidos na acusação
do Assistente.
• Já o aditamento da circunstância qualificativa prevista no artigo 204.º, n.º 2,
alínea e) (o arrombamento) importa uma ASF face aos descritos na acusação, nos
termos do disposto no artigo 1.º, alínea f), segunda parte. Trata-se de um facto
novo (pedaço de vida: arrombamento), não totalmente independente (é relativo
aquele mesmo furto), e de acordo com o critério quantitativo, implicaria uma ASF
por agravar os limites máximos das sanções aplicáveis.
• Tal ASF não seria autonomizável, na medida em que o eventual ilícito criminal
(v.g., o crime de dano) não pode ser valorado autonomamente sem violação do
princípio non bis in idem. Seria valorada a discussão sobre o critério aplicável e
a eventual solução alternativa.
• A acusação subordinada deveria ter sido rejeitada nesta parte, por ter sido
deduzida fora dos limites legais.
A ASF estará, por isso, sujeita ao regime do artigo 303.º, n.º 3, do CPP.
A decisão instrutória seria, quanto a esta parte, nula, nos termos do disposto no
artigo 309.º, n.º 1, do CPP, nulidade que deverá ser arguida perante o Juiz de
Instrução no prazo de 8 dias, nos termos do n.º 2.
⎯ Não tendo sido arguida tempestivamente, o vício sanar-se-á.

⎯ No entanto, poderá o Arguido interpor recurso da decisão instrutória, quanto aos


factos relativos ao arrombamento, embora apenas sobre o mérito (artigo 399.º do
CPP), i.e., poderia discutir por exemplo a existência de indícios suficientes do facto
relativo ao arrombamento dado que sobre o mesmo não haveria dupla conforme.

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