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EXAMES IED

Grelhas de Correção
JANEIRO 2022

1. EXAME DE 3 DE JANEIRO DE 2022

Na sequência da pandemia na Covid-19, e devido aos inúmeros períodos em que o


sector hoteleiro esteve de portas fechadas, a Lei Y/2022 estabelece novas regras
relativas ao gozo de férias por parte dos trabalhadores que exercem atividade no setor
do turismo, devendo aos mesmos adequar-se ao período de menor fluxo de ocupação
dos estabelecimentos e, em caso de desacordo entre o empregador e o trabalhador,
deverão as mesmas ser fixadas unilateralmente pelo empregador. A lei é publicada no
dia 1 de janeiro de 2022 e determina que entra em vigor no próprio dia.

a) É prática habitual no Hotel Maravilha marcarem-se as férias para o ano


correspondente no primeiro dia do mesmo. Teresa, rececionista do Hotel
Maravilha, gostaria de saber se está vinculada a esta nova regra na marcação
das suas férias para 2022. Quid juris? (2,5 valores)

 Critérios de correção

Critérios de correção Cotação


Enquadramento factual da questão: problema da lei enquanto
fonte de direito e a sua dinâmica. Identificação da lei em causa
como ato legislativo (art.112.º, n.º1 da CRP)
Desenvolver o problema da publicação e entrada em vigor da 0,25v – enunciação da razão de
lei, nomeadamente a sua razão de ser. ser da publicação
Fazer menção ao disposto nos artigos 118.º da CRP, 5.º do CC, 0,25v – menção dos artigos
1.º e 2.º da Lei n.º 74/98. relevantes
Mencionar que a Lei n.º Y/2022 contraria o disposto no artigo 0,5v – enunciação do problema
2.º, n.º 1, parte final da Lei n.º 74/98, que proíbe que uma lei
entre em vigor no próprio dia em que se verifica a sua
publicação.

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Critérios de correção Cotação
Fazer menção às situações de urgência, em que a lei perderia 0,5v – explicação
o seu efeito útil caso não entrasse em vigor no próprio dia da
publicação, e que podem justificar que o valor da segurança
jurídica seja preterido em favor de outros, também
constitucionalmente protegidos.
Para além do mais, estão em causa dois atos legislativos 0,25v – atos do mesmo nível
(art.112.º, n.º 1), e tendo em conta o critério da posterioridade, hierárquico
sendo ambos da mesma hierarquia, o posterior (a Lei n.º 0,25v – critério da posterioridade
Y/2022) derrogaria o artigo 2.º, n.º 1 da lei n.º 74/98 0,25v – derrogação do art. 2.º, n.º
1
Conclusão: A Lei n.º Y/2022 derroga o disposto no artigo 2.º, 0,25v – conclusão
n.º 1 da lei dos formulários, podendo entrar em vigor no próprio
dia da sua publicação.

b) Para além do mais, os trabalhadores do Hotel Maravilha não costumam


trabalhar no dia do seu aniversário – sendo o mesmo “remunerado” como um
dia de trabalho e não sendo descontando no período de férias –, sendo que
prática é desde sempre seguida, neste hotel e noutros da região, num espírito
de tolerância. Contudo, a gerência decidiu também que, a partir do ano de 2022,
os seus trabalhadores deveriam trabalhar no dia do respetivo aniversário. Para
o efeito, sustenta que não há nenhum diploma legal que reconheça esse dia
como dia de “descanso”, nem tão pouco os contratos de trabalho o
contemplavam – o que, de facto, corresponde à verdade. Quid iuris? (2,5 valores)

Critérios de correção

Critérios de correção Cotação


Enquadramento factual da questão: o costume enquanto fonte
de direito
Enunciar o problema do costume enquanto fonte de direito ao 0,25v – enunciação do problema
abrigo do direito civil português, mencionando diferentes do costume enquanto fonte de
doutrinas quanto ao mesmo. Mencionar o disposto nos artigos direito
1.º e 7.º do CC. Referir a tese de que o costume se encontra
numa posição de paridade em relação à lei e por isso vale por

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Critérios de correção Cotação
ser efetivo, não sendo necessário o reconhecimento pela 0,25v – menção dos artigos 1.º e
mesma. 7.º do CC e contraposição a este
argumento
Mencionar os dois elementos que constituem o costume: (i) o 0,25v – menciona e explica o
corpus ou prática social reiterada, enquadrando os mesmos elemento do corpus
com os factos da hipótese e (ii) o animus, ou convicção de 0,25v – menciona e explica o
juridicidade e distinguir a mesma da convicção de elemento do animus
obrigatoriedade.
Mencionar que, considerando os factos da hipótese em 0,5v – explicação
concreto, não se verificava neste caso o segundo elemento,

Para além do mais, estão em causa dois atos legislativos 0,25v – atos do mesmo nível
(art.112.º, n.º 1), e tendo em conta o critério da posterioridade, hierárquico
sendo ambos da mesma hierarquia, o posterior (a Lei n.º 0,25v – critério da posterioridade
Y/2022) derrogaria o artigo 2.º, n.º 1 da lei n.º 74/98 0,25v – derrogação do art. 2.º, n.º
1
Conclusão: A Lei n.º Y/2022 derroga o disposto no artigo 2.º, 0,25v – conclusão
n.º 1 da lei dos formulários, podendo entrar em vigor no próprio
dia da sua publicação.

II
Perante o agravamento da situação epidemiológica em Portugal, agravada pela nova
variante Omicron, o Governo, reunido de urgência, aprova o Decreto-Lei n.º 119-
A/2021, de 22 de dezembro, que altera as medidas no âmbito da pandemia da doença
COVID-19.
Dispõe-se no artigo 3.º, n.º 1, deste diploma: “entre as 00h00 do dia 25 de dezembro e de
janeiro de 2022 são encerrados os bares, outros estabelecimentos de bebidas e as discotecas”. O
n.º 2 acrescenta que “a violação do disposto no número anterior constitui contra-ordenação,
sancionada com coima de 100 a 500 euros, no caso de pessoas singulares, e de 1.000 a 10.000
euros, no caso de pessoas coletivas”.

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António, dono da discoteca A NOITE NÃO É PARA DORMIR, pretende organizar, num
armazém contíguo à sua discoteca, uma grande festa de passagem de ano, aberta ao
público, com bar aberto, e pagamento de 30 euros por pessoa.
a) Pode fazê-lo? (3,5 valores)

Critérios de correção Cotação


Enquadramento da questão: problema de interpretação da Lei, 0,25v
breve noção de interpretação.
Enunciação dos 4 elementos da interpretação e aplicação dos 1,75v
mesmos ao caso concreto
Literal – análise do significado literal
Teleológico – impedir a propagação da pandemia
Histórico – contexto pandémico desde 2020
Sistemático – CRP (direito à vida e direito à saúde), outras
normas vigentes para controlo da pandemia
Resultado da interpretação – interpretação extensiva, 1,5
fundamentação deste resultado
Conclusão
Eventual análise correta de outros aspetos como:
- classificação das normas presentes no caso
- questão da entrada em vigor da lei
- validade do DL e consequentemente da contra-ordenação e
coima nele determinadas (CRP e DL 433/87 de 27 de
novembro)

b) Se, perante as dúvidas suscitadas pela redação do artigo 3.º do Decreto-Lei


n.º 119-A/2021, o Ministro da Administração Interna aprovar um despacho
normativo, esclarecendo que, para efeitos da proibição constante do citado
decreto-lei, deve entender-se que “qualquer espaço de dança aberto ao público é
equiparado a discoteca”, está a realizar a interpretação autêntica do decreto-
lei? (1,5 valores)

Critérios de correção Cotação


Conceito de interpretação autêntica. Conclusão de que não se 0,5v
trata, neste caso, de interpretação autêntica.

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Critérios de correção Cotação
Fundamentação nos art. 112 CRP e 13 CC 0,5v
Classificação da interpretação do Despacho como 0,5
interpretação oficial. Valor da interpretação oficial

III

Numa reviravolta inesperada, o Município de Lisboa decidiu proibir, a partir de 1 de


janeiro de 2022, a atividade de alojamento local no centro histórico de Lisboa.

Adicionalmente, para as restantes zonas do município em que o alojamento local


continua a ser permitido, passou a exigir-se que os contratos celebrados com os clientes
do alojamento local adotassem a forma de documento particular e fossem registados
na plataforma “Alojamento Lisboa”, criada para o efeito.

a) Eva é proprietária de três apartamentos em Alfama e dois apartamentos no


Bairro Alto que explora em regime de alojamento local desde 2017. Tendo
tomado conhecimento desta proibição, Eva pretende saber se, a partir de 1 de
janeiro de 2022, pode continuar a exercer a atividade de alojamento local nos
seus apartamentos. Quid iuris? (2,5 valores)

 Critérios de correção

Critérios de correção Cotação


Enquadramento factual da questão: problema de sucessão de
leis no tempo, visto que Eva explorava 5 apartamentos seus em
Lisboa para alojamento local e, a partir de 1 de janeiro de 2022,
esta atividade passa a ser proibida, pretendendo-se saber se
tal proibição se aplica também à atividade desenvolvida por
Eva
Enunciar a regra geral da aplicação da lei no tempo: princípio 0,25v − enunciação da regra geral
da não retroatividade da LN e da sua aplicação imediata (art. 0,25v – menção ao artigo 12.º,
12.º, n.º 1, 1.ª Parte, CC) n.º 1, 1.ª Parte, CC
Não existe nenhuma disposição de direito transitório, nem é
aplicável nenhum regime específico de aplicação da lei no

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Critérios de correção Cotação
tempo; logo, temos de aplicar o regime subsidiário do artigo
12.º do CC
A LN vem influir no conteúdo do direito de propriedade e Eva, 0,5v – explicação
consagrando uma restrição ao seu direito de propriedade, 0,25v – menção ao estatuto real
nomeadamente ao uso que pode dar aos seus apartamentos –
Estatuto real 0,25v – menção ao artigo 12.º,
Logo, a LN vem regular o conteúdo da relação jurídica de n.º 2, 2.ª Parte, CC
propriedade, abstraindo-se do facto que lhe deu origem (art.
12.º, n.º 2, 2.ª Parte, CC)
Por conseguinte, a LN aplica-se: 0,5v – consequências
 Quer a situações que se constituam após a sua entrada
em vigor;
 Quer àquelas situações que se constituíram no
passado, mas que ainda se mantêm em vigor quando
a LN entra em vigor – como é o caso do direito de
propriedade de Eva sobre os seus apartamentos.
Conclusão: a LN é aplicável a Eva, pelo que, a partir de 1 de 0,25v – conclusão
janeiro de 2022, Eva não poderá exercer a atividade de
alojamento local nos seus apartamentos em Lisboa.
0,25v – apreciação global

b) Filipe é proprietário de um apartamento em Entrecampos que também explora


em regime de alojamento local. Satisfeito por poder continuar a prosseguir a
atividade de alojamento local no seu apartamento, Filipe celebra com uns
turistas franceses um contrato para uma estadia entre 30 de dezembro de 2021
e 6 de janeiro de 2022. Terá este contrato de adotar a forma de documento
particular e ser registado na plataforma “Alojamento Lisboa”? (2,5 valores)

 Critérios de correção

Critérios de correção Cotação


Enquadramento factual da questão: problema de sucessão de
leis no tempo, visto que Filipe exerce a atividade de alojamento
local no seu apartamento em Entrecampos e celebrou um
contrato com uns turistas entre 30 de dezembro de 2021 e 6 de
janeiro de 2022 e, a partir de 1 de janeiro de 2022, entra em

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Critérios de correção Cotação
vigor uma LN que consagra novas exigências para este tipo de
contratos
Enunciar a regra geral da aplicação da lei no tempo: princípio
da não retroatividade da LN e da sua aplicação imediata (art.
12.º, n.º 1, 1.ª Parte, CC)
Não existe nenhuma disposição de direito transitório, nem é
aplicável nenhum regime específico de aplicação da lei no
tempo; logo, temos de aplicar o regime subsidiário do artigo
12.º do CC
A LN vem consagrar condições de validade dos contratos de 0,75v – explicação
alojamento local:
 Por um lado, a LN vem regular a forma destes
contratos, a qual, se não for cumprida, dá origem à
nulidade do contrato (art. 220.º, n.º 1, CC);
 Por outro lado, a LN vem também impor uma
formalidade para a celebração deste tipo de contratos:
o seu registo.
Ora, se a LN vem regular condições de validade formal de 0,75v – efeitos
contratos, esta só se aplica a contratos celebrados após a sua 0,25v – menção ao artigo 12.º,
entrada em vigor, sendo os contratos celebrados antes da sua n.º 2, 1.ª Parte, CC
entrada em vigor regulados pela LA (sobrevigência da LA) (art.
12.º, n.º 2, 1.ª Parte, CC).
Conclusão: tendo o contrato sido celebrado em 30 de 0,5v – conclusão
dezembro de 2021, isto é, antes da entrada em vigor da LN, a
LN não lhe é aplicável, sendo este regulado pela LA. O que
significa que o contrato celebrado por Filipe não terá de
obedecer à forma exigida pela LN, nem ser registado na
plataforma “Alojamento Lisboa”.
0,25v – apreciação global

(5 valores)

IV

Gabriela, estudante de Direito, vive num bairro histórico de Lisboa e quase todos os
andares do seu prédio estão a ser explorados turisticamente. Estando em época de
exames, Gabriela passa muito tempo a estudar e aprecia o silêncio para se concentrar.

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Quem parece não estar no mesmo comprimento de onda são os quatro jovens
estrangeiros que vieram passar o ano a Lisboa, alojando-se no apartamento mesmo ao
seu lado. Com as restrições existentes na cidade, decidiram fazer do apartamento que
ocupam uma verdadeira discoteca. Depois de lhes ter pedido para não fazerem
barulho porque ela precisava de estudar, Gabriela percebeu que os seus novos
vizinhos iriam fazer daquela semana um verdadeiro inferno. À segunda noite de festa
rija, Gabriela fartou-se: tocou à campainha e assim que um deles abriu a porta, ela
forçou a entrada e foi a correr em direção à aparelhagem, atirando pela janela fora uma
coluna de som. Antes que alcançasse a segunda coluna, um dos rapazes rasteirou-a e
ela caiu, tendo partido os óculos e um braço. Gabriela entende que o rapaz que a
rasteirou a tem de indemnizar, ao passo que ele diz que é exatamente ao contrário, que
é ela que o tem de indemnizar a ele, porque era dele a coluna que ela destruiu. Quid
iuris?

(5 valores)

Critérios de correcção Cotação


Enquadramento da tutela privada no âmbito da tutela jurídica. O art.º 0,5 v
1.º do CPC
Eventual ação direta (comportamento da Gabriela): pressupostos, 1,25v
requisitos e conclusão (art.º 336.º CC)
Legítima defesa (comportamento do rapaz): pressupostos, requisitos 1,25v
e conclusão (art.º 337.º)
Possível existência de uma defesa excessiva e respetivo regime 0,5v
(art.º 337.º, n.º 2)
Regime indemnizatório do comportamento da Gabriela (art.º 483.º) e 0,5v + 0,5v
do rapaz (art.º 337.º n.º 1 e n.º 2 e 487.º, n.º 2)
Apreciação global 0,5v

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