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Pesquisa no Ensino de Química

A Inovação na Área de Educação Química

Nicole Glock Maceno e Orliney Maciel Guimarães

Este trabalho discute o que é inovação na área de Educação Química a partir da análise de materiais
textuais de três grupos: os interlocutores da Revista Química Nova na Escola, os de escolas e os de livros. A
partir das contribuições de Moraes e Galiazzi (2007) sobre a Análise Textual Discursiva, foram construídos
três metatextos para cada uma das categorias consideradas: Objetivos da Educação Química, Importância da
Educação Química e Abordagens potencialmente inovadoras. Dentre as principais evidências, foi possível
compreender que, para esses interlocutores, é inovação para a área de Educação Química ter como escopo a
formação voltada para a cidadania, que os estudantes possam reconhecer a importância social dessa área e
que os professores considerem os princípios da interdisciplinaridade e da contextualização - além dos temas
que emergem do contexto em que estão inseridos - para a organização curricular e a proposição de situações
48 de aprendizagem que sejam significativas e integradas às vivências desses sujeitos.

Educação Química, Inovação, Abordagens de ensino

Recebido em 04/11/2011, aceito em 14/08/2012

D
iante dos desafios impostos à educação básica, faz-se da seção Pesquisa em ensino por destacar as investigações
necessário refletir sobre as ações que podem con- e os problemas da Educação Química, além de promover
tribuir com a sua melhoria tanto para o alcance dos a socialização de trabalhos relacionados a essa área do
objetivos educacionais, bem como atender às necessidades e conhecimento.
aos interesses da comunidade na qual a escola está inserida. Os professores da educação básica compuseram o segundo
Nessa perspectiva, a Educação Química apresenta-se como grupo de interlocutores porque trabalham diretamente com os
conhecimento escolar importante para a formação dos alunos estudantes, além do que nos interessou ouvir e considerar esses
nas mais variadas dimensões. profissionais, reconhecendo a importância dos seus saberes.
Sob tais circunstâncias, buscamos discutir neste texto Foram entrevistados sete professores de química de cinco
possíveis respostas para a seguinte problemática: O que é escolas estaduais de Curitiba, que responderam à seguinte
inovação na área de Educação Química? Para isso, consi- pergunta: O que você considera como inovação para a área
deramos a perspectiva de interlocutores da revista Química de Educação Química? As escolas foram escolhidas com
Nova na Escola, de livros e de escolas. base nas suas participações no Exame Nacional do Ensino
Para o primeiro grupo, consideramos somente os arti- Médio (Enem) entre o período de 2005 a 2011, uma vez que
gos da revista Química Nova na Escola, selecionada pela este texto faz parte de uma dissertação sobre o referido exame.
visibilidade que apresenta no país em relação à divulgação Para o terceiro grupo, escolhemos determinados livros
de pesquisas sobre a Educação Química, principalmente que atenderam a três critérios: trazem várias recomendações
no âmbito da educação básica. Essa revista foi criada em para a melhoria da Educação Química; divulgam propostas,
1995 com o objetivo de subsidiar a formação, a atualização projetos, programas desenvolvidos por vários educadores
e a reflexão dos educadores e da comunidade do ensino de químicos; e configuram-se como coletâneas de diversos
química brasileira. Foram escolhidos somente os artigos trabalhos de autores dessa área.
Os materiais textuais dos três grupos de interlocutores
A seção “Pesquisa no ensino de Química” inclui investigações sobre problemas no compuseram o corpus desta pesquisa e que foram analisa-
ensino de Química, com explicitação dos fundamentos teóricos e procedimentos dos segundo a metodologia da Análise Textual Discursiva
metodológicos adotados na análise de resultados. (Moraes e Galiazzi, 2007).

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De certa forma, abordar essa temática também significou sejam conquistados. Dessa forma, pressupõe que todos as-
tratar dos objetivos da Educação Química e da importância sumam o risco do impacto, ou seja, de uma ação engendrada
desta para a formação de pessoas. Inicialmente, o artigo traz num determinado meio que pode produzir tanto efeitos
uma breve discussão sobre o con- positivos bem como negativos e,
ceito de inovação e, em seguida, a por isso, deve ser um processo
descrição das categorias de análise De certa forma, abordar essa temática constantemente avaliado para a
e da metodologia da pesquisa. Por também significou tratar dos objetivos da investigação e a reflexão de todos
fim, apresentamos os metatextos Educação Química e da importância desta sobre o que foi desenvolvido. O
construídos a partir dos materiais para a formação de pessoas. Inicialmente, que podemos perceber em relação
textuais dos três grupos de interlo- o artigo traz uma breve discussão sobre à inovação é que a escola também
cutores, as compreensões atribuí- o conceito de inovação e, em seguida, a é reconhecida como espaço de
das por eles sobre a temática e as descrição das categorias de análise e da produção de conhecimento.
considerações finais. Esperamos metodologia da pesquisa. A preocupação com a melho-
com este estudo contribuir com a ria do ensino não é algo novo,
formação de professores, com a pois várias ações têm sido adota-
reflexão e a divulgação de propostas que visam à melhoria das para a superação do ensino tradicional, principalmente
da Educação Química. nas duas últimas décadas com uma

A inovação: aportes teóricos [...] significativa produção de propostas de ensino


elaboradas por vários educadores químicos brasi-
De acordo com Carbonell (2002) e Farias (2006), a leiros, as quais vêm enfatizando a experimentação,
inovação pode ser entendida como uma ação que envolve a contextualização do conhecimento químico e a
múltiplas dimensões, tais como os aspectos cognitivos, promoção de aprendizagem significativa nos alunos.
afetivos, culturais, tecnológicos, sociais, éticos, políticos, (Schnetzler, 2010, p. 58)
entre outros. Além disso, os autores afirmam que a inovação 49
requer o planejamento, a intervenção, a sistematização, a Santos (2007) complementa que há décadas os educado-
avaliação, a integração de pessoas e, por isso, não é neutra, res químicos propõem currículos inovadores que possam mu-
mas sim introduzida intencional e persistentemente num dar o quadro de distanciamento do ensino médio, de questões
contexto singular. relacionadas à cidadania para a significação do conhecimento
A inovação pode atingir vários objetivos, tais como a pelo estudante e para a formação docente. Ambos os autores
transformação das práticas rotineiras, da cultura, das atitu- ressaltam que a inovação no ensino implica na melhoria da
des, das ideias, dos valores, das práticas pedagógicas, dos aprendizagem, na significação dos conhecimentos escolares
currículos, dos programas, do ensino, da instituição, dos com benefícios para os estudantes, os professores e a socie-
profissionais e da comunidade em torno da escola. Sendo dade em geral à medida que a educação básica tem como
assim, para existir inovação, é necessário estabelecer um principal objetivo a formação para a cidadania.
projeto educacional comum para que haja um conjunto de Com base nesses apontamentos, os dados coletados nesta
intervenções, de tomadas de decisões e de ações que tenham investigação evidenciam algumas das abordagens e propostas
como alvo a melhoria tanto da escola, bem como das pessoas consideradas potencialmente inovadoras para a Educação
e da comunidade. Desse modo, a inovação pode ser interna Química e que podem trazer melhorias na aprendizagem dos
ou externamente induzida, ou seja, não precisa necessaria- alunos levando ao alcance dos objetivos da educação básica.
mente ser uma proposta inédita, mas sim que seja algo novo
no espaço em que atuam os profissionais da educação e que Metodologia da pesquisa
considere os interesses e as necessidades do contexto em
questão (Carbonell, 2002; Farias, 2006). Para desenvolver esta investigação sobre o que é inova-
Sendo assim, Carbonell (2002) afirma que a inovação ção para a área de Educação Química, consideramos como
pressupõe a crítica, a autonomia, a negociação, o compro- corpus da pesquisa os documentos destacados no Quadro 1.
misso, a integração, a transformação e a partilha de saberes Para a análise do corpus da pesquisa, optamos pela
entre os sujeitos e a permanente busca pelo aprendizado. Análise Textual Discursiva (Moraes e Galiazzi, 2007), uma
Desse modo, trata-se de uma construção coletiva que requer vez que o objetivo foi não só compreender o que os interlo-
o engajamento político e social, sejam daqueles que praticam cutores consideram como inovação para a área de Educação
ou daqueles que são beneficiados com as melhorias. Química, mas também comunicar as asserções alcançadas.
Carbonell (2002) complementa que, por tais razões, ino- A primeira etapa dessa metodologia de análise é a des-
var é uma aventura, um convite à aprendizagem, pois exige montagem dos textos, que consiste na seleção e fragmentação
a transformação pessoal, social, intelectual e emocional, do corpus de pesquisa a fim de evidenciar as compreensões
sendo fundamental à significação dos sujeitos e uma intensa e os significados atribuídos pelos interlocutores em relação
comunicação para que os objetivos formativos almejados ao objeto investigado. Para isso, criamos quadros com as

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Quadro 1: Corpus da pesquisa.

Número de Siglas dos


Unidades de contexto documentos contextos Textos
textuais analisados
Artigos da seção Pesquisa em Ensino de Química da Revista Química 17 C1 a C17 Interlocutores da re-
Nova na Escola (2011) entre 2005 a fevereiro de 2011 (volumes 21 ao vista Química Nova
33(1))* na Escola
Capítulos do livro Ciência, ética e cultura (Chassot e Oliveira, 1998)** 4 C1E a C4E Interlocutores de
livros
Capítulos do livro Fundamentos e propostas de ensino de química 6 C1LV a C6LV Interlocutores de
para a educação básica no Brasil (Zanon e Maldaner, 2007) livros
Capítulos do livro Ensino de química em foco (Santos e Maldaner, 7 C1L a C7L Interlocutores de
2010)** livros
Entrevista concedida por professores de química de cinco escolas 7 CP1 a CP7 Interlocutores de
estaduais de Curitiba que responderam à questão: O que você consi- escolas
dera como inovação para a área de Educação Química?
Total (corpus da pesquisa) 41 41 3
*Exceto os volumes 24 e 28, que não apresentaram trabalhos nessa seção.
** Foram selecionados os capítulos que expressavam claramente recomendações de abordagens e propostas com o intuito de
melhorar a Educação Química.

unidades de significado e, na segunda etapa, foi feita a seguir, são apresentados os três metatextos.
categorização delas, estabelecendo as relações, as combina-
50 ções e as classificações sobre o que era comum. Na terceira A. Metatexto sobre a categoria Objetivos da Educação Química
etapa, produzimos os metatextos a partir das três categorias
definidas a priori e que possibilitaram alcançar as novas Em relação aos objetivos, os interlocutores da revista
compreensões sobre a problemática em questão (Moraes e Química Nova na Escola destacaram que a Educação
Galiazzi, 2007). Química tem um papel essencial para o pensar e o agir no
A partir das contribuições de Carbonell (2002) e Farias mundo, de modo informado e responsável. Sendo assim,
(2006) a respeito da inovação, foram construídas as catego- consideram que deve estar ao alcance de “todos os estudantes
rias de análise. Partimos do entendimento de que são conside- da educação básica, como parte da educação geral de prepa-
radas inovadoras as propostas de ração para a vida” (C1), a fim de
ensino que objetivam a integração que eles possam compreender os
A primeira categoria esclarece os objetivos
e a significação do conhecimento, problemas vivenciados pela socie-
e as necessidades formativas que os
visam a uma melhor formação de dade em geral – especialmente o
interlocutores almejam para o sujeito
pessoas, consideram diversas di- ambiental. Além disso, destacam
em formação. Já a segunda destaca os
mensões e sujeitos para a reflexão significados atribuídos pelos interlocutores
como objetivos da Educação
e avaliação permanente sobre os ao conhecimento escolar - em especial o Química a promoção intelectual
projetos educativos. Desse modo, químico - e de que forma a química pode dos indivíduos para a sua parti-
estabelecemos três categorias: contribuir para alcançar determinados cipação na tomada de decisões
Objetivos da Educação Química, objetivos educacionais. Na terceira, concernentes à sociedade a fim de
Importância da Educação buscamos identificar e compreender que possam exercer a cidadania e
Química e Abordagens poten- as recomendações, as propostas, as para que possam aprender para o
cialmente inovadoras. abordagens e os encaminhamentos dos seu próprio desenvolvimento.
A primeira categoria esclarece interlocutores que podem contribuir com a Na perspectiva dos interlocu-
os objetivos e as necessidades melhoria na Educação Química. tores de escolas, é preciso que os
formativas que os interlocutores professores enfatizem não somen-
almejam para o sujeito em forma- te os conteúdos, mas contextualize
ção. Já a segunda destaca os significados atribuídos pelos o conhecimento escolar para que os estudantes percebam a
interlocutores ao conhecimento escolar - em especial o quí- importância de aprender. Destacam, dentre os objetivos da
mico - e de que forma a química pode contribuir para alcançar Educação Química, o escopo na construção e na reconstru-
determinados objetivos educacionais. Na terceira, buscamos ção permanente dos estudantes dos seus saberes, de modo
identificar e compreender as recomendações, as propostas, que possam reconhecer em seu cotidiano e em sua vida os
as abordagens e os encaminhamentos dos interlocutores que conhecimentos escolares, pois consideram que é justamente
podem contribuir com a melhoria na Educação Química. A nisso que a escola será marcante para eles.

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Segundo os interlocutores de livros, é fundamental que escola pública de qualidade, que garanta a todos os
haja como objetivos da Educação Química uma formação cidadãos a satisfação da necessidade de um contí-
para o desenvolvimento pleno do sujeito, envolvendo desde nuo aprendizado [...]. Além de ser crucial para uma
os aspectos humanísticos, sociais, científicos, tecnológicos, formação integral humanística e científica de sujeitos
além das atitudes e dos valores. Esperam que sejam formados autônomos, críticos, criativos e protagonistas da ci-
“sujeitos mais críticos e, portanto, capazes de reivindicar sua dadania ativa, é decisiva, também, para romper com
participação na vida social” (C4L), que possam compreender a condição histórica de subalternidade e de resistir
o mundo natural e tecnológico nos quais estão inseridos e a uma completa dependência científica, tecnológica
que assumam as suas visões de mundo. Também almejam e cultural.
que os sujeitos em formação sejam capazes de mitigar as
relações excludentes, mas que tomem suas decisões não Tais apontamentos sublinham a importância de o sujeito
só para a melhoria de sua qualidade de vida, mas também conhecer para analisar criticamente a realidade para poder
para o desenvolvimento dos valores de solidariedade e de ter a autonomia intelectual e aprender de modo permanente.
compromisso social. Corroborando com os autores
Salientam ser fundamental citados anteriormente, Santos e
A primeira categoria esclarece os objetivos
ter como intento a formação do Schnetzler (1996, p. 28) lembram
e as necessidades formativas que os
cidadão e que isso requer o conhe- que “a função do ensino de quí-
interlocutores almejam para o sujeito
cimento, a capacidade de julgar e mica deve ser a de desenvolver a
em formação. Já a segunda destaca os
de tomar decisões, a conscientiza- significados atribuídos pelos interlocutores
capacidade de tomada de deci-
ção, a clareza dos compromissos ao conhecimento escolar - em especial o são, o que implica a necessidade
sociais, dos direitos e deveres e a químico - e de que forma a química pode de vinculação do conteúdo tra-
visão crítica de mundo. Com isso, contribuir para alcançar determinados balhado com o contexto social
esperam que as diferentes abor- objetivos educacionais. Na terceira, em que o aluno está inserido”
dagens para a Educação Química buscamos identificar e compreender e, por isso, a relevância de si-
atendam a esses interesses. as recomendações, as propostas, as tuações de aprendizagem que 51
O metatexto destacado ante- abordagens e os encaminhamentos dos emergem das próprias vivências
riormente nos permitiu eviden- interlocutores que podem contribuir com a dos estudantes.
ciar aproximações entre os três melhoria na Educação Química. Esses autores realizaram uma
grupos de interlocutores sobre o pesquisa sobre os objetivos do
que consideram como objetivos ensino de química na perspec-
da Educação Química e que possibilitou a construção da tiva de 12 educadores químicos. Dentre as constatações,
proposição destacada a seguir. o objetivo principal, de acordo com os depoentes, seria o
desenvolvimento da capacidade de participar e de tomar
Categoria 1: Objetivos da Educação Química decisões criticamente, a compreensão dos processos quí-
micos relacionados com a vida cotidiana, a avaliação das
Proposição I - Para os interlocutores, os principais objetivos da implicações sociais decorrentes das aplicações tecnológicas
Educação Química são dois: que os estudantes possam conhecer, da química, a formação do cidadão, a compreensão da natu-
compreender e atuar no mundo - de forma responsável e solidária - e reza no processo de construção do conhecimento científico
desenvolver-se nas mais variadas dimensões. e da realidade social em que está inserido, para que possa
transformá-la.
Os interlocutores concordam que o principal objetivo Os apontamentos desses autores são convergentes ao que
da Educação Química seja a formação voltada para a ci- pudemos constatar: segundo os interlocutores considerados
dadania, permitindo intervir na realidade e compreendê-la. neste trabalho, a compreensão, o conhecimento e a atuação
Consideram que ao estudante não basta apenas a informação, são as finalidades da Educação Química.
mas ser solidário e agir no meio do qual estão inseridos. Além disso, eles destacaram como outro objetivo da
Na perspectiva de Carbonell (2002), a formação que tem Educação Química o desenvolvimento de valores e de ati-
esse propósito possibilita a moralidade, a capacidade de abs- tudes. Tal situação é convergente ao que defende Carbonell
tração, o questionamento, o ativismo, a ética, a criatividade, (2002), que enfatiza a necessidade de uma educação de
o diálogo e o desenvolvimento dos valores e também são valores, já que o saber afeta todos os aspectos do desenvolvi-
aspectos valorizados para que haja a inovação educacional. mento humano. O autor avalia que a escola deve estar voltada
Na mesma visão, Frigotto e Ciavatta (2003, p. 102-103) para a democracia, o comprometimento com a formação
afirmam que é esperado da educação básica que os estudan- integral e a ética.
tes possam reconhecer os problemas sociais, sob os quais é A importância dos valores na Educação Química também
preciso que sejam tomadas decisões e que é preciso: é reafirmada por Santos (2007, p. 2): o autor enfatiza que eles
estão “vinculados aos interesses coletivos, como os de soli-
[...] assumir o direito inalienável do povo a uma dariedade, de fraternidade, de consciência do compromisso

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social, de reciprocidade, de respeito ao próximo e de gene- que eles precisam ter o acesso à informação como deve ser de
rosidade”, e esses valores estão imbricados com as necessi- direito a todas as pessoas, a fim de que a democratização dos
dades humanas e o propósito de uma formação humanística. conhecimentos construídos pela humanidade seja prioridade
Ainda sobre a proposição construída para essa categoria, para qualquer nação.
observamos que os interlocutores destacaram como objetivo O metatexto apresentado anteriormente levou-nos à cons-
a compreensão de mundo por parte do estudante, sendo esse trução de uma proposição sobre a importância da Educação
o propósito da própria área de Ciências da natureza: que Química conforme destacado a seguir.
os sujeitos possam entender o mundo físico e natural; as
transformações e as propriedades da matéria; os conceitos, Categoria 2: Importância da Educação Química
os métodos, os códigos, as linguagens e os procedimentos
próprios da química. Proposição I – De acordo com os interlocutores, a química, como
construção humana e que deve ser democratizada a todos, permite
B. Metatexto sobre a categoria Importância da Educação aos estudantes fazer melhores escolhas na sua vida, compreender
Química a natureza e seus fenômenos, enriquecer suas visões de mundo e
mudar a realidade para o bem.
Para os interlocutores da revista Química Nova na Escola,
a Educação Química é importante para a autonomia do su- O intento da democratização dos conhecimentos constru-
jeito, para que eles possam construir suas próprias visões de ídos pela humanidade é confluente ao que defende Ramos
mundo, além da interpretação e a compreensão da natureza. (2004, p. 39-40) ao destacar que são patrimônios e “a cujo
Os interlocutores de escolas concordam que o conheci- acesso, portanto, todos têm direito”.
mento escolar químico é importante para o estudante, pois Especificamente para a Educação Química, Santos e
permite que ele possa explicar os fenômenos, ter uma visão Schnetzler (1996, p. 28-29) ressaltam a “necessidade do
mais abrangente e poder acompanhar esse conhecimento ensino de química para formar o cidadão apresentando ar-
construído pela humanidade. gumentos relativos às influências da química na sociedade”,
52 Avaliam que a Educação Química permite aos estudan- passando a exigir do cidadão um mínimo de conhecimento
tes a opção de escolha, ou melhor, para que possam fazer químico para poder participar da sociedade tecnológica
escolhas positivas. Assim, consideram insuficientes apenas atual. Dessa forma:
“um aluno bom em Química, um aluno que consiga ter um
raciocínio científico, mas não consiga perceber o seu mundo [...] há necessidade de o aluno adquirir conhecimento
a sua volta” (CP1), mas sim que saibam respeitar a natureza, mínimo de química para poder participar com maior
o meio ambiente, o homem, e tenham uma formação para fundamentação na sociedade atual. Assim, o objetivo
além de técnica, que seja humana, que permita ser mais cons- básico do ensino de química para formar o cidadão
ciente, para uma boa saúde e uma visão política do mundo. compreende a abordagem de informações químicas
Os professores consideram ainda como um dos objetivos da fundamentais que permitam ao aluno participar
Educação Química o escopo na formação de um cidadão que ativamente na sociedade, tomando decisões com
saiba mudar a realidade que está posta para o bem, sendo consciência de suas consequências. Isso implica
esse então o princípio do seu trabalho. que o conhecimento químico aparece não como um
Dentre os interlocutores de fim em si mesmo, mas com
livros, a Educação Química como objetivo maior de desenvolver
[...] os interlocutores destacam a química
um “conhecimento bastante espe- as habilidades básicas que
como construção humana, considerando
cífico e que mantém amplas rela- caracterizam o cidadão:
importante abordar o processo histórico
ções com conhecimentos produ- de construção, de ser passível de erros e participação e julgamento.
zidos por outras ciências” (C2L), de que tem implicações sociais. Com isso, (p. 29)
certamente tem sua importância avaliam que ela deve ser democratizada
social, e seu compromisso inclui para atender principalmente a três Além disso, os interlocutores
o foco no desenvolvimento de propósitos: a compreensão de fenômenos, destacam a química como constru-
uma cidadania planetária a fim de a construção de visões de mundo e para a ção humana, considerando impor-
que os atores sociais “apropriem- participação do sujeito nas decisões que tante abordar o processo histórico
-se de ferramentas culturais para afetam a sociedade. de construção, de ser passível de
atuar de forma participativa no erros e de que tem implicações
mundo em que estão inseridos” sociais. Com isso, avaliam que ela
(C3L), podendo reconstruir suas compreensões e ampliar deve ser democratizada para atender principalmente a três
os significados sobre o que já conhece. propósitos: a compreensão de fenômenos, a construção de
Avaliam ainda que a Educação Química possibilita ao visões de mundo e para a participação do sujeito nas decisões
estudante o questionamento sobre a realidade, a busca pela que afetam a sociedade.
consciência sobre o que não se conhece. Também salientam Consideramos relevante essa constatação principalmente

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porque alguns dos professores revelaram a preocupação em da Química também é feita por homens iguais a nós” (CP1).
propiciar aos estudantes uma visão crítica da ciência, o que Também se lembram da importância do laboratório como
também é confluente às constatações na pesquisa de Santos oportunidade de os estudantes aprenderem, da necessidade
e Schnetzler (1996, p. 29): de incentivar a pesquisa, a reflexão e a discussão para pro-
curarmos ouvi-los e que, se for preciso falar sobre respeito,
Um outro objetivo importante destacado pelos dignidade e moral, devemos fazê-lo, pois são seres humanos
educadores é apresentar ao aluno uma concepção de que estão sempre buscando algo.
ciência como processo em construção. Tal concepção Os professores enfatizam a necessidade de considerar o
enfatiza, também, o papel social da ciência, o qual é que os estudantes sabem sobre determinado assunto, pois
melhor compreendido quando se leva em conta seu seria importante conversar muito para se ter uma discussão
caráter histórico. produtiva e reconhecer no trabalho em equipe a possibilidade
de crescimento, à medida que são traçados objetivos comuns
Os interlocutores considerados defendem que os conhe- entre os sujeitos. Avaliam ser relevante a busca pela integra-
cimentos escolares são fundamentais para o exercício da ção entre a escola e as famílias de seu entorno.
cidadania; para a tomada de decisões e escolhas positivas Complementam que há a inovação na Educação Química
e responsáveis na vida; para o desenvolvimento humano quando se trabalha numa perspectiva interdisciplinar a fim
em diversas perspectivas; para uma formação integral; para de superar a abordagem meramente linear do conteúdo, mas
conscientização e busca do que é melhor para a comunidade, para que os estudantes tenham um conhecimento integral e
o que corrobora com as afirmações de Carbonell (2002) que não somente específico.
considera como inovação a preocupação em tornar público Na perspectiva dos interlocutores de livros, para que
o saber e, ao mesmo tempo, que todos possam obtê-lo com haja a inovação na Educação Química, é imprescindível
qualidade. considerarmos os princípios da interdisciplinaridade e da
Os interlocutores também enfatizaram a relevância da contextualização como formas de integrar, significar e
interculturalidade e do conhecimento para o enriqueci- inter-relacionar o conhecimento. Ressaltam a relevância
mento cultural e a participação nas discussões e decisões da problematização nos estudos que partem de situações 53
políticas, assim como salienta Carbonell (2002), que afirma vivenciais, da experimentação, das diferentes culturas, da
ser fundamental conhecer para a liberdade, a autonomia e avaliação, da reorganização curricular, da democratização do
a independência do juízo. Desse modo, podemos afirmar conhecimento escolar para a participação social e da relação
que, para os interlocutores considerados, há certo consenso entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente.
sobre a função da Educação Química como meio para o Esses interlocutores reafirmam o valor da interdisciplina-
desenvolvimento humano e do papel da escola nesse sentido. ridade como possibilidade de melhoria da educação, e que
deve ser vista como “emergência e não como condição pre-
C. Metatexto sobre a categoria Abordagens potencialmente viamente determinada para ações articuladas na escola [...],
inovadoras percebida como consequência de uma intencionalidade de
partilhar saberes a partir de interesses comuns” (C3L), a fim
Sobre as abordagens potencialmente inovadoras, os in- de transformar os espaços escolares; possibilitar a acolhida
terlocutores da revista Química Nova na Escola salientam dos diferentes pontos de vista do outro; desenvolver a capa-
a necessidade da relação entre a área de Química com os cidade de argumentação, o empoderamento do discurso; ter
outros campos de conhecimento, além da importância da novas significações e aprendizagens; reconhecer que existem
contextualização como oportunidade de estimular no estu- outras racionalidades e que é preciso aprender a dialogar.
dante a curiosidade, a incorporação de vivências concretas e Destacam que devem ser priorizadas as inter-relações
diversificadas, formular e reformular seus saberes e ter uma entre diferentes formas de saber para a superação do ensino
aprendizagem significativa. fragmentado e de questionável papel formador para a vida
Afirmam que a inter-relação da ciência com a tecnologia, em sociedade, mas que é necessário realizar abordagens que
a sociedade e o ambiente numa perspectiva problematizadora permitam reconhecer a relevância social dos conhecimentos
é relevante, além da importância da experimentação com escolares, a complexidade da realidade e a visão crítica
caráter investigativo e da leitura, da escrita e da fala como sobre a ciência.
aspectos indissociáveis para o aprendizado. Salientam a A contextualização também é um princípio enfatizado
valorização de situações de aprendizagem que permitam ao por esses interlocutores, que avaliam ser preciso não só
estudante a significação do que aprende, o desenvolvimento considerar os aspectos técnicos, mas também sociais, polí-
de valores e a construção de seu próprio conhecimento a ticos, econômicos e ambientais, a fim de que os estudantes
partir de seus saberes prévios e da reflexão. possam compreender “o que o conhecimento científico tem
Os interlocutores de escolas consideram como inovação de peculiar e característico – e que o fizeram ser valorizado
na área de Educação Química trabalhar com a perspectiva a ponto de ser incluído na educação básica” (C4L).
histórica e reconhecer que todos são produtores de conhe- Os autores recomendam o enfoque contextual para privi-
cimento, pois “nós estamos fazendo história [...], a história legiar a resolução dos problemas abertos, à medida que são

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consideradas as situações vivenciais dos estudantes - tomadas que permitem a superação do ensino centrado apenas na
como objetos de estudo no contexto escolar – e que permi- transmissão, na escuta-exposição, na repetição e na falta
tem desenvolver valores e atitudes, uma aprendizagem em de significado.
integração com suas vivências e ampla. Tais constatações concordam com o que defende
Dentre as abordagens potencialmente inovadoras, salien- Carbonell (2002): para que haja a inovação, deve-se haver a
tam a abordagem da ciência como um constructo humano, repulsa do ensino fragmentado, que dificulta a visão global,
da valorização da história da ciência para propiciar reflexões descontextualiza e simplifica a complexidade da realidade.
e de evidenciar que a ciência Ainda para o autor, a fragmentação
está sujeita aos fatores sociais, do ensino promove a cisão dos
[...] a construção dos metatextos para
econômicos e culturais, além de conhecimentos escolares, fazen-
os três grupos de educadores químicos
ter implicações para a sociedade. do com que sejam desvinculados
nos permitiu evidenciar as propostas
Avaliam ser relevante conside- dos problemas sociais, culturais
consideradas como potencialmente
rar a pluralidade cultural dos e vivenciais do sujeito. Desse
inovadoras para a área de Educação
estudantes, a preocupação com Química: as que integram, significam modo, o autor avalia ser preciso
uma educação para a discussão e relacionam o conhecimento, que o que o conhecimento seja relevan-
e que, por isso, necessita ser pro- valorizam e priorizam a formação para te, essencial e básico, além de ter
blematizante. Ressaltam ainda a a cidadania, para o desenvolvimento sentido aos estudantes para a sua
importância da experimentação humano em aspectos diversos e, ao mesmo sobrevivência.
para o desenvolvimento “do pen- tempo, respeitam o homem e o ambiente. A perspectiva tradicional de
samento analítico, teoricamente Desse modo, são aquelas que permitem ensino tem sido criticada perma-
orientado” (C5L), da avaliação a superação do ensino centrado apenas nentemente pela necessidade de
como oportunidade de compre- na transmissão, na escuta-exposição, na discussão sobre uma melhor esco-
ensão sobre o aprendizado dos repetição e na falta de significado. lha e abordagem dos conteúdos, de
estudantes, do eixo tecnologia e modo que é no interior da escola
54 de grandes temas na construção que serão engendradas novas for-
e no desenvolvimento curricular. mas de ensinar e de recriar os currículos (Lima e Silva, 2007,
A partir do metatexto para a categoria Abordagens po- p. 92). Para isso, faz-se necessário superar a sequencialidade
tencialmente inovadoras, foi possível alcançar a proposição tradicional que tem guiado os livros didáticos e de certo
destacada a seguir. modo os programas de ensino (Maldaner et al., 2007, p. 113).
Além disso, os estudos que tratam de experiências relevantes
Categoria 3: Abordagens potencialmente inovadoras envolvendo abordagens interdisciplinares e contextualizadas
precisam ser divulgados, conhecidos e discutidos pelos
Proposição I - Segundo os interlocutores, são abordagens professores para contribuir com a implementação de formas
potencialmente inovadoras as que possibilitam a relação, a alternativas de ensino.
significação e a integração do que se aprende com o que se vive, Dessa forma, um ensino essencialmente monodisciplinar
além do desenvolvimento de valores e o reconhecimento do estudante tem contribuído muito pouco para a formação dos jovens,
como próprio construtor de seu conhecimento. visto que a construção do conhecimento dar-se-á não só
em nível individual, mas também pela interação não neutra
Os três grupos de interlocutores enfatizaram a necessi- entre o sujeito e o objeto na suas relações mediadas, ou seja,
dade da significação do conhecimento para a superação do assume-se que o conhecimento não é transmitido (Schnetzler,
ensino focado apenas na repetição e na memorização; da sua 2010). Desse modo, é importante considerar os princípios
importância para a tomada de decisões acerca da sociedade da interdisciplinaridade e a contextualização para o ensino
e suas vidas, a compreensão de fenômenos e do mundo. Tais de química como possibilidades de superação da perspec-
afirmações, além de estarem ligadas à categoria Importância tiva tradicional de ensino, assim como tem sido destacado
do conhecimento escolar, correspondem aos argumentos pelos educadores químicos e também como possibilidade
apresentados por esses interlocutores para se desenvolver de inovação, como propõe Carbonell (2002).
abordagens variadas no ensino de química e que permitem, Segundo o referido autor, a contextualização permite
portanto, a inovação. resolver os problemas sociais e os conflitos, além de pos-
Nesse sentido, a construção dos metatextos para os três sibilitar a relação sujeito-entorno, já que o meio traz opor-
grupos de educadores químicos nos permitiu evidenciar as tunidades inovadoras para articular o saber escolar com a
propostas consideradas como potencialmente inovadoras vivência dos estudantes. Para a inovação, é fundamental que
para a área de Educação Química: as que integram, sig- haja a integração entre as disciplinas de graus diferentes, para
nificam e relacionam o conhecimento, que o valorizam e a renovação pedagógica, a cooperação entre os docentes, o
priorizam a formação para a cidadania, para o desenvolvi- pensar num novo modo de ensinar para a crítica da realidade,
mento humano em aspectos diversos e, ao mesmo tempo, para a cidadania, o ativismo e a democracia.
respeitam o homem e o ambiente. Desse modo, são aquelas Assim, faz-se necessário o tratamento multidimensional

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do conhecimento para a articulação da realidade com os educação crítica questionadora”. Os espaços de reflexão e
valores, os ideais, os enfoques, os interesses, as informa- de partilhas de saberes são fundamentais tanto para a sus-
ções e com as questões humanas, políticas e sociais. Isso tentabilidade da inovação no contexto escolar, bem como
exigirá uma relação mais estreita entre os saberes da escola para estimular a participação dos alunos para socializarem
e as necessidades dos estudantes para o uso na vida, além suas compreensões, seus saberes prévios, posicionamentos,
da valorização dos saberes prévios, das múltiplas fontes de perspectivas e argumentos.
informações e de uma maior significação social do saber Diante das proposições e das categorias construídas neste
(Carbonell, 2002). trabalho, podemos afirmar que os três grupos de interlocu-
De acordo com Schnetzler (2010), a maioria das pes- tores preocupam-se com a melhoria da educação para que
quisas nos últimos anos tem destacado a contextualização o estudante tenha uma formação que envolva diferentes
e a importância da aprendizagem com significado. Tais dimensões, para o enfrentamento dos problemas sociais
observações também estão de acordo com o que defende e para tomar decisões responsáveis e conscientes em suas
Carbonell (2002). Este afirma que a inovação tem como vivências. Para Schnetzler (2010), as abordagens propostas
princípios a interdisciplinaridade e a contextualização, que pelos educadores químicos são essenciais na busca pela
contribuem para intensificar a comunicação entre os atores melhoria no ensino de química, pois além de contribuir
sociais; a valorização do conhecimento para intervir na para o alcance dos objetivos da Educação Química, deve
realidade; a superação do ensino por transmissão, memori- voltar-se para a significação do conhecimento escolar e a
zação e repetição, irrelevante e excessivo; a significação do valorização docente.
conhecimento; e o reconhecimento da importância social da Também foi observado que, ao contrário do que supõe
educação, permitindo a interconexão entre disciplinas, entre Carbonell (2002) e Farias (2006), há uma preocupação maior
a escola e a sociedade. dos professores com a melhoria do ensino e, diante dos
Além dos interlocutores ressaltarem a relevância dos apontamentos de alguns desses profissionais, presentes nos
princípios da interdisciplinaridade e da contextualização para metatextos, estes tendem a se posicionar como produtores
a educação química, também indicaram recomendações que do conhecimento e veem na comunicação intensa com seus
podem contribuir com a inovação. alunos a possibilidade de investigar de que forma podem 55
Dentre as recomendações, os interlocutores enfatizam a melhorar o ensino de química. Na perspectiva de Carbonell
necessidade da relação entre a ciência com a sociedade e a (2002) e Farias (2006), tais constatações podem ser con-
necessidade da educação ambiental. Também apontaram a sideradas positivas, pois esses autores argumentam que a
importância da comunicação, da linguagem, da socialização inovação educacional perpassa a valorização, a autonomia e
dos saberes prévios, da experimentação, da história, da in- o reconhecimento dos professores. Os metatextos evidencia-
teração entre alunos e professores e da superação do ensino ram ainda que os três grupos de interlocutores influenciam-se
repetitivo e por memorização. Identificamos ainda que as mutuamente, já que várias recomendações de inovação no
situações sociais tomadas como objeto de estudo são consi- ensino de química são propostas por eles.
deradas como propostas inovadoras e de temas gerais, tais Sendo assim, a inovação não pode ser tratada como um
como: saúde, ambiente e o consumo - os mais destacados projeto educacional unilateral, mas como uma proposta
pelos interlocutores – e que permitem relacionar, contextu- que reflete os interesses individuais e coletivos a tal ponto
alizar e integrar o conhecimento com a vida. que os objetivos de formação dos três grupos de interlocu-
Na perspectiva de Carbonell (2002), tais constatações tores apresentam-se semelhantes. Os três metatextos são
são consideradas positivas, pois a inovação educacional visa congruentes com o que defende Farias (2006): a inovação
justamente à integração das pessoas e de conhecimentos, acontece quando se quer o êxito na função da escola, quando
além de valorizar as questões que acometem o contexto e há a preocupação não somente com a formação técnica, mas
o entorno da escola. Além disso, um ensino voltado para também cultural e política.
a educação ambiental e para a relação entre a ciência e os Além das propostas e recomendações comunicadas
problemas sociais é considerado positivo na perspectiva de neste trabalho, há muitas outras possibilidades de ações
Santos (2007, p. 2), porque contribui para o “desenvolvi- potencialmente inovadoras para a melhoria do ensino. O que
mento da capacidade de tomada de decisão” dos estudantes pudemos perceber é que, de certa forma, há certo consenso
e do desenvolvimento de valores. entre os interlocutores quanto aos objetivos da Educação
Também ficou evidente a importância de discussões, Química, naquilo que pode permitir o desenvolvimento não
reflexões e trocas de saberes entre estudantes e professores só cognitivo, mas também social, além de destacar o papel
para a conscientização e para que cada sujeito construa seu da química nessa formação.
próprio conhecimento, considerando que a escola é um Foi possível constatar também que os princípios da
espaço de produção de saberes e que é fundamental ouvir interdisciplinaridade e da contextualização passam a ser
o outro. Avaliamos tal constatação como relevante, já que, vistos pelos professores não só como estratégias de ensino,
conforme afirma Santos (2007, p. 11-12), “abrir espaço em mas também como postura, frente ao conhecimento, e como
sala de aula para debates de questões sociocientíficas são possibilidade de relacionar os conhecimentos científicos com
ações fundamentais no sentido do desenvolvimento de uma as situações vivenciais. Sendo assim, Farias (2006) lembra

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que é fundamental a divulgação das propostas para favorecer Química, espera-se que a formação tenha como escopo o
outras práticas nas escolas, já que as inovações podem ser exercício da cidadania e o desenvolvimento de valores e
externamente ou internamente induzidas desde que haja o nas mais variadas dimensões, além do reconhecimento da
esforço para atender aos interesses e às necessidades do importância social da química. Para isso, os interlocutores
contexto escolar. indicaram que para conquistar esses intentos, as abordagens
Dessa forma, acreditamos ser de alto valor a socialização potencialmente inovadoras seriam as que visam à superação
e a circulação de ideias, propostas, experiências e práticas do ensino centrado apenas na memorização e na repetição,
que apresentam potencial de contribuir para a melhoria do mas que permitam a relação, a significação e a integração do
ensino de química, uma vez que, à medida que circulam, que se aprende com as vivências do estudante, reconhecendo-
contribuem para a reflexão e a formação coletiva, acerca -o como construtor de seu conhecimento.
das práticas pedagógicas e os processos de aprendizagem. O estudo a partir de temas de relevância social, a ex-
Além disso, as experiências positivas para o ensino de perimentação, a história da ciência e a linguagem foram
química devem ser divulgadas não só pelos formadores de alguns dos aspectos indicados pelos interlocutores como
professores, mas também pelos professores de educação importantes para a Educação Química. Foi possível cons-
básica para que outros sujeitos possam também buscar a tatar ainda que os princípios da interdisciplinaridade e da
melhoria profissional e educativa. contextualização são fundamentais para a significação e a
integração de pessoas e de conhecimentos.
Considerações finais

Este trabalho nos permitiu compreender e comunicar o Nicole Glock Maceno (nicolemaceno@gmail.com), licenciada em Química pela
que é inovação na área de Educação Química na perspectiva UFPR, mestre em Educação em Ciências e Matemática pela UFPR. Atualmente
é professora da educação básica. Curitiba, PR – BR. Orliney Maciel Guimarães
de três grupos de interlocutores: da revista Química Nova na (orli.guimaraes@gmail.com), doutora em Ciências pela USP de São Carlos, é
Escola, de escolas e de livros. Dentre as principais evidências professora associada IV no De¬partamento de Química da UFPR na área de Ensino
alcançadas, podemos dizer que para a melhoria da Educação de Química. Curitiba, PR – BR.
56
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Abstracts: The Innovation in Teaching Chemistry. This paper discusses what is considered as an innovation in the area of Chemical Education from the analysis
of textual materials of three groups: the “Interlocutors of New Chemistry in Schools Magazine”, the “Interlocutors of Schools” and “Interlocutors of Books.”
From the contributions and Moraes and Galiazzi (2007) about Textual Analysis Discourse, three metatexts were constructed for each of the categories considered:
Objectives of Chemical Education, Importance of Chemical Education and Potentially Innovative Approaches. The main evidence, it was possible to understand
that these interlocutors, innovation is the area of ​​Chemical Education have the scope of the training focused on citizenship, so students can recognize the social
importance of this area and that teachers find the principles of Interdisciplinarity and Contextualization – addition to the themes that emerge from the context in
which they live - for the curriculum organization and the proposition of learning situations that are significant and integrated the experiences on these subjects.
Keywords: Chemical Education, Innovation, Teaching Approaches.

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