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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa, inserida em um estudo maior, busca investigar os conceitos
fundamentais propostos ao Ensino da Química a partir de produções de caráter
nacional e internacional publicadas em periódicos da área de Ensino de
Química/Ciências. A química é um assunto altamente conceitual, com uma alta
densidade de ideias abstratas e necessita de explicações de um domínio invisível e
submicroscópico de entidades desconhecidas (TABER, 2019). Neste sentido, devido à
complexidade dos conceitos e ideias abstratas, é importante investigar as questões
apontadas pelos trabalhos feitos na área. Dessa forma, nossa pesquisa busca estudar
a fundamentalidade do conceito de Ligações Químicas atribuída por trabalhos do
campo do Ensino de Química.
Sabendo que a Química é uma disciplina que faz parte do programa curricular
do ensino fundamental e médio, a discussão de fundamentalidade e relevância podem
ser mais extensas, pois a aprendizagem de Química deve possibilitar aos alunos a
compreensão das transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma
abrangente e integrada, para que esses possam julgar, com fundamentos, as
informações adquiridas na mídia, na escola, com pessoas, etc. A motivação para
estudar e aprender química pode ser alcançada com a elaboração de um material
didático que seja potencialmente significativo, permitindo a integração entre o
conhecimento prévio do aluno e a nova informação apresentada pelo professor, que
juntos produzirão um conhecimento potencialmente significativo (MOREIRA, 2007). A
partir daí, o aluno tomará sua decisão e dessa forma, interagirá com o mundo enquanto
indivíduo e cidadão (BRASIL, 1999).
Há muito tempo que a escola tem buscado respostas para o problema da
dificuldade de aprendizagem dos alunos no Ensino de Química. Por um olhar
tradicional, as dificuldades são usualmente concebidas como perturbações ou
20º Encontro Nacional de Ensino de Química – ENEQ Pernambuco - UFRPE/UFPE
Recife – PE – 13 a 16 de julho de 2020.
20º Encontro Nacional de Ensino de Química Área do trabalho
ENEQ Pernambuco - UFRPE/UFPE
METODOLOGIA
Para dar conta da pesquisa, o corpus foi composto a partir da busca de textos
publicados em periódicos científicos do campo do Ensino de Química com o foco na
discussão ou proposição de seus conceitos. Através das palavras-chave “chemistry”,
“concept”, “conception”, “education”, “educative”, “review”, “epistemology”,
“episemological” e outras variações, os textos foram procurados em repositórios de
artigos científicos como Google Scholar, Periódicos CAPES e Web of Science. Nossa
primeira busca resultou em 693 textos, os quais, após um refino com vistas a
evidenciar os quetinham foco no Ensino de Química ou/e conceitos de Química,
resultaram em 462 artigos. A partir desses, começamos uma etapa de análise mais
elaborada, categorizando os conceitos mais abordados por cada trabalho e o foco da
discussão, como por exemplo, se o artigo focava na discussão ou no
ensino/aprendizagem do conceito. Em outra etapa, evidenciamos que havia mais de 80
conceitos discutidos, sendo que Ligações Químicas foi o mais problematizado, evidente
em 52 documentos, equivalente a 11% dos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Uma vez que as questões orientadoras envolvem diferentes aspectos das
produções analisadas, como modo de melhor organizar suas relações, na presente
seção serão agrupadas algumas das questões orientadoras a partir de sua proximidade
e similaridade nos textos analisados. Sendo assim, alguns textos destacam-se em mais
de uma categoria.
Estratégias e Propostas
Ao agrupar os itens orientadores (f) e (g), evidenciamos que há estratégias em
comum e propostas apresentadas como conclusão dos trabalhos com diferentes focos.
As estratégias aproximam-se em alguns casos quando os textos se colocam a favor do
desenvolvimento de mapas conceituais ou mapas de fluxo dos alunos para que os
docentes possam identificar a dificuldade ou conceitos errôneos que os alunos
possuem. Desta forma, o texto A14 define mapas de fluxo como sendo:
Construído a partir da narrativa escrita dos entrevistados ou do discurso
falado. Começa pelas declarações dos entrevistados em uma ordem sequencial
e, em seguida, toda declaração proferida recebe um número. Posteriormente, as
ligações lineares e recorrentes são examinadas. Uma ligação linear mostra o
fluxo sequencial de respostas das idéias e um vínculo recorrente mostra as
conexões entre idéias relacionais, isto é, idéias revisitadas. Setas recorrentes
são retrocedidas para a etapa mais inicial em que a declaração revisitada
aparece. (p.525)
Por conseguinte nesse mesmo texto os autores propõem:
Este estudo revelou que seus participantes também têm alguns conceitos
errados sobre a ligação química, principalmente nas categorias tipos de ligações
químicas. Isso pode estar relacionado à falta de habilidades de comparação e
explicação, conforme esclarecido por análise de mapa de fluxo (p. 532).
Nesse sentido, esse texto argumenta em favor dessa estratégia de
desenvolvimento de mapas de fluxo como uma alternativa para compreender os
significados que o aluno possui sobre os conceitos, e assim facilitar ao professor que
poderá, segundo eles, analisar os conhecimentos de sua turma. Na mesma direção,
também analisamos mais quatro textos que propõem como estratégia de investigação
formas de apresentar aos docentes elementos de trabalho com as ligações químicas,
ou seja, que direciona sua proposta para acrescentar ao professor, como no texto A3,
em que o autor cita algumas interpretações que o professor pode fazer sobre seu
aluno, como por exemplo, analisar sua percepção específica do conteúdo de Ligações
Químicas. Quando um docente souber destes significados particulares ele “estará,
Importância e finalidades
Dos agrupamentos realizados, os itens orientadores (a) e (e), referentes à
importância atribuída às ligações químicas e às finalidades atribuídas a tal conceito no
Ensino de Química representaram, a nós, elementos muito importantes de destacar e
problematizar em nossa investigação. De modo geral, foi possível evidenciar 3 (três)
formas de propor ou discutir sobre a importância e a finalidade do conceito abordado.
compreensão do conceito difícil, justamente por não ser algo “palpável”, o que
evidencia a complexidade deste conceito.
Em outro texto, podemos também analisar que há uma estratégia de
aprendizado com exemplos cotidianos. “Não há dúvida de que a ligação química é um
dos principais conceitos em química e um dos mais fundamentais” (A22, p.180). Após o
autor citar outros aspectos interdisciplinares do conceito e também sua importância do
processo de aprendizagem na de outros conceitos, finaliza assumindo que “(...) além
do mais, aprender sobre ligação química permite ao aluno fazer previsões e fornecer
explicações sobre propriedades físicas e químicas das substâncias” (A22, p. 180).
Segundo o texto, existem fenômenos que para serem compreendidos necessitam
previamente de alguns conceitos “básicos”, sendo assim, o autor cita Ligações
Químicas como um destes conceitos, pois a partir dele é possível explicar outros
conceitos um pouco mais complexos. Comparado com o primeiro texto analisado, este
autor também cita as possibilidades de contextualização e previsões que esse conceito
permite, como por exemplo, “cobre conduz eletricidade porque possui uma ligação
metálica com elétrons, diamante tem uma temperatura de fusão alta porque seus
átomos estão fortemente ligados em uma rede por ligações covalentes” (A22, p. 181).
Assim ele evidencia a relevância tanto para utilizar em sala de aula quanto para
adquirir esse conhecimento para outros fins, como o voltado à compreensão do mundo
vivenciado cotidianamente.
do pensamento de uma Ligação Química ser uma conexão material, de modo que
citam trabalhos como Pabuccu e Geban (2006),Taber e Coll (2002) e Talanquer (2006).
Embora a centralidade das ligações químicas seja muito apontada, algumas
ressalvas também aparecem:
[...] a maneira como o tópico é ensinado é muitas vezes fortemente influenciada
pelos procedimentos de avaliação (Levy Nahum, Mamlok-Naaman, Hofstein, e
Taber, 2010). Assim, o principal objetivo dos professores é frequentemente
preparar seus alunos para o futuro exames de matrícula. Isso pode levar a uma
abordagem simplista de ensino (Kronik et al., 2008, Figura 1, p. 1680), com
ensino superficial, resultando em aprendizado superficial e, finalmente,
produzindo equívocos e pseudo-concepções (A23, p.3).
Essa citação, em particular, evidencia que os autores reconhecem a dificuldade
que há no Ensino de Química quando discutem a presente realidade, além de
conscientizarem as influências que podem sofrer certos processos de aprendizagem.
Eles também reconhecem que na maioria das ocasiões os docentes objetivam preparar
alunos para exames ou avaliações específicas de cada país ou sistema de ensino.
Neste determinado ponto, podemos analisar que há uma diferença entre
justificar a fundamentalidade das Ligações Químicas com intenções para além do
ensino escolar e quando há uma maioria de professores focados em feitos como
“preparar” alunos para um determinado tipo de avaliação. Nesse sentido, Rocha (2011,
p.2) destaca que
O currículo vai além da transmissão de uma listagem de conteúdos, pois deve
atender as necessidades dos alunos, de modo a prepara-los para o mundo, para
intervir na sua comunidade e na sociedade, de modo mais amplo, não deve
servir apenas para preparar os estudantes para um estágio mais avançado de
estudos, para cursar a universidade, mas auxiliá-los a desenvolver habilidades
intelectuais e manuais, qualidades pessoais, entre outros. Na escola,
normalmente, os conteúdos de ensino assumem centralidade, sendo comum a
organização das práticas e do ano letivo ser feita em função deles.
Assim, vemos que há questões possíveis a serem discutidas nessa situação,
como, por exemplo, se houvesse uma alteração de conteúdos das provas em questão,
se as Ligações Químicas seriam tão evidentes e relevantes da mesma forma,
mostrando que o ensino de qualquer conteúdo necessita de uma justificativa mais
ampla e direcionada a um objetivo.
Química. Os autores não apresentam de que forma este conceito se manifesta neste
conhecimento, principalmente, onde foca a sua importância.
CONCLUSÃO
Em nossa pesquisa buscamos identificar os conceitos químicos mais discutidos
em revistas qualificadas do Ensino de Química e, ao destacar que um desses conceitos
é o referente às Ligações Químicas, evidenciamos quais as discussões propostas
pelos textos a respeito de sua fundamentalidade para o ensino. Dessa forma,
consideramos importantes os vários campos de investigação no Ensino de Química,
como aquelas que discutem os métodos de ensino de algum conceito, mas além disso,
acreditamos que é preciso discutir o porquê os conceitos reiteradamente utilizados são
tomados como fundamentais. Nesse sentido que ao longo do trabalho, foi possível
evidenciar que em vários momentos é atribuída à Ligação Química uma importância
muito grande no Ensino de Química. Todavia, também evidenciamos que muitas das
justificativas de sua existência não são claras. Assim, quando alguns trabalhos afirmam
que esse conceito é necessário para a química, cabe a pergunta se ele é necessário
para se aprender Química. Evidenciamos que não há uma significativa discussão de
utilidade nos textos, além de vários trabalhos classificarem conceitos como parte de
disciplinas “importantes” ou englobadores de outros conceitos mais complexos e etc.,
como foi descrito nos resultados.
Na análise também se evidencia a ausência de discussão que traga ao
professor a legitimidade e o poder da escolha de seus próprios objetivos ou sua
justificativa de relevância ao utilizar o conceito em seus métodos. Dessa forma, há uma
significativa falta de discussão de intencionalidade pedagógica por trás de cada
conceito utilizado pela comunidade docente. Nesse sentido, também queremos propor
a discussão da relevância desse conceito em um currículo de química. Assim,
insistimos em questionar qual a pretensão de utilizar conceitos como Ligações
Químicas em aulas de química, seria esse conceito necessário para algum curso ou
carreira específico? Se for necessário, é para quem? De que forma ele é tão
necessário? Com tais resultados e novos questionamentos é que pretendemos seguir e
adensar a presente investigação.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Ministério de Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio. Química – 1º ao 3º ano. Brasília, SEF, 1999.
DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (Coords.). Manual de investigación cualitativa v.
II (pp. 38-77). Barcelona: Gedisa Editorial.
HAMMILL, D. D. On defining learning disabilities: An emerging consensus.
Journalof Learning Disabilities, n.23, p.74-84, 2000
MOREIRA, Marco Antonio. APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: da visão
clássica à visão crítica. da visão clássica à visão crítica. 2007. Disponível em:
http://moreira.if.ufrgs.br/visaoclasicavisaocritica.pdf. Acesso em: 16 fev. 2020.
NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão
docente. Cadernos de Pesquisa, [s.l.], v. 47, n. 166, p.1106-1133, dez. 2017.
FapUNIFESP (SciELO).