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■ Os autores e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos
os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a
possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum
deles tenha sido omitida.
■ Ficha catalográfica
M164b
ISBN: 978-85-277-3107-2
1. Bioquímica. 2. Saúde bucal. 3. Odontologia. I. Oliveira, Rodrigo Cardoso de. II. Buzalaf,
Marília Afonso Rabelo. III. Título
Caro leitor,
Com muito prazer escrevo este Prefácio para contar um pouco a história
desta obra. A Bioquímica foi, por muitos anos, considerada uma das
disciplinas mais apavorantes da matriz curricular da nossa escola, e entendo
que de muitas outras escolas também, em função da complexidade de suas
moléculas e vias metabólicas. Graças à modernização e à maior
conscientização sobre metodologias de ensino, esta realidade tem mudado.
É um grande desafio ao professor (“o eterno estudante”, como gosto de me
nomear) tornar esta disciplina tão fascinante para aqueles que trabalham
diretamente com ela na bancada algo interessante aos nossos alunos dos
cursos de graduação, futuros cirurgiões-dentistas e fonoaudiólogos, que na
maioria das vezes não querem nem devem ser especialistas no assunto; mas
por outro lado, devem ter o conhecimento básico e aplicável sobre os
assuntos pertinentes às disciplinas básicas que têm relação direta com sua
atuação como profissionais da saúde.
Existem vários livros fascinantes na área de Química Orgânica e
Bioquímica & Farmácia, os quais nos inspiraram (e nos inspiram
diariamente) e serviram como fonte de citação nesta obra, porém há algum
tempo temos sentido a necessidade de colocar no papel os assuntos mais
pertinentes aos profissionais da área da saúde, em especial àqueles que
formamos, em uma sequência e profundidade de abordagem condizente
com a realizada em sala de aula.
A ideia deste livro surgiu em 2009 e se concretizou em 2011, logo
após o meu concurso de livre-docência, para o qual preparei vários textos,
com base nos livros clássicos de Bioquímica, que me orientaram na
condução da prova escrita. Nos anos subsequentes, esses textos foram
distribuídos aos alunos do 1o ano dos cursos de graduação da nossa escola,
via e-mail ou sistema moodle, para que pudessem ser utilizados no estudo
da disciplina. Desde então, os alunos têm respondido positivamente a esse
material, alegando que tem facilitado o entendimento do conteúdo
apresentado e discutido em aulas teóricas e práticas. Então, resolvemos
concretizar este anseio com esta obra produzida pelos três docentes da
disciplina de Bioquímica da FOB-USP, que não têm medido esforços, ao
longo dos anos, para o aprendizado e a inserção de novas metodologias de
ensino e melhoria na abordagem em sala de aula, aproximando pesquisa e
conhecimento básico aos conhecimentos aplicáveis ao perfil dos nossos
alunos ingressantes e do profissional de que a sociedade precisa. Após 5
anos conseguimos, enfim, finalizar este trabalho, que só tem uma razão para
existir e esta razão é você: nosso querido aluno. Espero que gostem, pois
este livro foi especialmente preparado para vocês.
Um grande abraço,
Capítulo 3 Enzimas
Natureza química das enzimas
Nomenclatura e classificação das enzimas
Mecanismo da catálise enzimática
Fatores que afetam a velocidade das reações | Cinética
enzimática
Inibidores enzimáticos
Regulação da atividade enzimática
Uso de enzimas para diagnóstico clínico
Conclusão
Referências bibliográficas
Capítulo 4 Carboidratos
Características estruturais
Oligossacarídeos
Homopolissacarídeos
Derivados
Heteropolissacarídeos
Carboidratos conjugados
Destino do carboidrato no corpo e considerações finais
Referências bibliográficas
Capítulo 14 Saliva
Anatomia e fisiologia das glândulas salivares
Mecanismos de secreção salivar
Fatores que influenciam o fluxo e a composição salivar
Saliva | Efeitos protetores
Saliva | Limpeza bucal e controle de pH
Saliva | Equilíbrio mineral
Xerostomia e hipossalivação
Conclusões
Referências bibliográficas
Capítulo 17 Desmineralização–
Remineralização | Cárie e
Erosão Dentárias
Dinâmica mineral
Características microscópicas e clínicas das lesões cariosa e
erosiva
Conclusão
Referências bibliográficas
*Energia na forma de calor necessária para converter 1 g de um líquido no seu ponto de ebulição e
na pressão atmosférica até seu estado gasoso na mesma temperatura. Esta é uma medida direta da
energia necessária para superar as forças de atração entre as moléculas na fase líquida.
Figura 1.2 Dissolução do NaCl (soluto) em água (solvente). Notar a disposição das moléculas de
H2O.
Figura 1.3 Sistema representando a pressão osmótica.
Figura 1.4 Molécula anfipática e estruturas formadas pelas interações hidrofóbicas.
Sistema-tampão
A estrutura de muitas moléculas presentes nas células e nos espaços
extracelulares é extremamente sensível a variações de pH. Nos seres
humanos, por exemplo, o pH plasmático deve ser mantido em torno de 7,4,
em uma faixa estreita de variação, uma vez que decréscimos a valores
próximos a 7 podem causar consequências drásticas. A manutenção do pH
ideal pelos seres vivos se dá graças à existência do chamado sistema-
tampão (Koolman e Röhm, 2005; Pratt e Cornely, 2006; Pelley, 2007).
Para definir sistema-tampão e comprender suas propriedades, é
necessário conhecer a definição de Brönsted-Lowry para ácidos e bases.
Eles definiram ácidos como substâncias capazes de doar prótons e bases
como substâncias capazes de recebê-los. Um ácido (HA) em meio aquoso
libera o próton (H+) e a base conjugada (A–). Uma simples representação
disso pode ser feita por: HA = H+ + A–. A base conjugada pode novamente
receber um próton, convertendo-se novamente a ácido conjugado. Lewis
definiu ácido como um aceptor potencial de elétrons e a base, o doador
potencial de par de elétrons (Campbell e Farrell, 2007; Marzzoco e Torres,
2007; Nelson e Cox, 2014).
Alguns ácidos são considerados fortes, uma vez que se dissociam
totalmente em água, como por exemplo: HCl e H2SO4. Outros ácidos
dissociam-se parcialmente, por isso são denominados ácidos fracos. Os
ácidos fracos são caracterizados por uma constante de dissociação ou de
ionização. Exemplo: H3PO4/H2PO4– (pKa = 2,14), ácido lático/lactato
(CH3CH(OH)COOH, pKa = 3,86), ácido acético/acetato (CH3COOH, pKa
= 4,76), H2CO3/HCO3– (pKa = 6,37), H2PO4–/HPO4–2 (pKa = 6,86),
NH4+/NH3 (pKa = 9,25), fenol/fenolato (pKa = 9,89), HPO4–2/PO4–3 (pKa =
12,40). Para uma substância com mais de um próton ácido (H3PO4 com 3
H+ que podem se dissociar), há múltiplos valores de pKa (2,14; 6,86 e
12,40) (Pratt e Cornely, 2006; Nelson e Cox, 2014).
Um sistema-tampão é constituído, geralmente, por um ácido fraco e
sua base conjugada. Na presença de ácido, o sistema-tampão reage por
intermédio de sua base conjugada que se associa aos prótons,
transformando-se em ácido. Dois aspectos são importantes, o H+ (na forma
de H3O+) adicionado reage com a base, dessa forma o número de prótons é
menor que se não houvesse base presente na solução. No entanto, nem todo
H+ reage com a base, pois se isto acontecesse manter-se-ia o número de H+
inicial, com redução drástica de base e aumento expressivo de ácido (HA),
o que alteraria o Ka (Figura 1.5) (Campbell e Farrell, 2007; Marzzoco e
Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Quando se adiciona base, o resultado é análogo ao anterior. Os íons
OH– reagem com H+ (orginado do ácido fraco), formando H2O (Figura 1.5).
Haverá um consumo de H+, deslocando a reação para a dissociação do ácido
fraco que repõe parcialmente o H+. Dessa forma, reduzem-se as
concentrações de HA e H+ e aumenta-se a de A– (Marzzoco e Torres, 2007;
Nelson e Cox, 2014).
Portanto, o sistema-tampão previne mudanças bruscas de pH, porém a
eficiência de um tampão está restrita a uma faixa de pH, dentro da qual as
concentrações de ácido (50%) e base (50%) são suficientes para compensar
a adição de álcali ou ácido. Fora do intervalo de tamponamento, como a
soma de HA e A– é constante, têm-se as seguintes situações: grande adição
de álcali (HA 0%/A– 100%) e grande adição de ácido (HA 100%/A 0%).
No valor de pH em que há 50% HA e 50% A–, a eficiência do tampão é
máxima; no intervalo de 1 unidade acima ou abaixo deste valor o tampão
ainda tem efeito. A determinação do pH em que há 50% de dissociação do
ácido pode ser obtida experimentalmente por titulação. A curva de titulação
apresenta uma região achatada correspondente à região de tamponamento,
onde há pequenas variações de pH (Figura 1.6). No centro desta região,
temos HA = A (Pratt e Cornely, 2006; Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e
Cox, 2014).
Figura 1.5 Esquema da ação tamponante de uma solução composta por ácido fraco e sua base
conjugada.
Figura 1.6 Titulação e efeito tamponante do ácido acético.
Conclusão
Devido à grande participação da água, seja como solvente ou reagente no
organismo, é essencial que todo profissional da saúde tenha domínio das
principais características/propriedades desse líquido. Muitas manobras
clínicas (diagnóstico e tratamento) se baseiam nas propriedades da água, ou
mesmo como intervenção direta em líquidos corporais. Além disso,
soluções capazes de realizarem a manutenção do pH dentro do organismo
também são importantes pois farão parte da rotina clínica de diversos
profissionais. Por isso, a compreensão do seu mecanismo de funcionamento
é fundamental para os profissionais da área da saúde.
Referências bibliográficas
Campbell MK, Farrell SO. Bioquímica: volume 1, bioquímica básica.
Tradução da 5. ed. americana. Supervisão: Chaves MMG. São Paulo:
Thomson Learning, 2007.
Gaw A, Murphy MJ, Srivastava R, Cowan RA, O’Reilly DSJ. Bioquímica
clínica. Tradução da 5. ed. Revisão científica: Oliveira RC. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2015.
Koolman J, Röhm KH. Bioquímica. Texto e atlas 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2005.
Marzzoco A, Torres BB. Bioquímica básica. 3. ed., Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2007.
Nelson DL, Cox MM. Princípios de bioquímica de Lehninger. Tradução da
6. ed. americana. Revisão: Termignoni C, Renard G, Pereira MLS, Farias
SE. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Nicolau J. Fundamentos de bioquímica oral. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2008.
Pelley JW. Bioquímica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
Pratt CW, Cornely K. Bioquímica essencial. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2006.
A
s proteínas são biomoléculas que apresentam grande diversidade em
formato, tamanho e função. Neste capítulo, vamos descrever alguns
detalhes da estrutura e das propriedades das proteínas. É importante
perceber que essas biomoléculas estão envolvidas no controle e na
regulação de muitos processos biológicos, realizando diferentes funções no
organismo, como por exemplo: transporte (p. ex., hemoglobina),
proteção/defesa (p. ex., imunoglobulinas), controle/regulação (p. ex.,
fatores de transcrição), catálise (p. ex., enzimas), movimento (p. ex., actina
e miosina) e armazenamento (albumina).
Proteína é uma molécula formada pela polimerização de aminoácidos.
Esses aminoácidos podem ser polimerizados em uma ou mais cadeias
peptídicas. São conhecidos mais de 300 tipos de aminoácidos, mas apenas
20 tipos de aminoácidos são capazes de formar a estrutura de proteínas.
A falha na função de uma proteína, por falta, excesso ou defeito na sua
estrutura, poderá ocasionar problemas na saúde de um indivíduo e, em
casos extremos, até a sua morte. Um exemplo conhecido disso é a
síndrome de Usher, caraterizada por profunda perda de audição, retinite
pigmentosa (que leva à cegueira) e, em alguns casos, problemas
vestibulares (equilíbrio). Na síndrome de Usher são encontrados diferentes
tipos de mutações no gene da miosina do tipo VIIa. Essa proteína,
constituída de 2.215 aminoácidos, é um dos componentes do citoesqueleto
celular das células ciliadas da orelha. Na síndrome de Usher, a falha no
desenvolvimento adequado das células ciliadas se deve à mutação no gene
da proteína miosina VIIa (Pratt e Cornely, 2006; Aparisi et al., 2014;
Cosgrove e Zallocchi, 2014).
Aminoácidos
Os aminoácidos são pequenas moléculas que apresentam um “padrão” na
sua estrutura, uma vez que possuem um grupo amino (–NH2) e um grupo
carboxila (–COOH) ligados ao mesmo átomo de carbono (chamado de
carbono a). Além desses grupamentos, existe um grupo variável chamado
de cadeia lateral ou grupo R (radical) que está ligado ao carbono a (Figura
2.1). A única exceção a essa regra é a prolina, que tem um grupo imino (–
NH–) no lugar do amino. Em pH fisiológico (pH 7,4), esses agrupamentos
estão na forma ionizada (NH3+ e COO–) (Pratt e Cornely, 2006; Marzzoco e
Torres, 2007; Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
De acordo com as características dos grupos R são definidas as
propriedades dos aminoácidos. Em geral, os aminoácidos são divididos em
até cinco categorias, de acordo com seu grupo R (Figura 2.2):
Alanina Ala A
Arginina Arg R
Asparagina Asn N
Aspartato Asp D
Cisteína Cys C
Fenilalanina Phe F
Glicina Gly G
Glutamato Glu E
Glutamina Gln Q
Histidina His H
Isoleucina Ile I
Leucina Leu L
Lisina Lys K
Metionina Met M
Prolina Pro P
Serina Ser S
Tirosina Tyr Y
Treonina Thr T
Triptofano Trp W
Valina Val V
Ligações peptídicas
Na constituição das proteínas, os aminoácidos formam polímeros por meio
de ligações entre seus grupos amino e carboxila, formando as chamadas
ligações peptídicas (Figura 2.5). Essas ligações implicam perda de molécula
de água, originada de hidrogênio e oxigênio contidos nos dois grupos.
Assim, alguns autores usam a nomenclatura de “resíduos de aminoácido”
para os aminoácidos que fazem parte de uma proteína, uma vez que estes
apresentam diferença de átomos de hidrogênio e oxigênio do aminoácido
original (sem interação com qualquer outra molécula). Por opção, vamos
manter neste capítulo a nomenclatura de aminoácido, mesmo para aqueles
que estão formando proteínas (Kamoun et al., 2006; Pratt e Cornely, 2006;
Pelley, 2007; Harvey e Ferrier, 2012).
As ligações peptídicas são consideradas planas devido ao seu caráter
parcial de dupla ligação. Assim, esse tipo de ligação não apresenta
liberdade para rotação. Os peptídios são compostos intermediários às
proteínas, pois contêm geralmente até 30 aminoácidos. Em uma sequência
de peptídios, a “direção” adotada para sua representação (tanto por extenso
como por figura) é posicionar o grupo aminoterminal do lado esquerdo e o
grupo carboxiterminal do lado direito (Figura 2.5) (Koolman e Röhm, 2005;
Kamoun et al., 2006; Campbell e Farrell, 2007).
Alguns peptídios apresentam funções biológicas importantes, como
nos casos de ocitocina e vasopressina que são hormônios peptídicos. A
ocitocina induz ao parto em gestantes, controlando a contração do músculo
uterino. A vasopressina controla o músculo liso e, assim, tem influência no
controle da pressão sanguínea. Um exemplo de peptídio com aplicação
comercial bastante difundida é o aspartame, dipeptídio formado por
aspartato e fenilalanina esterificado a um grupo metila (L-aspartil-L-
fenilalanina). É utilizado como substituto não calórico do açúcar, apresenta
potencial cariogênico nulo e ainda pode ter importante papel no menor
potencial erosivo de refrigerantes do tipo light em comparação aos
convencionais (Campbell e Farrell, 2007; Rios et al., 2009; 2011).
Graças às diferenças entre os 20 tipos de aminoácidos, além das quase
infinitas possibilidades de combinações sequenciais entre eles, podem ser
formadas proteínas distintas em tamanho (comprimento de uma centena até
centenas de milhares de aminoácidos), formato e função. Como exemplo,
no organismo humano temos proteínas formadas com pouco mais de cem
aminoácidos (citocromo c – 104 aminoácidos) até milhares (apolipoproteína
B – 4.536 aminoácidos) (Pratt e Cornely, 2006; Pelley, 2007; Berg et al.,
2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Proteínas
Figura 2.6 Representação dos modelos de estrutura secundária: α-hélice e folha β-pregueada
(paralela e antiparalela).
Figura 2.7 Exemplos de algumas estruturas supersecundárias: unidade βαβ, meandro β e chave
grega.
Estrutura terciária
No próximo nível estrutural das proteínas, encontramos a proteína com o
seu formato final (para grande parte delas): a estrutura terciária. Na
estrutura terciária, a proteína apresenta formato tridimensional estabilizado
por diferentes interações. As principais interações encontradas na estrutura
tridimensional de uma proteína são: interações hidrofóbicas, ligações de
hidrogênio, formação de complexos de íons metálicos e pontes dissulfeto
(Figura 2.8). Duas dessas interações merecem destaque: a primeira, as
interações hidrofóbicas, são as maiores responsáveis pela conformação final
da proteína. As proteínas, na sua grande maioria, apresentam o seu interior
(cerne) hidrofóbico. Para entendermos um pouco melhor isso devemos
lembrar que o principal componente dos organismos é a água;
consequentemente, aminoácidos com características hidrofóbicas tendem a
se agrupar no interior da proteína para diminuir a área exposta ao meio
aquoso. Por fim, esses aminoácidos ficam, na maioria das vezes, no interior
das proteínas, enquanto a região externa da proteína é composta na sua
maioria por regiões polares de aminoácidos. Uma exceção a essa regra é o
caso de proteínas que atravessam as membranas (lipídicas) biológicas, uma
vez que a parte central das membranas é hidrofóbica. O segundo tipo de
interação que merece destaque é a ponte dissulfeto, considerada ligação
covalente entre dois grupos SH de duas cisteínas por meio da oxidação e
formação da cistina (Koolman e Röhm, 2005; Campbell e Farrell, 2007;
Marzzoco e Torres, 2007; Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox,
2014).
Figura 2.8 Exemplos de algumas interações que possibilitam a formação da estrutura
tridimensional da proteína: pontes de hidrogênio, pontes dissulfeto, interações hidrofóbicas e
ligações iônicas.
Estrutura quaternária
Algumas proteínas podem ser formadas pela associação de mais de um tipo
de cadeias de peptídios, apresentando assim a chamada estrutura
quaternária (Figura 2.9). Cada cadeia peptídica é chamada de subunidade,
as quais podem ser semelhantes ou distintas. O número de cadeias pode
variar de duas até pouco mais de dez. Essas cadeias são ligadas de modo
não covalente, por meio de ligações de hidrogênio, interações hidrofóbicas
e atrações eletrostáticas. A hemoglobina, com quatro subunidades (cadeias
α e β) é exemplo de proteína com estrutura quaternária (polipeptídica)
(Kamoun et al., 2006; Campbell e Farrell, 2007; Marzzoco e Torres, 2007;
Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Proteínas homólogas
As proteínas que evoluíram de um ancestral comum são denominadas de
homólogas. A comparação das sequências de seus aminoácidos mostra
semelhanças e regiões chamadas de invariáveis (mesmo conjunto/posição
de aminoácidos), mesmo quando se altera de uma espécie animal para
outra. Essa chamada homologia, entre proteínas de diferentes espécies,
pode ser determinada em porcentagem de semelhança (aminoácidos na
mesma posição) e também ajudar no entendimento de diversos processos
fisiológicos e patológicos. Um exemplo bastante característico de
homologia é a proteína citocromo c, proteína com 103 ou 104 aminoácidos
em vertebrados. Essa proteína apresenta função na cadeia transportadora de
elétrons, localizada na mitocôndria. Sua estrutura (sequência de
aminoácidos) apresenta diferença de alguns poucos aminoácidos (número
entre 8 e 15) entre diferentes espécies, como por exemplo: humano e coelho
(9 aminoácidos), humano e ovelha (10 aminoácidos), cachorro e cavalo (6
aminoácidos) (Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier,
2012; Nelson e Cox, 2014).
Funções
É importante perceber que essas biomoléculas estão envolvidas no controle
e na regulação de muitos processos biológicos, realizando diferentes
funções no organismo, como por exemplo: estrutural (colágeno), transporte
(p. ex., hemoglobina), proteção/defesa (p. ex., imunoglobulinas),
controle/regulação (p. ex., hormônios e fatores de transcrição), catálise (p.
ex., enzimas), movimento/contrátil (p. ex., actina e miosina) e
nutritiva/armazenamento (caseína). Para se ter uma ideia da importância da
função das proteínas, podemos tomar como exemplo a via de quebra da
molécula da glicose (via glicolítica). Nessa via temos dez proteínas com
atividade enzimática, responsáveis por etapas específicas da via. A ausência
ou alteração de uma delas pode inviabilizar todo o processo. Mais detalhes
sobre a via glicolítica podem ser obtidos no Capítulo 8 (Bioenergética |
Glicólise, Ciclo de Krebs e Fosforilação Oxidativa) (Campbell e Farrell,
2007; Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
A função de transporte pode ser exemplificada pela hemoglobina,
proteína responsável pelo transporte do oxigênio no sangue. Essa proteína
apresenta a propriedade de permitir a ligação de quatro moléculas de
oxigênio, transportando-as do sangue dos pulmões para os outros tecidos.
As imunoglobulinas (Ig) apresentam a função de proteção/defesa.
Essas proteínas se ligam a moléculas exógenas, chamadas antígenos,
servindo assim como marcadores indicativos da invasão exógena. Podem
ser encontradas diferentes classes de imunoglobulinas, como: IgA, IgD,
IgE, IgG e IgM.
Outra função bastante comum exercida pelas proteínas é a estrutural,
responsável pela manuntenção do formato e da estabilidade de células e
tecidos. O colágeno é um bom exemplo, uma vez que é o principal
constituinte da matriz extracelular de tecidos conjuntivos, como ossos,
tendões, dentina etc.
Algumas proteínas atuam como moléculas sinalizadoras,
modulando/controlando diversos eventos, seja disparando ou inibindo
algum processo. As chamadas proteínas morfogenéticas ósseas (conhecidas
por BMPs, devido ao nome em inglês: bone morphogenetic protein) são
moléculas capazes de se ligar aos receptores celulares (também proteicos),
localizados na membrana plasmática, e induzir a diferenciação celular de
células mesenquimais indiferenciadas em osteoblastos.
Uma das atividades mais fascinantes das proteínas é a catálise ou
atividade enzimática. As enzimas são fundamentais para que reações
metabólicas aconteçam em um tempo compatível com a vida. Diminuem a
energia de ativação da reação e permitem aumento na velocidade das
reações. Exemplo bastante comum são as proteases (ou proteinases), que
quebram as ligações peptídicas de proteínas. Uma classe das proteases,
chamadas de metaloproteinases de matriz, são responsáveis pela degradação
da matriz extracelular.
A capacidade de movimentação e deslocamento de um organismo, ou
mesmo de uma célula, deve-se à atividade coordenada de algumas
proteínas, em especial da actina e da miosina. Mesmo a alteração de
formato de algumas células, com capacidade de fagocitose, deve-se à
propriedade de seu citoesqueleto (formado essencialmente de proteínas:
actina, microtúbulos e filamentos intermediários) de remodelamento.
Algumas proteínas ainda possuem capacidade nutritiva ou de
armazenamento. A caseína, por exemplo, proteína encontrada no leite
materno (humano, bovino e de outras espécies), é considerada proteína de
valor nutritivo devido à sua composição variada em aminoácidos.
Estudos laboratoriais
Como visto no decorrer do capítulo, as proteínas são biomoléculas
envolvidas em diversos processos biológicos, apresentando uma variedade
de funções e propriedades. Muitas proteínas com função enzimática são
estudadas, em especial pelos problemas que podem acarretar quando não
são expressas adequadamente. São chamados erros inatos do metabolismo
(EIM) os distúrbios de natureza genética que geralmente correspondem a
um defeito enzimático capaz de acarretar a interrupção de uma via
metabólica. Alguns EIM são bastante conhecidos, como a fenilcetonúria,
citada anteriormente neste capítulo. Outros são considerados raros, como a
hipofosfatasia: ausência ou insuficiência da enzima fosfatase alcalina não
específica de tecido. Este último EIM tem como características, entre
outras, a mineralização incompleta de tecidos como os ossos, a dentina, o
cemento e o esmalte. Em casos mais graves a hipofosfatasia pode ser fatal
já no período fetal (Yadav et al., 2012).
Devido à grande importância em relação à atividade/função de
diversas proteínas, tanto em processos fisiológicos como patológicos, essas
moléculas são alvos de várias pesquisas. Consequentemente, muitas
ferramentas foram desenvolvidas para esse fim. A separação, o isolamento
e a identificação de proteínas têm sido realizados por meio de diferentes
técnicas, muitas vezes associadas entre si. Na sequência, relataremos
resumidamente algumas das principais técnicas usadas no estudo das
proteínas (Kamoun et al., 2006; Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008;
Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Isolamento de proteínas
Antes mesmo da purificação de proteínas, estas devem ser removidas dos
seus tecidos e células. Para essa liberação são necessários, incialmente,
processos que promovam a desagregação e a destruição tecidual e celular
(essa primeira etapa é também chamada de homogeneização). Essa
preparação dos tecidos é feita comumente por métodos físicos, utilizando
um homogeneizador com um êmbolo e tubo de ensaio, ou por meio de um
sonicador (sonicação: envolve o uso de ondas sonoras para romper células).
Em seguida, são realizados procedimentos para separação de algumas
organelas e mesmo conjunto de proteínas com pesos moleculares ou outras
características diferentes. A centrifugação diferencial (ciclo de diferentes
centrifugações feitas sequencialmente) é capaz de separar os componentes
celulares (organelas) desejados em frações (Campbell e Farrell, 2007; Berg
et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Precipitação de proteína
As proteínas apresentam alteração na solubilidade em função da
concentração de sais (salting-in e salting-out). A adição de uma quantidade
pequena de sais (cloreto de magnésio e sulfato de amônio) no meio aquoso
pode aumentar a solubilidade de determinadas proteínas, sendo este
processo denominado salting-in. Íons oriundos do sal no meio aquoso
podem interagir com os grupos carregados das moléculas da proteína,
atenuando a interação delas. No entanto, quando a concentração atinge
valores muito elevados (alta força iônica), a solubilidade da proteína
diminui até a sua precipitação, sendo esse processo denominado salting-out
(sais di- ou trivalentes como o sulfato de amônio – (NH4)2SO4 – competem
com a proteína por moléculas de água para solvatação). Nesse caso, há
competição entre os íons e as proteínas por água, tornando-a insuficiente
para dissolver todos os solutos. Assim, a interação proteína-proteína se
torna mais forte que a proteína-solvente, possibilitando sua agregação e
precipitação. O salting-out pode ser utilizado para separação proteica como
processo inicial de purificação. O sal de sulfato de amônio pode ser
utilizado com segurança em relação à desnaturação proteica. Solventes
orgânicos solúveis em água, como a acetona e o etanol (apresentam
constante dielétrica inferior à da água), diminuem a solubilidade das
proteínas, porém esses procedimentos devem ser realizados a temperaturas
baixas (faixa de 0 a 5°C), para evitar a desnaturação proteica (Campbell e
Farrell, 2007; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Diálise
Uma amostra de proteínas é colocada em um dispositivo composto de
membrana semipermeável imersa em um sistema-tampão. A diálise é
utilizada para remover ou mudar de meio pequenos componentes
moleculares de uma solução de proteínas. Esse método se baseia no fato de
moléculas de proteínas, devido a seus tamanhos, não conseguirem
atravessar os poros da membrana semipermeável, enquanto substâncias
submoleculares, com o tempo, distribuem-se igualmente entre os espaços
interno e externo. Após várias trocas do sistema-tampão, as condições no
interior da membrana de diálise (concentração de sal, pH etc.) são as
mesmas da solução externa (Figura 2.10) (Campbell e Farrell, 2007;
Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Figura 2.10 Esquema do processo de diálise para purificação de proteínas. Depois de algum tempo,
as soluções (externa e interna da membrana de diálise) estarão equilibradas (semelhantes).
Cromatografia
Também chamada de filtração em gel, este processo geralmente é
constituído de uma matriz (gel permeável) disposta em uma coluna,
permitindo a separação de proteínas de acordo com algumas de suas
características. Na cromatografia em coluna, uma amostra da mistura de
proteínas é aplicada no topo de uma coluna formada por uma matriz
hidratada constituída de diversos tipos de materiais (gel de dextrana,
celulose e agarose). A coluna é eluída com solução apropriada para a
separação da proteína de interesse. As proteínas migram pela coluna com
diferentes velocidades, conforme o grau de interação com a matriz que
permite a separação. Assim, os métodos de cromatografia em coluna
diferem quanto à matriz utilizada em: tamanho (cromatografia de exclusão),
carga iônica (cromatografia de carga iônica) e especificidade de ligação
(cromatografia de afinidade utilizando substrato ou um inibidor competitivo
no caso de enzima, receptor no caso de hormônio e antígeno no caso de
anticorpos). Existe um outro método de cromatografia, a cromatografia
líquida de alta eficiência (HPLC), que apresenta a matriz composta de
resinas de micropartículas, requerendo alta pressão para a eluição, mas isso
resulta em separações com maior resolução (Campbell e Farrell, 2007;
Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Eletroforese
Este método se baseia na movimentação de partículas carregadas em um
campo elétrico em direção a um eletrodo de carga oposta. As proteínas têm
mobilidades distintas dependendo de suas cargas e dimensões. As amostras
de proteínas aplicadas em um gel poroso (ou uma tira de acetato de
celulose) em sistema-tampão e submetidas a um campo elétrico migram em
direção ao eletrodo de carga oposta. A eletroforese é usada tanto para a
purificação quanto para a caracterização de proteínas. O padrão da
migração é geralmente obtido com o uso de corantes ou por meio da
transferência para uma membrana de nitrocelulose. A “marcação”
(identificação de bandas) da membrana pode ser feita por coloração, reação
enzimática e anticorpos marcados. Um tipo bastante difundido de
eletroforese é a eletroforese em gel de poliacrilamida-SDS (SDS-PAGE)
(Campbell e Farrell, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Ainda sobre a eletroforese, existe a chamada eletroforese
bidimensional em gel, também abreviada como eletroforese 2D. Nesse
modelo de separação, as proteínas são separadas em duas dimensões,
utilizando suas diferentes propriedades (ponto isoelétrico – pI e massa
molecular). Em um primeiro momento (experimento), a amostra (e
consequentemente as proteínas contidas nela) é separada de acordo com as
diferenças de ponto isoelétrico entre as proteínas presentes. Para isso, a
amostra é aplicada em uma fita que possui um gradiente de pH e depois é
submetida a um campo elétrico. No ponto correspondente ao pI, a proteína
cessa sua migração. Na etapa seguinte, as proteínas separadas pelo pI serão
separadas pela diferença de massa molecular. A fita gelatinosa é acoplada a
um segundo gel, que irá permitir a migração das proteínas na segunda
dimensão. As proteínas maiores migrarão mais lentamente pelo gel, ficando
retidas, e as proteínas menores se locomoverão mais aceleradamente, sendo
depositadas na região mais baixa do gel. O gel poderá ser corado para
detecção das proteínas, sendo mais comumente empregado para esse fim o
nitrato de prata e o azul de Coomassie (Campbell e Farrell, 2007; Nelson e
Cox, 2014).
Difração de raios X
As proteínas apresentam estrutura terciária estável; desse modo, podem
formar uma rede de cristal que difrata os raios X para produzir mapas de
densidade de elétron. Esse padrão de difração poderá ser convertido em
uma forma eletrônica e processado de maneira a produzir uma imagem 3D
da estrutura proteica (Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008).
Espectrometria de massa
A espectrometria de massa fornece muitas informações para a pesquisa
proteômica, enzimologia e química de proteínas. De modo geral, uma
solução composta por proteína é dispersa em gotículas altamente carregadas
através de uma agulha sob a influência de um campo elétrico de alta
voltagem. As gotículas evaporam e os íons (com prótons adicionados, nesse
caso) entram no espectrômetro de massa para medição da relação entre
massa e carga (m/z). A interpretação desses dados obtidos (espectro
gerado), pelo do uso de bioinformática, poderá fornecer informações sobre
os constituintes da amostra, como origem e função (Berg et al., 2008;
Salvato et al., 2012).
Conclusão
O conhecimento sobre composição, estrutura, função e purificação de
proteínas é de suma importância para alunos de graduação e pós-graduação
nos diversos cursos da área da saúde. O entendimento dos conceitos
relacionados às proteínas é requisito para o entendimento da composição e
função de células, tecidos e órgãos, como por exemplo os ossos, o tecido
conjuntivo etc. Além disso, esse entendimento proporciona melhor
compreensão das condições fisiológicas e patológicas que acometem, por
exemplo, regiões da cabeça e do pescoço (cavidade bucal, orelha etc.) e
outros órgãos. Portanto, o conhecimento sobre proteínas poderá ser aplicado
em disciplinas teórico-práticas afins, nas pesquisas laboratoriais e clínicas,
no diagnóstico e na conduta clínica dos pacientes. Avanços nesse campo de
pesquisa trarão importantes contribuições no desenvolvimento de
engenharia de tecidos, no entendimento do papel da saliva na prevenção de
determinadas patologias e na identificação das alterações moleculares da
mecanotransdução do som e possíveis tratamentos da perda auditiva.
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ara que haja vida é necessário que os organismos se autorrepliquem e
sejam capazes de realizar um conjunto de reações químicas com
velocidade adequada e especificidade. A importância da ocorrência de
ligações químicas com a velocidade apropriada pode ser entendida a partir
do exemplo a seguir. A conversão da sacarose a CO2 e H2O na presença de
oxigênio é um processo que libera energia livre, a qual pode ser utilizada
para o ato de pensar, locomover-se, enxergar e sentir. Imagine um saco
plástico contendo açúcar na prateleira de um supermercado. Apesar de
haver oxigênio no interior da embalagem, este saco pode ser armazenado
durante vários anos sem ser transformado em CO2 e H2O. Embora este
processo químico seja altamente favorável, ele é extremamente lento.
Contudo, quando a sacarose é consumida por um ser humano ou qualquer
outro organismo vivo, ocorre liberação de energia em segundos. A
diferença entre estes dois exemplos é a catálise, sem a qual as reações
químicas necessárias para sustentar a vida não ocorrem em uma escala de
tempo útil. Os catalisadores das reações que ocorrem nos sistemas
biológicos são as enzimas (Nelson e Cox, 2014).
O seu número E.C. é 2.7.1.1. O primeiro dígito (2) denota o nome da classe
(trata-se de uma enzima que catalisa reação de transferência de grupos
funcionais); o segundo dígito (7), a subclasse (o grupamento transferido é o
fosfato); o terceiro dígito (1) denota que um grupo hidroxila é o aceptor de
fosfato; e o quarto dígito (1) indica que a D-glicose contém o grupo
hidroxila aceptor do grupo fosfato (Nelson e Cox, 2014).
Figura 3.2 O papel da energia de ligação (DGB) na catálise. Durante a catálise, as interações do
substrato com o sítio ativo da enzima liberam a DGB, que faz com que seja necessária menor
quantidade de energia de ativação (DG cat) para se atingir o estado de transição e haver formação
do produto.
Ou
Isto representa uma definição prática muito útil de Km, ou seja, trata-se da
[S] na qual V0 é igual à metade de Vmáx. Esta regra vale para todas as
enzimas que seguem a cinética de Michaelis-Menten (a maioria, com
exceção das enzimas reguladoras).
Em baixas [S], Km >> [S] e o termo [S] no denominador da equação de
Michaelis-Menten torna-se insignificante. Neste caso, a equação pode ser
simplificada para:
Que corresponde a
y = bx + a (equação de uma reta), sendo y = 1/V0 e x = 1/[S]
Assim, para as enzimas que seguem o padrão michaeliano, esta forma
da equação de Michaelis-Menten, chamada de equação de Lineweaver-
Burk, é representada graficamente por uma linha reta, quando se plota o
gráfico de 1/V0 versus 1/[S]. Este gráfico é chamado de gráfico dos
duplos-recíprocos ou de Lineweaver-Burk. Pela equação de uma reta,
esta linha tem uma inclinação de Km/Vmáx, intercepto de 1/Vmáx no eixo de
1/V0 (Figura 3.6) e um intercepto de –1/Km no eixo de 1/[S] (Figura 3.7).
Esta representação tem a grande vantagem de permitir uma determinação
mais acurada de Vmáx, que pode ser obtida apenas aproximadamente pelo
gráfico V0 versus [S]. Também é muito útil na diferenciação de mecanismos
distintos de reação enzimática e na análise de inibidores de enzimas, como
veremos a seguir.
Para as enzimas de mecanismo de reação simples, Km representa uma
medida da afinidade da enzima pelo substrato no complexo ES. Quanto
maior a Km, menor a afinidade, pois significa que precisamos de uma [S]
maior para atingir a metade da Vmáx. Por outro lado, valores baixos de Km
indicam maior afinidade da E pelo S, atingindo-se a metade da Vmáx com
menor [S].
Kcat é uma constante de velocidade de primeira ordem, cuja unidade é o
recíproco do tempo. Ela é também chamada de número de renovação e é
equivalente ao número de moléculas do S convertidas em P por uma única
molécula de E, em uma dada unidade de tempo, quando a enzima está
saturada pelo substrato. Portanto, quanto maior a Kcat, maior a eficiência
catalítica.
Pode-se calcular Kcat a partir da equação de Michaelis-Menten:
Efeito da temperatura
A velocidade da reação aumenta com o aumento da temperatura até um
pico de velocidade. Este aumento se deve ao aumento no número de
moléculas com energia suficiente para atravessar a barreira de energia e
formar os produtos. A temperatura ótima para a maioria das enzimas
humanas está entre 35 e 40°C. No entanto, se altas temperaturas forem
alcançadas, a velocidade da reação tende a diminuir, em função da
desnaturação proteica (Figura 3.8).
Efeito do pH
O pH pode ter influência na ionização do sítio ativo da enzima e também
pode desnaturar a enzima, especialmente quando são alcançados valores
extremos de pH. O pH ótimo no qual a atividade enzimática é máxima
difere para cada enzima, refletindo a [H+] na qual a enzima funciona no
organismo. A pepsina tem pH ótimo de 2, enquanto o pH ótimo da glicose-
6-fosfatase é em torno de 8 (Figura 3.9). O pH ótimo de uma enzima não é
necessariamente idêntico ao pH do meio intracelular em que é produzido,
sugerindo que a inter-relação pH-atividade enzimática pode ser um fator
controlador da atividade da enzima (Marzzoco e Torres 2007; Nelson e
Cox, 2014).
Figura 3.8 Efeito da temperatura em uma reação catalisada por enzima.
Inibidores enzimáticos
Os inibidores enzimáticos são substâncias que interferem na atividade
catalítica, reduzindo a velocidade da reação ou interrompendo as reações
enzimáticas. Alguns inibidores são constituintes celulares normais,
cumprindo um importante papel regulatório no organismo, e outros são
substâncias estranhas ao organismo e sua presença nas células provoca
importantes alterações no metabolismo. Por conta disto, os inibidores
enzimáticos são altamente empregados em Farmacologia. Este é o caso das
sulfonamidas, que inibem uma enzima bacteriana não presente em
humanos. A inibição desta enzima bloqueia uma série de reações químicas
em cascata, impedindo a reprodução da célula. Por conta disto, as
sulfonamidas são utilizadas no combate a infecções bacterianas (Marzzoco
e Torres, 2007). Outro exemplo é o ácido acetilsalicílico, que inibe a enzima
que catalisa o primeiro passo na síntese das prostaglandinas, compostos
envolvidos com a dor.
Figura 3.9 Efeito do pH em uma reação catalisada pela pepsina e pela glicose-6-fosfatase.
Inibição competitiva
Neste tipo de inibição o inibidor (I) compete com o substrato (S) pelo sítio
ativo da enzima (E), formando um complexo enzima-inibidor (EI) inativo.
Quando o I ocupa o sítio ativo da E, ele impede a ligação do S à E.
Geralmente, os I competitivos são análogos estruturais do S, e se combinam
com o sítio ativo formando um complexo EI inativo. Assim, este tipo de
combinação irá afetar negativamente a eficiência da enzima (Figura 3.11).
Contudo, como o I se liga reversivelmente à E, pode-se favorecer o S nesta
competição, aumentando-se a sua concentração no meio. Quando a [S]
excede a [I], a probabilidade de que uma molécula de I se ligue à E é
minimizada, e a reação exibe sua Vmáx normal. Contudo, a Km, que é a [S]
no qual temos ½ da Vmáx, aumentará na presença de um I competitivo.
O gráfico dos duplos-recíprocos oferece uma forma fácil de determinar
se um inibidor enzimático é competitivo, não competitivo, ou misto. Dois
conjuntos de experimentos devem ser realizados, e, em ambos os conjuntos,
a [E] deve ser mantida constante. No primeiro conjunto, a [S] também é
mantida constante, permitindo a medida do efeito do aumento da [I] na
velocidade inicial. No segundo conjunto, a [I] é mantida constante, mas a
[S] varia. Os resultados são lançados no gráfico na forma de 1/V0 versus
1/[S].
Figura 3.10 O di-isopropil flúor fosfato (DIPF) inibe irreversivelmente a ação de acetilcolinesterase,
uma enzima com importante papel na transmissão do impulso nervoso. Este inibidor reage com o
grupamento hidroxila de um resíduo de serina do sítio ativo da enzima, formando uma di-
isopropilfosforil-enzima.
Figura 3.11 Inibição reversível competitiva. O inibidor (I) compete com o substrato (S) pelo sítio
ativo da enzima (E), formando um complexo EI inativo, que impede a ligação do S à E, afetando
negativamente a sua eficiência. KI: constante de inibição.
Inibição acompetitiva
Neste tipo de inibição, mais comum em sistemas enzimáticos com 2 ou
mais substratos, o I se liga ao complexo ES já formado, em um sítio distinto
do sítio ativo, formando um complexo ESI inativo (Figura 3.13). Uma
inibição acompetitiva afeta tanto a Km como a Vmáx. No gráfico dos duplos-
recíprocos, podemos observar que tanto a Vmáx como a Km diminuem na
presença de um I acompetitivo. Assim, com o aumento da [I], pode-se
observar um conjunto de linhas paralelas, caracterizando uma inibição
acompetitiva (Figura 3.14).
Figura 3.13 Inibição reversível acompetitiva. O inibidor se liga apenas ao complexo enzima-
substrato, em um sítio diferente do sítio ativo, formando um complexo enzima (E)-substrato (S)-
inibidor (I) (ESI) inativo.
Figura 3.14 Gráfico dos duplos-recíprocos na ausência de inibidor e na presença de inibidor
reversível acompetitivo. Tanto a Vmáx como a Km diminuem na presença de um inibidor acompetitivo.
Com o aumento da [I], observa-se um conjunto de linhas paralelas, caracterizando uma inibição
acompetitiva.
Inibição mista
Também acontece com E que tenham mais de um S. Envolve duas
constantes de inibição, Kic (competitiva) e Kiu (não competitiva), em que o I
se liga ao sítio ativo no lugar de um S, formando o complexo EI, ou então
se liga ao complexo ES, formando o complexo ESI, respectivamente
(Figura 3.15).
Este tipo de inibição também é facilmente determinado pelo gráfico
dos duplos-recíprocos, no qual se observam diminuição de Vmáx e aumento
de Km na presença do I misto (Figura 3.16).
Figura 3.15 Inibição reversível mista. Envolve duas constantes de inibição, Kic (competitiva) e Kiu
(não competitiva), em que o inibidor (I) se liga ao sítio ativo no lugar de um substrato (S), formando
o complexo enzima-inibidor (EI), ou então se liga ao complexo enzima-substrato (ES), formando o
complexo enzima-substrato-inibidor (ESI), respectivamente.
Figura 3.18 Gráfico dos duplos-recíprocos na ausência de inibidor e na presença de inibidor não
competitivo. Como a intersecção no eixo 1/[S] é igual a 1/Km, sabemos que o Km não é alterado na
presença de um I não competitivo, porque ele não se liga no sítio ativo. Por outro lado, podemos
observar que a Vmáx diminuiu na presença de um I não competitivo. Independentemente da [S], a
Vmáx não será mais atingida.
Regulação alostérica
As enzimas alostéricas, que geralmente têm mais de uma subunidade, são
aquelas que sofrem mudanças conformacionais induzidas por um ou mais
moduladores, gerando formas mais ou menos ativas da enzima. Os
moduladores das enzimas reguladoras podem ser tanto inibidores quanto
estimuladores.
É importante que os moduladores alostéricos não sejam confundidos
com os inibidores acompetitivos e mistos. Embora estes últimos se liguem a
um segundo sítio na enzima, eles não promovem necessariamente
mudanças conformacionais entre as formas ativa e inativa. Além disto, os
efeitos cinéticos são distintos.
Além do sítio ativo, as enzimas alostéricas apresentam um ou mais
sítios reguladores ou alostéricos para a ligação do modulador. A ligação de
um modulador positivo, por exemplo, no seu sítio específico na subunidade
alostérica promove uma mudança conformacional na subunidade catalítica,
ativando-a, e ela passa a ligar o substrato com mais afinidade (Nelson e
Cox, 2014). Quando ocorre a dissociação do modulador do sítio alostérico,
a enzima reverte para a sua forma inativa ou menos ativa (Figura 3.20 A).
Em uma curva de V0 versus [S], um modulador positivo diminui a Km, e o
modulador negativo aumenta, sem que haja mudanças na Vmáx (Figura 3.20
B).
Em resumo, as enzimas alostéricas geralmente apresentam
subunidades catalítica e reguladora distintas, havendo mudança na
conformação e na atividade da enzima pela ligação do modulador.
Zimogênios
Em adição, algumas enzimas são sintetizadas na forma inativa, sendo assim
chamadas de zimogênios. Para que um zimogênio adquira propriedades
catalíticas, deve haver hidrólise de algumas ligações peptídicas, removendo
um segmento da cadeia de aminoácidos. Desta forma, há um rearranjo
espacial e o sítio ativo se torna funcional. Assim, a síntese de zimogênios,
seguida por sua ativação, também é uma forma de regulação da atividade
enzimática. Como exemplos de zimogênios temos algumas enzimas
digestivas, como a pepsina e a quimiotripsina, as quais são sintetizadas
como zimogênios (pepsinogênio e quimiotripsinogênio, respectivamente) e
assim permanecem enquanto estão no interior das células, para que não haja
digestão das próprias proteínas celulares (Marzzoco e Torres, 2007). Após a
secreção destas proteínas, ocorre a remoção de resíduos de aminoácidos e
as mesmas são convertidas nas enzimas funcionais. Outro exemplo são as
metaloproteinases da matriz, que têm implicação na progressão da cárie e
da erosão dentária (Buzalaf et al., 2015; Tjaderhane et al., 2015). Estas
enzimas são sintetizadas na forma de proenzimas (zimogênios), que são
ativadas mediante a queda de pH que ocorre nos processos de cárie e erosão
dentária. Uma vez ativadas, degradam a matriz orgânica desmineralizada da
dentina, acelerando a progressão da cárie e da erosão dentinária.
Regulação hormonal
Um outro tipo de regulação pode se dar por meio da síntese de moléculas
como hormônios, diferentemente dos outros mecanismos anteriormente
descritos, os quais modificam a atividade de uma enzima existente. O
aumento ou a diminuição da síntese da enzima levam a uma alteração no
total de sítios ativos. As enzimas geralmente reguladas por este mecanismo
são aquelas necessárias apenas para um estágio do desenvolvimento ou em
condições fisiológicas especiais. Um exemplo é a atuação da insulina,
resultante de hiperglicemia, induzindo a síntese de enzimas-chave do
metabolismo da glicose. Alterações dos níveis enzimáticos resultantes do
controle da síntese de enzimas são lentas (de horas a dias) em comparação
às alterações reguladas alostericamente (segundos a minutos) (Champe et
al., 2009).
Conclusão
O conhecimento sobre a função, o sítio ativo, os cofatores e a cinética
enzimática, assim como sobre a inibição e o controle enzimático, é de suma
importância para alunos de graduação e pós-graduação em Odontologia e
Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de doenças
metabólicas, genéticas e/ou infeciosas que podem acometer o indivíduo,
como, por exemplo, as doenças relacionadas à ausência ou à baixa atividade
enzimática (a saber, fenilcetonúria e a doença da biotinidase), que podem
levar ao atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e à perda auditiva. Por
outro lado, existem condições patológicas relacionadas à superativação
enzimática, como no caso das MMPs envolvidas no desenvolvimento da
doença periodontal, da cárie e da erosão na dentina, assim como no
desenvolvimento do câncer. As enzimas podem ainda ser inibidas por
antibióticos e fluoreto. O fluoreto tem um papel importante na inibição de
enzimas relacionadas à amelogênese e ao metabolismo bacteriano. Portanto,
o conhecimento sobre enzimas poderá ser aplicado em disciplinas teórico-
práticas afins, nas pesquisas laboratoriais e clínicas e no diagnóstico e
conduta clínica dos pacientes. Avanços neste campo de pesquisa trarão
importantes contribuições para o desenvolvimento de novas terapias, como
os inibidores de MMPs, a saber, clorexidina e chá-verde, os quais poderão
ter impacto na prevenção de cárie e doença periodontal, por exemplo.
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O
s carboidratos (hidratos de carbono) são as moléculas orgânicas mais
abundantes na natureza, com funções de obtenção e armazenamento
de energia, bem como atuação na composição das membranas celulares,
mediando o reconhecimento e a comunicação celular. Os carboidratos
também servem como componentes estruturais de muitos organismos,
incluindo a parede celular de bactérias, o exoesqueleto de muitos insetos e
as fibras das plantas (Champe et al., 2009).
Os carboidratos são classificados como poli-hidroxialdeído ou poli-
hidroxicetona. Apresentam em geral a fórmula empírica (CH2O)n, em que n
≥ 3, porém, essa fórmula não é válida em todos os casos, uma vez que há
carboidratos que não a seguem (p. ex., glicosamina, que contém grupo
amina no lugar da hidroxila), e existem compostos com essa fórmula que
não são carboidratos (p. ex., ácido lático). Os carboidratos em geral são
solúveis em água, parcialmente solúveis em etanol e insolúveis em
solventes apolares (Bettelheim et al., 2012; Nelson e Cox, 2014).
O esqueleto do carbono dos monossacarídeos comuns não é
ramificado, e cada átomo de C, exceto um, possui um grupo hidroxílico. No
átomo de carbono remanescente há um oxigênio carbonílico, o qual está
frequentemente combinado em ligação acetal ou cetal. Os monossacarídeos
são os carboidratos mais simples, chamados de aldose ou cetoses, conforme
o grupo funcional que apresentam, aldeído ou cetônico. A aldose (grupo
aldeído: O=C–H) é caracterizada por um grupo carbonila na extremidade da
cadeia (p. ex., D-gliceraldeído, D-ribose, D-glicose e D-galactose). Já na
cetose (grupo cetônico C=O), o grupo carbonila está no meio da cadeia (p.
ex., di-hidroxicetona, D-ribulose, D-frutose) (Figura 4.1). Por apresentarem
um grupo carbonila livre, a esses carboidratos é adicionado o sufixo “ose”.
As cetoses às vezes são designadas inserindo-se “ul” dentro do nome da
aldose correspondente (D-ribulose é uma cetopentose correspondente à
aldopentose D-ribose) (Nelson e Cox, 2014).
De acordo com o número de carbonos, são chamados trioses
(gliceraldeído: aldotriose; di-hidroxicetona: cetotriose), tetroses (eritrose),
pentoses (ribose), hexoses (glicose), heptoses (sedoeptulose), octoses e
nonoses (ácido neuramínico). A numeração do carbono se inicia na
extremidade do grupo carbonila. As hexoses são os monossacarídeos mais
comuns, porém as pentoses fazem parte dos ácidos nucleicos e de vários
polissacarídeos, e os derivados da triose e da heptose são intermediários do
metabolismo (Pratt e Cornely, 2006; Marzocco e Torres, 2007; Champe et
al., 2009; Nelson e Cox, 2014).
Figura 4.1 Estrutura básica do carboidrato (monossacarídeo): aldeído e cetona.
Características estruturais
Os carboidratos apresentam várias características estruturais. Um tipo
especial de isomeria é observado em pares de estrutura que são como
imagens espelhadas, devido a apresentarem um carbono quiral (ligado a
quatro grupos diferentes) que é opticamente ativo. A di-hidroxicetona é a
exceção, por não apresentar C quiral. Quanto maior o número de C
assimétricos (n), maior a chance de isomeria óptica (2n). Essas imagens
especulares são denominadas estereoisômeros (enantiômeros) e os dois
membros do par são designados como D- e L-sacarídeo (D-glicose e L-
glicose), sendo os carboidratos mais importantes aqueles com configuração
D, ou seja, que têm a hidroxila do carbono assimétrico mais distante do C1
(grupo carbonila) à direita. As enzimas racemases são capazes de converter
os isômeros D e L.
Compostos que apresentam a mesma fórmula química, mas estruturas
diferentes, são denominados isômeros constitucionais (Figura 4.2A).
Frutose, glicose, manose e galactose são todos isômeros com a fórmula
química C6H12O6 (Figura 4.2). Os carboidratos isômeros cuja estrutura
difere apenas em um átomo de carbono são considerados diastereoisômeros
e são chamados de epímeros. A D-glicose e D-galactose são epímeros em
C4, já a D-glicose e a D-manose são epímeros no C2 (lembrando que a
numeração inicia na extremidade que contém o grupo carbonila) (Figura
4.2B). A D-galactose e a D-manose não são epímeros, pois diferem na
posição da OH em dois átomos de C; portanto, são denominadas apenas
isômeros constitucionais.
Figura 4.2 Exemplos de monossacarídeos contendo 6 C, os quais apresentam isomeria
constitucional (A) e são diasteroisômeros (epímeros) (B).
Oligossacarídeos
Os oligossacarídeos são carboidratos formados por um pequeno número de
monossacarídeos (n = 3 a 10) unidos por ligações glicosídicas. Essas
ligações em geral são formadas entre hidroxilas de duas moléculas de
monossacarídeos (C anomérico de um monossacarídeo como grupamento
hidroxílico de outro monossacarídeo) pela exclusão de uma molécula de
água, por atuação das enzimas glicosiltransferases que utilizam como
substrato um nucleotídio açúcar (UDP-glicose, uridina difosfato glicose).
As ligações glicídicas são estáveis à base, mas são hidrolisadas com ácidos,
produzindo monossacarídeo livre e álcool. Podem ainda ser hidrolisadas por
atuação das glicosidases.
Entre os oligossacarídeos, os mais comuns são os dissacarídeos
compostos por dois monossacarídeos, como a sacarose (glicose + frutose
em uma ligação α-1,2, entre C1 de uma α-glicose e C2 da β-frutose) e a
lactose (galactose + glicose em uma ligação β-1,4, entre C1 de uma β-
galactose e C4 de glicose; como a extremidade anomérica da glicose não
está envolvida na ligação, a lactose permanece como agente redutor)
(Figura 4.4). A sacarose é derivada da beterraba e da cana-de-açúcar; já a
lactose é encontrada no leite. A maltose, outro exemplo de dissacarídeo, é
formada pela ligação glicosídica α-1,4 entre duas glicoses, sendo
encontrada no malte, no extrato de broto de cevada e em outros cereais,
assim como é produzida pela hidrólise do amido e do glicogênio. A
sacarose é uma exceção entre os dissacarídeos, pois não apresenta C
anomérico livre (os C anoméricos estão envolvidos na ligação glicosídica),
portanto, não apresenta extremidade redutora e não sofre mutarrotação (não
está em equilíbrio com a forma de cadeia aberta) (Pratt e Cornely, 2006;
Marzocco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Nelson e Cox, 2014).
Homopolissacarídeos
Os polissacarídeos são constituídos por centenas de resíduos de
monossacarídeos, sendo a principal forma de armazenamento de glicose nos
seres vivos. Eles podem ser homopolissacarídeos ou heteropolissacarídeos.
As unidades monoméricas mais encontradas são D-glicose, D-manose, D-
frutose, D-galactose, D-xilose, D-arabinose ou D-glicosamina, D-
galactosamina, ácido D-glicurônico, ácido N-acetilmurâmico e ácido N-
acetilneuramínico.
Podem formar cadeia linear, como na celulose, ou ramificada, como no
amido e no glicogênio. Na celulose, presente na parede celular do vegetal,
as unidades de glicose são unidas por ligações glicosídicas β-1,4. As
moléculas de celulose estão organizadas em feixes de cadeia paralela,
formando fibrilas mecanicamente resistentes, sendo insolúveis em água,
uma vez que os grupos OH interagem entre si por meio de pontes de
hidrogênio intramoleculares. O amido e o glicogênio (sacarídeos de
armazenamento de energia) apresentam cadeias similares, com um grau de
ramificação maior no glicogênio; porém, a organização dos grânulos é
totalmente diferente entre os dois polissacarídeos (Pratt e Cornely, 2006;
Marzocco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Nelson e Cox, 2014).
Figura 4.4 Esquema mostrando os oligossacarídeos (ligação dos dissacarídeos): sacarose e lactose.
Derivados
Os carboidratos podem reagir com outras moléculas produzindo derivados,
como ocorre quando reagem com o álcool formando um glicosídeo (D-
glicose + metanol = metil-a-D-glicopiranosídeo ou simplesmente
glicosídeo). Outra reação ocorre quando o grupo carbonílico dos
monossacarídeos é reduzido por H2 gasoso sob atuação de catalisadores
metálicos, dando origem aos açúcares-álcool (aldotióis). A D-glicose e a L-
sorbose podem formar o L-sorbitol. A D-manose pode formar o D-manitol.
Essas reduções podem ser feitas utilizando-se enzimas. Outros aldotióis que
ocorrem abundantemente na natureza são: D-manitol e xilitol (Pratt e
Cornely, 2006; Bettelheim et al., 2012). O xilitol é um importante substituto
do açúcar adicionado a diferentes doces, como chicletes, que tem mostrado
reduzir a incidência da cárie dentária, pois não é metabolizado pelos
microrganismos existentes no biofilme dentário, em comparação a outros
tipos de açúcares (Twetman, 2009; Milgrom et al., 2012), como será visto
no Capítulo 14.
Figura 4.5 Estrutura do homopolissacarídeo utilizado como reserva energética: amido.
Heteropolissacarídeos
Esses carboidratos modificados também podem formar
heteropolissacarídeos (dois tipos de monossacarídeos formando centenas de
ligações). Um exemplo é o ácido hialurônico, que consiste em resíduos de
ácido D-glicurônico e N-acetil-D-glicosamina com ligações β-1,3 e β-1,4
(Figura 4.6). O ácido hialurônico é o exemplo de mucopolissacarídeo
(também conhecido como polissacarídeo ácido, uma vez que o grupo
carboxila ou o grupo sulfato se encontra ionizável em pH fisiológico) mais
comum, estando presente no glicocálice e na substância fundamental
amorfa extracelular dos tecidos conjuntivos, no fluido sinovial das
articulações e no humor vítreo do globo ocular. Apresenta carga negativa
em pH 7,0, sendo solúvel em água, levando à formação de soluções
viscosas (Pratt e Cornely, 2006; Bettelheim et al., 2012).
Outro mucopolissacarídeo é a condroitina (polímero linear de ácido D-
glicurônico e N-acetil-D-galactosamina, com ligações β-1,3 e β-1,4). Os
seus derivados com ácido sulfúrico, como condroitina-4-sulfato e
condroitina-6-sulfato, são componentes importantes do envoltório celular
das cartilagens, ossos, córneas e tecido conjuntivo. Os dermato-sulfato e
querato-sulfato são mucopolissacarídeos ácidos encontrados na pele,
córneas e tecidos ósseos. Heparina, por outro lado, é um
mucopolissacarídeo que impede a coagulação do sangue.
Carboidratos conjugados
Os sacarídeos podem se ligar às bases púricas e pirimídicas (encontradas
nos ácidos nucleicos), aos anéis aromáticos (esteroides, bilirrubina), às
proteínas (glicoproteínas, proteoglicanas) e aos lipídios (glicolipídios),
como veremos a seguir. Os peptidoglicanos encontrados nas paredes
bacterianas são formados pela ligação de dissacarídeos (N-acetil-D-
glicosamina + ácido N-acetilmurâmico) com peptídios, o que confere certa
resistência às bactérias, uma vez que enzimas não conseguem hidrolisar
ligações entre D-aminoácidos, com exceção da lisozima (enzima presente
na saliva). A parede bacteriana ainda contém ácido teicoico,
polissacarídeos, polipeptídios, proteínas e lipopolissacarídeos (este último
no caso das gram-negativas).
As proteoglicanas são proteínas ligadas a sacarídeos formados por
aminoaçúcares (ver os exemplos anteriormente dos mucopolissacarídeos),
sendo que a maior parte da molécula é composta por carboidratos (Pratt e
Cornely, 2006; Champe et al., 2009; Bettelheim et al., 2012).
As glicoproteínas, por sua vez, são proteínas ligadas covalentemente
(N-ligação ou O-ligação da cadeia lateral do aminoácido asparagina ou
serina/treonina, respectivamente) aos sacarídeos, que apresentam menor
porcentagem de carboidratos em sua molécula, se comparados à
proteoglicana. Enquanto as proteoglicanas são conhecidas pelo seu papel
estrutural, as glicoproteínas têm função mais versátil. As glicoproteínas são
encontradas no glicocálice, no sangue, na forma de hormônios, anticorpos,
enzimas digestivas e como mucoproteínas das secreções (p. ex.,
ovoalbumina, Ig, mucina, colágeno, grupo sanguíneo ABO). Por outro lado,
os sacarídeos podem se ligar a proteínas, como a lectina, de maneira não
covalente. A lectina se liga ao sacarídeos, promovendo interação das células
de forma específica. As selectinas, por exemplo, são um tipo de lectina
importante na resposta inflamatória (Pratt e Cornely, 2006; Bettelheim et
al., 2012).
Figura 4.6 Estrutura do heteropolissacarídeo: ácido hialurônico.
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A
membrana celular pode ser dividida em membrana (1) plasmática ou
citoplasmática e (2) intracelular ou interna. A membrana plasmática é
um elemento mediador da comunicação entre a célula e o meio externo, do
reconhecimento e da comunicação com as demais células. A membrana
permite que o conteúdo celular se mantenha íntegro, atuando como barreira
seletiva para a entrada e a saída de substâncias da célula. Portanto, a
membrana apresenta permeabilidade seletiva. A flexibilidade da membrana
plasmática permite que a célula mude de formato ou se locomova, em um
processo de adaptação ao meio externo. Ainda por meio das membranas, as
células podem formar camadas, separando diferentes compartimentos do
corpo.
A membrana intracelular está presente em algumas organelas
(lisossomos, retículo endoplasmático, mitocôndria, complexo de Golgi e
núcleo) e tem como função o isolamento de vias metabólicas, permitindo
que mudanças de pH e alterações de metabólitos de determinadas organelas
não prejudiquem o restante da célula, e ainda serve como suporte para
sistemas enzimáticos (Marzocco e Torres, 2007; Tymoczko et al., 2011;
Junqueira e Carneiro, 2012; Nelson e Cox, 2014).
A membrana celular é composta por uma bicamada lipídica e anexos
como proteínas, carboidratos e colesterol, interconectados por ligações não
covalentes, com 30 a 40 Å de espessura de acordo com Pratt e Cornelly
(2006) e de 60 a 100 Å de acordo com Tymoczko et al. (2011). A essa
estrutura dá-se o nome de modelo do mosaico fluido, proposto por Singer e
Nicolson em 1972, o qual explicaremos na sequência do texto.
A seguir veremos detalhadamente os componentes bioquímicos das
membranas celulares.
Lipídios
Os lipídios são compostos com características hidrofóbicas (insolúveis em
água) ou anfipáticas (porção hidrofóbica + hidrofílica). São solúveis em
solventes orgânicos apolares ou com baixa polaridade (éter, clorofórmio e
benzeno). Estas moléculas serão descritas neste capítulo por constituírem as
membranas biológicas, mas também atuam como isolante térmico, reserva
de energia, vitaminas e hormônios (Nelson e Cox, 2014). Os lipídios podem
ser classificados em complexos (quando contêm ácido graxo,
saponificáveis) ou simples (sem ácido graxo).
Os ácidos graxos, ácidos monocarboxílicos, são exemplos de lipídios
compostos por uma cadeia carbônica com número par de átomos de
carbono (14-24 C) e sem ramificação, podendo ser saturados, isto é, como
todos os carbonos saturados com hidrogênio (sem duplas ligações; p. ex.,
gordura animal) ou insaturados (com duplas ligações, mono- ou poli-
insaturada; p. ex., óleos vegetais) (Figura 5.1). Apresentam características
anfipáticas, com o grupo carboxila representando a região polar, e a cadeia
carbônica, a apolar (Pratt e Cornelly, 2006). Nos ácidos poli-insaturados de
origem animal, as ligações duplas são geralmente separadas por pelo menos
um grupo metileno (Tymoczko et al., 2011).
Para a identificação dos ácidos graxos insaturados empregam-se
diferentes sistemas de representação. Primeiramente, o C em questão deve
ser identificado por numeração ou letras. A numeração do C é estabelecida
a partir do grupo carboxílico, aumentando a numeração em direção ao lado
oposto, o grupo metila. Além da numeração, existe o sistema de letras, no
qual o carbono 2 é o a, o 3 é b e o último carbono é ômega (w) ou n (CH3)
(Nelson e Cox, 2014).
Figura 5.1 Moléculas de ácidos graxos saturados e insaturados com os seus pontos de fusão,
respectivamente.
Figura 5.4 Organização dos lipídios. A. Uma cadeia carbônica (micela). B. Duas cadeias carbônicas
(lipossomos e membrana).
Proteínas
As membranas biológicas são formadas por uma bicamada lipídica
entremeada de proteínas com funções de bombas, canais, receptores,
transformadores de energia e enzimas (Tymoczko et al., 2011) (Figura 5.5).
Como dito anteriormente, as proteínas dispõem-se na bicamada lipídica de
acordo com o modelo do mosaico fluido proposto por Singer e Nicolson
(1972), no qual os componentes interagem por ligações não covalentes e
podem se difundir lateralmente em meio de consistência líquida.
Dentre as proteínas que se associam com a estrutura lipídica
encontramos dois tipos (Nelson e Cox, 2014):
• Proteínas integrais (transmembranas, > 70%): essas proteínas se
associam fortemente com as cadeias apolares dos lipídios, por meio de
interações hidrofóbicas do domínio hidrofóbico (aminoácidos
apolares). Apresentam um ou dois domínios hidrofílicos terminais
(aminoácidos polares). O domínio que atravessa a membrana
geralmente tem estrutura alfa-hélice. A porina é um exemplo de
proteína com estrutura de folha beta. Essas proteínas são removidas da
membrana somente por ruptura da mesma, a partir do tratamento com
detergentes ou solventes orgânicos e, ainda assim, são obtidas com
lipídios aderidos e são relativamente insolúveis em água. Proteínas dos
complexos transportadores de elétrons da membrana interna da
mitocôndria, com exceção do citocromo c, são exemplos de proteínas
transmembranas
• Proteínas periféricas: ligam-se à superfície da membrana por pontes de
hidrogênio ou interações iônicas estabelecidas com os grupamentos
polares dos lipídios da bicamada. Essas ligações podem ser rompidas
por procedimentos simples sem perturbar a estrutura da membrana,
como o tratamento com ureia e soluções salinas de alta concentração,
assim como alteração de pH. As proteínas periféricas são solúveis em
água (p. ex., citocromo c).
Glicoproteínas e glicolipídios
Os carboidratos, geralmente oligossacarídios, também fazem parte da
membrana se associando a proteínas e lipídios (Figura 5.5). São os
componentes mais variáveis entre as células, servindo como marcadores
celulares. Os glicolipídios e as glicoproteínas ocorrem frequentemente na
face externa da membrana plasmática ou na face interna da membrana de
determinadas organelas, como o retículo endoplasmático e o complexo de
Golgi (Nelson e Cox, 2014).
Essas moléculas são as responsáveis pela comunicação entre as
células, já que são receptores de mediadores químicos, sendo reconhecidas
por proteínas que se ligam especificamente aos carboidratos em processos
como: fusão do espermatozoide e do óvulo, crescimento e diferenciação
celular (erros no reconhecimento podem causar tumor e câncer) e
reconhecimento das células do hospedeiro e de antígenos pelo sistema
imune. Os receptores de antígenos, sistema ABO sanguíneo, e os receptores
hormonais são exemplos de glicoproteínas e glicolipídios (Marzocco e
Torres, 2007), sendo responsáveis pela especificidade celular (marcadores
de superfície celular).
Esse revestimento externo rico em carboidratos é chamado glicocálice.
O glicocálice é o envoltório responsável pelo reconhecimento celular e pelo
fenômeno de inibição por contato. Os componentes principais do envoltório
celular são: glicoesfingolipídios, mucopolissacarídeos ácidos (ácido
hialurônico, condroitina) e glicoproteínas (p. ex., fibronectina e laminina,
que estabelecem conexão da membrana com a matriz extracelular). As
moléculas de aderência celular (p. ex., caderinas) possibilitam a aderência
das células para formação dos tecidos (Junqueira e Carneiro, 2012; Nelson
e Cox, 2014).
Macromoléculas
Por outro lado, o transporte de macromoléculas (proteínas, ácidos
nucleicos, polissacarídeos) e partículas grandes (vírus) não acontece com
auxílio de permeases, mas, sim, por meio de dois processos: endocitose e
exocitose. Os componentes transportados são englobados em vesículas
delimitadas por membranas.
Exocitose é o processo de eliminação de substâncias localizadas dentro
da célula. Ocorre devido à fusão das vesículas intracelulares com a
membrana plasmática (p. ex., liberação de proteína e neurotransmissor).
Endocitose é o processo em que a partícula entra na célula. Nesse caso, as
vesículas se formam a partir de segmentos da membrana plasmática que
sofrem invaginação.
A entrada de vírus nas células do hospedeiro, como o vírus da
imunodeficiência adquirida (HIV) por exemplo, ocorre pela ligação deste
ao linfócito do hospedeiro pela interação do GP120 do envelope do HIV
com CD4 da membrana plasmática da célula hospedeira. O receptor da
citocina (CCR5) na membrana plasmática da célula hospedeira se liga ao
CD4 e ao GP120, permitindo que o domínio aminoterminal da proteína de
fusão GP41 se insira na membrana plasmática da célula hospedeira. A
alteração conformacional do GP41 produz uma estrutura tipo grampo,
trazendo as duas membranas em contato. A fusão do HIV com a membrana
celular do hospedeiro permite que o conteúdo do HIV (RNA e enzimas)
penetre na célula hospedeira (Berger e Alkhatib, 2007). Um número de
peptídios anti-HIV-1 e pequenas moléculas que interagem com o GP-41 A
têm sido estudados para tratamento dessa doença (Pan et al., 2010).
A endocitose pode ser dividida em fagocitose (quando as partículas
são sólidas), pinocitose (para transporte de líquidos) e do tipo adsortiva (p.
ex., LDL com a participação de um receptor de membrana). A fagocitose é
muito utilizada nos mamíferos como sistema de defesa por células como
neutrófilos e macrófagos. Um exemplo de pinocitose seletiva é a
incorporação de transferrina por células precursoras de hemácias, as quais
serão utilizadas na síntese de hemoglobina (Junqueira e Carneiro, 2012).
A endocitose adsortiva ou mediada por um receptor é altamente
específica, pois requer a ligação da molécula a ser internalizada a receptores
específicos da membrana plasmática. Exemplo disso é a entrada de
colesterol nas células, que ocorre a partir da ligação de apolipoproteínas da
LDL a receptores presentes na superfície externa da membrana. Os
receptores encontram-se em uma depressão revestida e são invaginados,
originando as vesículas revestidas no citoplasma. Após a invaginação, as
vesículas se fundem com os endossomos, cujo pH ácido causa dissociação
entre os receptores e o LDL. A vesícula contendo LDL se funde com os
lisossomos, onde seus componentes são hidrolisados. Os receptores LDL,
por sua vez, são reciclados, fundindo-se com a membrana plasmática, e
podem participar de um novo ciclo de endocitose adsortiva (Marzocco e
Torres, 2007).
Todos os sistemas de transporte estão ilustrados nas Figuras 5.6 e 5.7.
Conclusão
O conhecimento sobre os lipídios, sobre a composição e a estrutura da
membrana celular, assim como dos diferentes tipos de transporte, é de suma
importância para alunos de graduação e pós-graduação em Odontologia e
Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de diversas doenças
crônicas, como diabetes melito e dislipidemia, assim como doenças
infecciosas (AIDS, gripe H1N1), do processo de mecanotransdução do som,
do desenvolvimento de tumores e do câncer, e do efeito de anestésicos
aplicados em técnicas infiltrativas e por bloqueio na Odontologia. Portanto,
esse conhecimento poderá ser aplicado em disciplinas teórico-práticas afins,
nas pesquisas laboratoriais e clínicas, no diagnóstico e na conduta clínica
dos pacientes. Avanços nesse campo de pesquisa trarão importantes
contribuições para o desenvolvimento de fármacos mais específicos ou de
inibidores enzimáticos, que poderão ser usados para o tratamento de
diferentes doenças, como o câncer.
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necessita dos ácidos nucleicos, capazes de armazenar a informação genética
(Devlin, 2011). Esta informação, com exceção de alguns vírus, está contida
no ácido desoxirribonucleico (DNA). A informação armazenada no DNA,
por meio de um código de apenas quatro letras, é utilizada para sintetizar o
ácido ribonucleico, o qual, por sua vez, vai guiar a síntese de proteínas. A
relação entre estas três moléculas (DNA, RNA e proteína) constitui o
“dogma central da biologia molecular”, que determina que a informação
armazenada no DNA é transmitida inicialmente para o RNA, mediante um
processo conhecido como transcrição, e por fim é utilizada para a síntese da
proteína correspondente, por meio de um processo chamado tradução
(Devlin, 2011; Nelson e Cox, 2014). Assim, a informação contida no DNA
não pode fluir diretamente para a proteína. Ela é inicialmente transmitida ao
RNA. O processo de duplicação do DNA, envolvido na divisão celular, é
chamado duplicação ou replicação (Figura 6.1).
Figura 6.2 Modelo da estrutura do DNA elaborado por Watson e Crick, em 1953.
Figura 6.3 Blocos de construção do DNA. O fosfato se liga ao açúcar (pentose), constituindo o
nucleosídio, ao qual se liga à base nitrogenada, formando o nucleotídio (A). Os nucleotídios, por sua
vez, se unem, formando a fita de DNA (B).
Figura 6.4 Estrutura das pentoses que constituem o RNA (ribose) e o DNA (desoxirribose). A única
diferença é a falta de um oxigênio no carbono 2’ da desoxirribose (A). Em B, o ribonucleotídio
completo.
Figura 6.5 Bases nitrogenadas que constituem o DNA e o RNA.
O pareamento das duas fitas de DNA vai se dar por meio de pontes de
hidrogênio entre bases nitrogenadas complementares. Assim, a A se pareia
com a T por duas pontes de hidrogênio, enquanto a C se pareia com a G por
três pontes de hidrogênio, formando a dupla-hélice. Assim, nas laterais da
dupla-hélice (corrimão da escada), têm-se os desoxirribonucleosídios
(fosfato mais desoxirribose), constituindo um esqueleto hidrofílico,
enquanto o interior (degraus da escada) é constituído pelo pareamento das
bases nitrogenadas, sempre A com T e C com G (Figura 6.8). Note-se que
as duas fitas são orientadas de forma antiparalela, ou seja, uma corre na
direção 5' → 2' e a outra na direção 3' → 2' (Figuras 6.8 e 6.9).
Figura 6.6 Nomenclatura dos desoxirribonucleotídios (A) e ribonucleotídios (B).
Figura 6.7 Fita de DNA mostrando os nucleotídios unidos por ligação fosfodiéster e as
extremidades 5’ e 3’. O alongamento da fita sempre acontece na extremidade 3’.
Figura 6.8 Blocos constituintes do DNA, formando a dupla fita, que se enrola para formar a dupla-
hélice, na qual as laterais (corrimão da escada) são constituídas pelo esqueleto de fosfato e açúcar, e
a parte central é constituída pelo pareamento entre A e T e entre C e G, por meio de pontes de
hidrogênio. As duas fitas são orientadas de forma antiparalela.
Figura 6.9 Pareamento por pontes de hidrogênio entre bases nitrogenadas complementares no
DNA. As fitas da dupla-hélice estão orientadas de forma antiparalela.
Propriedades do DNA
Hibridização
Hibridização é o pareamento de fitas polinucleotídicas complementares. Por
exemplo, quando se tem duas amostras diferentes de ácidos nucleicos de
fita simples, as quais são misturadas, as sequências de uma amostra
complementares às da outra amostra vão se parear, formando um híbrido
dupla-hélice, no qual cada uma das fitas provém de uma das amostras
(Figura 6.11). A hibridização é bastante empregada na biologia molecular,
para determinar se uma sequência específica ocorre em um organismo
particular, se há parentesco genético ou evolutivo entre organismos
diferentes, o número de genes transcritos em um RNA mensageiro (mRNA)
específico, bem como a localização de uma certa sequência de DNA
(Devlin, 2011). A técnica se baseia no anelamento de um polinucleotídio
complementar, chamado sonda, o qual é devidamente marcado para permitir
a detecção do híbrido dupla-hélice.
Genes e cromossomos
Um gene é todo DNA que codifica a sequência primária de um produto
gênico, que pode ser um polipeptídio ou um RNA com funções catalíticas
ou estruturais. Além dos genes, o DNA também contém sequências
regulatórias, que podem indicar o início ou final de um gene, influenciar a
transcrição ou funcionar como ponto de início da replicação ou
recombinação. Alguns genes podem ser expressos de diferentes maneiras,
gerando vários produtos gênicos a partir de um único segmento do DNA,
por meio do splicing alternativo, que será visto mais adiante (Nelson e Cox,
2014).
É possível estimar o tamanho médio dos genes que constituem uma
determinada proteína, uma vez que cada sequência de 3 nucleotídios na fita
molde do DNA vai originar uma sequência de nucleotídios complementares
no mRNA correspondente, chamada de códon (Figura 6.12). Cada um
destes códons corresponderá a um aminoácido específico na cadeia
polipeptídica. Assim, uma cadeia polipeptídica com 330 aminoácidos
corresponde a 990 pares de bases (pb). Entretanto, nos eucariontes, muitos
genes são interrompidos por segmentos de DNA não codificantes,
chamados de íntrons, os quais não estão representados na cadeia
polipeptídica, pois são removidos durante o processamento do mRNA. As
sequências codificantes são chamadas de éxons(Nelson e Cox, 2014).
Poucos genes bacterianos contêm íntrons. Nos genes eucarióticos tem-se
encontrado muita variedade no número e posição dos íntrons, bem como na
fração do gene total que eles ocupam. Por exemplo, no gene que codifica a
ovoalbumina, os íntrons são muito maiores do que os éxons, e 7 íntrons
juntos perfazem 85% do DNA do gene. No gene da subunidade beta da
hemoglobina, um único íntron contém mais do que a metade do DNA do
gene (Figura 6.13). Na maioria dos casos, a função dos íntrons não é clara.
Figura 6.10 A. Desnaturação e anelamento. B. Porcentagem de desnaturação do DNA em função
do aumento da temperatura. tm: temperatura de melting. Quanto maior o conteúdo G+C, maior tm
(inserto).
Iniciação
Na E. coli, a origem de replicação é chamada oriC e contém 5 repetições de
uma sequência de 9 pb (sítios R) e outra região com 3 repetições de 13 pb,
sendo rica em pares de bases A=T, chamada de elemento de
desenrolamento do DNA. Várias moléculas da proteína DnaA ligadas ao
ATP reconhecem a sequência oriC através dos sítios R, ligando-se a eles. O
DNA se enrola em torno destas proteínas DnaA, gerando uma tensão no
elemento de desenrolamento do DNA. Sendo este elemento rico em pares
de bases A=T e, portanto, mais frágil, com esta tensão ocorre ruptura da
dupla-hélice. Esse processo é auxiliado por outras proteínas, como HU
(fator U), IHF (fator de integração do hospedeiro) e FIS (fator para
estimulação de inversão), que facilitam o desenovelamento do DNA. A
proteína DnaC transporta a proteína DnaB para as fitas separadas. A DnaB
é uma helicase replicativa, que migra ao longo da fita simples de DNA na
direção 5’ → 3’, desenrolando o DNA. Nas duas fitas de DNA, as helicases
DnaB prosseguem em direções opostas, formando duas forquilhas de
replicação (Figura 6.19). Várias moléculas de proteínas de ligação ao DNA
de fita simples (SSB) se ligam e estabilizam as fitas separadas, impedindo o
reanelamento, enquanto a DNA-girase (DNA-topoisomerase II) alivia o
estresse causado na frente da forquilha por conta do desenrolamento das
fitas (Figura 6.20) (Nelson e Cox, 2014).
Figura 6.19 Iniciação da duplicação. A. Na E. coli, a origem de replicação é chamada oriC e contém 5
repetições de uma sequência de 9 pb e outra região com 3 repetições de 13 pb, rica em pares de
bases A=T, chamada de elemento de desenrolamento do DNA. B. Várias moléculas da proteína
DnaA ligadas ao ATP reconhecem a sequência oriC através dos sítios R, ligando-se a eles. O DNA se
enrola em torno destas proteínas DnaA, gerando uma tensão no elemento de desenrolamento do
DNA. Sendo este elemento rico em pares de bases A=T, com esta tensão ocorre ruptura da dupla-
hélice. Esse processo é auxiliado por outras proteínas, como HU. C. A proteína DnaC transporta a
proteína DnaB para as fitas separadas. A DnaB é uma helicase replicativa, que migra ao longo da fita
simples de DNA na direção 5’ → 3’, desenrolando o DNA. As helicases DnaB viajam em direções
opostas nas duas fitas de DNA, formando duas forquilhas de replicação.
Alongamento
Após a fase de iniciação, na qual as fitas de DNA são desenroladas pelas
DNA helicases, o estresse gerado pelo desenrolamento é neutralizado pelas
topoisomerases e as fitas separadas são estabilizadas pelas SSB, vai ter
início a fase de alongamento. Nessa fase, cada uma das fitas vai ser
copiada, sendo adicionados os desoxirribonucleotídios complementares às
fitas-molde. Como mencionado anteriormente, a fita é sempre sintetizada na
direção 5' → 3', o que implica que o processo de alongamento das fitas líder
e retardada será diferente. Os eventos na forquilha de replicação são
coordenados por um dímero de uma única DNA-polimerase III, por meio de
um complexo integrado com a helicase DnaB (Nelson e Cox, 2014).
A síntese da fita líder é mais direta e começa com a deposição, na
origem de replicação, de um iniciador curto de RNA, com tamanho entre 10
e 60 nucleotídios, pela primase (DnaG). A DNA-polimerase III, associada
à helicase DnaB, adiciona então desoxirribonucleotídios continuamente,
acompanhando o desenrolamento do DNA na forquilha de replicação
(Figura 6.20) (Nelson e Cox, 2014). Esta adição sequencial de
desoxirribonucleotídios na fita líder pela DNA polimerase III é feita por
suas subunidades centrais.
Na fita retardada, a síntese de fragmentos de Okazaki requer um
orquestramento enzimático mais refinado. A helicase DnaB, ligada na
frente da RNA-polimerase, desenrola o DNA na forquilha de replicação. A
primase DnaG sintetiza, em intervalos, um iniciador de RNA para um novo
fragmento de Okazaki. A DNA-polimerase III, por meio de sua braçadeira b
deslizante, deposita os desoxirribonucleotídios até complementar o
fragmento de Okazaki, quando a duplicação para e as subunidades centrais
da DNA polimerase III se dissociam da sua braçadeira b deslizante e do
fragmento de Okazaki que foi completado (Figura 6.20). Com isto, se inicia
a síntese de um novo fragmento de Okazaki, sendo um novo iniciador
depositado próximo à forquilha de replicação. Quando o fragmento de
Okazaki se completa, seu iniciador de RNA é removido e substituído por
DNA pela DNA-polimerase I. O corte remanescente (chamado nick) é
selado pela DNA-ligase (Figura 6.21), em um processo chamado
deslocamento de corte (nick translation) (Nelson e Cox, 2014).
Terminação
No cromossomo circular da E. coli, as duas forquilhas de replicação
encontram-se em uma região terminal contendo várias cópias de uma
sequência de 20 pb chamada Ter. Estas sequências Ter se constituem em
sítios de ligação para a proteína Tus. Quando uma das forquilhas de
replicação encontra o complexo Tus-Ter, ela para; e a outra forquilha para
quando encontra a primeira presa a este complexo. São formados então dois
cromossomos circulares interligados, cuja separação é feita pela
topoisomerase IV(Nelson e Cox, 2014).
Nas células eucarióticas a replicação é semelhante, porém mais
complexa.
Figura 6.20 Síntese dos fragmentos de Okazaki. Em A, a primase sintetiza, em determinados
intervalos, um iniciador de RNA para um novo fragmento de Okazaki. Em B, a DNA-polimerase III
deposita os desoxirribonucleotídios. Em C, a adição de desoxirribonucleotídios continua até que o
fragmento chegue próximo ao iniciador do fragmento de Okazaki previamente adicionado. Um novo
iniciador é depositado próximo da forquilha de replicação, para guiar a síntese de mais um
fragmento de Okazaki (Adaptada de Nelson e Cox, 2014).
Figura 6.21 Fechamento dos fragmentos de Okazaki. Quando o fragmento de Okazaki se completa,
seu iniciador de RNA é removido e substituído por DNA pela DNA-polimerase I. O corte
remanescente (chamado nick) é selado pela DNA-ligase.
Reparo do DNA
As moléculas de DNA são insubstituíveis e, para que a informação gênica
seja mantida íntegra, é fundamental a existência de um sistema de reparo
bastante eficiente. O DNA pode ser danificado por processos espontâneos
ou por agentes ambientais, como a radiação ultravioleta, por exemplo.
Durante a própria replicação podem ocorrer erros, levando à incorporação
de bases malpareadas. É preciso que estes erros sejam corrigidos, antes que
ocorra uma nova duplicação que irá transmitir esta alteração para as
gerações celulares futuras. A alteração permanente na sequência de
nucleotídios do DNA é chamada mutação, que pode envolver a
substituição de um par de bases por outro (mutação de substituição) ou a
adição ou deleção de um ou mais pares de bases (mutações de inserção ou
deleção). Ocasionalmente uma mutação tem um efeito desprezível na
função de um gene ou afeta um DNA não essencial, sendo, neste caso,
chamada mutação silenciosa. Há uma forte relação entre o acúmulo de
mutações e o desenvolvimento de câncer (Nelson e Cox, 2014; Kasai,
2016).
O fato de o DNA ser uma fita dupla torna mais fácil o reparo, pois o
erro em uma das fitas pode ser corrigido utilizando-se a outra fita como
molde. Os principais sistemas de reparo são: reparo de malpareamento,
reparo de excisão de base e reparo de nucleotídios, que serão vistos a seguir.
Reparo de malpareamento
Nesse tipo de reparo, ocorre inicialmente a diferenciação entre a fita molde
e a recém-sintetizada, por meio da metilação da fita molde pela ação da
Dam metilase, que metila o DNA na posição N6 de todas as adeninas no
interior da sequência (5') GATC. Logo após a passagem da forquilha de
replicação, existe um curto período de tempo no qual a fita molde é
metilada e a recém-sintetizada não, permitindo a diferenciação entre as duas
fitas. Assim, os malpareamentos adjacentes à sequência GATC
hemimetilada são corrigidos com base na informação contida na fita molde.
Pode haver reparação de até 1.000 pb. Para tal, a sequência (5') GATC é
reconhecida pela proteína MutH, enquanto o malpareamento é reconhecido
pela proteína MutS. A proteína MutL forma um complexo com a MutS no
local do malpareamento. O DNA se enrosca neste complexo, criando uma
volta de DNA. O complexo move-se ao mesmo tempo em duas direções ao
longo do DNA até encontrar a MutL ligada à sequência GATC
hemimetilada. A MutH então cliva a fita não metilada no lado 5' de G,
marcando a fita para o reparo (Figura 6.22), que será feito por um complexo
formado pela DNA-helicase II, SSB, exonucleases, DNA-polimerase III e
DNA-ligase. A atuação conjunta da DNA-helicase II, SSB e uma
exonuclease vai remover um segmento da fita nova localizado entre o sítio
de clivagem MutH e um ponto mais à frente do malpareamento. A DNA
polimerase-III preenche o intervalo resultante e o corte é selado pela DNA-
ligase (Figura 6.23) (Nelson e Cox, 2014).
Figura 6.22 Início do reparo de malpareamento de bases. A sequência (5’) GATC é reconhecida pela
proteína MutH, e o malpareamento é reconhecido pela proteína MutS. A proteína MutL forma um
complexo com a MutS no local do malpareamento. O DNA se enrosca neste complexo, criando uma
volta de DNA. O complexo move-se ao mesmo tempo em duas direções ao longo do DNA até
encontrar a MutL ligada à sequência GATC hemimetilada. A MutH então cliva a fita não metilada no
lado 5’ do G, marcando a fita para o reparo.
Transcrição
O RNA, assim como o DNA, é uma macromolécula composta por
nucleotídios. Como mencionado anteriormente, existem algumas diferenças
entre o DNA e o RNA. A primeira diferença está no açúcar encontrado no
nucleotídio (no caso do RNA é a ribose). O RNA também difere do DNA
em uma das bases nitrogenadas. No lugar da timina, no RNA temos a
uracila. Outra diferença está no fato de o RNA em geral ser uma fita única e
o DNA, uma fita dupla (Figura 6.26).
A síntese do RNA acontece a partir da cópia complementar da fita
de DNA, por meio de um processo chamado transcrição, que acontece
no núcleo. Diferentemente da síntese de DNA, a síntese do RNA ocorre
seletivamente gene a gene, de acordo com os produtos gênicos necessários
em um determinado momento. Sequências regulatórias específicas
delimitam o início e o final dos segmentos de DNA a serem transcritos,
bem como a fita de DNA que será utilizada como molde. A RNA-
polimerase é a enzima responsável pela cópia do RNA a partir do DNA e é
capaz de reconhecer as sequências de bases que devem ser transcritas
(Nelson e Cox, 2014). Essa cópia feita será utilizada, futuramente, para a
síntese de proteínas (tradução).
Dentre os diferentes tipos de RNAs tem-se:
Figura 6.23 Reparo por malpareamento de bases. A atuação conjunta da DNA-helicase II, SSB e
uma exonuclease vai remover um segmento da fita nova localizado entre o sítio de clivagem MutH e
um ponto mais à frente do malpareamento. A DNA polimerase-III preenche o intervalo (linhas
tracejadas) resultante e o corte é selado pela DNA-ligase.
Figura 6.24 Reparo por excisão de base. A DNA-glicosilase reconhece uma base danificada
(uracila). A endonuclease AP cliva o esqueleto fosfodiéster próximo ao sítio afetado e a DNA-
polimerase I, por meio de sua atividade exonuclease 5’ → 3’, remove um segmento da fita de DNA
contendo o nucleotídeo afetado, ao mesmo tempo que substitui por nucleotídeos apropriados a
porção da fita removida. O corte remanescente é selado pela DNA-ligase.
Figura 6.25 Reparo de excisão de nucleotídios. Uma excinuclease hidrolisa duas ligações
fosfodiéster, sendo uma de cada lado da área lesionada. Em E. coli, o fragmento a ser removido,
contendo a lesão, tem cerca de 12 a 13 nucleotídios, enquanto em humanos, contém entre 27 e 29
nucleotídios. Estes fragmentos são removidos pela helicase, a DNA-polimerase I preenche o
intervalo e a DNA-ligase sela o corte remanescente.
Processamento do RNA
A molécula de RNA recém-sintetizada é chamada de transcrito primário.
Alguns RNAs em bactérias e praticamente todos em eucariontes são
processados após a síntese: este processamento envolve as ribozimas
(RNAs catalíticos). Este processamento, que ocorre no próprio núcleo,
envolve 3 eventos (Figura 6.28):
Figura 6.27 Transcrição. A. A fita de RNA que será sintetizada é complementar a uma das duas fitas
de DNA (fita molde). A iniciação ocorre quando a RNA-polimerase se liga a sequências específicas de
DNA, chamadas promotores. B. A fita de DNA é temporariamente desenrolada e a RNA-polimerase
adiciona unidades de ribonucleotídios à extremidade hidroxila 3’, sendo o RNA formado na direção
5’ → 3’, e a fita de DNA molde é lida na direção oposta (3’ → 5’). Conforme a fita de DNA vai sendo
formada, o dúplex de DNA volta a se formar. Devido ao movimento da RNA-polimerase, são geradas
ondas superespirais positivas à frente da bolha de transcrição e superespirais negativas para trás.
Figura 6.28 Processamento do mRNA, por meio da adição do quepe de 7-metilguanosina na
extremidade 5’, da remoção dos íntrons (splicing) e da adição da cauda de poli-A na extremidade 3’.
Tradução
O código genético é um dicionário que identifica a correspondência entre
uma sequência de bases nucleotídicas e uma sequência de aminoácidos.
Cada palavra é composta por 3 bases nitrogenadas, denominadas códons.
Como há 4 bases nitrogenadas, na combinação de 3 para a formação dos
códons há possibilidade de formação de 64 códons; destes, 61 codificam
aminoácidos. Considerando que há 20 aminoácidos, cada um deles pode ser
codificado por mais de um códon. Portanto, o código genético é
degenerado. Os 3 códons que não codificam aminoácidos são UAG, UGA
e UAA, que são os códons de parada. Já o AUG é o códon de iniciação,
que é o sinal para o início da síntese de um polipeptídio.
O código genético é resistente aos efeitos mais comuns de mutações,
chamadas de mutações sem sentido ou missense, nas quais um novo par de
bases substitui outro. Na terceira posição do códon, que é a base oscilante,
em apenas 25% dos casos a substituição de uma única base causa alteração
no aminoácido codificado. Portanto, 75% das mutações são silenciosas, ou
seja, o nucleotídio é diferente, mas o aminoácido codificado é o mesmo
(Nelson e Cox, 2014).
O processo de síntese proteica dirigida pelo mRNA recebe o nome de
tradução e ocorre em 5 estágios (Figura 6.30) (Nelson e Cox, 2014).
Estágio 2 | Iniciação
A síntese de proteínas começa na extremidade aminoterminal. O mRNA se
liga à subunidade menor do ribossomo e ao aminoacil-tRNA iniciador.
Então a subunidade ribossomal maior se liga, formando um complexo de
iniciação. Os ribossomos bacterianos têm 3 sítios que ligam tRNA:
aminoacil (A), peptidil (P) e de saída (E). O aminoacil-tRNA iniciador
estabelece pareamento de bases com o códon AUG (de iniciação,
correspondente à metionina) do mRNA, no sítio P do ribossomo,
sinalizando o início do polipeptídio. Esta etapa requer GTP e é promovida
por fatores de iniciação, que são proteínas citosólicas (IF-1, IF-2 e IF-3).
Estágio 3 | Alongamento
A adição de aminoácidos sucessivos promove o alongamento do
polipeptídio nascente. O fator de alongamento TU (EF-Tu) traz o próximo
aminoacil-tRNA para o sítio A. Este aminoacil-tRNA tem anticódon
complementar ao códon do mRNA. Então a ligação peptídica ocorre com o
aminoácido anteriormente ligado ao sítio P. O fator de alongamento G (EF-
G) empurra o tRNA agora descarregado, que estava no sítio P, para o sítio
E, processo chamado translocação. Cada novo aminoácido trazido ao sítio
A estabelece ligação peptídica com o aminoácido localizado no sítio P,
alongando o polipeptídio. O processo é facilitado pela hidrólise do GTP. O
alongamento continua até ser adicionado o último aminoácido codificado
pelo mRNA.
Conclusão
O conhecimento acerca dos fenômenos envolvidos na transferência da
informação gênica é fundamental para os estudantes de Odontologia e
Fonoaudiologia. Na Odontologia, por exemplo, há vários defeitos genéticos
de desenvolvimento dentário, como é o caso da amelogênese imperfeita (Hu
et al., 2007). Componentes genéticos têm sido ainda associados ao
desenvolvimento da cárie dentária (Opal et al., 2015), erosão dentária
(Sovik et al., 2015) e da fluorose dentária (Everett et al., 2002). Da mesma
maneira, na Fonoaudiologia há doenças genéticas que afetam a fala (como
distrofia muscular progressiva e doença de Alzheimer) ou a audição (como
a síndrome de Usher) (Koffler et al., 2015). O conhecimento acerca da
transferência da informação gênica também é importante quando se pensa
na prescrição de fármacos, pois muitos deles inibem a síntese proteica ou a
multiplicação dos microrganismos invasores. Sem contar o fato de que
todos os eventos que acontecem no nosso organismo são mediados por
proteínas, de modo que é imprescindível conhecer como estas moléculas tão
importantes são sintetizadas.
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deoxyribose nucleic acid. Nature. 1953; 171(4356):737-8.
Características dos sistemas de transdução do
sinal
Para que haja um adequado controle de metabolismo, multiplicação celular,
secreção, fagocitose, produção de anticorpos, contração muscular, entre
outros eventos, é necessário que haja comunicação celular. Quando o sinal
chega até a célula, trazendo informações, ele tem que ser entendido por ela,
e, desta interação, deve resultar algum efeito, ou resposta celular, o qual
envolve um evento químico. A conversão dessas informações em alterações
químicas é chamada transdução de sinal, fundamental para a vida (Nelson
e Cox, 2014).
Apesar de um indivíduo adulto e saudável ter estabilidade da massa
corpórea e do seu aspecto geral, seu metabolismo passa por grandes
flutuações diárias. A ingestão de alimentos durante as refeições proporciona
ao organismo períodos de abundância de nutrientes, intercalados com
períodos de escassez. O metabolismo tem que se ajustar a estas diferentes
condições fisiológicas, o que é feito por processos chamados de regulação
metabólica. Os eventos envolvidos nessa regulação ocorrem de maneira
encadeada, sendo gerados sinais primários que são captados por geradores
secundários, os quais são capazes de retransmiti-los a toda a rede
metabólica, de maneira que os sinais primários possam repercutir em órgãos
distantes. Este processo é bastante complexo, mas possibilita um ajuste
bastante fino do metabolismo a diferentes situações, ocasionando uma
resposta rápida e muito bem organizada. Por que falar em metabolismo
neste momento? Porque a biossinalização envolve a transdução de sinais
por moléculas que ajudam no controle do metabolismo, como por exemplo,
a insulina.
A habilidade das células de receber e reagir a sinais vindos do outro
lado da membrana plasmática é fundamental para a vida. As células
recebem inúmeros sinais, que irão induzir respostas apropriadas, como a
transmissão de sinais nervosos, a resposta a hormônios e a fatores de
crescimento, o sensoriamento da visão, do cheiro, do sabor, e o controle do
ciclo celular. Esses sinais podem ser internos como, por exemplo, a inibição
da síntese de um produto pela sua elevada concentração no organismo, ou
externos, como na sinalização pelo sistema endócrino, no qual células
individuais em um tecido sentem uma alteração nas condições do
organismo e respondem secretando um mensageiro químico extracelular
(hormônio), que é liberado na corrente sanguínea e transportado até o
tecido-alvo, desencadeando uma resposta. Outro tipo de resposta a um sinal
externo é a sinalização neuronal, em que os sinais elétricos (impulsos
nervosos) originam-se no corpo celular e são transportados até a célula-
alvo, que pode ser um outro neurônio, um miócito ou uma célula secretora
(Figura 7.1).
As células são capazes de reconhecer e produzir respostas a vários
sinais, como antígenos, glicoproteínas ou oligossacarídeos da superfície
celular, sinais de desenvolvimento, componentes da matriz extracelular,
fatores de crescimento, hormônios, hipoxia, luz, toque mecânico,
microrganismos, neurotransmissores, nutrientes, odores, sabores e
feromônios (Nelson e Cox, 2014).
Figura 7.1 Sinais internos (A) e externos (B e C) aos quais as células respondem. Em B, um sinal
captado pelas terminações nervosas gera um impulso nervoso, que chega até as células-alvo. Estas
podem ser um neurônio, que vai conduzir o impulso nervoso, uma célula muscular, que vai se
contrair, ou uma célula que vai secretar uma substância em resposta ao sinal. Na sinalização
endócrina (C), os hormônios são liberados na corrente sanguínea, que os transporta até os tecidos-
alvo, desencadeando respostas.
Tipos de receptores
Apesar dos inúmeros tipos de sinais aos quais as células respondem, há 5
tipos principais de receptores, sendo 4 localizados na membrana e um
localizado no núcleo (Figura 7.3) (Nelson e Cox, 2014), os quais são
descritos a seguir.
• Receptores nucleares: ligantes específicos atravessam a membrana
plasmática e vão se ligar a receptores no núcleo, no qual regularão a
expressão de genes específicos. Um exemplo são os hormônios
esteroides
• Canais iônicos: estes canais abrem e fecham em resposta à
concentração de um ligante ou potencial de membrana. Um exemplo é
o canal iônico do receptor de acetilcolina
• Receptores enzimáticos: apresentam um domínio extracelular e outro
intracelular. Quando o ligante interage com o domínio extracelular,
ocorre uma autofosforilação no domínio intracelular e isto vai
desencadear a fosforilação de várias outras proteínas citosólicas ou de
membrana. Um exemplo típico é o receptor de insulina
• Receptores associados à proteína G: apresentam diversos
componentes. Quando o ligante se liga ao receptor, a proteína de
ligação ao GTP (proteína G) é ativada e, por sua vez, vai ativar uma
proteína de membrana, que irá produzir um segundo mensageiro. Um
exemplo é o receptor beta-adrenérgico
• Receptores de adesão: interagem com componentes da matriz
extracelular e transmitem informações ao citoesqueleto sobre migração
ou adesão à matriz. As integrinas utilizam este mecanismo de
transdução.
Figura 7.3 Tipos gerais de transdutores de sinais. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
Receptores nucleares
Os hormônios esteroides (cortisol, aldosterona, testosterona, estrógeno e
progesterona) ou tireoidianos (tiroxina, tri-iodotironina) exercem seus
efeitos por um mecanismo diferente dos outros hormônios: eles agem no
núcleo, alterando a expressão gênica. Eles entram na célula e o complexo
hormônio-receptor atua no núcleo. Esses hormônios desencadeiam
respostas máximas em seus tecidos-alvo somente após horas ou até mesmo
dias. Inicialmente, por serem muito hidrofóbicos, eles são transportados até
a célula-alvo, ligados a proteínas séricas, difundem-se através da membrana
plasmática e se ligam à sua proteína receptora específica (Rec) no núcleo. A
ligação do hormônio altera a conformação de Rec, que se liga a regiões
regulatórias específicas, chamadas de elementos da resposta hormonal
(HREs) no DNA adjacente a genes específicos, resultando na regulação da
transcrição do gene adjacente, aumentando ou diminuindo a velocidade de
formação do mRNA, ou seja, alterando a expressão de proteínas, o que
levará à resposta celular específica (Nelson e Cox, 2014) (Figura 7.4).
Como exemplo terapêutico da utilização da biossinalização, tem-se
tamoxifeno, utilizado no tratamento do câncer de mama. Em determinados
tipos de câncer de mama, a divisão das células cancerosas depende da
presença contínua de estrógeno. O tamoxifeno compete com o estrógeno
para a ligação com o receptor do estrógeno, mas o complexo tamoxifeno-
receptor não tem nenhum efeito na expressão gênica. Desta maneira, o
tamoxifeno, considerado um antagonista do estrógeno, quando administrado
após cirurgia ou durante a quimioterapia para o câncer de mama dependente
do estrógeno, diminui ou para o crescimento das células cancerosas
remanescentes, prolongando a vida da paciente (Li e Shao, 2016).
Um outro análogo esteroide, a RU486 (pílula do dia seguinte), liga-se
ao receptor da progesterona e bloqueia as ações do hormônio essenciais
para a implantação do ovo fecundado no útero.
Receptores de membrana
Canais iônicos
Algumas células têm a capacidade de detectar um sinal externo, produzindo
um sinal elétrico em resposta. Isso leva a uma alteração do seu potencial de
membrana e torna possível que o sinal seja passado adiante. Nesta categoria
estão inclusos células sensoriais, neurônios e miócitos, e esta transdução de
sinal depende de canais iônicos, que permitem a movimentação regulada de
íons inorgânicos, como Na+, K+, Ca+2 e Cl– através da membrana plasmática,
em resposta a vários estímulos. Os canais iônicos têm um receptor
associado e podem ser abertos ou fechados em resposta a um ligante
específico, como um neurotransmissor ou uma alteração no potencial
elétrico transmembrana (Vm) (Nelson e Cox, 2014). A resposta deste tipo de
sinalização é muito rápida em comparação aos outros tipos de receptores.
Figura 7.7 Transmissão neural por meio de canais iônicos. Três tipos de canais iônicos dependentes
de voltagem são essenciais nessa transmissão: canais de Na+, canais de K+ e canais de Ca+2. Um
estímulo (acetilcolina ou outro neurotransmissor) produz um potencial de ação que se move ao
longo do axônio (seta branca), distante do corpo celular. A abertura de um canal de Na+ dependente
de voltagem possibilita que o Na+ entre e a resultante despolarização local induz a abertura dos
canais de Na+ adjacentes, e assim por diante. A despolarização induzida pelos canais de Na+ força os
canais de K+ dependentes de voltagem a se abrirem, e o efluxo de K+ resultante repolariza a
membrana localmente. Um rápido pulso de despolarização atravessa o axônio na medida em que
despolarizações locais desencadeiam uma rápida abertura de canais de Na+ vizinhos e depois de
cada canal de K+. Quando a onda de despolarização alcança a extremidade do axônio, os canais de
Ca+2 dependentes de voltagem se abrem, permitindo a entrada de Ca+2 no neurônio pré-sináptico. O
aumento resultante da concentração de Ca+2 interna desencadeia a liberação exocítica do
neurotransmissor acetilcolina dentro da fenda pré-sináptica. A acetilcolina se liga a um receptor no
neurônio pós-sináptico e o processo se repete. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
Figura 7.8 Transdução de sinal do impulso auditivo na cóclea. A. O som faz a membrana timpânica
vibrar. Essa vibração provoca movimentação de martelo, bigorna e estribo, causando uma pressão
na janela oval. Com isso há movimentação de líquidos (endolinfa) dentro da cóclea, provocando
vibração da membrana basilar. Isso causa uma deformação das células ciliadas do órgão de Corti,
provocando movimentação dos cílios (B). Essa movimentação provoca uma transdução mecânica
que abre canais iônicos, despolarizando a membrana da célula ciliada e provocando a liberação de
neurotransmissores para as terminações nervosas que fazem sinapse com as bases das células
ciliadas. (Adaptada de Guyton e Hall, 2006.)
Receptores enzimáticos
Estes receptores são proteínas que apresentam um domínio de ligação na
superfície extracelular da membrana plasmática e um sítio ativo de uma
enzima no lado citosólico. Esses dois domínios são conectados por um
único segmento transmembrana. O receptor de insulina é o protótipo deste
grupo.
A insulina regula tanto o metabolismo quanto a expressão gênica: o
sinal da insulina passa do receptor da membrana plasmática para as enzimas
do metabolismo sensíveis à insulina e ao núcleo, onde estimula a
transcrição de genes específicos.
O receptor de insulina consiste em duas cadeias a na superfície externa
da membrana plasmática e duas cadeias b que atravessam a membrana e se
lançam na fase citosólica. A ligação da insulina às cadeias a promove a
dimerização de ambas as unidades ab, formando o complexo a2b2. Ocorre
também a autofosforilação dos resíduos Tyr no domínio carboxiterminal das
subunidades b. Essa autofosforilação ativa o domínio tirosinoquinase, que,
então, catalisa a fosforilação de outras proteínas-alvo, levando aos efeitos
intracelulares da insulina (Figura 7.9).
Na regulação da expressão gênica pela insulina, quando a insulina
se liga ao seu receptor na superfície da célula, ocorre autofosforilação dos
resíduos Tyr carboxiterminais do receptor. O receptor então fosforila os
resíduos de Tyr do IRS-1 (substrato do receptor de insulina). O IRS-1
fosforilado se liga ao domínio SH2 (Src homology 2) da proteína Grb2.
Grb2 é uma proteína adaptadora, sem atividade enzimática, cuja função é
aproximar as proteínas IRS-1 e Sos, que têm que interagir para que ocorra a
transdução de sinal. Ligada à Grb2, a Sos catalisa a troca do GDP pelo GTP
na proteína G Ras. A Ras ativada vai então se ligar à Raf-1, ativando-a. A
Raf-1 ativada fosforila a MEK, ativando-a, e esta, por sua vez, fosforila a
ERK, ativando-a. A ERK ativada se move para o núcleo e ativa (por
fosforilação) fatores de transcrição nucleares, como o Elk1, que se une à
SRF, modulando cerca de 100 genes regulados pela insulina, sendo que
alguns deles codificam proteínas necessárias para a divisão celular e para os
processos de anabolismo (Figura 7.10) (Nelson e Cox, 2014).
A Grb2 não é a única proteína ativada pela associação com a IRS-1
fosforilada. Também é ativada a via da glicogênio sintase, bem como o
movimento do GLUT4 para a membrana plasmática. Quando fosforilado
pelo receptor de insulina, o IRS-1 ativa a fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato
(PI3 K), que, por sua vez, converte o fosfolipídio de membrana
fosfatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2) em fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato
(PIP3). A proteinoquinase B (PKB) se liga ao PIP3, sendo ativada (por
fosforilação) pela PDK1. Uma vez ativada, a PKB vai modular duas vias.
Uma delas envolve a glicogênio sintase quinase (GSK3), que, uma vez
fosforilada pela PKB, se torna inativa e não consegue inativar a glicogênio
sintase, que permanece ativa, acelerando a síntese de glicogênio a partir da
glicose. O PKB vai ainda iniciar o movimento mediado por clatrina dos
transportadores de glicose (GLUT4) de vesículas internas para a membrana
plasmática, estimulando a captação de glicose pela célula (Figura 7.11)
(Nelson e Cox, 2014).
Figura 7.9 Receptor da insulina. A ligação da insulina às cadeias a promove a dimerização de
ambas as unidades ab, formando o complexo a2b2, além de provocar a autofosforilação dos resíduos
Tyr no domínio carboxiterminal das subunidades b. Com isto é ativado o domínio tirosinoquinase,
que, então, catalisa a fosforilação de outras proteínas-alvo, levando aos efeitos intracelulares da
insulina. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
Figura 7.11 Efeito da insulina na ativação da glicogênio sintase e no movimento de GLUT4 para a
membrana plasmática. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
O receptor beta-adrenérgico é uma proteína integral com 7 regiões
hidrofóbicas de 20 a 28 resíduos que atravessam a membrana plasmática
sete vezes. Esse receptor é membro de uma família muito grande de
receptores, todos com 7 hélices transmembrana, chamados de receptores
serpenteantes ou hepta-helicoidais. A ligação da epinefrina a um sítio
profundo no receptor no interior da membrana plasmática causa uma
alteração conformacional no domínio intracelular do receptor, afetando sua
interação com a proteína G estimulatória (GS) associada, ocasionando a
substituição do GDP ligado à subunidade a da GS por GTP, ativando, desta
maneira, a GSa. A GSa ativada separa-se da GSbg e se move, no plano da
membrana, do receptor até a adenililciclase, ativando-a. Esta, por sua vez,
catalisa a formação do cAMP a partir do ATP. A proteinoquinase
dependente de cAMP, também chamada proteinoquinase A (PKA), é
ativada alostericamente pelo aumento da concentração intracelular de
cAMP e vai catalisar a fosforilação em resíduos de Ser ou Thr de várias
proteínas-alvo, causando a resposta celular à epinefrina. Um dos alvos da
PKA é a quinase da glicogênio-fosforilase b, que, uma vez fosforilada, fica
ativa e pode iniciar a mobilização do glicogênio a partir dos estoques
hepáticos e musculares, para o caso de haver necessidade de energia. O
cAMP é degradado, revertendo a ativação da PKA (Figura 7.12). O cAMP,
mensageiro secundário intracelular neste sistema, é de vida curta. Ele é
rapidamente degradado até 5’-AMP, que não é ativo como mensageiro
secundário. O sinal intracelular, portanto, persiste apenas enquanto o
receptor permanecer ocupado pela epinefrina. Metilxantinas, como a
cafeína e a teofilina (um componente do chá) inibem a fosfodiesterase,
aumentando a vida média do cAMP, e, portanto, potencializando agentes
que atuam estimulando a adenililciclase (Nelson e Cox 2014). Dentre os
efeitos encontrados para cafeína no organismo, o consumo desta tem sido
associado ao aumento da frequência cardíaca e da condutividade
(Cappelletti et al., 2015).
A epinefrina é apenas um dentre muitos hormônios, fatores de
crescimento e outras moléculas regulatórias, que alteram a concentração
intracelular de cAMP, e, portanto, a atividade da PKA. O glucagon liberado
pelo pâncreas nos períodos de hipoglicemia, por exemplo, liga-se a seu
receptor na membrana plasmática dos adipócitos, ativando a adenililciclase.
A PKA, estimulada pela elevação na concentração intracelular de cAMP,
fosforila e ativa a lipase do triacilglicerol, levando à mobilização dos ácidos
graxos. Também tem atuação nos hepatócitos, estimulando a degradação do
glicogênio, isto é, o catabolismo. De modo semelhante, o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH), produzido pela hipófise anterior, liga-se a
receptores específicos no córtex da suprarrenal, ativando a adenililciclase e
elevando a concentração intracelular de cAMP. A PKA fosforila e ativa
então várias das enzimas requeridas para a síntese de cortisona e outros
hormônios esteroides.
Figura 7.12 Transdução de sinal da epinefrina: a via beta-adrenérgica. (Adaptada de Nelson e Cox,
2014.)
Figura 7.15 A sinalização em via dupla pelas integrinas. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
As integrinas são potenciais alvos para fármacos que inibem a
migração das células tumorais, já que quando os tumores entram em
metástase, as células tumorais perdem a adesão ao tecido original,
invadindo outros locais.
Conclusão
A biossinalização, intermediada por 5 tipos principais de receptores, sendo
um nuclear e outros quatro de membrana (canais iônicos, receptores
enzimáticos, receptores ligados à proteína G e integrinas), torna possível a
comunicação celular de maneira refinada, dando ao organismo a
possibilidade de responder precisamente aos mais variados sinais e suprir as
suas necessidades.
Referências bibliográficas
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O
s seres vivos, unicelulares e multicelulares, necessitam de energia
para a realização de diversos processos (trabalhos) celulares. Como
exemplos temos: transmissão do impulso nervoso, processo de contração
muscular, transporte de íons e moléculas polares, replicação do material
genético, divisão celular, síntese de macromoléculas como proteínas, entre
outros (Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
Assim, esses organismos lançam mão de várias maneiras para obter
energia, de acordo com as suas necessidades (demanda) e a disponibilidade
de nutrientes (moléculas ricas em energia) no meio ou no próprio
organismo (tecidos de reserva, nutrientes circulantes etc.). Alguns seres
vivos conseguem obter energia da luz solar por meio de um complexo
sistema de conversão de energia. Outros, como os mamíferos, conseguem
obter essa energia de nutrientes (combustíveis metabólicos) presentes nos
alimentos (Koolman e Röhm, 2005; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox,
2014).
Especificamente, o ser humano pode obter a energia proveniente da
alimentação por algumas vias principais, de acordo com o nutriente em
questão (carboidratos, lipídios e proteínas). São elas: via glicolítica (ou
simplesmente glicólise), β-oxidação, degradação de proteínas e oxidação
dos aminoácidos, via das pentoses, além da continuidade de algumas dessas
vias pelo ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa. Esses processos são vias
do catabolismo que realizam, de modo geral, a “quebra” ou conversão de
moléculas ricas em energia (carboidratos, lipídios e proteínas) em
moléculas menores, pobres em energia (CO2, H2O e NH3), produzindo, ao
final, energia ou compostos ricos em energia, para serem utilizados nas vias
anabólicas (síntese de macromoléculas) (Koolman e Röhm, 2005; Berg et
al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012). Vale ressaltar a integração dessas duas
vias (catabolismo e anabolismo) que compreendem o metabolismo, gerando
e consumindo energia nas formas moleculares de: ATP/ADP (adenosina
trifosfato/adenosina difosfato), NADH/NAD+ (nicotinamida adenina
dinucleotídio na forma reduzida/nicotinamida adenina dinucleotídio),
FADH2/FAD (flavina adenina dinucleótido na forma reduzida/flavina
adenina dinucleotídio) etc. (Figura 8.1) (Koolman e Röhm, 2005; Marzzoco
e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014). Devido à grande rede e às conexões
das vias metabólicas, vamos abordar, neste capítulo, apenas as principais
vias de obtenção de energia pelas células: glicólise, ciclo de Krebs e cadeia
transportadora de elétrons (fosforilação oxidativa). Algumas outras vias
serão citadas ou situadas no texto quando necessário.
Figura 8.1 Estrutura básica das moléculas ATP, ADP, NADH, NAD+, FADH2 e FAD.
A convergência das vias acontece na geração da molécula de acetil-
CoA. De modo geral, observamos que a partir da quebra de uma molécula
de carboidrato (como o glicogênio) geram-se monômeros (moléculas de
glicose), sendo estes convertidos em duas moléculas de piruvatos (cada
glicose), por meio da glicólise, e em seguida estes produtos são convertidos
em moléculas de acetil-CoA. Os ácidos graxos (lipídios) são quebrados por
meio da β-oxidação, resultando também em moléculas de acetil-CoA
(Figura 8.2). As proteínas serão quebradas em seus monômeros
(aminoácidos), os quais poderão entrar em diferentes reações do ciclo de
Krebs, dependendo de sua estrutura de cadeia carbônica (Koolman e Röhm,
2005; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Todos esses processos consecutivos, mas não obrigatoriamente
dependentes, são realizados em diversas etapas, visando ao melhor
aproveitamento na obtenção de energia potencial das moléculas, reduzindo
a perda na forma de calor. Por isso são encontradas diversas etapas de
“preparação” das moléculas, visando a um melhor aproveitamento de sua
energia potencial.
Fase preparatória
Inicialmente, a molécula de glicose é convertida em glicose-6-fosfato, com
o gasto de uma molécula de ATP, e catalisada pela enzima hexoquinase.
Essa é uma das poucas reações irreversíveis da via glicolítica.
Em seguida, a molécula de glicose-6-fosfato é convertida (por meio de
uma enzima isomerase: fosfo-hexose-isomerase) em frutose-6-fosfato.
Essa molécula (frutose-6-fosfato) será agora convertida em frutose
1,6-bifosfato, com o gasto de uma nova molécula de ATP, com auxílio da
enzima fosfofrutoquinase-1.
A molécula de frutose 1,6-bifosfato será agora clivada (ação da
enzima aldolase) em duas moléculas com três átomos de carbono cada uma:
gliceraldeído-3-fosfato e di-hidroxiacetona fosfato. Essa etapa dá nome à
via: “lise”. Aqui cabe um adendo interessante: uma vez que até esse
momento da via a célula fez um investimento energético de duas moléculas
de ATP, essa primeira fase da glicólise recebe o nome de fase preparatória
ou de investimento.
Prosseguindo com a via glicolítica: gliceraldeído-3-fosfato + di-
hidroxiacetona fosfato, temos em seguida a conversão da molécula de di-
hidroxiacetona fosfato em uma molécula de gliceraldeído-3-fosfato, por
meio da enzima triosefosfato-isomerase.
A partir de agora a via continuará com duas moléculas de
gliceraldeído-3-fosfato.
Fase de pagamento
A etapa de pagamento se inicia com a conversão das moléculas de
gliceraldeído-3-fosfato em duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato, por
meio de processos de oxidação e fosforilação (gasto de dois fosfatos com
auxílio da enzima gliceradeído-3-fosfato-desidrogenase). Nessa mesma
reação teremos a formação duplicada de NADH + H+.
As duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato serão convertidas em duas
moléculas de 3-fosfoglicerato, gerando duas moléculas de ATP (sendo a
primeira reação de formação de ATP na via). Nessa reação temos a ação da
enzima fosfoglicerato-quinase.
O 3-fosfoglicerato (duas moléculas) será convertido em 2-
fosfoglicerato, por meio da catálise da fosfoglicerato-mutase.
Em seguida, existe uma reação de desidratação (remoção de H2O) da
molécula de 2-fosfoglicerato, formando a molécula de fosfoenolpiruvato,
com auxílio da enzima enolase.
A conversão do fosfoenolpiruvato em piruvato, sob a presença da
enzima piruvato-quinase, permitirá a formação de duas moléculas de ATP
(segunda reação de formação de ATP).
Essa segunda parte da via glicolítica (gliceraldeído-3-fosfato até a
formação de piruvato) é chamada de fase de pagamento, uma vez que
houve formação de quatro moléculas de ATP. Assim, o saldo final da via
glicolítica será de: duas moléculas de piruvato, duas moléculas de ATP,
duas moléculas H2O e duas moléculas de NADH + H+ (Koolman e Röhm,
2005; Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Ciclo de Krebs
O piruvato, formado ao final da via glicolítica, poderá seguir algumas
rotas. No caso do ciclo de Krebs, o piruvato será transportado para dentro
da mitocôndria e sofrerá o processo de descarboxilação, mediado por um
conjunto de cinco enzimas (complexo piruvato desidrogenase), gerando
uma molécula de acetil-CoA e CO2. Lembramos que uma molécula de
glicose (seis átomos de carbono) é quebrada até a formação de duas
moléculas de piruvato (três átomos de carbono) que serão então
convertidas em duas moléculas de acetil-CoA (com dois átomos de carbono
cada) (Figura 8.5). Essa molécula de acetil-CoA poderá entrar em outra via,
para continuidade do processo de obtenção de energia: ciclo de Krebs
(Koolman e Röhm, 2005; Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008;
Nelson e Cox, 2014).
O ciclo de Krebs, batizado assim pelos muitos estudos de Hans Krebs
(1900-1981) nesse assunto, também é chamado de ciclo do ácido cítrico ou
ciclo do ácido tricarboxílico. Suas etapas, descritas a seguir (Figura 8.6),
apresentam como objetivo geral a remoção de átomos e életrons/prótons da
molécula de acetil-CoA até sua completa eliminação:
1. Inicialmente, temos uma reação de condensação da molécula de acetil-
CoA com uma molécula de oxalacetato (reação catalisada pela enzima
citrato-sintase), resultando na molécula de citrato
2. A molécula de citrato sofre processo de desidratação (perda de uma
molécula de H2O), reação essa catalisada pela enzima aconitase,
produzindo a molécula de cis-aconitato
3. O cis-aconitato é hidratado (adição de uma molécula de água, reação
catalisada pela enzima aconitase), resultando no isocitrato
4. A molécula de isocitrato sofre processo de descarboxilação oxidativa
(remoção de um átomo de carbono na forma de CO2, reação catalisada
pela enzima isocitrato desidrogenase), resultando no a-cetoglutarato e
também em um NADH + H+
5. O a-cetoglutarato sofre também processo de descarboxilação
oxidativa (remoção de um átomo de carbono na forma de CO2, reação
catalisada pela enzima α-cetoglutarato desidrogenase), formando o
succinil CoA e também um NADH+ H+
6. O succinil CoA será então convertido em succinato, por meio de uma
reação de fosforilação no nível do substrato, catalisado pela enzima
succinil-CoA-sintase. Em função dessa reação, será formada uma
molécula de GTP (guanina trifosfato). Essa molécula de GTP equivale
energeticamente à molécula de ATP
7. O succinato sofrerá processo de desidrogenação, formando o
fumarato e também uma molécula de FADH2, por meio da ação da
enzima succinato-desidrogenase
8. À molécula de fumarato será adicionada uma molécula de H2O
(hidratação), formando o malato. Essa reação é catalisada pela enzima
fumarase
9. Por último, temos a conversão do malato em oxalacetato (reação de
desidrogenação catalisada pela enzima malato-desidrogenase),
resultando também em uma molécula de NADH + H+.
Fosforilação oxidativa
A consequência do bombeamento é a produção de um gradiente de prótons,
isto é, uma concentração diferente no espaço intermembranas em
comparação à matriz. A face da membrana interna, voltada para a matriz,
fica ainda mais negativa do que a face voltada para o espaço
intramembranas, e a diferença de cargas elétricas gera um potencial de
membrana. A energia conservada é a chamada força próton-motriz, que
apresenta dois componentes: gradientes de pH e elétrico. O retorno dos
prótons ao interior da mitocôndria é processo espontâneo, a favor do
gradiente eletroquímico, que libera energia, a força próton-motriz, capaz de
levar à síntese de ATP (fosforilação oxidativa), segundo a teoria
quimiostática de Mitchell. Como a membrana interna é impermeável a
prótons, estes só podem voltar à matriz por meio de sítios específicos da
membrana interna, constituídos pelo complexo sintetizador de ATP (ATP
sintetase). Para cada NADH que se oxida, ou seja, para cada par de elétrons
transformados pelos complexos I, III e IV, há síntese de 2,5 ATPs, e para
cada FADH2 (complexo II) formam-se 1,5 ATPs (Koolman e Röhm, 2005;
Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
Inicialmente, há ligação entre ADP e Pi em um dos sítios
conformacionais. A ATP sintetase contém dois componentes: fatores de
acoplamento 1 (F1, microesferas e as hastes) e F0 (embebida na
membrana), que é um canal através do qual os prótons retornam à matriz
mitocondrial. O F1 é composto por três sítios catalíticos (a3-b3) que
mudam sua conformação devido à passagem de prótons (a molécula roda no
sentido anti-horário) pelo F0, possibilitando a realização de três etapas na
síntese de ATP: ligação dos substratos (ADP e Pi), formação da ligação
fosfoanidrido e liberação do ATP sintetizado (Marzzoco e Torres, 2007;
Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
b-oxidação
Uma outra opção de geração de energia pelas células é a utilização de
lipídios pela β-oxidação. Esse processo consiste na quebra gradual de
ácidos graxos de cadeia longa e número par de átomos de carbono em
moléculas de acetil-CoA. Essas moléculas de acetil-CoA poderão ser
utilizadas para obtenção de energia pela passagem no ciclo de Krebs e
posteriormente na fosforilação oxidativa, como já foi descrito (Koolman e
Röhm, 2005; Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox,
2014).
Cada ciclo da β-oxidação (Figura 8.9) pode ser dividido em quatro
etapas:
2 ATP 2
Oxidação de aminoácidos
Outra via de obtenção de energia é a via de oxidação de aminoácidos
provenientes da quebra de proteínas. A degradação de proteínas (tanto
proteínas oriundas da alimentação como proteínas de tecidos) leva à
obtenção de seus constituintes mais simples, os aminoácidos. Esses
aminoácidos terão seu grupo NH4+ removido pelo processo de desaminação,
que por sua vez levará à formação de esqueletos de carbono que poderão ser
utilizados posteriormente no ciclo de Krebs. O grupo NH4+ será reutilizado
em vias de biossíntese de outros aminoácidos, ou poderá entrar no ciclo da
ureia e ser eliminado (excreção de N2). Quanto aos esqueletos de carbono,
gerados no processo de desaminação, esses serão convertidos em α-
cetoácidos e assim poderão entrar como intermediários no ciclo de Krebs.
Alguns desses intermediários podem ser utilizados, quando necessário, para
o processo de síntese da glicose (gliconeogênese). Outros aminoácidos só
podem ser utilizados para a conversão em corpos cetônicos, sendo
chamados de cetogênicos (Figura 8.10) (Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier,
2012; Nelson e Cox, 2014).
Alguns aminoácidos ainda podem entrar em diferentes etapas do ciclo
de Krebs. Os aminoácidos arginina, glutamina, histidina e prolina são
convertidos em glutamato e depois convertidos em α-cetoglutarato
(intermediário do ciclo de Krebs). Os aminoácidos metionina, isoleucina,
treonina e valina são convertidos em succinil-CoA (intermediário do ciclo
de Krebs). A fenilalanina e a tirosina podem ser convertidas em fumarato
(interrnediário do ciclo de Krebs). Asparagina e aspartato são convertidos
em oxalacetato (intermediário do ciclo de Krebs). Alanina, cisteína, glicina,
serina e triptofano são convertidos em piruvato e posteriormente em
oxalacetato. Isoleucina, leucina, triptofano, fenilalanina, lisina e tirosina são
convertidas em acetil-CoA (entrada no ciclo de Krebs pela condensação
com o oxalacetato) (Figura 8.10) (Koolman e Röhm, 2005; Harvey e
Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Conclusão
Não poderíamos deixar de ressaltar a importância do aprendizado dessas
vias de obtenção de energia, tanto pelo cirurgião-dentista como por outros
profissionais da área da saúde, uma vez que os mesmos utilizam esses
conhecimentos para estratégias na prevenção ou tratamento de algumas
doenças. Alguns exemplos, entre outros, comuns na odontologia são: (1)
utilização do flúor como inibidor da via glicolítica (inibidor da enzima
enolase) de bactérias presentes no biofilme dentário, levando a menor
produção de lactato (ácido lático) ao final da via; (2) a diminuição da
ingestão de açúcar, solicitada pelo cirurgião-dentista, também visa (em um
dos mecanismos) reduzir a fonte energética para as bactérias presentes na
cavidade bucal; e (3) substituição do açúcar por adoçantes e outros
substitutos (como xilitol) que não podem ser utilizados como fonte
energética pelas bactérias colonizadoras (presentes no biofilme dentário),
diminuindo assim a produção de ácidos por essas bactérias e reduzindo ou
prevenindo o processo de desmineralização da superfície dentária.
Figura 8.10 Entrada dos aminoácidos no ciclo de Krebs.
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Nutrição
A nutrição é tópico importante para os profissionais da saúde, uma vez que
os alimentos ingeridos produzem substratos importantes para a obtenção de
energia e para as vias sintéticas. Uma dieta balanceada, tanto em relação à
qualidade, como à quantidade de macro- e micronutrientes, é essencial para
o funcionamento do organismo.
As proteínas estão entre os macronutrientes fundamentais da nutrição,
uma vez que apresentam funções dinâmicas e estruturais no organismo,
conforme abordado no Capítulo 2. As proteínas podem ser oriundas da
dieta ou ter origem endógena (hidrólise de proteínas teciduais ou
aminoácidos sintetizados a partir de intermediários do metabolismo).
A ingestão de proteínas da dieta é essencial, pois o nosso organismo
produz somente 11 aminoácidos dos 20 necessários para a síntese das
proteínas, e 9 deles devem ser consumidos na dieta a partir das fontes de
proteínas (os nove aminoácidos são: fenilanina, histidina, isoleucina,
leucina, lisina, metionina, treonina, triptofano e valina). Os aminoácidos
que devemos consumir são denominados aminoácidos essenciais, uma vez
que são necessários para produção de peptídios (p. ex., neurotransmissores)
e proteínas com diferentes funções no organismo. Determinados
aminoácidos são também utilizados para a produção de compostos
nitrogenados não proteicos (como creatinina, ácido úrico, bilirrubina e
outros pigmentos) (Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009;
Tymoczko et al., 2011).
Em relação às proteínas da dieta, nós as encontramos em carnes, leites
e derivados, assim como em alguns vegetais como feijão e soja. O valor
nutricional de um alimento é avaliado pela qualidade das proteínas, isto é,
pela composição em aminoácidos e digestibilidade (absorção). Os alimentos
de origem animal têm alto valor proteico em comparação aos de origem
vegetal, tanto pela quantidade e variedade de aminoácidos essenciais, como
pela ausência de fibras e pelo processo de aquecimento, os quais facilitam a
absorção. Assim, a dose diária de ingestão de proteínas pode variar de
acordo com a sua origem, sendo menor para os indivíduos que ingerem
alimentos derivados de animais, em comparação aos vegetarianos. A idade
e o gênero também podem ter influência sobre a dose diária de proteínas.
Outro fator determinante da dose diária de proteínas é a quantidade de
carboidratos ingeridos. Apesar de não terem como função principal a
obtenção de energia, as proteínas podem ser usadas para produção de
energia alternativa (10 a 15% do total), quando há redução na ingestão de
carboidratos e lipídios (períodos de jejum).
A desnutrição proteica pode ocasionar graves problemas de saúde,
uma vez que as proteínas têm funções importantes no organismo. Por outro
lado, o consumo excessivo de proteínas não possibilita o armazenamento
das mesmas; o excesso é convertido em lipídio.
A avaliação do metabolismo proteico de um indivíduo pode ser feita
pelo balanço de nitrogênio, que é a diferença entre a quantidade de
nitrogênio consumido e excretado. A excreção do nitrogênio se dá
fundamentalmente pela ureia, na urina (90%) e nas fezes (10%). Como
existem compostos nitrogenados não proteicos, e devido à dificuldade de
medir a excreção de nitrogênio por vias minoritárias (suor, unha, cabelo), o
balanço de nitrogênio é um método para a estimativa do balanço proteico.
Em geral, o indivíduo adulto deve estar em equilíbrio nitrogenado. O
balanço de nitrogênio positivo (ingestão > excreção) pode ocorrer durante o
crescimento, gravidez e lactação. Já o balanço negativo (ingestão <
excreção) ocorre durante o jejum, com dietas pobres em aminoácidos e
carboidratos, e em diversas condições patológicas, como diabetes, câncer,
infecções, queimaduras e cirurgias.
Diferentemente das proteínas, os carboidratos, outro exemplo de
macronutrientes, são utilizados basicamente para obtenção e
armazenamento de energia. Os monossacarídeos, dissacarídeos e
polissacarídeos são encontrados em frutas, mel, raízes e em alguns produtos
derivados de trigo. A glicose é um monossacarídeo muito importante para
os processos de metabolismo celular, sendo o principal substrato oxidável
para a maioria dos organismos. Quase todas as células são capazes de
atender às suas demandas energéticas a partir desse açúcar, mas algumas
células são estritamente dependentes desse carboidrato, como as hemácias e
as células do tecido nervoso (encéfalo). No caso das hemácias, isso se deve
ao fato de essas células não apresentarem mitocôndria para o metabolismo
aeróbico; já o encéfalo apresenta uma barreira para entrada de lipídios. A
oxidação de glicose gera certa quantidade de energia potencial, utilizada
como combustível para diversas funções celulares.
As fibras, por outro lado, são carboidratos não digeríveis pelo homem,
as quais retardam o esvaziamento gástrico e a absorção de nutrientes no
intestino. Fibras solúveis aumentam a viscosidade do bolo fecal e são
metabolizadas pelos microrganismos intestinais (p. ex., polpa de frutas,
vegetais, feijão, milho, aveia, cevada). Fibras não solúveis promovem
aumento da massa fecal, o que estimula o peristaltismo e acelera o trânsito
intestinal. Ainda causam sensação de maior saciedade (celulose encontrada
nos cereais integrais, legumes, frutas, verduras e sementes). As fibras
produzem diversos efeitos positivos à saúde, como a redução dos níveis de
colesterol plasmático e da glicemia após a alimentação, e ainda previnem
constipação intestinal. No entanto, doses exageradas reduzem a absorção de
nutrientes, por terem efeito laxativo e por interagirem com nutrientes,
formando complexos insolúveis.
Os lipídios, outro nutriente importante da dieta, são ingeridos a partir
dos óleos e das gorduras vegetal e animal, fornecendo os ácidos graxos
essenciais (linoleico – w-6; e α-linoleico – w-3), os quais são importantes
para o funcionamento do sistema nervoso, precursores dos eicosanoides (p.
ex., prostaglandina) e podem atuar como mensageiros intracelulares. Além
disso, os lipídios são veículos para absorção de vitaminas lipossolúveis e
são utilizados como fontes de energia, assim como os carboidratos. Para
satisfazer a necessidade de lipídios essenciais, são recomendados ácidos
graxos poli-insaturados encontrados em óleos vegetais (w-6) e peixes
marinhos (w-3), mantendo adequada relação entre w-6/w-3, uma vez que
são precursores de moléculas importantes e têm efeito benéfico na saúde
cardiovascular (Wijendran e Hayes, 2004). O óleo de peixe (w-3) apresenta
ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosa-hexaenoico (DHA), que
alteram a fluidez da membrana; interagem com fatores de transcrição; são
elementos reguladores de esteróis de ligação; e substratos para as enzimas
incluindo ciclo-oxigenase, lipo-oxigenase e citocromo P-450. Como
resultado, os óleos de peixe podem melhorar a saúde cardiovascular,
alterando o metabolismo lipídico, induzindo alterações hemodinâmicas,
arritmias decrescentes, modulando a função plaquetária, melhorando a
função endotelial e inibindo vias inflamatórias (Cottin et al., 2011).
Deve-se evitar o consumo de ácidos graxos saturados e trans (p. ex.,
gordura hidrogenada: margarina e óleo de fritura), com exceção do ácido
esteárico, uma vez que os ácidos graxos saturados e trans aumentam a
quantidade de lipoproteínas plasmáticas ricas em colesterol (LDL e VLDL),
que transportam os lipídios do fígado para os outros tecidos (Denke, 2006).
Os ácidos graxos saturados e trans reduzem os níveis de HDL, lipoproteínas
benéficas que transportam colesterol dos tecidos para o fígado, permitindo a
excreção do colesterol, e ainda alteram a viscosidade das membranas
plasmáticas, sendo relacionados ao entupimento de vasos sanguíneos,
podendo aumentar o risco ao infarto agudo do miocárdio. Nosso corpo
produz colesterol, portanto, mais importante do que evitar o consumo de
colesterol, é controlar a ingestão dos ácidos graxos saturados e trans. As
estatinas são usadas no tratamento de doenças cardiovasculares, pois inibem
a enzima HMG-CoA redutase (3-hidroxi-3-metil-glutaril-coenzima A
redutase), relacionada à formação de colesterol no fígado (Taylor et al.,
2013).
Por outro lado, ácidos graxos insaturados reduzem o nível plasmático
de LDL e VLDL, as lipoproteínas maléficas, sendo que os de cadeia poli-
insaturada causam discreta redução do HDL (lipoproteína benéfica), e os de
cadeia monoinsaturada (óleos de soja e canola), não. As fontes mais
importantes de ácidos graxos insaturados são os peixes, óleos de soja e
canola.
Os lipídios da dieta humana (triacilglicerol), uma vez absorvidos,
assim como aqueles sintetizados endogenamente, são distribuídos aos
tecidos pelas lipoproteínas plasmáticas, para serem utilizados como fonte de
energia (produção de ATP) ou para armazenamento na forma anidra
(triacilglicerol) nas células adiposas. Todos os nutrientes ingeridos em
excesso podem ser armazenados na forma de lipídios.
Uma vez absorvidos, os ácidos graxos são conduzidos aos tecidos
extra-hepáticos, enquanto o colesterol vai para o fígado. O triacilglicerol
presente nos quilomícrons é quebrado especialmente nos capilares do
músculo esquelético e do tecido adiposo. Os ácidos graxos livres entram
nas células musculares e adiposas, onde podem ser convertidos em energia
ou armazenados. O glicerol entra no fígado, onde pode ser utilizado para a
glicólise ou gliconeogênese. Os outros componentes dos quilomícrons
entram no fígado por endocitose e são aproveitados (Marzzoco e Torres,
2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
Dentre os micronutrientes obtidos pela dieta estão as vitaminas
hidrossolúveis (B e C) e lipossolúveis (K, A, D e E – derivadas do
isopreno). As vitaminas hidrossolúveis são importantes como cofatores de
reações metabólicas e atuam na produção de proteínas (p. ex., vitamina C,
na produção do colágeno). A vitamina C, além de participar da produção do
colágeno, ainda facilita a absorção do ferro no intestino. O ácido fólico, por
exemplo, tem importante papel no metabolismo e na biossíntese de
compostos, sendo sua deficiência comum e relacionada a quadros de
anemia e defeitos de formação do feto. Já as lipossolúveis atuam como
fatores antioxidantes (A, E e ainda a vitamina hidrossolúvel C), coagulantes
(K), nas reações da visão e crescimento (A) e na regulação do metabolismo
do cálcio (D). A vitamina A (retinoides) controla a expressão de queratina
na maior parte das células epiteliais, assim como influencia a reprodução, o
crescimento e o ciclo visual. Já a vitamina D (esteroides), que também atua
no núcleo, interfere na transcrição de proteínas relacionadas à manutenção
dos níveis plasmáticos de cálcio e fósforo, pelo aumento na captação do
cálcio no intestino, na redução da excreção e da reabsorção óssea. A
vitamina K participa na modificação pós-tradução de diferentes fatores de
coagulação; já a vitamina E previne a oxidação não enzimática dos
componentes celulares. As vitaminas hidrossolúveis são facilmente
excretadas, já as lipossolúveis podem acumular-se no tecido. Portanto, estas
últimas podem causar alguns efeitos colaterais em excesso.
Em relação aos íons (nutrientes inorgânicos), destacam-se cálcio,
fosfato, sódio, potássio, magnésio, ferro e selênio. Esses micronutrientes
atuam como cofatores enzimáticos, sistema antioxidante e na manutenção
dos tecidos duros, como ossos e dentes.
Com base no conhecimento dos macro e micronutrientes da dieta, o
aluno deve estar atento a alguns conceitos importantes na utilização dos
mesmos. A energia metabólica basal é a quantidade de energia necessária
para a manutenção dos processos vitais básicos (@ 1.200 a 1.800 kcal/dia).
Algumas atividades essenciais à sobrevivência, como o transporte ativo,
consomem 50% dessa energia. A taxa metabólica basal é medida pela
produção de calor ou consumo de oxigênio por um sujeito em repouso e
acordado, 12 h após a última refeição. O valor está intimamente relacionado
à quantidade de massa magra, à idade e ao gênero. A energia metabólica
basal, somada à energia dispendida para a realização de atividades físicas,
desde leves a intensas, compõe a necessidade energética diária do
indivíduo.
Já o equilíbrio energético se refere ao conceito de que a ingestão
calórica (necessidade energética diária) deve contrabalancear o gasto de
energia, de modo a manter o peso corpóreo (Figura 9.1). A ingestão calórica
deve ser composta de maneira balanceada por: carboidratos (45 a 65%),
lipídios (25 a 30%) e proteínas (10 a 15%) (Figura 9.2).
Figura 9.1 Equilíbrio energético é o balanço entre a ingestão calórica e o gasto de energia para a
manutenção do peso. Alterações no equilíbrio podem levar ao aumento ou à diminuição do peso
corpóreo, como constantemente abordado na mídia.
Figura 9.2 Proporção de nutrientes da dieta.
Metabolismo
Glicose
A glicose pode ser: (1) transportada para todos os tecidos, sendo este evento
importante para tecidos estritamente dependentes de glicose, como as
hemácias e as células nervosas, para a obtenção de energia; (2) oxidada
(glicólise, aeróbica ou anaeróbica ou por via pentose fosfato); (3)
armazenada como glicogênio no fígado e no músculo; ou (4) transformada
em glicerol 3 P ou em ácido graxo via acetil-CoA, quando em excesso
(Figura 9.5). A maior parte da glicose é transformada em glicogênio e
ácidos graxos no fígado (50 a 60%), e outra parte transportada pela corrente
sanguínea para tecidos dependentes de glicose e para tecido muscular e
adiposo. A oxidação dos ácidos graxos fornece a maior parte de ATP
necessária ao fígado e a outros tecidos, com exceção das hemácias e do
tecido nervoso (encéfalo). Portanto, pouca glicose é oxidada no fígado, e
apenas no período imediato à refeição. No tecido adiposo, a oxidação da
glicose fornece glicerol-fosfato para a produção do triacilglicerol
(Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
Assim, o fígado ajuda na manutenção da glicemia, utilizando o
excedente de glicose na produção de glicogênio. A degradação e a síntese
de glicogênio são efetuadas por vias distintas e opostas. O glicogênio é
degradado por atuação da enzima glicogênio fosforilase, que é ativada
quando fosforilada por ativação hormonal glucagon via cAMP e PKA. A
glicogênio fosforilase também sofre regulação alostérica, sendo importante
efetor positivo, o AMP. O glicogênio libera várias moléculas de glicose-1-
fosfato (P), que são isomerizadas em glicose-6-P, podendo sofrer glicólise
ou ser liberada no sangue para manutenção da glicemia. Já a síntese de
glicogênio ocorre por atuação da glicogênio sintase, que é ativada quando
desfosforilada, via oposta à descrita anteriormente (efeito da insulina). A
glicogênio sintase sofre principalmente regulação covalente, mas também
alostérica (efetor positivo – glicose-6-P).
A regulação do metabolismo do glicogênio hepático é semelhante ao
muscular. A maior diferença é que no músculo a epinefrina é que coordena
a degradação do glicogênio, via PKA, enquanto no fígado esse efeito é
guiado pelo glucagon (epinefrina tem efeito secundário no fígado). Outro
mecanismo de ativação da glicogenólise no músculo é o estímulo nervoso,
por meio da ligação do cálcio à enzima. Assim, o destino da glicose nesses
dois tecidos é diferente: enquanto a degradação do glicogênio muscular tem
a finalidade de obtenção de energia pela glicólise; no fígado, a glicose
obtida é transportada para o sangue, para a manutenção da glicemia.
A glicólise é realizada em todas as células, enquanto a gliconeogênese
é via antagônica que ocorre especialmente no fígado e com menor
importância no córtex renal. A regulação diferencial entre as duas vias
ocorre com as enzimas que catalisam reações irreversíveis. No caso da
glicólise, as enzimas são a glicoquinase, fosfofrutoquinase 1 e piruvato
quinase; já na gliconeogênese, a glicose-6-fosfatase, frutose 1,6-bifosfatase,
fosfoenolpiruvato carboxiquinase e a piruvato carboxilase.
As propriedades da glicoquinase, aliadas às do GLUT2, capacitam o
fígado a fazer ajustes na glicemia e utilizar a glicose apenas quando ela for
realmente abundante. Já as hexoquinases, encontradas nos outros tecidos,
apresentam afinidade maior pela glicose, sendo esta transportada com mais
facilidade. Por outro lado, a glicose-6-fosfatase, enzima com efeito oposto à
quinase, é ativada quando há excesso de glicose-6-P, em processos opostos
a glicólise, como a glicogenólise e a gliconeogênese.
Figura 9.5 Distribuição e vias do metabolismo do carboidrato (glicose).
Lipídios
Os lipídios podem ser utilizados para: (1) a produção de lipídios hepáticos e
o armazenamento nas células adiposas; (2) a distribuição aos tecidos,
através de lipoproteínas plasmáticas (LDL e VLDL) e ácidos graxos livres,
e para serem oxidados (b-oxidação), para obtenção de energia; e (3) serem
utilizados para a produção de hormônios esteroides e sais biliares (a partir
do colesterol via HDL) no fígado; (4) os lipídios podem ainda ser
utilizados, pelo fígado, em um período de jejum para a produção de corpos
cetônicos (Figura 9.6) (Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009;
Tymoczko et al., 2011).
A degradação dos triacilgliceróis, o principal lipídio de reserva, é
desencadeada por glucagon e epinefrina (via cAMP/PKA que fosforila e
ativa a lipase hormônio sensível), e inibida por insulina. Os ácidos graxos
são utilizados para obtenção de energia a partir da β-oxidação, por tecidos
como músculos e fígado, e o glicerol é usado para a gliconeogênese
(produção de glicose a partir de moléculas que não são carboidratos). A β-
oxidação dos ácidos graxos não é submetida ao controle alostérico ou por
modificação covalente; o seu funcionamento está subordinado ao
suprimento do substrato, coenzima A, NAD+ e FAD (dependentes da cadeia
de transporte de elétrons).
Já a síntese de ácidos graxos pelo fígado e tecido adiposo ocorre pela
produção de malonil-CoA a partir de acetil-CoA, catalisada pela acetil-CoA
carboxilase. O citrato (razão ATP/ADP alta) é o efetor alostérico positivo, e
a palmitoil-CoA (produto da reação), o efetor negativo dessa enzima. A
palmitoil-CoA inibe a tricarboxilato translocase (transferência de citrato
para o citosol), e a citrato liase (recupera acetil-CoA a partir do citrato),
reduzindo a síntese de ácidos graxos. O glicerol 3-P, no fígado, pode ser
formado pela redução da di-hidroxiacetona fosfato e pela fosforilação do
glicerol pela glicerol quinase. Os triacilgliceróis (ácido graxo + glicerol)
podem ser produzidos no fígado e tecido adiposo, enquanto o ácido graxo é
produzido especialmente no fígado ou fornecido pela dieta. Quando há
excesso de malonil-CoA, esta inibe a carnitina acil-transferase I, enzima
responsável pela introdução dos radicais acilas na mitocôndria e pela β-
oxidação (degradação do ácido graxo). Assim, durante a síntese de ácidos
graxos, a sua degradação é reprimida.
Figura 9.6 Distribuição e vias do metabolismo do ácido graxo.
Aminoácidos
Os aminoácidos podem ser utilizados de várias maneiras, como por
exemplo: (1) síntese de proteínas hepáticas e nucleotídios, hormônios e
porfirinas (por outros tecidos); (2) distribuição aos tecidos, através de
lipoproteínas plasmáticas e aminoácidos livres no sangue; (3) serem
oxidados e utilizados para a produção de energia pelo ciclo de Krebs, ou
quando em excesso, de ácido graxo (pelo acúmulo de citrato); e (4) são
especialmente importantes no processo de gliconeogênese, quando
aminoácidos glicogênicos são transformados em piruvato ou derivados do
ciclo de Krebs, levando à produção de glicose no fígado e nos rins, a qual é
transportada para o sangue para manter a glicemia (Figura 9.7) (Marzzoco e
Torres, 2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
Na hipoglicemia (diminuição da concentração de glicose no sangue), o
fígado primeiramente quebra o glicogênio (glicogenólise) para o
fornecimento de glicose para tecidos estritamente dependentes. Em um
segundo momento, sintetiza a glicose a partir de moléculas que não são
carboidratos, como aminoácidos, lactato e glicerol, processo denominado
gliconeogênese. A maioria dos aminoácidos é metabolizada, de modo a
produzir alanina e glutamina; a transaminase específica para aminoácidos
ramificados está ativada no músculo para a produção de alanina, a qual é
transportada ao fígado. A alanina é captada especialmente no fígado, onde
seu α-cetoglutarato é transformado em piruvato, que é carboxilado a
oxalacetato na mitocôndria. O oxalacetato é então transferido ao
citoplasma, formando fosfoenolpiruvato. Assim, produz-se glicose, e o
grupo amina do aminoácido dá origem à ureia (ciclo da ureia), que é
excretada. A glutamina é utilizada nos rins; enquanto seu esqueleto de
carbono é usado para produção de glicose, a amina é transformada em íon
amônio. A amônia tem importante função na manutenção do pH
plasmático, que é reduzido em função da produção de corpos cetônicos.
Em período de jejum prolongado, os lipídios passam a ser oxidados, e
há produção de corpos cetônicos, os quais são importantes para os tecidos
estritamente dependentes de glicose, que passam a oxidá-los. Quando há
degradação das proteínas, o balanço do nitrogênio é negativo, uma vez que
o ciclo da ureia está ativado pela ação alostérica sobre a carbamoil-P sintase
I, estimulada por N-acetilglutamato, composto produzido a partir de acetil-
CoA e glutamato.
Figura 9.7 Distribuição e vias do metabolismo da proteína (aminoácido).
Idade de início Infância e puberdade Acima dos 35 anos (atualmente cada vez
mais precoce)
Conclusão
Os diferentes processos de regulação integrada visam estabelecer um nível
de glicose plasmático constante, além de outros nutrientes, satisfazendo as
necessidades dos diferentes tecidos.
O conhecimento sobre metabolismo é muito importante para os
profissionais da saúde, uma vez que distúrbios no controle do metabolismo
podem levar ao aparecimento de doenças crônicas como diabetes e
hipertensão, que, quando não controladas, podem ter impacto direto durante
a realização de procedimentos invasivos como cirurgia e no processo de
reparo. Revisões sistemáticas têm apontado que o diabetes melito tipo 2
pode ser considerado fator de risco à periodontite (Khader et al., 2006;
Chávarry et al., 2009), assim como o controle da doença periodontal parece
ter impacto na glicemia em pacientes com diabetes melito tipo 2 (Janket et
al., 2005; Darré et al., 2008; Teeuw et al., 2010), informação que precisa
ser confirmada com estudos clínicos longitudinais, randomizados e
controlados.
Em relação à fonoaudiologia, apesar da falta de validade científica,
pacientes com diabetes melito frequentemente apresentam sintomas como
tontura, zumbidos, hipoacusia e perda auditiva (Klagenberg et al., 2007;
Diniz e Guida, 2009). A angiopatia e a neuropatia causadas pelo diabetes
melito têm sido consideradas importantes fatores responsáveis pelas
manifestações vestibulococleares nesses pacientes. No entanto, de acordo
com Maia e Campos (2005), existe controvérsia no que se refere à
etiopatogênese da perda auditiva, sendo que parte dos autores advoga que
ela ocorra devido à neuropatia, outra parte à angiopatia, e outra, ainda, à
associação das duas. Há também os que entendem que o diabetes melito e a
perda auditiva poderiam ser partes integrantes de uma síndrome genética, e
não dependentes entre si, ressaltando a importância do conhecimento básico
para o entendimento das ocorrências clínicas.
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N
este capítulo abordaremos os mecanismos envolvidos na contração
muscular, assim como as fontes de energia utilizadas nesse processo.
Nosso principal foco será o músculo esquelético amplamente utilizado na
Odontologia e na Fonoaudiologia durante a fala, a deglutição e a
mastigação. Os músculos esqueléticos apresentam característica
microscópica de estrias, contraindo-se diante de impulsos nervosos
motores. Ainda temos os músculos cardíacos, com características similares
às do esquelético, porém sob controle involuntário. A musculatura lisa
presente nos vasos sanguíneos e no sistema digestório não apresenta
características estriadas e se contrai involuntariamente (Figura 10.1).
Falaremos um pouco sobre musculatura lisa ao final do capítulo.
O processo de contração muscular tem características peculiares,
porém outras células também apresentam mobilidade devido à presença de
filamentos contráteis, como a actina e a miosina, e também dos
microtúbulos. A mobilidade é importante para eventos como mitose,
pinocitose, exocitose e fagocitose. Os microtúbulos são formados por uma
proteína denominada tubulina e são encontrados nos fusos mitóticos, nos
cílios e flagelos (além da tubulina encontramos dineína), e como elementos
de sustentação da célula. Uma abordagem mais detalhada poderá ser
encontrada em livros sobre Citologia e Histologia.
Musculatura esquelética
As fibras musculares são células longas multinucleadas que formam os
músculos esqueléticos. Apresentam sarcolema (membrana plasmática) e
sarcoplasma (citoplasma), o qual é preenchido por centenas de fibrilas
denominadas miofibrilas, embebidas em um fluido rico em enzimas,
aminoácidos, carboidratos, íons, ATP, entre outros constituintes. Essas
células apresentam retículo sarcoplasmático com importante função no
processo de contração muscular, como veremos na sequência (Figura 10.2).
Dependendo do tipo de fibra muscular e sua atividade (aeróbica ou/e
anaeróbica), a isoforma de algumas proteínas-chave na contração e o
número de mitocôndrias, mioglobulinas e citocromos podem variar.
As miofibrilas são formadas basicamente por dois tipos de filamentos
proteicos: os filamentos grossos e os filamentos finos. A relação entre esses
dois tipos de filamentos é o que causa a aparência estriada da fibra muscular
e o aparecimento de zonas ao microscópio eletrônico. As zonas claras
formam as bandas I (isotrópicas: apresentam propriedades físicas
uniformes), que contêm somente filamentos finos; as zonas escuras formam
as bandas A (anisotrópicas – birrefringentes), que contêm uma sobreposição
de filamentos grossos e finos (Figura 10.3). Cada filamento grosso está
circundado por seis filamentos finos. Os filamentos grossos ocupam toda a
banda A, já os filamentos finos ocupam metade de uma banda A, passam
pela banda I e ocupam metade de outra banda A (Marzocco e Torres, 2007;
Schiaffino e Reggiani, 2011).
Os filamentos grossos são constituídos basicamente por miosina, uma
proteína com seis cadeias polipeptídicas, sendo duas maiores (as cadeias
pesadas) e quatro menores (as cadeias leves). Os filamentos se organizam
em uma porção fibrosa, a cauda da miosina, e em duas porções globulares,
as cabeças da miosina (aparência similar ao “taco de golfe”) (Figura 10.4).
A cauda se forma pelo entrelaçamento das duas cadeias α-hélice pesadas; já
as cabeças se formam pela união das cadeias pesadas e leves. Cada cabeça
contém um domínio catalítico e um domínio mecânico. O domínio
catalítico contém a enzima ATPase e o sítio de ligação aos filamentos finos;
já o domínio mecânico se situa entre o catalítico e a cauda e apresenta dois
pontos de articulação, os quais permitem movimentação (“braço-alavanca”)
durante a contração (Marzocco e Torres, 2007).
Conclusão
O conhecimento sobre os mecanismos envolvidos na contração muscular é
de suma importância para alunos de graduação e pós-graduação em
Odontologia e em Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de
assuntos envolvendo o sistema estomatognático nas disciplinas de
Fisiologia, Motricidade Oral e Fala, Clínica Integrada Reabilitadora e
Disfunção Temporomandibular. Portanto, esse conhecimento poderá ser
aplicado em disciplinas teórico-práticas afins, nas pesquisas laboratoriais e
clínicas, e no diagnóstico e na conduta clínica dos pacientes. Avanços nesse
campo de pesquisa trarão importantes contribuições para o tratamento de
distúrbios envolvendo a fala, a deglutição, a mastigação, assim como para o
tratamento das disfunções temporomandibulares.
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M
ineralização biológica é definida como uma sequência de eventos por
meio dos quais células específicas formam uma matriz orgânica, na
qual sais de fosfato de cálcio insolúveis são depositados. Essa capacidade
de produzir um tecido ou estrutura mineralizada é bastante utilizada por
ampla variedade de seres vivos, desde seres unicelulares capazes de
produzir pequenos cristais, passando por organismos marinhos como ostras
e corais, até os seres humanos. Percebemos que existem pontos similares
usados na síntese desses tecidos mineralizados, além de elementos comuns
na sua constituição, como o cálcio e o fosfato em suas formas iônicas. Entre
suas funções, a maioria dos tecidos mineralizados é envolvida com
mecanismos de proteção/defesa, locomoção, reservatório de íons, entre
outros (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013;
Nudelman, 2015).
Considerando os tecidos mineralizados no homem, temos quatro tipos,
também chamados tecidos duros: osso, cemento, dentina e esmalte. Neste
capítulo, vamos abordar detalhes da mineralização desses quatro tipos de
tecidos. Três deles – osso, cemento e dentina – apresentam diversas
semelhanças (Nanci, 2008; Nicolau, 2008). O esmalte, como veremos
adiante, apresenta características peculiares, e por isso será descrito
separadamente. Alguns detalhes de composição e estrutura serão abordados
nos Capítulos 12 e 13.
Componente orgânico
Os tecidos mineralizados (esmalte, osso, cemento e dentina) são formados
por células, constituintes orgânicos produzidos por estas (Tabela 11.1) e
constituintes inorgânicos, sendo os principais cálcio e o fosfato.
Primeiramente, é formada a matriz orgânica, responsável pela orientação e
modulação do processo de mineralização de cada tipo de tecido. O colágeno
é a principal proteína componente da estrutura de suporte dos tecidos
conjuntivos mineralizados (com exceção do esmalte). Além do colágeno, a
matriz apresenta outras proteínas dependendo do tecido, como as
proteoglicanas (disco hipofisário cartilaginoso), macromoléculas formadas
por proteínas conjugadas, assim como lipídios (fosfolipídios) e
polissacarídeos sulfatados ou glicosaminoglicanos. A dentina, por exemplo,
é rica em fosforinas (proteínas fosforiladas) (Bonucci, 2002; Golub, 2009;
Nudelman et al., 2013; Millán e Whyte, 2016).
O colágeno, a amelogenina, as proteoglicanas, as glicoproteínas e
algumas enzimas, juntamente com as células, determinam a natureza da
matriz, enquanto as fosfoproteínas, os proteolipídios e os fosfolipídios
servem como nucleadores de minerais. A distribuição de cada proteína da
matriz, determinada pela presença de glicosaminoglicanos, tem influência
decisiva sobre o modo como ocorrerá a deposição dos sais de fosfato de
cálcio. Por exemplo, quando o colágeno se distribui de forma circular e
paralela, tem-se a formação de osso tipo haversiano. Quando a formação do
colágeno se dá em rede, aprisionando as células durante a mineralização,
tem-se a formação de cemento. Na dentina, a distribuição da rede colágena
no formato de rede entrelaçada permite que a mineralização ocorra
respeitando não só o odontoblasto, que fica fora da matriz que se
mineraliza, mas também a porção de célula que percorre o interior dessa
rede, determinando a existência de canais após a mineralização, por onde
passam os prolongamentos dos odontoblastos. Já no esmalte, as moléculas
de amelogenina se distribuem paralelamente ao seu longo eixo, permitindo,
após a mineralização, a formação dos chamados prismas de esmalte
(Bonucci, 2002; Golub, 2009; Margolis et al., 2014; Nanci, 2008; Nicolau,
2008; Nudelman et al., 2013).
Tabela 11.1 Constituintes celulares e orgânicos dos tecidos mineralizados.
Componente inorgânico
Nos tecidos mineralizados, podem ser encontrados sais de carbonato de
cálcio (em unicelulares e vegetais) e sais de fosfatos de cálcio (em animais
superiores). O carbonato de cálcio pode ser encontrado também em cálculos
renais e dentários, sendo estas condições patológicas de deposição de
mineral. Há diferentes tipos de sais de fosfato de cálcio: fosfato monocálcio
(MCP), fosfato dicálcio (DCP), fosfato dicálcio di-hidratado (DCPD),
fosfato tricálcio (TCP), fosfato octacálcio (OCP) e as bioapatitas, que não
são puras (hidróxi, flúor, magnésio e carbonato apatita). Nos mamíferos, o
principal sal de fosfato de cálcio encontrado é a hidroxiapatita (HAP):
Ca10(PO4)6(OH)2 (Nanci, 2008; Bonucci, 2012; 2014; Hirasawa e Kuratani,
2015).
O cristal de apatita tem o formato de um prisma hexagonal envolvido
por uma camada de íons adsorvidos, os quais, se positivamente carregados
(cátions), poderão trocar com o cálcio (Fe+2, Na+, Mg+2, Zn+2, Cu+2), e, se
negativamente carregados (ânions), poderão trocar com a hidroxila (OH–)
ou mesmo com o fosfato (PO4–3), como é o caso do Cl–, do F– e do CO3–2. A
maior parte desses íons se encontra nos fluidos bucais ou na camada de
hidratação que envolve os cristais de apatita. Assim como alguns íons
(bicarbonato, citrato, fosfato, cálcio, magnésio, potássio e sódio) podem se
ligar ao cristal, algumas proteínas também o fazem (osteocalcina,
osteonectina) (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Esses diferentes íons podem influenciar a formação e a estabilidade da
apatita. Para que um material cristalino insolúvel se forme, é necessário que
íons estejam bem próximos e contenham energia de colisão suficiente e
orientação adequada para a formação de núcleos críticos, definidos como a
menor combinação estável de íons com a estrutura do material cristalino em
solução. A esse processo de formação do núcleo crítico de precipitação dá-
se o nome de nucleação. Uma vez formado o núcleo crítico, a adição de
mais íons ou aglomerados de íons resulta no crescimento do cristal no longo
eixo. A existência de um catalisador, assim como a agitação da solução,
pode acelerar o processo de crescimento do cristal. Por outro lado,
inibidores de nucleação, como magnésio, carbonato, pirofosfato inorgânico
(PPi), ATP ou GDP, podem impedir o mecanismo de mineralização (Nanci,
2008; Golub, 2009; Omelon et al., 2013).
Tipos de cristais
Conforme a matriz orgânica é produzida, inicia-se a deposição de sais de
cálcio, havendo duas hipóteses para explicar esse fenômeno: (1) o fosfato
de cálcio já se precipita na forma de HAP diretamente na matriz orgânica
formada; ou (2) o fenômeno ocorre em várias etapas, começando com a
precipitação de fosfato de cálcio amorfo que, em seguida, é transformado
em OCP, que por fim é transformado em HAP (Bonucci, 2002; Nanci,
2008; Nicolau, 2008; Omelon et al., 2013).
De acordo com a segunda hipótese, devido à ação da fosfatase alcalina,
uma hexose-fosfato libera íons fosfato para o meio, os quais se ligam ao
cálcio, depositando-se na forma de TCP amorfo. As dez unidades de TCP
originam três HAP com liberação de 6 H+ e 2 PO4–3. Para que ocorra a
precipitação do TCP, as concentrações de cálcio e fosfato devem ser altas, a
fim de que o TCP alcance o ponto de saturação. No entanto, as quantidades
de hexose-fosfato e fosfatase alcalina, apesar de altas, não são suficientes
para aumentar expressivamente a concentração de cálcio e fosfato. Por isso,
surgiu a grande questão: qual seria o mecanismo inicial de mineralização?
Como se iniciam as primeiras precipitações de sais de cálcio insolúvel sobre
a matriz orgânica? Isso porque, após a primeira precipitação, o próprio
precipitado inicial poderia passar a ser um núcleo indutor, um catalisador,
para que o processo pudesse continuar mesmo em níveis mais baixos de
concentração (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Omelon et al.,
2013).
Essa questão permanece sem resposta, devido à complexidade do
fenômeno em si e ao controle que a célula exerce sobre o mesmo. Para
explicar o mecanismo de mineralização inicial, várias teorias foram
desenvolvidas, conforme descrito a seguir.
Teorias da mineralização
Uma das primeiras teorias do processo de mineralização biológica,
levantada há quase 100 anos, propõe que uma enzima, a fosfatase alcalina,
seria a principal responsável pelo processo, agindo sobre ésteres-fosfato e
liberando o fosfato. Desde a sua formulação, surgiram outras evidências,
descobertas, dúvidas e contrapontos (ou quase contradições) (Nanci, 2008;
Nudelman et al., 2013).
Dentre as diferentes teorias propostas, podemos classificar duas linhas
principais de raciocínio: as vesículas de matriz (VM) e a nucleação
heterogênea (Nanci, 2008).
No primeiro mecanismo, a VM está relacionada ao início do processo
de mineralização. A VM é uma estrutura pequena (diâmetro de 20 a 200
nm), rodeada por membrana, que brota da célula para formar uma unidade
independente dentro da matriz orgânica dos tecidos mineralizados,
previamente formada, sendo encontrada em regiões de matriz pré-
mineralizadas, como osso, cartilagem e dentina. É frequentemente
associada à formação de pequenos cristais de mineral (fosfato de cálcio) no
seu interior (Nanci, 2008; Golub, 2009).
As VMs foram originalmente descobertas por meio de exame
ultraestrutural da cartilagem da placa de crescimento e nos ossos, onde
foram apontadas como os locais iniciais da formação mineral, antes da
mineralização da matriz. Em análises subsequentes, descobriu-se que elas
são derivadas da membrana plasmática de células formadoras de minerais
(condrócitos, osteoblastos, odontoblastos), mas apresentam composição
diferente da membrana. As VMs são enriquecidas em fosfatase alcalina
tecido-inespecífica (TNAP), nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase
(NPP), anexinas (ANX; principalmente anexinas II, V e VI) e
fosfatidilserina (PS), em relação às membranas das quais derivam. As VMs
também contêm metaloproteinases de matriz (MMPs). Recentemente, a
análise proteômica da VM isolada de cartilagem e osteoblastos em cultura
confirmou e ampliou a lista de componentes de proteína da VM, incluindo
as proteínas de ligação de proteoglicanos e actina, uma variedade de
integrinas e PHOSPHO-1, uma fosfatase recém-descoberta, conhecida por
ser expressa na VM de cartilagem hipertrófica e em osteoblastos
mineralizantes (Nanci, 2008; Golub, 2009; Nudelman et al., 2013).
Atualmente, acredita-se que a VM tenha pelo menos dois papéis
principais na iniciação da mineralização: (1) enzimas da VM regulam a
relação de Pi para PPi no fluido extracelular; e (2) as proteínas e os lipídios
da VM, incluindo fosfolipídios acídicos, servem como locais de nucleação
para a deposição da apatita. O PPi, derivado tanto de NPP1 catalisada pela
hidrólise de NTP extracelular quanto de PPi intracelulares transportados
através de ANK (canal transportador de PPi, do inglês ankylosis), inibe a
mineralização da matriz. Essa inibição é revertida pela ação de TNAP, que
hidrolisa o PPi, removendo o inibidor e fornecendo Pi adicional para
formação de minerais (Figura 11.1) (Nanci, 2008; Golub, 2009; Nudelman
et al., 2013).
Figura 11.1 Esquema da vesícula de matriz e seus principais componentes. Note a dinâmica do
transporte de íons cálcio e fósforo. Pi: fósforo inorgânico; PPi: pirofosfato inorgânico; TNAP: fosfatase
alcalina tecido-inespecífica; NPP1: nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase 1; PCho: fosfatidilcolina;
PEA: fosfatidiletanolamina.
Osso
Células ósseas
Diferentes células são responsáveis pela formação, reabsorção e
manutenção óssea. Há duas linhas de células com funções específicas:
células osteogênicas, que formam e mantêm o osso (osteoprogenitoras, pré-
osteoblastos, osteoblastos, osteócitos e células da linhagem óssea), e
osteoclastos que reabsorvem o osso (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Golub,
2009; Nudelman et al., 2013; Green et al., 2014).
Os osteoblastos são as células produtoras de tecido ósseo, derivadas de
células mesenquimais (esqueleto) e de células ectomesenquimais (cabeça).
A diferenciação dessas células é um processo de múltiplos passos,
estimulada por citocinas, fatores de crescimento e hormônios que fazem
parte de um complexo padrão de sinalização. Alguns osteoblastos formam o
tecido ósseo e se incorporam a ele. Quando isso ocorre, os osteoblastos
passam a ser chamados de osteócitos (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau,
2008).
As células da linhagem óssea são encontradas na superfície óssea,
servindo como barreira para determinadas substâncias, bem como fazem
interconexão com os osteócitos dentro do tecido, agindo na homeostasia do
tecido e assegurando a vitalidade óssea. Os osteoclastos são células
grandes, de origem hematopoética, com vesículas e vacúolos que
permanecem nas depressões das superfícies ósseas, chamadas lacunas de
Howship, produzidas pelos próprios osteoclastos. Essas células aderem ao
osso por meio de vários mecanismos e criam um microambiente ácido pela
ação de bombas de prótons que desmineralizam o osso e expõem a matriz
orgânica. Na sequência, degradam a matriz exposta por ação de enzimas e
realizam a endocitose dos produtos por meio da borda em escova,
acondicionando-os em vesículas de transporte e liberando-os no outro lado
da membrana (Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013).
Matriz orgânica
Os osteoblastos produzem primeiramente a substância osteoide (matriz
orgânica), rica em colágeno tipo I (90%). A zona osteoide é rica em
proteoglicanas ácidas, nas quais as moléculas de colágeno são
polimerizadas em fibrilas colágenas cujo bandeamento é de 68 a 70 nm. A
distância entre moléculas dentro da fibra tem sido calculada entre 1,12 e
2,21 nm. A disposição de moléculas colágenas adjacentes ao longo do plano
axial produz regiões intrafibrilares, nas quais moléculas se sobrepõem
alternadamente, produzindo zonas densas, sendo separadas por gaps,
criando zonas de buraco e, consequentemente, formando estrias e canais
intrafibrilares. O arranjo das fibrilas colágenas muda conforme o tipo de
osso, tendo influência sobre a quantidade de proteínas não colágenas
encontradas e na maneira como ocorrerá a mineralização. As moléculas de
colágeno são estabilizadas por ligações intra e intermoleculares, que podem
ser responsáveis pelo baixo grau de solubilidade do colágeno ósseo
(Bonucci, 2002; 2012; Golub, 2009).
Os outros 10% da matriz orgânica são formados por proteínas não
colágenas ou outras moléculas, como glicosaminoglicanos (condroitina
sulfato), proteoglicanas (Gla-proteínas), osteocalcina e glicoproteínas
fosforiladas (osteonectina, osteopontina, sialoproteína, proteínas da matriz
dentinária 1), fosfatase alcalina, fatores de crescimento osteogênico (TGF-β
e BMP), enzimas, assim como fosfolipídios. As proteínas não colágenas
apresentam alta afinidade com cálcio e ocupam espaços interfibrilares
(Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013).
As proteoglicanas são produzidas a partir de pequenas moléculas (p.
ex., decorin, biglican e lumican), mas suas quantidades variam conforme o
tipo de osso; dentro do mesmo osso, diminuem, conforme o aumento do
grau de mineralização do tecido. As proteoglicanas consistem em
osteocalcina e proteína-Gla da matriz, sendo a primeira encontrada em
tecidos ósseos e a segunda, em tecidos duros e moles. As glicoproteínas,
além de localizadas nos espaços interfibrilares, podem ser componentes
intrínsecos das fibrilas colágenas. A maioria das glicoproteínas é
fosforilada, incluindo osteonectina, osteopontina, sialoproteína óssea,
proteínas da matriz dentinária 1, fosfoglicoproteínas da matriz extracelular
e alfa-2-glicoproteína-HS (HSa2). A fosfatase alcalina é outra glicoproteína
encontrada em membranas celulares, vesículas de matriz e matriz óssea.
Lipídios aparecem na matriz óssea na forma de complexos fosfolipídios-
cálcio e podem estar associados a membranas celulares. Algumas dessas
proteínas não colágenas podem tanto inibir como promover o processo de
mineralização, dependendo da concentração e de estarem livres (inibidoras)
ou ligadas a um componente fixo (promotoras) (Nanci, 2008; Nicolau,
2008; Golub, 2009; Millán e Whyte, 2016).
Minerais
Durante a formação da matriz os osteoblastos captam íons cálcio e fosfato a
partir do contato com vasos sanguíneos, sendo estes íons armazenados em
mitocôndrias. Com o acúmulo de cálcio e fosfato nas mitocôndrias, ocorre o
brotamento de VM a partir da membrana celular, rica em fosfolipídios que
atraem cálcio. Essas vesículas também contêm enzimas, como a fosfatase
alcalina e a ATPase, que podem quebrar precursores, liberando fosfato. O
nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase 1 (NPP1) catalisa a formação de
PPi a partir de nucleosídios trifosfatos, que são a maior fonte de PPi. Já a
fosfatase alcalina é responsável pelo aumento no suprimento de fósforo,
transporte de cálcio e fosfato nas vesículas da matriz e remoção de
inibidores de formação de mineral, como o PPi (transforma PPi em 2 Pi).
Portanto, o balanço da atividade dessas duas enzimas pode regular a
concentração local de PPi e, consequentemente, a proporção de fosfato de
cálcio amorfo e hidroxiapatita (HAP). Essas vesículas da matriz se
acumulam na zona de calcificação, onde se desintegram e liberam o fosfato
de cálcio insolúvel (Nanci, 2008; Golub, 2009; Millán e Whyte, 2016).
Entre as células e a matriz mineralizada há uma camada de osteoide
que possui fibras colágenas arranjadas fraca e aleatoriamente, em
comparação à zona submetida à mineralização, e não apresenta
determinadas proteínas relacionadas à mineralização. A primeira deposição
do fosfato de cálcio se inicia na zona de buraco da fibrila colágena. Tanto o
fosfato de cálcio amorfo como a HAP são encontrados dentro da vesícula,
assim como na região de mineralização ao redor das fibras colágenas. É
provável que a conversão de fosfatos de cálcio amorfo em HAP tenha início
nas próprias vesículas e atinja maior grau de desenvolvimento nas fibrilas
colágenas. Portanto, o osso é formado por dois fosfatos de cálcio distintos:
fase amorfa e fase cristalina da apatita. A fase amorfa é depositada
primeiramente e serve como precursora para a formação da apatita. Há
controvérsias em relação ao tipo de sal de fosfato de cálcio presente nas
vesículas, se é fosfato de cálcio amorfo ou HAP. Com base nisso, acredita-
se que tanto as vesículas de matriz como o colágeno podem agir como
nucleadores de mineralização. Outros autores acreditam que o colágeno não
tem função nucleadora, e somente algumas proteínas não colágenas têm
essa capacidade, por apresentarem forma estequiométrica para tal função
(Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Bonucci, 2012; 2014).
As proteínas não colágenas parecem estar envolvidas no processo de
mineralização, já que aderem aos minerais, sendo extraídas ou coradas
somente depois da desmineralização. As glicoproteínas parecem estar
envolvidas no transporte extracelular de cálcio aos sítios de mineralização e
podem servir como nucleadoras ou inibidoras da cristalização, dependendo
do tipo de terminal da cadeia de aminoácidos que está exposto no meio. As
glicoproteínas são ativadas quando clivadas em duas partes menores
(Nanci, 2008; Nudelman et al., 2013; Millán e Whyte, 2016).
De acordo com o tipo de nucleador, os cristais são agregados de
diferentes modos. Os nódulos de mineralização são produzidos nas VM; em
contrapartida, as ilhas de mineralização estão em conexão com as proteínas
não colágenas nos espaços interfibrilares. Os diferentes pontos de
mineralização vão crescendo até se fundirem. Entre as fibrilas colágenas
existem canais que possibilitam o depósito de minerais. Com a progressão
da liberação de fosfato de cálcio na matriz orgânica, os aglomerados de
minerais coalescem dentro e ao redor das fibras colágenas. A relação do
mineral apatita no colágeno parece mais ser resultado da ação do colágeno
como barreira mecânica, levando à limitação no formato e tamanho dos
cristais, do que da atuação do colágeno como agente para nucleação
heterogênea, facilitando a formação e o crescimento do cristal pela
diminuição da energia de interface. A combinação do mineral nas zonas de
buraco e dos canais interconectantes corresponde a cerca de 90% do
conteúdo mineral total do osso (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau,
2008; Golub, 2009).
A maioria dos cristais de apatita se orienta paralelamente ao longo eixo
das fibrilas colágenas; no osso maduro, no entanto, os prismas são
hexágonos de 50 Å de espessura e 100 a 300 Å de comprimento. O formato
dos cristais ósseos pode ser como prisma, agulha, filamento ou ser plano.
Ainda é questionável se as bandas granulares inorgânicas são o terceiro tipo
de agregação mineral ou se não são mais do que o estágio inicial de
formação dos cristais com formato de placa. A prevalência de uma das
estruturas depende do tipo de osso (esponjoso ou compacto), do grau de
agregação das fibrilas colágenas (soltas ou compactas) e do estágio de
mineralização (inicial ou final). Os cristais em formato de agulha são
encontrados somente nos nódulos de mineralização no osso com colágeno
solto, e muitos deles constituem ilhas de mineralização e coexistem com
bandas granulares inorgânicas dentro do osso compacto. Os cristais em
formato de placa são encontrados principalmente em osso compacto, onde
coexistem com cristais em formato de agulha. As bandas granulares
inorgânicas são relacionadas à periodicidade das bandas colágenas (zonas
de buraco), enquanto os cristais nos formatos de agulha e filamento são
localizados sobre e entre as fibras colágenas (espaço interfibrilar). Esses
eventos inter e extrafibrilares ocorrem de maneira independente (Nanci,
2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013).
Conforme a mineralização progride e uma quantidade suficiente de
mineral é depositada, as células osteoblásticas param de secretar tecido e se
transformam em osteócitos, que vão ficar enclausurados na matriz. Com a
maturação do tecido ósseo, há perda de água e de algumas proteínas não
colágenas, assim como conversão de fosfato de cálcio amorfo em cristais de
apatita, com consequente crescimento e estabilização dos cristais. Em um
osso maduro, 70% do conteúdo mineral correspondem à HAP e 30% à fase
amorfa (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Dentina
A mineralização da dentina e do cemento é bem semelhante à do tecido
ósseo. As células responsáveis pela formação da dentina e do cemento são
os odontoblastos e os cementoblastos, respectivamente. A dentina é
formada na coroa e na raiz do dente, já o cemento faz parte somente da
porção radicular. Essas células produzem matriz orgânica que contém
colágeno (principal componente), proteoglicanas, glicoproteínas,
sialoproteínas dentinárias, proteínas da matriz dentinária 1, enzimas, fatores
de crescimento, fosfoproteínas e fosfolipídios. Sobre a matriz orgânica são
depositados os sais de fosfato de cálcio, na forma de cristais (Nanci, 2008;
Nicolau, 2008; Margolis et al., 2014).
O conhecimento sobre o mecanismo de formação da dentina é
importante, porque o cirurgião-dentista pode se deparar com casos clínicos
de malformação dentária, como a dentinogênese imperfeita, caracterizada
por malformação hereditária da dentina, que pode ou não estar associada à
malformação de osso (osteogênese imperfeita) causada por defeito no gene
responsável pela expressão da proteína formadora desses tecidos (Nanci,
2008).
Células
A dentina é formada por odontoblastos, que são diferenciados das células
ectomesenquimais da papila dentária por influência de fatores de
crescimento e moléculas sinalizadoras, liberados pelo epitélio interno do
esmalte (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
São células colunares e têm características de células ativamente
sintetizadoras e secretoras, com retículo endoplasmático granular bem
desenvolvido, muitas mitocôndrias, complexo de Golgi proeminente e
numerosas vesículas secretoras derivadas deste. Têm arquitetura típica,
apresentando parte citoplasmática com as organelas, assim como um
prolongamento (prolongamento odontoblástico). Há algumas características
diferenciais entre os odontoblastos (dentina) e outras células responsáveis
pela formação dos tecidos calcificados. O odontoblasto produz dentina
durante toda a vida do indivíduo, diferentemente do esmalte, que só é
formado no período da odontogênese. Por outro lado, a dentina não sofre
turnover mineral em função da concentração de cálcio no sangue, como
ocorre com o osso que participa da homeostasia do cálcio no organismo
(Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Cemento
O cemento é de origem ectomesenquimal, sendo formado por células
denominadas cementoblastos, derivadas das células internas do folículo
dentário ou da bainha epitelial radicular de Hertwig. As células do folículo
dentário são ativadas a cementoblastos, a partir da bainha epitelial radicular
de Hertwig e da dentina, pela ação de proteínas ósseas morfogenéticas.
Durante esse processo, algumas células da bainha de Hertwig sofrem
apoptose e outras formam aglomerados denominados restos de células
epiteliais de Malassez. Se algumas células permanecem aderidas à raiz, elas
podem produzir depósitos de material semelhante a esmalte, chamado
pérolas de esmalte. Algumas proteínas derivadas do esmalte, como as
amelogeninas, parecem ser indutoras da formação de cemento (Nanci,
2008; Nicolau, 2008).
Os componentes orgânicos do cemento (colágeno tipo I, colágeno tipo
III, colágeno tipo XII, fosfoproteínas, osteocalcina, osteonectina,
osteopontina, sialoproteína, fatores de crescimento e glicosaminaglicanas)
são muito semelhantes aos apresentados pelo tecido ósseo. A osteopontina
está envolvida na regulação do crescimento mineral, enquanto a
sialoproteína óssea promove a formação mineral sobre a superfície da raiz.
As proteínas Gla regulam a mineralização, uma vez que se ligam ao cálcio,
impedindo a mineralização do ligamento periodontal. As proteoglicanas
podem mediar a mineralização inicial e a aderência das fibras (Nanci, 2008;
Nicolau, 2008).
O mecanismo de mineralização se dá também por meio de vesículas da
matriz. O grau de mineralização da porção acelular afibrilar é maior do que
a porção fibrilar devido ao fato de haver mais espaços disponíveis para a
mineralização. Assim como ocorre no osso e na dentina, uma fina camada
de cemento não mineralizado (cementoide) separa os cementoblastos da
matriz mineralizada durante a cementogênese (Nanci, 2008; Golub, 2009).
Esmalte
O esmalte é um tecido muito estudado devido às suas particularidades, que
o diferem dos outros tecidos mineralizados. É acelular, não renovado ou
remodelado, não apresenta fibras colágenas e possui o maior grau de
mineralização (aproximadamente 96% de mineral em peso) (Nicolau, 2008;
Margolis et al., 2014).
Células
As células responsáveis pela formação do esmalte são os ameloblastos,
derivados das células do epitélio interno do esmalte. São células alongadas,
com núcleo polarizado, complexo de Golgi desenvolvido, retículo
endoplasmático largo e dois complexos juncionais, um na superfície
proximal (longe do esmalte) e outro na extremidade distal. Essa junção
marca o limite entre o corpo do citoplasma e os chamados processos de
Tomes, cuja parte distal penetra na camada de esmalte parcialmente
mineralizada. Durante a amelogênese, os ameloblastos passam por diversas
fases (pré-secretória, secretória, transicional e de maturação; Figura 11.3)
(Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Na fase pré-secretória, os ameloblastos adquirem fenótipo
característico, mudam a polaridade, desenvolvem extensivo aparelho para a
síntese proteica e se preparam para secretar a matriz orgânica. Nessa fase,
surge material granular composto por proteínas precursoras de esmalte, as
amelogeninas (EPs), encontradas na lâmina basal que separa ameloblastos e
odontoblastos em diferenciação. As EPs podem estar envolvidas na
redistribuição espacial das moléculas de fibronectina nesta lâmina, o que
poderia afetar a diferenciação final dos odontoblastos e a polarização das
células. As EPs podem participar do processo inicial de mineralização
dentária, uma vez que foram encontradas no manto da dentina
anteriormente à mineralização, podendo-se difundir através dos dois tecidos
(Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Figura 11.3 Representação dos diferentes estágios de atividades/funções dos ameloblastos em
esmalte humano: (1) estágio morfogenético; (2) estágio de histodiferenciação; (3) estágio secretor
inicial (sem processo de Tomes); (4) estágio secretor (processo de Tomes); (5) ameloblastos com
terminação rugosa do estágio de maturação; (6) ameloblastos com terminação do estágio de
maturação; (7) estágio protetor.
Conclusão
A mineralização não é simplesmente uma precipitação de substância
inorgânica a partir de soluções saturadas. Esse processo é altamente
coordenado e exige, para seu início, a remoção de inibidores e a ativação de
transportadores de íons. O seu conhecimento é bastante importante para os
mais variados profissionais da saúde, em especial para o cirurgião-dentista,
que irá trabalhar com todos os tipos de tecidos mineralizados do corpo,
muitas vezes guiando ou interferindo diretamente no processo de
mineralização.
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O
s tecidos mineralizados do nosso organismo são: osso, dentina,
cemento e esmalte, sendo o esmalte e a dentina os dois mais
mineralizados (maior quantidade de mineral em volume) e os principais
componentes da estrutura dentária, além da polpa e do cemento (Figura
12.1). Uma ressalva importante é a distinção de maneira didática que
faremos entre dentina e polpa dentária, uma vez que, durante a formação do
dente e sua manutenção/vida, as células responsáveis pela produção da
dentina, chamadas odontoblastos, estão localizadas na polpa dentária, com
prolongamentos citoplasmáticos na dentina (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Detalhes sobre essa “divisão” serão fornecidos ao longo do capítulo.
Outro fator importante a ser apresentado quando falamos sobre o
esmalte e a dentina é o contato íntimo entre estes dois tecidos (junção
amelodentinária) no dente completamente formado. O esmalte recobre toda
a coroa do dente, ou seja, a porção dentária exposta na cavidade bucal; logo
abaixo do esmalte temos a dentina (Figura 12.1). Esse contato, estabelecido
durante a formação e o desenvolvimento desses tecidos, determina
propriedades e funções importantes do dente. Diversas propriedades,
processos/fenômenos fisiológicos e patológicos serão esclarecidos
considerando essa relação muito próxima.
Defeitos genéticos ou doenças que acometem o esmalte e/a dentina,
como a cárie dentária, podem afetar diretamente a
composição/estrutura/anatomia e, consequentemente, as funções destes
tecidos. Por isso, profissionais da área da saúde que trabalhem com as
diferentes funções bucais (fala, mastigação, estética-sorriso etc.) devem
conhecer alguns detalhes importantes sobre esse tema. Além disso,
alterações nesses tecidos podem auxiliar o diagnóstico de síndromes ou
doenças raras associadas às manifestações dentárias (Yadav et al., 2012;
Wright et al., 2015).
Componente inorgânico
A hidroxiapatita é o principal componente mineral do esmalte,
compreendendo em média 86 a 90% do tecido em volume, o que
corresponde de 95 a 96% em peso, sendo o restante composto por proteínas
e água. O conteúdo mineral aumenta da junção amelodentinária à superfície
externa, e é melhor descrito como hidroxiapatita carbonatada deficiente de
cálcio [Ca10-xNax(PO4)6-y(CO3)z(OH)2-uFu], também chamada de apatita
defeituosa. A hidroxiapatita se apresenta na forma de cristalitos, com 70 nm
de largura, 25 nm de espessura e grande comprimento, caracterizados por
serem extremamente largos, orientados e empacotados em prismas. A
maioria dos cristalitos tem formato hexagonal em corte transversal (Figura
12.3) (He e Swain, 2008; Nanci, 2008).
Figura 12.2 Diferenças na espessura do esmalte na região de cúspide (A) e região cervical (B) do
dente.
Na+ HCO3– F–
Estrutura
A unidade estrutural básica do esmalte é o prisma, que tem formato de
cilindro e consiste em vários milhões de cristalitos de hidroxiapatita unidos
em um fino e longo prisma de 5 a 6 μm de diâmetro por 2,5 mm de
comprimento. O limite do prisma reflete a mudança repentina na orientação
dos cristalitos, o que causa efeito óptico diferente do corpo prismático. No
limite do prisma, os cristalitos desviam de 40 a 60° daqueles de dentro do
prisma, o que se denomina esmalte interprismático, aumentando a
porosidade da região e permitindo que haja maior quantidade de camada
orgânica (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Em uma secção transversal, o esmalte apresenta padrão mais comum,
com o prisma assumindo formato de fechadura, correspondendo sua cabeça
ao esmalte no formato de bastão (prismático) e sua cauda ao esmalte no
formato de interbastão (esmalte interprismático) (Figura 12.5). A cauda se
situa entre as cabeças dos prismas adjacentes, apontando para a cervical. Na
cauda, há uma mudança na orientação dos prismas, o que resulta em
diferença na refração de luz e na aparência dos limites do prisma. Na
cabeça dos prismas, os cristais têm direção paralela ao longo eixo do
prisma; já na cauda, os cristais gradualmente divergem do prisma,
apresentando ângulo de 65 a 70° ao longo do eixo. A cabeça dos prismas é
orientada na direção da cúspide ou incisal, já a cauda é orientada na direção
apical ou cervical (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Quando o esmalte é fraturado transversalmente, os prismas
apresentam-se alinhados desde a junção amelodentinária até a superfície,
encontrando a superfície em ângulos variados, dependendo do formato
relativo da junção amelodentinária e da superfície externa. Quando o
esmalte é fraturado longitudinalmente, os prismas seguem padrão paralelo
sinusoidal. As mudanças periódicas na direção dos prismas produzem um
padrão de bandeamento chamado bandas de Hunter-Schreger, cuja largura é
de 50 μm (Figura 12.6). Esse complexo padrão prismático faz com que o
esmalte seja resistente à fratura (Nanci, 2008).
Linhas incrementais
O esmalte é produzido de maneira incremental, alternando períodos de
atividade com períodos de inatividade dos ameloblastos, resultando em
linhas incrementais. Quando os períodos são curtos, são produzidas estrias
cruzadas; já quando são longos, produzem-se estrias de esmalte. A
periodicidade regular dessas estruturas dá ao prisma a aparência de escada,
com as estrias apresentando formato de anel. As estrias cruzadas são vistas
como linhas transversais ao longo do eixo do prisma de esmalte,
representando um ritmo de formação do esmalte (4 μm/dia). Também é
sugerido que as estrias cruzadas resultem de mudanças na natureza da
matriz orgânica e ou na orientação e composição dos cristalitos (Nicolau,
2008; Simmer et al., 2010).
Figura 12.6 Representação do esmalte nodoso (A) e das bandas de Hunter-Schreger (B).
Figura 12.7 Estrias de Retzius.
Superfície
A superfície do esmalte é mais dura, menos porosa, menos solúvel e mais
radiopaca que a subsuperfície, pois a hidroxiapatita é rica em flúor e pobre
em carbonato nesta região. Apresenta aparência variável, exibindo
características como esmalte aprismático, periquimácias, fissuras e
elevações (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Junção amelodentinária
A junção entre esmalte e dentina tem padrão ondulado em áreas de esforço
mastigatório, mas tem padrão liso nas superfícies laterais da coroa. Nesta
área podem ser encontradas lamelas, espículas (spindles) e tufos de esmalte.
As espículas penetram no esmalte, não são alinhadas aos prismas e parecem
ser resultado de alguns processos odontoblásticos que, durante a
odontogênese, infiltraram-se entre os ameloblastos. Por isso, sugere-se que
as espículas sejam colágeno ou remanescentes de odontoblastos mortos,
levando à hipomineralização nas regiões em que se encontram. Podem ser
responsáveis pelo aumento da aderência entre o esmalte e a dentina (Nanci,
2008; Nicolau, 2008).
Tufo de esmalte é o termo dado às estruturas juncionais no terço
interno do esmalte, que lembram tufos de ervas. Parecem colunas correndo
na mesma direção, como fazem os prismas, e são encontrados no esmalte
interprismático, associados à bainha prismática que envolve o prisma. São
estruturas hipomineralizadas, recorrentes em intervalos de 100 μm ao longo
da junção. Devido ao alto conteúdo orgânico, acredita-se que esses tufos
sejam falhas dentro da matriz do esmalte. Também podem funcionar como
ancoragem entre dentina e esmalte (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Lamelas de esmalte são defeitos lineares orientados longitudinalmente,
como placas de material orgânico que percorrem a espessura inteira do
esmalte, da região incisal à cervical. As lamelas são hipomineralizadas e
espaçadas, são mais longas e menos comuns que os tufos de esmalte. Como
os tufos, as lamelas são mais bem visualizadas em secções transversais do
esmalte. As lamelas se desenvolvem devido à incompleta maturação de
grupos de prisma (que ainda conteriam proteínas de esmalte) durante a
odontogênese. Quando presente clinicamente, a lamela passa a ser
denominada fenda, sendo preenchida por conteúdo oriundo da saliva e do
biofilme dentário (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Implicações clínicas
A composição e a estrutura do esmalte determinam o seu comportamento na
situação clínica. O primeiro ponto a se considerar é que se houver algum
distúrbio durante a amelogênese, devido à ação de substâncias tóxicas
(ingestão excessiva de fluoreto ou uso tetraciclina), assim como febres e
infecções, poderá ocorrer má formação do dente, como hipoplasia (falha na
camada orgânica) ou hipocalcificação (redução de minerais), que alterarão
as propriedades físico-químicas do esmalte, comprometendo a sua
aparência e tornando-o suscetível ao desgaste e à desmineralização
(Robinson, 2014; Wright et al., 2015).
O esmalte é transparente, o que, somado à existência de moléculas
orgânicas, facilita a pigmentação por café e fumo. Para reduzir a
pigmentação são usados agentes clareadores, que removem os pigmentos
aderidos à superfície das moléculas orgânicas. No entanto, muito se debate
sobre a recidiva e os efeitos colaterais desse tratamento, como o aumento da
porosidade e a suscetibilidade do dente à desmineralização.
Após a erupção, a remoção de carbonato e a incorporação de flúor à
superfície do esmalte, por meio da aplicação tópica de agentes com alta
concentração de fluoreto e acidulados, podem aumentar a resistência do
dente à desmineralização, devido aos mecanismos anteriormente descritos.
Os prismas percorrem o esmalte em curso ondulado, sendo mais
inclinados em áreas de cúspide. A direção dos prismas é importante para a
preparação de restaurações. Prismas de esmalte (cúspides) suportados por
material restaurador são mais suscetíveis à fratura que os de esmalte
suportado por dentina. As estrias (fendas) podem ser áreas mais suscetíveis
à desmineralização e à pigmentação devido ao alto conteúdo orgânico,
assim como podem permitir a comunicação do complexo dentino-pulpar
com o meio externo, causando sensibilidade.
A existência de um centro de apatita rico em carbonato e uma região
externa rica em flúor, assim como o padrão estrutural do esmalte, com as
regiões prismáticas (bastão) e interprismáticas (interbastão) rodeadas por
bainha rica em proteínas, determinam o padrão de desmineralização diante
de um ataque ácido, tanto devido a um processo patológico, como a
procedimentos restauradores. Devido às características descritas, a
desmineralização se inicia no centro do cristal de apatita (de dentro para
fora), assim como dos cristais mais expostos ao meio. Cristais que
percorrem o esmalte de maneira angulada à superfície são mais resistentes à
dissolução.
Durante a formação da cárie dentária, com a exposição ao ácido lático
(pH 5), há dissolução primeiramente da região subsuperficial, devido à
superfície poder apresentar características aprismáticas (principalmente
quando o dente é jovem; com o tempo, essa superfície é desgastada) e ter
alta concentração de flúor. Já quando o ataque ácido é realizado para
procedimentos restauradores por meio da exposição ao ácido fosfórico (pH
1 a 2), há dissolução da superfície, incluindo cristais ricos em flúor, devido
ao baixo pH do gel. Esse procedimento é necessário para aumentar a área
de superfície apta à adesão ao material resinoso por meio da criação de tags
de esmalte. Para tal, deve-se primeiro remover a camada aprismática,
porque nela os cristais correm na mesma direção e são atacados
uniformemente. Com a exposição dos prismas, o centro do prisma é
dissolvido primeiro, retendo a região interprismática, o que melhora o
embricamento dos materiais adesivos.
Dentina
A dentina é encontrada na coroa e na raiz do dente (Figura 12.1). Divide-se
em pré-dentina (matriz orgânica não mineralizada próxima à polpa),
dentina do manto (camada de dentina mais externa) e dentina
circumpulpar (peritubular e intertubular) (Figura 12.8). Seu peso
corresponde a 70% mineral, 20% matriz orgânica e 10% água; em relação
ao volume, 50% correspondem ao mineral, 30% à matriz orgânica e 20% à
água. É um tecido dentário hígido, mas elástico, e consiste em largo número
de pequenos túbulos paralelos em matriz orgânica (colágeno) mineralizada.
Os túbulos contêm longos processos das células odontoblásticas,
responsáveis pela formação do tecido, assim como pequeno volume de
fluido extracelular (Figura 12.8). Como o odontoblasto, nos dentes vitais,
apresenta prolongamento citoplasmático dentro dos túbulos dentinários,
além de ser responsável pela produção da dentina; alguns autores
consideram a dentina e a polpa dentária como um único tecido, denominado
complexo dentino-pulpar (Nicolau, 2008; Bedran-Russo et al., 2014; Li et
al., 2015). No entanto, neste capítulo estamos considerando apenas a
dentina, para uma descrição mais prática.
Figura 12.8 Localização das seguintes estruturas: junção amelodentinária (JAD), dentina do manto,
dentina interglobular, dentina peritubular, dentina intertubular, processo odontoblástico, pré-
dentina, odontoblasto.
Componente inorgânico
O componente mineral é formado por cristais de hidroxiapatita
substituíveis. Os cristais são pobres em cálcio, fosfato e sódio, e ricos em
magnésio e carbonato, em comparação à hidroxiapatita do esmalte. Apesar
de similares em formato, são menores que aqueles do esmalte. O menor
tamanho apresentado pelos cristais da dentina permite maior área de
superfície, que torna este tecido mais suscetível ao ataque ácido. A taxa de
Ca/P diminui da junção amelodentinária para a polpa, e as taxas de
magnésio e flúor aumentam. Há poucas evidências se os elementos-traço
são adsorvidos sobre a superfície dos cristalitos, incorporados dentro dos
cristais ou concentrados na matriz orgânica. O gradiente de composição
mineral diminui da polpa para o esmalte e da região peritubular para a
intertubular. Os cristais de hidroxiapatita na dentina mineralizada são
encontrados sobre e entre as fibrilas colágenas (Nanci, 2008; Nicolau, 2008;
Goldberg et al., 2011).
Componente orgânico
A matriz orgânica consiste em 90% de fibrilas de colágeno, sobretudo as do
tipo I, sendo a maioria paralela à superfície pulpar, e tem função de
sustentar o tecido. Na dentina circumpulpar, as fibras colágenas apresentam
diâmetro largo (100 nm) e são mais fortemente empacotadas que na pré-
dentina (Goldberg et al., 2011; Bedran-Russo et al., 2014).
Os componentes não colágenos fazem parte dos 10% restantes e são
compostos por fosfoproteínas da dentina, proteoglicanas, proteínas-Gla,
proteína da matriz de dentina I, sialoproteína da dentina, outras proteínas
ácidas e fatores de crescimento (tipo insulina e transformador). A
fosfoproteína da dentina, que representa 50% do componente não colágeno,
é altamente fosforilada e tem capacidade de se ligar ao cálcio. Por isso, está
diretamente relacionada à mineralização, assim como as proteínas-Gla
(proteínas contendo γ-carboxiglutamato). As proteoglicanas são
representadas na dentina por biglican e decorin e as glicosaminaglicanas
são primariamente condroitina-4-sulfato e condroitina-6-sulfato. Entre as
importantes funções das proteoglicanas estão o papel desempenhado na
montagem das fibras colágenas e na função celular, como adesão, migração,
proliferação e diferenciação. A osteonectina e a osteopontina são as
proteínas ácidas que compõem, além do tecido ósseo, a dentina; entretanto,
suas funções na dentina não estão definidas. Os lipídios, principalmente os
fosfolipídios, compõem 2% do conteúdo orgânico da dentina e têm papel na
formação e no crescimento dos cristais. Além disso, a dentina contém
enzimas como as metaloproteinases de matriz (MMPs – MMP-2, MMP-8 e
MMP-9), que, quando expostas ao meio pela desmineralização, são
associadas à progressão da lesão cariosa, devido à digestão da parte
orgânica da matriz (Prasad et al., 2010; Goldberg et al., 2011; Bedran-
Russo et al., 2014).
Estrutura
Túbulos dentinários
Os túbulos dentinários apresentam 2,5 μm de diâmetro próximo à polpa e
menos de 1 μm perifericamente. Compõem 22% da área da dentina próxima
à polpa e 2,5% da área da dentina próxima à junção amelodentinária.
Estima-se que haja 20.000 túbulos/mm2 na região mais externa da dentina
(junção amelodentinária) e 50.000 túbulos/mm2 em sua região mais interna
(polpa). Apresentam curso sigmoide e curvado, denominado curvatura
primária, devido à migração dos odontoblastos para o interior do tecido,
mas também podem mudar de direção em pequena amplitude, movimento
denominado curvatura secundária, como resultado de pequenas ondulações
em espiral do processo odontoblástico durante a formação da matriz e
mineralização. Em algumas regiões, a curvatura secundária pode coincidir
em túbulos adjacentes, dando a aparência de linhas cruzadas, denominadas
linhas de contorno de Owen. Essas estruturas são evidentes entre a dentina
primária e a secundária (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Os túbulos dentinários contêm processos de odontoblastos, uma lâmina
limitante na parede dos túbulos dentinários, fluido extracelular e, em alguns
casos, também terminações nervosas, cuja extensão dentro da dentina não é
conhecida. O espaço entre o processo odontoblástico e a parede da dentina
tubular é denominado bainha de Neuman. O fluido extracelular advindo da
polpa exerce força positiva para o exterior, o que pode ajudar a limitar o
progresso de agentes químicos e toxinas do exterior até a polpa (Nicolau,
2008; Goldberg et al., 2011).
Dentina do manto
A dentina do manto, presente na coroa, é a camada mais externa da dentina
(20 a 150 μm de espessura). Difere da dentina circumpulpar por ser 5%
menos mineralizada, por suas fibras colágenas serem largamente orientadas
perpendicularmente à junção amelodentinária, por seus túbulos dentinários
se ramificarem em abundância e por apresentar vesículas da matriz (Figura
12.8) (Nanci, 2008; Goldberg et al., 2011).
Dentina interglobular
A dentina interglobular é a região que separa a dentina do manto da dentina
(coroa)/camada granular (raiz) da dentina circumpulpar (Figura 12.8). Boa
parte do mineral é depositada nesta região como glóbulos ou calcosferitos.
Estes na maioria das vezes se fundem para formar a fronte de
mineralização, porém essa fusão pode ser incompleta (Goldberg et al.,
2011).
Pré-dentina
A pré-dentina é a camada mais interna próxima aos odontoblastos,
depositada como matriz orgânica antes da mineralização (Figura 12.8). É
composta por fibrilas de colágeno com diferente conformação em relação à
dentina circumpulpar, assim como por largas proteoglicanas, o que impede
a mineralização desta camada (Goldberg et al., 2011).
Linhas estruturais
Em secções de dentina, observa-se uma variedade de linhas
aproximadamente perpendiculares aos túbulos da dentina. Há linhas
associadas à curvatura primária dos túbulos dentinários, conhecidas como
linhas de Schreger, assim como há linhas associadas à curvatura secundária
dos túbulos dentinários, denominadas linhas de Owen (Figura 12.9). Esta
linha de Owen também é utilizada para descrever acentuadas deficiências
na mineralização. Há uma linha exagerada na borda das dentinas primária e
secundária, denominada linha neonatal, que pode incluir variações na
composição da matriz e mineralização durante o parto (Nanci, 2008).
Há linhas incrementais associadas à deposição de matriz e
mineralização. Períodos curtos de deposição e descanso podem ser
observados como linhas escuras e claras (distância entre linhas de 2 a 4
μm), cada par refletindo o ritmo diurno de formação da dentina. A essas
linhas denominamos linhas de Von Ebner (Figura 12.9). Já períodos de
formação longos (16 a 20 μm) produzem linhas denominadas linhas
Andresen. Entre cada linha do período longo, há de seis a dez pares de
linhas do período curto (Nanci, 2008).
Conclusão
Esmalte e dentina são dois tecidos altamente mineralizados que compõem a
estrutura dentária. Além disso, apresentam interface que permite o
estabelecimento de propriedades e funções do dente. O domínio das
principais características desses dois tecidos é essencial para o cirurgião-
dentista, uma vez que grande parte dos procedimentos, tanto operatórios
como preventivos, é realizada sobre estes tecidos. O desenvolvimento de
novos materiais, novas técnicas restauradoras e propostas como a
engenharia de tecidos dentários só são possíveis graças ao entendimento
amplo desses tecidos.
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O
periodonto é o conjunto de tecidos de suporte/sustentação e proteção
aos dentes. Pode ser dividido basicamente em dois tipos: de proteção
e de sustentação. O periodonto de proteção é composto pela gengiva (com
diferentes classificações: papilar, livre, inserida e marginal); o de
sustentação é constituído por cemento, ligamento periodontal e osso
alveolar. Todos esses tecidos, com ressalva ao cemento, são remodelados
(reabsorvidos e sintetizados) constantemente durante toda a vida do
indivíduo, apresentando frequentes modificações na sua estrutura. Em
condições normais, o cemento é sintetizado em velocidade menor e poucas
vezes é reabsorvido.
A manutenção da homeostasia do periodonto é essencial para a função
dos dentes e, consequentemente, a qualidade de vida do indivíduo. Por isso,
a compreensão das características bioquímicas do periodonto é fundamental
para o profissional de Odontologia e de outras áreas da saúde, uma vez que
condições sistêmicas como diabetes melito e obesidade podem afetar o
periodonto e comprometer a função dos dentes (Pink et al., 2015). Assim,
neste capítulo vamos checar alguns detalhes bioquímicos do periodonto e
algumas alterações que podem comprometer suas funções.
Periodonto sadio
O periodonto é constituído por diversos tecidos que apresentam, em
conjunto, as funções de sustentação e proteção dos dentes (Figura 13.1). Os
tecidos que compõem o periodonto são: gengiva, ligamento periodontal,
cemento e osso alveolar (Figura 13.1) (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Gengiva
A gengiva é composta por dois tipos de tecido: epitelial e conjuntivo. A
camada epitelial é mais externa, pode ser dividida em região oral, sulcular e
juncional, e varia no grau de queratinização e no número de células. As
principais células do epitélio gengival são os queratinócitos, responsáveis
pela produção de uma camada de queratina (proteína fibrosa com função
estrutural). Foram identificados diferentes tipos de queratina no epitélio
gengival, em geral relacionados com a função de cada uma das regiões do
epitélio (sulcular, oral e juncional) (Figura 13.2). O epitélio apresenta
laminina, proteína adesiva encontrada na lâmina da membrana basal, cujo
papel é mediar a adesão das células epiteliais com o colágeno tipo IV, por
meio de receptores proteicos específicos na superfície da célula. Da mesma
maneira, esses receptores gengivais interagem com a laminina presente no
cemento, promovendo a adesão do tecido epitelial gengival ao dente,
impedindo, assim, a invasão de células estranhas no ligamento periodontal.
No epitélio gengival humano também foram identificados ácido
hialurônico, CD 44, decorina e sindecana (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Ligamento periodontal
O ligamento periodontal é um tecido conjuntivo localizado entre a raiz do
dente e o osso alveolar (Figura 13.1), formando uma articulação
classificada como gonfose; é rico em matriz extracelular, constituído
principalmente por fibras e substância básica, componentes com importante
papel funcional no suporte e na erupção dentária. Os elementos fibrosos são
hábeis em prover força tensional ao tecido, enquanto a substância básica é
capaz de dissipar forças de compressão. A matriz extracelular determina o
movimento de outros componentes pelo tecido, como íons e moléculas
pequenas, e provê informação posicional para elementos celulares. Além
das fibras e da substância fundamental, o ligamento periodontal apresenta
várias células, como fibroblastos, células endoteliais, restos de células
epiteliais de Malassez, células associadas ao sistema sensorial, células
associadas ao osso (osteoblastos), cementoblastos e células progenitoras
(Nanci, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).
Células
As células progenitoras têm potencial para se diferenciar em fibroblastos,
cementoblastos e osteoblastos. Vários fatores podem afetar a diferenciação
em fibroblastos no ligamento periodontal, como forças aplicadas, existência
de lectinas, composição da matriz extracelular, formato das células e uma
variedade de citocinas fibrogênicas (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Os fibroblastos produzem a matriz do ligamento periodontal, além de
desempenharem importante papel na orientação das fibras do ligamento
periodontal. Os restos de Malassez parecem secretar prostaglandinas e
interleucina 1α, que promovem a manutenção do espaço do ligamento e a
regeneração dos tecidos periodontais. Os cementoblastos participam do
processo de manutenção e reparo do cemento. O ligamento periodontal é o
principal componente responsável por transferir forças ao osso alveolar e
permitir que este se remodele, em resposta à força aplicada. As células do
sistema sensorial têm importante papel no mecanismo de resposta às forças
mecânicas, devido à ativação do sistema de sinalização mecanossensorial,
incluindo adenilato ciclase, canais iônicos e mudanças na organização do
citoesqueleto. Essas alterações produzem mensageiros intracelulares
secundários que participarão da remodelação óssea (Nicolau, 2008; Kaku e
Yamauchi, 2014).
Substância fundamental
A substância fundamental é composta por dois tipos de glicoconjugados,
denominados glicoproteínas e proteoglicanas. As proteoglicanas nada mais
são que proteínas ligadas aos glicosaminaglicanos (Figura 13.3). Dentre os
glicosaminaglicanos, são encontrados no ligamento periodontal o ácido
hialurônico (não faz parte das proteoglicanas), a condroitina-4-sulfato, a
condroitina-6-sulfato (35%), o dermatan sulfato (60%) e a heparan sulfato
(5%). O ácido hialurônico (Figura 13.4) age como absorvente biológico
quando há estresse mecânico. Tem alta afinidade por água, sendo
responsável pela manutenção da hidratação da maioria dos tecidos, além de
influenciar o desenvolvimento, a migração e a proliferação celular (Nanci,
2008; Nicolau, 2008).
Figura 13.3 Esquema estrutural das proteoglicanas com seus elementos: proteína central e
glicosaminoglicanos.
Fibras
As fibras do ligamento periodontal são compostas por colágeno e elastina,
sendo o colágeno responsável pelo suporte dentário e a elastina
(oxitalânicas) pelas propriedades de elasticidade do tecido. O colágeno é
secretado primeiramente, mas não exclusivamente, por fibroblastos. A
molécula de colágeno é composta por três cadeias de polipeptídios (cadeias
α) organizadas em tripla-hélice. As cadeias são formadas por repetições da
sequência de aminoácidos G-X-Y (glicina-prolina-hidroxiprolina). As
fibrilas colágenas são definidas pela habilidade de entrar em fibrinogênese
espontaneamente, resultando na formação de fibras insolúveis com
estruturas macromoleculares altamente ordenadas (Nicolau, 2008; Kaku e
Yamauchi, 2014).
O colágeno pode ser dividido em cinco grupos. O primeiro grupo é
composto por colágenos que formam fibrilas em forma de banda nos
tecidos (tipos I, II, III, V e XI). O segundo grupo está associado ao
primeiro, formando os elementos do tecido conjuntivo, entre fibrilas em
banda e outros componentes. Esse grupo é chamado colágeno associado à
fibrila e inclui os tipos IX, XII, XIV, XVI e XIX. O terceiro grupo,
chamado colágeno formador de rede (proteínas de membrana), inclui os
tipos IV (membrana basal), VIII e X. O quarto grupo forma filamentos
pareados e inclui os tipos VI (microfibrilas) e VII (fibrilas de ancoragem).
Os colágenos dos tipos XIII e XVII são colágenos transmembranosos
(Nicolau, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).
O ligamento periodontal contém principalmente fibrilas colágenas tipo
I, assim como alta proporção de fibrilas colágenas tipo III, ordenadas em
conjuntos de fibrilas com ligações cruzadas. As fibrilas colágenas são
firmemente ancoradas ao cemento e ao osso por fibras de Sharpey. A
interação do colágeno com as proteoglicanas é de reconhecida importância
funcional, particularmente em relação à arquitetura e à geometria do
ligamento periodontal. A precipitação, o crescimento e a calcificação das
fibrilas colágenas são controlados pela interação de colágeno e
proteoglicanas (Nudelman et al., 2013; Kaku e Yamauchi, 2014).
Osso alveolar
Os ossos são tecidos duros formados por 67% de mineral (hidroxiapatita) e
33% de material orgânico (proteínas colágenas e moléculas não colágenas)
e água em peso. O colágeno perfaz 90% do osso (especialmente o colágeno
tipo I), sendo os outros 10% compostos por moléculas não colágenas, como
glicosaminoglicanas (condroitina sulfato), proteoglicanas (Gla-proteínas),
osteocalcina e glicoproteínas fosforiladas (osteonectina, osteopontina,
sialoproteina, proteínas da matriz dentinária 1, glicoproteína ácida óssea-
75), fosfatase alcalina, fatores de crescimento osteogênico (TGF e BMP) e
enzimas, assim como fosfolipídios. As proteínas não colágenas têm alta
afinidade com o cálcio e ocupam espaços interfibrilares (Nanci, 2008;
Nicolau, 2008).
Diferentes células são responsáveis pela formação, reabsorção e
manutenção óssea. Há duas linhas de células com funções específicas:
células osteogênicas, que formam e mantêm o osso (oesteoprogenitores,
pré-osteoblastos, osteoblastos, osteócitos e células da linhagem óssea), e
osteoclastos, que reabsorvem o osso. Várias enzimas e quimiocinas
liberadas pelo hospedeiro ou por bactérias podem determinar a atividade
dessas células e o balanço entre deposição e reabsorção do osso alveolar
(Hienz et al., 2015).
Graças ao remodelamento constante das fibrilas colágenas do
ligamento periodontal, descrito anteriormente, e ao remodelamento do osso
alveolar, o periodonto apresenta capacidade considerável de se adaptar às
mudanças e aos diferentes “desafios” impostos aos dentes. Inclusive, essa
capacidade de adaptação é usada no tratamento ortodôntico, uma vez que os
dentes são reposicionados paulatinamente, respeitando a velocidade de
remodelamento do tecido ósseo e do ligamento periodontal (Nicolau, 2008;
Feller et al., 2015).
Periodonto doente
Em geral, doença periodontal inflamatória envolve a destruição do colágeno
da matriz extracelular, com o aparecimento de edema e inflamação tecidual,
formação de bolsas (periodontais), sangramento à sondagem clínica e perda
de suporte. Esses eventos incluem aumento do sulco gengival, do fluxo do
fluido gengival, da vascularização com infiltração de polimorfonucleares,
perda de selamento epitelial e de osso alveolar (Figura 13.5) (Barbato et al.,
2015; Hienz et al., 2015; Larsson et al., 2016).
Figura 13.6 Esquema com a interação das moléculas RANK/RANKL/OPG e seus efeitos na ativação
dos osteoclastos.
Conclusão
O conhecimento dos detalhes sobre a composição e a estrutura do
periodonto é imprescindível para o entendimento do funcionamento do
mesmo, bem como para a detecção de condições de alterações ou doenças.
Em adição, propostas preventivas e terapêuticas para esses tecidos exigem
do profissional da área da saúde o domínio adequado sobre aspectos
celulares e moleculares do tecido em questão.
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A
cavidade bucal é banhada por um fluido chamado saliva, produzido
pelas glândulas salivares, cuja função principal é manter a saúde
bucal. Indivíduos com deficiência de secreção salivar experimentam
dificuldade para comer, falar e deglutir, tornando-se propensos a infecções
de mucosa e lesões de cárie rampante.
Com base na importância da saliva para a manutenção da saúde bucal,
serão descritos neste capítulo os tipos de glândulas salivares, a maneira
como a saliva é produzida e o seu papel na manutenção da saúde bucal, de
acordo com os seus componentes e propriedades.
Secreção de proteínas
As proteínas são produzidas nos ribossomos, translocadas no lúmen do
retículo endoplasmático, onde sofrem modificações (glicosilação,
fosforilação, sulfonação, proteólise), transferidas para pequenas vesículas
do complexo de Golgi, onde sofrem mais modificações, seguidas pela
condensação e pelo empacotamento em grânulos secretórios. Essas fases
são reguladas pela fosforilação de proteínas ativadas por cAMP dependente
de PKA. O aumento no cAMP estimula a transcrição de genes para
proteínas salivares, modificação pós-tradução, maturação, translocação de
vesículas secretórias à membrana e exocitose (Figura 14.4). As vesículas
permanecem armazenadas no citoplasma apical até receberem apropriado
estímulo secretório. Para que as proteínas sejam liberadas, os endossomos
ou vesículas devem se fundir com a membrana plasmática em processo
denominado exocitose.
Recentes avanços na técnica proteômica têm permitido a identificação
de amplo número de proteínas. Primeiramente, separam-se as proteínas por
eletroforese ou cromatografia; na sequência, isolam-se pequenos grupos de
proteínas ou seus peptídios e identificam-se os peptídios por espectrometria
de massa. A partir de uma base de dados de peptídios e de proteínas
conhecidas, as proteínas da saliva podem ser identificadas. Mais de 309
proteínas foram identificadas na saliva, assim como mais de 130 e 50
proteínas foram identificadas na película adquirida do esmalte e da dentina,
respectivamente (Siqueira et al., 2007; Delecrode et al., 2015).
Figura 14.5 Coleta de saliva para medição do fluxo salivar sob estímulo mecânico (mastigação de
parafilm).
Composição salivar
A saliva é composta por 99% de água e 1% de uma variedade de eletrólitos
(sódio, potássio, cálcio, cloro, magnésio, bicarbonato e fosfato), proteínas
(enzimas, imunoglobulinas, glicoproteínas, traços de albumina,
polipeptídios e oligopeptídios), glicose e produtos nitrogenados, como ureia
e amônia. Há também células, microrganismos, leucócitos provenientes da
mucosa e fluido gengival. Vários fatores podem influenciar a composição
salivar, como o tipo de glândula, a natureza de estímulo (gustativo e
mastigatório) e a sua duração (Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006).
O tipo de glândula tem influência na composição salivar (p. ex., a
maior parte da amilase é secretada pela parótida; substâncias provenientes
do sangue e mucina vêm principalmente das glândulas menores). As
glândulas menores têm secreção altamente viscosa e com baixa capacidade
tampão.
O tipo de fluxo também determina a composição, sendo que, com o
aumento do fluxo, há aumento nas concentrações de proteínas, sódio, cloro
e bicarbonato, bem como diminuição de magnésio e fosfato. O pH varia
entre 6,5 e 7,4, sendo mais alto em secreções estimuladas, que apresentam
alta renovação metabólica do tecido granular. A saliva não estimulada
contém alta concentração de mucina tipo I (com alto peso molecular, MGI),
enquanto a saliva estimulada apresenta alta concentração de mucina tipo II
(baixo peso molecular, MGII). A MGI é responsável pela lubrificação e
aglutinação bacteriana; a MGII também facilita a remoção bacteriana da
cavidade oral e participa da formação da película adquirida.
A duração do estímulo também é determinante. A concentração de
bicarbonato aumenta com o prolongamento na duração do estímulo; já a
concentração de cloro diminui com o aumento da duração do estímulo.
A natureza do estímulo tem efeito na composição salivar,
principalmente quando o sal é utilizado, pois há maior liberação de
proteínas em comparação aos outros estímulos por sabor. O estímulo ácido,
por sua vez, leva à produção de saliva mais alcalina. De acordo com o ritmo
circadiano, a concentração de sódio e cloro tem pico no início da manhã, a
concentração de potássio no meio da tarde e a concentração de proteína
aumenta no final da tarde.
A atividade física altera a composição salivar, havendo aumento nos
níveis de amilase e eletrólitos (principalmente o sódio). Algumas
enfermidades, como pancreatite, diabetes, insuficiência renal, anorexia,
bulimia e doença celíaca, estão associadas ao aumento do nível de amilase.
Outras condições, como obesidade, paralisia cerebral, síndrome de Down,
também parecem estar associadas às alterações na composição da saliva
(Siqueira et al., 2007; Pannunzio et al., 2010; Santos et al., 2011).
Alterações emocionais e deficiências nutricionais estão relacionadas a
alterações na composição da saliva (Lingström e Moynihan, 2003).
Efeito antimicrobiano
Importante papel da saliva é fazer a aglutinação microbiana e a limpeza da
boca, mantendo o equilíbrio entre potencial patógeno e cavidade bucal. Pelo
contato salivar, é possível transmitir bactérias, em especial aquelas
encontradas em grande número, o que é relevante na fase de janela de
infectividade, na qual a mãe pode transmitir microrganismos ao filho nos
primeiros anos de vida. No entanto, a transmissão de microrganismos não
quer dizer que há doença.
A saliva tanto inibe como suporta seletivamente o crescimento de
certos tipos de bactérias (provê nutrientes, como carboidratos e
aminoácidos, às bactérias). Quando não há oferta de açúcar da dieta,
aminoácidos na saliva selecionam bactérias não cariogênicas (menos
patógenas). Adicionalmente, a maioria das proteínas tem certo efeito
antimicrobiano, controlando aderência dos microrganismos ao tecido
dentário, crescimento e virulência.
A qualidade da película adquirida formada pelas proteínas salivares
também influencia a composição do biofilme dentário, formado pela
aderência de bactérias à película, constituindo massa rica em
microrganismos embebidos em uma matriz extracelular.
Mucinas
As mucinas são secretadas principalmente pelas glândulas menores e a
lingual, apresentando grande heterogeneidade no padrão de glicosilação.
São moléculas assimétricas e hidrofílicas (lubrificação) que representam 20
a 30% das proteínas salivares. Apreendem algumas bactérias e inibem a
adesão de células bacterianas a tecidos moles por bloqueio das adesinas na
superfície bacteriana, protegendo a mucosa de infecção. As mucinas
também interagem com tecido duro, mediando a adesão de bactérias à
superfície dos dentes. São responsáveis por lubrificação, proteção contra
desidratação e manutenção da viscoelasticidade. A lubrificação tem
importante papel na mastigação, fala e deglutição (van Nieuw Amerongen
et al., 2004; Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006; Nanci, 2007).
Lisozimas
A lisozima é secretada pelas glândulas salivares (maiores e menores), pelo
fluido gengival e pelos leucócitos desde o nascimento. Apresenta atividade
muramidase através da hidrólise da ligação β (1 → 4) entre ácido N-
acetilmurâmico e N-acetilglucosamina na camada peptidoglicana da parede
celular bacteriana. A lisozima pode ativar autolisinas bacterianas, que
destroem paredes celulares. As bactérias gram-negativas são mais
resistentes à ação da lisozima por apresentarem uma camada de
lipopolissacarídeos. Já as bactérias gram-positivas podem ser protegidas
pela produção de polissacarídeos extracelulares.
Lactoferrina
A lactoferrina é proteína não enzimática produzida por glândulas salivares
(maiores e menores) e leucócitos. Tem alta afinidade por íons Fe+3, sendo
que sua ligação aos íons ferro provoca a privação desse metal essencial em
microrganismos patogênicos. O efeito antibacteriano continua até a
lactoferrina se tornar saturada. A apo-lactoferrina (sem ferro) também pode
ter efeito bactericida irreversível, pela ligação direta às bactérias.
Peroxidase
A peroxidase na saliva (sialoperoxidase) é proveniente das glândulas
parótida e submandibular. Já a mieloperoxidase é proveniente dos
leucócitos. Ambos os tipos de peroxidase catalisam a seguinte reação:
H2O2 + SCN– → OSCN– + H2O
(peróxido de hidrogênio)(íons tiocionato) (hipotiocianato)
α-Amilase e lipase
A amilase corresponde a 40 a 50% das proteínas produzidas pelas glândulas
salivares, sendo oriunda em 80% da parótida e 20% da submandibular. É
responsável pela degradação do amido, produzindo maltose, maltotriose e
dextrina, e pela limpeza de restos alimentares, além de modular a ligação de
bactérias à película, sendo inativada no estômago quando deglutida. A
amilase se liga aos S. gordinii, S. mitis e S. oralis, o que pode contribuir
para a eliminação desses microrganismos (van Nieuw Amerongen et al.,
2004; Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006; Nanci, 2007).
As glândulas de Ebner, encontradas na língua, secretam lipases que
degradam parte dos lipídios ingeridos na dieta.
Cistatina e histatina
A cistatina é fosfoproteína rica em cisteína encontrada na saliva e na
película adquirida. Inibe a proteólise pela ação bacteriana e de leucócitos.
Além das atividades antibacteriana e antiviral (controle da proteólise),
também afeta a precipitação de fosfato de cálcio.
A histatina pertence a uma família de peptídios ricos em histidina, com
atividade antimicrobiana (antifúngica), principalmente sobre C. albicans e
S. mutans. Participa da formação da película, interferindo na adesão de S.
mutans (Shimotoydome et al., 2006) e inibe a liberação de histamina dos
mastócitos, sugerindo um papel no controle da inflamação.
Imunoglobulinas salivares
As imunoglobulinas correspondem a 5 a 15% do total de proteínas
salivares. A IgA é a principal imunoglobulina na saliva, seguida por IgG e
IgM, que são secretadas a partir do fluido gengival. A produção de IgA
ocorre em células plasmáticas subepiteliais no tecido conjuntivo ao redor de
ácinos e ductos. Essas proteínas agem principalmente na inibição da
aderência e colonização bacteriana. Não há evidências quanto ao seu efeito
anticariogênico. Em geral, as proteínas antimicrobianas têm mais efeito em
bactérias transitórias.
Lipídios
Os lipídios são produzidos por glândulas salivares. Em torno de 75% dos
lipídios estão na forma de ácido graxo, colesterol e triacilglicerol; 20 a 30%
são glicolipídios e 2 a 5%, fosfolipídios. Os lipídios ligados à mucina
modificam a aderência bacteriana.
Ureia
A concentração de ureia na saliva varia de 2 a 4 mM, dependendo da
quantidade de proteína ingerida ou degradada. Nas glândulas menores pode
chegar a 5 mM. A ureia pode ser quebrada pela urease bacteriana, formando
amônia e CO2, aumentando o pH do biofilme.
Controle de pH
A saliva é responsável pela formação de uma película adquirida rica em
glicoproteínas sobre a superfície dentária. As bactérias iniciam a
colonização sobre a película adquirida com o auxílio de adesinas e de
proteínas salivares. A colonização inicial ocorre nas primeiras 24 h, com
microrganismos aeróbicos. Já a segunda colonização ocorre em um prazo
de 1 a 14 dias, com a agregação de múltiplas bactérias. As características do
biofilme dentário são determinantes para a suscetibilidade do indivíduo à
formação de lesões dentárias cariosas. O fluxo salivar, o pH e a capacidade
de limpeza salivar podem ser determinantes da qualidade e quantidade de
biofilme dentário (Llena Puy, 2006).
pH e espessura do biofilme
A idade e a localização do biofilme dentário determinam sua espessura, a
composição química e microbiológica. Biofilmes dentários mais espessos
têm mais microrganismos anaeróbicos e maior concentração de íons cálcio
e fosfato, sendo que a penetração e a saída de substâncias são mais difíceis.
As quedas de pH são mais pronunciadas, devido à dificuldade que os
constituintes salivares têm de penetrar no biofilme mais espesso e tamponar
o pH.
Xerostomia e hipossalivação
Há duas condições bucais comuns principalmente em idosos (30% da
população com idade acima de 65 anos), em indivíduos que utilizam
medicamentos cronicamente, em pacientes com síndrome de Sjögren
(100%) e irradiados (25 Gy, 100%): a hipossalivação e a xerostomia
(síndrome da boca seca). Ambas são distintas, já que a hipossalivação é
característica em indivíduos que apresentam FNE abaixo de 0,1 mℓ/min e
FE abaixo de 0,5 a 0,7 m ℓ /min, com alteração na composição salivar. A
hipossalivação pode ser assintomática (Avery, 2002; Edgar et al., 2004;
Pedersen et al., 2005).
Já a xerostomia, também chamada de síndrome da boca seca, é
caracterizada pela presença de sintomas como boca seca, ardência e
halitose, e nem sempre é causada apenas por hipossalivação, mas por haver
áreas na boca com pouco contato com saliva, as quais se tornam ressecadas.
É definida como impressão subjetiva de sensação de secura na boca, o que
pode significar danos às funções orais e qualidade de vida.
Etiologia
Doenças sistêmicas
Várias enfermidades podem estar associadas à xerostomia e à
hipossalivação. A de maior interesse é a síndrome de Sjögren, doença
autoimune que acomete com maior frequência mulheres na quarta e quinta
décadas de vida. A síndrome primária envolve xerostomia e xeroftalmia. Já
a síndrome secundária engloba também outras doenças do tecido conjuntivo
como artrite reumatoide, esclerose múltipla e lúpus eritematoso sistêmico.
Esta enfermidade leva não somente à redução do fluxo salivar, como à
alteração na qualidade da saliva, com o aumento de determinadas moléculas
e eletrólitos.
Outras enfermidades também podem estar envolvidas com a
xerostomia, como diabetes, AIDS, doença de Alzheimer, de Parkinson e
fibrose cística. A paralisia de Bell ocorre pelo comprometimento da
inervação (nervo facial), reduzindo o fluxo salivar. A fibrose cística é uma
doença hereditária caracterizada pela alteração no transporte eletrolítico em
células epiteliais e secreção de saliva mais mucosa, podendo haver acúmulo
de glicoproteínas na saliva e obstrução dos ductos. O estresse também tem
relação com a síndrome da boca seca, mas seu efeito está associado à
inibição central e não à inibição periférica.
Uso de medicamentos
Os medicamentos têm efeito na quantidade e na qualidade da saliva, sendo
estes reversíveis quando o paciente para de usá-los. Em geral, o efeito dos
medicamentos é anticolinérgico, pela inibição da ligação da acetilcolina a
receptores muscarínicos das células dos ácinos. Exemplos de medicamentos
com esse efeito são: antidepressivos tricíclicos, sedativos, tranquilizantes,
anti-histamínicos, anti-hipertensivos, agentes citotóxicos e agentes
antiparkinson. Os diuréticos também têm impacto na mudança da
composição da saliva, devido ao efeito inibidor do transporte eletrolítico
nas glândulas salivares.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito por meio de questionários e respostas subjetivas
envolvendo: relato de ardência; alteração de paladar; necessidade de beber
água frequentemente; dificuldade para alimentação, deglutição e uso de
próteses; sensação de queimação; halitose; intolerância a ácidos e comidas
apimentadas; e estomatodinia (dor na boca).
Ao exame clínico é comum a constatação de lábios ressecados;
candidíases (queilite angular); aumento volumétrico da glândula; superfície
da mucosa seca e friável; perda de papilas linguais; língua seca e
eritematosa; mucosa dorsal irritada; aumento de incidência de lesões
cariosas; e baixa retenção de dentadura. A Figura 14.7 mostra o aspecto
clínico de um paciência com xerostomia.
O diagnóstico pode ainda ser complementado por testes salivares,
sendo diagnosticados com hipossalivação indivíduos que apresentam fluxo
salivar não estimulado menor que 0,1 m ℓ /min e fluxo salivar estimulado
menor que 0,6 mℓ/min. Outros exames, como histopatológico, por imagem
e sorologia, podem ser feitos.
Implicações clínicas
Em pacientes com xerostomia, há aumento na incidência de cárie dentária e
gengivite. Também é comum constatar aumento em infecções fungícas
(candidíase), prejuízo na retenção de próteses removíveis, alteração de
paladar (disgeusia), mastigação e deglutição (disfagia), e prejuízo da
qualidade de vida (Stewart et al., 2008).
Figura 14.7 Caso clínico de um paciente com xerostomia devido à irradiação de cabeça e pescoço.
(Foto cedida gentilmente por Bim Jr, O; Coelho, A; Wang, A, FOB-USP.)
Tratamento
Para evitar problemas decorrentes da hipossalivação, os pacientes podem
receber as seguintes orientações e tratamentos preventivos e paliativos:
Conclusões
A saliva apresenta um importante papel na manutenção da saúde bucal e
pode ser usada para avaliar o risco de doenças bucais como a cárie dentária,
por intermédio da contagem de bactérias, da mensuração da capacidade
tampão (CT), do fluxo salivar (NE e E) e da concentração de cálcio,
fluoreto e fosfato. No entanto, os parâmetros salivares, por sofrerem
influência de vários fatores e apresentarem grandes variações, não são os
melhores preditores de risco de cárie dentária (Martins et al., 2013).
A saliva também pode ser usada em estudos de farmacocinética,
monitoramento farmacológico e metabolismo (Spielmann e Wong, 2011). É
usada também para estudos endocrinológicos e imunológicos. No entanto,
há necessidade de validação da saliva para ser usada em substituição ao
plasma (Hardy et al., 2012). A grande vantagem do seu uso para
diagnóstico é a fácil coleta, sendo método não invasivo.
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É
importante ter em mente que nutrição e dieta são termos com
significados bem diferentes na Odontologia. Nutrição tem relação com
o efeito sistêmico que os diferentes alimentos têm no organismo, e na
Odontologia este efeito se reflete no período de formação dos dentes. Sabe-
se que a má nutrição, com baixa concentração de minerais e vitaminas (D e
A), pode provocar malformação dos dentes, tornando-os mais suscetíveis à
cárie dentária. Além disso, acredita-se que a má nutrição possa induzir a
hipofunção das glândulas salivares (Moynihan, 2003; 2005).
Por outro lado, a dieta se refere ao efeito local que diferentes tipos de
alimentos têm sobre os dentes, sendo de especial interesse o seu papel na
etiologia da cárie dentária, sobretudo no que se refere à digestão de
açúcares, uma vez que os microrganismos cariogênicos utilizam o açúcar
como principal fonte de energia, metabolizando-os e produzindo ácidos que
desmineralizam a estrutura dentária (Moynihan, 2003).
Os açúcares podem ser classificados em: (1) monossacarídeos (glicose,
frutose e galactose), e dentre eles temos os açúcaresalcoóis (xilitol, sorbitol,
manitol); (2) oligossacarídeos (2 a 10 unidades de monossacarídeos), sendo
os dissacarídeos (sacarose, lactose e maltose) importantes exemplos e (3)
polissacarídeos (centenas de monossacarídeos, p. ex., amido). A glicose e a
frutose são encontradas nas frutas e no mel, a lactose é encontrada no leite,
e a maltose é obtida pela degradação do amido. Já a sacarose está presente
em quase todos os alimentos industrializados, pois é quimicamente estável
tanto em relação à concentração como ao formato do cristal, assim como
provê alta qualidade de doçura e tem aceitável textura, o que a torna
altamente popular.
A sacarose é também encontrada em medicamentos como xaropes
infantis (contêm até 70% desse açúcar). O uso temporário de xaropes
açucarados não parece aumentar o risco à cárie dentária, mas o uso crônico
pode ter relação com sua maior incidência (Maguire et al., 1996). Nesses
casos, seria interessante substituir a sacarose nos medicamentos por
adoçantes como o sorbitol, xaropes de glicose hidrogenada (Lycasin®) e
sacarina.
Tem sido enfatizado o papel específico da sacarose na etiologia da
cárie dentária, o que será justificado na sequência deste capítulo. Pouco se
sabe sobre o potencial cariogênico de diferentes alimentos e a sua inter-
relação com fatores protetores da saliva e a resistência do hospedeiro. Vale
lembrar que a dieta atual contém crescente variedade de carboidratos
incluídos em alimentos processados contendo amido e novos carboidratos
sintéticos (oligofrutose, xaropes de glicose e maltodextrina), bem como
adoçantes não cariogênicos e alimentos protetores que apresentam
importante papel na etiologia da cárie dentária (Moynihan, 2005).
Papel do açúcar na cárie dentária
As evidências da relação entre açúcar e cárie dentária são oriundas de
diferentes protocolos de pesquisa: estudos experimentais e observacionais
em humanos, experimentos em animais, estudos de pH do biofilme
dentário, experimentos com bloco de esmalte e estudos com incubação de
bactérias.
A estimativa do consumo de alimentos com base em dados de
suprimento é questionável, pois nem sempre considera fatores como a
distribuição etária e diferenças socioeconômicas, étnicas e culturais dentro
do país, ou o tipo de açúcar de fato consumido, o que pode afetar os dados
de consumo individual. Além disso, não há consenso acerca do método
mais válido para a coleta de dados de ingestão de açúcar em humanos:
relato da dieta nas últimas 24 h, diário de três dias ou questionário de
frequência de ingestão de alimentos específicos. Por outro lado, quando
consideramos os estudos experimentais sobre dieta, a maioria foi realizada
antes da introdução do flúor, o que pode não refletir as tendências atuais
(Zero, 2004).
Os estudos transversais também devem ser interpretados com cautela,
já que o desenvolvimento da cárie dentária é lento e, portanto, a
mensuração do número de lesões associada à dieta atual pode não refletir o
papel que a dieta teve durante o desenvolvimento da lesão, já que a dieta se
altera conforme a idade dos indivíduos (Moynihan, 2003). Da mesma
maneira, estudos de análise de pH devem ser avaliados com cautela, já que
mensuram somente a acidogenicidade e não o potencial cariogênico do
alimento.
Na verdade, o que se tem hoje sobre o papel da dieta (especificamente
sobre no uso do açúcar) na etiologia da cárie dentária é a somatória dos
resultados dos diferentes protocolos de estudo, como veremos a seguir. A
Tabela 15.1 resume alguns dos estudos mais importantes, que serão
abordados na sequência.
Hopewood House, Austrália Harris (1963) Dietas modernas são mais cariogênicas que
dietas lactovegetarianas
Estudos experimentais em von der Fehr et al. Cárie dentária pode aparecer com o frequente
humanos (1970) bochecho de solução de sacarose 50% (9
vezes/dia) na ausência de higiene bucal por 23
dias
CEOs (6 anos de idade) – Sreebny (1982) Correlação positiva significativa (r = 0,72; p <
23 nações 0,005) entre ingestão de açúcar e cárie dentária
CPOD (12 anos de idade) – Ingestão de 50 g de açúcar/dia pode ser a dose-
47 nações limite
Relação com ingestão de
açúcar (g/pessoa/dia)
CEOs: superfície cariada, excluída ou obturada (dentes decíduos); CPOD: número de dentes
permanentes cariados, perdidos ou obturados.
Experimentos em animais
Estudos em animais são geralmente conduzidos em ratos e demonstram a
importância da ocorrência local do açúcar na boca e o papel da saliva na
proteção contra a cárie dentária. De modo geral, esses estudos têm focado
no papel da frequência de ingestão de açúcar em comparação à quantidade
total consumida, e mostram que não há grandes diferenças entre os tipos de
açúcares (glicose, frutose e maltose) e que a gravidade da cárie dentária
aumenta com o aumento da concentração de açúcar (até 40%) em ratos
superinfectados por S. mutans e A. viscosus (Moynihan, 2003).
Experimentos de incubação
Culturas puras de microrganismos também podem ser usadas no lugar do
biofilme. Rápida produção de ácido e/ou baixo pH final podem ser
correlacionadas ao potencial cariogênico do alimento. Em alguns
experimentos, dentes, pó de esmalte ou hidroxiapatita são incubados com as
culturas de microrganismos, a fim de simular o processo carioso. Assim, o
processo carioso é estipulado pela extensão da liberação de cálcio e fósforo
durante a incubação (Moynihan, 2003).
Lactose
De acordo com Moynihan (2003), a lactose (soluções de 10 e 50%) produz
menor queda de pH se comparada a sacarose, glicose ou frutose. A
galactose tem se mostrado similar à lactose, assim como a maltose é similar
a sacarose, glicose ou frutose, em análise de pH do biofilme.
Amido
O assunto amido versus cárie dentária é bem complexo. O amido tem
diferentes origens botânicas. É um polímero de glicose, variando de
comprimento e ramificação, encontrado em alguns alimentos como pão,
bolachas e arroz.
A cariogenicidade entre os amidos não difere somente pela origem
botânica, mas também pela quantidade e frequência de consumo, assim
como pelo preparo do alimento. As moléculas de amido, localizadas dentro
de grânulos, podem passar por uma série de mudanças durante o
aquecimento e os procedimentos mecânicos, em processo chamado
gelatinização. Produtos com alta gelatinização são mais suscetíveis à quebra
enzimática pelas bactérias bucais, resultando em maior potencial
cariogênico (Lingström et al., 2000). O amido é, então, metabolizado pelas
amilases salivares, produzindo maltose, maltotriose e dextrina de baixo
peso molecular. A hidrólise do amido se inicia rapidamente na cavidade
bucal, acumulando altos níveis de maltose e maltotriose, que servem como
substrato bacteriano. A fermentação da maltose requer a adaptação das
bactérias a certas condições, mas essa adaptação é rápida em humanos
(Lingström et al., 2000).
Figura 15.1 Fontes de ingestão dos diferentes carboidratos. A. Glicose e frutose. B. Sacarose e
lactose. C. Amido.
Substitutos do açúcar
Dentre os substitutos nutritivos do açúcar, os açúcares-alcoóis (polióis:
sorbitol, manitol, xilitol, maltitol, lactitol, licasin e palatinite) apresentam
boas propriedades tecnológicas (doçura, higroscopia e solubilidade),
segurança bem estabelecida e aceitação regulamentada. Esses açúcares
podem ser metabolizados como fonte de energia. Apresentam doçura
levemente inferior à sacarose, com a necessidade de suplementação com
outros adoçantes em certos produtos. Costumam ser adicionados a doces,
gomas de mascar, chocolates, entre outros (Ly et al., 2006). O principal
valor comercial desses açúcares é a sua adição em doces direcionados aos
diabéticos e para a prevenção de cárie. Os açúcares-alcoóis não estimulam a
secreção de insulina, não elevam a concentração de glicose no sangue e não
aumentam a atividade da lipase-lipoproteína, ajudando no controle da
diabetes e da obesidade. Além disso, suprimem a oxidação da vitamina C.
Uma das desvantagens é que são apenas parcialmente absorvidos no
intestino delgado e passam para o cólon, onde podem induzir a diarreia
osmótica, principalmente quando grandes quantidades são consumidas
(König, 2000).
Os substitutos calóricos são considerados de baixa cariogenicidade,
sendo a produção de polissacarídeos extracelulares reduzida ou inibida pelo
uso desses substitutos. A baixa acidogenicidade é confirmada por estudos
de mensuração de pH. A partir de experimentos em animais e testes
intrabucais concluiu-se que os açúcares-alcoóis são de baixa
cariogenicidade, por não serem metabolizados ou por serem lentamente
metabolizados (van Loveren, 2004). Além disso, sugere-se que tenham
importante papel na remineralização de esmalte desmineralizado
(Matsukubo e Takazoe, 2006; Cardoso et al., 2014).
Sorbitol
O sorbitol é um açúcar-álcool de seis carbonos derivado da glicose. É
encontrado naturalmente em algumas frutas e pode ser obtido da
hidrogenação da glicose. Tem doçura similar à sacarose, mas que é perdida
rapidamente. É fermentado por S. mutans, porém em velocidade mais lenta
que a sacarose, e a queda de pH é mais branda pela fermentação deste
açúcar. O sorbitol é metabolizável por enzimas induzíveis (frequentemente
inativas e apenas ativadas se expostas ao substrato). Isso significa que,
havendo glicose, o metabolismo bacteriano é rapidamente trocado para a
utilização dessa fonte de energia mais facilmente disponível, uma vez que
há enzimas disponíveis para a quebra da glicose (Moynihan, 2005).
Alguns estudos sugerem que a exposição frequente e prolongada ao
sorbitol resulte em mudanças do biofilme, em favor de bactérias
fermentadoras deste. Entretanto, não há evidência de que essas mudanças
adaptativas resultarão em um biofilme dentário que metabolize o sorbitol
tão rapidamente como a sacarose ou a glicose (Moynihan, 2005).
De acordo com a revisão de van Loveren (2004), a maioria dos estudos
clínicos testando gomas de mascar com sorbitol indica que o consumo dessa
goma entre e após as refeições tem efeito preventivo contra a cárie em
comparação ao controle sem mastigação de chicletes. A efetividade pode
variar de 0 a 30% para a dentição permanente. O chiclete com sorbitol
parece ser também efetivo na dentição decídua, mas pela limitação de
estudos é difícil quantificar esse efeito. No entanto, esse papel protetor pode
ser justificado também pela estimulação salivar.
Xilitol
O xilitol é um pentitol, açúcar-álcool com cinco carbonos derivado da
xilose açúcar pentose. O xilitol pode ser encontrado em algumas frutas e
vegetais. Apesar de a doçura ser similar à da sacarose, desaparece
rapidamente, e a rápida dissolução de xilitol em água resulta na sensação de
frescor bucal.
Alguns estudos têm mostrado que S. mutans não metaboliza o xilitol.
Em contraste ao sorbitol, o xilitol exerce efeito bacteriostático sobre S.
mutans (Assev e Rölla, 1986). Sugere-se que a ação benéfica do xilitol seja
no crescimento, metabolismo microbiano e produção de polissacarídeos
extracelulares, nos fatores salivares e no processo de desmineralização e
remineralização (Söderling, 2009; Mäkinen, 2011; Cardoso et al., 2014).
No entanto, os efeitos observados até agora foram relacionados
principalmente com a redução do biofilme formado e do número de S.
mutans. O xilitol tem sido usado em programas preventivos para gestantes,
com redução expressiva na transmissibilidade de microrganismos
(Söderling, 2009; Mäkinen, 2011).
O efeito antibacteriano ocorre pela entrada de xilitol na célula,
resultando em acúmulo intracelular de xilitol-5-P, que pode ser exportado à
custa de ribitol-5-P, estabelecendo um ciclo fútil. O acúmulo desse açúcar
sem produção de energia resulta em degradação celular, vacúolos
intracelulares e outros danos às células. Tem sido especulado que o xilitol
pode apresentar efeito inibidor sobre a produção de ácido pela sacarose e
pela glicose no biofilme dentário, mas os dados são conflitantes (Moynihan,
2005). O consumo frequente de xilitol por período prolongado (2 a 3
semanas) altera o metabolismo bacteriano, reduzindo a produção de ácido
pela degradação da sacarose (Aguirre-Zero et al., 1993). Isso pode ser
devido a mudanças ecológicas na microbiota (redução dos S. mutans) ou à
produção reduzida de biofilme dentário (polissacarídeos extracelulares).
Em relação ao efeito na desmineralização-remineralização, há muitas
controvérsias, uma vez que a maioria dos estudos usa a goma de mascar
como veículo, muitas vezes sem a participação de um grupo-controle com a
mastigação de chiclete placebo. Portanto, é difícil discriminar entre o efeito
real do xilitol e o efeito da saliva estimulada pelo uso das gomas. Por outro
lado, estudos que incorporaram o xilitol a dentifrícios fluoretados ou a
bebidas mostraram bons resultados sobre a redução da desmineralização
(Amaechi et al., 1998; Sano et al., 2007; Riley et al., 2015).
De modo geral, a maioria dos estudos clínicos ou experimentais foi
realizada com xilitol e sorbitol adicionados em gomas de mascar, testando-
os na prevenção da cárie dentária (estudos de Turku, Ylivieska, Montreal e
Belize). Os resultados foram favoráveis, sobretudo, com o uso de goma de
mascar com xilitol, mas apresentaram algumas falhas metodológicas, como
a falta de um grupo com mastigação de chicletes sem o agente (placebo).
Portanto, torna-se difícil interpretar os resultados, uma vez que a própria
mastigação, independentemente da presença de um agente, poderia
minimizar a cárie dentária devido à estimulação salivar. Uma revisão
sistemática de Burt (2006) mostrou que as gomas de mascar com sorbitol e
xilitol não foram cariogênicas se comparadas à goma de mascar sem açúcar,
sendo que o xilitol apresentou bons resultados em todos os protocolos
analisados. De acordo com o autor, há boas evidências científicas de que o
uso de chicletes com xilitol pelas mães reduza a transmissibilidade de
bactérias para os filhos.
Antonio et al. (2011) publicaram revisão sistemática incluindo estudos
que testaram o consumo de xilitol na forma de doces e balas durante
período mínimo de um ano de acompanhamento, e compararam a
porcentagem de progressão de cárie dentária. Das 127 referências, três
foram selecionadas, e destas somente duas mostraram efeito positivo de
doces contendo xilitol na redução do incremento de cárie, porém sem afetar
as superfícies proximais. Entretanto, esses achados não apresentam uma
forte evidência científica. Assim, mais estudos clínicos aleatorizados e
longitudinais são necessários, com o uso de controle adequado e de grande
recrutamento de pacientes nos estudos.
Apesar das dificuldades nas interpretações dos resultados, de acordo
com van Loveren (2004), o uso regular de xilitol é mais eficaz na redução
do número de S. mutans na saliva e no biofilme do que o uso regular de
sorbitol. No entanto, a superioridade do xilitol em relação ao sorbitol não é
suportada por dois de quatro estudos que compararam ambos os açúcares
diretamente. Há evidências de que o uso de gomas ou doces com xilitol ou
mistura de xilitol e sorbitol previna a cárie dentária quando usados várias
vezes ao dia. Comparado ao controle sem o uso de gomas, o xilitol em
gomas apresenta efetividade entre 30 e 60% (van Loveren, 2004).
Por outro lado, o frequente consumo de xilitol pode induzir a S.
mutans resistentes ao xilitol, os quais passam a não produzir a enzima
frutose fosfotransferase, responsável pela incorporação de xilitol à célula.
Essa adaptação minimiza o efeito antimicrobiano desse açúcar-álcool (van
Loveren, 2004). As bactérias resistentes ao xilitol parecem ser menos
virulentas, o que pode resultar em biofilme menos cariogênico (König,
2000).
Além do uso em gomas de mascar, tem-se tentado incorporar o xilitol a
produtos para higiene bucal (Figura 15.3), mas os resultados são
controversos (Petersson et al., 1991; Cutress et al., 1992; Sintes et al.,
1995). De acordo com revisão sistemática recente, dentre os produtos
odontológicos que contêm xilitol, somente há evidência de que dentifrício
contendo F e xilitol pode ser mais eficaz do que dentifrício com F na
prevenção da cárie em dente permanente. Uma desvantagem é que o xilitol
não permanece por muito tempo no biofilme e na saliva após o uso (média
de 8 min), sendo a retenção do produto influenciada pelo veículo utilizado
(Lif Holgerson et al., 2006). Estudos clínicos associando o xilitol a outros
agentes antimicrobianos, assim como a produção de fórmulas que
aumentem a retenção bucal do produto, seriam de grande valia.
Recentemente foi testada a incorporação de xilitol a 10% a um verniz
odontológico, o que demonstrou aumentar o tempo de liberação do xilitol
em saliva artificial (Pereira et al., 2012) e a remineralização de lesões
cariosas in vitro (Cardoso et al., 2014). No entanto, ainda não há evidência
em relação à dose mínima de xilitol a ser incorporada a produtos
odontológicos para se obter efeito terapêutico sobre a cárie dentária (van
Loveren, 2004), sendo que estudos longitudinais devem ser realizados
(Mickenautsch e Yengopal, 2012).
Outros
O licasin é um hidrolisado de amido hidrogenado produzido a partir da
batata ou do amido de milho pela hidrólise enzimática ou ácida parcial e
subsequente hidrogenação sob pressão e temperatura altas. A mistura final
contém mono, di, tri, tetrassacarídeos e polissacarídeos hidrogenados (6 a
8% sorbitol; 50 a 55% maltitol; 20 a 25% maltotritol; e 10 a 20%
polissacarídeos do tipo álcool). Licasin tem de baixo a médio potencial
cariogênico, dependendo da mistura (van Loveren, 2004).
O maltitol é um poliol com 12 carbonos (86 a 90% de maltitol e 1 a
3% de sorbitol) produzido pela hidrogenação da maltose (Matsukubo e
Takazoe, 2006). Não pode ser metabolizado pela maioria das bactérias
bucais, porém algumas espécies (S. mutans e Actinomyces) podem
fermentá-lo lentamente. O manitol, como o sorbitol, é um hexitol,
preparado industrialmente pela hidrogenação do açúcar invertido (sacarose
ou monossacarídeos). Lactobacilos e S. mutans são os únicos capazes de
fermentar os dois açúcares-alcoóis (manitol e sorbitol). As enzimas para o
transporte desses açúcares são induzíveis e, portanto, inibidas na presença
da glicose (Moynihan, 2005). Esses açúcares-alcoóis não apresentam
potencial cariogênico, mas também não são cariostáticos.
Lactitol, um poliol com 12 carbonos composto por galactose e sorbitol,
é obtido da desidrogenação de lactose. Palatinit (composto por duas cadeias
de polióis de 12 carbonos: glicopiranosil-1,6-sorbitol e glicopiranosil-1,6-
manitol) é obtido da desidrogenação da palatinose (dissacarídeo de glicose
e frutose) (Matsukubo e Takazoe, 2006). Ambos os açúcares têm doçura
inferior à sacarose, sendo metabolizados no intestino. São dificilmente
metabolizados por bactérias bucais, sendo considerados não cariogênicos
(van Loveren, 2004).
Novos carboidratos
A produção comercial e o uso de polímeros de glicose e oligossacarídeos de
glicose, frutose e galactose estão aumentando. Xaropes de glicose e
maltodextrina são coletivamente conhecidos como polímeros de glicose.
São produzidos pela hidrólise ácida do amido (milho, trigo ou batata) e
compreendem uma mistura de mono-, di-, tri-, tetra-, penta-, hexa-,
heptassacarídeos e dextrina (sacarídeos de cadeias curta com ramificação).
Os polímeros de glicose são usados para aumentar o conteúdo energético
dos alimentos e não apresentam sabor e odor. São frequentemente
adicionados a alimentos e bebidas para crianças, bebidas esportivas,
sobremesas, doces e suplementos energéticos (Moynihan, 2003).
Os polímeros de glicose têm potencial para causar cárie dentária, já
que podem ser quebrados por enzimas bacterianas em maltose e glicose. No
entanto, são escassas as evidências que demonstram que isso realmente
aconteça em humanos, e a maioria delas provém de estudos em animais e
da avaliação do pH do biofilme dentário. O potencial cariogênico dos
polímeros de glicose, em comparação à sacarose, é controverso; alguns
estudos mostram que o polímero de glicose é tão cariogênico quanto a
sacarose (Grenby, 1972), outros apontam para menor cariogenicidade
(Grenby e Leer, 1974). A redução do pH do biofilme dentário foi verificada
em humanos com o uso de xaropes de glicose (Fry e Grenby, 1972). No
entanto, essa análise não é fortemente relacionada à incidência de cárie
dentária. Os xaropes de glicose substituem a lactose em fórmulas infantis.
Embora estudos sobre redução do pH do biofilme em voluntários não
demonstrem diferença significativa entre os dois açúcares, ensaios clínicos
não têm sido conduzidos (Moynihan, 2005).
Vários oligossacarídeos estão sendo produzidos por indústrias não
somente pelo custo, mas também por motivos de saúde, já que beneficiam a
flora intestinal (prebióticos). O isomalto-oligossacarídeo (IMO, glicosil-
oligossacarídeo) é um exemplo desses oligossacarídeos e contém
monossacarídeos com ligações α1:6/1:4, incluindo isomaltose (glicose-
α1:6-glicose), isomaltulose (glicose-α1:6-frutose) – conhecida também
como palatinose – e panose (glicose-α1:6-glicose, α1:4-glicose). Esses
oligossacarídeos são produzidos a partir da sacarose e do amido, por meio
da reação de transglicosilação, utilizando enzimas transglicosilases. Os
microrganismos preferem metabolizar glicose e sacarose em vez dos IMO.
Estudos experimentais têm demonstrado que os IMO inibem a síntese de
glicanos a partir da sacarose e a consequente aderência de S. mutans às
superfícies dentárias/biofilme in vitro (Moynihan, 2005).
Os fruto-oligossacarídeos (FOS – Profeed® e Raftilose®) também são
fabricados com a mesma finalidade que os IMO. Estudos laboratoriais
sugerem que os FOS são tão cariogênicos quanto a sacarose (Linardi et al.,
2001). Em termos de acidogenicidade, os FOS parecem ser mais danosos
que a sacarose, mas em relação à espessura do biofilme, foi constatado
resultado oposto em biofilme de S. mutans (Ma et al., 2013). No entanto, a
determinação do potencial cariogênico dos FOS requer estudos adicionais
in vivo.
Alguns isômeros estruturais da sacarose apresentam propriedades
organolépticas similares à sacarose, mas possuem baixo potencial
cariogênico (Würsch, 1989). Os isômeros são produzidos por meio de
transglicosilação da sacarose. A trealose, exemplo de isômero (glicose-
α1:1-frutose), não é substrato para produção de glicanos por S. mutans e,
por isso, não induz à cárie em níveis significantes em ratos superinfectados
por esses microrganismos (Ooshima et al., 1991). A leucrose (glicose α1:5-
frutose) também tem demonstrado não ser cariogênica em ratos (Ziesenitz
et al., 1989).
O xarope à base de milho com alta concentração de frutose (XMAF) é
produzido principalmente por motivos econômicos. É quimicamente similar
ao açúcar invertido (50% de frutose + 50% de glicose), sendo que ambos
não induzem a produção de polissacarídeos extracelulares e apresentam
cariogenicidade 20 a 25% menor que a sacarose (Frostell et al., 1991).
Alimentos protetores
O leite pode ser considerado alimento favorável à saúde bucal, já que
apresenta lactose como açúcar, sendo este menos cariogênico, e também
fatores de proteção (cálcio, fosfato, caseína e lipídios). Por conter altas
concentrações de minerais, proteínas e lipídios, o leite favorece a
remineralização de lesão de cárie dentária. A caseína pode ser degradada
por enzimas bacterianas, resultando em produtos (peptídios e aminoácidos)
que aumentam o pH do biofilme. Comparando-se leite bovino e materno, o
último apresenta menores concentrações de minerais e maior concentração
de açúcar, sendo teoricamente mais cariogênico. Na prática, a questão de
cariogenicidade a respeito do leite é complexa, em função da possibilidade
de adição de outros açúcares (sacarose) de maior cariogenicidade que a
lactose ao leite bovino. Evidências aponta que a amamentação pode
proteger contra cárie quando realizada até os 12 meses de idade. No
entanto, após os 12 meses há tendência para aumento do risco à cárie
dentária (Jham et al., 2015).
O queijo também é anticariogênico, pois estimula o fluxo salivar e
aumenta a concentração de cálcio e fosfato salivar, sendo de importância
para a remineralização das lesões de cárie dentária (Bowen, 1994).
O fitato encontrado em vegetais é anticariogênico, formando uma
barreira física protetora contra os ácidos do biofilme por meio da sua
adsorção à superfície dentária. Entretanto, o fitato natural do alimento não é
comumente liberado de sua estrutura antes de ser ingerido. Também não é
apropriado como aditivo em alimentos, pois parece reduzir a absorção de
ferro, magnésio, cálcio e zinco. Uma hipótese para explicar o porquê de
pessoas que consomem alimentos à base de planta não processada
apresentarem menor número de lesões não cariosas é o fato de a mastigação
desses alimentos estimular o fluxo salivar.
O fosfato inorgânico também parece ser efetivo na prevenção de lesões
cariosas, sendo o trimetafosfato de sódio (Na-TMP) o que mais reduziu a
cárie quando adicionado à goma de mascar e utilizado por crianças 3
vezes/dia (Finn et al., 1978). No entanto, as concentrações requeridas desse
sal para prevenir a cárie podem ser muito altas, levando à ingestão
indesejada de sódio. O Na-TMP tem sido adicionado a produtos
odontológicos, com a finalidade de prevenir a cárie dentária (Manarelli et
al., 2014; Takeshita et al., 2015).
Atualmente, tem se testado a adição de íons que compõem a apatita
dentária (como cálcio, fosfato, ferro e fluoreto) para reduzir o potencial de
diferentes alimentos em causar a desmineralização dentária (Pecharki et al.,
2005) ou para potencializar a remineralização (Lingström et al., 2003;
Itthagarun et al., 2005). A adição da fosfoproteína da caseína e do fosfato
de cálcio em chicletes sem açúcar reduziu a incidência de cárie
interproximal em crianças que os utilizaram diariamente em comparação
àquelas que mascaram chicletes placebo (Morgan et al., 2008).
As lectinas são proteínas encontradas nas plantas e têm propriedade de
se ligar a determinados grupos de carboidratos. Além disso, podem interagir
com constituintes salivares, mudando a composição da película adquirida e
dificultando a adesão bacteriana. As gorduras presentes nos alimentos
também podem desempenhar papel protetor, por formarem uma barreira de
proteção no esmalte (Buchalla et al., 2003).
Atualmente, há grande interesse no uso de alimentos contendo
polifenóis, como cacau, café, chá e muitas frutas. Os polifenóis podem
interferir com a atividade da glicosiltranferase em S. mutans e,
consequentemente, com a formação do biofilme dentário. As maçãs contêm
polifenóis e são boas estimulantes salivares, porém contêm açúcar e são
ácidas, o que causa controvérsias. O chá também contém polifenóis, além
de flúor e de flavonoides, e parece ser efetivo na redução da cárie; porém,
não se sabe se esse efeito é devido ao flúor, à ação antibacteriana de
polifenóis ou a ambos. O amendoim, assim como as gomas de mascar sem
açúcar, é capaz de estimular o fluxo salivar, reduzindo a queda de pH pelo
consumo de açúcar.
O chá-verde, obtido da Cammelia sinensis, parece ter efeito inibitório
sobre as colagenases (metaloproteínases de matriz – MMP). O polifenol
Epigallocatechin gallate (EGCG) é um dos princípios ativos do chá-verde,
tendo atividade inibitória potente contra MT1-MMP, resultando na
diminuição da ativação da pró-MMP-2. Em adição, a atividade das MMP-2
e MMP-9, bem como da MMP-12 de macrófagos e neutrófilos, também foi
diretamente inibida pelo EGCG (Demeule et al., 2000; Garbisa et al., 2001;
Sartor et al., 2002). Já que as MMPs são encontradas na dentina e na saliva,
e estão relacionadas com a progressão da desmineralização (Tjärdehane et
al., 1998), o uso do chá-verde poderia ter bom potencial para prevenir a
progressão da erosão e da cárie dentinária (Kato et al., 2009).
Portanto, as pesquisas atuais têm focado na avaliação de alimentos
funcionais (Figura 15.4) e fitoterápicos, bem como no impacto do açúcar no
desenvolvimento de cárie ao longo da vida do indivíduo, já que a maioria
dos estudos é restrita a crianças.
Conclusão
Com base no exposto neste capítulo, é importante reavaliar o
aconselhamento em relação à dieta de acordo com os conceitos atuais sobre
a doença. O aconselhamento dietético deve ser realista e moldado de acordo
com o comportamento dietético da família. Para indivíduos com baixo risco
de cárie dentária e com acesso à fluoretação, o aconselhamento dietético
pode ter baixo impacto em termos de saúde bucal, e para aqueles com alto
risco de cárie dentária e baixo acesso ao flúor, a orientação dietética é
imprescindível.
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Aquisição e colonização bacteriana
Os colonizadores iniciais da cavidade bucal são intitulados “espécies
pioneiras” e são basicamente do grupo Streptococcus (60 a 90%, S.
salivarius, S. mitis e S. oralis) (Nyvad e Kilian, 1987). Com o tempo, outros
tipos de bactérias aparecem, como as anaeróbicas gram-negativas, incluindo
Prevotella melaninogenica, Fusobacterium nucleatum e Veillonella sp. (ten
Cate, 2006). A irrupção dentária cria novos hábitats para a colonização
microbiana, já que os dentes são considerados como a única superfície da
cavidade bucal que não se renova, possibilitando a aderência da microbiota
residente e, consequentemente, o acúmulo não perturbado de grande massa
de bactérias, principalmente em locais de estagnação (faces interproximais
e cicatrículas). A essa massa de bactérias denominamos placa dentária
(Figura 16.1), exemplo de biofilme (comunidade de microrganismos
aderida a uma superfície, de maneira que estes estejam arranjados
tridimensionalmente e inclusos em matriz de material extracelular derivada
das próprias células e do ambiente). Portanto, neste texto são utilizadas as
duas palavras: placa dentária e biofilme dentário.
Há várias vantagens para os microrganismos que vivem em biofilme,
tais como: amplo hábitat para crescimento (espécies que consomem
oxigênio criam ambiente favorável para as anaeróbicas), maior eficiência
metabólica (moléculas produzidas por algumas bactérias podem ser
degradadas por outras), aumento da resistência ao estresse e a agentes
antimicrobianos, e aumento da virulência.
Figura 16.1 Acúmulo de biofilme dentário ou placa dentária destacado(a) com o uso do corante e
sua visualização por microscopia confocal.
Comunidade clímax
Após 14 dias de crescimento não perturbado, o biofilme desenvolve uma
comunidade clímax (placa madura) que abriga inúmeras espécies
microbianas envolvidas por matriz extracelular e produtos concentrados de
seu metabolismo, junto a íons e nutrientes advindos do hospedeiro (Gilbert
et al., 1997). As diferenças qualitativas e quantitativas detectadas em cada
espécie são tão pronunciadas que cada superfície dentária deve ser
considerada como única, devido às propriedades físicas e biológicas de cada
sítio (Marsh, 2004).
A comunidade clímax é caracterizada pela homeostasia microbiana,
que tende a expulsar espécies invasoras que não existiam previamente, e
está relacionada a interações sinérgicas (cooperação) e antagônicas
(competição) entre bactérias. A estabilidade microbiológica é aumentada
pelo desenvolvimento de inter-relações nutricionais e pela necessidade de
colaboração no catabolismo de nutrientes endógenos complexos,
principalmente entre bactérias localizadas nas camadas mais profundas, que
necessitam dos produtos metabólicos das bactérias mais superficiais como
fonte de nutrientes, uma vez que não têm acesso aos nutrientes advindos do
hospedeiro. As bactérias adaptam seu fenótipo de acordo com as mudanças
no meio ambiente, como na fartura ou escassez de nutrientes, e durante
mudanças de temperatura e pH.
No entanto, podem ocorrer mudanças negativas na placa dentária
como efeito direto ou indireto da dieta, do hospedeiro (envelhecimento,
diminuição da imunidade, uso de próteses, medicações e redução do fluxo
salivar) ou por alterações na microbiota. O desequilíbrio da placa dentária
determina o aparecimento de duas doenças bucais: a cárie dentária e a
doença periodontal. A cárie dentária é caracterizada pela desmineralização
dos tecidos dentários (esmalte e dentina), com o consequente aparecimento
de mancha branca e cavitação. Já a doença periodontal acomete os tecidos
de suporte do dente, com o aparecimento de inflamação gengival e
reabsorção óssea (Marsh e Bradshaw, 1997).
Por outro lado, mudanças positivas podem ocorrer quando há o
controle mecânico da placa, por meio da escovação e do uso do fio dental,
que desorganizam a comunidade clímax, interrompendo temporariamente a
desmineralização do esmalte ou a agressão aos tecidos de suporte.
Figura 16.4 Hipótese da placa ecológica para (A) cárie dentária e (B) doença periodontal.
Disponibilidade de oxigênio
A placa dentária madura tem poucas espécies verdadeiramente aeróbicas.
Bactérias anaeróbicas são mais comuns, apesar de a distribuição não ser
uniforme e as proporções serem maiores quando a placa se acumula.
Quanto mais espessa for a placa ou mais protegida estiver (no sulco
gengival), maior será a dificuldade de entrada de oxigênio, o que facilita a
sobrevivência das bactérias anaeróbicas. Isto é de especial importância para
o desenvolvimento da doença periodontal.
Nutrientes
As bactérias dependem quase que exclusivamente do meio ambiente para a
aquisição de nutrientes como ureia, glicoproteínas salivares, proteínas
salivares e tissulares e carboidratos (dieta). A degradação das glicoproteínas
depende da interação de várias bactérias, cada qual com o perfil
complementar da atividade da glicosidase. Algumas bactérias utilizam
produtos do metabolismo de outras bactérias (lactato e succinato); outras
quebram peptídios e aminoácidos produzidos durante a degradação de
moléculas complexas do hospedeiro por outros microrganismos. Os
produtos mais importantes do metabolismo dos aminoácidos são ácidos
acético, propiônico, butírico, isobutírico e isovalérico, juntamente à amônia
e, ocasionalmente, CO2. Esses produtos não causam grandes alterações no
pH do ambiente.
As bactérias presentes no biofilme supragengival, relacionadas à cárie
dentária, utilizam principalmente o açúcar vindo do hospedeiro
(glicoproteínas salivares) ou da alimentação (Capítulo 15). Já bactérias
presentes no biofilme subgengival (especialmente as
periodontopatogênicas) utilizam nutrientes provenientes do sulco gengival,
principalmente as proteínas.
Figura 16.6 Via glicolítica mostrando entrada de açúcar na célula, produção de energia e liberação
dos produtos finais. ADP: adenosina difosfato; ATP: adenosina trifosfato; HPr: heat-stable protein
(proteína estável no calor); EI: enzima I; EII: enzima II; NAD: nucleotídeo de nicotinamida e adenina.
Em áreas subgengivais, carentes de açúcar, a fonte de nutrientes para
os microrganismos é o fluido gengival, sendo os aminoácidos as fontes de
energia mais importantes, com a formação de vários produtos: ácidos
acético, propiônico, butírico, isobutírico e isovalérico, amônia e CO2
(ocasionalmente). Essa atividade metabólica não altera significativamente o
pH do biofilme.
Já quando há excesso de açúcar (placa supragengival), ocorre a
regulação da taxa de glicólise à produção de polissacarídeo intracelular
(estoque energético). Após a entrada de excesso de açúcar, este é convertido
em ácido lático e glicose-1-P. A glicose-1-P prossegue para a formação de
glicana, um polímero de glicose (a1:4). Para a formação de glicana utiliza-
se 1 ATP. A síntese desse estoque intracelular de glicose só é possível
quando há excesso de nutriente, sendo que a glicose inserida no polímero
poderá ser reutilizada durante os períodos de redução de nutrientes,
originando ATP suficiente para manter a viabilidade celular.
Tolerância ácida
Os microrganismos cariogênicos apresentam também a capacidade de
manter o metabolismo do açúcar, mesmo sob condições extremas (p. ex.,
pH baixo, que pode ser fator de estresse para as bactérias). Para sobreviver,
as bactérias devem desenvolver mecanismos de tolerância ácida.
Estreptococos e lactobacilos não só permanecem viáveis em pH baixos, mas
crescem e metabolizam preferencialmente nessas condições. Portanto, são
considerados microrganismos acidogênicos e acidúricos, características que
dependem: da habilidade de manter o ambiente intracelular favorável e
bombear prótons, mesmo sob condições ácidas; da existência de enzimas
cujo pH ótimo é ácido; e da produção de proteínas específicas de resposta
ao estresse ácido. Matsui e Cvitkovitch (2010) dividiram o mecanismo de
tolerância ácida em: produção de moléculas de reparo e proteção do DNA e
de proteínas; alteração do metabolismo, para otimizar a captura de glicose
em baixo pH; indução do metabolismo secundário, no qual os prótons
derivados do piruvato são consumidos; regulação do crescimento do
biofilme e da densidade microbiana pelo mecanismo de comunicação
celular quorum sensing; e aquisição de tolerância ácida (manutenção do pH
intracelular pelo aumento das bombas de prótons e alteração da composição
da membrana).
Cálculo dentário
O cálculo dentário é formado pela precipitação de minerais na placa
dentária, causando sua calcificação. Há dois tipos de cálculo:
supragengival, formado a partir da saliva, e subgengival, formado pelo
exsudato do sulco gengival. Os cálculos supragengivais são mais comuns
próximo à saída de glândulas salivares (superfície vestibular do segundo
molar superior e superfície lingual dos incisivos inferiores); os cálculos
subgengivais também apresentam especificidade para sítio, mas não tão
acentuada quanto os cálculos supragengivais. O nível de cálculo
subgengival é maior nas superfícies linguais que nas vestibulares,
principalmente nos molares inferiores (Jin e Yip, 2002).
As bactérias mortas servem como nucleadoras de precipitação. Os
ácidos fosfolipídios na membrana bacteriana são palavra-chave na
calcificação da placa dentária, pois têm alta afinidade pelo cálcio. A
formação do cálculo depende de algumas características da placa dentária:
supersaturação de íons cálcio e fosfato; ausência de inibidores (magnésio,
difosfanato, pirofosfato, zinco e proteínas salivares, como estaterina e PRP)
ou existência de promotores da calcificação (fosfatases e pirofosfatases
ácidas e alcalinas); e pH alcalino. A alta atividade proteolítica e,
consequentemente, a degradação das proteínas inibidoras da calcificação,
bem como a liberação de alto teor de ureia (degradada em amônia) facilitam
a deposição de cálcio e do fosfato na placa dentária. Os sais de fosfato de
cálcio são depositados na forma de fosfato octacálcio, hidroxiapatita e
fosfato tricálcio β (Jin e Yip, 2002).
Não há desmineralização dentária (cárie dentária) sob cálculo, já que
este meio é supersaturado em relação à apatita, porém o cálculo pode se
formar sobre uma lesão cariosa inativa. O cálculo é fator irritante aos
tecidos periodontais. Vários inibidores de precipitação foram adicionados a
dentifrícios, para reduzir a formação de cálculo dentário e evitar problemas
periodontais, dentre os quais estão a triclosana (antimicrobiano) associada a
gantrez, pirofosfatos, citrato de zinco e cloreto de zinco.
O zinco pode inibir o crescimento do cristal por meio da ligação à
superfície do fosfato de cálcio sólido. No entanto, essa ligação é reversível,
sendo que o zinco pode ser trocado por cálcio. O pirofosfato pode se ligar à
superfície do cristal, inibindo a adsorção de íons fosfato e, assim, pode
inibir o crescimento do cristal. Além disso, o pirofosfato atrasa a conversão
de sais de fosfato de cálcio à hidroxiapatita e reduz a formação da película
adquirida, devido à sua habilidade de deslocar ânions e macromoléculas
carregadas negativamente da superfície dentária. No entanto, o pirofosfato é
rapidamente hidrolisado por fosfatases na cavidade bucal. A adição de um
copolímero pode prevenir a hidrólise do pirofosfato, aumentando a eficácia
do agente anticálculo.
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N
o Capítulo 12 foi estudada a composição do esmalte e da dentina. Em
resumo, o esmalte é constituído basicamente por mineral (apatita,
96% em peso), com um conteúdo orgânico remanescente bastante pequeno
(4% de proteínas e água); a dentina é constituída por mineral (70% em
peso), porém tem um conteúdo orgânico considerável, principalmente na
forma de colágeno do tipo I (20% em peso), e também contém água (10%
em peso). Quando ácidos entram em contato com os dentes, eles podem
provocar a remoção de mineral, processo conhecido como
desmineralização (Des). A saliva tem capacidade de fazer lavagem dos
ácidos e tamponamento, propiciando que o pH retorne aos níveis próximos
à neutralidade (Capítulo 15), situação na qual pode haver reposição dos
minerais anteriormente perdidos, processo chamado remineralização (Re).
Entretanto, quando os episódios de desmineralização se sobrepõem ao
processo de remineralização, duas lesões dentárias podem se desenvolver: a
cárie e o desgaste dentário erosivo, mais comumente conhecido como
erosão dentária. Sabendo que a composição do esmalte e da dentina é
diferente, em relação às proporções de mineral e matéria orgânica, é de se
esperar que a progressão da cárie e da erosão dentária evolua distintamente
nesses dois tecidos.
Apesar de poder ser facilmente prevenida, a cárie dentária é a doença
crônica mais prevalente em todo o mundo, constituindo-se em um
importante problema de saúde pública e consumindo recursos consideráveis
para o tratamento de suas sequelas. Na União Europeia, em 2011, os gastos
anuais com tratamento dentário foram estimados em 79 bilhões de euros
(Rugg-Gunn, 2013), enquanto nos EUA, este custo foi de 111 bilhões de
dólares em 2012 (Wall et al., 2015). Dados estatísticos relativos aos gastos
com tratamentos dentários no Brasil não estão facilmente disponíveis, mas
em função do desenvolvimento econômico e do IDH (índice de
desenvolvimento humano) de alguns países europeus e dos EUA, pode-se
especular que cifras proporcionalmente aproximadas incidam também em
nosso país. Mundialmente, cerca de 60 a 90% das crianças e quase 100%
dos adultos têm ou tiveram cárie dentária, que frequentemente leva a dor ou
desconforto (WHO, 2012). Em adição, doenças, incluindo a cárie dentária,
são a principal causa da ausência de crianças na escola (Rugg-Gunn, 2013).
Dados de prevalência de desgaste dentário erosivo são mais difíceis de
serem encontrados, especialmente em nível nacional ou global, sem contar
o fato de que os distintos sistemas de registro dificultam a comparação entre
os diferentes estudos. Os poucos dados disponíveis revelam um aumento de
prevalência, variando de 1 a 79% em dentes decíduos de crianças de 2 a 5
anos, 14% nos dentes permanentes de crianças de 5 a 9 anos, de 7 a 100%
em adolescentes de 9 a 20 anos e de 4 a 100% em adultos (18 a 88 anos)
(Jaeggi e Lussi, 2014). Uma revisão sistemática recente estimou a
prevalência de desgaste dentário erosivo em dentes permanentes de crianças
e adolescentes em 30,4% (Salas et al., 2015a). Deve ser considerado que o
desgaste dentário erosivo é progressivo e, se não forem instauradas medidas
preventivas apropriadas em tempo, a prevalência e a severidade tendem a
aumentar com a idade (Jaeggi e Lussi, 2014). Sendo as prevalências de
cárie e desgaste dentário erosivo elevadas e suas sequelas indesejáveis, a
prevenção é altamente necessária e, para sua execução, é fundamental
compreender os mecanismos envolvidos nas reações de desmineralização e
remineralização dentária.
Em linhas gerais, a principal diferença na etiologia da cárie e da erosão
se deve ao fato de os ácidos envolvidos na cárie serem produzidos por
microrganismos estabelecidos em um biofilme cariogênico (Takahashi e
Nyvad, 2011), enquanto os ácidos envolvidos nas lesões erosivas provêm da
dieta (extrínsecos) (Barbour e Lussi, 2014) ou do conteúdo gástrico do
hospedeiro (intrínsecos) (Moazzez e Bartlett, 2014). Também o pH dos
ácidos envolvidos na etiologia destas lesões é diferente. No caso da cárie,
quando o hospedeiro tem uma dieta rica em açúcares, os microrganismos
produzem ácidos, reduzindo o pH do biofilme abaixo do crítico (pH 5,5)
para hidroxiapatita (HAP), mas ficando acima do crítico para a fluorapatita
(FAP; pH 4,5), o que acaba gerando uma desmineralização de
subsuperfície, caracterizada clinicamente como mancha branca (lesão não
cavitada) (Fejerskov e Kidd, 2008). Durante este estágio, ainda é possível
reverter o processo, evitando a cavitação e, consequentemente, a
necessidade de restauração (Stahl e Zandona, 2007). Já no caso da erosão,
embora não exista um pH crítico característico fixo, como no caso da cárie,
o “pH crítico” corresponde a um valor de pH no qual a solução erosiva é
exatamente saturada em relação a um sólido específico, como, por exemplo,
o esmalte. Isto depende tanto da solubilidade do sólido de interesse quanto
das atividades dos constituintes minerais relevantes da solução (cálcio,
fosfato e fluoreto, em menor extensão) (Lussi e Carvalho, 2014). Na erosão
existe subsaturação tanto em relação à HAP quanto em relação à FAP, pois
o pH dos agentes causadores é menor que 4,5, ocasionando inicialmente um
amolecimento da superfície dentária, seguido por dissolução contínua de
camada por camada dos cristais do esmalte, culminando em uma perda
permanente de volume, com uma camada amolecida na superfície do tecido
remanescente. Nos estágios mais avançados, a dentina acaba sendo exposta
(Lussi et al., 2011). Com a exposição dentinária, tanto a progressão da cárie
quanto da erosão sofre mudança expressiva em decorrência da composição
do tecido dentinário.
Neste capítulo serão abordados os mecanismos que levam à
desmineralização e à remineralização dos tecidos dentários, fornecendo
subsídios para que possa ser feito um adequado controle da cárie e da
erosão dentária.
Dinâmica mineral
Os cristais minerais no esmalte e na dentina são similares à HAP,
Ca10(PO4)6(OH)2. Os cristais de HAP têm um formato hexagonal, com os
íons cálcio ocupando os vértices dos hexágonos e o interior dos cristais,
enquanto os fosfatos ocupam as laterais dos hexágonos. As hidroxilas
ocupam o centro dos hexágonos (Figura 17.1). Na verdade, os cristais de
apatita dentária apresentam impurezas, sendo, por isso, conhecidos como
bioapatitas, nas quais pode haver trocas de íons. Os íons Ca+2 podem ser
substituídos por outros cátions, como Mg+2, Na+ ou Sr+2, enquanto os íons
(PO4)–3 podem ser substituídos por ânions, como (CO3)–2, (HCO3)– ou
(HPO4)–2. Já os íons OH– podem ser substituídos por (HCO3)–, Cl– ou F–.
Com essas substituições, haverá alteração na cristalinidade e na
solubilidade. A incorporação de Mg+2 e de (CO3)–2 enfraquece o cristal. Já a
incorporação de F–, formando a FAP, deixa o cristal mais resistente, porque
o raio do F– é menor que o da OH–. Com isso, há uma aproximação dos íons
Ca+2, tornando o cristal mais coeso, além de haver redução da energia de
superfície, estabilizando a estrutura do cristal. Os cristais de apatita do
esmalte são finos (cerca de 50 nm) e longos (cerca de 100 μm), e estão
altamente empacotados, constituindo os prismas de esmalte. O espaço entre
os cristais é ocupado por água (cerca de 11% em volume) e material
orgânico (2% em volume). Por conta do alto conteúdo de HAP no esmalte,
suas propriedades são similares às da HAP pura (densidade = 2,95 g/cm3,
dureza Knoop em torno de 370 KHN e ausência de cor; a coloração
amarelada do dente reflete, na verdade, a cor da dentina subjacente). Apesar
de os cristais de apatita serem incolores, o esmalte é translúcido por conta
da diferença no índice de refração da HAP (1,62) e da água que circunda os
cristais (1,33) (Fejerskov e Kidd, 2008).
Figura 17.2 Conceito de saturação. Após se adicionar uma ou duas colheres de sal de cozinha a um
copo de água e se agitar, todo o sal se dissolve na água, já que a solução encontra-se subsaturada
em relação ao sal de cozinha. Porém, quando se adiciona uma terceira colher de sal, parte do sal se
precipita, uma vez que a solução ficou supersaturada em relação ao sal.
Para melhor entendimento desse processo, é necessário definir dois
conceitos básicos: produto de atividade iônica com relação à
hidroxiapatita (PAIHAP) e produto de solubilidade da hidroxiapatita
(KSPHAP).
A determinação do grau de saturação de uma solução em relação à
HAP depende do princípio do produto de solubilidade. Esta teoria é
derivada da Lei da Ação das Massas, que afirma que a velocidade de uma
reação é proporcional ao produto das massas das substâncias reagentes,
cada uma elevada à potência do número de moléculas que participam. Por
convenção, quando uma unidade de massa de hidroxiapatita se dissolve, 5
íons cálcio, 3 íons fosfato trivalentes e um íon hidroxila são liberados em
solução (Equação 1) (Aoba, 2004):
Ca5(PO4)3OH ↔ 5Ca+2 + 3PO4–3 + OH– (1)
Por outro lado, em pH mais baixos, como, por exemplo, pH 4,5, seria
necessário em torno de 7,5 mM Ca+2 na fase fluida para formar HAP,
concentração muito maior que a existente na saliva (em torno de 2 mM).
Nesta situação, existe subsaturação, ocorrendo a desmineralização
(dissolução da HAP) (Aoba, 2004; Buzalaf, 2013). No pH entre 4 e 7, a
solubilidade da apatita fica 10 vezes maior quando o pH é reduzido em 1
unidade.
Em resumo, em valores de pH menor que 5,5 há uma tendência para
desmineralização no esmalte, havendo dissolução de HAP; e em valores
acima de 5,5 há uma tendência para ocorrência de remineralização no
esmalte (formação de HAP). Diferentemente da HAP, o pH crítico da
fluorapatita (FAP) é mais baixo (em torno de 4,5), o que confere a esse
cristal maior resistência à dissolução.
No caso da cárie dentária, quando as bactérias da cavidade bucal
produzem ácidos (ácido lático, especialmente), geralmente o pH se mantém
entre 4,5 e 5,5 (Figura 17.5). Nessa situação, diferentemente do que ocorre
para a HAP, existe supersaturação para a FAP, cujo pH crítico é de 4,5 em
consequência do seu menor produto de solubilidade quando comparada à
HAP. Portanto, em uma situação de pH 5 (na presença do ácido lático),
haverá a dissolução da HAP (Figura 17.5) e a deposição de FAP. Como a
FAP é depositada principalmente na região superficial, em um desafio
subsequente vai haver a desmineralização da HAP localizada na
subsuperfície e formação de mais FAP na superfície. Ao longo do tempo,
após sucessivas reações de des- e remineralização, havendo predomínio da
desmineralização, as alterações do esmalte ficarão visíveis clinicamente
com o aparecimento da mancha branca, o primeiro sinal da cárie dentária
(Figura 17.6). Essa lesão é caracterizada microscopicamente como
subsuperficial, em que há perda de HAP na subsuperfície e deposição de
FAP na superfície. Vários outros fatores contribuem para a manutenção da
camada superficial intacta na lesão inicial de cárie: maior conteúdo mineral,
vias de difusão mais estreitas, orientação diferente dos cristais e menor
conteúdo de CO3–2 e Mg+2 na região superficial (Featherstone, 2004).
No caso da cárie dentária, o fator que irá determinar a queda do pH é a
cariogenicidade do biofilme dentário. Entre as bactérias que compõem o
biofilme dentário, têm-se os estreptococos do grupo mutans e os
lactobacilos, que são altamente acidogênicos, sendo capazes de metabolizar
açúcares e produzir ácidos (no caso, ácido lático), mesmo em condições
críticas do ambiente. Isto causa uma queda de pH em torno de 5, sendo
capaz de alterar o equilíbrio mineral, se o ambiente circundante não
conseguir equilibrar este pH rapidamente. Dependendo da frequência com
que esses ácidos são produzidos pelas bactérias, o processo de
desmineralização pode predominar em relação à remineralização, levando,
ao longo do tempo, à formação da lesão cariosa (Featherstone, 2004).
Figura 17.5 Curva de Stephan, mostrando a queda do pH no biofilme, ao longo do tempo, após
consumo de açúcar e produção de ácidos pelas bactérias do biofilme. O pH diminui rapidamente
após o consumo de açúcares, mantendo-se entre 4,5 e 5. Nesta situação, há subsaturação em
relação à hidroxiapatita, que irá se dissolver da subsuperfície do esmalte (desmineralização; DES),
mas ao mesmo tempo há supersaturação em relação à fluorapatita, que irá se depositar na
superfície do esmalte. O pH do biofilme vai sendo lentamente restabelecido, por conta da ação
salivar, e quando alcançar novamente índice superior a 5,5, vai ocorrer remineralização (RE).
Figura 17.6 Lesão de cárie inicial (mancha branca), formada após períodos sucessivos de des e
remineralização, havendo predomínio da primeira. A. Incisivos permanentes com lesão de mancha
branca na cervical e lesão já cavitada na mesial do dente 12. B. Incisivos decíduos com lesão de
mancha branca na cervical e lesão já cavitada na incisal do dente 51. (Foto B gentilmente cedida
pela Profa. Daniela Rios, da FOB-USP.)
Figura 17.7 Erosão dentária: bebidas com pH muito baixo ou o retorno do conteúdo gástrico para a
cavidade bucal causam subsaturação com relação à hidroxiapatita (HAP) e à fluorapatita (FA),
levando à perda de minerais na superfície dentária e um pouco abaixo dela, processo chamado de
desmineralização próxima à superfície. A camada superficial remanescente fica amolecida.
Conclusão
Embora tanto as lesões de cárie e de erosão sejam causadas por ácidos, as
características dos ácidos envolvidos, bem como as condições de formação
dessas lesões, são bastante distintas. Essas diferenças têm um papel
preponderante nas características clínicas e microscópicas dessas lesões.
Um conhecimento aprofundado sobre o mecanismo das reações de
desmineralização e remineralização é fundamental para que as mesmas
possam ser apropriadamente controladas.
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O
flúor é um componente natural da biosfera, sendo o 13o elemento
mais encontrado na crosta terrestre. Pertence à família dos halogênios
e em temperatura ambiente é um gás de cor amarelo-pálida. Por ser
altamente eletronegativo, encontra-se associado a outros elementos, na sua
forma iônica (fluoreto).
Curiosamente, o efeito benéfico do uso dos fluoretos no controle da
cárie dentária foi descoberto por acaso nas primeiras décadas do século 20,
quando se observou que residentes de determinadas áreas dos EUA
apresentavam manchas nos dentes, cuja prevalência e gravidade tinham
relação direta com o teor de fluoreto presente na água. O desejo de se
investigar essa relação deu origem ao “Estudo das 21 Cidades”, por meio do
qual os diferentes níveis de fluoreto naturalmente presentes na água dessas
cidades foram relacionados às prevalências de cárie e fluorose dentária nos
adolescentes nelas residentes. Esse clássico estudo realizado pela equipe de
Trendley Dean foi um marco na Epidemiologia e forneceu a base para a
fluoretação controlada da água de abastecimento público visando ao
controle da cárie dentária. Observou-se que a presença de fluoreto na água
em uma concentração em torno de 1 mg/ ℓ promovia máxima redução no
CPOD (índice de dentes cariados, perdidos ou obturados) e que, quando o
teor excedia 1,5 mg/ℓ, não havia melhora significativa no índice de cárie,
mas havia um aumento na prevalência e severidade da fluorose dentária
(Dean et al., 1941; 1942). Após os resultados desses estudos, em 1945, a
fluoretação da água de abastecimento público começou a ser implementada
como medida para o controle da cárie dentária (Arnold et al. 1953). Nessa
época, acreditava-se que, para que o máximo efeito cariostático fosse
exercido, o fluoreto deveria ser incorporado à estrutura do esmalte dentário
durante o seu desenvolvimento. Para tal, o fluoreto deveria ser ingerido
(efeito sistêmico).
No início da década de 1980, foi proposta uma mudança no paradigma
relacionado aos mecanismos cariostáticos dos fluoretos (Fejerskov et al.,
1981). Propôs-se que seu efeito predominante para o controle da lesão
cariosa seria tópico, por meio de uma atuação nos processos de
desmineralização e remineralização que acontecem na interface entre a
superfície dentária e os fluidos bucais. Este conceito logo se tornou
amplamente aceito (ten Cate e Duijsters, 1983; Ogaard et al., 1988; 1991;
ten Cate e Featherstone, 1991) e trouxe a possibilidade de se obter a
máxima proteção contra a cárie dentária, sem que houvesse a necessidade
de uma grande ingestão de fluoreto. Desse modo, voltou-se a atenção para o
controle da quantidade de fluoreto ingerido, o que, associado ao aumento na
prevalência de fluorose dentária (Khan et al., 2005), levou muitos
pesquisadores a investigarem as principais fontes de ingestão de fluoreto,
que se constituem nos principais fatores de risco para a fluorose dentária
(Mascarenhas, 2000). A dose ótima de ingestão diária de fluoreto ainda hoje
utilizada quando se almeja a prevenção contra cárie e fluorose dentária
(entre 0,05 e 0,07 mg/kg de peso corporal/dia) foi, na verdade, estabelecida
empiricamente (Burt, 1992). Após décadas de estudo do tema, ainda não há
evidências científicas sólidas em relação à adequação desta dose. Não se
trata de uma tarefa fácil, uma vez que vários fatores afetam o metabolismo
dos fluoretos, alterando a relação entre a quantidade ingerida desse íon e o
risco de ocorrência de fluorose dentária e esquelética (Buzalaf e Whitford,
2011).
O objetivo desse capítulo será fornecer subsídios para a utilização
racional dos fluoretos para prevenção contra cárie dentária. Para tanto,
abordaremos as principais fontes de ingestão de fluoreto, o metabolismo
desse íon no organismo e quais fatores o afetam, de que maneira a ingestão
excessiva de fluoretos é tóxica para o organismo e como evitar essa
toxicidade, bem como os mecanismos pelos quais os fluoretos são capazes
de controlar a cárie dentária.
Água fluoretada
Por ser um método de grande abrangência, beneficiar todos os grupos
socioeconômicos e ter uma excelente relação custo-benefício, a fluoretação
das águas de abastecimento público é considerada uma das dez melhores
medidas de saúde pública do mundo, sendo comparada, por exemplo, às
vacinas para erradicação doenças (CDC, 1999). No Brasil, a um custo
médio de R$ 1,00/pessoa/ano, pode-se chegar a uma prevenção contra
cáries em torno de 50% por meio da fluoretação das águas de abastecimento
(Narvai, 2001; Ramires e Buzalaf, 2007).
Sabe-se desde os primeiros estudos relacionados à fluoretação das
águas que cerca de 10% das crianças residentes em áreas otimamente
fluoretadas (1,0 ppm) desenvolvem fluorose muito suave ou suave, contra
apenas 1% das crianças que residem em áreas com baixa concentração de
fluoreto na água (Dean et al., 1941; 1942). No entanto, trata-se de fluorose
sem grande acometimento estético, que muitas vezes passa despercebida
aos seus portadores (McDonagh et al., 2000). De fato, o maior impacto da
água otimamente fluoretada na prevalência da fluorose dentária ocorre
indiretamente, quando a mesma é utilizada na reconstituição de leites em pó
e no processamento de alimentos (Burt, 1992). A prevalência de fluorose
dentária tem aumentado tanto em comunidades com água fluoretada quanto
naquelas com água não fluoretada (Khan et al., 2005). Um suporte
adicional a essa observação é que quando por alguma razão ocorre
paralisação na fluoretação artificial por motivos técnicos, não há redução na
prevalência da fluorose dentária na população (Buzalaf et al., 2004). Assim,
levando-se em consideração os riscos e os benefícios da fluoretação da água
de abastecimento público, bem como a prevalência e a severidade de
fluorose dentária observadas hoje, especialmente em países como o Brasil,
onde muitas pessoas não têm acesso regular a outras fontes de fluoreto,
como os dentifrícios, de forma alguma se justifica a paralisação da
fluoretação da água de abastecimento público visando à prevenção contra
fluorose dentária (Buzalaf, 2013).
A fim de se minimizar o possível impacto da fluoretação da água na
fluorose dentária, algumas medidas são necessárias. Uma delas é o
heterocontrole da fluoretação da água. Em Bauru, SP, vinham sendo
relatadas flutuações nos níveis de fluoreto encontrados na água de
abastecimento público, com valores variando entre 0,01 e 9,35 ppm
(Buzalaf et al., 2002), o que é inaceitável. Na tentativa de minimizar esse
problema, a Faculdade de Odontologia de Bauru-USP implementou um
programa de heterocontrole da fluoretação, em 2004. Nesse programa,
todos os meses, em dias estabelecidos por sorteio, são coletadas amostras
em 60 pontos de abastecimento de água, cobrindo toda a cidade. Os
resultados obtidos 1 ano após a implementação do programa indicaram
melhoria significativa na qualidade da fluoretação da água da cidade. Cerca
de 85% das amostras coletadas foram classificadas como aceitáveis (0,55 a
0,84 ppm F) (Ramires et al., 2006). Nos 6 anos subsequentes, a
porcentagem média de amostras classificadas como aceitáveis ficou
próxima de 70% (Buzalaf et al., 2013). Esses dados indicam que o
heterocontrole é uma importante medida para garantir o controle de
qualidade da fluoretação da água. Programas semelhantes deveriam ser
implementados em todas as cidades que fluoretam artificialmente seus
sistemas de abastecimento de água.
É importante destacar que alguns países não adotam a fluoretação da
água de abastecimento como medida pública de uso do fluoreto. Países
como Alemanha, Suíça e França utilizam o sal fluoretado (250 a 300 ppm
F), enquanto o Reino Unido, China e Chile adotam a fluoretação do leite (5
ppm F) direcionada especialmente a programas preventivos com crianças
(Buzalaf, 2013).
Fórmulas infantis
O leite é a primeira e mais importante fonte de nutrição das crianças nos
primeiros meses de vida. Assim, é importante o conhecimento da
concentração de flúor presente nestes alimentos, já que são consumidos em
idade de risco à fluorose dentária. Tanto o leite materno (0,005 a 0,010 mg/
ℓ ) como o bovino (0,03 a 0,06 mg/ ℓ ) apresentam baixa concentração de
fluoreto e baixo risco de causar fluorose (Fomon et al., 2000). No entanto,
geralmente são substituídos precocemente por fórmulas infantis.
As fórmulas infantis comercialmente preparadas estão disponíveis na
forma de pós, líquidos concentrados ou prontas para beber, embora no
mercado brasileiro quase a totalidade das fórmulas seja comercializada na
forma de pós. O consumo de fórmulas infantis aumentou consideravelmente
nos últimos anos.
A concentração de fluoreto nas fórmulas infantis mostra amplas
variações. Para as fórmulas infantis em pó comercialmente disponíveis no
Brasil, Buzalaf et al. (2001) encontraram concentrações de fluoreto
variando entre 0,01 e 0,75 ppm quando preparadas com água deionizada,
entre 0,91 e 1,65 ppm, quando preparadas com água de abastecimento
fluoretada (0,9 ppm F), e entre 0,02 e 1,37 ppm, quando preparadas com
diferentes marcas de água mineral engarrafada (0,02 a 0,69 ppm F). Tem-se
relatado que as fórmulas à base de soja têm uma concentração de fluoreto
maior que as fórmulas à base de leite e o seu consumo poderia fornecer uma
quantidade de fluoreto acima da dose limite de 0,07 mg/kg peso corporal
por dia para crianças pequenas (McKnight-Hanes et al., 1988; Silva e
Reynolds, 1996; Buzalaf et al., 2001).
Quando se consideram as fórmulas infantis como fatores de risco para
a fluorose dentária, o fator de risco mais importante é a água utilizada para
reconstituí-las. Vários estudos têm relatado que, quando as fórmulas
infantis são reconstituídas com água otimamente fluoretada (0,7 a 1 mg/ℓ),
podem fornecer uma ingestão diária de fluoreto acima da dose que poderia
causar algum grau de fluorose dentária (Buzalaf e Levy, 2011). Uma revisão
sistemática avaliou a associação entre o uso de fórmulas infantis desde o
nascimento até os 24 meses de idade e o risco de ocorrência de fluorose
dentária na dentição permanente (Hujoel et al., 2009). Após compilar 17
estudos que relacionavam o uso de fórmulas infantis com fluorose na
dentição permanente, o odds ratio foi de 1,8 (intervalo de confiança [IC]
95% 1,4 a 2,3). Entretanto, houve uma heterogeneidade muito grande entre
os estudos, de forma que esse dado deve ser interpretado com cautela. Foi
relatado ainda que, a cada aumento de 0,1 mg/ ℓ de fluoreto na água de
abastecimento, há um incremento de 5% na chance de ocorrência de
fluorose dentária. Portanto, para uma concentração de 1 mg/ℓ de fluoreto na
água utilizada para reconstituir as fórmulas em pó, pode-se esperar um
aumento de 67% na ocorrência de fluorose dentária (Hujoel et al., 2009).
Um painel de experts americanos foi convocado para desenvolver
recomendações clínicas, com base em evidências científicas em relação a
esse assunto (Berg et al., 2011). Concluiu-se que o cirurgião-dentista pode
recomendar aos pais e aos cuidadores de bebês que consomem fórmulas
infantis como a principal fonte de nutrição a reconstituição destas com água
otimamente fluoretada, desde que os informem sobre o risco de ocorrência
de fluorose dentária. Se os pais tiverem preocupação com a ocorrência da
fluorose dentária, devem utilizar água contendo menos que 0,5 mg/ ℓ de
fluoreto para a reconstituição das fórmulas infantis (Berg et al., 2011). Uma
vez que a água mineral engarrafada tem geralmente baixa concentração de
fluoreto, esta poderia ser utilizada para esse propósito. Entretanto, no Brasil
nem sempre se pode confiar nas informações presentes no rótulo das águas
engarrafadas quanto à concentração de fluoreto, o que traz uma dificuldade
adicional (Ramires et al., 2004; Grec et al., 2008). Isso reforça a
necessidade de monitoramento e fiscalização mais rigorosos pelas
autoridades de saúde pública competentes (Buzalaf, 2013), uma vez que o
consumo de água engarrafada em algumas cidades brasileiras é em torno de
30% (Ramires et al., 2004).
Dentifrícios fluoretados
A associação entre o uso precoce de dentifrícios fluoretados e a prevalência
de fluorose dentária está amplamente relatada na literatura, tanto em regiões
fluoretadas quanto em regiões não fluoretadas (Warren e Levy, 1999;
Browne et al., 2005). Uma revisão relativamente recente compilou dados da
estimativa total de ingestão de fluoretos de crianças residentes em
diferentes localidades (Clarkson et al., 2010). Foi observado que os
dentifrícios fluoretados são os maiores contribuintes para ingestão total de
fluoreto por crianças pequenas (até 3 anos de idade), constituindo-se,
portanto, em importantes fatores de risco para fluorose dentária. A ingestão
de fluoreto a partir do dentifrício depende da concentração de fluoreto no
dentifrício (Holt et al., 1994; Cardoso et al., 2014), da idade da criança
(quanto mais jovem, maior a ingestão), da quantidade de dentifrício
colocada na escova (quanto maior, maior a porcentagem de ingestão) e do
sabor do dentifrício (dentifrícios com sabor infantil levam a maior ingestão
pelas crianças) (Kobayashi et al., 2011).
Uma revisão sistemática com metanálise bem conduzida compilou
resultados de 25 estudos publicados entre 1988 e 2006 que avaliaram a
relação entre o uso de dentifrícios fluoretados e fluorose dentária (Wong et
al., 2010). Seus principais achados foram: (1) redução significativa no risco
de fluorose dentária quando a escovação não se iniciou antes dos 12 meses
de vida, embora a evidência para início da escovação aos 12 meses tenha
sido inconsistente; (2) ausência de associação significativa entre frequência
de escovação ou quantidade de dentifrício utilizada e ocorrência de fluorose
dentária; (3) uso de dentifrício com concentração mais alta de fluoreto
aumentou o risco de ocorrência de fluorose dentária. Com base nessa
evidência, concluiu-se que as decisões acerca do uso de fluoretos tópicos
devem levar em conta tanto os benefícios para prevenção contra cáries
quanto os riscos de ocorrência de fluorose dentária. Os autores relataram
que “se existe preocupação com o risco à fluorose, deve-se recomendar que
a concentração de fluoreto no dentifrício utilizado por crianças pequenas
seja inferior a 1.000 ppm”.
Outra revisão sistemática com metanálise em rede compilou resultados
de 83 estudos clínicos que avaliaram a relação entre a concentração de
fluoretos nos dentifrícios e a prevenção contra cáries em crianças e
adolescentes (Walsh et al., 2010). Observou-se que as frações prevenidas
aumentam conforme as concentrações de fluoreto nos dentifrícios
aumentam, de modo que, “quando comparados ao placebo, apenas os
dentifrícios com 1.000 ppm F ou mais previnem significativamente mais
cáries na dentição permanente de crianças e adolescentes”. Essa evidência,
entretanto, deve ser interpretada com cautela, pois os próprios autores da
revisão sistemática reconhecem que o número de estudos comparando
dentifrícios com concentrações de fluoreto entre 440 e 550 ppm com
placebo é muito pequeno (apenas 2 estudos), contra 54 estudos comparando
dentifrícios contendo entre 1.000 e 1.250 ppm de fluoreto com placebo.
Somando-se a isso, faltam estudos avaliando a dentição decídua, de modo
que neste caso ainda há incertezas quanto à eficácia de dentifrícios com
baixa concentração de fluoretos (em torno de 500 ppm) para prevenção
contra cárie dentária (Walsh et al., 2010; Wong et al., 2011). Deve ser
destacado que é justamente nos primeiros 6 a 8 anos de idade (época da
dentição decídua) que existe risco de ocorrência da fluorose dentária nos
dentes permanentes, se houver ingestão excessiva de fluoretos (Buzalaf,
2013).
Quando se pensa no tipo ideal de dentifrício a ser indicado para se
obter a melhor relação benefício/risco, deve-se ter em mente que não há
uma recomendação universal, ou seja, devem ser respeitadas as
particularidades do indivíduo/população em questão (Buzalaf, 2013). Tanto
em regiões não fluoretadas (Lima et al., 2008) quanto em regiões
fluoretadas (Cardoso et al., 2014), o dentifrício com baixa concentração de
fluoreto (500 a 550 ppm) tem eficácia similar à do dentifrício convencional
(1.000 a 1.100 ppm) na prevenção contra cáries em crianças de 2 a 4 anos
de idade cárie-inativas, mas em crianças cárie-ativas, o dentifrício
convencional reduz de maneira significativa a progressão e o incremento
líquido de lesões iniciais de cárie em comparação ao dentifrício de baixa
concentração de fluoreto. Dessa maneira, o risco de cárie da criança deve
ser levado em conta na indicação do dentifrício a ser utilizado, quando for
possível avaliá-lo.
Devido às incertezas existentes na literatura quanto ao potencial de
prevenção contra cáries dos dentifrícios com baixa concentração de
fluoretos, tem-se buscado alterações na formulação que tornem seu
potencial preventivo similar ao dos dentifrícios convencionais, como a
redução do pH (Cardoso et al., 2014) ou adição de fosfatos (Freire et al.,
2016). Estudos clínicos randomizados com estes dentifrícios de baixa
concentração de fluoreto (500 a 550 ppm) modificados revelaram eficácia
anticáries similar à de dentifrícios com concentração convencional de
fluoreto (1.000 a 1.100 ppm) (Cardoso et al., 2014; Freire et al., 2016), de
modo que parecem ser a alternativa ideal para crianças, levando-se em
consideração a relação benefício/risco. Já existe no mercado brasileiro um
dentifrício com baixa concentração de fluoreto e pH acidulado, o qual foi
testado clinicamente com bons resultados para prevenção contra cárie e
fluorose (Cardoso et al., 2014).
Em virtude do exposto e com base nas evidências disponíveis sobre a
associação entre dentifrícios fluoretados, cárie e fluorose dentária, parece
racional recomendar dentifrícios com baixa concentração de fluoreto (500
ppm) para crianças menores de 3 anos de idade (risco de desenvolvimento
de fluorose nos incisivos centrais superiores permanentes) que apresentem
baixo risco de cáries e residam em áreas otimamente fluoretadas. Em todos
os outros casos, dentifrícios com pelo menos 1.000 ppm de fluoreto devem
ser utilizados, recomendação que também se aplica aos casos em que não
seja possível fazer avaliação individual de risco à cárie e à fluorose
dentária, como ocorre em Saúde Pública (Buzalaf, 2013). Em acréscimo,
apesar de não haver evidências suficientes com relação à associação entre a
quantidade de dentifrício utilizada e a ocorrência de fluorose dentária
(Wong et al., 2010), é importante recomendar a utilização de uma pequena
quantidade de dentifrício para crianças pequenas, o que pode ser facilitado
pelo emprego da técnica transversal (Villena, 2000) ou da técnica da “gota”,
no caso dos dentifrícios “líquidos” (Vilhena et al., 2008). Em adição, é
importante que a escovação seja feita por um adulto até que a criança tenha
habilidade motora suficiente para realizá-la sozinha. Nesse caso, a
escovação deve ser supervisionada por um adulto até que a criança tenha 6
anos de idade. As crianças devem ser ainda instruídas a não engolirem a
espuma do dentifrício. Quanto à frequência de escovação, recomenda-se
que sejam feitas 2 vezes/dia, sendo uma delas preferencialmente antes de
dormir (Buzalaf, 2013). Deve-se evitar enxaguar a cavidade bucal com
grande volume de água após a escovação, para aproveitar ao máximo
possível o efeito anticariogênico do fluoreto (Davies et al., 2003). Ainda é
importante evitar que crianças utilizem dentifrícios com sabor agradável ao
paladar infantil, já que isso aumenta a porcentagem de ingestão de
dentifrício (Kobayashi et al., 2011). O dentifrício deve ainda ser sempre
mantido longe do alcance das crianças.
Suplementos fluoretados
Os suplementos foram criados para ajudar na prevenção contra cáries em
crianças residentes em áreas não fluoretadas. A dose diária recomendada é
baseada na idade da criança e na concentração de fluoretos presentes na
água de abastecimento ou ainda em outro veículo de fluoretação sistêmica,
como sal ou leite fluoretado. Vários estudos, entretanto, relatam a
prescrição indevida de suplementos para crianças residentes em áreas
fluoretadas, o que é um fator de risco para fluorose dentária (Szpunar e
Burt, 1988; Pendrys e Morse, 1990; Lalumandier e Rozier, 1995).
Uma revisão sistemática com metanálise encontrou forte associação
entre o uso de suplementos por crianças que residiam em áreas não
fluoretadas e a ocorrência de fluorose dentária, com odds ratio de 2,5 para
crianças que ingeriram suplementos regularmente durante os 6 primeiros
anos de vida em comparação àquelas que não ingeriram (Ismail e Bandekar,
1999). Essa revisão sistemática foi atualizada, com a inclusão de novos
estudos, e a associação foi confirmada. Ainda se relatou que o odds ratio
para fluorose aumentou em 84% para cada ano de utilização de suplementos
entre 6 meses e 7 anos de vida, sendo os 3 primeiros anos considerados
mais importantes. Foi ainda relatada a existência de uma relação fraca e
inconsistente entre suplementação e prevenção contra cáries na dentição
decídua, porém na dentição permanente o efeito preventivo ocorre quando
os suplementos são mastigados, devido à ação tópica do fluoreto (Ismail e
Hasson, 2008).
Quando se analisam as recomendações para prescrição de suplementos
em diferentes países e associações dentárias, observa-se grande divergência
entre elas. Há consenso, entretanto, de que suplementos fluoretados não
devem ser prescritos em áreas otimamente fluoretadas, para bebês com
menos de 6 meses de idade, nem para crianças com baixo risco de cáries
(Clarkson, 1992; Swan, 2000; ARCPOH, 2006; Rozier et al., 2010). Uma
vez que o Brasil adota a política de fluoretação artificial das águas de
abastecimento, suplementos não devem ser prescritos em nosso país, a não
ser para populações de áreas remotas, que não estejam recebendo fluoreto a
partir de outras fontes e nem tenham acesso a outras medidas de prevenção
contra cáries (Buzalaf e Levy, 2011; Buzalaf, 2013).
Em resumo, quando se pretende estimar a ingestão diária de fluoretos
por crianças, todas as fontes de fluoreto, sem exceção, devem ser
consideradas. De um modo geral, para se evitar a ingestão excessiva de
fluoreto a partir de diferentes fontes deve-se: controlar a fluoretação
artificial da água de abastecimento para que não fique aquém ou acima da
concentração ideal de acordo com a temperatura da cidade; preparar os
leites em pó com água não fluoretada ou com baixa concentração de
fluoreto, como as águas engarrafadas; minimizar a ingestão de fluoreto a
partir do dentifrício por meio da colocação de uma pequena quantidade de
dentifrício na escova, supervisionar a escovação de crianças menores de 6
anos de idade e manter o dentifrício fora do alcance das crianças;
suplementos não devem ser prescritos para crianças que tenham acesso a
outras fontes de fluoreto; a ingestão de alimentos e bebidas que
sabidamente tenham altos teores de fluoreto deve ser controlada por
crianças na idade de risco para fluorose dentária.
Absorção do fluoreto
O fluoreto é rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal. Na ausência
de cátions di e trivalentes, cerca de 80 a 90% do fluoreto ingerido serão
absorvidos, sendo o pico da concentração plasmática de fluoreto alcançado
de 20 a 60 minutos após a ingestão (Buzalaf e Whitford, 2011). Cerca de
25% do fluoreto são absorvidos no estômago, em um evento inversamente
relacionado ao pH, já que é absorvido na forma de HF. A maior parte do
fluoreto que não é absorvido no estômago o será no intestino (70 a 75%).
Nesse caso o mecanismo de absorção é diferente. Devido ao pH, a maior
parte do fluoreto está presente na forma iônica. Então, o F– passa através
dos espaços entre as células da mucosa intestinal, em um evento que
independe do pH (Buzalaf e Whitford, 2011).
A absorção do fluoreto é afetada pela composição da dieta e ingestão
concomitante de alimentos. A ingestão de fluoretos concomitantemente
com cátions di e trivalentes, como o Ca+2 e o Al+3 reduz a absorção, pois
estes cátions formam complexos insolúveis com o F–, os quais serão
excretados por meio das fezes (Ekstrand e Ehrnebo, 1979; Trautner e
Siebert, 1986; Trautner e Einwag, 1989).
Figura 18.1 Metabolismo do fluoreto. A absorção se dá pelo trato gastrintestinal; a porção não
absorvida é excretada pelas fezes. Uma vez absorvido, o fluoreto circula pelo organismo,
distribuindo-se pelos tecidos moles, mas se acumulando principalmente no tecido ósseo. O fluoreto
não incorporado no organismo será excretado principalmente pela urina. (Modificada de Buzalaf e
Whitford, 2011).
Figura 18.2 O fluoreto atravessa as membranas biológicas na forma de ácido fluorídrico (HF), indo
do meio mais ácido para o mais alcalino. (Modificada de Buzalaf e Whitford, 2011.)
Distribuição do fluoreto
A distribuição do fluoreto pelo organismo após sua absorção é rápida, e
níveis plasmáticos aumentados já podem ser notados 10 minutos após a
ingestão, alcançando um pico entre 20 e 60 minutos, e retornando aos níveis
de pré-ingestão entre 3 e 11 horas, dependendo da quantidade ingerida
(Buzalaf e Whitford, 2011). Não há regulação homeostática das
concentrações plasmáticas de fluoreto, de modo que os níveis plasmáticos
refletem o balanço entre a quantidade ingerida, a incorporação de fluoreto
no esqueleto e sua excreção urinária.
O plasma é considerado o compartimento central para a distribuição do
fluoreto, uma vez que a partir dele o fluoreto é distribuído para os tecidos
moles e duros, assim como é encaminhado para os rins para ser excretado
(Figura 18.3). Menos que 1% do fluoreto absorvido é encontrado nos
tecidos moles, nos quais existe uma distribuição de estado estacionário
entre o fluido extra e o intracelular. A maioria do fluoreto absorvido é
incorporado pelos tecidos calcificados, nos quais o fluoreto encontra-se
reversivelmente ligado e pode ser liberado de volta para o plasma quando
os níveis plasmáticos caem (Buzalaf e Whitford, 2011).
Nos tecidos moles, o fluoreto sempre se acumula no compartimento
mais alcalino, em resposta a um gradiente de pH (Figura 18.1). Uma vez
que o citosol é geralmente mais ácido que o fluido extracelular, os níveis
intracelulares de fluoreto são em geral de 10 a 50% menores que aqueles
encontrados no plasma e fluido extracelular, os quais são semelhantes entre
si (Figura 18.4); uma exceção é o rim, por se tratar do órgão no qual o
fluoreto se acumula para ser excretado (Whitford et al., 1979). Quando os
níveis plasmáticos de fluoreto caem, os níveis tissulares caem na mesma
proporção.
O clearance plasmático dos fluoretos pelos tecidos calcificados é
elevado. Aproximadamente 36% do fluoreto absorvido são removidos do
plasma pelo osso. O restante é excretado pela urina. Em crianças menores
que 7 anos de idade, o grau de retenção de fluoreto pelo esqueleto é bem
maior (cerca de 55%) (Villa et al., 2010), devido ao maior suprimento
sanguíneo e à maior área superficial dos cristalitos ósseos, que são menores,
mais desorganizados e mais numerosos que aqueles do osso maduro
(Whitford, 1994).
A incorporação do fluoreto pelos tecidos calcificados ocorre em
diferentes estágios (Neuman e Neuman, 1958). Inicialmente o fluoreto é
incorporado à camada de hidratação dos cristalitos ósseos, que é contínua
com os fluidos extracelulares. Acredita-se que exista uma relação de estado
estacionário entre as concentrações de fluoreto nos fluidos extracelulares e
na camada de hidratação dos cristalitos ósseos. Por meio desta relação,
quando as concentrações plasmáticas de fluoreto aumentam, o fluoreto é
transferido do plasma para a camada de hidratação e vice-versa (Whitford,
1994). Nos estágios posteriores ocorre associação do fluoreto com a
superfície dos cristais de apatita e finalmente sua incorporação ao interior
do cristal, de onde pode ser mobilizado quando ocorre reabsorção óssea
(Neuman e Neuman, 1958).
Figura 18.3 Distribuição do fluoreto pelo organismo. Após a absorção do fluoreto (F) pelo trato
gastrintestinal, o pico da concentração plasmática é alcançado entre 20 e 60 minutos. O plasma é o
compartimento central de distribuição do fluoreto pelo organismo, a partir do qual o mesmo é
distribuído para os tecidos moles e duros, ou encaminhado para excreção. (Modificada de Buzalaf e
Whitford, 2011.)
Figura 18.4 Distribuição do fluoreto nos espaços aquosos dos tecidos moles. As concentrações de
fluoreto no plasma e no fluido extracelular (EC) são similares. A concentração intracelular (IC) de
fluoreto é mais baixa que a do fluido EC. (Modificada de Buzalaf e Whitford, 2011.)
Estado acidobásico
Como mencionado no tópico relativo ao metabolismo dos fluoretos, as
membranas biológicas são permeáveis ao HF e não ao F–. Portanto, o
fluoreto atravessa membranas na forma de HF, em resposta a um gradiente
de pH (vai do meio mais ácido para o meio mais alcalino). Isso está
implicado tanto na absorção do fluoreto, que será maior quando o pH se
encontra mais ácido, quanto na sua entrada nas células e potencial tóxico
para as mesmas, assim como na excreção urinária do fluoreto (quanto mais
alcalina for a urina, maior será a excreção). Assim, a base para o tratamento
da intoxicação aguda pelo fluoreto, como veremos adiante, é a alcalinização
dos fluidos corporais, de maneira a evitar a entrada do fluoreto nas células e
promover sua excreção por meio da urina (Whitford, 1996).
Conclusão
A utilização dos fluoretos é um dos principais responsáveis pelo declínio na
prevalência de cárie observado nas últimas décadas em todo o mundo. Essa
ação no controle da cárie dentária é exercida principalmente pela sua
interferência nas reações de desmineralização e remineralização, quando os
fluoretos estão presentes em baixas concentrações nas fases fluidas do
ambiente bucal. Desse modo, não é necessário ingerir os fluoretos para que
eles tenham ação no controle da cárie dentária. Considerando que as ações
tóxicas do fluoreto no organismo ocorrem em virtude de sua ingestão
excessiva, tanto de maneira aguda (ingestão de quantidade grande de uma
única vez) quanto de maneira crônica (ingestão de doses ligeiramente
elevadas ao longo do tempo), é possível, pelo conhecimento sobre o
metabolismo e os mecanismos de ação do fluoreto no controle da cárie,
obter o máximo benefício (controle da cárie) com um mínimo de risco de
ocorrência de efeitos colaterais, dentre os quais o principal é a fluorose
dentária. Assim, o uso racional dos fluoretos será um dos maiores aliados
dos cirurgiões-dentistas para o controle da cárie dentária.
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A
pesar de os métodos para o controle mecânico da placa dentária serem
eficazes na manutenção da saúde bucal, na prática eles nem sempre
são aplicados de maneira satisfatória por boa parte da população. Assim, os
agentes químicos podem servir como coadjuvantes no controle de placa
dentária, reduzindo os microrganismos a níveis compatíveis com a saúde
bucal (Barnett, 2003; Teles e Teles, 2009). Lembramos que neste livro é
utilizado tanto o termo placa dentária como biofilme dentário.
Esses agentes também são usados como terapia, quando a doença já
está estabelecida. Em geral, são indicados para pacientes com dificuldades
de manter boa higiene bucal (p. ex., devido à utilização de aparelhos
ortodônticos, à presença de à gengivite ou periodontite avançada, ou devido
a problemas motores), submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço
(baixo fluxo salivar) ou para tratamento pós-cirúrgico.
Apesar de usarmos o termo agentes antiplaca, os agentes podem atuar
de três maneiras: como antimicrobianos, antiplaca e antigengivite (Figura
19.1). Alguns agentes antimicrobianos atuam diretamente nas células
microbianas, destruindo-as (agentes bactericidas). Outros atuam em
sistemas essenciais de transporte de membrana ou afetam o metabolismo
das células, impedindo-as de adquirir energia necessária para a sobrevida e
a multiplicação (agentes bacteriostáticos). A atividade antimicrobiana não
necessariamente está correlacionada diretamente aos efeitos antiplaca e não
há associação direta com a redução na formação da lesão de cárie (Scheie,
1989; Tewtman, 2004).
Os agentes antiplaca interferem na adesão bacteriana à superfície
dentária ou a outras bactérias, por inativarem enzimas como as
glicosiltransferases, reduzindo a formação da placa dentária. Existem ainda
os agentes antigengivite, que reduzem a inflamação gengival.
No entanto, microrganismos organizados em placa são muito menos
suscetíveis a agentes químicos. A concentração necessária para matar
microrganismos em um biofilme pode ser de 10 a 500 vezes mais alta do
que aquela necessária para eliminar os microrganismos em fase planctônica
(microrganismos não aderidos, vivendo livremente em suspensão),
principalmente em biofilme mais velho e maduro. Isso ocorre em função
dos polissacarídeos extracelulares na matriz do biofilme que restringem a
difusão do agente químico no biofilme, protegendo-o contra distúrbio
(Marsh e Bradshaw, 1997). Os agentes antimicrobianos tendem a atuar mais
nas bactérias superficiais do que naquelas encontradas em camadas mais
profundas do biofilme. Além da barreira mecânica, a matriz extracelular
pode interagir ionicamente ou eletrostaticamente com os agentes
antimicrobianos, já que estes em geral são carregados positivamente, e a
matriz contém cargas negativas ou polissacarídeos neutros (Sbordone e
Bortolaia, 2003). Outros fatores também dificultam a ação de agentes
químicos no biofilme, como a ativação da resposta adaptativa ao estresse, a
heterogeneidade da população microbiana, as variações fenotípicas e
mutações.
Figura 19.1 Classificação dos agentes químicos de acordo com o mecanismo de ação.
Figura 19.2 Características desejáveis de um agente antiplaca (boa eficácia com baixa incidência de
efeitos colaterais).
Figura 19.3 Tipos de veículos utilizados para a aplicação dos agentes antiplaca.
Sprays
Não há pesquisas em número suficiente para suportar o uso do spray. A
maior vantagem deste veículo é que são requeridas doses relativamente
pequenas para alcançar eficácia.
Dentifrícios
Os dentifrícios apresentam várias funções, como limpar manchas dentárias,
fornecer sensação de frescor e limpeza aos dentes, e servir como veículo
para agentes químicos. Contêm vários ingredientes: sistema abrasivo (para
remover manchas), componente para transporte do abrasivo e agente ativo,
agente surfactante e detergente, agente aromatizante e agente terapêutico
(principalmente o fluoreto). Devido à complexa composição do dentifrício,
alguns agentes antiplaca podem se alterar devido à interação com outros
componentes. A clorexidina, por exemplo, pode ser inibida pelo detergente
lauril sulfato de sódio. Os agentes antiplaca mais apropriados para serem
incorporados ao dentifrício são a triclosana e os íons metálicos (Cummins e
Creeth, 1992).
Gel
Sistema aquoso consistente, com umectante, mas sem material abrasivo ou
agente espumante. Veículo compatível com a maioria dos agentes antiplaca.
Em geral, os géis são aplicados em moldeiras, fornecendo contato íntimo
com a superfície dentária. São usados principalmente para aplicação de
clorexidina e fluoreto estanhoso. O gel mais apropriado para o fluoreto
estanhoso tem baixo pH (3 a 4), alta concentração de umectante (glicerol) e
baixa concentração de água, que minimiza a precipitação do estanho.
Agentes catiônicos
Em geral, agentes catiônicos são mais potentes que os aniônicos ou não
iônicos; isto porque os agentes catiônicos se ligam prontamente à superfície
microbiana carregada negativamente, podendo agir em microrganismos
gram-positivos e gram-negativos. Os sítios de ligação dos agentes
catiônicos nas bactérias gram-positivas são grupos carboxílicos livres dos
peptidoglicanos e grupos fosfato dos ácidos teicoico e lipoteicoico na
parede da célula bacteriana; nas bactérias gram-negativas esses sítios são os
lipopolissacarídeos.
Clorexidina
A clorexidina (CLX) é adicionada a veículos como digluconato de
clorexidina, uma vez que este apresenta alta solubilidade aquosa. A CLX é
uma bisbiguanida com propriedades tanto hidrofílicas como hidrofóbicas,
efetiva contra microrganismos gram-positivos e gram-negativos. A
molécula de CLX carregada positivamente se liga por intermédio de forças
eletrostáticas aos grupos fosfato, carboxila ou sulfato na mucosa bucal, nos
microrganismos e na película. Portanto, apresenta boa retenção
(substantividade), principalmente em pH neutro e na ausência de cátions
que podem competir por sítio de ligação (Cummins e Creeth, 1992).
Aproximadamente 30% da dose de clorexidina administrada permanece
retida após o bochecho (Marsh, 2010), e a sua concentração ainda é alta 24
h após a sua aplicação (Bonesvoll, 1977).
A integridade da membrana microbiana pode ser rompida por
interações com a porção hidrofóbica da molécula de CLX, causando
distúrbio em sua função. A CLX é bactericida em concentrações altas,
levando ao extravasamento de constituintes celulares com baixo peso
molecular e à precipitação dos conteúdos celulares, dano irreversível. Seu
efeito bacteriostático ocorre mediante a aplicação de concentrações mais
baixas, interferindo nas funções normais da membrana ou no
extravasamento dos constituintes celulares.
A realização de bochecho com solução de CLX 0,2% reduz a
microbiota em 80 a 95%, e bochechos realizados 2 vezes/dia inibem
parcialmente a formação do biofilme. Como resultado do efeito
antimicrobiano direto, a CLX reduz a atividade metabólica do biofilme, o
que se demonstra pela diminuição da queda de pH após o estímulo com
glicose e sacarose. A CLX também é capaz de inibir enzimas bacterianas
essenciais, como a glicosiltransferase, e as enzimas metabólicas, como o
fosfoenolpiruvato fosfotransferase (Marsh, 1993). O número de bactérias é
restabelecido de 1 a 5 meses após a finalização do tratamento.
A clorexidina tem excelentes efeitos antiplaca e antigengivite quando
comparada a outros agentes antiplaca, mas com alta incidência de
pigmentação dos dentes (Van Strydonck et al., 2012) devido à sua
substantividade, que retém seu efeito antimicrobiano. Os dados
relacionados à efetividade da CLX para a prevenção da cárie dentária são
inconclusivos. A primeira revisão sistemática sobre o efeito da clorexidina
concluiu que não há evidências suficientes para o uso de verniz de
clorexidina para prevenção de cárie em pacientes de alto risco (Twetman,
2004). Outra revisão mostrou efeito moderado na inibição da cárie dentária
pela aplicação de verniz de clorexidina (a cada 3 a 4 meses) em crianças,
adolescentes e adultos jovens (Zhang et al., 2006). Portanto, o efeito do
verniz de clorexidina em comparação ao verniz fluoretado é inconclusivo
(James et al., 2010).
O uso de verniz de clorexidina e fluoreto tem sido testado para
prevenir lesões de cárie, com bons resultados (Petersson et al., 1998; Zaura-
Arite e ten Cate, 2000; Brailsford et al., 2002; Hausen et al., 2007). No
entanto, ainda não há evidências fortes da relação entre a aplicação de
clorexidina, principalmente na forma de verniz, e a redução da cárie em
crianças e adultos (ten Cate, 2009; Ashley, 2010; James et al., 2010; Slot et
al., 2011). Slot et al. (2011) mostraram que na ausência de profilaxia
profissional regular e instrução de higiene, o verniz de clorexidina pode ter
algum efeito benéfico para pacientes com necessidades especiais e
xerostômicos, porém a força para a recomendação é fraca.
Atualmente a CLX tem se destacado devido ao seu possível papel
como inibidora de MMPs (metaloproteinases de matriz que degradam
colágeno) na dentina, reduzindo a progressão da desmineralização e a perda
de adesão em restaurações estéticas, (Carrilho et al., 2007) bem como a
progressão da doença periodontal pela inibição de MMPs gengivais (Azmak
et al., 2002).
Apesar do extensivo uso de CLX, são poucos os registros sobre efeitos
colaterais sistêmicos. Sabe-se que é pobremente absorvida pelo trato
gastrintestinal, o que representa baixa toxicidade, no entanto, alguns efeitos
adversos locais são frequentemente relatados, como descoloração dos
dentes, da língua, de restaurações e próteses, além de descamação e
ferimento da mucosa, distúrbios no paladar e gosto amargo. A pigmentação
causada pela CLX é de ordem extrínseca, sendo removida com profilaxia.
A dosagem prescrita para os bochechos com CLX costuma ser de 10
mℓ da solução a 0,2% ou 15 mℓ da solução a 0,12%, 2 vezes/dia, por até 4
semanas, e não há diferença na eficácia entre as duas concentrações
(Matthews, 2011). Para uso por período prolongado, a dose de CLX deve
ser indicada individualmente. A adição de CLX (0,5, 0,75 e 0,95%) a
dentifrícios tem sido testada, com a substituição do detergente na fórmula
(lauril sulfato de sódio por cocobetaína), para o controle do biofilme,
gengivite e sangramento em pacientes ortodônticos, apresentando bons
resultados e baixa incidência de efeitos colaterais (Olympio et al., 2006;
Oltramari-Navarro et al., 2009). Há forte evidência científica para os efeitos
antiplaca e antigengivite da CLX (Gunsolley, 2010), mas inconclusivo para
a prevenção da cárie (James et al., 2010).
Cloreto de cetilpiridínio
O cloreto de cetilpiridínio (CCP) é um composto de amônio quaternário. A
molécula de CCP apresenta ambos os grupamentos hidrofílicos e
hidrofóbicos, permitindo interações iônicas e hidrofóbicas. Presume-se que
a interação com microrganismos ocorra via ligação catiônica, assim como a
CLX.
A atividade antimicrobiana do CCP é semelhante à da CLX, enquanto
a propriedade de inibição do biofilme se mostra inferior (Sreenivasan et al.,
2013), o que pode ocorrer devido ao fato de o CCP perder sua atividade
antimicrobiana quando adsorvido à superfície, bem como apresentar
menores propriedades de substantividade. A retenção inicial do CCP é
maior do que a da CLX, mas este é removido com mais rapidez pela
limpeza salivar. Não existem dados sobre sua eficácia anticárie. Revisão
sistemática mostrou pobre evidência científica para o efeito antiplaca do
CCP (Gunsolley, 2010), e alguns estudos mais recentes mostram que o
CCP, com ou sem álcool, é capaz de reduzir a placa supragengival e a placa
associada a microrganismos periodontopatogênicos em comparação ao
controle sem tratamento/placebo (Sreenivasan et al., 2013; Costa et al.,
2013).
Delmopinol e hexetidina
O delmopinol é um surfactante com baixo peso molecular,
predominantemente catiônico em pH menor que 7. Possui atividade
antiplaca devido à sua interferência nas propriedades físico-químicas das
superfícies bucais. Portanto, reduz a formação do biofilme dentário,
provavelmente pela redução da adesão microbiana à superfície dentária,
sendo este efeito menor ou comparável à CLX. Não há estudos sobre seu
efeito anticárie.
A hexetidina é uma hexaidropiridina sintética que apresenta atividade
antimicrobiana e antifúngica. É ativa contra microrganismos gram-positivos
e gram-negativos. Sua atividade antimicrobiana é inferior à CLX. Exerce
ainda menores efeitos antiplaca e antigengivite em comparação à CLX
(Afennich et al., 2011). O aumento na concentração do produto faz com que
sua efetividade antiplaca seja semelhante à CLX, porém com o aumento na
incidência de lesões descamativas. Sua eficácia antiplaca também aumenta
na presença de zinco. O mecanismo exato da atividade antiplaca não é
claro.
Extratos de sanguinarina
O extrato de sanguinarina (ES) é um preparado à base de ervas com ação
sobre os microrganismos gram-positivos e gram-negativos. O mecanismo
exato de sua ação não é claro, mas parece exercer efeito bactericida por
interferir nas fases essenciais da síntese da parede celular bacteriana. ES
supostamente suprime a atividade de várias enzimas, por meio da oxidação
dos grupos SH. Acredita-se que sua atividade antimicrobiana esteja
associada às propriedades lipofílicas das moléculas. Outra característica
importante é que o ES é capaz de se ligar a íons metálicos, associação que
aumenta seu efeito antibacteriano. A aderência de bactérias à hidroxiapatita
pode ser inibida e a agregação salivar pode ser aumentada pela ação do ES.
Estes dois fatores podem contribuir para a inibição de formação do
biofilme, mas a evidência clínica sobre seus efeitos na prevenção da cárie
dentária é escassa.
Íons metálicos
Dependendo da concentração iônica, os metais podem ter efeitos
antimicrobianos. Os íons metálicos de interesse são cobre, estanho e zinco.
A hidrólise e a ligação dos íons metálicos a outros componentes do produto
aplicado reduzem a efetividade, o que torna a formulação do veículo
crucial.
Os íons metálicos interagem com microrganismos gram-positivos e
gram-negativos. O efeito antimicrobiano não é específico, ocorrendo por
intermédio da formação de pontes de sal metálico com grupos aniônicos de
enzimas. Essa ligação pode alterar a carga ou causar mudanças
conformacionais nas enzimas responsáveis pela aderência dos
microrganismos ao dente/biofilme. Os íons metálicos apresentam efeito
antiglicolítico quando incorporados pela bactéria, mediante inativação
oxidativa de grupos SH das enzimas glicolíticas.
Os íons metálicos são agentes com boa substantividade, apresentando
prolongada retenção na cavidade bucal. Ligam-se aos mesmos receptores
que a CLX; portanto, são competidores. Os efeitos adversos relacionados
aos metais são o gosto metálico desagradável, a tendência a induzir
sensação de secura na boca e manchas dentárias de coloração amarelada e
amarronzada. Os sulfetos metálicos, formados entre os íons metálicos e os
grupos sulfidril das proteínas da película, provavelmente sejam
responsáveis pelo efeito de manchamento. No entanto, a tendência à
mancha é geralmente menor para os íons metálicos que para a CLX.
Fluoreto estanhoso
O estanho é exemplo de íon metálico com efeito antimicrobiano. O fluoreto
estanhoso (SnF2) pode ser incorporado a soluções, géis e dentifrícios,
agregando benefícios. Na Europa, comercializam-se soluções e dentifrícios
contendo uma mistura sais fluoretados incluindo o estanho; aqui no Brasil
temos apenas um dentifrício comercial com NaF e SnF2. O fluoreto
estanhoso tem a capacidade de inibir e reduzir a virulência e o metabolismo
bacterianos (Tinnanoff et al., 1980). Além disso, também age na inibição da
desmineralização dentária (Ganss et al., 2001; 2004; 2008).
Estudos clínicos duplos-cegos, paralelos e aleatorizados com pelo
menos 6 meses de duração (Buzalaf e Magalhães, 2008), mostram redução
do biofilme e/ou da gengivite por meio da adição de fluoreto estanhoso ao
dentifrício, associado ou não a outros sais fluoretados, em comparação aos
dentifrícios convencionais (NaF). O dentifrício com fluoreto estanhoso
estabilizado parece ter capacidade de reduzir o acúmulo de placa
compatível ao dentifrício contendo triclosana (Sharma et al., 2013; Kumar,
2015). O gluconato de sódio é um agente comumente utilizado para
estabilizar o fluoreto de estanho, mas devido aos possíveis efeitos colaterais
(sensação de secura e pigmentação dentária), nem sempre o fluoreto de
estanho é bem aceito pela população. Por isso, quando testado, geralmente é
adicionado ao dentifrício na concentração de 0,454% juntamente ao
hexametafosfato de sódio, agente químico clareador. O hexametafosfato de
sódio, além de evitar a pigmentação por redução da hidrólise e oxidação do
estanho, também tem efeito antitártaro.
Agentes aniônicos
Dodecil sulfato de sódio
O dodecil sulfato de sódio (SDS) apresenta em sua molécula um grupo de
sulfato hidrofílico e uma cadeia hidrofóbica de carbono. É frequentemente
utilizado como detergente em dentifrícios comerciais. A adsorção do SDS
em altas concentrações à superfície microbiana pode interferir na
integridade da parede celular, com o subsequente extravasamento dos
constituintes celulares. Em baixas concentrações, o SDS inibe enzimas
microbianas específicas, como a glicosiltransferase de S. sobrinus e S.
mutans; a fosfotransferase do fosfoenolpiruvato em S. sobrinus; a
desidrogenase do ácido lático e a desidrogenase da glicose 6-fosfato em E.
coli. Esses efeitos podem estar relacionados à alta afinidade do SDS pelas
proteínas e sua propriedade de desnaturação. No entanto, não há dados que
suportam seus efeitos antiplaca e cariostático.
Outros agentes
Xilitol
O xilitol é substituto do açúcar. Não pode ser fermentado por
microrganismos e estimula o fluxo salivar (Söderling, 2009). Por não ser
acidogênico, não leva ao desenvolvimento de cárie dentária. Na verdade, o
xilitol possui propriedades anticariogênicas. Sugere-se que sua ação seja no
crescimento e metabolismo microbiano, nos fatores salivares e no processo
de desmineralização e remineralização. No entanto, os efeitos observados
foram redução do biofilme formado, diminuição do número de S. mutans e
redução dos sinais de gengivite. Tem sido usado em programas preventivos
para gestantes, demonstrando expressiva redução na transmissão de S.
mutans aos bebês (Söderling, 2009; Lin et al., 2016). Uma desvantagem é
que o xilitol não permanece por muito tempo no biofilme e na saliva após o
uso (média de 8 min), sendo a sua retenção influenciada pelo veículo
utilizado (Lif Holgerson et al., 2006).
Figura 19.4 Exemplos de mecanismos de ação de agentes antiplacas catiônicos (A) e não iônicos
(B).
O xilitol tem sido testado em soluções, dentifrícios, vernizes e,
principalmente, incorporado a gomas de mascar (Petersson et al., 1991;
Cutress et al., 1992; Sintes et al., 1995).
Em relação ao veículo, a maioria dos estudos utiliza a goma de mascar,
sem muitas vezes apresentar um grupo-controle com a mastigação de
chiclete placebo. Portanto, é difícil discriminar entre o efeito real do xilitol
e o efeito da saliva estimulada pelo uso das gomas. Por outro lado, estudos
que incorporaram o xilitol a dentifrícios e vernizes mostraram bons
resultados sobre a redução da desmineralização (Amaechi et al., 1998; Sano
et al., 2007; Cardoso et al., 2014; Riley et al., 2015).
O efeito inibidor sobre a glicólise tem sido relacionado à incorporação
do xilitol via sistema constitutivo fosfotransferase específico para a frutose
e o subsequente acúmulo intracelular de xilitol-5-fosfato, como parte de um
ciclo energético pouco eficaz para o consumo de xilitol (“ciclo fútil”).
A adesividade reduzida, resultante da formação inadequada de
polissacarídeos, também tem sido relacionada ao mecanismo inibidor do
xilitol sobre S. mutans. Tem sido sugerido que o consumo de xilitol a longo
prazo leva à seleção de S. mutans resistentes e não afetados pelo xilitol.
Há ainda muita controvérsia em relação à efetividade clínica do xilitol
na redução da incidência da cárie dentária, seja pelo seu efeito
antimicrobiano, seja pela sua interferência na remineralização das lesões.
Estudos clínicos associando o xilitol a outros agentes antimicrobianos em
dentifrício, assim como a produção de fórmulas que aumentem a retenção
bucal do produto, seriam de grande valia. Recentemente se testou a
incorporação de xilitol a 10% a um verniz odontológico, o que demonstrou
aumentar o tempo de liberação do xilitol em saliva artificial (Pereira et al.,
2012), reduzir a desmineralização, utilizando-se modelo abiótico (sem
microrganismos) (Souza et al., 2010), e aumentar a remineralização
(Cardoso et al., 2014).
Apesar de o xilitol ter sido recomendado pelas organizações de saúde,
ainda são necessários mais estudos clínicos longitudinais de boa qualidade
(Fontana e González-Cabezas, 2012).
Agentes naturais
Os componentes ativos dos agentes naturais podem ser divididos em três
grupos: compostos fenólicos, que são feitos de açúcar simples, contendo
anéis de benzeno, hidrogênio e oxigênio; terpenoides, que são feitos de
ácido mevalônico e compostos quase que inteiramente por hidrogênio e
carbono; e alcaloides, que são compostos contendo nitrogênio. Esses
grupos químicos têm sido associados aos efeitos biológicos de produtos
naturais, tais como antimicrobianos, antioxidantes e anticarcinogênicos.
Os agentes naturais podem ter efeito antimicrobiano, por meio dos
seguintes mecanismos: ruptura de síntese da parede celular e alteração da
permeabilidade da membrana; complexo com os componentes adsorvidos à
superfície; inibição da síntese proteica e do metabolismo dos ácidos
nucleicos; e inibição da atividade enzimática. Alguns exemplos de agentes
naturais que apresentam esses mecanismos de ação são a Camellia sinensis
(chá), os óleos essenciais (timol, eugenol), o própolis e o cacau (ácidos
oleico e linoleico). Outro efeito se dá pela inibição da produção de ácidos.
Dentre os mecanismos envolvidos nesse efeito estão: ruptura da força
prótonmotriz da membrana; inibição da expressão e atividade enzimática
relacionada ao transporte de açúcar; e inibição da glicólise e metabolismo
geral (p. ex., própolis, extratos de Psidium cattleianum e de
Epigallocatechin galatte do cháverde). Outro mecanismo de ação se dá pela
inibição da expressão (exceto de GtfD) ou síntese de polissacarídeo
extracelular pelas Gtfs (principalmente pela GtfB). Exemplos de agentes
com esse mecanismo de ação são os polifenóis (própolis, Camellia
sinensis). Por fim, o último mecanismo de atuação se dá pela inibição da
aderência bacteriana por polifenóis (chá-verde, uva) e quitosana (Jeon et al.,
2011).
Estudos clínicos sobre o efeito anticárie foram realizados com extratos
ricos em polifenóis, que podem variar em termos de efeito, dependendo da
composição química e da origem geográfica (Duarte et al., 2006; Jeon et
al., 2011). Os polifenóis têm propriedades antibacterianas e antivirais,
antimutagênicas e anticlastogênicas. Por isso, são usados para a terapia de
muitas doenças. O própolis é fonte de flavonoides e ácidos fenólicos (ten
Cate, 2006). Apigenina e farnesol-tt, flavonoides que compõem o própolis,
inibem a glicosiltransferase e a formação de biofilme por S. mutans, e
também reduzem os níveis de cárie em estudo realizado em rato (Koo et al.,
2002).
Há produtos disponíveis no mercado cujo princípio ativo é um agente
natural. O Parodontax® é um dos mais estudados (composição: bicarbonato
de sódio, NaF, 1.400 ppm F, camomila, equinácea, sálvia, rhatani, mirra,
óleo de hortelã-pimenta), sendo que alguns trabalhos mostraram efeito
inibitório sobre o biofilme e a gengivite, enquanto outros não encontraram
vantagens em relação ao dentifrício convencional (Yankell et al., 1993;
Pannuti et al., 2003). De acordo com os autores, a camomila tem
propriedades anti-inflamatórias, a equinácea estimula a resposta imune, a
sálvia e o rhatani têm propriedades anti-hemorrágicas, a mirra é
antisséptica e o óleo de hortelã-pimenta é analgésico, antisséptico e anti-
inflamatório, apontando para efeito mais anti-inflamatório que antiplaca.
Em testes recentes relacionados à formação do biofilme in vitro,
Verkaik et al. (2011) compararam os dentifrícios Parodontax® e Chitodent®
(com quitosana, polissacarídeo encontrado no exoesqueleto de crustáceo) à
solução de CLX, mostrando bom efeito dos produtos naturais. Solução
contendo quitosana tem mostrado efeito similar ou superior na inibição da
adesão de microrganismos e formação de biofilme multiespécie em
comparação a produtos comerciais contendo clorexidina e óleos essenciais
(Costa et al., 2014).
Apesar de o Brasil ter vários dentifrícios à base de extratos naturais
(contendo sálvia, calêndula, menta, própolis, malva, canela, melissa,
eucalipto e limão), estudos publicados na literatura internacional se
restringem ao Parodontax®, apresentando resultados controversos. Portanto,
não há estudos suficientes que suportem o uso de dentifrícios com extratos
naturais para redução do biofilme e prevenção de gengivite e cárie dentária.
Outra opção é o uso de soluções compostas por óleos essenciais como
mentol, timol e eucaliptol. Essa mistura de óleos essenciais foi criada em
1879, com o objetivo inicial de servir como antisséptico cirúrgico, pois são
capazes de remover lipopolissacarídeos das bactérias gram-negativas e
reduzir coagregação.
A opção com álcool tem mostrado inibir melhor o crescimento do
biofilme em comparação ao sem álcool (Marchetti et al., 2011). No entanto,
há relatos de efeitos colaterais, como irritabilidade, alergia e pigmentação.
Há forte evidência científica para o efeito antiplaca e antigengivite dos
óleos essenciais (Gunsolley, 2010; Marsh, 2010). Revisão sistemática
recente mostrou a relevância clínica do uso de óleo essencial como
coadjuvante no controle de placa dentária e gengivite (Araújo et al., 2015).
Gunsolley (2010) publicou revisão sistemática em que mostrou que a
CLX, os óleos essenciais e o CCP foram capazes de reduzir a gengivite em
28,7, 18,2 e 13,4%, respectivamente, e o índice de placa dentária em 40,4,
27 e 15,4%, respectivamente. Outro recente trabalho mostrou superioridade
dos óleos essenciais em comparação ao CCP no controle do biofilme e
gengivite (Cortelli et al., 2014). Os óleos essenciais têm efeito
antimicrobiano (redução da viabilidade) similar à CLX, porém são
inferiores na redução da placa dentária, de acordo com estudo clínico
(Quintas et al., 2015); em outro trabalho não foram apontadas diferenças
entre ambos em relação à prevenção da gengivite (Van Leeuwen et al.,
2011).
Estudos futuros sobre os agentes naturais devem ser melhor delineados
e divididos em fases: fase 1 – fase de descoberta da fonte do agente natural
e triagem biológica (teste da síntese de glicanos, queda de pH, adesão e
crescimento microbiano); fase 2 – caracterização da atividade (avaliação da
composição química do componente ativo por cromatografia líquida de alta
performance [HPLC] e cromatografia a gás e espectrometria de massa),
identificação, isolamento e elucidação da estrutura química; e fase 3 –
validação da atividade biológica (determinação da viabilidade e peso do
biofilme por fluorescência confocal; quantidade de proteína por Western
blot; conteúdo total de polissacarídeo; queda do pH; mensuração da morte
por ácidos, da atividade da F-ATPase e da permeabilidade a prótons;
avaliação da desmineralização dentária por microdureza e
microrradiografia). Essa parte da validação pode ser iniciada utilizando-se
biofilmes artificiais monoespécie e multiespécie; após a obtenção dos
resultados laboratoriais, estudos in vivo devem ser conduzidos. Antes do
uso do produto em humanos, deve-se ainda avaliar o seu efeito tóxico pelo
monitoramento do peso e da ingestão de comidas em ratos, avaliação
histológica de tecidos expostos, estudos de toxicofarmacocinética,
genotoxicidade e carcinogenicidade. Estudos laboratoriais altamente
controlados de citotoxicidade e mutagenicidade podem ser combinados com
genômica para aferir o efeito tóxico do agente químico (Jeon et al., 2011).
A Figura 19.5 mostra alguns dos agentes citados disponíveis
comercialmente.
Terapia fotodinâmica
Terapias com eritrosina, azul de metileno e Photofrin® (porfime sodium)
(hematoporfiria e derivados) ativados pela luz parecem matar de 90 a 99%
das bactérias (Wood et al., 2006). Com a terapia fotodinâmica,
fotossensibilizantes são transformados pela luz em um estado reativo,
produzindo radicais livres que oxidam constituintes celulares, levando a
bactéria à morte. Biofilmes jovens parecem ser menos suscetíveis que
biofilmes velhos, o que se atribui à estrutura aberta e à alta taxa metabólica
dos biofilmes novos em comparação ao biofilme velho (ten Cate, 2006).
Apesar de ser boa coadjuvante ao tratamento periodontal convencional
(Betsy et al., 2014), a terapia fotodinâmica (curcumina + LED) não é mais
eficaz que a clorexidina no controle do biofilme in vivo (Paschoal et al.,
2015). Portanto, seu efeito antiplaca ainda é inconclusivo (Santin et al.,
2014).
Antibióticos
Tem-se demonstrado que nem sempre é possível curar a doença periodontal
apenas com o controle profissional do biofilme. A razão é que as bactérias
predominantes na doença (A. actinomycetemcomitans, P. micros, P.
intermedia e B. forsythus) se alojam no tecido gengival e outros sítios,
dificultando a remoção por meio de procedimentos de raspagem ou até
mesmo com o acesso cirúrgico.
Figura 19.5 Exemplos de agentes antiplaca comerciais contendo: clorexidina (A); cloreto de
cetilpiridínio (B); SnF2 (C); triclosana (D); agentes naturais (E); e óleos essenciais (F).
Conclusão
Os produtos antiplaca utilizados em Odontologia são considerados como
agentes antimicrobianos de largo espectro de ação, sendo aplicados de
acordo com a hipótese inespecífica da placa (Capítulo 16). Com exceção do
dentifrício, o uso de agentes antimicrobianos não deve ser rotineiro, devido
à possibilidade de eliminar microbiota benéfica e aos efeitos colaterais. Dos
agentes químicos estudados, a solução de clorexidina 0,12 ou 0,2% e o
dentifrício com triclosana e Gantrez™ ou zinco são os mais utilizados na
clínica, sendo o primeiro indicado para uso temporário em casos
específicos, e o último indicado diariamente por qualquer paciente. A
indicação do agente antiplaca deve ser pontual, e em casos específicos; o
tempo, o modo de aplicação e a dose devem ser prescritos individualmente.
É importante destacar que o agente químico é coadjuvante e não substituto
do controle mecânico do biofilme dentário. Pesquisas futuras devem focar o
uso de extratos naturais como agentes antiplaca, na tentativa de explorar as
potencialidades do Brasil melhorar o efeito (por associação entre agentes ou
inclusão em nanopartículas) e minimizar os efeitos colaterais dos agentes
comerciais já utilizados.
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