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saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações
sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente
que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as
informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens
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GUANABARA KOOGAN LTDA.

■ Capa: Bruno Sales


Produção digital: Geethik

■ Ficha catalográfica

M164b

Magalhães, Ana Carolina


Bioquímica básica e bucal / Ana Carolina Magalhães, Rodrigo Cardoso de Oliveira, Marília
Afonso Rabelo Buzalaf. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2017.
: il.

ISBN: 978-85-277-3107-2

1. Bioquímica. 2. Saúde bucal. 3. Odontologia. I. Oliveira, Rodrigo Cardoso de. II. Buzalaf,
Marília Afonso Rabelo. III. Título

16-38304 CDD: 617.6


CDU: 616.314
Dedicatória

Dedicamos este trabalho aos nossos familiares que, ao longo da nossa


carreira, têm nos apoiado incondicionalmente e, em especial, aos nossos
filhos que são as nossas maiores obras de vida:
Nathalia, Gabriel e Rafael Rabelo Buzalaf
Eduardo Godoy Iano Cardoso de Oliveira
Ana Luísa Magalhães Bartholomeu
Agradecimentos

Nosso respeito e nossa admiração a todos os professores de Bioquímica que


nos antecederam e também àqueles que estão na mesma jornada; em
especial, ao Prof. Dr. Eulazio Mikio Taga, que por muitos anos conduziu
essa disciplina na Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de
São Paulo (FOB-USP) e contribuiu para a nossa formação.
Agradecemos à FOB pelo apoio à produção científica e intelectual, sob
a gestão atual da diretora Profa. Dra. Maria Aparecida de Andrade
Moreira Machado e do vice-diretor Prof. Dr. Carlos Ferreira dos Santos.
Aproveitamos a oportunidade para estendermos nossos sinceros
agradecimentos aos servidores não docentes (em especial aos técnicos
especialistas do nosso laboratório: Aline de Lima Leite, Larissa Tercília
Grizzo Thomassian e Thelma Lopes da Silva); aos nossos colegas docentes,
cujo trabalho em parceria é essencial para o crescimento de nossa escola e
para a excelência na formação profissional da sociedade; e aos nossos
queridos alunos de graduação e pós-graduação, que são o combustível
diário da nossa caminhada profissional.

Ana Carolina Magalhães


Rodrigo Cardoso de Oliveira
Marília Afonso Rabelo Buzalaf
Apresentação

Bioquímica Básica e Bucal é indicada a todos os alunos de graduação e pós-


graduação e aos profissionais da área da saúde que tenham interesse em
estudar a estrutura e a função das principais moléculas que compõem nosso
organismo (proteínas, carboidratos, lipídios e ácido nucleicos), assim como
os eventos envolvidos na construção e na quebra dessas moléculas. Esta
obra também é indicada aos profissionais que, direta ou indiretamente,
atuam na cavidade bucal, em especial aos cirurgiões-dentistas, pois são
abordadas a composição dos tecidos mineralizados e a sua interação com o
meio ambiente (saliva, biofilme, fluoretos e agentes antimicrobianos) de
maneira detalhada e completa.
Esta obra foi dividida didaticamente em duas partes: Bioquímica
Básica e Bioquímica Bucal. Na Parte 1 são abordados os seguintes tópicos:
1. Água e Sistema-Tampão; 2. Proteínas; 3. Enzimas; 4. Carboidratos; 5.
Membrana Celular; 6. Transferência da Informação Gênica; 7.
Biossinalização e Ação de Hormônios; 8. Bioenergética (Glicólise, Ciclo de
Krebs e Fosforilação Oxidativa); 9. Nutrição e Metabolismo Integrado; e
10. Bioquímica da Contração Muscular. Esses temas integram os conteúdos
abordados em Bioquímica Básica (Bioquímica I para a Odontologia) nos
cursos de graduação da Faculdade de Odontologia de Bauru da
Universidade de São Paulo (FOB-USP) e tiveram como fonte livros da área,
aulas práticas e exemplos aplicáveis às áreas de Odontologia e
Fonoaudiologia.
Na Parte 2 são apresentados os temas: 11. Mineralização Biológica;
12. Esmalte e Dentina; 13. Bioquímica do Periodonto; 14. Saliva; 15. Dieta
e Cárie Dentária; 16. Biofilme Dentário; 17. Desmineralização–
Remineralização (Cárie e Erosão Dentárias); 18. Fluoretos (Ingestão,
Metabolismo, Toxicidade e Mecanismos de Ação); e 19. Agentes Antiplaca.
Esta parte foi idealizada em virtude da carência de livros com esse conteúdo
e teve como alicerce nossa experiência dentro das linhas de pesquisa da
disciplina. Em geral, os alunos precisam recorrer a vários livros que
contenham todos os temas abordados na disciplina de Bioquímica II,
ministrada especificamente à graduação em Odontologia e que tem um de
seus conteúdos também abordado pontualmente na disciplina
Fonoaudiologia aplicada a cabeça e pescoço.
Esperamos que esta obra com linguagem acessível ao aluno, e com a
inclusão de figuras esquemáticas e exemplos práticos do cotidiano
profissional, facilite a disseminação da informação e o entendimento dos
conteúdos abordados, os quais foram fundamentados em evidência
científica.
Prefácio

Caro leitor,

Com muito prazer escrevo este Prefácio para contar um pouco a história
desta obra. A Bioquímica foi, por muitos anos, considerada uma das
disciplinas mais apavorantes da matriz curricular da nossa escola, e entendo
que de muitas outras escolas também, em função da complexidade de suas
moléculas e vias metabólicas. Graças à modernização e à maior
conscientização sobre metodologias de ensino, esta realidade tem mudado.
É um grande desafio ao professor (“o eterno estudante”, como gosto de me
nomear) tornar esta disciplina tão fascinante para aqueles que trabalham
diretamente com ela na bancada algo interessante aos nossos alunos dos
cursos de graduação, futuros cirurgiões-dentistas e fonoaudiólogos, que na
maioria das vezes não querem nem devem ser especialistas no assunto; mas
por outro lado, devem ter o conhecimento básico e aplicável sobre os
assuntos pertinentes às disciplinas básicas que têm relação direta com sua
atuação como profissionais da saúde.
Existem vários livros fascinantes na área de Química Orgânica e
Bioquímica & Farmácia, os quais nos inspiraram (e nos inspiram
diariamente) e serviram como fonte de citação nesta obra, porém há algum
tempo temos sentido a necessidade de colocar no papel os assuntos mais
pertinentes aos profissionais da área da saúde, em especial àqueles que
formamos, em uma sequência e profundidade de abordagem condizente
com a realizada em sala de aula.
A ideia deste livro surgiu em 2009 e se concretizou em 2011, logo
após o meu concurso de livre-docência, para o qual preparei vários textos,
com base nos livros clássicos de Bioquímica, que me orientaram na
condução da prova escrita. Nos anos subsequentes, esses textos foram
distribuídos aos alunos do 1o ano dos cursos de graduação da nossa escola,
via e-mail ou sistema moodle, para que pudessem ser utilizados no estudo
da disciplina. Desde então, os alunos têm respondido positivamente a esse
material, alegando que tem facilitado o entendimento do conteúdo
apresentado e discutido em aulas teóricas e práticas. Então, resolvemos
concretizar este anseio com esta obra produzida pelos três docentes da
disciplina de Bioquímica da FOB-USP, que não têm medido esforços, ao
longo dos anos, para o aprendizado e a inserção de novas metodologias de
ensino e melhoria na abordagem em sala de aula, aproximando pesquisa e
conhecimento básico aos conhecimentos aplicáveis ao perfil dos nossos
alunos ingressantes e do profissional de que a sociedade precisa. Após 5
anos conseguimos, enfim, finalizar este trabalho, que só tem uma razão para
existir e esta razão é você: nosso querido aluno. Espero que gostem, pois
este livro foi especialmente preparado para vocês.

Um grande abraço,

Profa. Carol Magalhães


Sumário

Parte 1 Bioquímica Básica

Capítulo 1 Água e Sistema-Tampão


Propriedades físicas e químicas da água
Sistema-tampão
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 2 Proteí nas


Aminoá cidos
Proteí nas
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 3 Enzimas
Natureza química das enzimas
Nomenclatura e classificação das enzimas
Mecanismo da catálise enzimática
Fatores que afetam a velocidade das reações | Cinética
enzimática
Inibidores enzimáticos
Regulação da atividade enzimática
Uso de enzimas para diagnóstico clínico
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 4 Carboidratos
Características estruturais
Oligossacarídeos
Homopolissacarídeos
Derivados
Heteropolissacarídeos
Carboidratos conjugados
Destino do carboidrato no corpo e considerações finais
Referências bibliográficas

Capítulo 5 Membrana Celular


Lipídios
Proteínas
Glicoproteínas e glicolipídios
Transporte através de membranas
Comunicação celular e produção de segundo mensageiro
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 6 Transferência da Informação


Gênica
Estrutura do DNA e do RNA
Propriedades do DNA
Genes e cromossomos
Duplicação ou replicação do DNA
Reparo do DNA
Transcrição
Tradução
Controle da expressão gênica
Conclusão
Referências bibliográficas
Capítulo 7 Biossinalização e Ação de
Hormônios
Características dos sistemas de transdução do sinal
Tipos de receptores
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 8 Bioenergética | Glicólise, Ciclo


de Krebs e Fosforilação
Oxidativa
Vias metabólicas convergentes
Glicólise
Ciclo de Krebs
Cadeia transportadora de elétrons e fosforilação oxidativa
Saldo final da glicólise aeróbica
Outras vias de obtenção de energia
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 9 Nutrição e Metabolismo


Integrado
Nutrição
Metabolismo
Alterações do metabolismo | Diabetes melito
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 10 Bioquímica da Contração


Muscular
Musculatura esquelética
Contração muscular | Mecanismo e fatores reguladores
Contração muscular | Fontes de energia
Tipos de fibras musculares
Diferenças entre músculo estriado (esquelético) e liso
Conclusão
Referências bibliográficas

Parte 2 Bioquímica Bucal

Capítulo 11 Mineralização Biológica


Componente orgânico
Componente inorgânico
Teorias da mineralização
Osso
Dentina
Cemento
Esmalte
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 12 Esmalte e Dentina


Esmalte
Dentina
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 13 Bioquímica do Periodonto


Periodonto sadio
Periodonto doente
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 14 Saliva
Anatomia e fisiologia das glândulas salivares
Mecanismos de secreção salivar
Fatores que influenciam o fluxo e a composição salivar
Saliva | Efeitos protetores
Saliva | Limpeza bucal e controle de pH
Saliva | Equilíbrio mineral
Xerostomia e hipossalivação
Conclusões
Referências bibliográficas

Capítulo 15 Dieta e Cárie Dentária


Papel do açúcar na cárie dentária
Tipos de açúcar versus cárie dentária
Alimentos protetores
Influência de diferentes padrões de ingestão
Influência do flúor na relação entre os açúcares e a cárie
dentária
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 16 Biofilme Dentário


Aquisição e colonização bacteriana
Placa dentária | Desenvolvimento, estrutura, composição e
propriedades
Hipóteses para explicar o papel da placa dentária na
etiologia das doenças bucais
Fatores que afetam a composição microbiana da placa
dentária
Placa dentária versus cárie dentária
Placa dentária e doença periodontal
Cálculo dentário
Conclusão e novas perspectivas
Referências bibliográficas

Capítulo 17 Desmineralização–
Remineralização | Cárie e
Erosão Dentárias
Dinâmica mineral
Características microscópicas e clínicas das lesões cariosa e
erosiva
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 18 Fluoretos | Ingestão,


Metabolismo, Toxicidade e
Mecanismos de Ação
Fontes de ingestão de fluoretos
Metabolismo dos fluoretos
Toxicidade aguda do fluoreto
Toxicidade crônica do fluoreto
Mecanismos de ação dos fluoretos no controle da cárie
dentária
Mecanismos de ação dos fluoretos no controle da erosão
dentária
Conclusão
Referências bibliográficas

Capítulo 19 Agentes Antiplaca


Principais mecanismos de ação de um agente antiplaca
Veículos de administração dos agentes antiplaca
Tipos de agentes anti-placa
Conclusão
Referências bibliográficas
A
água, em seus diferentes estados físicos (sólido, líquido e gasoso), está
relacionada com fenômenos naturais. Em especial a forma líquida da
água é associada ao principal componente que possibilitou o surgimento dos
primeiros organismos vivos no planeta Terra. Sua presença nos sistemas
biológicos é tão importante que a mesma representa quase 70% (em
volume) do corpo humano. Em algumas espécies esse percentual pode
chegar a quase 90%, como nas águas-vivas, por exemplo. Apenas pelo
descrito anteriormente podemos concluir que, para entendermos algumas
características e particularidades da vida, e em detalhes alguns mecanismos
biológicos (celulares e moleculares), precisamos conhecer algumas
propriedades da água (Pratt e Cornely, 2006; Campbell e Farrell, 2007;
Nelson e Cox, 2014).
A água não é apenas um meio inerte no organismo, também participa
como reagente em reações químicas, colabora com algumas conformações
moleculares (membranas bilipídicas, enovelamento proteico etc.), além de
outras funções que discutiremos a seguir. Em determinadas condições e
patologias clínicas, a água (geralmente na forma de soro fisiológico, ou
veículo de aplicação de outras moléculas) é um dos primeiros elementos
usados nas manobras de tratamento, como por exemplo, em casos de
desidratação e variação de eletrólitos no sangue (cálcio, potássio, sódio etc.)
(Gaw et al., 2015).

Propriedades físicas e químicas da água


A água, diferentemente de outras moléculas com peso molecular e
constituição atômica semelhantes, apresenta propriedades físicas como
ponto de ebulição, fusão e calor de vaporização bastante particulares
(Tabela 1.1). Outros solventes, com peso molecular parecido com o da
água, apresentam todos essas propriedades físicas praticamente
incompatíveis com a vida como a conhecemos (Tabela 1.1) (Pratt e Cornely,
2006; Campbell e Farrell, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Uma molécula individual de água apresenta um átomo de oxigênio (O)
que faz ligação covalente com dois átomos de hidrogênio (H), deixando
dois pares de elétrons não compartilhados (forma tetraédrica). Ligações
covalentes são aquelas ligações fortes formadas pelo compartilhamento de
um par de elétrons entre átomos adjacentes (Koolman e Röhm, 2005; Pratt e
Cornely, 2006; Marzzoco e Torres, 2007).

Tabela 1.1 Pontos de fusão, ebulição e calor de vaporização de alguns solventes.

Ponto de Ponto de Calor de


fusão(°C) ebulição (°C) vaporização
(J/g)*

Água (H20) 0 100 2.260

Metanol (CH3OH) −98 65 1.100

Etanol (CH3CH2OH) −117 78 854

Propanol (CH3CH2CH2OC) −127 97 687

Butanol (CH3(CH2)2CH2OC) −90 117 590

Acetona (CH3COCH3) −95 56 523

Hexano (CH3(CH2)4CH3) −98 69 423

Benzeno (C6 H6) 6 80 394

Butano (CH3(CH2)2CH3) −135 −0,5 381

Clorofórmio (CHCl3) −63 61 247

*Energia na forma de calor necessária para converter 1 g de um líquido no seu ponto de ebulição e
na pressão atmosférica até seu estado gasoso na mesma temperatura. Esta é uma medida direta da
energia necessária para superar as forças de atração entre as moléculas na fase líquida.

A molécula de água (H2O) é, portanto, polar, ou seja, tem distribuição


desigual (polarizada) de cargas. O átomo de oxigênio apresenta uma carga
parcial negativa e cada átomo de hidrogênio uma carga parcial positiva; e
estes elementos formam um dipolo. Dessa forma, as moléculas de água
podem interagir entre si por pontes de hidrogênio (H), também chamadas
atualmente de ligações de hidrogênio (Figura 1.1). As ligações não
covalentes são classificadas em: interações eletrostáticas, pontes de H,
interações de Van der Walls e interações hidrofóbicas, diferindo em força,
geometria e especificidade. Interação eletrostática ocorre quando um
grupamento carregado de uma molécula pode atrair uma de carga oposta em
outra molécula, dependendo da constante dielétrica do meio (a água
apresenta alta constante dielétrica, 80, que é definida como a força a se opor
à atração eletrostática entre os íons positivos e negativos) e da distância
entre os átomos. A ponte de H é um tipo de interação eletrostática entre o H
e o O ou o N (força de ligação: 4 a 20 kJ/mol ou 1 a 5 kcal/mol). O H
covalentemente ligado a outro átomo eletronegativo é o doador, e o átomo
eletronegativo da mesma molécula, ou de outra, o aceptor de elétrons.
Eletronegatividade é a medida de afinidade de um átomo por elétrons (Pratt
e Cornely, 2006; Campbell e Farrell, 2007; Nelson e Cox, 2014).
As interações de van der Walls se baseiam no fato de a distribuição de
cargas em um átomo ser assimétrica, o que pode induzir a uma assimetria
complementar na distribuição de elétrons no átomo vizinho. Esta atração
aumenta à medida que os átomos ficam próximos até alcançarem a distância
de contato de van der Walls (força: 2 a 4 kJ/mol ou 0,5 a 1 kcal/mol). Em
distâncias mais curtas, aumentam-se as forças repulsivas. O efeito
hidrofóbico ocorre quando moléculas apolares não conseguem participar
das interações anteriormente descritas com a água e se aglomeram (Pratt e
Cornely, 2006; Campbell e Farrell, 2007; Pelley, 2007; Nelson e Cox,
2014).
Figura 1.1 Molécula de água e a ponte de hidrogênio.

Cerca de 460 kJ/mol é a força necessária para romper uma ligação


covalente, e para romper a ponte de H é de 20 kJ/mol. Outras ligações não
covalentes são ainda mais fracas, como por exemplo, as interações iônicas.
As ligações nas pontes de H são mais longas (1,8 Å) e por isso mais fracas
que as covalentes (1 Å). No entanto, as ligações entre O e H não chegam a
2,7 Å, que é a soma de seus raios de van der Waals (distância do núcleo à
superfície reativa de elétrons). Portanto, a água pode formar pontes de H
não só com outras moléculas de água, mas também com uma ampla gama
de outros compostos que tenham grupamentos funcionais portadores de N,
O ou S (interação dipolo-dipolo, força de atração 9 kJ/mol). Essas outras
pontes de hidrogênio entre a molécula de água e compostos biológicos
acontecem com bastante frequência nos seres vivos, como por exemplo:
entre o grupo hidroxila de um álcool e água; grupos carbonil de uma cetona
e água. Outras interações podem ocorrer entre a água e os compostos
polares mas sem carga elétrica (forças de van der Walls) (Pratt e Cornely,
2006; Nelson e Cox, 2014).
Cada molécula de água pode, potencialmente, participar de quatro
pontes de hidrogênio, pois tem dois átomos de hidrogênio para doar prótons
e dois pares de elétrons não pareados que podem aceitar pontes de
hidrogênio. Isto é ainda mais evidente quando a água está na forma
cristalina (gelo). Apesar de uma pequena diferença em relação ao número
de pontes de H entre a água líquida e na forma de gelo, a grande diferença
está na vida média das pontes de H na água líquida (10–11 s). Outros
modelos ainda propõem que as ligações por pontes de H são preservadas,
porém, no estado líquido, as ligações apresentam mais distorção quanto
mais alta for a temperatura, causando maior instabilidade (Koolman e
Röhm, 2005; Nelson e Cox, 2014; Pratt e Cornely, 2006).
Devido às pontes de H, a água apresenta-se muito coesiva e com alta
tensão superficial, possibilitando que insetos andem sobre ela e que
permaneça líquida à temperatura ambiente. A coesão é responsável pelos
elevados valores de ponto de fusão, ebulição, calor de vaporização, calor de
fusão e tensão superficial em comparação a outros hidretos, como por
exemplo, o H2S e NH3. Adicionalmente, a água é considerada um bom
solvente. Como a interação de água e íons é mais forte que a atração entre
eles, sais como NaCl (soluto) se dissolvem em água (solvente) (Figura 1.2).
Cada íon do soluto envolvido em moléculas de água é chamado de
solvatado. Além das substâncias iônicas, existe outro grupo de moléculas
não iônicas, mas polares, que se dissolvem facilmente em água: açúcar,
álcool (grupos hidroxílicos), aldeído e cetonas (átomo de oxigênio da
carbonila) (Pratt e Cornely, 2006; Nelson e Cox, 2014).
A presença de soluto causa uma mudança distinta na estrutura e nas
propriedades da água, uma vez que próximas ao soluto as moléculas de
água são mais ordenadas e regulares. O efeito do soluto no solvente é
manifestado em outro conjunto de propriedades, as propriedades
coligativas, que dependem do número de soluto por unidade de volume dos
solventes (p. ex., diminuição do ponto de congelamento, elevação do ponto
de ebulição e diminuição da pressão de vapor). Também conferem à solução
pressão osmótica (Figura 1.3) (Koolman e Röhm, 2005; Pratt e Cornely,
2006; Nelson e Cox, 2014).
Moléculas hidratáveis são chamadas hidrofílicas (ou polares); já
compostos como alcano (hidrocarboneto), que não têm grupo polar, são
considerados hidrofóbicos (ou apolares). Quando uma substância apolar
como o óleo é misturada à água, formam-se duas fases, uma vez que a água
fica restringida de interagir com o soluto, representando uma perda de
entropia. As moléculas apolares tendem a se agregar, devolvendo a entropia
à água, sendo este fenômeno chamado de efeito hidrófobo. Moléculas
anfipáticas ou anfifílicas experimentam tanto interações hidrofóbicas
(cadeia de hidrocarboneto) como hidrofílicas (carboxilato), formando as
micelas ou bicamadas, como as membranas biológicas (porção hidrofóbica
protegida e porção hidrofílica exposta ao meio aquoso) (Figura 1.4)
(Koolman e Röhm, 2005; Campbell e Farrell, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Cabe ressaltar que, devido à característica polar da água, diversas
condições e estruturas biológicas foram “escolhidas” ou “selecionadas”
para melhor adaptação e desenvolvimento de funções vitais, como por
exemplo: (1) membranas lipídicas – as membranas lipídicas são formadas
por um interior hidrofóbico e o exterior hidrofílico, devido ao meio aquoso
(células) no qual estão inseridas; (2) mecanismos de transporte para
moléculas hidrofóbicas – algumas moléculas como os lipídios precisam ser
transportadas pelo sangue. Lembrando que o sangue é composto na sua
grande maioria por água, os lipídios (moléculas hidrofóbicas) precisam de
um transportador adequado para circularem no sistema sanguíneo de modo
eficiente. Assim, os lipídios hidrofóbicos se associam aos lípidios
anfipáticos e às proteínas, formando estruturas chamadas lipoproteínas
plasmáticas (Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
A água não é meramente um meio inerte, mas sim um participante
ativo nos processos bioquímicos. Sua reatividade se deve à sua capacidade
de se ionizar (H+ ou H3O+ íon hidrônio + OH– hidroxila). A ionização pode
ser descrita por uma constante de dissociação: K = [H+][OH–]/[H2O]. Como
a concentração de H2O (55,5 M) é maior que H+ ou OH–, K é definido como
Kw (constante de ionização da água ou produto iônico): k[H2O] = [H+][OH–]
= 10–14, uma vez que K = 1,8 × 10–16 e [H2O] = 55,5 M. O produto iônico é a
base da escala de pH (Campbell e Farrell, 2007; Marzzoco e Torres, 2007;
Pelley, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Figura 1.2 Dissolução do NaCl (soluto) em água (solvente). Notar a disposição das moléculas de
H2O.
Figura 1.3 Sistema representando a pressão osmótica.
Figura 1.4 Molécula anfipática e estruturas formadas pelas interações hidrofóbicas.

Em uma amostra de água pura, [H+] = [OH–] = 10–7 M. Como a Ka tem


que ser sempre 10–14, o [H+] e [OH–] são inversamente relacionados. Em
uma situação em que [H+] = [OH–] = 10–7 M, o pH é neutro; já uma solução
em que [H+] > [OH–] é considerada ácida (pH < 7), e outra com [H+] <
[OH–] é dita básica (pH > 7). Note que a escala de pH é logarítmica, assim
uma diferença de uma unidade representa 10 vezes menos ou mais H+.
Exemplo: pH 7,4 significa [H+] = 3,9 × 10–8. O pH de uma solução pode ser
alterado, se houver adição de base ou ácido (Campbell e Farrell, 2007;
Marzzoco e Torres, 2007; Pelley, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Sistema-tampão
A estrutura de muitas moléculas presentes nas células e nos espaços
extracelulares é extremamente sensível a variações de pH. Nos seres
humanos, por exemplo, o pH plasmático deve ser mantido em torno de 7,4,
em uma faixa estreita de variação, uma vez que decréscimos a valores
próximos a 7 podem causar consequências drásticas. A manutenção do pH
ideal pelos seres vivos se dá graças à existência do chamado sistema-
tampão (Koolman e Röhm, 2005; Pratt e Cornely, 2006; Pelley, 2007).
Para definir sistema-tampão e comprender suas propriedades, é
necessário conhecer a definição de Brönsted-Lowry para ácidos e bases.
Eles definiram ácidos como substâncias capazes de doar prótons e bases
como substâncias capazes de recebê-los. Um ácido (HA) em meio aquoso
libera o próton (H+) e a base conjugada (A–). Uma simples representação
disso pode ser feita por: HA = H+ + A–. A base conjugada pode novamente
receber um próton, convertendo-se novamente a ácido conjugado. Lewis
definiu ácido como um aceptor potencial de elétrons e a base, o doador
potencial de par de elétrons (Campbell e Farrell, 2007; Marzzoco e Torres,
2007; Nelson e Cox, 2014).
Alguns ácidos são considerados fortes, uma vez que se dissociam
totalmente em água, como por exemplo: HCl e H2SO4. Outros ácidos
dissociam-se parcialmente, por isso são denominados ácidos fracos. Os
ácidos fracos são caracterizados por uma constante de dissociação ou de
ionização. Exemplo: H3PO4/H2PO4– (pKa = 2,14), ácido lático/lactato
(CH3CH(OH)COOH, pKa = 3,86), ácido acético/acetato (CH3COOH, pKa
= 4,76), H2CO3/HCO3– (pKa = 6,37), H2PO4–/HPO4–2 (pKa = 6,86),
NH4+/NH3 (pKa = 9,25), fenol/fenolato (pKa = 9,89), HPO4–2/PO4–3 (pKa =
12,40). Para uma substância com mais de um próton ácido (H3PO4 com 3
H+ que podem se dissociar), há múltiplos valores de pKa (2,14; 6,86 e
12,40) (Pratt e Cornely, 2006; Nelson e Cox, 2014).
Um sistema-tampão é constituído, geralmente, por um ácido fraco e
sua base conjugada. Na presença de ácido, o sistema-tampão reage por
intermédio de sua base conjugada que se associa aos prótons,
transformando-se em ácido. Dois aspectos são importantes, o H+ (na forma
de H3O+) adicionado reage com a base, dessa forma o número de prótons é
menor que se não houvesse base presente na solução. No entanto, nem todo
H+ reage com a base, pois se isto acontecesse manter-se-ia o número de H+
inicial, com redução drástica de base e aumento expressivo de ácido (HA),
o que alteraria o Ka (Figura 1.5) (Campbell e Farrell, 2007; Marzzoco e
Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Quando se adiciona base, o resultado é análogo ao anterior. Os íons
OH– reagem com H+ (orginado do ácido fraco), formando H2O (Figura 1.5).
Haverá um consumo de H+, deslocando a reação para a dissociação do ácido
fraco que repõe parcialmente o H+. Dessa forma, reduzem-se as
concentrações de HA e H+ e aumenta-se a de A– (Marzzoco e Torres, 2007;
Nelson e Cox, 2014).
Portanto, o sistema-tampão previne mudanças bruscas de pH, porém a
eficiência de um tampão está restrita a uma faixa de pH, dentro da qual as
concentrações de ácido (50%) e base (50%) são suficientes para compensar
a adição de álcali ou ácido. Fora do intervalo de tamponamento, como a
soma de HA e A– é constante, têm-se as seguintes situações: grande adição
de álcali (HA 0%/A– 100%) e grande adição de ácido (HA 100%/A 0%).
No valor de pH em que há 50% HA e 50% A–, a eficiência do tampão é
máxima; no intervalo de 1 unidade acima ou abaixo deste valor o tampão
ainda tem efeito. A determinação do pH em que há 50% de dissociação do
ácido pode ser obtida experimentalmente por titulação. A curva de titulação
apresenta uma região achatada correspondente à região de tamponamento,
onde há pequenas variações de pH (Figura 1.6). No centro desta região,
temos HA = A (Pratt e Cornely, 2006; Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e
Cox, 2014).

Figura 1.5 Esquema da ação tamponante de uma solução composta por ácido fraco e sua base
conjugada.
Figura 1.6 Titulação e efeito tamponante do ácido acético.

Entre os ácidos fracos existe uma gradação de força ácida revelada


pelo valor de Ka. Quanto maior o valor de Ka, menor o valor de pKa, mais
forte é o ácido. Quanto maior o valor de Ka, menor a afinidade por base, e,
portanto, menor o valor de pH da solução. O valor de pH em que 50% do
ácido encontra-se dissociado equivale ao valor de pKa e constitui uma
medida de força ácida (Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
A equação de Henderson-Hasselback relaciona pH, pKa e
concentrações de ácido e base conjugada: pH = pKa + log[A]/[HA]. Um
exemplo é o ácido acético (CH3-COOH), que tem valor de pKa = 4,76. Em
um valor de pH 5,76, a relação log[A]/[HA] será 1, isto é, haverá 10 vezes
mais A– que HA. No pH 3,76, haverá o inverso, 10–1. Nesta faixa, há
tamponamento. Se o valor de pH subir para 6,76, por exemplo, a relação
será de 100, haverá uma única molécula de ácido para 100 de base, e o
tamponamento estará perdido. Portanto, o tamponamento existe até uma
unidade acima ou abaixo do valor de pKa do respectivo ácido fraco (Pratt e
Cornely, 2006; Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Além do pH da solução, o sistema-tampão depende de sua
concentração para estabelecer sua eficiência. Dessa forma, um tampão na
concentração de 0,1 M é 10 vezes mais eficiente que o de 0,01 M. Na
prática, o tampão é produzido quando o ácido e seu sal solúvel são
dissolvidos em concentrações iguais. Para preparar um tampão acetato 0,1
M, pH 4,7, dissolve-se 0,05 M de ácido acético e 0,05 M de acetato de
sódio. O mesmo seria conseguido com a adição de 0,1 M de ácido acético e
um álcali para aumentar o pH para 4,76 (Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e
Cox, 2014).
Como dito no início deste texto, os seres vivos mantêm constante o seu
pH interno. Os principais tampões biológicos são fosfato, proteína e
bicarbonato. O sistema H2PO4–/HPO4–2 tem pKa = 6,8, dentro de uma faixa
de pH adequada, porém sua concentração no plasma é baixa, sendo de
maior relevância dentro da célula. O efeito tamponante das proteínas se
deve aos grupos ionizáveis (COO– e NH3+) que se comportam como ácidos
fracos. Entretanto, os valores de pKa estão distantes de pH 7,4, tornando-os
ineficazes como tampões no plasma sanguíneo, por exemplo. Os únicos
aminoácidos compatíveis com este valor de pH são cisteína e histidina.
Ainda o efeito tampão das proteínas é muito discreto no plasma, uma vez
que a concentração proteica é mais baixa, sendo mais importante no
tamponamento celular (Pratt e Cornely, 2006; Marzzoco e Torres, 2007;
Nelson e Cox, 2014).
A exceção é a hemoglobina que juntamente ao tampão bicarbonato é
responsável por manter o pH plasmático. O H2CO3/HCO3– tem valor de pKa
= 3,8, incompatível com os sistemas biológicos; o grande diferencial neste
sistema é o ácido carbônico que está em equilíbrio com o CO2 dissolvido
em água segundo reação (CO2 + H2O ↔ H2CO3) que é espontânea, mas
pode ser acelerada pela anidrase carbônica produzida especialmente pelas
hemácias. Assim o CO2 produzido nos tecidos difunde-se pelo plasma e
para o interior das hemácias onde é transformado em H2CO3, o qual se
dissocia em HCO3– e H+. Nesta situação, o pKa eleva-se para 6,1. A
constante de ionização do tampão bicarbonato é: Ka = [HCO3][H+]/[CO2] =
[HCO3–][H+]/0,03 mEq · ℓ –1 · mmHg–1 · PCO2, uma vez que a solubilidade
do CO2 em água é proporcional à pressão parcial (Pratt e Cornely, 2006;
Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Neste sistema, o CO2 dissolvido no plasma está em contato com o CO2
atmosférico, permitindo um rápido ajuste do pH. Portanto, é um sistema
aberto, muito mais eficiente que um sistema fechado. No pH fisiológico, a
proporção HCO3–/CO2 é 20:1, isto é, o sistema é muito mais efetivo para
resistir à acidificação que à alcalinização (Marzzoco e Torres, 2007; Nelson
e Cox, 2014).
Além do plasma sanguíneo, a saliva é um outro bom exemplo de
solução que apresenta sistema-tampão na sua constituição. A saliva tem
capacidade de ajustar o pH na presença de ácidos ou bases, pela ação de
sistemas como proteínas, fosfato e bicarbonato. Em geral, o pH da saliva
fica próximo ao neutro (6,8). As proteínas apresentam baixa concentração
salivar (concentração equivalente a 1/3 do plasma) e por isso têm pouco
efeito tampão. As proteínas são mais importantes na película adquirida, por
serem mais concentradas. O fosfato também está presente em baixa
concentração na saliva e, além disso, seu valor de pKa é menor do que o
valor do pH da saliva, tendo pouco efeito tampão. A importância do fosfato
é relacionada com a supersaturação da apatita e manutenção da estrutura
dentária. Em relação ao bicarbonato, este é o sistema-tampão mais
importante na saliva, especialmente quando o fluxo salivar é alto, situação
em que apresenta um aumento de concentração razoável (1 mM é
encontrado no fluxo salivar não estimulado versus 60 mM no fluxo salivar
estimulado).
Portanto, o sistema bicarbonato é o mais importante tampão da saliva
estimulada. Já na saliva não estimulada, tanto o sistema bicarbonato como
fosfato agem na neutralização do pH. Considerando que em alguns
momentos do dia consumimos alimentos e bebidas com pH distantes da
neutralidade (refrigerantes: pH 3,5; suco de limão: pH 2 etc.), a presença de
um sistema-tampão na saliva é fundamental para manutenção das condições
de saúde dos tecidos bucais (Nicolau, 2008).

Conclusão
Devido à grande participação da água, seja como solvente ou reagente no
organismo, é essencial que todo profissional da saúde tenha domínio das
principais características/propriedades desse líquido. Muitas manobras
clínicas (diagnóstico e tratamento) se baseiam nas propriedades da água, ou
mesmo como intervenção direta em líquidos corporais. Além disso,
soluções capazes de realizarem a manutenção do pH dentro do organismo
também são importantes pois farão parte da rotina clínica de diversos
profissionais. Por isso, a compreensão do seu mecanismo de funcionamento
é fundamental para os profissionais da área da saúde.

Referências bibliográficas
Campbell MK, Farrell SO. Bioquímica: volume 1, bioquímica básica.
Tradução da 5. ed. americana. Supervisão: Chaves MMG. São Paulo:
Thomson Learning, 2007.
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Pelley JW. Bioquímica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
Pratt CW, Cornely K. Bioquímica essencial. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2006.
A
s proteínas são biomoléculas que apresentam grande diversidade em
formato, tamanho e função. Neste capítulo, vamos descrever alguns
detalhes da estrutura e das propriedades das proteínas. É importante
perceber que essas biomoléculas estão envolvidas no controle e na
regulação de muitos processos biológicos, realizando diferentes funções no
organismo, como por exemplo: transporte (p. ex., hemoglobina),
proteção/defesa (p. ex., imunoglobulinas), controle/regulação (p. ex.,
fatores de transcrição), catálise (p. ex., enzimas), movimento (p. ex., actina
e miosina) e armazenamento (albumina).
Proteína é uma molécula formada pela polimerização de aminoácidos.
Esses aminoácidos podem ser polimerizados em uma ou mais cadeias
peptídicas. São conhecidos mais de 300 tipos de aminoácidos, mas apenas
20 tipos de aminoácidos são capazes de formar a estrutura de proteínas.
A falha na função de uma proteína, por falta, excesso ou defeito na sua
estrutura, poderá ocasionar problemas na saúde de um indivíduo e, em
casos extremos, até a sua morte. Um exemplo conhecido disso é a
síndrome de Usher, caraterizada por profunda perda de audição, retinite
pigmentosa (que leva à cegueira) e, em alguns casos, problemas
vestibulares (equilíbrio). Na síndrome de Usher são encontrados diferentes
tipos de mutações no gene da miosina do tipo VIIa. Essa proteína,
constituída de 2.215 aminoácidos, é um dos componentes do citoesqueleto
celular das células ciliadas da orelha. Na síndrome de Usher, a falha no
desenvolvimento adequado das células ciliadas se deve à mutação no gene
da proteína miosina VIIa (Pratt e Cornely, 2006; Aparisi et al., 2014;
Cosgrove e Zallocchi, 2014).

Aminoácidos
Os aminoácidos são pequenas moléculas que apresentam um “padrão” na
sua estrutura, uma vez que possuem um grupo amino (–NH2) e um grupo
carboxila (–COOH) ligados ao mesmo átomo de carbono (chamado de
carbono a). Além desses grupamentos, existe um grupo variável chamado
de cadeia lateral ou grupo R (radical) que está ligado ao carbono a (Figura
2.1). A única exceção a essa regra é a prolina, que tem um grupo imino (–
NH–) no lugar do amino. Em pH fisiológico (pH 7,4), esses agrupamentos
estão na forma ionizada (NH3+ e COO–) (Pratt e Cornely, 2006; Marzzoco e
Torres, 2007; Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
De acordo com as características dos grupos R são definidas as
propriedades dos aminoácidos. Em geral, os aminoácidos são divididos em
até cinco categorias, de acordo com seu grupo R (Figura 2.2):

• Alifáticos apolares (glicina, alanina, prolina, valina, leucina, isoleucina


e metionina)
• Aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano)
• Polares não carregados (serina, treonina, cisteína, asparagina e
glutamina)
• Polares carregados positivamente (lisina, histidina e arginina)
• Polares carregados negativamente (aspartato e glutamato).

Figura 2.1 Fórmula geral de um aminoácido, com os grupamentos amina e carboxila, H e R.


Figura 2.2 Estrutura e classificação dos aminoácidos.

Os aminoácidos historicamente receberam abreviações e símbolos para


facilitar sua representação (Tabela 2.1).
Alguns aminoácidos, além de serem constituintes de proteínas,
apresentam funções fisiológicas como neurotransmissores, após
modificações na sua estrutura. Alguns desses exemplos são: (1) o
triptofano, que é convertido em serotonina (entre suas funções estão
controle do ritmo circadiano e humor), e (2) a fenilalanina, que pode ser
convertida em catecolaminas (em geral as catecolaminas são liberadas em
situações de estresse, regulando o metabolismo) (Campbell e Farrell, 2007;
Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
Algumas doenças estão relacionadas ao incorreto metabolismo de
alguns aminoácidos, gerando o acúmulo destes ou de intermediários que
prejudicam o funcionamento de um ou mais tecidos/órgãos. Um exemplo
disso é a fenilcetonúria, que consiste basicamente na deficiência da enzima
fenilalanina hidroxilase, impedindo assim o adequado metabolismo do
aminoácido fenilalanina (Figura 2.3). Essa deficiência leva à produção de
outros compostos (fenilpiruvato, fenilactato e fenilacetato) que, ao se
acumularem no sangue, causam, entre outros efeitos, o retardo mental
(Strisciuglio e Concolino, 2014).

Atividade óptica e ionização


Devido à assimetria, os aminoácidos são moléculas quirais, ou seja,
originam dois enantiômeros distintos (L- e D-aminoácidos). Apenas a
glicina não é quiral, uma vez que seu grupo R é composto de um átomo de
hidrogênio (H). Uma maneira de exemplificar essa propriedade é imaginar a
molécula em frente à sua imagem no espelho. A imagem é idêntica, mas
não pode ser sobreposta, semelhante às mãos direita e esquerda. Os
aminoácidos encontrados nas proteínas são todos do tipo L-aminoácidos,
enquanto os D-aminoácidos são encontrados, na natureza, apenas em alguns
peptídios presentes em paredes celulares bacterianas. Apesar de a diferença
entre as configurações L e D ser difícil de ser notada em laboratório,
causando a falsa impressão de ser algo sem importância, na natureza os
efeitos biológicos são distintos. Um exemplo bastante interessante, e
comum no cotidiano, é o caso do aspartame, adoçante comercializado como
substituto do açúcar. O aspartame (ester metílico da L-aspartil-L-
fenilalanina) é constituído pelos aminoácidos L-aspartato e L-fenilalanina,
além de um metil éster. Os dois aminoácidos presentes na estrutura do
aspartame, como já apresentado, estão na forma L. A substituição de um ou
dois aminoácidos pela configuração D (D-aminoácido) resultará em um
sabor amargo em vez de doce (Campbell e Farrell, 2007).

Tabela 2.1 Nomes e abreviações dos aminoácidos comuns.

Aminoácido Abreviação de três letras Abreviação de uma letra

Alanina Ala A

Arginina Arg R

Asparagina Asn N

Aspartato Asp D

Cisteína Cys C

Fenilalanina Phe F

Glicina Gly G

Glutamato Glu E

Glutamina Gln Q

Histidina His H

Isoleucina Ile I

Leucina Leu L

Lisina Lys K

Metionina Met M
Prolina Pro P

Serina Ser S

Tirosina Tyr Y

Treonina Thr T

Triptofano Trp W

Valina Val V

Todos os 20 aminoácidos apresentam no mínimo dois grupos


ionizáveis, por isso sua carga depende do valor do pH do meio no qual
estão inseridos. Resumidamente, em valores de pH muito baixos os
aminoácidos tendem a estar protonados (carga positiva), e em pH muito
altos, desprotonados (carga negativa) (Figura 2.4).
Figura 2.3 Esquema de algumas rotas metabólicas “atingidas” na fenilcetonúria (PKU).
Figura 2.4 Diferenças de cargas dos grupamentos dos aminoácidos de acordo com o pH.

Quando o pH está muito baixo, abaixo do valor de pK1 do grupo


carboxílico (pH < 2,5), há excesso de prótons e, portanto, tanto o grupo
carboxílico como o amino estão protonados, o que confere carga elétrica
positiva. Conforme ocorre adição de base e elevação do pH, aumenta-se a
dissociação do grupo carboxila, resultando no aumento de cargas negativas
que podem se igualar às cargas positivas, tornando a molécula eletricamente
neutra. Prosseguindo com a adição de base, o valor do pH continua a
aumentar acima do pK2 do grupo amino (pH > 10,7), até que se inicia a
dissociação do grupo amino e aumenta-se a concentração da forma com
carga elétrica negativa (Figura 2.4) (Koolman e Röhm, 2005; Kamoun et
al., 2006; Marzzoco e Torres, 2007).
Baseado na titulação, cada aminoácido se apresenta neutro em um
determinado valor de pH. Esse valor é definido como o ponto isoelétrico do
aminoácido. O ponto isoelétrico (pI) corresponde ao valor de pH em que a
quantidade de cargas positivas e negativas da proteína/aminoácido se
iguala. É calculado com base na média dos valores de pKa (logaritmo da
constante de dissociação) dos grupos ionizáveis. Quando há três grupos
ionizáveis, o ponto isoelétrico é calculado pela média aritmética dos valores
de pKa dos grupos com a mesma carga, com exceção da tirosina. O cálculo
do valor de pI de um aminoácido é simples, porém, no caso da proteína
esse valor é dependente da polaridade, da existência de ligações peptídicas
(exclusão da água) e de interações iônicas. Assim, o valor de pI de uma
proteína deve ser obtido experimentalmente (Marzzoco e Torres, 2007;
Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).

Ligações peptídicas
Na constituição das proteínas, os aminoácidos formam polímeros por meio
de ligações entre seus grupos amino e carboxila, formando as chamadas
ligações peptídicas (Figura 2.5). Essas ligações implicam perda de molécula
de água, originada de hidrogênio e oxigênio contidos nos dois grupos.
Assim, alguns autores usam a nomenclatura de “resíduos de aminoácido”
para os aminoácidos que fazem parte de uma proteína, uma vez que estes
apresentam diferença de átomos de hidrogênio e oxigênio do aminoácido
original (sem interação com qualquer outra molécula). Por opção, vamos
manter neste capítulo a nomenclatura de aminoácido, mesmo para aqueles
que estão formando proteínas (Kamoun et al., 2006; Pratt e Cornely, 2006;
Pelley, 2007; Harvey e Ferrier, 2012).
As ligações peptídicas são consideradas planas devido ao seu caráter
parcial de dupla ligação. Assim, esse tipo de ligação não apresenta
liberdade para rotação. Os peptídios são compostos intermediários às
proteínas, pois contêm geralmente até 30 aminoácidos. Em uma sequência
de peptídios, a “direção” adotada para sua representação (tanto por extenso
como por figura) é posicionar o grupo aminoterminal do lado esquerdo e o
grupo carboxiterminal do lado direito (Figura 2.5) (Koolman e Röhm, 2005;
Kamoun et al., 2006; Campbell e Farrell, 2007).
Alguns peptídios apresentam funções biológicas importantes, como
nos casos de ocitocina e vasopressina que são hormônios peptídicos. A
ocitocina induz ao parto em gestantes, controlando a contração do músculo
uterino. A vasopressina controla o músculo liso e, assim, tem influência no
controle da pressão sanguínea. Um exemplo de peptídio com aplicação
comercial bastante difundida é o aspartame, dipeptídio formado por
aspartato e fenilalanina esterificado a um grupo metila (L-aspartil-L-
fenilalanina). É utilizado como substituto não calórico do açúcar, apresenta
potencial cariogênico nulo e ainda pode ter importante papel no menor
potencial erosivo de refrigerantes do tipo light em comparação aos
convencionais (Campbell e Farrell, 2007; Rios et al., 2009; 2011).
Graças às diferenças entre os 20 tipos de aminoácidos, além das quase
infinitas possibilidades de combinações sequenciais entre eles, podem ser
formadas proteínas distintas em tamanho (comprimento de uma centena até
centenas de milhares de aminoácidos), formato e função. Como exemplo,
no organismo humano temos proteínas formadas com pouco mais de cem
aminoácidos (citocromo c – 104 aminoácidos) até milhares (apolipoproteína
B – 4.536 aminoácidos) (Pratt e Cornely, 2006; Pelley, 2007; Berg et al.,
2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Proteínas

Estruturas primária e secundária


As proteínas podem ser classificadas de acordo com a sua organização
estrutural. A sequência de aminoácidos de uma determinada proteína é
classificada como a sua estrutura primária. Essa sequência é determinada
geneticamente, e como veremos adiante, influenciará decisivamente o
formato final da proteína e, consequentemente, a sua função. Exemplo disso
é a doença conhecida como anemia falciforme, caracterizada pelo formato
de foice dos eritrócitos do paciente, que é resultado da substituição do
aminoácido glutamato (aminoácido com grupo R polar) pelo aminoácido
valina (aminoácido com grupo R apolar) na posição 6 da subunidade β da
hemoglobina. Essa “pequena mudança” (identificada primeiramente por
Vernon Ingram em 1957), de um único aminoácido, dentro de uma
sequência de 146 aminoácidos (subunidade β da hemoglobina), é capaz de
alterar drasticamente o formato final da proteína, e, como consequência
final, sua função: transportar oxigênio (Kamoun et al., 2006; Pratt e
Cornely, 2006; Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008; Harvey e
Ferrier, 2012).

Figura 2.5 Peptídio formado por dois aminoácidos; sentido aminocarboxiterminal.

Em seguida, temos na estrutura secundária um arranjo espacial regular


e repetitivo da molécula, que forma “padrões” chamados de α-hélice e folha
β-pregueada (Figura 2.6) (Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008;
Nelson e Cox, 2014).
A α-hélice é mantida por pontes de hidrogênio entre uma unidade
peptídica e a quarta unidade subsequente; essas pontes de hidrogênio se
dispõem paralelamente ao eixo da hélice (3,6 resíduos de aminoácidos por
volta = 0,54 nm). As cadeias laterais dos aminoácidos estão projetadas para
fora da hélice e não participam das pontes de hidrogênio. Portanto, a
organização em α-hélice independe até certo ponto das cadeias laterais.
Queratina e mioglobulina, por exemplo, são formadas principalmente por α-
hélices (Koolman e Röhm, 2005; Campbell e Farrell, 2007; Harvey e
Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
A folha β-pregueada, por outro lado, é mantida por pontes de
hidrogênio que são estabelecidas entre diferentes cadeias peptídicas ou por
segmentos distantes da mesma cadeia. Exibem conformação mais estendida
e disposta lado a lado, dando o aspecto de folha de papel pregueada. As
pontes de hidrogênio são perpendiculares ao eixo das cadeias, e os grupos R
se projetam para baixo ou para cima do plano. As folhas β-pregueadas
podem ser paralelas (N-terminal juntos) ou antiparalelas (N-terminal e C-
terminal alternando) (Figura 2.6) (Koolman e Röhm, 2005; Campbell e
Farrell, 2007; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Algumas proteínas apresentam regiões de repetições de estruturas
secundárias que são chamadas de motivos ou estruturas supersecundárias. O
motivo é definido como estrutura secundária de repetição, com
comprimento de 10 a 40 aminoácidos, que ocorre em proteínas distintas.
Geralmente, esses motivos desempenham funções semelhantes em
diferentes proteínas. Alguns exemplos de estruturas supersecundárias são:
unidade βaβ, meandro β e chave grega (Figura 2.7) (Kamoun et al., 2006;
Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson
e Cox, 2014).
O domínio, por definição, é uma parte da proteína de comprimento
entre 25 e 300 aminoácidos que apresenta estabilidade ou movimentação
isolada do restante da proteína, ou seja, o domínio de uma proteína exibe
certa “independência” estrutural do restante da proteína. Algumas proteínas
podem apresentar mais de um domínio na sua estrutura (Pratt e Cornely,
2006; Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox,
2014).
Além das estruturas secundárias regulares (α-hélice e folha β-
pregueada), as proteínas apresentam regiões da sua estrutura que não se
encaixam nesses dois modelos descritos anteriormente. Geralmente, essas
regiões são compostas por “alças peptídicas” que ligam um elemento de
estrutura secundária a outro (p. ex., alça que liga duas folhas β-pregueadas)
(Pratt e Cornely, 2006; Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008; Harvey
e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Figura 2.6 Representação dos modelos de estrutura secundária: α-hélice e folha β-pregueada
(paralela e antiparalela).
Figura 2.7 Exemplos de algumas estruturas supersecundárias: unidade βαβ, meandro β e chave
grega.

Estrutura terciária
No próximo nível estrutural das proteínas, encontramos a proteína com o
seu formato final (para grande parte delas): a estrutura terciária. Na
estrutura terciária, a proteína apresenta formato tridimensional estabilizado
por diferentes interações. As principais interações encontradas na estrutura
tridimensional de uma proteína são: interações hidrofóbicas, ligações de
hidrogênio, formação de complexos de íons metálicos e pontes dissulfeto
(Figura 2.8). Duas dessas interações merecem destaque: a primeira, as
interações hidrofóbicas, são as maiores responsáveis pela conformação final
da proteína. As proteínas, na sua grande maioria, apresentam o seu interior
(cerne) hidrofóbico. Para entendermos um pouco melhor isso devemos
lembrar que o principal componente dos organismos é a água;
consequentemente, aminoácidos com características hidrofóbicas tendem a
se agrupar no interior da proteína para diminuir a área exposta ao meio
aquoso. Por fim, esses aminoácidos ficam, na maioria das vezes, no interior
das proteínas, enquanto a região externa da proteína é composta na sua
maioria por regiões polares de aminoácidos. Uma exceção a essa regra é o
caso de proteínas que atravessam as membranas (lipídicas) biológicas, uma
vez que a parte central das membranas é hidrofóbica. O segundo tipo de
interação que merece destaque é a ponte dissulfeto, considerada ligação
covalente entre dois grupos SH de duas cisteínas por meio da oxidação e
formação da cistina (Koolman e Röhm, 2005; Campbell e Farrell, 2007;
Marzzoco e Torres, 2007; Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox,
2014).
Figura 2.8 Exemplos de algumas interações que possibilitam a formação da estrutura
tridimensional da proteína: pontes de hidrogênio, pontes dissulfeto, interações hidrofóbicas e
ligações iônicas.

O enovelamento da proteína, processo pela qual a proteína é “dobrada”


até o seu formato final, é fenômeno complexo que recebe o auxílio de
algumas enzimas chamadas de chaperonas (termo originado do francês para
senhoras que acompanhavam moças solteiras). O enovelamento final de
uma proteína é dado pela sequência dos aminoácidos, determinada
geneticamente, uma vez que estes apresentam características como
interação com a água (polar ou apolar) e cargas (negativa ou positiva).
Essas características são decisivas para o enovelamento e,
consequentemente, a conformação final da proteína (Kamoun et al., 2006;
Pratt e Cornely, 2006; Marzzoco e Torres, 2007; Harvey e Ferrier, 2012).

Estrutura quaternária
Algumas proteínas podem ser formadas pela associação de mais de um tipo
de cadeias de peptídios, apresentando assim a chamada estrutura
quaternária (Figura 2.9). Cada cadeia peptídica é chamada de subunidade,
as quais podem ser semelhantes ou distintas. O número de cadeias pode
variar de duas até pouco mais de dez. Essas cadeias são ligadas de modo
não covalente, por meio de ligações de hidrogênio, interações hidrofóbicas
e atrações eletrostáticas. A hemoglobina, com quatro subunidades (cadeias
α e β) é exemplo de proteína com estrutura quaternária (polipeptídica)
(Kamoun et al., 2006; Campbell e Farrell, 2007; Marzzoco e Torres, 2007;
Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Proteínas conjugadas e grupos prostéticos


Algumas proteínas exibem na sua estrutura outros componentes químicos,
além dos aminoácidos. Essas proteínas são chamadas de proteínas
conjugadas, e a porção não aminoácida é denominada de grupo prostético.
Em geral, o grupo prostético desempenha função importante na atividade
biológica da proteína. Normalmente, a exclusão de um grupo prostético
afeta diretamente a função dessa proteína. Ainda, não são raros os casos de
proteínas que apresentam mais de um grupo prostético na sua estrutura. Os
grupos prostéticos podem ser constituídos por uma diversidade de
componentes químicos, como: lipídios, carboidratos, grupos fosfato, heme
(porfirina férrica), nucleotídios de flavina e metais (ferro, zinco, cobre)
(Tabela 2.2) (Pratt e Cornely, 2006; Campbell e Farrell, 2007; Pelley, 2007;
Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Figura 2.9 Estruturas primária, secundária, terciária e quaternária de uma proteína.

Proteínas fibrosas e globulares


As proteínas podem ser classificadas de acordo com a sua conformação em
proteínas:
• Fibrosas: longas fibras ou lâminas insolúveis em água e solução salina;
resistentes; as quais são elementos básicos do tecido conjuntivo
(função estrutural). Exemplos: colágeno (pele, dente e ossos),
queratina (unha, cabelos) e elastina (pele, parede dos vasos, parede do
pulmão). A elastina é responsável pela elasticidade do tecido
conjuntivo, e a sua degradação exacerbada pode levar ao enfisema
pulmonar e à cirrose hepática
• Globulares: cadeias polipeptídicas que se dobram, formando esferas ou
glóbulos solúveis cujas funções são dinâmicas e bastante variadas.
Exemplos: anticorpos e hormônios
• Mistas: estrutura em bastão, porém solúvel em água. Exemplos: fibrina
e fibrinogênio.
Tabela 2.2 Proteínas conjugadas e seus grupos prostéticos.

Proteínas conjugadas Grupo prostético Exemplo


Cromoproteínas Pigmento Hemoglobina, hemocianina e
citocromos

Fosfoproteínas Ácido fosfórico Caseína (leite)

Glicoproteínas Carboidrato Mucina (muco)

Lipoproteínas Lipídio Encontradas na membrana celular e


no vitelo dos ovos

Nucleoproteínas Ácido nucleico Ribonucleoproteínas e


desoxirribonucleoproteínas

Metaloproteínas Ferro, zinco, cálcio Ferritina

Em relação ao colágeno, existem doenças relacionadas à síntese


defeituosa dessa proteína fibrosa como a síndrome de Ehlers-Danlos
(deficiência de enzimas que processam o colágeno ou mutações na
sequência de aminoácidos, especialmente do colágeno tipo III, causando um
grupo de doenças do tecido conjuntivo; a osteogênese imperfeita
(pacientes apresentam ossos frágeis em função de mutações nos genes das
cadeias de pró-colágeno do tipo I), que pode ou não estar associada à
dentinogênese imperfeita. No ser humano, a deficiência de vitamina C
causa escorbuto, devido à produção de colágeno menos estável. Essa
doença pode causar interrupção do crescimento ósseo em crianças, má
cicatrização de feridas e aumento da fragilidade dos capilares, resultando
em sangramento (Pratt e Cornely, 2006; Campbell e Farrell, 2007; Berg et
al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
Desnaturação e renaturação
Toda proteína necessita de condições adequadas para exercer sua função de
maneira apropriada. Alterações nas condições de temperatura, salinidade e
pH podem promover mudanças estruturais na proteína, tanto na estrutura
terciária como secundária da proteína. Essa mudança no formato da
proteína leva, em geral, à perda da sua função, também chamada de
desnaturação. Alterações na estrutura primária de uma proteína são
conseguidas apenas sob condições extremas, por isso é uma situação
relativamente rara de ser encontrada (Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al.,
2008; Nelson e Cox, 2014).
A desnaturação pode ser provocada por aumento da temperatura (>
60°C). Uma exceção de proteínas com resistência térmica são aquelas
oriundas de bactérias termofílicas, como a DNA polimerase de Thermus
aquaticus, a Taq polimerase, que tem sido empregada em técnicas de
engenharia genética, devido a sua estabilidade térmica. Outros agentes
desnaturantes são íons oriundos de metais como chumbo e mercúrio, e
ácidos e bases fortes que podem alterar bruscamente o pH e afetar a
ionização dos grupos das proteínas. A adição de solventes orgânicos polares
e de compostos com grande capacidade de formar pontes de hidrogênio,
como a ureia, pode causar desnaturação, porque os primeiros afetam a
constante dielétrica do meio, e os últimos se ligam aos radicais das
proteínas. Detergentes e sabões podem causar desnaturação por serem
anfipáticos, isto é, apresentarem uma cadeia apolar longa e um grupo
terminal carregado (polar). Assim, podem se introduzir no interior da
proteína, rompendo as ligações hidrofóbicas que mantêm a estrutura
terciaria (p. ex., dodecil sulfato de sódio) (Kamoun et al., 2006; Campbell e
Farrell, 2007; Nelson e Cox, 2014).
A desnaturação pode ser reversível ou irreversível. A irreversibilidade
ocorre quando as proteínas desnaturadas se tornam insolúveis (p. ex., a
albumina do ovo aquecida e o leite acidificado). Nos casos em que a
desnaturação é reversível, o processo de renaturação pode ocorrer, quando
as condições desnaturantes são retiradas. O processo de “renovelamento”
dentro do organismo ocorre quando há proteínas assessoras, as chaperonas,
por meio de etapas cíclicas sustentadas por hidrólise de ATP (Berg et al.,
2008; Nelson e Cox, 2014).

Proteínas homólogas
As proteínas que evoluíram de um ancestral comum são denominadas de
homólogas. A comparação das sequências de seus aminoácidos mostra
semelhanças e regiões chamadas de invariáveis (mesmo conjunto/posição
de aminoácidos), mesmo quando se altera de uma espécie animal para
outra. Essa chamada homologia, entre proteínas de diferentes espécies,
pode ser determinada em porcentagem de semelhança (aminoácidos na
mesma posição) e também ajudar no entendimento de diversos processos
fisiológicos e patológicos. Um exemplo bastante característico de
homologia é a proteína citocromo c, proteína com 103 ou 104 aminoácidos
em vertebrados. Essa proteína apresenta função na cadeia transportadora de
elétrons, localizada na mitocôndria. Sua estrutura (sequência de
aminoácidos) apresenta diferença de alguns poucos aminoácidos (número
entre 8 e 15) entre diferentes espécies, como por exemplo: humano e coelho
(9 aminoácidos), humano e ovelha (10 aminoácidos), cachorro e cavalo (6
aminoácidos) (Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier,
2012; Nelson e Cox, 2014).

Funções
É importante perceber que essas biomoléculas estão envolvidas no controle
e na regulação de muitos processos biológicos, realizando diferentes
funções no organismo, como por exemplo: estrutural (colágeno), transporte
(p. ex., hemoglobina), proteção/defesa (p. ex., imunoglobulinas),
controle/regulação (p. ex., hormônios e fatores de transcrição), catálise (p.
ex., enzimas), movimento/contrátil (p. ex., actina e miosina) e
nutritiva/armazenamento (caseína). Para se ter uma ideia da importância da
função das proteínas, podemos tomar como exemplo a via de quebra da
molécula da glicose (via glicolítica). Nessa via temos dez proteínas com
atividade enzimática, responsáveis por etapas específicas da via. A ausência
ou alteração de uma delas pode inviabilizar todo o processo. Mais detalhes
sobre a via glicolítica podem ser obtidos no Capítulo 8 (Bioenergética |
Glicólise, Ciclo de Krebs e Fosforilação Oxidativa) (Campbell e Farrell,
2007; Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
A função de transporte pode ser exemplificada pela hemoglobina,
proteína responsável pelo transporte do oxigênio no sangue. Essa proteína
apresenta a propriedade de permitir a ligação de quatro moléculas de
oxigênio, transportando-as do sangue dos pulmões para os outros tecidos.
As imunoglobulinas (Ig) apresentam a função de proteção/defesa.
Essas proteínas se ligam a moléculas exógenas, chamadas antígenos,
servindo assim como marcadores indicativos da invasão exógena. Podem
ser encontradas diferentes classes de imunoglobulinas, como: IgA, IgD,
IgE, IgG e IgM.
Outra função bastante comum exercida pelas proteínas é a estrutural,
responsável pela manuntenção do formato e da estabilidade de células e
tecidos. O colágeno é um bom exemplo, uma vez que é o principal
constituinte da matriz extracelular de tecidos conjuntivos, como ossos,
tendões, dentina etc.
Algumas proteínas atuam como moléculas sinalizadoras,
modulando/controlando diversos eventos, seja disparando ou inibindo
algum processo. As chamadas proteínas morfogenéticas ósseas (conhecidas
por BMPs, devido ao nome em inglês: bone morphogenetic protein) são
moléculas capazes de se ligar aos receptores celulares (também proteicos),
localizados na membrana plasmática, e induzir a diferenciação celular de
células mesenquimais indiferenciadas em osteoblastos.
Uma das atividades mais fascinantes das proteínas é a catálise ou
atividade enzimática. As enzimas são fundamentais para que reações
metabólicas aconteçam em um tempo compatível com a vida. Diminuem a
energia de ativação da reação e permitem aumento na velocidade das
reações. Exemplo bastante comum são as proteases (ou proteinases), que
quebram as ligações peptídicas de proteínas. Uma classe das proteases,
chamadas de metaloproteinases de matriz, são responsáveis pela degradação
da matriz extracelular.
A capacidade de movimentação e deslocamento de um organismo, ou
mesmo de uma célula, deve-se à atividade coordenada de algumas
proteínas, em especial da actina e da miosina. Mesmo a alteração de
formato de algumas células, com capacidade de fagocitose, deve-se à
propriedade de seu citoesqueleto (formado essencialmente de proteínas:
actina, microtúbulos e filamentos intermediários) de remodelamento.
Algumas proteínas ainda possuem capacidade nutritiva ou de
armazenamento. A caseína, por exemplo, proteína encontrada no leite
materno (humano, bovino e de outras espécies), é considerada proteína de
valor nutritivo devido à sua composição variada em aminoácidos.

Estudos laboratoriais
Como visto no decorrer do capítulo, as proteínas são biomoléculas
envolvidas em diversos processos biológicos, apresentando uma variedade
de funções e propriedades. Muitas proteínas com função enzimática são
estudadas, em especial pelos problemas que podem acarretar quando não
são expressas adequadamente. São chamados erros inatos do metabolismo
(EIM) os distúrbios de natureza genética que geralmente correspondem a
um defeito enzimático capaz de acarretar a interrupção de uma via
metabólica. Alguns EIM são bastante conhecidos, como a fenilcetonúria,
citada anteriormente neste capítulo. Outros são considerados raros, como a
hipofosfatasia: ausência ou insuficiência da enzima fosfatase alcalina não
específica de tecido. Este último EIM tem como características, entre
outras, a mineralização incompleta de tecidos como os ossos, a dentina, o
cemento e o esmalte. Em casos mais graves a hipofosfatasia pode ser fatal
já no período fetal (Yadav et al., 2012).
Devido à grande importância em relação à atividade/função de
diversas proteínas, tanto em processos fisiológicos como patológicos, essas
moléculas são alvos de várias pesquisas. Consequentemente, muitas
ferramentas foram desenvolvidas para esse fim. A separação, o isolamento
e a identificação de proteínas têm sido realizados por meio de diferentes
técnicas, muitas vezes associadas entre si. Na sequência, relataremos
resumidamente algumas das principais técnicas usadas no estudo das
proteínas (Kamoun et al., 2006; Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008;
Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Isolamento de proteínas
Antes mesmo da purificação de proteínas, estas devem ser removidas dos
seus tecidos e células. Para essa liberação são necessários, incialmente,
processos que promovam a desagregação e a destruição tecidual e celular
(essa primeira etapa é também chamada de homogeneização). Essa
preparação dos tecidos é feita comumente por métodos físicos, utilizando
um homogeneizador com um êmbolo e tubo de ensaio, ou por meio de um
sonicador (sonicação: envolve o uso de ondas sonoras para romper células).
Em seguida, são realizados procedimentos para separação de algumas
organelas e mesmo conjunto de proteínas com pesos moleculares ou outras
características diferentes. A centrifugação diferencial (ciclo de diferentes
centrifugações feitas sequencialmente) é capaz de separar os componentes
celulares (organelas) desejados em frações (Campbell e Farrell, 2007; Berg
et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Precipitação de proteína
As proteínas apresentam alteração na solubilidade em função da
concentração de sais (salting-in e salting-out). A adição de uma quantidade
pequena de sais (cloreto de magnésio e sulfato de amônio) no meio aquoso
pode aumentar a solubilidade de determinadas proteínas, sendo este
processo denominado salting-in. Íons oriundos do sal no meio aquoso
podem interagir com os grupos carregados das moléculas da proteína,
atenuando a interação delas. No entanto, quando a concentração atinge
valores muito elevados (alta força iônica), a solubilidade da proteína
diminui até a sua precipitação, sendo esse processo denominado salting-out
(sais di- ou trivalentes como o sulfato de amônio – (NH4)2SO4 – competem
com a proteína por moléculas de água para solvatação). Nesse caso, há
competição entre os íons e as proteínas por água, tornando-a insuficiente
para dissolver todos os solutos. Assim, a interação proteína-proteína se
torna mais forte que a proteína-solvente, possibilitando sua agregação e
precipitação. O salting-out pode ser utilizado para separação proteica como
processo inicial de purificação. O sal de sulfato de amônio pode ser
utilizado com segurança em relação à desnaturação proteica. Solventes
orgânicos solúveis em água, como a acetona e o etanol (apresentam
constante dielétrica inferior à da água), diminuem a solubilidade das
proteínas, porém esses procedimentos devem ser realizados a temperaturas
baixas (faixa de 0 a 5°C), para evitar a desnaturação proteica (Campbell e
Farrell, 2007; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Diálise
Uma amostra de proteínas é colocada em um dispositivo composto de
membrana semipermeável imersa em um sistema-tampão. A diálise é
utilizada para remover ou mudar de meio pequenos componentes
moleculares de uma solução de proteínas. Esse método se baseia no fato de
moléculas de proteínas, devido a seus tamanhos, não conseguirem
atravessar os poros da membrana semipermeável, enquanto substâncias
submoleculares, com o tempo, distribuem-se igualmente entre os espaços
interno e externo. Após várias trocas do sistema-tampão, as condições no
interior da membrana de diálise (concentração de sal, pH etc.) são as
mesmas da solução externa (Figura 2.10) (Campbell e Farrell, 2007;
Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Figura 2.10 Esquema do processo de diálise para purificação de proteínas. Depois de algum tempo,
as soluções (externa e interna da membrana de diálise) estarão equilibradas (semelhantes).

Cromatografia
Também chamada de filtração em gel, este processo geralmente é
constituído de uma matriz (gel permeável) disposta em uma coluna,
permitindo a separação de proteínas de acordo com algumas de suas
características. Na cromatografia em coluna, uma amostra da mistura de
proteínas é aplicada no topo de uma coluna formada por uma matriz
hidratada constituída de diversos tipos de materiais (gel de dextrana,
celulose e agarose). A coluna é eluída com solução apropriada para a
separação da proteína de interesse. As proteínas migram pela coluna com
diferentes velocidades, conforme o grau de interação com a matriz que
permite a separação. Assim, os métodos de cromatografia em coluna
diferem quanto à matriz utilizada em: tamanho (cromatografia de exclusão),
carga iônica (cromatografia de carga iônica) e especificidade de ligação
(cromatografia de afinidade utilizando substrato ou um inibidor competitivo
no caso de enzima, receptor no caso de hormônio e antígeno no caso de
anticorpos). Existe um outro método de cromatografia, a cromatografia
líquida de alta eficiência (HPLC), que apresenta a matriz composta de
resinas de micropartículas, requerendo alta pressão para a eluição, mas isso
resulta em separações com maior resolução (Campbell e Farrell, 2007;
Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Eletroforese
Este método se baseia na movimentação de partículas carregadas em um
campo elétrico em direção a um eletrodo de carga oposta. As proteínas têm
mobilidades distintas dependendo de suas cargas e dimensões. As amostras
de proteínas aplicadas em um gel poroso (ou uma tira de acetato de
celulose) em sistema-tampão e submetidas a um campo elétrico migram em
direção ao eletrodo de carga oposta. A eletroforese é usada tanto para a
purificação quanto para a caracterização de proteínas. O padrão da
migração é geralmente obtido com o uso de corantes ou por meio da
transferência para uma membrana de nitrocelulose. A “marcação”
(identificação de bandas) da membrana pode ser feita por coloração, reação
enzimática e anticorpos marcados. Um tipo bastante difundido de
eletroforese é a eletroforese em gel de poliacrilamida-SDS (SDS-PAGE)
(Campbell e Farrell, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Ainda sobre a eletroforese, existe a chamada eletroforese
bidimensional em gel, também abreviada como eletroforese 2D. Nesse
modelo de separação, as proteínas são separadas em duas dimensões,
utilizando suas diferentes propriedades (ponto isoelétrico – pI e massa
molecular). Em um primeiro momento (experimento), a amostra (e
consequentemente as proteínas contidas nela) é separada de acordo com as
diferenças de ponto isoelétrico entre as proteínas presentes. Para isso, a
amostra é aplicada em uma fita que possui um gradiente de pH e depois é
submetida a um campo elétrico. No ponto correspondente ao pI, a proteína
cessa sua migração. Na etapa seguinte, as proteínas separadas pelo pI serão
separadas pela diferença de massa molecular. A fita gelatinosa é acoplada a
um segundo gel, que irá permitir a migração das proteínas na segunda
dimensão. As proteínas maiores migrarão mais lentamente pelo gel, ficando
retidas, e as proteínas menores se locomoverão mais aceleradamente, sendo
depositadas na região mais baixa do gel. O gel poderá ser corado para
detecção das proteínas, sendo mais comumente empregado para esse fim o
nitrato de prata e o azul de Coomassie (Campbell e Farrell, 2007; Nelson e
Cox, 2014).

Difração de raios X
As proteínas apresentam estrutura terciária estável; desse modo, podem
formar uma rede de cristal que difrata os raios X para produzir mapas de
densidade de elétron. Esse padrão de difração poderá ser convertido em
uma forma eletrônica e processado de maneira a produzir uma imagem 3D
da estrutura proteica (Campbell e Farrell, 2007; Berg et al., 2008).

Ressonância magnética nuclear


A ressonância magnética nuclear (RMN) é um método que, quando
aplicado em tecidos, gera uma imagem 3D das proteínas em solução,
medida pelas frequências de ressonâncias dos núcleos atômicos (Campbell
e Farrell, 2007; Berg et al., 2008).

Espectrometria de massa
A espectrometria de massa fornece muitas informações para a pesquisa
proteômica, enzimologia e química de proteínas. De modo geral, uma
solução composta por proteína é dispersa em gotículas altamente carregadas
através de uma agulha sob a influência de um campo elétrico de alta
voltagem. As gotículas evaporam e os íons (com prótons adicionados, nesse
caso) entram no espectrômetro de massa para medição da relação entre
massa e carga (m/z). A interpretação desses dados obtidos (espectro
gerado), pelo do uso de bioinformática, poderá fornecer informações sobre
os constituintes da amostra, como origem e função (Berg et al., 2008;
Salvato et al., 2012).

Conclusão
O conhecimento sobre composição, estrutura, função e purificação de
proteínas é de suma importância para alunos de graduação e pós-graduação
nos diversos cursos da área da saúde. O entendimento dos conceitos
relacionados às proteínas é requisito para o entendimento da composição e
função de células, tecidos e órgãos, como por exemplo os ossos, o tecido
conjuntivo etc. Além disso, esse entendimento proporciona melhor
compreensão das condições fisiológicas e patológicas que acometem, por
exemplo, regiões da cabeça e do pescoço (cavidade bucal, orelha etc.) e
outros órgãos. Portanto, o conhecimento sobre proteínas poderá ser aplicado
em disciplinas teórico-práticas afins, nas pesquisas laboratoriais e clínicas,
no diagnóstico e na conduta clínica dos pacientes. Avanços nesse campo de
pesquisa trarão importantes contribuições no desenvolvimento de
engenharia de tecidos, no entendimento do papel da saliva na prevenção de
determinadas patologias e na identificação das alterações moleculares da
mecanotransdução do som e possíveis tratamentos da perda auditiva.

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ara que haja vida é necessário que os organismos se autorrepliquem e
sejam capazes de realizar um conjunto de reações químicas com
velocidade adequada e especificidade. A importância da ocorrência de
ligações químicas com a velocidade apropriada pode ser entendida a partir
do exemplo a seguir. A conversão da sacarose a CO2 e H2O na presença de
oxigênio é um processo que libera energia livre, a qual pode ser utilizada
para o ato de pensar, locomover-se, enxergar e sentir. Imagine um saco
plástico contendo açúcar na prateleira de um supermercado. Apesar de
haver oxigênio no interior da embalagem, este saco pode ser armazenado
durante vários anos sem ser transformado em CO2 e H2O. Embora este
processo químico seja altamente favorável, ele é extremamente lento.
Contudo, quando a sacarose é consumida por um ser humano ou qualquer
outro organismo vivo, ocorre liberação de energia em segundos. A
diferença entre estes dois exemplos é a catálise, sem a qual as reações
químicas necessárias para sustentar a vida não ocorrem em uma escala de
tempo útil. Os catalisadores das reações que ocorrem nos sistemas
biológicos são as enzimas (Nelson e Cox, 2014).

Natureza química das enzimas


Com exceção de um pequeno grupo de moléculas de RNA que apresentam
atividade catalítica (ribozimas), todas as enzimas são proteínas altamente
especializadas, que têm como função catalisar as reações metabólicas que
acontecem em nosso organismo, ou seja, elas aceleram as reações químicas
que normalmente demorariam mais para acontecer. Sendo proteínas, a
atividade biológica das enzimas depende da manutenção da sua
conformação proteica nativa. Assim, as estruturas proteicas primária,
secundária, terciária e quaternária das enzimas são essenciais para a sua
atividade catalítica. Quando uma enzima é desnaturada ou dissociada em
subunidades, a sua atividade catalítica geralmente é perdida. Quando uma
enzima é degradada nos seus aminoácidos constituintes, a sua atividade
catalítica é sempre perdida.
As enzimas, como outras proteínas, têm pesos moleculares que variam
de 12.000 até mais de 1 milhão de dáltons (Da). Algumas enzimas não
requerem nenhum outro grupamento químico, além de seus resíduos de
aminoácidos para exercerem sua atividade catalítica. Outras requerem um
componente químico adicional chamado de cofator, que pode ser um ou
mais íons inorgânicos, como Fe+2 ou Fe+3 (catalase, peroxidase e citocromo
oxidase), Mg+2 (piruvato quinase, glicose-6-fosfatase), Mn+2 (arginase) ou
Zn+2 (anidrase carbônica, metaloproteinase da matriz). Os efeitos
antimicrobianos do fluoreto, envolvidos no controle da cárie dentária, são
atribuídos à sua habilidade, conhecida há muito tempo, em inibir a enolase
(Reiner, 1947), uma enzima da via glicolítica que tem como cofator o Mg+2.
Assim, ao se ligar ao Mg+2, o fluoreto impede que ele esteja livre para atuar
como cofator da enolase, o que acaba reduzindo o metabolismo bacteriano.
Algumas enzimas requerem uma molécula orgânica complexa ou uma
molécula metalorgânica chamada coenzima. A coenzima, ou íon metálico,
que está firmemente ou até mesmo covalentemente ligada à parte proteica
da enzima é chamada de grupo prostético. Uma enzima completa e
cataliticamente ativa, juntamente com sua coenzima e/ou íons metálicos, é
chamada de holoenzima (“holo” é um prefixo que significa “integral”,
“completo”). A parte proteica desta enzima é chamada de apoenzima ou
apoproteína. As coenzimas funcionam como transportadores transitórios de
grupos funcionais específicos. Geralmente elas são derivadas de vitaminas,
nutrientes orgânicos necessários em pequenas quantidades da alimentação
diária. Dentre as coenzimas temos como exemplos a flavina-adenina-
dinucleotídio (FAD), coenzima A, coenzima B12 e nicotinamida-adenina-
dinucleotídio (NAD). Algumas enzimas requerem ambos, a coenzima e um
ou mais íons metálicos para sua atividade.
Algumas enzimas são modificadas covalentemente por glicosilação,
fosforilação e outros processos, estando esta modificação relacionada à
regulação da atividade enzimática (Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox,
2014).

Nomenclatura e classificação das enzimas


De maneira simplista, uma grande quantidade de enzimas é denominada
pela adição do sufixo “ase” ao nome do seu substrato, ou ainda à descrição
da sua atividade. Assim, a urease catalisa a hidrólise da ureia, a RNA
polimerase catalisa a polimerização de ribonucleotídios, formando o RNA.
Algumas enzimas, como por exemplo tripsina e pepsina, têm nome não
relacionado aos seus substratos ou atividades. Da mesma maneira, certas
enzimas têm mais que um nome ou ainda duas enzimas diferentes
apresentam o mesmo nome. Para sistematizar estas inconsistências e
também devido ao crescente número de enzimas descobertas, a União
Internacional de Bioquímica e Biologia Molecular desenvolveu um sistema
internacional para dar nome e classificar as enzimas, chamado número E.C.
(abreviatura em inglês para Comissão de Enzimas). Por meio deste sistema,
as enzimas são divididas em seis classes principais, cada uma delas com
subclasses, de acordo com a reação química catalisada (Marzzoco e Torres;
2007, Nelson e Cox, 2014). As seis classes de enzimas são:

• Oxidorredutases: catalisam reações de transferência de elétrons. Como


exemplo tem-se a lactato desidrogenase, que atua na oxidação do
lactato a piruvato, com a redução da coenzima NAD+ em NADH e
liberação de um hidrogênio
• Transferases: catalisam reações de transferência de grupos C-, N- ou P.
Como exemplo tem-se a serina hidroximetiltransferase, que transfere
metileno (CH2) da serina para o tetra-hidrofolato (THF),
transformando-a em glicina
• Hidrolases: catalisam reações de hidrólise, ou seja, transferência de
grupos funcionais para a água. Um exemplo é a uréase, que transforma
a ureia em gás carbônico e amônia
• Liases: catalisam a adição de grupos a ligações duplas ou a formação
de ligações duplas pela remoção de grupos. Como exemplo, tem-se a
piruvato descarboxilase, que transforma piruvato em acetaldeído, com
a liberação de gás carbônico
• Isomerases: catalisam a transferência intramolecular de grupos,
levando à formação de formas isoméricas. Como exemplo tem-se a
metilmalonil-CoA mutase, que transforma metilmalonil-CoA em
succinil-CoA
• Ligases: catalisam a formação de ligações C-C, C-S, C-O e C-N por
reações de condensação, com gasto de ATP. Como exemplo tem-se a
piruvato carboxilase, que catalisa a interação de piruvato e gás
carbônico, a expensas de ATP, para formar o oxalacetato.
A cada enzima é atribuído um número classificatório de quatro dígitos
(como se fosse seu registro geral, RG) e um nome sistemático que identifica
a reação que ela catalisa. Como exemplo, o nome sistemático formal da
enzima que catalisa a reação a seguir é ATP-glicose fosfotransferase,
indicando que ela catalisa a transferência de um grupo fosfato do ATP para
a glicose.

ATP + D-glicose → ADP + D-glicose-6-fosfato

O seu número E.C. é 2.7.1.1. O primeiro dígito (2) denota o nome da classe
(trata-se de uma enzima que catalisa reação de transferência de grupos
funcionais); o segundo dígito (7), a subclasse (o grupamento transferido é o
fosfato); o terceiro dígito (1) denota que um grupo hidroxila é o aceptor de
fosfato; e o quarto dígito (1) indica que a D-glicose contém o grupo
hidroxila aceptor do grupo fosfato (Nelson e Cox, 2014).

Mecanismo da catálise enzimática


Nos sistemas biológicos, as reações não catalisadas são lentas e
incompatíveis com a vida. As enzimas permitem que as reações possam
acontecer mais rapidamente, devido à catálise, caracterizada pela aceleração
da ação enzimática. Mas como as enzimas conseguem aumentar a
velocidade das reações químicas?
A característica que distingue uma reação catalisada enzimaticamente
de uma não catalisada é a sua ocorrência no interior de uma cavidade da
enzima chamada sítio ativo. A molécula que se liga ao sítio ativo e sofre a
ação da enzima é chamada substrato. Uma reação enzimática simples pode
ser escrita:
E + S ↔ ES ↔ EP ↔ E + P

Em que E, S e P representam enzima, substrato e produto, respectivamente.


ES e EP são os intermediários da reação, ou complexos transitórios da
enzima com o substrato e o produto, respectivamente.
Em um diagrama de coordenadas das reações, que representa a
variação de energia durante a reação, o substrato no seu estado fundamental
fornece uma certa contribuição para a energia livre do sistema (Figura 3.1).
Fornecendo-se energia a este substrato no seu estado fundamental, seu nível
energético aumenta, até que no pico energético é atingido o estado de
transição, um momento molecular efêmero no qual eventos como
desenvolvimento de cargas, quebra de ligações e formação de ligações
ocorrem em um ponto preciso no qual a decomposição para formar o
substrato ou o produto é igualmente provável. A diferença entre os níveis de
energia do estado fundamental e do estado de transição é chamada energia
de ativação (DG). A velocidade com que uma reação ocorre é dependente
da DG. Quanto mais alta for esta energia, mais lenta será a reação. É
justamente neste ponto que as enzimas atuam. Elas aumentam a velocidade
das reações por diminuírem a energia de ativação necessária para
alcançar o estado de transição, devido à formação dos complexos enzima-
substrato (ES) e enzima-produto (EP). Isto permite que o produto seja
formado com uma energia de ativação bem menor que aquela necessária
para se chegar ao estado de transição em uma reação não catalisada,
acelerando a velocidade da reação (Figura 3.1 B).
Na Figura 3.1 pode-se observar que, independente da catálise, os
níveis energéticos do substrato e do produto nos seus estados fundamentais
permanecem os mesmos na reação não catalisada (Figura 3.1 A) e na reação
catalisada (Figura 3.1 B), ou seja, a não há variação de energia livre no
sistema. Como o equilíbrio entre S e P reflete a diferença entre as energias
livres dos seus estados fundamentais, tem-se aqui outra importante
característica do processo de catálise, que é a manutenção do equilíbrio.
Em síntese, as enzimas aceleram a velocidade das reações químicas por
reduzirem a energia de ativação, sem afetar o equilíbrio da reação. A
constante de equilíbrio não é alterada pela presença da enzima, mas o
equilíbrio é alcançado muito mais rapidamente quando comparado a uma
reação não catalisada (Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014). As
enzimas têm um alto poder catalítico, acelerando as reações químicas de 105
a 1017 vezes (Nelson e Cox, 2014). Em adição, as enzimas são também
bastante específicas e podem distinguir substratos com estruturas muito
semelhantes. Estas características da catálise trazem perguntas intrigantes:
Como explicar este grande aumento, altamente específico, na velocidade
das reações químicas pelas enzimas? Como é possível reduzir a energia de
ativação, ou em outras palavras, de onde a enzima retira energia para a
catálise?
Há basicamente duas fontes para a obtenção desta energia. A primeira
está relacionada aos rearranjos das ligações covalentes durante a reação
enzimática. Os grupos funcionais catalíticos das enzimas podem formar
uma ligação covalente transitória com um substrato e ativá-lo para a reação.
Outra possibilidade é algum grupo poder ser transferido transitoriamente do
substrato para um grupo da enzima. Estas reações que geralmente ocorrem
no sítio ativo da enzima diminuem a energia de ativação (e, portanto,
aceleram a reação), propiciando um caminho reacional alternativo de
energia mais baixa.
Outra fonte são as interações não covalentes entre a enzima e o
substrato, que fornecem a maior parte da energia necessária para diminuir a
energia de ativação. O fator que de fato distingue as enzimas da maioria dos
catalisadores não enzimáticos é a formação de um complexo ES substrato
específico. A interação do substrato com a enzima neste complexo é
mediada pelas mesmas forças que estabilizam a estrutura proteica,
incluindo as pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas e iônicas. A
formação de cada interação fraca no complexo ES é acompanhada por uma
pequena liberação de energia livre que garante o grau de estabilidade para a
interação. A energia derivada da interação ES é chamada energia de
ligação (DGB), que é a maior fonte de energia livre usada pelas enzimas
para diminuir a energia de ativação (Nelson e Cox, 2014).
Embora toda a molécula enzimática seja necessária para a catálise, a
ligação com o substrato se dá apenas em uma região pequena e definida da
enzima, o sítio ativo, o qual forma uma cavidade, revestida por cadeias
laterais de aminoácidos. Algumas dessas cadeias de aminoácidos ajudam a
estabilizar o complexo ES no estado de transição, conferindo especificidade
à catálise, enquanto outras participam diretamente da catálise (Marzzoco e
Torres, 2007). Para que aconteça a catálise, o sítio ativo da enzima tem que
ser complementar ao estado de transição por que passa o substrato, pois
interações ótimas, por meio de ligações fracas, entre enzima e substrato
ocorrem apenas no estado de transição. O somatório destas interações é a
DGB, que faz com que seja necessário menor DG para a formação do
produto. Em outras palavras, podemos dizer que a energia de ativação para
uma reação não catalisada é igual à energia de ativação para a reação
catalisada somada à energia de ligação (DG não cat = DG cat + DGB)
(Figura 3.2).
Figura 3.1 Diagramas de energia para reação química não catalisada (A) e catalisada por enzima
(B). Na reação catalisada, a energia de ativação (DG cat) é bem menor que na não catalisada (DG
não cat), devido à formação dos complexos enzima-substrato (ES) e enzima-produto (EP). Tanto na
reação não catalisada (A) quanto na catalisada (B), os níveis energéticos do substrato e produto no
estado fundamental são os mesmos (DG’0), ou seja, o equilíbrio da reação não se altera.

Figura 3.2 O papel da energia de ligação (DGB) na catálise. Durante a catálise, as interações do
substrato com o sítio ativo da enzima liberam a DGB, que faz com que seja necessária menor
quantidade de energia de ativação (DG cat) para se atingir o estado de transição e haver formação
do produto.

Fatores que afetam a velocidade das reações |


Cinética enzimática
Alguns fatores influenciam a velocidade das reações. Entre eles podemos
citar: cofatores (já abordados anteriormente), concentração de substrato,
temperatura e pH. Na sequência, vamos descrever o efeito de cada um
destes fatores na velocidade das reações.

Efeito da concentração do substrato


A concentração do substrato ([S]) é um dos principais fatores que afetam a
velocidade de uma reação catalisada in vitro por uma enzima purificada. A
maior dificuldade em se estudarem os efeitos da [S] advém do fato de a
mesma variar durante uma dada reação, à medida que S é convertido em P.
A fim de se contornar este viés, pode-se medir a velocidade inicial da
reação, designada por V0, quando a [S] é muito maior que a concentração de
enzima ([E]). Assim, se o tempo da reação for curto, as mudanças na [S]
serão desprezíveis, de forma que a [S] pode ser considerada constante.
Imaginemos um meio de reação no qual há uma pequena [S] e uma
grande [E] (Figura 3.3 A). Nesta situação, a V0 é baixa. Aumentando-se a
concentração substrato, a V0 vai aumentando proporcionalmente (Figura 3.3
B), quando ainda existe muita E disponível, até que chega um ponto em que
a taxa de aumento na velocidade diminui por conta da baixa disponibilidade
de E livre (Figura 3.3 C), até não mais aumentar de forma significativa com
o aumento da [S] (Figura 3.3 D e E). Nesta situação, se fizermos um gráfico
de V0 em função do aumento da [S], quando a [E] é mantida constante
(Figura 3.4), observamos que quando a [S] é baixa, o aumento de V0 é
diretamente proporcional ao aumento da [S]. Em altas [S], V0 aumenta cada
vez menos em resposta aos aumentos da [S]. Finalmente é alcançado um
ponto acima do qual, à medida em que a [S] aumenta, ocorrem aumentos
insignificantes de V0. Neste ponto V0 é muito próxima da velocidade
máxima (Vmáx) e praticamente todas as moléculas de E estão na forma do
complexo ES e a [E] livre é extremamente pequena.
Em 1913, Leonor Michaelis e Maud Menten propuseram a teoria geral
de ação das enzimas, de acordo com a qual a E inicialmente combina-se
com o S de modo reversível e rápido, formando o complexo enzima-
substrato (ES). Em uma segunda etapa mais lenta, o complexo ES é
rompido, liberando a E e o P.
Sendo a segunda reação mais lenta, ela limita a velocidade da reação,
de forma que a velocidade total é proporcional à concentração das espécies
que reagem na segunda etapa, ou seja, ao ES. Em um dado momento da
reação catalisada por uma enzima, a mesma existe em duas formas: livre ou
não combinada (E) e na forma combinada (ES). Quando a [S] é baixa, a
maior parte da enzima está na forma não combinada E, de forma que a
velocidade é proporcional à [S], já que o equilíbrio é deslocado na direção
de formação de ES à medida que [S] aumenta. A Vmáx de uma reação
catalisada acontece quando quase toda a enzima estiver presente como ES e
a [E] é desprezível. Nesta situação, a enzima está saturada com o substrato e
um aumento da [S] não provoca um aumento na velocidade, e podemos
observar um platô na curva representada nas Figuras 3.4 e 3.5.
Assim que a enzima é adicionada a uma grande concentração de
substrato, temos o estado pré-estacionário, durante o qual a concentração de
ES aumenta. Este período, entretanto, é muito curto e a reação rapidamente
atinge o estado estacionário, no qual a concentração de ES permanece
constante ao longo do tempo. A determinação de V0 reflete o estado
estacionário.
A curva que expressa a relação entre a [S] e V0 tem e mesma forma
(hiperbólica) para todas as enzimas que seguem a cinética michaeliana e
algebricamente pode ser expressa pela equação de Michaelis-Menten
(Figura 3.5), que considera que a etapa limitante da velocidade de uma
reação enzimática é a quebra da complexo ES em P e E livre (Nelson e
Cox, 2014). A equação proposta por Michaelis-Menten representa a
velocidade da reação catalisada por uma enzima, com um único substrato.
Ela define a relação quantitativa entre V0, Vmáx e [S], em relação à constante
de Michaelis (Km):
Figura 3.3 Esquema de um meio de reação inicialmente com uma pequena concentração de
substrato, em relação à concentração de enzima (A). À medida que se aumenta a concentração de
substrato, a velocidade da reação aumenta proporcionalmente (B), até que se alcança um ponto no
qual as enzimas disponíveis encontram-se já ocupadas com seus substratos e a taxa de aumento da
velocidade diminui (C), até não aumentar mais (D e E).

Figura 3.4 Velocidade inicial da reação em função do aumento da concentração de substrato.


Figura 3.5 Velocidade inicial (V0) da reação em função do aumento da concentração de substrato
[S], que pode ser expressa algebricamente pela equação de Michaelis-Menten: V0 = Vmáx/2, [S] =
Km.

Uma relação numérica importante pode ser obtida quando

Neste caso temos:

Dividindo-se por Vmáx, obtém-se:


Resolvendo em função de Km, obtém-se:
Km + [S] = 2[S]

Ou

Isto representa uma definição prática muito útil de Km, ou seja, trata-se da
[S] na qual V0 é igual à metade de Vmáx. Esta regra vale para todas as
enzimas que seguem a cinética de Michaelis-Menten (a maioria, com
exceção das enzimas reguladoras).
Em baixas [S], Km >> [S] e o termo [S] no denominador da equação de
Michaelis-Menten torna-se insignificante. Neste caso, a equação pode ser
simplificada para:

Assim, V0 passa a ter dependência linear da [S], sendo a reação de primeira


ordem. Em [S] elevadas, em que [S] >> Km, o termo Km no denominador da
equação de Michaelis-Menten torna-se insignificante e a equação pode ser
simplificada para V0 = Vmáx. Assim, a equação de Michaelis-Menten denota
a dependência observada de V0 em relação à [S]. A forma da curva é
definida pelos termos Vmáx/Km quando a [S] é pequena, e apenas por Vmáx,
quando a [S] é alta (Nelson e Cox, 2014).
Os parâmetros Km e Vmáx podem ser calculados em um experimento em
que se mede a velocidade da reação catalisada por uma enzima, em função
da [S]. Entretanto, pelas características da curva hiperbólica formada,
quando se plota V0 em função da [S], é difícil calcular precisamente estes
parâmetros. A fim de se contornar este problema, a equação de Michaelis-
Menten foi transformada algebricamente em equações que são mais úteis no
tratamento gráfico dos dados experimentais, para se obterem os valores de
Km e Vmáx.
Partindo-se então da equação de Michaelis-Menten,

Uma transformação comum é obtida simplesmente invertendo-se os dois


lados da equação:

Separando-se os componentes do numerador do lado direito da equação,


obtém-se:

Que pode ser simplificado para:

Que corresponde a
y = bx + a (equação de uma reta), sendo y = 1/V0 e x = 1/[S]
Assim, para as enzimas que seguem o padrão michaeliano, esta forma
da equação de Michaelis-Menten, chamada de equação de Lineweaver-
Burk, é representada graficamente por uma linha reta, quando se plota o
gráfico de 1/V0 versus 1/[S]. Este gráfico é chamado de gráfico dos
duplos-recíprocos ou de Lineweaver-Burk. Pela equação de uma reta,
esta linha tem uma inclinação de Km/Vmáx, intercepto de 1/Vmáx no eixo de
1/V0 (Figura 3.6) e um intercepto de –1/Km no eixo de 1/[S] (Figura 3.7).
Esta representação tem a grande vantagem de permitir uma determinação
mais acurada de Vmáx, que pode ser obtida apenas aproximadamente pelo
gráfico V0 versus [S]. Também é muito útil na diferenciação de mecanismos
distintos de reação enzimática e na análise de inibidores de enzimas, como
veremos a seguir.
Para as enzimas de mecanismo de reação simples, Km representa uma
medida da afinidade da enzima pelo substrato no complexo ES. Quanto
maior a Km, menor a afinidade, pois significa que precisamos de uma [S]
maior para atingir a metade da Vmáx. Por outro lado, valores baixos de Km
indicam maior afinidade da E pelo S, atingindo-se a metade da Vmáx com
menor [S].
Kcat é uma constante de velocidade de primeira ordem, cuja unidade é o
recíproco do tempo. Ela é também chamada de número de renovação e é
equivalente ao número de moléculas do S convertidas em P por uma única
molécula de E, em uma dada unidade de tempo, quando a enzima está
saturada pelo substrato. Portanto, quanto maior a Kcat, maior a eficiência
catalítica.
Pode-se calcular Kcat a partir da equação de Michaelis-Menten:

Os parâmetros Km e Kcat geralmente são úteis para o estudo e comparação


de diferentes enzimas, independentemente de seus mecanismos de reação
serem simples ou complexos. Cada enzima apresenta valores ótimos de Kcat
e Km, que refletem o ambiente celular, a [S] normalmente encontrada in vivo
pela enzima e a química da reação que está sendo catalisada. Geralmente se
calcula Kcat/Km, parâmetro denominado constante específica.
Figura 3.6 Gráfico duplo-recíproco de Lineweaver-Burk, indicando o cálculo de Vmáx.

Figura 3.7 Gráfico duplo-recíproco de Lineweaver-Burk, indicando o cálculo de Km.


Os parâmetros Kcat e Km permitem avaliar a eficiência catalítica das
enzimas, mas estes parâmetros isoladamente são insuficientes para isto.
Experimentalmente, a Km de uma enzima tende a ser similar à concentração
celular do seu substrato. Uma enzima que atua sobre um substrato presente
em uma concentração muito baixa no interior da célula tenderá a ter uma
Km muito menor que aquela que atua sobre um S que é mais abundante
(Marzzoco e Torres 2007; Nelson e Cox, 2014).

Efeito da temperatura
A velocidade da reação aumenta com o aumento da temperatura até um
pico de velocidade. Este aumento se deve ao aumento no número de
moléculas com energia suficiente para atravessar a barreira de energia e
formar os produtos. A temperatura ótima para a maioria das enzimas
humanas está entre 35 e 40°C. No entanto, se altas temperaturas forem
alcançadas, a velocidade da reação tende a diminuir, em função da
desnaturação proteica (Figura 3.8).

Efeito do pH
O pH pode ter influência na ionização do sítio ativo da enzima e também
pode desnaturar a enzima, especialmente quando são alcançados valores
extremos de pH. O pH ótimo no qual a atividade enzimática é máxima
difere para cada enzima, refletindo a [H+] na qual a enzima funciona no
organismo. A pepsina tem pH ótimo de 2, enquanto o pH ótimo da glicose-
6-fosfatase é em torno de 8 (Figura 3.9). O pH ótimo de uma enzima não é
necessariamente idêntico ao pH do meio intracelular em que é produzido,
sugerindo que a inter-relação pH-atividade enzimática pode ser um fator
controlador da atividade da enzima (Marzzoco e Torres 2007; Nelson e
Cox, 2014).
Figura 3.8 Efeito da temperatura em uma reação catalisada por enzima.

Nas aulas práticas do curso de Fonoaudiologia e Odontologia


realizamos um experimento com cinética enzimática utilizando a
fosfotirosina proteína fosfatase de ervilhas frescas. A fosfotirosina proteína
fosfatase de ervilhas frescas é uma proteína de baixa massa molecular
(18.000 Da) e a sua atividade é dependente de grupamentos SH. O substrato
a ser utilizado nos diferentes testes experimentais é o p-nitrofenilfosfato
que, sob a ação enzimática, libera paranitrofenol e fosfato. O p-nitrofenol
liberado pode ser medido quantitativamente porque em meio alcalino é um
composto amarelo que absorve luz na região de 405 nm. No experimento,
nós testamos o efeito das diferentes concentrações de substrato, mantendo
uma concentração única de enzima, a um pH 5, para que os alunos possam
montar os gráficos de Michaelis-Menten e Lineweaver-Burk, para o cálculo
de Km e Vmáx. Ainda testamos o efeito do pH utilizando concentrações
conhecidas de substrato e enzima, variando as faixas de pH, para averiguar
o pH ótimo da enzima em questão.

Inibidores enzimáticos
Os inibidores enzimáticos são substâncias que interferem na atividade
catalítica, reduzindo a velocidade da reação ou interrompendo as reações
enzimáticas. Alguns inibidores são constituintes celulares normais,
cumprindo um importante papel regulatório no organismo, e outros são
substâncias estranhas ao organismo e sua presença nas células provoca
importantes alterações no metabolismo. Por conta disto, os inibidores
enzimáticos são altamente empregados em Farmacologia. Este é o caso das
sulfonamidas, que inibem uma enzima bacteriana não presente em
humanos. A inibição desta enzima bloqueia uma série de reações químicas
em cascata, impedindo a reprodução da célula. Por conta disto, as
sulfonamidas são utilizadas no combate a infecções bacterianas (Marzzoco
e Torres, 2007). Outro exemplo é o ácido acetilsalicílico, que inibe a enzima
que catalisa o primeiro passo na síntese das prostaglandinas, compostos
envolvidos com a dor.

Figura 3.9 Efeito do pH em uma reação catalisada pela pepsina e pela glicose-6-fosfatase.

Apesar de haver grande variação em relação aos mecanismos de


inibição, os inibidores enzimáticos podem ser divididos em duas grandes
categorias, com base na estabilidade de sua ligação com a molécula
enzimática: os reversíveis e os irreversíveis.
Inibidores irreversíveis
Os inibidores irreversíveis são assim chamados porque reagem
quimicamente com um grupo funcional da enzima essencial à sua atividade,
dissociando-se muito lentamente. Podem ainda atuar destruindo este
grupamento. Isto provoca uma inativação praticamente definitiva da
enzima.
Como exemplo tem-se o di-isopropil flúor fosfato (DIPF), que inibe
irreversivelmente a ação de acetilcolinesterase, uma enzima com papel
importante na transmissão de impulsos nervosos. Este inibidor reage com o
grupamento hidroxila de um resíduo de serina do sítio ativo da enzima,
formando uma di-isopropilfosforil-enzima (Figura 3.10). Serina proteases e
outras enzimas que possuem serina no sítio ativo são inibidas da mesma
maneira. O mesmo acontece para a quimotripsina, uma protease que
catalisa a hidrólise da ligação peptídica. Por esta razão, em etapas iniciais
de purificação, adicionam-se compostos como DIFP ou PMSF (fluoreto de
fenilmetil sulfonila) para inibir a ação de proteases (Marzzoco e Torres,
2007; Nelson e Cox, 2014). Em adição, agentes alquilantes, como a
iodoacetamida, inibem irreversivelmente a atividade de algumas enzimas
por modificar cadeias laterais de cisteína. A iodoacetamida é bastante
empregada na preparação de amostras para análise proteômica. Estes
inibidores são extremamente tóxicos para os organismos, devido à
irreversibilidade de suas ligações com as enzimas e à sua inespecificidade.
Como se ligam a serina ou cisteína, aminoácidos abundantes nas proteínas,
são capazes de inativar quase todas as enzimas.
Existem ainda inibidores irreversíveis com propriedades terapêuticas,
como o ácido acetilsalicílico (princípio ativo da aspirina), que transfere
irreversivelmente seu grupo acetila para o grupo hidroxila de um resíduo de
serina da ciclo-oxigenase, inativando-a. Com isto haverá inibição da síntese
das prostaglandinas, o que confere propriedades anti-inflamatórias,
antipiréticas e analgésicas ao ácido acetilsalicílico.
Inibidores reversíveis
Os inibidores reversíveis ligam-se à enzima por meio de ligações não
covalentes, de modo que a diluição do complexo enzima-inibidor resulta na
dissociação do inibidor reversivelmente ligado e na recuperação da
atividade enzimática. Podem ser divididos em 4 categorias: competitivos,
acompetitivos, mistos ou não competitivos.

Inibição competitiva
Neste tipo de inibição o inibidor (I) compete com o substrato (S) pelo sítio
ativo da enzima (E), formando um complexo enzima-inibidor (EI) inativo.
Quando o I ocupa o sítio ativo da E, ele impede a ligação do S à E.
Geralmente, os I competitivos são análogos estruturais do S, e se combinam
com o sítio ativo formando um complexo EI inativo. Assim, este tipo de
combinação irá afetar negativamente a eficiência da enzima (Figura 3.11).
Contudo, como o I se liga reversivelmente à E, pode-se favorecer o S nesta
competição, aumentando-se a sua concentração no meio. Quando a [S]
excede a [I], a probabilidade de que uma molécula de I se ligue à E é
minimizada, e a reação exibe sua Vmáx normal. Contudo, a Km, que é a [S]
no qual temos ½ da Vmáx, aumentará na presença de um I competitivo.
O gráfico dos duplos-recíprocos oferece uma forma fácil de determinar
se um inibidor enzimático é competitivo, não competitivo, ou misto. Dois
conjuntos de experimentos devem ser realizados, e, em ambos os conjuntos,
a [E] deve ser mantida constante. No primeiro conjunto, a [S] também é
mantida constante, permitindo a medida do efeito do aumento da [I] na
velocidade inicial. No segundo conjunto, a [I] é mantida constante, mas a
[S] varia. Os resultados são lançados no gráfico na forma de 1/V0 versus
1/[S].
Figura 3.10 O di-isopropil flúor fosfato (DIPF) inibe irreversivelmente a ação de acetilcolinesterase,
uma enzima com importante papel na transmissão do impulso nervoso. Este inibidor reage com o
grupamento hidroxila de um resíduo de serina do sítio ativo da enzima, formando uma di-
isopropilfosforil-enzima.
Figura 3.11 Inibição reversível competitiva. O inibidor (I) compete com o substrato (S) pelo sítio
ativo da enzima (E), formando um complexo EI inativo, que impede a ligação do S à E, afetando
negativamente a sua eficiência. KI: constante de inibição.

No caso de uma inibição reversível competitiva, os gráficos de duplos-


recíprocos obtidos na ausência e na presença do I se interceptam no mesmo
ponto no eixo 1/V0, o que significa que a Vmáx não se altera na presença
deste tipo de I, pois pode ser atingida pelo aumento da [S]. Por outro lado, a
Km aumenta na presença do I competitivo, já que a afinidade da E pelo S
encontra-se diminuída na presença do I (Figura 3.12).
A inibição reversível competitiva pode ter finalidade terapêutica. O
alopurinol é um medicamento utilizado para tratar a gota, caracterizada pelo
acúmulo de cristais de urato nas extremidades e nas articulações. O
alopurinol é um análogo estrutural da hipoxantina, a qual é substrato da
xantina oxidase na síntese de urato.

Figura 3.12 Gráfico dos duplos-recíprocos na ausência de inibidor e na presença de inibidor


competitivo. Ambos os gráficos interceptam o eixo 1/V0 no mesmo ponto, que corresponde a 1/Vmáx,
a qual não se altera. Por outro lado, a Km aumenta na presença do inibidor competitivo.

Inibição acompetitiva
Neste tipo de inibição, mais comum em sistemas enzimáticos com 2 ou
mais substratos, o I se liga ao complexo ES já formado, em um sítio distinto
do sítio ativo, formando um complexo ESI inativo (Figura 3.13). Uma
inibição acompetitiva afeta tanto a Km como a Vmáx. No gráfico dos duplos-
recíprocos, podemos observar que tanto a Vmáx como a Km diminuem na
presença de um I acompetitivo. Assim, com o aumento da [I], pode-se
observar um conjunto de linhas paralelas, caracterizando uma inibição
acompetitiva (Figura 3.14).

Figura 3.13 Inibição reversível acompetitiva. O inibidor se liga apenas ao complexo enzima-
substrato, em um sítio diferente do sítio ativo, formando um complexo enzima (E)-substrato (S)-
inibidor (I) (ESI) inativo.
Figura 3.14 Gráfico dos duplos-recíprocos na ausência de inibidor e na presença de inibidor
reversível acompetitivo. Tanto a Vmáx como a Km diminuem na presença de um inibidor acompetitivo.
Com o aumento da [I], observa-se um conjunto de linhas paralelas, caracterizando uma inibição
acompetitiva.

Inibição mista
Também acontece com E que tenham mais de um S. Envolve duas
constantes de inibição, Kic (competitiva) e Kiu (não competitiva), em que o I
se liga ao sítio ativo no lugar de um S, formando o complexo EI, ou então
se liga ao complexo ES, formando o complexo ESI, respectivamente
(Figura 3.15).
Este tipo de inibição também é facilmente determinado pelo gráfico
dos duplos-recíprocos, no qual se observam diminuição de Vmáx e aumento
de Km na presença do I misto (Figura 3.16).

Inibição não competitiva


Neste tipo de inibição o I se liga à E em um sítio diferente do sítio ativo,
podendo se ligar antes ou após a ligação do S, com formação de um
complexo ESI inativo (Figura 3.17).
No gráfico dos duplos-recíprocos, na ausência ou presença de I ocorre
interseção no eixo x (1/[S]) no mesmo ponto, indicando que a Km não se
altera. Por outro lado, a Vmáx diminui na presença do I não competitivo
(Figura 3.18).

Figura 3.15 Inibição reversível mista. Envolve duas constantes de inibição, Kic (competitiva) e Kiu
(não competitiva), em que o inibidor (I) se liga ao sítio ativo no lugar de um substrato (S), formando
o complexo enzima-inibidor (EI), ou então se liga ao complexo enzima-substrato (ES), formando o
complexo enzima-substrato-inibidor (ESI), respectivamente.

Regulação da atividade enzimática


A regulação da velocidade das reações enzimáticas é essencial para o
organismo coordenar seus inúmeros processos metabólicos, crescimento e
desenvolvimento, bem como a capacidade de responder a mudanças no
meio ambiente. A grande maioria das enzimas que participam de vias
metabólicas seguem os padrões anteriormente descritos. Entretanto, em
cada via há algumas enzimas regulatórias, que interferem bastante na
velocidade das reações da via e têm a atividade catalítica diminuída ou
aumentada em resposta a alguns sinais. Assim, ajustes nestas enzimas
regulatórias promovem alterações na via metabólica inteira, de forma a
atender às necessidades da célula.
Há dois mecanismos principais de regulação das vias metabólicas. A
modulação alostérica atua por meio da ligação reversível, não covalente,
de compostos regulatórios chamados moduladores ou efetores alostéricos,
que geralmente são pequenos metabólitos ou cofatores. Outros mecanismos
de regulação ocorrem por modificação covalente reversível(Nelson e Cox,
2014).

Figura 3.16 Gráfico dos duplos-recíprocos na ausência de inibidor e na presença de inibidor


reversível misto. Observam-se uma diminuição de Vmáx e um aumento de Km.
Figura 3.17 Inibição reversível não competitiva. O inibidor (I) se liga à enzima (E) em um sítio
diferente do sítio ativo, podendo se ligar antes ou após a ligação do substrato (S), com formação de
um complexo enzima-substrato-inibidor (ESI) inativo.

Figura 3.18 Gráfico dos duplos-recíprocos na ausência de inibidor e na presença de inibidor não
competitivo. Como a intersecção no eixo 1/[S] é igual a 1/Km, sabemos que o Km não é alterado na
presença de um I não competitivo, porque ele não se liga no sítio ativo. Por outro lado, podemos
observar que a Vmáx diminuiu na presença de um I não competitivo. Independentemente da [S], a
Vmáx não será mais atingida.

Figura 3.19 O objetivo da regulação enzimática é o da economia celular. Em A, pela ação da


insulina e inibição do glucagon, o metabolismo da glicose pela via glicolítica é acelerado. Em B, o
produto final, a isoleucina, quando sintetizado em grandes quantidades, inibe alostericamente a
enzima treonina desidratase, que inicia a sua formação a partir da treonina.
Independentemente do mecanismo de regulação enzimática, o objetivo
é a economia celular. Compostos não necessários em um determinado
momento não são sintetizados. Como exemplo disto temos a regulação da
via glicolítica conforme a necessidade da célula, em que os hormônios
insulina ou glucagon atuam em determinadas etapas, inibindo ou acelerando
a glicólise (Figura 3.19 A). Um outro exemplo é quando o produto final,
como a isoleucina, quando sintetizado em grandes quantidades, inibe
alostericamente a enzima treonina desidratase, que inicia a sua formação a
partir da treonina (Figura 3.19 B). Isto é chamado de inibição por feedback
ou retroalimentação.

Regulação alostérica
As enzimas alostéricas, que geralmente têm mais de uma subunidade, são
aquelas que sofrem mudanças conformacionais induzidas por um ou mais
moduladores, gerando formas mais ou menos ativas da enzima. Os
moduladores das enzimas reguladoras podem ser tanto inibidores quanto
estimuladores.
É importante que os moduladores alostéricos não sejam confundidos
com os inibidores acompetitivos e mistos. Embora estes últimos se liguem a
um segundo sítio na enzima, eles não promovem necessariamente
mudanças conformacionais entre as formas ativa e inativa. Além disto, os
efeitos cinéticos são distintos.
Além do sítio ativo, as enzimas alostéricas apresentam um ou mais
sítios reguladores ou alostéricos para a ligação do modulador. A ligação de
um modulador positivo, por exemplo, no seu sítio específico na subunidade
alostérica promove uma mudança conformacional na subunidade catalítica,
ativando-a, e ela passa a ligar o substrato com mais afinidade (Nelson e
Cox, 2014). Quando ocorre a dissociação do modulador do sítio alostérico,
a enzima reverte para a sua forma inativa ou menos ativa (Figura 3.20 A).
Em uma curva de V0 versus [S], um modulador positivo diminui a Km, e o
modulador negativo aumenta, sem que haja mudanças na Vmáx (Figura 3.20
B).
Em resumo, as enzimas alostéricas geralmente apresentam
subunidades catalítica e reguladora distintas, havendo mudança na
conformação e na atividade da enzima pela ligação do modulador.

Regulação por modificação covalente


Outras enzimas são reguladas por modificação covalente reversível. Mais
de 500 tipos distintos de modificações covalentes foram encontrados nas
proteínas (Nelson e Cox, 2014). Dentre elas a fosforilação reversível, pela
adição ou remoção dos grupos fosfato dos resíduos de serina, treonina ou
tirosina da enzima, é a mais frequente. A fosforilação é catalisada por um
conjunto de enzimas, as proteinoquinases, as quais utilizam a adenosina
trifosfato (ATP) como doador de fosfato. Já a desfosforilação é realizada
pelas proteína-fosfatases. Estes dois processos podem levar à ativação ou
inibição da enzima. Um exemplo de enzima regulada por fosforilação é a
glicogênio fosforilase, que catalisa o encurtamento da cadeia de glicogênio,
com liberação de glicose-1-fosfato, a qual pode ser usada para a síntese de
ATP no músculo ou ser convertida em glicose livre no fígado. A glicogênio
fosforilase ocorre na forma a (mais ativa) e na forma b (menos ativa). Na
forma a, resíduos específicos de Ser, sendo um em cada subunidade, estão
fosforilados. A desfosforilação desses resíduos converte a enzima na forma
b, a qual pode ser reativada por fosforilação. Assim, a degradação do
glicogênio no fígado e no músculo esquelético é regulada por variações nas
proporções das formas a e b da glicogênio fosforilase.
Figura 3.20 Regulação alostérica. Além do sítio ativo (C), as enzimas alostéricas apresentam um ou
mais sítios reguladores (R) ou alostéricos para a ligação do modulador. A ligação de um modulador
positivo, por exemplo, no seu sítio específico na subunidade alostérica provoca uma mudança
conformacional na subunidade catalítica, ativando-a, e esta passa a ligar o substrato com mais
afinidade. Quando ocorre a dissociação do modulador do sítio alostérico, a enzima reverte para a sua
forma inativa ou menos ativa (A). Em uma curva de V0 versus [S] (B), um modulador positivo
diminui a Km, e o modulador negativo a aumenta, sem que haja mudanças na Vmáx.

Zimogênios
Em adição, algumas enzimas são sintetizadas na forma inativa, sendo assim
chamadas de zimogênios. Para que um zimogênio adquira propriedades
catalíticas, deve haver hidrólise de algumas ligações peptídicas, removendo
um segmento da cadeia de aminoácidos. Desta forma, há um rearranjo
espacial e o sítio ativo se torna funcional. Assim, a síntese de zimogênios,
seguida por sua ativação, também é uma forma de regulação da atividade
enzimática. Como exemplos de zimogênios temos algumas enzimas
digestivas, como a pepsina e a quimiotripsina, as quais são sintetizadas
como zimogênios (pepsinogênio e quimiotripsinogênio, respectivamente) e
assim permanecem enquanto estão no interior das células, para que não haja
digestão das próprias proteínas celulares (Marzzoco e Torres, 2007). Após a
secreção destas proteínas, ocorre a remoção de resíduos de aminoácidos e
as mesmas são convertidas nas enzimas funcionais. Outro exemplo são as
metaloproteinases da matriz, que têm implicação na progressão da cárie e
da erosão dentária (Buzalaf et al., 2015; Tjaderhane et al., 2015). Estas
enzimas são sintetizadas na forma de proenzimas (zimogênios), que são
ativadas mediante a queda de pH que ocorre nos processos de cárie e erosão
dentária. Uma vez ativadas, degradam a matriz orgânica desmineralizada da
dentina, acelerando a progressão da cárie e da erosão dentinária.

Regulação hormonal
Um outro tipo de regulação pode se dar por meio da síntese de moléculas
como hormônios, diferentemente dos outros mecanismos anteriormente
descritos, os quais modificam a atividade de uma enzima existente. O
aumento ou a diminuição da síntese da enzima levam a uma alteração no
total de sítios ativos. As enzimas geralmente reguladas por este mecanismo
são aquelas necessárias apenas para um estágio do desenvolvimento ou em
condições fisiológicas especiais. Um exemplo é a atuação da insulina,
resultante de hiperglicemia, induzindo a síntese de enzimas-chave do
metabolismo da glicose. Alterações dos níveis enzimáticos resultantes do
controle da síntese de enzimas são lentas (de horas a dias) em comparação
às alterações reguladas alostericamente (segundos a minutos) (Champe et
al., 2009).

Uso de enzimas para diagnóstico clínico


A dosagem de enzimas é sempre feita a partir de sua atividade, que é
avaliada pela velocidade da reação catalisada pela enzima. Dada a
especificidade das enzimas, em geral esta medida é possível mesmo na
presença de outras proteínas, não sendo necessária muitas vezes a
purificação. Para efetuar esta dosagem, uma amostra de solução contendo
enzima é incubada com concentrações altas de substrato. A velocidade de
reação é medida e a atividade enzimática é expressa em unidades
internacionais. Uma unidade internacional (U) é a quantidade de enzima
capaz de formar 1 mmol de produto por minuto em condições ótimas de
temperatura e pH, sendo expressa em fluidos como U/mℓ ou U/ℓ.
A atividade enzimática também é útil para monitorar a purificação de
uma enzima ao longo das diferentes etapas deste processo (fracionamento
com sulfato de amônio, eletroforese, cromatografia). Neste caso, realiza-se
o isolamento da enzima em questão do tecido (extrato celular) e
determinam-se as unidades presentes no volume do extrato. Para adotar um
parâmetro que permita a comparação com outras preparações ou etapas
posteriores de purificação, é necessário utilizar um referencial, que é a
divisão da unidade de enzima por miligrama de proteína total da amostra
(Marzzoco e Torres, 2007). A quantidade total de proteínas pode ser
avaliada pelo método de Bradford, entre outros.
As enzimas plasmáticas podem ser usadas para o diagnóstico clínico,
podendo ser divididas em dois grupos. O primeiro grupo, relativamente
pequeno, é composto por enzimas secretadas no plasma por determinadas
células na forma inativa (zimogênios). O fígado, por exemplo, secreta
zimogênios para a coagulação sanguínea. O pepsinogênio origina a pepsina
no estômago, assim como o tripsinogênio e o quimiotripsinogênio originam
a tripsina e quimiotripsina no intestino delgado, respectivamente. O
pepsinogênio é transformado em pepsina, pela ação da pepsina livre, em pH
ácido, removendo 42 resíduos de aminoácidos (Tymoczko et al., 2011;
Nelson e Cox, 2014). Este sistema de ativação da enzima é importante para
o controle da atuação da mesma nos tecidos ou sistemas específicos. Outro
exemplo são as metaloproteinases da matriz (MMPs), que são secretadas na
forma inativa (proenzimas). Elas podem ser ativadas quando o pH é
reduzido, por exemplo, e, uma vez ativas, degradam componentes da matriz
extracelular, tendo implicação no desenvolvimento da cárie e na erosão
dentinária (Buzalaf et al., 2015; Tjaderhane et al., 2015), na doença
periodontal (Sorsa et al., 2016) e na degradação da camada híbrida de
restaurações (Mazzoni et al., 2015).
Já um grande número de enzimas é liberado das células durante a
renovação celular, as quais atuam frequentemente no espaço intracelular,
não tendo função fisiológica no plasma (Champe et al., 2009). Em
indivíduos saudáveis, o nível plasmático destas enzimas é razoavelmente
constante, mostrando um equilíbrio entre a velocidade de secreção e a
remoção da proteína do plasma. O nível plasmático de determinadas
enzimas pode estar alterado em estados patológicos, sendo esta uma boa
ferramenta não específica para a detecção de doenças do coração, do fígado,
do músculo esquelético e de outros tecidos. A alanina-aminotransferase
(ALT), por exemplo, pode estar aumentada no plasma devido a lesão
hepática (Champe et al., 2009).
Outra ferramenta são as isoenzimas, aquelas que catalisam a mesma
reação, mas diferem na sequência de aminoácidos dependendo do tecido em
que se encontram, podendo ser diferenciadas por eletroforese. Em geral os
tecidos contêm proporções características de diferentes isoenzimas.
Portanto, o padrão encontrado no plasma pode refletir lesão em um tecido
específico, como é o caso da creatinoquinase (CK, na forma da isoenzima
CK2) que pode ser utilizada para o diagnóstico complementar do infarto do
miocárdio, uma vez que aparece no plasma de 4 a 8 h após o início da dor
torácica, com o pico plasmático após 24 h, retornando aos níveis basais
após 48 a 72 h. Outros marcadores para o infarto do miocárdio ou da angina
instável são as proteínas troponina T e troponina I envolvidas na
contratibilidade, sendo liberadas no plasma após 4 a 8 h do dano do tecido
cardíaco, tendo um pico plasmático entre 8 e 28 h, permanecendo elevadas
por até 10 dias (Champe et al., 2009, Tymoczko et al., 2011).
Existem algumas doenças relacionadas à ausência de enzimas que
podem levar a quadros clínicos de interesse em Fonoaudiologia. A
fenilcetonúria, por exemplo, ocorre pela deficiência de uma enzima que
metaboliza a fenilalanina. O acúmulo de fenilanina causa uma perturbação
progressiva no desenvolvimento do sistema nervoso, que após alguns meses
se manifesta por meio de convulsões e atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor. É uma doença genética (autossômica recessiva, 1:10.000)
em que a criança apresenta mutação do gene relacionado à produção da
enzima fenilalanina hidroxilase, a qual promove o metabolismo do
aminoácido fenilalanina existente nas proteínas da nossa alimentação. Esta
enzima catalisa o processo de conversão (hidroxilação) da fenilalanina em
tirosina. Com isso, a fenilalanina se acumula no sangue e em todos os
tecidos. Este excesso provoca lesões graves e irreversíveis no sistema
nervoso central (inclusive o retardo mental) e o seu tratamento precoce
pode prevenir estas sequelas (Blau et al., 2010). Dentre os tratamentos, a
suplementação com tetra-hidrobiopterina (cofator para a enzima), grandes
aminoácidos neutros ou glicomacropeptídios (encontrados na fração
integral do leite bovino) são frequentemente utilizados. Nos últimos anos, a
terapia genética e a substituição de enzima têm trazido resultados
promissores (Al Hafid e Christodoulou, 2015).
Outra doença de interesse é a deficiência de biotinidase. Trata-se de
doença genética na qual a biotina, vitamina que funciona como um cofator
enzimático, não é reciclada. A biotinidase é uma importante enzima no
ciclo da biotina, cadeia de reações químicas envolvidas na utilização e na
reutilização da vitamina biotina. A biotina livre é necessária para que um
grupo de enzimas chamado carboxilases funcione perfeitamente.
Carboxilases são importantes no metabolismo de alguns lipídios,
carboidratos e proteínas. Quando a deficiência é grave (< 10% de atividade)
a criança apresenta uma série de sintomas, tais como convulsões, hipotonia,
ataxia, atraso no desenvolvimento, problemas de visão, perda auditiva e
alterações cutâneas (p. ex., alopecia, erupção cutânea, candidíase). Na
deficiência parcial, a criança geralmente não apresenta sintomas. O
diagnóstico e o tratamento precoce evitam o desenvolvimento da doença e o
seu tratamento consiste em complementações diárias de biotina (Wolf,
2011).
O teste do pezinho é um exame laboratorial simples que tem o objetivo
de detectar precocemente doenças metabólicas, genéticas e/ou infeciosas
que poderão causar lesões irreversíveis no bebê, dentre estas citadas
anteriormente.
Outra patologia de interesse na Fonoaudiologia é o zumbido. Sabe-se
que o Zn+2 e o Cu+2 atuam como cofatores para a atividade da enzima
superóxido dismutase (SOD), que é considerada a primeira linha de defesa
contra a ação de radicais livres. O Zn+2 também tem atuação na sinapse
nervosa. Pesquisas têm mostrado que a redução dos níveis de Zn+2 e Cu+2
pode levar a uma baixa atuação da enzima SOD, levando ao acúmulo de
radicais livres na cóclea e ao consequente zumbido (Coelho et al., 2007a;
2007b).
Na Odontologia, uma das enzimas de grande interesse é o grupo das
MMPs, com importante papel nos eventos de remodelação que ocorrem em
morfogênese normal, cicatrização, remodelação óssea, crescimento e
reabsorção uterina. Adicionalmente, estas enzimas também participam de
processos patológicos como a artrite reumatoide, osteoartrite, invasão de
tumor em neoplasia (Kleiner e Stetler-Stevenson, 1999; Gialeli et al., 2011),
periodontite (Sorsa et al., 2006), progressão da cárie e erosão de dentina
(Buzalaf et al., 2015; Tjaderhane et al., 2015), fluorose dentária e
amelogênese imperfeita (Hannas et al., 2007). A MMP-8, por exemplo, é
cataliticamente a proteinase mais competente para iniciar a degradação da
matriz extracelular e do colágeno tipo I, causando a destruição dos tecidos
periodontais e a peri-implantite, levando à perda de dentes e implantes
dentários (Wang et al., 2016; Sorsa et al., 2016).
As MMPs também desempenham um papel importante na destruição
da matriz orgânica desmineralizada da dentina por ácidos bacterianos ou
ácidos relacionados à erosão dentária, e, portanto, participam do controle e
da progressão da cárie e da erosão dentária. MMPs derivadas do hospedeiro
podem se originar tanto da saliva como da dentina. Elas podem ser ativadas
por um pH ácido e, uma vez ativadas, estas enzimas são capazes de digerir
a matriz de dentina desmineralizada, após a neutralização do pH salivar por
tampões (Buzalaf et al., 2015; Tjaderhane et al., 2015).
A fluorose dentária, distúrbio na formação do esmalte dentário pela
ingestão excessiva de fluoreto, também pode estar relacionada à atividade
enzimática. Apesar de não haver ainda um mecanismo preciso que explique
a patogênese da fluorose dentária, sabe-se que, para a ocorrência da mesma,
há uma degradação incompleta da matriz orgânica do esmalte durante a
odontogênese e o fluoreto poderia estar envolvido neste processo.
Além do seu papel na fluorose dentária, o fluoreto pode inibir o
metabolismo microbiano pela sua capacidade em inibir a enolase, enzima
da via glicolítica, dificultando assim a produção e energia pelas bactérias
causadoras da cárie dentária. No entanto, a grande questão é que a
concentração de fluoreto necessária para que haja efeito antimicrobiano é
significativamente maior que a necessária para reduzir a solubilidade do
esmalte e os efeitos antimicrobianos foram demonstrados basicamente in
vitro.

Conclusão
O conhecimento sobre a função, o sítio ativo, os cofatores e a cinética
enzimática, assim como sobre a inibição e o controle enzimático, é de suma
importância para alunos de graduação e pós-graduação em Odontologia e
Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de doenças
metabólicas, genéticas e/ou infeciosas que podem acometer o indivíduo,
como, por exemplo, as doenças relacionadas à ausência ou à baixa atividade
enzimática (a saber, fenilcetonúria e a doença da biotinidase), que podem
levar ao atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e à perda auditiva. Por
outro lado, existem condições patológicas relacionadas à superativação
enzimática, como no caso das MMPs envolvidas no desenvolvimento da
doença periodontal, da cárie e da erosão na dentina, assim como no
desenvolvimento do câncer. As enzimas podem ainda ser inibidas por
antibióticos e fluoreto. O fluoreto tem um papel importante na inibição de
enzimas relacionadas à amelogênese e ao metabolismo bacteriano. Portanto,
o conhecimento sobre enzimas poderá ser aplicado em disciplinas teórico-
práticas afins, nas pesquisas laboratoriais e clínicas e no diagnóstico e
conduta clínica dos pacientes. Avanços neste campo de pesquisa trarão
importantes contribuições para o desenvolvimento de novas terapias, como
os inibidores de MMPs, a saber, clorexidina e chá-verde, os quais poderão
ter impacto na prevenção de cárie e doença periodontal, por exemplo.

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O
s carboidratos (hidratos de carbono) são as moléculas orgânicas mais
abundantes na natureza, com funções de obtenção e armazenamento
de energia, bem como atuação na composição das membranas celulares,
mediando o reconhecimento e a comunicação celular. Os carboidratos
também servem como componentes estruturais de muitos organismos,
incluindo a parede celular de bactérias, o exoesqueleto de muitos insetos e
as fibras das plantas (Champe et al., 2009).
Os carboidratos são classificados como poli-hidroxialdeído ou poli-
hidroxicetona. Apresentam em geral a fórmula empírica (CH2O)n, em que n
≥ 3, porém, essa fórmula não é válida em todos os casos, uma vez que há
carboidratos que não a seguem (p. ex., glicosamina, que contém grupo
amina no lugar da hidroxila), e existem compostos com essa fórmula que
não são carboidratos (p. ex., ácido lático). Os carboidratos em geral são
solúveis em água, parcialmente solúveis em etanol e insolúveis em
solventes apolares (Bettelheim et al., 2012; Nelson e Cox, 2014).
O esqueleto do carbono dos monossacarídeos comuns não é
ramificado, e cada átomo de C, exceto um, possui um grupo hidroxílico. No
átomo de carbono remanescente há um oxigênio carbonílico, o qual está
frequentemente combinado em ligação acetal ou cetal. Os monossacarídeos
são os carboidratos mais simples, chamados de aldose ou cetoses, conforme
o grupo funcional que apresentam, aldeído ou cetônico. A aldose (grupo
aldeído: O=C–H) é caracterizada por um grupo carbonila na extremidade da
cadeia (p. ex., D-gliceraldeído, D-ribose, D-glicose e D-galactose). Já na
cetose (grupo cetônico C=O), o grupo carbonila está no meio da cadeia (p.
ex., di-hidroxicetona, D-ribulose, D-frutose) (Figura 4.1). Por apresentarem
um grupo carbonila livre, a esses carboidratos é adicionado o sufixo “ose”.
As cetoses às vezes são designadas inserindo-se “ul” dentro do nome da
aldose correspondente (D-ribulose é uma cetopentose correspondente à
aldopentose D-ribose) (Nelson e Cox, 2014).
De acordo com o número de carbonos, são chamados trioses
(gliceraldeído: aldotriose; di-hidroxicetona: cetotriose), tetroses (eritrose),
pentoses (ribose), hexoses (glicose), heptoses (sedoeptulose), octoses e
nonoses (ácido neuramínico). A numeração do carbono se inicia na
extremidade do grupo carbonila. As hexoses são os monossacarídeos mais
comuns, porém as pentoses fazem parte dos ácidos nucleicos e de vários
polissacarídeos, e os derivados da triose e da heptose são intermediários do
metabolismo (Pratt e Cornely, 2006; Marzocco e Torres, 2007; Champe et
al., 2009; Nelson e Cox, 2014).
Figura 4.1 Estrutura básica do carboidrato (monossacarídeo): aldeído e cetona.

Todos os monossacarídeos simples são sólidos, cristalinos e brancos. A


maioria possui sabor adocicado. Carboidratos com sabor doce, como a
glicose e a frutose (hexoses), são chamados de açúcares, os quais têm
implicações importantes na saúde, como veremos neste livro.

Características estruturais
Os carboidratos apresentam várias características estruturais. Um tipo
especial de isomeria é observado em pares de estrutura que são como
imagens espelhadas, devido a apresentarem um carbono quiral (ligado a
quatro grupos diferentes) que é opticamente ativo. A di-hidroxicetona é a
exceção, por não apresentar C quiral. Quanto maior o número de C
assimétricos (n), maior a chance de isomeria óptica (2n). Essas imagens
especulares são denominadas estereoisômeros (enantiômeros) e os dois
membros do par são designados como D- e L-sacarídeo (D-glicose e L-
glicose), sendo os carboidratos mais importantes aqueles com configuração
D, ou seja, que têm a hidroxila do carbono assimétrico mais distante do C1
(grupo carbonila) à direita. As enzimas racemases são capazes de converter
os isômeros D e L.
Compostos que apresentam a mesma fórmula química, mas estruturas
diferentes, são denominados isômeros constitucionais (Figura 4.2A).
Frutose, glicose, manose e galactose são todos isômeros com a fórmula
química C6H12O6 (Figura 4.2). Os carboidratos isômeros cuja estrutura
difere apenas em um átomo de carbono são considerados diastereoisômeros
e são chamados de epímeros. A D-glicose e D-galactose são epímeros em
C4, já a D-glicose e a D-manose são epímeros no C2 (lembrando que a
numeração inicia na extremidade que contém o grupo carbonila) (Figura
4.2B). A D-galactose e a D-manose não são epímeros, pois diferem na
posição da OH em dois átomos de C; portanto, são denominadas apenas
isômeros constitucionais.
Figura 4.2 Exemplos de monossacarídeos contendo 6 C, os quais apresentam isomeria
constitucional (A) e são diasteroisômeros (epímeros) (B).

Veremos a seguir que a cadeia do carboidrato se fecha, formando uma


estrutura cíclica. Nessa situação, quando os isômeros diferem em um novo
átomo de carbono assimétrico são chamados de anômeros (Pratt e Cornely,
2006; Bettelheim et al., 2012).
É comum a fórmula do carboidrato ser escrita em projeção linear de
Fisher. No entanto, a angulação na ligação entre carbonos geralmente é
menor que 180°, o que ocasiona dobramentos da cadeia de carbono,
aproximando uma das hidroxilas ao grupamento carbonila (C=O). Essa
aproximação causa reação entre dois grupos (o álcool reage com o grupo
carbonila de aldeído ou cetona, formando os hemiacetais ou hemicetais,
respectivamente), resultando em uma estrutura cíclica que ocorre em todos
os carboidratos com mais de quatro carbonos. Essa estrutura cíclica é
representada pela projeção de Haworth e causa outra assimetria. O termo
piranose se refere ao anel de seis elementos constituído por 5 C e 1 O.
Enquanto o termo furanose se refere ao anel de cinco elementos constituído
por 4 C e 1 O (Figura 4.3A).
Na glicose, a ligação é feita entre a OH ligada ao C5 e o grupo
carbonila (C1), ficando o C6 fora do anel (anel de piranose). Já na frutose, a
ligação é feita entre os grupos OH do C5 com o grupo carbonila do C2,
ficando os C1 e C6 para fora do anel (anel de furanose).
Figura 4.3 Estrutura cíclica da frutose (piranose e furanose) (A) e da glicose (diasteroisômeros –
anômeros a e b) (B).

Na estrutura resultante, o C da carbonila se torna assimétrico


(anômero), e a OH ligada a esse carbono pode estar acima (do mesmo lado
que o grupo CH2OH) ou abaixo (oposta ao grupo CH2OH) do plano do anel,
resultando nas configurações b e a, respectivamente (Figura 4.3B). As
formas b e a ocorrem na frutose também, porém envolvendo o C2. As
formas b e a se interconvertem livremente (mutarrotação), embora o
anômero b seja mais estável e, portanto, predomine. As formas anômeras b
(2/3 das formas anômeras) e a (1/3) e a forma aberta (< 1%) estão em
equilíbrio em solução, havendo predominância da forma cíclica em relação
à aberta. Uma vez que as formas b e a não são imagens especulares, são
consideradas diasteroisômeros (anômeros) e não estereoisômeros
(enantiômeros) (Pratt e Cornely, 2006; Bettelheim et al., 2012).
Naturalmente, as hexoses não formam estrutura plana sugerida pela
projeção de Haworth, mas sim pregueada, de modo que esta lembre a
conformação em cadeira do ciclo-hexano, permitindo a cada C reter sua
geometria tetraédrica. Os substituintes desses carbonos podem apontar para
cima ou para baixo do anel (posições axiais) ou para fora (posições
equatoriais).
Ácidos concentrados causam desidratação do carboidrato, produzindo
furfurais (aldeídos derivados do furano). Os furfurais se condensam com os
fenóis, resultando em produtos corados (reação de Molish). Essa técnica é
em geral utilizada para análise colorimétrica dos açúcares. Por outro lado,
as bases diluídas em água causam rearranjos próximos aos átomos do C
anomérico. Em contato com bases fortes ou em alta temperatura, ocorrem
arranjos adicionais, fragmentação ou polimerização. Em geral, os
carboidratos são resistentes à base (Nelson e Cox, 2014).
Se o átomo de oxigênio ligado ao C anômero não estiver ligado a
qualquer outra estrutura, este glicídio pode atuar como agente redutor,
podendo reagir com agentes cromogênicos (reagente de Benedict ou
solução de Fehling/Cu+2, Ag+, ferrocianeto em solução alcalina), causando
redução e coloração do reagente. Testes laboratoriais podem determinar se o
glicídio está presente na urina ou ligado à hemoglobina, por exemplo,
indicando uma possível patologia como o diabetes melito.

Oligossacarídeos
Os oligossacarídeos são carboidratos formados por um pequeno número de
monossacarídeos (n = 3 a 10) unidos por ligações glicosídicas. Essas
ligações em geral são formadas entre hidroxilas de duas moléculas de
monossacarídeos (C anomérico de um monossacarídeo como grupamento
hidroxílico de outro monossacarídeo) pela exclusão de uma molécula de
água, por atuação das enzimas glicosiltransferases que utilizam como
substrato um nucleotídio açúcar (UDP-glicose, uridina difosfato glicose).
As ligações glicídicas são estáveis à base, mas são hidrolisadas com ácidos,
produzindo monossacarídeo livre e álcool. Podem ainda ser hidrolisadas por
atuação das glicosidases.
Entre os oligossacarídeos, os mais comuns são os dissacarídeos
compostos por dois monossacarídeos, como a sacarose (glicose + frutose
em uma ligação α-1,2, entre C1 de uma α-glicose e C2 da β-frutose) e a
lactose (galactose + glicose em uma ligação β-1,4, entre C1 de uma β-
galactose e C4 de glicose; como a extremidade anomérica da glicose não
está envolvida na ligação, a lactose permanece como agente redutor)
(Figura 4.4). A sacarose é derivada da beterraba e da cana-de-açúcar; já a
lactose é encontrada no leite. A maltose, outro exemplo de dissacarídeo, é
formada pela ligação glicosídica α-1,4 entre duas glicoses, sendo
encontrada no malte, no extrato de broto de cevada e em outros cereais,
assim como é produzida pela hidrólise do amido e do glicogênio. A
sacarose é uma exceção entre os dissacarídeos, pois não apresenta C
anomérico livre (os C anoméricos estão envolvidos na ligação glicosídica),
portanto, não apresenta extremidade redutora e não sofre mutarrotação (não
está em equilíbrio com a forma de cadeia aberta) (Pratt e Cornely, 2006;
Marzocco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Nelson e Cox, 2014).

Homopolissacarídeos
Os polissacarídeos são constituídos por centenas de resíduos de
monossacarídeos, sendo a principal forma de armazenamento de glicose nos
seres vivos. Eles podem ser homopolissacarídeos ou heteropolissacarídeos.
As unidades monoméricas mais encontradas são D-glicose, D-manose, D-
frutose, D-galactose, D-xilose, D-arabinose ou D-glicosamina, D-
galactosamina, ácido D-glicurônico, ácido N-acetilmurâmico e ácido N-
acetilneuramínico.
Podem formar cadeia linear, como na celulose, ou ramificada, como no
amido e no glicogênio. Na celulose, presente na parede celular do vegetal,
as unidades de glicose são unidas por ligações glicosídicas β-1,4. As
moléculas de celulose estão organizadas em feixes de cadeia paralela,
formando fibrilas mecanicamente resistentes, sendo insolúveis em água,
uma vez que os grupos OH interagem entre si por meio de pontes de
hidrogênio intramoleculares. O amido e o glicogênio (sacarídeos de
armazenamento de energia) apresentam cadeias similares, com um grau de
ramificação maior no glicogênio; porém, a organização dos grânulos é
totalmente diferente entre os dois polissacarídeos (Pratt e Cornely, 2006;
Marzocco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Nelson e Cox, 2014).
Figura 4.4 Esquema mostrando os oligossacarídeos (ligação dos dissacarídeos): sacarose e lactose.

O amido é composto por amilose e amilopectina, que correspondem a


20 e 80% do amido na maioria das plantas, respectivamente (Figura 4.5). A
amilose é composta por cadeias lineares de resíduos de glicose unidas por
ligação α-1,4; a amilopectina contém cadeias lineares mais curtas, com 24 a
30 unidades de glicose, e ramificações formadas por ligação C α-1,6. Uma
das extremidades da amilopectina é chamada redutora, sendo que suas
cadeias se organizam em estruturas com grau de complexidade crescente,
formando matriz semicristalina, a qual, associada à amilose, resulta na
construção de grânulos de amido depositados nos cloroplastos e
amiloplastos.
As cadeias de glicogênio se assemelham à amilopectina, pois contêm
em média 13 resíduos de glicose (ligações α-1,4) e duas ramificações por
cadeia (ligações α-1,6). O glicogênio apresenta também uma única
extremidade redutora e todas as outras são não redutoras. A partir da
extremidade não redutora se dá a síntese ou a degradação dos resíduos de
glicose do polímero. O glicogênio é armazenado na forma de grânulos
citosólicos na célula animal.
O amido é o carboidrato mais comum na dieta humana, na sequência
vêm a sacarose e a lactose. Consequentemente, o principal produto da
digestão é a glicose, seguida pela frutose e a galactose. Já a celulose,
encontrada nas fibras alimentares, não pode ser digerida pelos seres
humanos, uma vez que estes não apresentam enzimas para a degradação das
ligações β-1,4 entre glicoses. Os herbívoros e os térmitas (cupins) podem
digerir celulose com ajuda das celulases produzidas pelos microrganismos
de seu sistema digestório. Em humanos, as fibras (celulose) têm papel
fisiológico importante na formação do bolo fecal (reduzindo problemas
como intestino preso e hemorroidas) e ainda modulam a absorção de glicose
e lipídios no intestino, reduzindo o aumento da glicemia (importante no
controle do diabetes melito) e a dislipidemia (Champe et al., 2009). Outros
polissacarídeos de interesse em Odontologia são aqueles produzidos por
alguns microrganismos no biofilme dentário, como a dextrana (derivado da
glicose) e o frutano (derivado da frutose), que servem como reserva
energética extracelular, como veremos no Capítulo 16.

Derivados
Os carboidratos podem reagir com outras moléculas produzindo derivados,
como ocorre quando reagem com o álcool formando um glicosídeo (D-
glicose + metanol = metil-a-D-glicopiranosídeo ou simplesmente
glicosídeo). Outra reação ocorre quando o grupo carbonílico dos
monossacarídeos é reduzido por H2 gasoso sob atuação de catalisadores
metálicos, dando origem aos açúcares-álcool (aldotióis). A D-glicose e a L-
sorbose podem formar o L-sorbitol. A D-manose pode formar o D-manitol.
Essas reduções podem ser feitas utilizando-se enzimas. Outros aldotióis que
ocorrem abundantemente na natureza são: D-manitol e xilitol (Pratt e
Cornely, 2006; Bettelheim et al., 2012). O xilitol é um importante substituto
do açúcar adicionado a diferentes doces, como chicletes, que tem mostrado
reduzir a incidência da cárie dentária, pois não é metabolizado pelos
microrganismos existentes no biofilme dentário, em comparação a outros
tipos de açúcares (Twetman, 2009; Milgrom et al., 2012), como será visto
no Capítulo 14.
Figura 4.5 Estrutura do homopolissacarídeo utilizado como reserva energética: amido.

Existe outro tipo de açúcar, o açúcar ácido, produzido por oxidação do


grupo aldeído, como os ácidos aldônicos (p. ex., ácido D-glucônico). O
açúcar ácido também pode ser formado pela oxidação do grupo aldeído e do
C que sustenta o primeiro grupo hidroxílico; neste caso, são chamados
ácidos aldáricos (ácido D-glucárico). Os ácidos urônicos, por sua vez, são
formados quando apenas o átomo de C que sustenta o grupo hidroxílico
primário é oxidado a um grupo carboxílico (p. ex., ácido D-glicurônico,
ácido D-galacturônico, D-manurônico, sendo componentes de muitos
polissacarídeos). Um dos mais importantes açúcares-ácidos é o ácido
ascórbico ou vitamina C. Açúcares-fosfatos, outros açúcares modificados,
são importantes intermediários do metabolismo. Outro tipo é o
desoxiaçúcar (remoção do oxigênio da OH) como o 2-desóxi-D-ribose,
encontrado nos ácidos nucleicos (Pratt e Cornely, 2006; Champe et al.,
2009; Bettelheim et al., 2012; Nelson e Cox, 2014).
As aldoses e as cetoses podem reagir com aminas, em solvente
apropriado, formando N-glicosaminas, também chamadas N-glicosídeos.
Como exemplo, dois aminoaçúcares de ampla distribuição são a D-
glicosamina (2-amino-2-desóxi-D-glicose) e a D-galactosamina (2-amino-
2-desóxi-D-galactose), em que a hidroxila do C2 é substituída por
aminogrupo.
Ácidos murâmicos e ácidos neuromuramínicos são encontrados nas
paredes celulares bacterianas e nos envoltórios celulares (glicocálice). São
constituídos de um aminoaçúcar de 6C ligado ao açúcar-ácido de 3C, como
por exemplo (1) o ácido N-acetilmurâmico, que consiste em N-acetil-D-
glicosamina em ligação de éter com ácido D-láctico, e (2) o ácido N-
acetilneurâmico, derivado do N-acetil-D-manosina e do ácido pirúvico. Os
derivados N-acílicos do ácido neuramínico são geralmente denominados
ácidos siálicos.
Os carboidratos modificados podem formar polissacarídeos. A quitina
é um homopolissacarídeo de N-acetilglicosamina (derivado da glicosamina)
encontrado no esqueleto dos crustáceos e insetos, sendo o segundo
polissacarídeo mais abundante após a celulose. A quitosana é um derivado
da quitina pela desacetilação da glicosamina, sendo importante na área de
saúde, pois é utilizada para induzir a coagulação, como arcabouço para
medicamentos em processos de regeneração e cicatrização em Odontologia
e Medicina (Arancibia et al., 2013; Tsuru et al., 2013; Li et al., 2014) assim
como tem sido testada para a prevenção de erosão dentária (Schlueter et al.,
2013; Ganss et al., 2014). A quitosana em pH fisiológico apresenta carga
positiva, possibilitando interação com moléculas negativas presentes na
superfície das células e no esmalte dentário.

Heteropolissacarídeos
Esses carboidratos modificados também podem formar
heteropolissacarídeos (dois tipos de monossacarídeos formando centenas de
ligações). Um exemplo é o ácido hialurônico, que consiste em resíduos de
ácido D-glicurônico e N-acetil-D-glicosamina com ligações β-1,3 e β-1,4
(Figura 4.6). O ácido hialurônico é o exemplo de mucopolissacarídeo
(também conhecido como polissacarídeo ácido, uma vez que o grupo
carboxila ou o grupo sulfato se encontra ionizável em pH fisiológico) mais
comum, estando presente no glicocálice e na substância fundamental
amorfa extracelular dos tecidos conjuntivos, no fluido sinovial das
articulações e no humor vítreo do globo ocular. Apresenta carga negativa
em pH 7,0, sendo solúvel em água, levando à formação de soluções
viscosas (Pratt e Cornely, 2006; Bettelheim et al., 2012).
Outro mucopolissacarídeo é a condroitina (polímero linear de ácido D-
glicurônico e N-acetil-D-galactosamina, com ligações β-1,3 e β-1,4). Os
seus derivados com ácido sulfúrico, como condroitina-4-sulfato e
condroitina-6-sulfato, são componentes importantes do envoltório celular
das cartilagens, ossos, córneas e tecido conjuntivo. Os dermato-sulfato e
querato-sulfato são mucopolissacarídeos ácidos encontrados na pele,
córneas e tecidos ósseos. Heparina, por outro lado, é um
mucopolissacarídeo que impede a coagulação do sangue.

Carboidratos conjugados
Os sacarídeos podem se ligar às bases púricas e pirimídicas (encontradas
nos ácidos nucleicos), aos anéis aromáticos (esteroides, bilirrubina), às
proteínas (glicoproteínas, proteoglicanas) e aos lipídios (glicolipídios),
como veremos a seguir. Os peptidoglicanos encontrados nas paredes
bacterianas são formados pela ligação de dissacarídeos (N-acetil-D-
glicosamina + ácido N-acetilmurâmico) com peptídios, o que confere certa
resistência às bactérias, uma vez que enzimas não conseguem hidrolisar
ligações entre D-aminoácidos, com exceção da lisozima (enzima presente
na saliva). A parede bacteriana ainda contém ácido teicoico,
polissacarídeos, polipeptídios, proteínas e lipopolissacarídeos (este último
no caso das gram-negativas).
As proteoglicanas são proteínas ligadas a sacarídeos formados por
aminoaçúcares (ver os exemplos anteriormente dos mucopolissacarídeos),
sendo que a maior parte da molécula é composta por carboidratos (Pratt e
Cornely, 2006; Champe et al., 2009; Bettelheim et al., 2012).
As glicoproteínas, por sua vez, são proteínas ligadas covalentemente
(N-ligação ou O-ligação da cadeia lateral do aminoácido asparagina ou
serina/treonina, respectivamente) aos sacarídeos, que apresentam menor
porcentagem de carboidratos em sua molécula, se comparados à
proteoglicana. Enquanto as proteoglicanas são conhecidas pelo seu papel
estrutural, as glicoproteínas têm função mais versátil. As glicoproteínas são
encontradas no glicocálice, no sangue, na forma de hormônios, anticorpos,
enzimas digestivas e como mucoproteínas das secreções (p. ex.,
ovoalbumina, Ig, mucina, colágeno, grupo sanguíneo ABO). Por outro lado,
os sacarídeos podem se ligar a proteínas, como a lectina, de maneira não
covalente. A lectina se liga ao sacarídeos, promovendo interação das células
de forma específica. As selectinas, por exemplo, são um tipo de lectina
importante na resposta inflamatória (Pratt e Cornely, 2006; Bettelheim et
al., 2012).
Figura 4.6 Estrutura do heteropolissacarídeo: ácido hialurônico.

Destino do carboidrato no corpo e


considerações finais
A digestão dos carboidratos inicia-se na boca pela atuação da α-amilase
(atua nas ligações α-1,4), porém tanto a amilopectina como o glicogênio
apresentam ligações α-1,6 nas ramificações que não são hidrolisadas por
esta enzima. Portanto, o produto da digestão apresenta oligossacarídeos
ramificados e dextrina. A digestão dos carboidratos cessa temporariamente
no estômago, pois a amilase é inativada e retorna no intestino, onde há
neutralização do ácido e subsequente atuação da amilase pancreática. A
digestão final ocorre por atuação de várias dissacaridases e
oligossacaridases, sobretudo na porção ramificada do amido (amilopectina).
A isomaltase rompe a ligação α-1,6, assim como a lactase rompe a ligação
β-1,4. O duodeno e o jejuno superior absorvem a maior parte dos glicídios
da dieta (Champe et al., 2009).
Podem ocorrer defeitos na atuação das dissacaridases intestinais,
causando a passagem de carboidratos não digeridos para o intestino grosso,
o que pode induzir à diarreia osmótica. Esse processo é reforçado pela
atuação de enzimas bacterianas que fermentam os carboidratos
remanescentes, causando cólicas, diarreia e flatulência. Deficiências de
enzimas digestivas relatadas em bebês e crianças podem ser de origem
hereditária, ou causadas por doenças intestinais, má nutrição ou fármacos
que danificam a mucosa do intestino delgado. Grande parte da população
apresenta intolerância à lactose devido à redução na produção de lactase,
principalmente com o avanço da idade. O fator causal, porém, ainda não é
completamente entendido. O tratamento se dá pela redução do consumo de
leite e derivados, pelo consumo de brócolis (fonte substituta de cálcio) e uso
de lactase (Montalto et al., 2006; Carter e Attel, 2013).
Os carboidratos ainda estão envolvidos no reconhecimento celular
(Capítulo 5), em distúrbios do metabolismo, como o diabetes melito,
discutido no Capítulo 9, e na etiologia da cárie dentária, como será
abordado no Capítulo 14. Essa inter-relação dos conhecimentos é muito
importante para a atuação dos profissionais da saúde, como será visto nos
capítulos citados.

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A
membrana celular pode ser dividida em membrana (1) plasmática ou
citoplasmática e (2) intracelular ou interna. A membrana plasmática é
um elemento mediador da comunicação entre a célula e o meio externo, do
reconhecimento e da comunicação com as demais células. A membrana
permite que o conteúdo celular se mantenha íntegro, atuando como barreira
seletiva para a entrada e a saída de substâncias da célula. Portanto, a
membrana apresenta permeabilidade seletiva. A flexibilidade da membrana
plasmática permite que a célula mude de formato ou se locomova, em um
processo de adaptação ao meio externo. Ainda por meio das membranas, as
células podem formar camadas, separando diferentes compartimentos do
corpo.
A membrana intracelular está presente em algumas organelas
(lisossomos, retículo endoplasmático, mitocôndria, complexo de Golgi e
núcleo) e tem como função o isolamento de vias metabólicas, permitindo
que mudanças de pH e alterações de metabólitos de determinadas organelas
não prejudiquem o restante da célula, e ainda serve como suporte para
sistemas enzimáticos (Marzocco e Torres, 2007; Tymoczko et al., 2011;
Junqueira e Carneiro, 2012; Nelson e Cox, 2014).
A membrana celular é composta por uma bicamada lipídica e anexos
como proteínas, carboidratos e colesterol, interconectados por ligações não
covalentes, com 30 a 40 Å de espessura de acordo com Pratt e Cornelly
(2006) e de 60 a 100 Å de acordo com Tymoczko et al. (2011). A essa
estrutura dá-se o nome de modelo do mosaico fluido, proposto por Singer e
Nicolson em 1972, o qual explicaremos na sequência do texto.
A seguir veremos detalhadamente os componentes bioquímicos das
membranas celulares.

Lipídios
Os lipídios são compostos com características hidrofóbicas (insolúveis em
água) ou anfipáticas (porção hidrofóbica + hidrofílica). São solúveis em
solventes orgânicos apolares ou com baixa polaridade (éter, clorofórmio e
benzeno). Estas moléculas serão descritas neste capítulo por constituírem as
membranas biológicas, mas também atuam como isolante térmico, reserva
de energia, vitaminas e hormônios (Nelson e Cox, 2014). Os lipídios podem
ser classificados em complexos (quando contêm ácido graxo,
saponificáveis) ou simples (sem ácido graxo).
Os ácidos graxos, ácidos monocarboxílicos, são exemplos de lipídios
compostos por uma cadeia carbônica com número par de átomos de
carbono (14-24 C) e sem ramificação, podendo ser saturados, isto é, como
todos os carbonos saturados com hidrogênio (sem duplas ligações; p. ex.,
gordura animal) ou insaturados (com duplas ligações, mono- ou poli-
insaturada; p. ex., óleos vegetais) (Figura 5.1). Apresentam características
anfipáticas, com o grupo carboxila representando a região polar, e a cadeia
carbônica, a apolar (Pratt e Cornelly, 2006). Nos ácidos poli-insaturados de
origem animal, as ligações duplas são geralmente separadas por pelo menos
um grupo metileno (Tymoczko et al., 2011).
Para a identificação dos ácidos graxos insaturados empregam-se
diferentes sistemas de representação. Primeiramente, o C em questão deve
ser identificado por numeração ou letras. A numeração do C é estabelecida
a partir do grupo carboxílico, aumentando a numeração em direção ao lado
oposto, o grupo metila. Além da numeração, existe o sistema de letras, no
qual o carbono 2 é o a, o 3 é b e o último carbono é ômega (w) ou n (CH3)
(Nelson e Cox, 2014).

Figura 5.1 Moléculas de ácidos graxos saturados e insaturados com os seus pontos de fusão,
respectivamente.

No sistema D, adota-se a numeração convencional dos átomos de


carbono a partir da extremidade carboxila, conforme descrito antes. A dupla
ligação é representada pelo símbolo delta, seguido pelo número do átomo
de carbono mais próximo à carboxila, que participa da dupla ligação (p. ex.,
D9 ou D9). No sistema w ou n, a contagem dos átomos de carbono se inicia
pelo grupo metila, cujo carbono passa a ser o 1, e a dupla ligação mais
próxima da extremidade metila recebe um número igual ao número de
átomo de carbono próximo do carbono w (p. ex., w-3 ou n-3).
O sistema D possibilita a identificação de todas as insaturações
existentes (p. ex., D9,12), já o sistema w revela apenas a posição da dupla
ligação mais próxima ao grupo metila (p. ex., w-6) (Marzocco e Torres,
2007; Tymoczko et al., 2011; Nelson e Cox, 2014).
Um ácido graxo costuma ser representado pelo número de átomos de
carbono: o número de duplas ligações seguido por D ou w e a posição das
insaturações (p. ex., 18:2 D9,12 ou 18:2 w-6) (Marzocco e Torres, 2007;
Nelson e Cox, 2014). Os ácidos graxos mais comuns recebem nomes que
derivam das fontes onde são encontrados: ácido palmítico (C16 saturado),
do óleo de palma; ácido oleico (C18:1 insaturado), do óleo de oliva; e o
linoleico (C18:2 insaturado), do óleo de linhaça.
O número de carbonos e a ocorrência ou não de duplas ligações
determinam algumas características dos ácidos graxos. Os ácidos graxos
saturados apresentam cadeias flexíveis e distendidas (dispostas em linha
reta), com liberdade de rotação; já os insaturados têm duplas ligações,
geralmente com configuração geométrica cis, ou seja, os átomos de carbono
estão dispostos do mesmo lado da dupla ligação, permitindo uma dobra da
cadeia e a formação de agregados menos estáveis. A transformação da
configuração cis em trans ocorre pelo aquecimento com certos
catalisadores, como no processo de produção de gordura semissólida e
margarina, a partir de óleos vegetais (Nelson e Cox, 2014).
O tamanho da cadeia também é importante: quanto maior o tamanho
da cadeia, maior é o grau de interação das moléculas de ácidos graxos. A
intensidade de associação entre as moléculas se reflete no valor de ponto de
fusão (temperatura para passagem do estado cristalino para fluido). Assim,
a temperatura de fusão diminui com o aumento do número de insaturações,
e quanto menor for o comprimento da cadeia (Marzocco e Torres, 2007). O
ácido esteárico (18:0) tem ponto de fusão de 69,6°C, enquanto o ácido
oleico, com o mesmo número de átomos de carbono, mas com insaturação
(18:1 D9), apresenta ponto de fusão de 13,4°C (Figura 5.1). Os ácidos
graxos com mais de 14 C geralmente são sólidos à temperatura ambiente e,
se apresentarem pelo menos uma dupla ligação, são líquidos. Esse
conhecimento prévio é essencial para o entendimento sobre o grau de
fluidez da membrana, que é diretamente relacionado ao tipo de ácido graxo
presente (Pratt e Cornelly, 2006; Tymoczko et al., 2011).
Além da constituição da membrana, os ácidos graxos devem fazer
parte da dieta, no caso específico o ácido linoleico e g-linolênico, que são
chamados ácidos graxos essenciais, uma vez que o organismo não os
produz. O ácido linoleico é precursor necessário para a produção de ácido
araquidônico, o qual sofre processo de ciclização em prostaglandina,
molécula importante em várias atividades fisiológicas, como na redução da
pressão sanguínea e na contração do músculo liso (Nelson e Cox, 2014).
A análise da mistura de ácidos graxos obtidos da hidrólise de lipídios
pode ser realizada a partir da cromatografia gás-líquido, sendo
primeiramente convertidos em uma forma volátil (metilésteres). Um gás
carreador inerte, como o nitrogênio, é usado como fase móvel, permitindo o
movimento da mistura vaporizada pela fase líquida estacionária, de acordo
com o coeficiente de partição individual gás-líquido. Os metilésteres
separados podem ser medidos por detectores de ionização de chama,
resultando em um gráfico (Nelson e Cox, 2014).
Os ácidos graxos livres são pouco encontrados no organismo, estando
ligados a um álcool que pode ser o glicerol ou a esfingosina (Pratt e
Cornelly, 2006). Os lipídios resultantes no primeiro caso são os
triacilgliceróis (três ácidos graxos esterificados a uma molécula de
glicerol) e glicerofosfolipídios (dois ácidos graxos esterificados a um
glicerol nas posições 1 e 2, e mais um grupo fosfato na posição 3).
O triacilglicerol é o lipídio mais abundante na natureza e é o modo de
armazenamento do ácido graxo no organismo. Podem ser classificados
como simples, quando apresentam somente um tipo de ácido graxo, ou
mistos, quando apresentam diferentes tipos de ácidos graxos (estes últimos
apresentam isômeros). Podem ser separados por um processo de
cromatografia da camada delgada, baseada no uso de uma placa de vidro
com material inerte e nitrato de prata imerso em um solvente com a
amostra, sendo que o solvente sobe por ação capilar. Na sequência, seca-se
a placa, e as posições dos componentes são visualizadas após a vaporização
(Nelson e Cox, 2014).
Os triacilgliceróis são compostos essencialmente apolares, uma vez
que a porção polar é perdida durante a esterificação (ligação da hidroxila do
glicerol e a carboxila do ácido graxo) (Figura 5.2). Assim, são moléculas
hidrofóbicas que podem ser armazenadas nas células adiposas como anidra
(sem acúmulo de água), e sua oxidação produz muita energia. Nos
vertebrados, o triacilglicerol pode ser depositado no tecido adiposo, de
localização visceral e subcutânea, atuando como isolante térmico e na
proteção contra o trauma mecânico (Marzocco e Torres, 2007).
O triacilglicerol pode ser hidrolisado, liberando ácido graxo e glicerol.
Quando esse processo ocorre em meio alcalino, forma-se o sabão (sais de
ácidos graxos – processo de saponificação) (Marzocco e Torres, 2007).
Atualmente, os sabões estão sendo substituídos por detergentes sintéticos,
que são utilizados em laboratório para a solubilização dos lipídios
encontrados na membrana, como é realizado nas aulas práticas do curso de
graduação de Fonoaudiologia e Odontologia, durante o procedimento de
isolamento do DNA de frutos.
Os glicerofosfolipídios, por sua vez, são derivados do glicerol que
contêm na sua estrutura um fosfato (porção polar), por isso são
denominados também fosfolipídios, sendo o exemplo mais simples o ácido
fosfatídico (fosfatidato), que contém ácido fosfórico (Figura 5.2). O
fosfatidato é um intermediário importante na síntese de outros
glicerofosfolipídios. Os derivados são formados quando o fosfato está
ligado a derivados do álcool/amino, como a etanolamina
(fosfotidiletanolamina, cefalinas), a colina (fosfatidilcolina, lecitina), a
serina (fosfatidilserina, cefalinas), o glicerol (fosfatidilglicerol), o inositol
(fosfatidilnositol, PIP2) e o fosfatidilglicerol (cardiolipina) (Marzocco e
Torres, 2007).

Figura 5.2 Esquema mostrando as moléculas de triacilglicerol, glicerofosfolipídio e esfingolipídio.


Os esfingolipídios são semelhantes aos glicerofosfolipídios, porém não
contêm glicerol, mas sim um aminoálcool com uma longa cadeia de
hidrocarboneto, a esfingosina (Figura 5.2). O grupo amino da esfingosina se
liga ao ácido graxo por ligação amídica. Podem ser classificados em:
esfingomielinas (uma esfingosina, um ácido graxo e um álcool com fosfato)
e glicolipídios que são os cerebrosídios e gangliosídios (uma esfingosina,
um ácido graxo e um açúcar).
Nas esfingomielinas, descobertas na bainha de mielina, a porção polar
é composta por uma fosforilcolina. Assim como os glicerofosfolipídios,
também podem ser classificadas como fosfolipídios. Nos cerebrosídios, o
açúcar pode ser uma glicose, galactose, N-acetil-D-glicosamina e N-acetil-
D-galactosamina (determinam o sistema ABO encontrado na membrana das
hemácias). Já os gangliosídios são mais complexos, sendo compostos por
oligossacarídios ou açúcares aminados (ácido siálico – ácido N-
acetilneuramínico). Esses dois glicolipídios são encontrados
predominantemente no cérebro e parecem participar das sinapses
(Marzocco e Torres, 2007) e na patogênese do câncer (Nelson e Cox, 2014).
Os esteroides são outro grupo de lipídios que apresentam núcleo
tetracíclico característico em sua estrutura, sem ácido graxo em sua
composição (lipídio simples). O colesterol é o esterol mais abundante dos
tecidos animais, podendo servir como precursor para a síntese de outros
esteroides, como os hormônios sexuais e do córtex da glândula suprarrenal,
sais biliares e vitamina D (Pratt e Cornelly, 2006; Nelson e Cox, 2014). O
colesterol tem caráter fracamente anfipático, porque o grupo hidroxila é
polar e o restante da molécula, os anéis esteróidicos e a cadeia lateral, é
apolar (Figura 5.3). O colesterol tem influência sobre a fluidez da
membrana celular, uma vez que os anéis formam um plano rígido.
O transporte de colesterol pelo organismo ocorre por meio das
lipoproteínas plasmáticas, sendo ligado a ácidos graxos insaturados,
formando ésteres de colesterol. O grupo hidroxila do colesterol se liga ao
carboxila do ácido graxo, sendo este também um modo de armazenamento
do colesterol dentro das células, isto é, de forma anidra (caráter
hidrofóbico). Os lipídios apolares associam-se a lipídios anfipáticos e
proteínas, formando as lipoproteínas plasmáticas que transportam o lipídio
para os tecidos. Já os ácidos graxos sozinhos são transportados por
albumina sérica, sendo uma porção muito pequena de ácidos graxos
associada às lipoproteínas plasmáticas. Os quilomícrons (maiores
lipoproteínas), ricos em triacilgliceróis, são sintetizados na mucosa
intestinal a partir de lipídios da dieta e também são transportados aos
tecidos periféricos (Marzocco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Figura 5.3 Esquema mostrando a molécula de colesterol (porções hidrofílica e hidrofóbica).

As lipoproteínas plasmáticas são partículas esféricas com um núcleo


central de lipídios apolares, ésteres de colesterol e triacilgliceróis,
circundado por uma monocamada de lipídios anfipáticos, os fosfolipídios, e
colesterol, os quais estão associados às proteínas. As proteínas constituem
centros de reconhecimento que permitem a ligação das lipoproteínas a
receptores da superfície celular dos tecidos periféricos. As lipoproteínas
plasmáticas são classificadas de acordo com a densidade, que é menor
quanto maior o teor de lipídios. Assim, VLDL e LDL (low-density
lipoprotein) são lipoproteínas ricas em triacilgliceróis e colesterol, sendo as
principais fontes de lipídios aos tecidos, penetrando por um processo de
endocitose adsortiva. As HDL (high-density lipoprotein), ricas em
proteínas, têm função oposta às LDL, atuando na remoção do colesterol dos
tecidos para o fígado (Marzocco e Torres, 2007).
Além destes lipídios, existem os terpenos, ou isoprenoides, como a
ubiquinona e as vitaminas A, D e K, que não serão abordados neste capítulo
(Pratt e Cornelly, 2006).

Composição e estrutura da membrana


Os glicerofosfolípidios e os esfingolipídios, juntamente ao colesterol,
compõem as membranas celulares, uma vez que são anfipáticos (Marzocco
e Torres, 2007). O termo anfipático nos informa que existe uma porção que
é apolar (hidrofóbica) e uma que é polar (hidrofílica). Em meio aquoso,
estes se organizam de maneira a proteger a porção apolar e expor a porção
polar. O tipo de estrutura formada é determinado pela geometria da
molécula do lipídio anfipático. Quando os lipídios apresentam apenas uma
cadeia carbônica, como o ácido graxo (formato cônico, Figura 5.4),
organizam-se em formato circular, protegendo a porção hidrofóbica no
centro e expondo a porção hidrofílica, ao que damos o nome de micela. A
formação de micelas é etapa importante na digestão dos lipídios da dieta
(Marzocco e Torres, 2007).
Os lipídios que apresentam duas camadas carbônicas (formato
cilíndrico, Figura 5.4), como é o caso dos lipídios que compõem a
membrana celular, organizam-se no formato de uma bicamada lipídica. As
moléculas de lipídios se alinham lado a lado, compondo duas
monocamadas; as cadeias carbônicas das monocamadas interagem frente a
frente, criando um domínio hidrofóbico no meio da bicamada. Os grupos
hidrofílicos se dispõem nas superfícies das duas faces da bicamada,
interagindo com a água. As interações hidrofóbicas são a principal força
impulsionadora da formação das bicamadas lipídicas (Tymoczko et al.,
2011).
O colesterol pode se intercalar entre os lipídios anfipáticos que
constituem as bicamadas lipídicas. As bicamadas podem se converter a uma
estrutura fechada chamada lipossomos. Os lipossomos são vesículas
esféricas sintéticas formadas por uma bicamada lipídica contínua que
delimita uma cavidade preenchida por solvente, sendo empregada
frequentemente para transporte de moléculas/fármacos e como modelo para
estudo das bicamadas lipídicas e membranas biológicas (Pratt e Cornelly,
2006; Marzocco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Figura 5.4 Organização dos lipídios. A. Uma cadeia carbônica (micela). B. Duas cadeias carbônicas
(lipossomos e membrana).

A bicamada lipídica permite a livre difusão de moléculas apolares pela


membrana, no entanto, é impermeável aos compostos iônicos ou polares,
com exceção da água. Dependendo da tonicidade do meio, a célula pode
perder ou ganhar água, alterando o seu volume.
A membrana isola o conteúdo intracelular em relação ao meio externo.
Por outro lado, há grande número de substâncias capazes de induzir a
passagem de íons específicos através das membranas biológicas, dentre elas
os antibióticos. Essas substâncias são denominadas ionóforas, uma vez que
apresentam a porção externa hidrofóbica e a interna, hidrofílica,
possibilitando o transporte de íons pela membrana plasmática (p. ex.,
gramicidina [K+, Na+], valinomicina [K+], nigericina [K+]).
Além dos lipídios, a membrana apresenta proteínas. A proporção entre
lipídios (média de 40%) e proteínas (média de 60%), os quais se mantêm
por ligações não covalentes, varia conforme a membrana considerada. A
membrana interna da mitocôndria apresenta apenas 20 a 25% de lipídios e
75 a 80% de proteínas, enquanto a membrana mielínica contém mais de
75% de lipídios e em torno de 18% de proteínas (Tymoczko et al., 2011;
Nelson e Cox, 2014). Os lipídios mais comuns na membrana são os
fosfolipídios (glicerofosfolipídios e esfingomielinas), sendo os
glicerofosfolipídios (em especial a fosfatidilcolina) os mais abundantes. O
colesterol é abundante nas membranas plasmáticas, porém é encontrado em
pequenas quantidades nas membranas intracelulares. A membrana interna
da mitocôndria difere da externa, contendo maior proporção de
difosfatidilglicerol (cardiolipina).
A bicamada lipídica sofre mudanças de estado físico em uma
temperatura de transição, análoga ao ponto de fusão dos ácidos graxos,
sendo esse valor influenciado pela natureza dos lipídios que a compõem. A
natureza da membrana é fluida, semelhante à parafina, em condições
fisiológicas e à temperatura corpórea (acima da temperatura de transição).
A consistência da bicamada lipídica é também mantida devido à existência
de moléculas de colesterol, que dão rigidez à membrana; em excesso,
porém, podem aumentar a fluidez. O colesterol interage com a porção polar
dos fosfolipídios por meio da hidroxila e com a porção apolar por meio dos
anéis esteroides. Como o colesterol não alcança o centro da bicamada
lipídica, a imobilização ocorre mais na região próxima aos grupos polares,
resultando no aumento da rigidez na porção periférica da membrana. No
entanto, na membrana plasmática, há quantidade razoável de colesterol, o
que reduz as interações das cadeias carbônicas (apolar), contribuindo para a
fluidez da membrana (Marzocco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).
Esse estado fluido da membrana permite que as moléculas de lipídios
se movam lateralmente dentro da monocamada lipídica de que fazem parte
(processo denominado difusão lateral), o que pode ser observado em
microscópio de fluorescência (Tymoczko et al., 2011). A migração de
lipídios de uma monocamada para a outra, processo denominado Flip-Flop
ou fusão transversa, raramente acontece, uma vez que a porção polar teria
que atravessar a porção apolar, sendo este um processo muito endergônico,
o qual pode ser medido pela técnica de ressonância de spin de elétrons
(Tymoczko et al., 2011). Ainda as duas camadas lipídicas da membrana
apresentam lipídios diferentes, isto é, são assimétricas (Pratt e Cornelly,
2006; Marzocco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Proteínas
As membranas biológicas são formadas por uma bicamada lipídica
entremeada de proteínas com funções de bombas, canais, receptores,
transformadores de energia e enzimas (Tymoczko et al., 2011) (Figura 5.5).
Como dito anteriormente, as proteínas dispõem-se na bicamada lipídica de
acordo com o modelo do mosaico fluido proposto por Singer e Nicolson
(1972), no qual os componentes interagem por ligações não covalentes e
podem se difundir lateralmente em meio de consistência líquida.
Dentre as proteínas que se associam com a estrutura lipídica
encontramos dois tipos (Nelson e Cox, 2014):
• Proteínas integrais (transmembranas, > 70%): essas proteínas se
associam fortemente com as cadeias apolares dos lipídios, por meio de
interações hidrofóbicas do domínio hidrofóbico (aminoácidos
apolares). Apresentam um ou dois domínios hidrofílicos terminais
(aminoácidos polares). O domínio que atravessa a membrana
geralmente tem estrutura alfa-hélice. A porina é um exemplo de
proteína com estrutura de folha beta. Essas proteínas são removidas da
membrana somente por ruptura da mesma, a partir do tratamento com
detergentes ou solventes orgânicos e, ainda assim, são obtidas com
lipídios aderidos e são relativamente insolúveis em água. Proteínas dos
complexos transportadores de elétrons da membrana interna da
mitocôndria, com exceção do citocromo c, são exemplos de proteínas
transmembranas
• Proteínas periféricas: ligam-se à superfície da membrana por pontes de
hidrogênio ou interações iônicas estabelecidas com os grupamentos
polares dos lipídios da bicamada. Essas ligações podem ser rompidas
por procedimentos simples sem perturbar a estrutura da membrana,
como o tratamento com ureia e soluções salinas de alta concentração,
assim como alteração de pH. As proteínas periféricas são solúveis em
água (p. ex., citocromo c).

Figura 5.5 Ilustração da membrana celular seguindo o modelo do mosaico fluido.

A extensão da cadeia polipeptídica fora e dentro da membrana está


relacionada à função. Proteínas que atuam como receptores de moléculas
extracelulares ou antígenos têm a porção externa maior que a porção
inserida na bicamada lipídica. Em outros casos, a cadeia polipeptídica pode
atravessar várias vezes a bicamada lipídica, formando um canal (Marzocco
e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014). Técnicas como eletroforese em gel de
poliacrilamida com SDS e cromatografia podem ser utilizadas para
visualização do conteúdo proteico de diferentes membranas, assim como a
cristalografia de raios X ou microscopia eletrônica para visualização da
estrutura tridimensional das proteínas (Tymoczko et al., 2011).
Assim como no caso dos lipídios, a distribuição de proteínas entre as
camadas lipídicas é assimétrica. A mobilidade lateral das proteínas pode ser
restringida quando há citoesqueleto formado por microfilamentos e
microtúbulos, ou pelos componentes da matriz extracelular.
Como exemplo de proteínas encontradas na membrana temos as
proteínas e glicoproteínas das células endoteliais, como selectina e
integrina, que se ligam às glicoproteínas dos leucócitos, responsáveis pelo
movimento de “rolamento” que desacelera os leucócitos e os faz parar nas
proximidades da região inflamada. Portanto, as proteínas selectina e
integrina têm importante papel na migração e adesão de leucócitos durante
o processo inflamatório (Langer e Chavakis, 2009; Kadono, 2010).

Glicoproteínas e glicolipídios
Os carboidratos, geralmente oligossacarídios, também fazem parte da
membrana se associando a proteínas e lipídios (Figura 5.5). São os
componentes mais variáveis entre as células, servindo como marcadores
celulares. Os glicolipídios e as glicoproteínas ocorrem frequentemente na
face externa da membrana plasmática ou na face interna da membrana de
determinadas organelas, como o retículo endoplasmático e o complexo de
Golgi (Nelson e Cox, 2014).
Essas moléculas são as responsáveis pela comunicação entre as
células, já que são receptores de mediadores químicos, sendo reconhecidas
por proteínas que se ligam especificamente aos carboidratos em processos
como: fusão do espermatozoide e do óvulo, crescimento e diferenciação
celular (erros no reconhecimento podem causar tumor e câncer) e
reconhecimento das células do hospedeiro e de antígenos pelo sistema
imune. Os receptores de antígenos, sistema ABO sanguíneo, e os receptores
hormonais são exemplos de glicoproteínas e glicolipídios (Marzocco e
Torres, 2007), sendo responsáveis pela especificidade celular (marcadores
de superfície celular).
Esse revestimento externo rico em carboidratos é chamado glicocálice.
O glicocálice é o envoltório responsável pelo reconhecimento celular e pelo
fenômeno de inibição por contato. Os componentes principais do envoltório
celular são: glicoesfingolipídios, mucopolissacarídeos ácidos (ácido
hialurônico, condroitina) e glicoproteínas (p. ex., fibronectina e laminina,
que estabelecem conexão da membrana com a matriz extracelular). As
moléculas de aderência celular (p. ex., caderinas) possibilitam a aderência
das células para formação dos tecidos (Junqueira e Carneiro, 2012; Nelson
e Cox, 2014).

Transporte através de membranas

Íons e moléculas pequenas


Como já foi dito anteriormente, as membranas celulares são permeáveis
apenas a moléculas solúveis em lipídios (ácidos graxos e esteroides) e/ou
moléculas pequenas (gases: O2, CO2, N/e água – osmose). A maioria das
moléculas solúveis em água não pode atravessar a membrana por simples
difusão. Portanto, proteínas transportadoras (integrais) se organizam de
modo a formar um canal que é preenchido por água, possibilitando a
passagem de íons e pequenas moléculas polares (monossacarídeos,
aminoácidos e nucleotídios). Esse processo é denominado difusão
facilitada. As proteínas transportadoras podem ser divididas em canais
(transporte passivo) ou bombas (transporte ativo). Os canais podem ainda
ser acionados por voltagem ou por ligantes (no caso da acetilcolina, ver
Capítulo 7).
Outras proteínas transportadoras sofrem alteração de conformação para
transportar o soluto, sendo mais seletivas que as porinas e os canais iônicos
(Pratt e Cornelly, 2006). A estas damos o nome de permeases/translocases,
que são capazes de se ligar reversivelmente a um composto e transportá-lo
de um lado da membrana para o outro (difusão mediada por permeases).
Muitas permeases são cotransportadoras, ou seja, o transporte de uma
molécula depende da transferência simultânea de outra molécula, no mesmo
sentido (o processo é denominado simporte; p. ex., aminoácido e glicose,
glicose e Na) ou no sentido oposto (antiporte; p. ex., íons e ATP/ADP da
mitocôndria para o citoplasma). Outras transportam apenas um composto,
são então uniportes. O transporte mediado por translocases pode ser feito a
favor ou contra um gradiente de concentração (Pratt e Cornelly, 2006;
Tymoczko et al., 2011). No caso das cotransportadoras, a energia para o
transporte é obtida do fluxo contra/a favor do gradiente de concentração de
uma molécula acoplado ao fluxo de outra molécula a favor do gradiente.
O transporte por permeases obedece à cinética de Michaelis-Menten,
isto é, a velocidade de transporte aumenta com a concentração do
metabólito até atingir a velocidade máxima, por saturação da permease. O
transporte de determinada molécula também pode ser inibido por outra
(análogo estrutural).
O transporte por permeases, quando o composto passa de um
compartimento, onde a sua concentração é maior, para outro, onde ela é
menor, é chamado de transporte facilitado passivo, sem gasto de ATP. A
força que impulsiona o deslocamento do soluto é a agitação térmica das
moléculas. Exemplo de transporte passivo é a entrada de glicose nas
hemácias e alguns canais iônicos. Quando o transporte ocorre contra um
gradiente de concentração e/ou elétrico (gradiente eletroquímico), com
gasto de energia, derivado da hidrólise do ATP ou do bombeamento de
prótons acoplado ao transporte de elétrons, damos o nome de transporte
ativo, e este é feito por bombas (Tymoczko et al., 2011). O transporte ativo
é importante para manter concentrações constantes e ótimas de K+ e Ca+2
dentro das células, os quais regulam atividades celulares (atividade
enzimática), assim como auxiliam na manutenção da atividade osmótica da
célula. O sistema de transporte ativo está envolvido na transmissão do
impulso nervoso, na excitação e no relaxamento muscular, na atividade de
absorção do epitélio intestinal e na função secretória do rim (p. ex.,
passagem de glicose e aminoácidos do intestino e túbulos renais para vasos
sanguíneos) (Nelson e Cox, 2014). O transporte de Ca+2 do sarcoplasma
para o retículo sarcoplasmático é muito importante para o relaxamento
muscular e é feito à custa de ATP, assim como ocorre em outras células que
devem manter concentrações baixas de Ca+2 no citoplasma por transporte
ativo deste para a mitocôndria. Outro mecanismo importante é o da bomba
H+/K+/ATPase, que bombeia prótons para o estômago (Tymoczko et al.,
2011).
Exemplo clássico de transporte ativo é a bomba de sódio e potássio, na
qual há saída de 3 Na+ para a entrada de 2 K+, processo importante para a
respiração celular, a condução do impulso nervoso e a síntese proteica. No
meio intracelular deve-se manter concentração de 120 a 160 mM K+, sendo
esta controlada pela extrusão da Na+ para o espaço extracelular que contém
em torno de 150 mM desse íon. Esse transporte é promovido pelo sistema
de Na+/K+/ATPase. Como a saída de sódio não é acompanhada pela entrada
de potássio na mesma proporção, estabelece-se uma diferença de cargas
elétricas entre os meios intra e extracelular.
Vamos utilizar a fibra nervosa como exemplo. O potencial
eletronegativo criado no interior da fibra nervosa devido à bomba de sódio
e potássio é chamado potencial de repouso da membrana (potencial de –60
mV), ficando o exterior da membrana positivo e o interior negativo.
Dizemos, então, que a membrana está polarizada (Pratt e Cornelly, 2006;
Tymoczko et al., 2011).
Ao ser estimulada pela liberação de um neurotransmissor ou por um
trauma mecânico, uma pequena região da membrana se torna permeável ao
sódio (abertura dos canais de sódio, transporte passivo). Como a
concentração desse íon é maior fora da célula, o sódio atravessa a
membrana, tornando o interior positivo (+30 mV). A entrada de sódio é
acompanhada pela pequena saída de potássio. Essa inversão vai sendo
transmitida ao longo do axônio, no caso do estimulo nervoso, e todo esse
processo é denominado onda de despolarização (potencial de ação). Os
impulsos nervosos ou potenciais de ação são causados pela despolarização
da membrana além de um limiar (nível crítico de despolarização que deve
ser alcançado para disparar o potencial de ação). Os potenciais de ação se
assemelham em tamanho e duração, e não diminuem à medida que são
conduzidos ao longo do axônio, ou seja, são de tamanho e duração fixos.
Por essa razão, diz-se que os potenciais de ação obedecem à “lei do tudo ou
nada” (Pratt e Cornelly, 2006).
Imediatamente após a onda de despolarização se propagar ao longo da
fibra nervosa, o interior da fibra se torna carregado positivamente, porque
grande número de íons sódio se difundiu para o interior. Essa positividade
determina a parada do fluxo de íons sódio para o interior da fibra, fazendo
com que a membrana se torne novamente impermeável a esses íons. Por
outro lado, a membrana se torna ainda mais permeável ao potássio, que
migra para o meio externo (transporte passivo) pela mudança de voltagem.
Devido à alta concentração desse íon no interior, muitos íons se difundem,
então, para o lado de fora. Isso cria novamente eletronegatividade no
interior da membrana e positividade no exterior – processo chamado
repolarização, pelo qual se restabelece a polaridade normal da membrana. A
repolarização normalmente se inicia no mesmo ponto onde se originou a
despolarização, propagando-se ao longo da fibra. Após a repolarização, a
bomba de sódio e potássio bombeia novamente os íons sódio para o exterior
da membrana, criando um déficit extra de cargas positivas no interior da
membrana, que se torna temporariamente mais negativa que o normal. A
eletronegatividade excessiva no interior atrai íons potássio de volta para o
interior (por transporte ativo). Assim, o processo induz a diferenças iônicas
originais. Em Odontologia, esse conhecimento é muito importante, uma vez
que o mecanismo de atuação do anestésico se baseia no bloqueio dos canais
iônicos da membrana das células nervosas e, consequentemente, há inibição
da despolarização e da sensação dolorosa (Galizia et al., 1990; Wynn,
1995).
Na Fonoaudiologia, o processo de transporte importante ocorre nas
células ciliadas. O movimento de pistão realizado pela base do estribo
dentro da janela oval faz com que os líquidos dentro da cóclea se
movimentem. A movimentação da perilinfa faz com que a membrana
basilar se movimente na mesma frequência que o estímulo sonoro. Esse
movimento para cima e para baixo da membrana basilar faz com que as
células ciliadas externas (CCE), que têm seus cílios fixos às membranas
tectórias, inclinem-se. A inclinação desses cílios faz com que o tip-link se
desloque, abrindo os canais iônicos e permitindo o influxo de cálcio e,
principalmente, potássio, despolarizando a membrana celular. Essa
despolarização induz contrações mecânicas rápidas das cisternas laminadas
encontradas nas CCE. O encurtamento dessas cisternas provavelmente
desloca íons de Cl– de sua superfície, levando ao encurtamento da própria
CCE, o que resulta na tração da membrana tectória para baixo. Esse
movimento amplifica a vibração da membrana basilar em uma área restrita
do órgão de Corti. A amplitude das vibrações da membrana basilar provoca
o contato dos cílios mais longos das células ciliadas internas (CCI) com a
membrana tectória e, consequentemente, a inclinação dos mesmos. Essa
inclinação tenciona o tip-link, fazendo com que os canais de
mecanotransdução se abram. As células ciliadas apresentam potencial de
repouso por volta de –60 mV; como os canais de transdução são cátion-
seletivos (com preferência pelo Ca+2), a abertura destes faz com que grandes
quantidades de íons potássio entrem na célula, causando assim a
despolarização da membrana. A mudança da polaridade celular induz a
abertura de canais de cálcio. A entrada maciça desse íon desencadeia o
processo de liberação de vesículas de neurotransmissores (exocitose do
glutamato) na fenda sináptica. Quando esses neurotransmissores se ligam a
seus receptores específicos há a despolarização do feixe nervoso e a
transmissão da mensagem ao sistema nervoso central (Ricci et al., 2006;
Phillips et al., 2006; Grillet et al., 2009).
Experimentos têm mostrado que os componentes moleculares dos
sistemas de transporte de membrana são determinados geneticamente,
sendo a expressão influenciada pela oferta de nutrientes e interação com o
meio externo (Lehninger, 2006; Tymoczko et al., 2011).
Existem as junções em fendas (p. ex., proteína conexina 26 da orelha
interna, sendo a alteração na síntese dessa proteína relacionada à surdez) e
canais de célula a célula, que são responsáveis pela comunicação celular,
possibilitando trabalho sincronizado das células e transporte de substâncias
(nutrientes) entre as mesmas. Esses canais são controlados por alteração de
pH e concentrações iônicas, bem como pelo potencial de membrana e pela
fosforilação induzida por hormônios (Tymoczko et al., 2011).

Macromoléculas
Por outro lado, o transporte de macromoléculas (proteínas, ácidos
nucleicos, polissacarídeos) e partículas grandes (vírus) não acontece com
auxílio de permeases, mas, sim, por meio de dois processos: endocitose e
exocitose. Os componentes transportados são englobados em vesículas
delimitadas por membranas.
Exocitose é o processo de eliminação de substâncias localizadas dentro
da célula. Ocorre devido à fusão das vesículas intracelulares com a
membrana plasmática (p. ex., liberação de proteína e neurotransmissor).
Endocitose é o processo em que a partícula entra na célula. Nesse caso, as
vesículas se formam a partir de segmentos da membrana plasmática que
sofrem invaginação.
A entrada de vírus nas células do hospedeiro, como o vírus da
imunodeficiência adquirida (HIV) por exemplo, ocorre pela ligação deste
ao linfócito do hospedeiro pela interação do GP120 do envelope do HIV
com CD4 da membrana plasmática da célula hospedeira. O receptor da
citocina (CCR5) na membrana plasmática da célula hospedeira se liga ao
CD4 e ao GP120, permitindo que o domínio aminoterminal da proteína de
fusão GP41 se insira na membrana plasmática da célula hospedeira. A
alteração conformacional do GP41 produz uma estrutura tipo grampo,
trazendo as duas membranas em contato. A fusão do HIV com a membrana
celular do hospedeiro permite que o conteúdo do HIV (RNA e enzimas)
penetre na célula hospedeira (Berger e Alkhatib, 2007). Um número de
peptídios anti-HIV-1 e pequenas moléculas que interagem com o GP-41 A
têm sido estudados para tratamento dessa doença (Pan et al., 2010).
A endocitose pode ser dividida em fagocitose (quando as partículas
são sólidas), pinocitose (para transporte de líquidos) e do tipo adsortiva (p.
ex., LDL com a participação de um receptor de membrana). A fagocitose é
muito utilizada nos mamíferos como sistema de defesa por células como
neutrófilos e macrófagos. Um exemplo de pinocitose seletiva é a
incorporação de transferrina por células precursoras de hemácias, as quais
serão utilizadas na síntese de hemoglobina (Junqueira e Carneiro, 2012).
A endocitose adsortiva ou mediada por um receptor é altamente
específica, pois requer a ligação da molécula a ser internalizada a receptores
específicos da membrana plasmática. Exemplo disso é a entrada de
colesterol nas células, que ocorre a partir da ligação de apolipoproteínas da
LDL a receptores presentes na superfície externa da membrana. Os
receptores encontram-se em uma depressão revestida e são invaginados,
originando as vesículas revestidas no citoplasma. Após a invaginação, as
vesículas se fundem com os endossomos, cujo pH ácido causa dissociação
entre os receptores e o LDL. A vesícula contendo LDL se funde com os
lisossomos, onde seus componentes são hidrolisados. Os receptores LDL,
por sua vez, são reciclados, fundindo-se com a membrana plasmática, e
podem participar de um novo ciclo de endocitose adsortiva (Marzocco e
Torres, 2007).
Todos os sistemas de transporte estão ilustrados nas Figuras 5.6 e 5.7.

Figura 5.6 Sistemas de transporte de íons e moléculas pequenas.


Figura 5.7 Processos de transporte de macromoléculas ou partículas: exocitose e endocitose.

Comunicação celular e produção de segundo


mensageiro
Há situações nas quais a molécula pode não atravessar a membrana (mas se
ligar ao receptor) e desencadear a produção de um segundo mensageiro
intracelular ou permitir a abertura do canal iônico. Esse assunto será
abordado com mais detalhes no Capítulo 7. Os impulsos nervosos são
transmitidos por moléculas pequenas e difusíveis chamadas
neurotransmissores. Um deles é a acetilcolina. O receptor da acetilcolina é
um canal iônico acionado por um ligante que permite a passagem de Na+ e
K+, conforme processo descrito anteriormente (Tymoczko et al., 2011).
Sinais químicos são cruciais para coordenar respostas fisiológicas. No
caso de indivíduo ameaçado, há produção de epinefrina; após uma refeição,
produz-se insulina; e o fator de crescimento epidermal (EGF) é liberado
diante de um ferimento. A cadeia de eventos que transforma a mensagem
química em uma resposta fisiológica é denominada transmissão de sinais,
ocorrendo na seguinte sequência: (1) liberação do primeiro mensageiro; (2)
recepção do primeiro mensageiro (p. ex., receptor serpentino
transmembrana para epinefrina, receptor enzimático transmembrana para
insulina); (3) entrega da mensagem dentro da célula pelo segundo
mensageiro (cAMP, cálcio, IP3 e diacilglicerol); (4) ativação dos efetores
que alteram diretamente a resposta fisiológica; e (5) conclusão do sinal
(Tymoczko et al., 2011).
A união do ligante, no caso exemplificado pela epinefrina, ao receptor
desencadeia alteração da porção intracelular do mesmo, causando ativação
das proteínas G heterotrímeras pela troca de GDP por GTP, havendo
dissociação da subunidade alfa, que por sua vez estimula a atividade
enzimática (no caso, da adenilato ciclase). A adenilato ciclase, por exemplo,
transforma ATP em cAMP, e este estimula a fosforilação de proteínas-alvo
ao ativar a proteinoquinase A.
Por outro lado, outros receptores ativam a proteína G por processo
similar ao descrito anteriormente, porém, a enzima-alvo é a fosfolipase C,
que cliva fosfatidil inositol bifosfato, produzindo dois segundos
mensageiros, o inositol 3 fosfato (IP3) ou o diacilglicerol (DAG). O IP3
ativa a abertura dos canais Ca+2/ATPase do retículo endoplasmático,
aumentando a concentração de cálcio no citosol. O cálcio pode amplificar o
processo se ligando a proteínas como a calmodulina e a enzimas como a
proteinoquinase C (PKC). O DAG permanece na membrana citoplasmática,
ativando a PKC que causa fosforilação da serina e treonina de muitas
proteínas-alvo. Após a conclusão da transmissão de sinais, as proteínas G se
recompõem a partir da hidrólise do GTP, assim como os receptores.
Como dito antes, o cálcio pode também atuar como segundo
mensageiro, sendo que a proteína ligante do segundo mensageiro é a
calmodulina, que produz alterações em enzimas relacionadas ao
metabolismo energético, permeabilidade iônica, síntese e liberação de
neurotransmissores (Tymoczko et al., 2011); exemplo disso é a liberação de
glutamato das CCI na fenda sináptica (Mammano et al., 2007).
Outro exemplo de transmissão de sinais é a insulina. A concentração
de insulina no sangue aumenta após a refeição, sendo que esta se liga a
receptores enzimáticos encontrados na membrana de determinadas células,
ativando a tirosinoquinase, que inicia uma cascata de fosforilação
permitindo a ancoragem de uma classe de moléculas denominadas
substratos de receptores de insulina (IRS). Os IRS atuam como proteínas
adaptadoras, ligando e conduzindo uma quinase de lipídio de modo que esta
atue sobre o seu substrato. O substrato é o fosfatidilinositol difosfato (PIP2)
formando o PIP3. Há uma cascata de fosforilação da PDK1 e Akt, sendo
que essa última fosforila controladores do transporte da glicose (GLUT4)
presentes na superfície celular, assim como enzimas envolvidas na
produção do glicogênio. O sinal da insulina se reduz pela ação das
fosfatases, quando há redução dos níveis de açúcar no sangue (Tymoczko et
al., 2011).
O conhecimento das vias de transdução de sinal é importante, uma vez
que defeitos nessa transmissão (proteinoquinases mutantes ou genes
supressores de tumor deletados ou danificados) podem levar ao
aparecimento de câncer e a outras doenças. A produção de anticorpos
monoclonais pode ser alternativa contra os domínios extracelulares de
receptores superexpressos, como por exemplo, nos tumores da mama, onde
há superexpressão dos receptores EGF (Tymoczko et al., 2011; Johnson e
Brown, 2010; Alvarez et al., 2010).

Conclusão
O conhecimento sobre os lipídios, sobre a composição e a estrutura da
membrana celular, assim como dos diferentes tipos de transporte, é de suma
importância para alunos de graduação e pós-graduação em Odontologia e
Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de diversas doenças
crônicas, como diabetes melito e dislipidemia, assim como doenças
infecciosas (AIDS, gripe H1N1), do processo de mecanotransdução do som,
do desenvolvimento de tumores e do câncer, e do efeito de anestésicos
aplicados em técnicas infiltrativas e por bloqueio na Odontologia. Portanto,
esse conhecimento poderá ser aplicado em disciplinas teórico-práticas afins,
nas pesquisas laboratoriais e clínicas, no diagnóstico e na conduta clínica
dos pacientes. Avanços nesse campo de pesquisa trarão importantes
contribuições para o desenvolvimento de fármacos mais específicos ou de
inibidores enzimáticos, que poderão ser usados para o tratamento de
diferentes doenças, como o câncer.

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E
ntre as características notáveis dos organismos vivos, destaca-se a sua
capacidade de reprodução, por meio da qual as informações são
passadas aos descendentes. A transmissão das características hereditárias
necessita dos ácidos nucleicos, capazes de armazenar a informação genética
(Devlin, 2011). Esta informação, com exceção de alguns vírus, está contida
no ácido desoxirribonucleico (DNA). A informação armazenada no DNA,
por meio de um código de apenas quatro letras, é utilizada para sintetizar o
ácido ribonucleico, o qual, por sua vez, vai guiar a síntese de proteínas. A
relação entre estas três moléculas (DNA, RNA e proteína) constitui o
“dogma central da biologia molecular”, que determina que a informação
armazenada no DNA é transmitida inicialmente para o RNA, mediante um
processo conhecido como transcrição, e por fim é utilizada para a síntese da
proteína correspondente, por meio de um processo chamado tradução
(Devlin, 2011; Nelson e Cox, 2014). Assim, a informação contida no DNA
não pode fluir diretamente para a proteína. Ela é inicialmente transmitida ao
RNA. O processo de duplicação do DNA, envolvido na divisão celular, é
chamado duplicação ou replicação (Figura 6.1).

Estrutura do DNA e do RNA


Quando se pensa na quantidade de informações armazenadas no DNA, há
uma tendência a achar que se trata de uma molécula extremamente
complexa, o que não é verdade. A estrutura da molécula de DNA, como a
conhecemos hoje, foi desvendada em 1953 por James Watson e Francis
Crick e revelada ao mundo em um artigo de uma única página publicado no
conceituado periódico Nature (Watson e Crick, 1953). Trata-se na verdade
de duas fitas enroladas em torno de um eixo central, como se fosse uma
escada em caracol. Esse conjunto é chamado de dupla-hélice. A cada 3,4
nm a dupla-hélice completa uma volta em torno do eixo central. As
unidades constituintes do DNA são chamadas de nucleotídios, e cada um
ocupa cerca de 0,34 nm na lateral das hélices. Portanto, a cada volta
completa da dupla-hélice em torno do eixo central, têm-se 10 nucleotídios
de cada lado (Figura 6.2).
Como mencionado, os blocos constituintes do DNA e do RNA são os
nucleotídios. Cada nucleotídio é composto por um fosfato ligado a uma
pentose (açúcar com 5 átomos de carbono), sendo este conjunto chamado
nucleosídio, ao qual se liga uma base nitrogenada. Estes três constituintes
(fosfato, pentose e base nitrogenada) formam os nucleotídios, que, por sua
vez, se unem para formar a fita de DNA ou de RNA (Figura 6.3). A pentose
e a base nitrogenada variam no DNA e RNA. No RNA, a pentose é uma
ribose, enquanto no DNA, trata-se de uma desoxirribose, que recebe este
nome pela perda de um oxigênio no carbono 29 (Figura 6.4).
As bases nitrogenadas podem ser de dois tipos: purínicas (com dois
anéis) ou pirimidínicas (com 1 anel). Dentre as bases purínicas, temos a
adenina (A) e a guanina (G), presentes tanto no DNA quanto no RNA.
Entre as bases pirimidínicas temos a citosina (C) e a timina (T). A C está
presente tanto no DNA quanto no RNA, enquanto a T está presente apenas
no DNA, sendo o seu correspondente no RNA a uracila (U), na qual o
radical metila é substituído por hidrogênio (Figura 6.5). Então, de acordo
com o açúcar e a base nitrogenada presente, podemos ter oito tipos de
nucleotídios, sendo quatro deles constituintes do RNA (chamados de
ribonucleotídios) e outros quatro constituintes do DNA
(dexoxirribonucleotídios). O que diferencia os quatro tipos de
desoxirribonucleotídios é a base nitrogenada presente, que pode ser dA
(desoxiadenilato), dT (desoxitimidilato), dC (desoxicitidilato) ou dG
(desoxiguanilato). O mesmo se aplica aos ribonucleotídios, entre os quais
temos: adenilato, uridilato, citidilato ou guanilato, para as bases
nitrogenadas A, U, C ou G, respectivamente (Figura 6.6) (Devlin, 2011).
Assim, duas diferenças estruturais entre DNA e RNA são o tipo de açúcar
(desoxirribose e ribose, respectivamente) e a substituição da T pela U no
RNA. Em adição, o RNA apresenta uma única fita, enquanto o DNA, duas
fitas.
Figura 6.1 Dogma central da biologia molecular, demonstrando que a informação flui do DNA para
o RNA (transcrição) e deste, para a proteína (tradução). Durante a divisão celular ocorre duplicação
do DNA e o material genético é dividido entre as duas células-filhas.

Figura 6.2 Modelo da estrutura do DNA elaborado por Watson e Crick, em 1953.

Em uma mesma fita de DNA ou de RNA, os nucleotídios vizinhos são


unidos pelo radical fosfato, pela ligação fosfodiéster entre o C3 de um
nucleotídio e o C5 do nucleotídio vizinho (Figura 6.7). Toda fita de DNA
ou RNA, portanto, tem em uma das extremidades (chamada extremidade
59) um C5 livre (não ligado a nenhum nucleotídio vizinho) e, na outra
extremidade (chamada extremidade 3'), um C3 livre. Por que isto é
importante? Isto é muito importante, porque qualquer adição de um novo
nucleotídio para alongar esta fita vai se dar na sua extremidade 3', onde há
um C3 livre para estabelecer ligação fosfodiéster com o C5 do novo
nucleotídio que será adicionado. Isto é fundamental para que se possam
entender os processos de duplicação e transcrição que serão descritos
adiante.

Figura 6.3 Blocos de construção do DNA. O fosfato se liga ao açúcar (pentose), constituindo o
nucleosídio, ao qual se liga à base nitrogenada, formando o nucleotídio (A). Os nucleotídios, por sua
vez, se unem, formando a fita de DNA (B).
Figura 6.4 Estrutura das pentoses que constituem o RNA (ribose) e o DNA (desoxirribose). A única
diferença é a falta de um oxigênio no carbono 2’ da desoxirribose (A). Em B, o ribonucleotídio
completo.
Figura 6.5 Bases nitrogenadas que constituem o DNA e o RNA.

O pareamento das duas fitas de DNA vai se dar por meio de pontes de
hidrogênio entre bases nitrogenadas complementares. Assim, a A se pareia
com a T por duas pontes de hidrogênio, enquanto a C se pareia com a G por
três pontes de hidrogênio, formando a dupla-hélice. Assim, nas laterais da
dupla-hélice (corrimão da escada), têm-se os desoxirribonucleosídios
(fosfato mais desoxirribose), constituindo um esqueleto hidrofílico,
enquanto o interior (degraus da escada) é constituído pelo pareamento das
bases nitrogenadas, sempre A com T e C com G (Figura 6.8). Note-se que
as duas fitas são orientadas de forma antiparalela, ou seja, uma corre na
direção 5' → 2' e a outra na direção 3' → 2' (Figuras 6.8 e 6.9).
Figura 6.6 Nomenclatura dos desoxirribonucleotídios (A) e ribonucleotídios (B).
Figura 6.7 Fita de DNA mostrando os nucleotídios unidos por ligação fosfodiéster e as
extremidades 5’ e 3’. O alongamento da fita sempre acontece na extremidade 3’.

Figura 6.8 Blocos constituintes do DNA, formando a dupla fita, que se enrola para formar a dupla-
hélice, na qual as laterais (corrimão da escada) são constituídas pelo esqueleto de fosfato e açúcar, e
a parte central é constituída pelo pareamento entre A e T e entre C e G, por meio de pontes de
hidrogênio. As duas fitas são orientadas de forma antiparalela.
Figura 6.9 Pareamento por pontes de hidrogênio entre bases nitrogenadas complementares no
DNA. As fitas da dupla-hélice estão orientadas de forma antiparalela.

Propriedades do DNA

Desnaturação e renaturação (anelamento)


Nos processos biológicos em que o DNA participa, como a duplicação, a
transcrição, a recombinação e o reparo, a dupla-hélice é desfeita. A
separação entre as fitas da dupla-hélice é chamada desnaturação, que pode
acontecer, por exemplo, quando se eleva a temperatura da solução de DNA.
Quanto maior o conteúdo de C e G, maior o número de pontes de
hidrogênio unindo as duas fitas e, portanto, maior a temperatura de
desnaturação. A temperatura na qual ocorre 50% de desnaturação é
chamada temperatura de melting (Tm) (Figura 6.10). A desnaturação
também pode acontecer mediante condições extremas de pH (pH > 11,3),
quando há desprotonação das bases nitrogenadas, impedindo que haja o
estabelecimento de pontes de hidrogênio. Isto é chamado de desnaturação
alcalina (Devlin, 2011).
Fitas complementares de DNA que foram separadas por desnaturação
podem voltar a formar a dupla-hélice, o que é chamado de renaturação ou
anelamento (Figura 6.10). Este processo é possível mesmo quando as fitas
são completamente separadas, embora neste caso seja bastante lento
(Devlin, 2011). Entretanto, resfriando-se a solução de DNA contendo as
fitas desnaturadas, pode acontecer o repareamento, o que é chamado de
renaturação ou anelamento (Figura 6.10).

Hibridização
Hibridização é o pareamento de fitas polinucleotídicas complementares. Por
exemplo, quando se tem duas amostras diferentes de ácidos nucleicos de
fita simples, as quais são misturadas, as sequências de uma amostra
complementares às da outra amostra vão se parear, formando um híbrido
dupla-hélice, no qual cada uma das fitas provém de uma das amostras
(Figura 6.11). A hibridização é bastante empregada na biologia molecular,
para determinar se uma sequência específica ocorre em um organismo
particular, se há parentesco genético ou evolutivo entre organismos
diferentes, o número de genes transcritos em um RNA mensageiro (mRNA)
específico, bem como a localização de uma certa sequência de DNA
(Devlin, 2011). A técnica se baseia no anelamento de um polinucleotídio
complementar, chamado sonda, o qual é devidamente marcado para permitir
a detecção do híbrido dupla-hélice.

Genes e cromossomos
Um gene é todo DNA que codifica a sequência primária de um produto
gênico, que pode ser um polipeptídio ou um RNA com funções catalíticas
ou estruturais. Além dos genes, o DNA também contém sequências
regulatórias, que podem indicar o início ou final de um gene, influenciar a
transcrição ou funcionar como ponto de início da replicação ou
recombinação. Alguns genes podem ser expressos de diferentes maneiras,
gerando vários produtos gênicos a partir de um único segmento do DNA,
por meio do splicing alternativo, que será visto mais adiante (Nelson e Cox,
2014).
É possível estimar o tamanho médio dos genes que constituem uma
determinada proteína, uma vez que cada sequência de 3 nucleotídios na fita
molde do DNA vai originar uma sequência de nucleotídios complementares
no mRNA correspondente, chamada de códon (Figura 6.12). Cada um
destes códons corresponderá a um aminoácido específico na cadeia
polipeptídica. Assim, uma cadeia polipeptídica com 330 aminoácidos
corresponde a 990 pares de bases (pb). Entretanto, nos eucariontes, muitos
genes são interrompidos por segmentos de DNA não codificantes,
chamados de íntrons, os quais não estão representados na cadeia
polipeptídica, pois são removidos durante o processamento do mRNA. As
sequências codificantes são chamadas de éxons(Nelson e Cox, 2014).
Poucos genes bacterianos contêm íntrons. Nos genes eucarióticos tem-se
encontrado muita variedade no número e posição dos íntrons, bem como na
fração do gene total que eles ocupam. Por exemplo, no gene que codifica a
ovoalbumina, os íntrons são muito maiores do que os éxons, e 7 íntrons
juntos perfazem 85% do DNA do gene. No gene da subunidade beta da
hemoglobina, um único íntron contém mais do que a metade do DNA do
gene (Figura 6.13). Na maioria dos casos, a função dos íntrons não é clara.
Figura 6.10 A. Desnaturação e anelamento. B. Porcentagem de desnaturação do DNA em função
do aumento da temperatura. tm: temperatura de melting. Quanto maior o conteúdo G+C, maior tm
(inserto).

Figura 6.11 Hibridização de fitas polinucleotídicas complementares. Quando se aquecem duas


amostras diferentes de DNA, ocorre desnaturação. Se ambas forem misturadas e resfriadas, vai
ocorrer o anelamento. Neste caso, além da formação das duplas-hélices das amostras 1 e 2, haverá a
formação de duplas-hélices híbridas, nas quais cada uma das fitas provém de uma das duas
amostras. Isto é possível porque há associação de fitas polinucleotídicas complementares.
Figura 6.12 Correspondência entre as sequências de nucleotídios que codificam o DNA, o mRNA e o
polipeptídio. Cada sequência de 3 nucleotídios na fita molde do DNA vai originar uma sequência de
nucleotídios complementares no mRNA correspondente, chamada de códon. Cada um destes códons
corresponderá a um aminoácido específico na cadeia polipeptídica.

Apenas cerca de 1,5% do DNA humano é “codificante” para produtos


polipeptídicos. Quando os íntrons maiores são inclusos no cálculo, os genes
constituem cerca de 30% do genoma humano. Grande parte do DNA que
não faz parte de genes é constituída por sequências repetidas. Dentre elas
incluem-se os transpósons, sequências de ácido nucleico que podem se
movimentar de uma região para outra do genoma, e constituem a metade do
DNA do genoma humano. Cerca de 3% do genoma humano se constitui de
sequências altamente repetitivas, também conhecidas por DNA de
sequências simples ou repetições de sequência simples. Trata-se de
sequências curtas, em geral com menos de 10 pb, que chegam a ser
repetidas milhões de vezes na célula. São ainda conhecidas como DNA
satélite, pois sua composição provoca a migração como bandas “satélites”
(separadas do restante do DNA) quando amostras de DNA são
centrifugadas em gradiente de densidade de cloreto de césio (Nelson e Cox,
2014). Estas sequências não codificam proteínas nem RNA, mas grande
parte delas está associada aos centrômeros e telômeros dos cromossomos
(Figura 6.14). Os centrômeros funcionam, durante a divisão celular, como
pontos de fixação do fuso mitótico, sendo essenciais para que haja
distribuição equitativa dos cromossomos para as células-filhas. Já os
telômeros estão localizados nas extremidades dos cromossomos, ajudando
a estabilizá-los (Figura 6.14) (Nelson e Cox, 2014).

Figura 6.13 Íntrons nos genes da ovoalbumina e da subunidade β da hemoglobina. O gene da


ovoalbumina tem 7 íntrons e 8 éxons, e o da subunidade β da hemoglobina tem 2 íntrons e 3 éxons,
com destaque para um íntron que tem mais da metade dos pares de base do gene.

Os cromossomos são constituídos por ácidos nucleicos e contêm a


informação genética de um vírus, uma bactéria, uma célula eucariótica ou
uma organela. O material cromossômico é chamado de cromatina, que é
constituída por fibras contendo proteína (histonas principalmente) e DNA
em proporções praticamente iguais, além de uma pequena porção de RNA
(Figura 6.15). Este material é densamente empacotado, e ao microscópio
óptico esta estrutura é observada como corpos densamente corados, os quais
são observados nos núcleos das células eucarióticas (Nelson e Cox, 2014).

Figura 6.14 Estrutura dos cromossomos eucarióticos. Cerca de 3% do genoma humano se


constituem por sequências altamente repetitivas, chamadas de DNA de sequências simples ou
satélite, os quais não codificam polipeptídios nem RNA, mas constituem os centrômeros e telômeros
dos cromossomos, responsáveis pela adequada distribuição dos cromossomos entre as células-filhas
durante a mitose e pela estabilização dos cromossomos, respectivamente.
Figura 6.15 Os cromossomos são constituídos por ácidos nucleicos. O material cromossômico é
chamado de cromatina, constituída por fibras contendo proteína (histonas) e DNA em proporções
praticamente iguais. Este material é densamente empacotado, localizando-se no núcleo celular.

Duplicação ou replicação do DNA


O DNA é o repositório da informação genética e sua sequência de
nucleotídios codifica as estruturas de todos os RNAs e proteínas celulares.
Desta maneira, esta informação deve ser transmitida de uma geração de
células para a seguinte, com alto grau de precisão. Isto é feito por meio da
duplicação, também chamada de replicação, que obedece a 3 princípios
básicos:
• É semiconservativa porque cada fita de DNA funciona como molde
para a síntese de uma nova fita. Assim, são produzidas duas moléculas
de DNA, sendo cada uma delas constituída por uma fita antiga e outra
totalmente nova (Figura 6.16)
• Começa em uma origem e prossegue bilateralmente. A duplicação
começa em uma origem, na qual é mais fácil a separação das duas
fitas. A partir daí, ambas as fitas são simultaneamente desenroladas
(nas forquilhas de replicação) e, uma vez separadas, as fitas são
rapidamente replicadas (Figura 6.17)
• A síntese de DNA segue a direção 5' → 3' e é semidescontínua.
Como visto anteriormente, uma nova fita de DNA é sempre sintetizada
na direção 5' → 3', uma vez que apenas na extremidade 3' existe uma
hidroxila livre, disponível para estabelecer ligação fosfodiéster com o
nucleotídio que será adicionado. Assim, a fita que atua como molde
tem que ser lida na direção 3' → 5'. Entretanto, as duas fitas são
antiparalelas. Se a síntese prossegue sempre na direção 5' → 3', como
podem as duas fitas ser sintetizadas simultaneamente? A resposta para
esta questão foi desvendada por Reiji Okazaki e colaboradores, na
década de 1960. Os autores descobriram que uma das fitas de DNA,
chamada fita líder, é lida continuamente de 3' → 5', enquanto a outra
fita, chamada de fita retardada, é lida também de 3' → 5', porém
descontinuamente, sendo sintetizada em pedaços pequenos, chamados
fragmentos de Okazaki, que depois serão unidos pela DNA ligase.
Na fita líder, portanto, a síntese prossegue na mesma direção da
forquilha de replicação, enquanto na retardada, prossegue na direção
oposta (Figura 6.18). Os fragmentos de Okazaki variam de
comprimento, desde algumas centenas até alguns milhares de
nucleotídios, dependendo do tipo celular.
A síntese de uma molécula de DNA pode ser dividida em 3 estágios:
iniciação, alongamento e terminação, sendo que em cada uma delas ocorre a
participação de enzimas específicas. Grande parte do conhecimento sobre o
processo advém de ensaios realizados in vitro, utilizando proteínas
purificadas de E. coli, embora os princípios sejam bastante conservados nos
diferentes organismos (Nelson e Cox, 2014).
Figura 6.16 Duplicação semiconservativa, em que cada fita de DNA funciona como molde para a
síntese de uma nova fita. São produzidas duas moléculas de DNA, sendo cada uma delas constituída
por uma fita antiga (molde) e outra totalmente nova.
Figura 6.17 A replicação começa em uma origem e prossegue bidirecionalmente, sendo ambas as
fitas simultaneamente desenroladas (nas forquilhas de replicação) e, uma vez separadas, as fitas são
rapidamente replicadas.

Figura 6.18 Síntese de DNA na direção 5’ → 3’, de maneira semidescontínua.

Iniciação
Na E. coli, a origem de replicação é chamada oriC e contém 5 repetições de
uma sequência de 9 pb (sítios R) e outra região com 3 repetições de 13 pb,
sendo rica em pares de bases A=T, chamada de elemento de
desenrolamento do DNA. Várias moléculas da proteína DnaA ligadas ao
ATP reconhecem a sequência oriC através dos sítios R, ligando-se a eles. O
DNA se enrola em torno destas proteínas DnaA, gerando uma tensão no
elemento de desenrolamento do DNA. Sendo este elemento rico em pares
de bases A=T e, portanto, mais frágil, com esta tensão ocorre ruptura da
dupla-hélice. Esse processo é auxiliado por outras proteínas, como HU
(fator U), IHF (fator de integração do hospedeiro) e FIS (fator para
estimulação de inversão), que facilitam o desenovelamento do DNA. A
proteína DnaC transporta a proteína DnaB para as fitas separadas. A DnaB
é uma helicase replicativa, que migra ao longo da fita simples de DNA na
direção 5’ → 3’, desenrolando o DNA. Nas duas fitas de DNA, as helicases
DnaB prosseguem em direções opostas, formando duas forquilhas de
replicação (Figura 6.19). Várias moléculas de proteínas de ligação ao DNA
de fita simples (SSB) se ligam e estabilizam as fitas separadas, impedindo o
reanelamento, enquanto a DNA-girase (DNA-topoisomerase II) alivia o
estresse causado na frente da forquilha por conta do desenrolamento das
fitas (Figura 6.20) (Nelson e Cox, 2014).
Figura 6.19 Iniciação da duplicação. A. Na E. coli, a origem de replicação é chamada oriC e contém 5
repetições de uma sequência de 9 pb e outra região com 3 repetições de 13 pb, rica em pares de
bases A=T, chamada de elemento de desenrolamento do DNA. B. Várias moléculas da proteína
DnaA ligadas ao ATP reconhecem a sequência oriC através dos sítios R, ligando-se a eles. O DNA se
enrola em torno destas proteínas DnaA, gerando uma tensão no elemento de desenrolamento do
DNA. Sendo este elemento rico em pares de bases A=T, com esta tensão ocorre ruptura da dupla-
hélice. Esse processo é auxiliado por outras proteínas, como HU. C. A proteína DnaC transporta a
proteína DnaB para as fitas separadas. A DnaB é uma helicase replicativa, que migra ao longo da fita
simples de DNA na direção 5’ → 3’, desenrolando o DNA. As helicases DnaB viajam em direções
opostas nas duas fitas de DNA, formando duas forquilhas de replicação.

Alongamento
Após a fase de iniciação, na qual as fitas de DNA são desenroladas pelas
DNA helicases, o estresse gerado pelo desenrolamento é neutralizado pelas
topoisomerases e as fitas separadas são estabilizadas pelas SSB, vai ter
início a fase de alongamento. Nessa fase, cada uma das fitas vai ser
copiada, sendo adicionados os desoxirribonucleotídios complementares às
fitas-molde. Como mencionado anteriormente, a fita é sempre sintetizada na
direção 5' → 3', o que implica que o processo de alongamento das fitas líder
e retardada será diferente. Os eventos na forquilha de replicação são
coordenados por um dímero de uma única DNA-polimerase III, por meio de
um complexo integrado com a helicase DnaB (Nelson e Cox, 2014).
A síntese da fita líder é mais direta e começa com a deposição, na
origem de replicação, de um iniciador curto de RNA, com tamanho entre 10
e 60 nucleotídios, pela primase (DnaG). A DNA-polimerase III, associada
à helicase DnaB, adiciona então desoxirribonucleotídios continuamente,
acompanhando o desenrolamento do DNA na forquilha de replicação
(Figura 6.20) (Nelson e Cox, 2014). Esta adição sequencial de
desoxirribonucleotídios na fita líder pela DNA polimerase III é feita por
suas subunidades centrais.
Na fita retardada, a síntese de fragmentos de Okazaki requer um
orquestramento enzimático mais refinado. A helicase DnaB, ligada na
frente da RNA-polimerase, desenrola o DNA na forquilha de replicação. A
primase DnaG sintetiza, em intervalos, um iniciador de RNA para um novo
fragmento de Okazaki. A DNA-polimerase III, por meio de sua braçadeira b
deslizante, deposita os desoxirribonucleotídios até complementar o
fragmento de Okazaki, quando a duplicação para e as subunidades centrais
da DNA polimerase III se dissociam da sua braçadeira b deslizante e do
fragmento de Okazaki que foi completado (Figura 6.20). Com isto, se inicia
a síntese de um novo fragmento de Okazaki, sendo um novo iniciador
depositado próximo à forquilha de replicação. Quando o fragmento de
Okazaki se completa, seu iniciador de RNA é removido e substituído por
DNA pela DNA-polimerase I. O corte remanescente (chamado nick) é
selado pela DNA-ligase (Figura 6.21), em um processo chamado
deslocamento de corte (nick translation) (Nelson e Cox, 2014).

Terminação
No cromossomo circular da E. coli, as duas forquilhas de replicação
encontram-se em uma região terminal contendo várias cópias de uma
sequência de 20 pb chamada Ter. Estas sequências Ter se constituem em
sítios de ligação para a proteína Tus. Quando uma das forquilhas de
replicação encontra o complexo Tus-Ter, ela para; e a outra forquilha para
quando encontra a primeira presa a este complexo. São formados então dois
cromossomos circulares interligados, cuja separação é feita pela
topoisomerase IV(Nelson e Cox, 2014).
Nas células eucarióticas a replicação é semelhante, porém mais
complexa.
Figura 6.20 Síntese dos fragmentos de Okazaki. Em A, a primase sintetiza, em determinados
intervalos, um iniciador de RNA para um novo fragmento de Okazaki. Em B, a DNA-polimerase III
deposita os desoxirribonucleotídios. Em C, a adição de desoxirribonucleotídios continua até que o
fragmento chegue próximo ao iniciador do fragmento de Okazaki previamente adicionado. Um novo
iniciador é depositado próximo da forquilha de replicação, para guiar a síntese de mais um
fragmento de Okazaki (Adaptada de Nelson e Cox, 2014).
Figura 6.21 Fechamento dos fragmentos de Okazaki. Quando o fragmento de Okazaki se completa,
seu iniciador de RNA é removido e substituído por DNA pela DNA-polimerase I. O corte
remanescente (chamado nick) é selado pela DNA-ligase.

Reparo do DNA
As moléculas de DNA são insubstituíveis e, para que a informação gênica
seja mantida íntegra, é fundamental a existência de um sistema de reparo
bastante eficiente. O DNA pode ser danificado por processos espontâneos
ou por agentes ambientais, como a radiação ultravioleta, por exemplo.
Durante a própria replicação podem ocorrer erros, levando à incorporação
de bases malpareadas. É preciso que estes erros sejam corrigidos, antes que
ocorra uma nova duplicação que irá transmitir esta alteração para as
gerações celulares futuras. A alteração permanente na sequência de
nucleotídios do DNA é chamada mutação, que pode envolver a
substituição de um par de bases por outro (mutação de substituição) ou a
adição ou deleção de um ou mais pares de bases (mutações de inserção ou
deleção). Ocasionalmente uma mutação tem um efeito desprezível na
função de um gene ou afeta um DNA não essencial, sendo, neste caso,
chamada mutação silenciosa. Há uma forte relação entre o acúmulo de
mutações e o desenvolvimento de câncer (Nelson e Cox, 2014; Kasai,
2016).
O fato de o DNA ser uma fita dupla torna mais fácil o reparo, pois o
erro em uma das fitas pode ser corrigido utilizando-se a outra fita como
molde. Os principais sistemas de reparo são: reparo de malpareamento,
reparo de excisão de base e reparo de nucleotídios, que serão vistos a seguir.

Reparo de malpareamento
Nesse tipo de reparo, ocorre inicialmente a diferenciação entre a fita molde
e a recém-sintetizada, por meio da metilação da fita molde pela ação da
Dam metilase, que metila o DNA na posição N6 de todas as adeninas no
interior da sequência (5') GATC. Logo após a passagem da forquilha de
replicação, existe um curto período de tempo no qual a fita molde é
metilada e a recém-sintetizada não, permitindo a diferenciação entre as duas
fitas. Assim, os malpareamentos adjacentes à sequência GATC
hemimetilada são corrigidos com base na informação contida na fita molde.
Pode haver reparação de até 1.000 pb. Para tal, a sequência (5') GATC é
reconhecida pela proteína MutH, enquanto o malpareamento é reconhecido
pela proteína MutS. A proteína MutL forma um complexo com a MutS no
local do malpareamento. O DNA se enrosca neste complexo, criando uma
volta de DNA. O complexo move-se ao mesmo tempo em duas direções ao
longo do DNA até encontrar a MutL ligada à sequência GATC
hemimetilada. A MutH então cliva a fita não metilada no lado 5' de G,
marcando a fita para o reparo (Figura 6.22), que será feito por um complexo
formado pela DNA-helicase II, SSB, exonucleases, DNA-polimerase III e
DNA-ligase. A atuação conjunta da DNA-helicase II, SSB e uma
exonuclease vai remover um segmento da fita nova localizado entre o sítio
de clivagem MutH e um ponto mais à frente do malpareamento. A DNA
polimerase-III preenche o intervalo resultante e o corte é selado pela DNA-
ligase (Figura 6.23) (Nelson e Cox, 2014).
Figura 6.22 Início do reparo de malpareamento de bases. A sequência (5’) GATC é reconhecida pela
proteína MutH, e o malpareamento é reconhecido pela proteína MutS. A proteína MutL forma um
complexo com a MutS no local do malpareamento. O DNA se enrosca neste complexo, criando uma
volta de DNA. O complexo move-se ao mesmo tempo em duas direções ao longo do DNA até
encontrar a MutL ligada à sequência GATC hemimetilada. A MutH então cliva a fita não metilada no
lado 5’ do G, marcando a fita para o reparo.

Reparo de excisão de bases


As DNA-glicosilases reconhecem lesões comuns no DNA, provenientes,
por exemplo, da desaminação espontânea da citosina, formando a uracila. A
endonuclease AP cliva o esqueleto fosfodiéster próximo ao sítio afetado e a
DNA-polimerase I, por meio de sua atividade exonuclease 5' → 3', remove
um segmento da fita de DNA contendo o nucleotídio afetado, ao mesmo
tempo que substitui por nucleotídios apropriados a porção da fita removida.
O corte remanescente é selado pela DNA-ligase (Figura 6.24) (Nelson e
Cox, 2014).

Reparo por excisão de nucleotídios


O reparo de excisão de nucleotídios é feito quando as lesões no DNA
provocam grandes distorções em sua estrutura helicoidal. Nesse tipo de
reparo, uma excinuclease hidrolisa duas ligações fosfodiéster, sendo uma de
cada lado da área lesionada. Em E. coli, o fragmento a ser removido,
contendo a lesão, tem cerca de 12 a 13 nucleotídios, enquanto em humanos,
contém entre 27 e 29 nucleotídios. Estes fragmentos são removidos pela
helicase; a DNA-polimerase I preenche o intervalo e a DNA ligase sela o
corte remanescente (Figura 6.25) (Nelson e Cox, 2014).

Transcrição
O RNA, assim como o DNA, é uma macromolécula composta por
nucleotídios. Como mencionado anteriormente, existem algumas diferenças
entre o DNA e o RNA. A primeira diferença está no açúcar encontrado no
nucleotídio (no caso do RNA é a ribose). O RNA também difere do DNA
em uma das bases nitrogenadas. No lugar da timina, no RNA temos a
uracila. Outra diferença está no fato de o RNA em geral ser uma fita única e
o DNA, uma fita dupla (Figura 6.26).
A síntese do RNA acontece a partir da cópia complementar da fita
de DNA, por meio de um processo chamado transcrição, que acontece
no núcleo. Diferentemente da síntese de DNA, a síntese do RNA ocorre
seletivamente gene a gene, de acordo com os produtos gênicos necessários
em um determinado momento. Sequências regulatórias específicas
delimitam o início e o final dos segmentos de DNA a serem transcritos,
bem como a fita de DNA que será utilizada como molde. A RNA-
polimerase é a enzima responsável pela cópia do RNA a partir do DNA e é
capaz de reconhecer as sequências de bases que devem ser transcritas
(Nelson e Cox, 2014). Essa cópia feita será utilizada, futuramente, para a
síntese de proteínas (tradução).
Dentre os diferentes tipos de RNAs tem-se:

• RNA mensageiro (mRNA): compreende 5% do total de RNA da célula


e tem como função codificar as proteínas, carregando a informação do
gene para o citosol
• RNA ribossômico (rRNA): compreende 80% do total de RNA da
célula e compõe a estrutura do ribossomo, participando da síntese de
proteínas. Existem quatro tipos de rRNA nos eucariotos (28S, 18S,
5,8S e 5S) e três nos procariotos (5S, 16S, 23S). RNAs que servem
como catalisadores são chamados de ribozimas
• RNA transportador (tRNA): compreende 15% do total de RNA e é
utilizado na síntese de proteínas para carregar os aminoácidos
correspondentes às trincas de bases (códons) da fita de mRNA.
Apresenta anticódon complementar ao códon do mRNA.

Figura 6.23 Reparo por malpareamento de bases. A atuação conjunta da DNA-helicase II, SSB e
uma exonuclease vai remover um segmento da fita nova localizado entre o sítio de clivagem MutH e
um ponto mais à frente do malpareamento. A DNA polimerase-III preenche o intervalo (linhas
tracejadas) resultante e o corte é selado pela DNA-ligase.
Figura 6.24 Reparo por excisão de base. A DNA-glicosilase reconhece uma base danificada
(uracila). A endonuclease AP cliva o esqueleto fosfodiéster próximo ao sítio afetado e a DNA-
polimerase I, por meio de sua atividade exonuclease 5’ → 3’, remove um segmento da fita de DNA
contendo o nucleotídeo afetado, ao mesmo tempo que substitui por nucleotídeos apropriados a
porção da fita removida. O corte remanescente é selado pela DNA-ligase.

Figura 6.25 Reparo de excisão de nucleotídios. Uma excinuclease hidrolisa duas ligações
fosfodiéster, sendo uma de cada lado da área lesionada. Em E. coli, o fragmento a ser removido,
contendo a lesão, tem cerca de 12 a 13 nucleotídios, enquanto em humanos, contém entre 27 e 29
nucleotídios. Estes fragmentos são removidos pela helicase, a DNA-polimerase I preenche o
intervalo e a DNA-ligase sela o corte remanescente.

O processo de transcrição pode ser dividido didaticamente em


iniciação, alongamento e terminação. A fita de RNA que será sintetizada é
complementar a uma das duas fitas de DNA (fita molde). Diferentemente
da DNA-polimerase, a RNA-polimerase não requer um iniciador para a
síntese de RNA. A iniciação ocorre quando a RNA-polimerase se liga a
sequências específicas de DNA, chamadas promotores, como o TATAAA
(TATA box). A fita de DNA é temporariamente desenrolada e a RNA-
polimerase adiciona unidades de ribonucleotídios à extremidade hidroxila
3', sendo o RNA formado na direção 5' → 3', e a fita de DNA molde é lida
na direção oposta (3' → 5'). Durante a fase de alongamento, são
adicionados de 50 a 90 nucleotídios/segundo. Conforme a fita de RNA vai
sendo formada, o dúplex de DNA volta a se formar. Devido ao movimento
da RNA-polimerase, são geradas ondas superespirais positivas à frente da
bolha de transcrição e superespirais negativas para trás (Figura 6.27)
(Nelson e Cox, 2014).
A RNA-polimerase adiciona um grande número de nucleotídios em
uma molécula de RNA crescente antes de se dissociar. O encontro com
sequências específicas de DNA provoca pausa na síntese de RNA e, em
algumas destas sequências, a transcrição é terminada. Em E. coli há dois
tipos de sinais de terminação: dependente da proteína rho ou não. Os
terminadores independentes de rho produzem um transcrito de RNA com
estruturas autocomplementares, permitindo a formação de um grampo. Em
adição, há 3 resíduos de A altamente conservados na fita molde que são
transcritos em resíduos de U próximo à extremidade 3' do grampo. A
polimerase pausa quando chega a um sítio de terminação com esta
estrutura, e ocorre a dissociação do transcrito. Nos terminadores
dependentes de rho, a polimerase se associa ao RNA em sítios de ligação
específicos e migra no sentido 5' → 2' até alcançar o complexo de
transcrição, que é pausado no sítio de terminação, liberando o transcrito
(Nelson e Cox, 2014).
O mecanismo de ação de alguns antibióticos ocorre por interferência
no processo de transcrição (Ma et al., 2016), mais especificamente na
RNA-polimerase (p. ex., rifampicina – tuberculose; actinomicina D –
quimioterapia do câncer). A rifampicina interfere na formação das
primeiras ligações do tipo fosfodiéster na cadeia de RNA. A actinomicina D
liga-se à dupla-hélice do DNA, impedindo que ela seja um molde para o
RNA.
A transcrição nos eucariotos é um processo mais complexo, uma vez
que envolve diferentes polimerases para cada tipo de RNA. Além disso,
várias proteínas denominadas fatores de transcrição estão envolvidas e se
ligam à sequência de DNA, sendo importantes para a determinação de qual
região deve ser transcrita. Para permitir o acesso das proteínas promotoras,
a estrutura da cromatina precisa ser alterada. Um dos principais
mecanismos de remodelamento ocorre pela acetilação de resíduos de lisina
no terminal amino das histonas, reduzindo a interação histona e DNA.
Figura 6.26 Diferenças estruturais entre o RNA e o DNA. A. O açúcar do RNA é a ribose e do DNA é a
desoxirribose. B. A base nitrogenada timina, que existe no DNA, no RNA é substituída pela uracila.
C. O RNA apresenta fita simples.
Nos eucariotos, a maior parte do RNA transcrito corresponde a uma
única unidade funcional (cadeia polipeptídica). Já nos procariotos, alguns
RNAs codificam várias proteínas e resultam na transcrição de um óperon.
Existem 3 tipos de RNA-polimerases nas células eucarióticas. A RNA-
polimerase I transcreve a maioria dos genes para rRNA; a RNA-polimerase
II transcreve todos os genes que codificam proteínas, mais alguns genes que
codificam pequenos RNAs; a RNA-polimerase III produz tRNA, rRNA 5S
e pequenos RNAs estruturais.

Processamento do RNA
A molécula de RNA recém-sintetizada é chamada de transcrito primário.
Alguns RNAs em bactérias e praticamente todos em eucariontes são
processados após a síntese: este processamento envolve as ribozimas
(RNAs catalíticos). Este processamento, que ocorre no próprio núcleo,
envolve 3 eventos (Figura 6.28):

• Adição de quepe (cap), 7-metilguanosina, na extremidade 5?, que


permite o início da tradução e auxilia na estabilização do mRNA,
evitando a quebra por ribonucleases
• Splicing, por meio do qual os íntrons são removidos do transcrito
primário e os éxons são ligados para formar uma sequência contínua,
encontrada no polipeptídio funcional. Este procedimento é muito
importante, uma vez que se estima que 15% da doenças genéticas
tenham como causa defeitos no processo de corte-junção. Os genes dos
procariontes em geral não apresentam íntrons; já nos eucariontes, mais
de 90% dos genes são constituídos por porções não codificantes.
Alguns transcritos de mRNA podem ser processados de mais de uma
maneira, produzindo diferentes mRNA e, portanto, proteínas distintas.
Isso recebe o nome de splicing alternativo, que gera diversidade
proteica (Figura 6.29)
• Poliadenilação, que corresponde à adição da cauda poli(A) com 80 a
250 resíduos A na extremidade 3', que serve como sítio de ligação para
proteínas específicas e ajuda a proteger o mRNA da destruição
enzimática.

Figura 6.27 Transcrição. A. A fita de RNA que será sintetizada é complementar a uma das duas fitas
de DNA (fita molde). A iniciação ocorre quando a RNA-polimerase se liga a sequências específicas de
DNA, chamadas promotores. B. A fita de DNA é temporariamente desenrolada e a RNA-polimerase
adiciona unidades de ribonucleotídios à extremidade hidroxila 3’, sendo o RNA formado na direção
5’ → 3’, e a fita de DNA molde é lida na direção oposta (3’ → 5’). Conforme a fita de DNA vai sendo
formada, o dúplex de DNA volta a se formar. Devido ao movimento da RNA-polimerase, são geradas
ondas superespirais positivas à frente da bolha de transcrição e superespirais negativas para trás.
Figura 6.28 Processamento do mRNA, por meio da adição do quepe de 7-metilguanosina na
extremidade 5’, da remoção dos íntrons (splicing) e da adição da cauda de poli-A na extremidade 3’.

Tradução
O código genético é um dicionário que identifica a correspondência entre
uma sequência de bases nucleotídicas e uma sequência de aminoácidos.
Cada palavra é composta por 3 bases nitrogenadas, denominadas códons.
Como há 4 bases nitrogenadas, na combinação de 3 para a formação dos
códons há possibilidade de formação de 64 códons; destes, 61 codificam
aminoácidos. Considerando que há 20 aminoácidos, cada um deles pode ser
codificado por mais de um códon. Portanto, o código genético é
degenerado. Os 3 códons que não codificam aminoácidos são UAG, UGA
e UAA, que são os códons de parada. Já o AUG é o códon de iniciação,
que é o sinal para o início da síntese de um polipeptídio.
O código genético é resistente aos efeitos mais comuns de mutações,
chamadas de mutações sem sentido ou missense, nas quais um novo par de
bases substitui outro. Na terceira posição do códon, que é a base oscilante,
em apenas 25% dos casos a substituição de uma única base causa alteração
no aminoácido codificado. Portanto, 75% das mutações são silenciosas, ou
seja, o nucleotídio é diferente, mas o aminoácido codificado é o mesmo
(Nelson e Cox, 2014).
O processo de síntese proteica dirigida pelo mRNA recebe o nome de
tradução e ocorre em 5 estágios (Figura 6.30) (Nelson e Cox, 2014).

Estágio 1 | Ativação de aminoácidos


No citosol, as aminoacil-tRNA-sintetases, enzimas dependentes de Mg+2,
ligam o tRNA ao aminoácido correspondente por ligação covalente, a
expensas de ATP. Com isto o grupamento carboxil do aminoácido é ativado
para facilitar a formação da ligação peptídica e é estabelecido um elo entre
cada novo aminoácido e a informação presente no mRNA que o codifica.
Uma vez ligados aos seus aminoácidos específicos, os tRNA são
considerados “carregados”.

Figura 6.29 Splicing alternativo.


Figura 6.30 Estágios envolvidos na síntese proteica: (1) ativação dos aminoácidos, pela ligação ao
tRNA; (2) o início da tradução acontece quando um mRNA e um tRNA carregado se ligam ao
ribossomo; (3) no alongamento, o ribossomo se move ao longo do mRNA e os aminoácidos vão
sendo adicionados um a um pelos respectivos tRNA, estabelecendo-se ligação peptídica entre eles;
(4) quando o ribossomo alcança o códon de parada, a tradução termina, as subunidades ribossomais
são liberadas e recicladas e o polipeptídio é liberado; (5) por fim, ocorrem o enovelamento e o
processamento pós-traducional.

Estágio 2 | Iniciação
A síntese de proteínas começa na extremidade aminoterminal. O mRNA se
liga à subunidade menor do ribossomo e ao aminoacil-tRNA iniciador.
Então a subunidade ribossomal maior se liga, formando um complexo de
iniciação. Os ribossomos bacterianos têm 3 sítios que ligam tRNA:
aminoacil (A), peptidil (P) e de saída (E). O aminoacil-tRNA iniciador
estabelece pareamento de bases com o códon AUG (de iniciação,
correspondente à metionina) do mRNA, no sítio P do ribossomo,
sinalizando o início do polipeptídio. Esta etapa requer GTP e é promovida
por fatores de iniciação, que são proteínas citosólicas (IF-1, IF-2 e IF-3).

Estágio 3 | Alongamento
A adição de aminoácidos sucessivos promove o alongamento do
polipeptídio nascente. O fator de alongamento TU (EF-Tu) traz o próximo
aminoacil-tRNA para o sítio A. Este aminoacil-tRNA tem anticódon
complementar ao códon do mRNA. Então a ligação peptídica ocorre com o
aminoácido anteriormente ligado ao sítio P. O fator de alongamento G (EF-
G) empurra o tRNA agora descarregado, que estava no sítio P, para o sítio
E, processo chamado translocação. Cada novo aminoácido trazido ao sítio
A estabelece ligação peptídica com o aminoácido localizado no sítio P,
alongando o polipeptídio. O processo é facilitado pela hidrólise do GTP. O
alongamento continua até ser adicionado o último aminoácido codificado
pelo mRNA.

Estágio 4 | Terminação e reciclagem do ribossomo


Quando um dos três códons de parada do mRNA (UAA, UAG ou UGA)
atinge o sítio A do ribossomo, o novo polipeptídio é liberado, com o auxílio
de proteínas chamadas fatores de liberação (RF-1, RF-2 e RF-3). Estes
fatores promovem a hidrólise da ligação peptidil-tRNA terminal, a
liberação do polipeptídio e a dissociação do ribossomo em suas duas
subunidades, que ficam então aptas para começar um novo ciclo de síntese
de polipeptídio.

Estágio 5 | Enovelamento e processamento pós-


traducional
O polipeptídio formado precisa dobrar-se em sua conformação
tridimensional para se tornar biologicamente ativo. O polipeptídio pode ser
enzimaticamente processado antes ou depois de se dobrar. Este
processamento inclui remoção de um ou mais aminoácidos, adição de
grupamentos (acetil, metil, carboxil, fosforil) ou outros grupos a
determinados resíduos de aminoácidos, clivagem proteolítica e/ou ligação
de oligossacarídeos ou grupos prostéticos, além de formação de pontes
dissulfeto (Nelson e Cox, 2014). Proteínas com destino extracelular são
transportadas do retículo endoplasmático rugoso ao complexo de Golgi,
onde sofrem modificações, são empacotadas e por um processo de
exocitose são liberadas no espaço extracelular. As proteínas sintetizadas
incorretamente são marcadas com a proteína ubiquitina e sofrem
degradação.
As diferenças entre os ribossomos eucarióticos e procarióticos podem
ser exploradas no uso de antibióticos. A estreptomicina, por exemplo,
interfere na ligação de formilmetionil tRNA dos ribossomos procariontes,
impedindo o início da síntese proteica; já o cloranfenicol age inibindo a
atividade da peptidil transferase; a eritromicina liga-se à subunidade 50S e
bloqueia a translocação. Portanto, estes antibióticos citados têm atuação
específica em procarioto. Por outro lado, a toxina da difteria bloqueia a
síntese proteica em eucariontes, uma vez que um dos seus fragmentos (A)
atua sobre EF2 (fator de alongamento).

Controle da expressão gênica


Os genes estão sujeitos à expressão constitutiva e à expressão regulada em
resposta ao suprimento de nutrientes ou aos desafios ambientais. A
expressão gênica é primeiramente controlada no nível da transcrição. A
expressão gênica pode ser regulada por pontos reguladores ou acentuadores
em regiões próximas ao trecho de DNA que será transcrito. Além das
proteínas que inibem a transcrição, existem aquelas que estimulam.
O controle da expressão gênica em eucariontes requer mecanismos
mais elaborados em relação aos procariontes, devido ao maior número de
genes expressos e ao grande número de tipos diferentes de células.
Adicionalmente, os genes eucariotos não são organizados em óperons, mas
sim dispersos pelo genoma. Finalmente, a transcrição e a tradução não são
acopladas nos eucariontes, eliminando alguns mecanismos de regulação.
Nos eucariontes há um complexo de proteínas que se ativa em conjunto no
controle na transcrição. Este complexo apresenta vários domínios
(regulador, de ativação, de ligação), e o domínio de ativação interage com
outras proteínas que promovem a transcrição. Outro aspecto importante é
que o controle da expressão gênica pode exigir o remodelamento da
cromatina, tornando o DNA acessível. Além da compactação das histonas,
o grau de metilação (citosina) do DNA fornece outro mecanismo de
inibição da expressão gênica imprópria.
Outro mecanismo de regulação é por sinais mediados por receptores
hormonais nucleares (glicocorticoides, hormônios sexuais, vitamina D,
ácido retinoico e hormônios da tireoide), que atuam na transcrição,
recrutando coativadores para o complexo de transcrição, os quais levam às
modificações na estrutura da cromatina por modificações covalentes da
cauda da histona (a acetilação da lisina reduz afinidade com o DNA, recruta
outros membros da transcrição e inicia o remodelamento da cromatina). Os
receptores de hormônios esteroides são alvo de medicamentos como o
agonista esteroide anabolizante usado por atletas para aumento da massa
magra, e os antagonistas tamoxifeno e raloxifeno, os quais são usados no
tratamento de câncer de mama (Liu et al., 2016).
Existe ainda o controle da expressão gênica por ligação de hormônios
a receptores de superfície (insulina), desencadeando a produção de um
segundo mensageiro, como será visto no Capítulo 7.
A expressão gênica ainda pode ser controlada após a transcrição. Por
exemplo, nos eucariontes, a produção de ferritina e transferrina é controlada
pela concentração plasmática de Fe.

Conclusão
O conhecimento acerca dos fenômenos envolvidos na transferência da
informação gênica é fundamental para os estudantes de Odontologia e
Fonoaudiologia. Na Odontologia, por exemplo, há vários defeitos genéticos
de desenvolvimento dentário, como é o caso da amelogênese imperfeita (Hu
et al., 2007). Componentes genéticos têm sido ainda associados ao
desenvolvimento da cárie dentária (Opal et al., 2015), erosão dentária
(Sovik et al., 2015) e da fluorose dentária (Everett et al., 2002). Da mesma
maneira, na Fonoaudiologia há doenças genéticas que afetam a fala (como
distrofia muscular progressiva e doença de Alzheimer) ou a audição (como
a síndrome de Usher) (Koffler et al., 2015). O conhecimento acerca da
transferência da informação gênica também é importante quando se pensa
na prescrição de fármacos, pois muitos deles inibem a síntese proteica ou a
multiplicação dos microrganismos invasores. Sem contar o fato de que
todos os eventos que acontecem no nosso organismo são mediados por
proteínas, de modo que é imprescindível conhecer como estas moléculas tão
importantes são sintetizadas.

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Watson JD, Crick FH. Molecular structure of nucleic acids; a structure for
deoxyribose nucleic acid. Nature. 1953; 171(4356):737-8.
Características dos sistemas de transdução do
sinal
Para que haja um adequado controle de metabolismo, multiplicação celular,
secreção, fagocitose, produção de anticorpos, contração muscular, entre
outros eventos, é necessário que haja comunicação celular. Quando o sinal
chega até a célula, trazendo informações, ele tem que ser entendido por ela,
e, desta interação, deve resultar algum efeito, ou resposta celular, o qual
envolve um evento químico. A conversão dessas informações em alterações
químicas é chamada transdução de sinal, fundamental para a vida (Nelson
e Cox, 2014).
Apesar de um indivíduo adulto e saudável ter estabilidade da massa
corpórea e do seu aspecto geral, seu metabolismo passa por grandes
flutuações diárias. A ingestão de alimentos durante as refeições proporciona
ao organismo períodos de abundância de nutrientes, intercalados com
períodos de escassez. O metabolismo tem que se ajustar a estas diferentes
condições fisiológicas, o que é feito por processos chamados de regulação
metabólica. Os eventos envolvidos nessa regulação ocorrem de maneira
encadeada, sendo gerados sinais primários que são captados por geradores
secundários, os quais são capazes de retransmiti-los a toda a rede
metabólica, de maneira que os sinais primários possam repercutir em órgãos
distantes. Este processo é bastante complexo, mas possibilita um ajuste
bastante fino do metabolismo a diferentes situações, ocasionando uma
resposta rápida e muito bem organizada. Por que falar em metabolismo
neste momento? Porque a biossinalização envolve a transdução de sinais
por moléculas que ajudam no controle do metabolismo, como por exemplo,
a insulina.
A habilidade das células de receber e reagir a sinais vindos do outro
lado da membrana plasmática é fundamental para a vida. As células
recebem inúmeros sinais, que irão induzir respostas apropriadas, como a
transmissão de sinais nervosos, a resposta a hormônios e a fatores de
crescimento, o sensoriamento da visão, do cheiro, do sabor, e o controle do
ciclo celular. Esses sinais podem ser internos como, por exemplo, a inibição
da síntese de um produto pela sua elevada concentração no organismo, ou
externos, como na sinalização pelo sistema endócrino, no qual células
individuais em um tecido sentem uma alteração nas condições do
organismo e respondem secretando um mensageiro químico extracelular
(hormônio), que é liberado na corrente sanguínea e transportado até o
tecido-alvo, desencadeando uma resposta. Outro tipo de resposta a um sinal
externo é a sinalização neuronal, em que os sinais elétricos (impulsos
nervosos) originam-se no corpo celular e são transportados até a célula-
alvo, que pode ser um outro neurônio, um miócito ou uma célula secretora
(Figura 7.1).
As células são capazes de reconhecer e produzir respostas a vários
sinais, como antígenos, glicoproteínas ou oligossacarídeos da superfície
celular, sinais de desenvolvimento, componentes da matriz extracelular,
fatores de crescimento, hormônios, hipoxia, luz, toque mecânico,
microrganismos, neurotransmissores, nutrientes, odores, sabores e
feromônios (Nelson e Cox, 2014).
Figura 7.1 Sinais internos (A) e externos (B e C) aos quais as células respondem. Em B, um sinal
captado pelas terminações nervosas gera um impulso nervoso, que chega até as células-alvo. Estas
podem ser um neurônio, que vai conduzir o impulso nervoso, uma célula muscular, que vai se
contrair, ou uma célula que vai secretar uma substância em resposta ao sinal. Na sinalização
endócrina (C), os hormônios são liberados na corrente sanguínea, que os transporta até os tecidos-
alvo, desencadeando respostas.

Os sistemas de transdução de sinal apresentam algumas características


comuns (Nelson e Cox, 2014), a saber (Figura 7.2):

• Especificidade: as moléculas sinalizadora e receptora são


complementares, de modo que outros sinais não se encaixam no
receptor. Nos organismos multicelulares esta especificidade é ainda
maior, já que os receptores para um certo tipo de sinal estão presentes
apenas em alguns tipos celulares. Como exemplo tem-se o hormônio
liberador de tireotropina, que provoca respostas na adeno-hipófise,
mas não nos hepatócitos, que não têm receptores para ele
• Amplificação: ocorre quando há ativação de enzimas associadas ao
receptor de sinal. Quando essa enzima é ativada, catalisa a ativação de
várias moléculas de uma segunda enzima, a qual, por sua vez, ativa
muitas moléculas de uma terceira enzima, promovendo uma cascata
enzimática. Como exemplo de amplificação tem-se a cascata da
epinefrina, na qual esta desencadeia uma série de reações nos
hepatócitos, onde catalisadores ativam catalisadores, resultando em
uma amplificação do sinal, ou seja, uma só molécula de epinefrina irá
originar inúmeras moléculas de glicose pela degradação do glicogênio
• Dessensibilização/adaptação: quando um sinal está continuamente
presente, a ativação do receptor desencadeia um circuito
retroalimentador, que desativa o receptor ou o remove da superfície
celular. Quando o estímulo é reduzido, ficando abaixo de um certo
limite, ocorre nova sensibilização do sistema. Isto ocorre, por exemplo,
com a acetilcolina, que, quando fica por muito tempo ligada ao seu
receptor no canal iônico, provoca dessensibilização do receptor
• Integração: quando dois sinais apresentam efeitos opostos em uma
característica metabólica, como a concentração de um mensageiro
secundário X, ou o potencial de membrana, o resultado regulatório
provém do acionamento integrado de ambos os receptores. Isto pode
acontecer, por exemplo, pela ligação da insulina e do glucagon aos
seus receptores.
Figura 7.2 Características dos sistemas de transdução de sinais. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)

Estas características comuns são responsáveis pelo alto grau de


conservação dos sistemas de transdução de sinal ao longo do processo
evolutivo. Esses sistemas funcionam em geral da mesma maneira: o sinal
interage com o receptor, o qual, uma vez ativado, interage com a
maquinaria celular, produzindo um segundo sinal ou alterando a atividade
de uma proteína específica. Com isto, há uma alteração metabólica na
célula-alvo, produzindo o efeito.

Tipos de receptores
Apesar dos inúmeros tipos de sinais aos quais as células respondem, há 5
tipos principais de receptores, sendo 4 localizados na membrana e um
localizado no núcleo (Figura 7.3) (Nelson e Cox, 2014), os quais são
descritos a seguir.
• Receptores nucleares: ligantes específicos atravessam a membrana
plasmática e vão se ligar a receptores no núcleo, no qual regularão a
expressão de genes específicos. Um exemplo são os hormônios
esteroides
• Canais iônicos: estes canais abrem e fecham em resposta à
concentração de um ligante ou potencial de membrana. Um exemplo é
o canal iônico do receptor de acetilcolina
• Receptores enzimáticos: apresentam um domínio extracelular e outro
intracelular. Quando o ligante interage com o domínio extracelular,
ocorre uma autofosforilação no domínio intracelular e isto vai
desencadear a fosforilação de várias outras proteínas citosólicas ou de
membrana. Um exemplo típico é o receptor de insulina
• Receptores associados à proteína G: apresentam diversos
componentes. Quando o ligante se liga ao receptor, a proteína de
ligação ao GTP (proteína G) é ativada e, por sua vez, vai ativar uma
proteína de membrana, que irá produzir um segundo mensageiro. Um
exemplo é o receptor beta-adrenérgico
• Receptores de adesão: interagem com componentes da matriz
extracelular e transmitem informações ao citoesqueleto sobre migração
ou adesão à matriz. As integrinas utilizam este mecanismo de
transdução.

Figura 7.3 Tipos gerais de transdutores de sinais. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)

Receptores nucleares
Os hormônios esteroides (cortisol, aldosterona, testosterona, estrógeno e
progesterona) ou tireoidianos (tiroxina, tri-iodotironina) exercem seus
efeitos por um mecanismo diferente dos outros hormônios: eles agem no
núcleo, alterando a expressão gênica. Eles entram na célula e o complexo
hormônio-receptor atua no núcleo. Esses hormônios desencadeiam
respostas máximas em seus tecidos-alvo somente após horas ou até mesmo
dias. Inicialmente, por serem muito hidrofóbicos, eles são transportados até
a célula-alvo, ligados a proteínas séricas, difundem-se através da membrana
plasmática e se ligam à sua proteína receptora específica (Rec) no núcleo. A
ligação do hormônio altera a conformação de Rec, que se liga a regiões
regulatórias específicas, chamadas de elementos da resposta hormonal
(HREs) no DNA adjacente a genes específicos, resultando na regulação da
transcrição do gene adjacente, aumentando ou diminuindo a velocidade de
formação do mRNA, ou seja, alterando a expressão de proteínas, o que
levará à resposta celular específica (Nelson e Cox, 2014) (Figura 7.4).
Como exemplo terapêutico da utilização da biossinalização, tem-se
tamoxifeno, utilizado no tratamento do câncer de mama. Em determinados
tipos de câncer de mama, a divisão das células cancerosas depende da
presença contínua de estrógeno. O tamoxifeno compete com o estrógeno
para a ligação com o receptor do estrógeno, mas o complexo tamoxifeno-
receptor não tem nenhum efeito na expressão gênica. Desta maneira, o
tamoxifeno, considerado um antagonista do estrógeno, quando administrado
após cirurgia ou durante a quimioterapia para o câncer de mama dependente
do estrógeno, diminui ou para o crescimento das células cancerosas
remanescentes, prolongando a vida da paciente (Li e Shao, 2016).
Um outro análogo esteroide, a RU486 (pílula do dia seguinte), liga-se
ao receptor da progesterona e bloqueia as ações do hormônio essenciais
para a implantação do ovo fecundado no útero.

Receptores de membrana
Canais iônicos
Algumas células têm a capacidade de detectar um sinal externo, produzindo
um sinal elétrico em resposta. Isso leva a uma alteração do seu potencial de
membrana e torna possível que o sinal seja passado adiante. Nesta categoria
estão inclusos células sensoriais, neurônios e miócitos, e esta transdução de
sinal depende de canais iônicos, que permitem a movimentação regulada de
íons inorgânicos, como Na+, K+, Ca+2 e Cl– através da membrana plasmática,
em resposta a vários estímulos. Os canais iônicos têm um receptor
associado e podem ser abertos ou fechados em resposta a um ligante
específico, como um neurotransmissor ou uma alteração no potencial
elétrico transmembrana (Vm) (Nelson e Cox, 2014). A resposta deste tipo de
sinalização é muito rápida em comparação aos outros tipos de receptores.

Figura 7.4 Mecanismo de transdução de hormônios esteroides, tireoidianos, retinoides e vitamina


D, que utilizam receptores nucleares. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
A bomba ATPase Na+K+ cria um desequilíbrio de potencial elétrico
através da membrana plasmática, transportando 3 Na+ para fora da célula
para cada 2 K+ transportados para dentro, tornando o interior negativo em
relação ao exterior (Figura 7.5). Com isso, a membrana está polarizada (Vm
= –50 a –70 mV; o sinal negativo indica que o interior da célula é negativo
em relação ao exterior). A passagem de íons por um canal vai alterar o Vm.
Quando entram cátions ou saem ânions, a membrana é despolarizada e Vm
se aproxima de 0. A saída de cátions, por sua vez, hiperpolariza a
membrana, tornando Vm ainda mais negativo (Nelson e Cox, 2014).
A direção do movimento de um íon através de uma membrana
polarizada depende do gradiente eletroquímico, determinado pela diferença
na concentração do íon nos dois lados da membrana e pela diferença de
potencial elétrico. O Na+, por exemplo, tende a entrar na célula a favor do
seu gradiente de concentração, já que sua concentração é mais alta fora da
célula devido à ação da bomba ATPase Na+K+. Entretanto, com este
movimento, ocorre despolarização, pois a entrada do Na+ traz carga positiva
para o interior da célula. Assim, o Na+ só vai continuar entrando até o
potencial de membrana alcançar +70 mV, quando cessa a movimentação
(Figura 7.5). Assim, o potencial de membrana de uma célula em um
determinado momento é o resultado do número e dos tipos de canais
iônicos que se encontram abertos. O tempo exato de abertura e fechamento
dos canais iônicos e as alterações consequentes no potencial de membrana
constituem a sinalização elétrica pela qual o sistema nervoso determina a
contração do músculo esquelético, os batimentos cardíacos ou a liberação
do conteúdo das células secretoras. Em adição, muitos hormônios exercem
seus efeitos alterando os potenciais de membrana das células-alvo (Nelson e
Cox, 2014).
Para ilustrar a ação dos canais iônicos na sinalização celular,
descreveremos os mecanismos pelos quais um neurônio passa um sinal ao
longo de sua extensão, por meio da sinapse, para o próximo neurônio (ou
para um miócito), usando a acetilcolina como neurotransmissor.
Um dos mais conhecidos exemplos de um canal aberto pela ligação de
um ligante ao receptor é o receptor da acetilcolina. O receptor do canal
abre-se em resposta ao neurotransmissor acetilcolina (Figura 7.6). Este
receptor é encontrado na membrana pós-sináptica dos neurônios em certas
sinapses e nas fibras musculares (miócitos) nas junções neuromusculares.
As redes de neurônios são responsáveis pela sinalização no sistema
nervoso. Os impulsos elétricos são transferidos a partir do corpo celular dos
neurônios para o seu prolongamento (axônio). Com isto há a liberação de
moléculas de acetilcolina na sinapse, sendo o sinal transferido para a
próxima célula no circuito, que pode ser um outro neurônio ou um miócito.
Na célula pós-sináptica, a ligação da acetilcolina provoca abertura de 3
tipos de canais iônicos controlados por voltagem (Na+, K+ e Ca+2),
provocando a despolarização da membrana e os eventos subsequentes que
variam em função do tipo de tecido. Em um neurônio pós-sináptico, a
despolarização inicia um potencial de ação que será transmitido ao longo do
neurônio; em uma junção neuromuscular, a despolarização da fibra
muscular desencadeia a contração muscular.
Normalmente, a concentração de acetilcolina na fenda sináptica é
rapidamente diminuída pela enzima acetilcolinesterase, presente na fenda.
Quando os níveis de acetilcolina permanecem altos por mais de alguns
milissegundos, ocorre a dessensibilização do receptor. O receptor do canal é
convertido a uma terceira conformação, na qual o canal está fechado e a
acetilcolina, fortemente ligada. A lenta liberação de acetilcolina (em
dezenas de milissegundos) dos seus sítios de ligação possibilita ao receptor
retornar a seu estado de repouso – fechado – e pode, então, ser
ressensibilizado (Figura 7.6) (Nelson e Cox, 2014).
Figura 7.5 Potencial elétrico transmembrana. A. A ATPase Na+K+ é um canal iônico que permite a
saída de 3 Na+ e a entrada de 2 K+, a expensas de ATP. Com isto, o interior da célula fica negativo em
relação ao exterior. B. Os íons vão se mover para dentro ou para fora da célula guiados pelo
gradiente eletroquímico. O gradiente químico faz com que o Ca+2 e o Na+ entrem (provocando
despolarização) e com que o K+ saia (provocando hiperpolarização). O gradiente elétrico promove a
saída do Cl–, causando despolarização. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
Figura 7.6 Canal iônico relacionado ao receptor da acetilcolina. A. Antes da ligação da acetilcolina,
o canal encontra-se fechado. B. Com a ligação da acetilcolina ao receptor no canal, ocorre a abertura
do mesmo, permitindo a passagem de Na+ e Ca+2. C. Mediante excitação contínua, o receptor é
dessensibilizado e retorna à configuração inicial (canal fechado). (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)

Inicialmente, a membrana plasmática do neurônio pré-sináptico é


polarizada (interior negativo) por meio da ação da ATPase Na+K+
eletrogênica, como descrito anteriormente. Um estímulo (acetilcolina ou
outro neurotransmissor) a este neurônio produz um potencial de ação que se
move ao longo do axônio. A abertura de um canal de Na+ dependente de
voltagem permite que o Na+ entre e a resultante despolarização local induza
a abertura dos canais de Na+ adjacentes, e assim por diante. A
despolarização induzida pelos canais de Na+ força os canais de K+
dependentes de voltagem a se abrirem, e o efluxo de K+ resultante
repolariza a membrana localmente. Um rápido pulso de despolarização
atravessa o axônio na medida em que despolarizações locais desencadeiam
uma rápida abertura de canais de Na+ vizinhos e depois de cada canal de K+.
A direcionalidade do movimento do potencial de ação é garantida pelo
breve período refratário que se segue à abertura de cada canal de Na+
induzido por voltagem. Quando a onda de despolarização alcança a
extremidade do axônio, os canais de Ca+2 dependentes de voltagem se
abrem, permitindo a entrada de Ca+2 no neurônio pré-sináptico. O aumento
resultante na concentração intracelular de Ca+2 desencadeia a liberação de
acetilcolina por exocitose, dentro da frente pré-sináptica. A acetilcolina se
liga a um receptor no neurônio pós-sináptico, induzindo a abertura de
canais de Na+ e Ca+2. Esses íons entram na célula pós-sináptica,
despolarizando-a. Desse modo, o sinal elétrico passará para o corpo celular
do neurônio pós-sináptico e se moverá ao longo do seu axônio para um
terceiro neurônio, por meio desta mesma sequência de eventos (Figura 7.7).
Um outro exemplo deste tipo de sinalização é o que ocorre no impulso
auditivo na cóclea (Figura 7.8). O som faz a membrana timpânica vibrar e
essa vibração faz os ossículos (martelo, bigorna e estribo) se
movimentarem, gerando uma pressão na janela oval, o que provocará a
movimentação dos líquidos dentro da cóclea, levando à vibração da
membrana basilar. Com isso há uma deformação das células ciliadas do
órgão de Corti e, consequentemente, movimentação dos cílios. A
movimentação dos cílios na direção dos cílios maiores fará com que as
pontas dos cílios menores sejam puxadas para fora da superfície das células
ciliadas, provocando uma transdução mecânica, que abrirá 200 a 300 canais
condutores de cátions, despolarizando a membrana da célula ciliada e
provocando a liberação de neurotransmissores. Quando a movimentação se
dá na direção dos cílios menores, ocorre hiperpolarização. Os dois
movimentos irão gerar um potencial que estimulará as terminações nervosas
cocleares que fazem a sinapse com as bases das células ciliadas (Guyton e
Hall, 2006). Os neurônios ganglionares enviarão a informação ao tronco
cerebral (Reijntjes e Pyott, 2016).

Figura 7.7 Transmissão neural por meio de canais iônicos. Três tipos de canais iônicos dependentes
de voltagem são essenciais nessa transmissão: canais de Na+, canais de K+ e canais de Ca+2. Um
estímulo (acetilcolina ou outro neurotransmissor) produz um potencial de ação que se move ao
longo do axônio (seta branca), distante do corpo celular. A abertura de um canal de Na+ dependente
de voltagem possibilita que o Na+ entre e a resultante despolarização local induz a abertura dos
canais de Na+ adjacentes, e assim por diante. A despolarização induzida pelos canais de Na+ força os
canais de K+ dependentes de voltagem a se abrirem, e o efluxo de K+ resultante repolariza a
membrana localmente. Um rápido pulso de despolarização atravessa o axônio na medida em que
despolarizações locais desencadeiam uma rápida abertura de canais de Na+ vizinhos e depois de
cada canal de K+. Quando a onda de despolarização alcança a extremidade do axônio, os canais de
Ca+2 dependentes de voltagem se abrem, permitindo a entrada de Ca+2 no neurônio pré-sináptico. O
aumento resultante da concentração de Ca+2 interna desencadeia a liberação exocítica do
neurotransmissor acetilcolina dentro da fenda pré-sináptica. A acetilcolina se liga a um receptor no
neurônio pós-sináptico e o processo se repete. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
Figura 7.8 Transdução de sinal do impulso auditivo na cóclea. A. O som faz a membrana timpânica
vibrar. Essa vibração provoca movimentação de martelo, bigorna e estribo, causando uma pressão
na janela oval. Com isso há movimentação de líquidos (endolinfa) dentro da cóclea, provocando
vibração da membrana basilar. Isso causa uma deformação das células ciliadas do órgão de Corti,
provocando movimentação dos cílios (B). Essa movimentação provoca uma transdução mecânica
que abre canais iônicos, despolarizando a membrana da célula ciliada e provocando a liberação de
neurotransmissores para as terminações nervosas que fazem sinapse com as bases das células
ciliadas. (Adaptada de Guyton e Hall, 2006.)

Receptores enzimáticos
Estes receptores são proteínas que apresentam um domínio de ligação na
superfície extracelular da membrana plasmática e um sítio ativo de uma
enzima no lado citosólico. Esses dois domínios são conectados por um
único segmento transmembrana. O receptor de insulina é o protótipo deste
grupo.
A insulina regula tanto o metabolismo quanto a expressão gênica: o
sinal da insulina passa do receptor da membrana plasmática para as enzimas
do metabolismo sensíveis à insulina e ao núcleo, onde estimula a
transcrição de genes específicos.
O receptor de insulina consiste em duas cadeias a na superfície externa
da membrana plasmática e duas cadeias b que atravessam a membrana e se
lançam na fase citosólica. A ligação da insulina às cadeias a promove a
dimerização de ambas as unidades ab, formando o complexo a2b2. Ocorre
também a autofosforilação dos resíduos Tyr no domínio carboxiterminal das
subunidades b. Essa autofosforilação ativa o domínio tirosinoquinase, que,
então, catalisa a fosforilação de outras proteínas-alvo, levando aos efeitos
intracelulares da insulina (Figura 7.9).
Na regulação da expressão gênica pela insulina, quando a insulina
se liga ao seu receptor na superfície da célula, ocorre autofosforilação dos
resíduos Tyr carboxiterminais do receptor. O receptor então fosforila os
resíduos de Tyr do IRS-1 (substrato do receptor de insulina). O IRS-1
fosforilado se liga ao domínio SH2 (Src homology 2) da proteína Grb2.
Grb2 é uma proteína adaptadora, sem atividade enzimática, cuja função é
aproximar as proteínas IRS-1 e Sos, que têm que interagir para que ocorra a
transdução de sinal. Ligada à Grb2, a Sos catalisa a troca do GDP pelo GTP
na proteína G Ras. A Ras ativada vai então se ligar à Raf-1, ativando-a. A
Raf-1 ativada fosforila a MEK, ativando-a, e esta, por sua vez, fosforila a
ERK, ativando-a. A ERK ativada se move para o núcleo e ativa (por
fosforilação) fatores de transcrição nucleares, como o Elk1, que se une à
SRF, modulando cerca de 100 genes regulados pela insulina, sendo que
alguns deles codificam proteínas necessárias para a divisão celular e para os
processos de anabolismo (Figura 7.10) (Nelson e Cox, 2014).
A Grb2 não é a única proteína ativada pela associação com a IRS-1
fosforilada. Também é ativada a via da glicogênio sintase, bem como o
movimento do GLUT4 para a membrana plasmática. Quando fosforilado
pelo receptor de insulina, o IRS-1 ativa a fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato
(PI3 K), que, por sua vez, converte o fosfolipídio de membrana
fosfatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2) em fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato
(PIP3). A proteinoquinase B (PKB) se liga ao PIP3, sendo ativada (por
fosforilação) pela PDK1. Uma vez ativada, a PKB vai modular duas vias.
Uma delas envolve a glicogênio sintase quinase (GSK3), que, uma vez
fosforilada pela PKB, se torna inativa e não consegue inativar a glicogênio
sintase, que permanece ativa, acelerando a síntese de glicogênio a partir da
glicose. O PKB vai ainda iniciar o movimento mediado por clatrina dos
transportadores de glicose (GLUT4) de vesículas internas para a membrana
plasmática, estimulando a captação de glicose pela célula (Figura 7.11)
(Nelson e Cox, 2014).
Figura 7.9 Receptor da insulina. A ligação da insulina às cadeias a promove a dimerização de
ambas as unidades ab, formando o complexo a2b2, além de provocar a autofosforilação dos resíduos
Tyr no domínio carboxiterminal das subunidades b. Com isto é ativado o domínio tirosinoquinase,
que, então, catalisa a fosforilação de outras proteínas-alvo, levando aos efeitos intracelulares da
insulina. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)

Portanto, a insulina afeta a expressão gênica por meio da via Grb2-


Sos-Ras-ERK e afeta o metabolismo do glicogênio por meio da via PI3 K-
PKB.
O receptor de insulina é o protótipo de vários receptores enzimáticos
que desempenham atividade semelhante a uma proteína tirosinoquinase. Os
receptores para o fator de crescimento epitelial (EGF) e o fator de
crescimento derivado das plaquetas (PDGF), por exemplo, apresentam
semelhanças estruturais e de sequência com o receptor de insulina e ambos
exercem atividade tirosinoquinase que fosforila IRS-1.
Figura 7.10 Transdução de sinal da insulina. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)

Receptores ligados à proteína G e os mensageiros


secundários
Um outro mecanismo de transdução de sinais, distinto dos canais iônicos e
dos receptores enzimáticos, apresenta três componentes essenciais:
• Um receptor na membrana plasmática com 7 segmentos
transmembrana, chamado receptor associado à proteína G (GPCR)
• Uma proteína ligante de GTP (proteína G) que se dissocia do receptor
ocupado e se liga a uma enzima da membrana, ativando-a
• Uma enzima efetora (ou canal iônico) na membrana plasmática que,
uma vez ativada, produz um mensageiro secundário que afetará alvos
específicos.
O genoma humano codifica em torno de 350 GPCR capazes de
detectar hormônios, fatores de crescimento ou outros ligantes. Esses GPCR
estão associados com muitas doenças como alergias, depressão, cegueira,
diabetes e doenças cardiovasculares. Por conta disto, quase metade dos
fármacos no mercado têm algum GPCR como alvo. O receptor beta-
adrenérgico, que medeia os efeitos da epinefrina em muitos tecidos, é o
protótipo desse terceiro tipo de sistema de transdução. Esse receptor é alvo
dos bloqueadores beta, amplamente prescritos para o controle da
hipertensão, arritmia cardíaca, ansiedade, glaucoma e enxaqueca (Nelson e
Cox, 2014).
A epinefrina é liberada pelas glândulas adrenais ou suprarrenais e
regula o metabolismo energético no músculo, fígado e tecido adiposo.
Também funciona como um neurotransmissor nos neurônios adrenérgicos.
Os receptores adrenérgicos são de quatro tipos gerais, definidos por
diferenças sutis em suas afinidades e respostas a um grupo de agonistas e
antagonistas. Agonistas são análogos estruturais que se ligam a um receptor
e mimetizam os efeitos do seu ligante natural; antagonistas são análogos
que se ligam sem desencadear o efeito normal e, portanto, bloqueiam os
efeitos dos agonistas. Os quatro tipos de receptores adrenérgicos (a1, a2, b1 e
b2) são encontrados em tecidos-alvo diferentes e medeiam respostas
distintas à epinefrina. Neste capítulo focaremos nos receptores beta-
adrenérgicos de músculo, fígado e tecido adiposo. Esses receptores
medeiam alterações no metabolismo energético, incluindo aumento da
degradação do glicogênio e das gorduras.

Figura 7.11 Efeito da insulina na ativação da glicogênio sintase e no movimento de GLUT4 para a
membrana plasmática. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
O receptor beta-adrenérgico é uma proteína integral com 7 regiões
hidrofóbicas de 20 a 28 resíduos que atravessam a membrana plasmática
sete vezes. Esse receptor é membro de uma família muito grande de
receptores, todos com 7 hélices transmembrana, chamados de receptores
serpenteantes ou hepta-helicoidais. A ligação da epinefrina a um sítio
profundo no receptor no interior da membrana plasmática causa uma
alteração conformacional no domínio intracelular do receptor, afetando sua
interação com a proteína G estimulatória (GS) associada, ocasionando a
substituição do GDP ligado à subunidade a da GS por GTP, ativando, desta
maneira, a GSa. A GSa ativada separa-se da GSbg e se move, no plano da
membrana, do receptor até a adenililciclase, ativando-a. Esta, por sua vez,
catalisa a formação do cAMP a partir do ATP. A proteinoquinase
dependente de cAMP, também chamada proteinoquinase A (PKA), é
ativada alostericamente pelo aumento da concentração intracelular de
cAMP e vai catalisar a fosforilação em resíduos de Ser ou Thr de várias
proteínas-alvo, causando a resposta celular à epinefrina. Um dos alvos da
PKA é a quinase da glicogênio-fosforilase b, que, uma vez fosforilada, fica
ativa e pode iniciar a mobilização do glicogênio a partir dos estoques
hepáticos e musculares, para o caso de haver necessidade de energia. O
cAMP é degradado, revertendo a ativação da PKA (Figura 7.12). O cAMP,
mensageiro secundário intracelular neste sistema, é de vida curta. Ele é
rapidamente degradado até 5’-AMP, que não é ativo como mensageiro
secundário. O sinal intracelular, portanto, persiste apenas enquanto o
receptor permanecer ocupado pela epinefrina. Metilxantinas, como a
cafeína e a teofilina (um componente do chá) inibem a fosfodiesterase,
aumentando a vida média do cAMP, e, portanto, potencializando agentes
que atuam estimulando a adenililciclase (Nelson e Cox 2014). Dentre os
efeitos encontrados para cafeína no organismo, o consumo desta tem sido
associado ao aumento da frequência cardíaca e da condutividade
(Cappelletti et al., 2015).
A epinefrina é apenas um dentre muitos hormônios, fatores de
crescimento e outras moléculas regulatórias, que alteram a concentração
intracelular de cAMP, e, portanto, a atividade da PKA. O glucagon liberado
pelo pâncreas nos períodos de hipoglicemia, por exemplo, liga-se a seu
receptor na membrana plasmática dos adipócitos, ativando a adenililciclase.
A PKA, estimulada pela elevação na concentração intracelular de cAMP,
fosforila e ativa a lipase do triacilglicerol, levando à mobilização dos ácidos
graxos. Também tem atuação nos hepatócitos, estimulando a degradação do
glicogênio, isto é, o catabolismo. De modo semelhante, o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH), produzido pela hipófise anterior, liga-se a
receptores específicos no córtex da suprarrenal, ativando a adenililciclase e
elevando a concentração intracelular de cAMP. A PKA fosforila e ativa
então várias das enzimas requeridas para a síntese de cortisona e outros
hormônios esteroides.
Figura 7.12 Transdução de sinal da epinefrina: a via beta-adrenérgica. (Adaptada de Nelson e Cox,
2014.)

Alguns hormônios atuam inibindo a adenililciclase, diminuindo os


níveis de cAMP e suprimindo a fosforilação proteica. Por exemplo, a
ligação da somatostatina ao seu receptor leva à ativação de uma proteína G
inibitória ou GI, estruturalmente homóloga à GS, que inibe a adenililciclase
e diminui os níveis de cAMP. A somatostatina, portanto, contrabalanceia os
efeitos do glucagon. No tecido adiposo, a prostaglandina E1 (PGE1) inibe a
adenililciclase, abaixando, portanto, a concentração de cAMP e diminuindo
a mobilização de reservas de lipídios desencadeadas pela epinefrina e pelo
glucagon. Em alguns tecidos, a PGE1 estimula a síntese do cAMP pelo fato
de seus receptores estarem acoplados à adenililciclase por meio de uma
proteína GS. Em tecidos com receptores alfa-adrenérgicos, por outro lado, a
epinefrina diminui a concentração de cAMP porque os receptores a2 estão
acoplados à adenililciclase através de uma proteína GI. Em resumo, um
sinal extracelular, como epinefrina ou PGE1, pode ter efeitos bem diversos
em tecidos ou células diferentes, dependendo do tipo de receptor, do tipo de
proteína G (GS ou GI) com a qual o receptor estiver acoplado ou do
conjunto das enzimas-alvo da PKA na célula (Nelson e Cox, 2014).
Uma segunda classe de GPCR está acoplada, por meio da proteína G, a
uma fosfolipase C da membrana plasmática, que é específica para o
fosfatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2), um fosfolipídio da membrana
plasmática. Esta enzima, após a ligação do hormônio ao receptor, catalisa a
formação de dois potentes mensageiros secundários a partir do PIP2:
diacilglicerol e inositol-1,4,5-trifosfato (IP3). Vários hormônios atuam por
esta via, incluindo acetilcolina, agonistas a1-adrenérgicos, angiogenina,
angiotensina II, ATP (P2x, P2y), auxina, peptídio liberador da gastrina,
glutamato, hormônio liberador de gonadotropina (GRH), histamina, luz
(Drosophila), acitocina, fator de crescimento derivado de plaquetas
(PDGF), serotonina (5HT-1c), hormônio liberador de tireotropina (TRH) e
hormônio antidiurético, entre outros.
Quando o hormônio desta classe se liga ao seu receptor específico na
membrana plasmática, ocorre a troca do GDP pelo GTP na proteína G
associada (Gq), ativando-a. Esta, uma vez ativada, ativa a fosfolipase C
(PLC) da membrana, que catalisa a produção dos dois mensageiros
secundários pela hidrólise do PIP2 na membrana plasmática, formando
diacilglicerol e IP3. Esses dois mensageiros secundários seguirão caminhos
distintos. O IP3 difunde-se da membrana plasmática para o retículo
endoplasmático, no qual se liga a receptores específicos, induzindo a
abertura de canais de Ca+2 dentro do retículo endoplasmático. O Ca+2, que
estava sequestrado no retículo endoplasmático, é liberado para o citosol. O
aumento na concentração citosólica de Ca+2 ativa a proteinoquinase C
(PKC) na superfície da membrana plasmática. O diacilglicerol atua em
conjunto com o Ca+2 na ativação da PKC, e, portanto, ambos atuam como
mensageiros secundários. A PKC fosforila resíduos de Ser ou Thr de
proteínas-alvo específicas, alterando suas atividades (Figura 7.13) (Nelson e
Cox, 2014).
Em muitas células que respondem a sinais extracelulares, o Ca+2
funciona como um mensageiro secundário, que desencadeia várias respostas
intracelulares como a exocitose (neurônios e células endócrinas), a
contração muscular ou os rearranjos do citoesqueleto durante o movimento
ameboide. Normalmente, a concentração de Ca+2 citosólica é mantida muito
baixa (< 10–7 M) pela ação das bombas de Ca+2 no retículo endoplasmático,
na mitocôndria e na membrana plasmática. Estímulos hormonais, neuronais
ou outros produzem um influxo de Ca+2 para dentro das células por meio de
canais de Ca+2 específicos na membrana plasmática ou uma liberação de
Ca+2 sequestrado no retículo endoplasmático ou na mitocôndria, em ambos
os casos elevando a concentração citosólica de Ca+2 e desencadeando uma
resposta celular.
Proteínas ligadoras do Ca+2, como a calmodulina (CaM), detectam
alterações na concentração intracelular de Ca+2 e modulam várias proteínas
reguladas pelo Ca+2. A CaM é uma proteína acídica, com 4 sítios de ligação
ao Ca+2 de alta afinidade. Quando a concentração de Ca+2 se eleva a
aproximadamente 10–6 M, a ligação do Ca+2 à calmodulina provoca
mudança conformacional na proteína, a qual se associa a uma variedade de
proteínas, modulando suas atividades (Figura 7.14). Uma das subunidades
da CaM tem atividade quinase (calmodulina quinase, CaM quinase). Sua
ativação provoca a fosforilação de várias enzimas-alvo, regulando suas
atividades. A CaM é também uma subunidade regulatória da fosforilase b
quinase do músculo, que é ativada por Ca+2. Desta forma, o Ca+2
desencadeia as contrações musculares que requerem ATP, enquanto também
ativa a degradação do glicogênio, fornecendo combustível para a síntese do
ATP. Muitas outras enzimas são também moduladas por Ca+2 por meio da
calmodulina, como a adenililciclase (cérebro), canal de liberação de Ca+2 do
retículo endoplasmático, calcineurina, cAMP-fosfodiesterase, canais de
Ca+2 e Na+ regulados por cGMP (cones e bastonetes), glutamato
descarboxilase, quinases da cadeia leve da miosina, óxido nítrico sintase,
fosfatidil-inositol-3 quinase, ATPase de Ca+2 da membrana plasmática
(bomba de Ca+2) e RNA-helicase (p68) (Nelson e Cox, 2014).

Figura 7.13 Via da fosfolipase C e IP3. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)


Figura 7.14 Calmodulina. A. Calmodulina com seus quatro sítios de ligação ao Ca+2 (verde). B.
Quando associada a uma das enzimas que ela regula (azul), muda de conformação.

Receptores de adesão | Integrinas


As integrinas são membros de uma família de receptores diméricos da
membrana plasmática. Apresentam uma subunidade a e outra b, ambas com
um grande domínio extracelular (interação com o ligante), uma hélice
transmembrana e uma curta extensão citoplasmática. Elas interagem tanto
com a matriz extracelular quanto com o citoesqueleto e, desta maneira,
transmitem sinais tanto para dentro quanto para fora da célula.
Desempenham funções fundamentais em processos envolvendo interações
celulares seletivas, como coagulação sanguínea, desenvolvimento
embrionário, diferenciação celular normal, crescimento e metástase
tumorais. São ainda cruciais para organizar o posicionamento do
citoesqueleto com sítios de adesão extracelulares, governando, desta
maneira, forma, mobilidade, polaridade e diferenciação de muitos tipos
celulares.
Na sinalização de fora para dentro, o contato com o ligante, como, por
exemplo, o colágeno, faz o domínio extracelular ficar na posição vertical ao
mesmo tempo que afasta as caudas citosólicas das subunidades a e b. Com
isso, são alteradas suas interações com proteínas intracelulares, conduzindo
o sinal para dentro da célula e gerando respostas como estabelecimento de
polaridade celular, sobrevivência e proliferação, alterações do citoesqueleto
e expressão gênica. Além disto, é alterada a interação com as talinas,
proteínas intracelulares que conectam as integrinas com os filamentos do
citoesqueleto, gerando uma sinalização de dentro para fora. Essa sinalização
provoca o desdobramento do domínio extracelular, aumentando sua
afinidade com ligantes extracelulares, alterando a adesão da célula à matriz
extracelular. Dentre os ligantes extracelulares das integrinas tem-se
colágeno, fibronectina, fibrinogênio e várias outras proteínas com a
sequência RGD (-Arg-Gly-Asp-), reconhecida pelas integrinas (Figura
7.15) (Nelson e Cox, 2014).

Figura 7.15 A sinalização em via dupla pelas integrinas. (Adaptada de Nelson e Cox, 2014.)
As integrinas são potenciais alvos para fármacos que inibem a
migração das células tumorais, já que quando os tumores entram em
metástase, as células tumorais perdem a adesão ao tecido original,
invadindo outros locais.

Conclusão
A biossinalização, intermediada por 5 tipos principais de receptores, sendo
um nuclear e outros quatro de membrana (canais iônicos, receptores
enzimáticos, receptores ligados à proteína G e integrinas), torna possível a
comunicação celular de maneira refinada, dando ao organismo a
possibilidade de responder precisamente aos mais variados sinais e suprir as
suas necessidades.

Referências bibliográficas
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O
s seres vivos, unicelulares e multicelulares, necessitam de energia
para a realização de diversos processos (trabalhos) celulares. Como
exemplos temos: transmissão do impulso nervoso, processo de contração
muscular, transporte de íons e moléculas polares, replicação do material
genético, divisão celular, síntese de macromoléculas como proteínas, entre
outros (Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
Assim, esses organismos lançam mão de várias maneiras para obter
energia, de acordo com as suas necessidades (demanda) e a disponibilidade
de nutrientes (moléculas ricas em energia) no meio ou no próprio
organismo (tecidos de reserva, nutrientes circulantes etc.). Alguns seres
vivos conseguem obter energia da luz solar por meio de um complexo
sistema de conversão de energia. Outros, como os mamíferos, conseguem
obter essa energia de nutrientes (combustíveis metabólicos) presentes nos
alimentos (Koolman e Röhm, 2005; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox,
2014).
Especificamente, o ser humano pode obter a energia proveniente da
alimentação por algumas vias principais, de acordo com o nutriente em
questão (carboidratos, lipídios e proteínas). São elas: via glicolítica (ou
simplesmente glicólise), β-oxidação, degradação de proteínas e oxidação
dos aminoácidos, via das pentoses, além da continuidade de algumas dessas
vias pelo ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa. Esses processos são vias
do catabolismo que realizam, de modo geral, a “quebra” ou conversão de
moléculas ricas em energia (carboidratos, lipídios e proteínas) em
moléculas menores, pobres em energia (CO2, H2O e NH3), produzindo, ao
final, energia ou compostos ricos em energia, para serem utilizados nas vias
anabólicas (síntese de macromoléculas) (Koolman e Röhm, 2005; Berg et
al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012). Vale ressaltar a integração dessas duas
vias (catabolismo e anabolismo) que compreendem o metabolismo, gerando
e consumindo energia nas formas moleculares de: ATP/ADP (adenosina
trifosfato/adenosina difosfato), NADH/NAD+ (nicotinamida adenina
dinucleotídio na forma reduzida/nicotinamida adenina dinucleotídio),
FADH2/FAD (flavina adenina dinucleótido na forma reduzida/flavina
adenina dinucleotídio) etc. (Figura 8.1) (Koolman e Röhm, 2005; Marzzoco
e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014). Devido à grande rede e às conexões
das vias metabólicas, vamos abordar, neste capítulo, apenas as principais
vias de obtenção de energia pelas células: glicólise, ciclo de Krebs e cadeia
transportadora de elétrons (fosforilação oxidativa). Algumas outras vias
serão citadas ou situadas no texto quando necessário.

Vias metabólicas convergentes


As vias catabólicas também são denominadas vias convergentes, uma
expressão bastante usada para caracterizá-las (Figura 8.2). Uma vez que a
quebra dessas moléculas leva à produção de um intermediário comum que é
a molécula de acetilcoenzima A (acetil-CoA). Também durante os
processos de quebra de carboidratos, lipídios e proteínas, teremos a geração
de CO2 e coenzimas reduzidas (NADH, FADH2, entre outros). Essas
coenzimas reduzidas serão, em um segundo momento (fosforilação
oxidativa), regeneradas (na forma de NAD+ e FAD), permitindo a formação
de moléculas de ATP (adenosina trifosfato) e H2O (água metabólica) a partir
de moléculas de ADP (adenosina difosfato) e oxigênio (Marzzoco e Torres,
2007; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Figura 8.1 Estrutura básica das moléculas ATP, ADP, NADH, NAD+, FADH2 e FAD.
A convergência das vias acontece na geração da molécula de acetil-
CoA. De modo geral, observamos que a partir da quebra de uma molécula
de carboidrato (como o glicogênio) geram-se monômeros (moléculas de
glicose), sendo estes convertidos em duas moléculas de piruvatos (cada
glicose), por meio da glicólise, e em seguida estes produtos são convertidos
em moléculas de acetil-CoA. Os ácidos graxos (lipídios) são quebrados por
meio da β-oxidação, resultando também em moléculas de acetil-CoA
(Figura 8.2). As proteínas serão quebradas em seus monômeros
(aminoácidos), os quais poderão entrar em diferentes reações do ciclo de
Krebs, dependendo de sua estrutura de cadeia carbônica (Koolman e Röhm,
2005; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Todos esses processos consecutivos, mas não obrigatoriamente
dependentes, são realizados em diversas etapas, visando ao melhor
aproveitamento na obtenção de energia potencial das moléculas, reduzindo
a perda na forma de calor. Por isso são encontradas diversas etapas de
“preparação” das moléculas, visando a um melhor aproveitamento de sua
energia potencial.

Figura 8.2 Via convergentes (catabólicas).


Glicólise
Tomando como base uma célula eucariótica (membrana nuclear bem
definida), podemos dividir o processo de degradação completa da glicose e
formação de energia (na forma de ATP) em três etapas básicas: glicólise,
ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa. Esses três eventos acontecem em
diferentes regiões da célula. A glicólise, também chamada de via glicolítica,
é desenvolvida no citoplasma da célula, visto que este apresenta todas as
enzimas necessárias para a realização desse processo. Uma vez terminada a
via glicolítica com a formação de duas moléculas de piruvato, este é
transportado até a mitocôndria. Na matriz mitocondrial haverá a conversão
do piruvato em acetil-CoA e início do ciclo de Krebs. No ciclo de Krebs as
coenzimas serão utilizadas para o transporte de elétrons e, então,
regeneradas na fosforilação oxidativa, processo realizado na membrana
interna da mitocôndria (Marzzoco e Torres, 2007; Harvey e Ferrier, 2012;
Nelson e Cox, 2014).
O processo completo da glicólise (Figura 8.3) pode ser descrito de
acordo com as suas etapas em duas fases, conforme descrito a seguir.

Fase preparatória
Inicialmente, a molécula de glicose é convertida em glicose-6-fosfato, com
o gasto de uma molécula de ATP, e catalisada pela enzima hexoquinase.
Essa é uma das poucas reações irreversíveis da via glicolítica.
Em seguida, a molécula de glicose-6-fosfato é convertida (por meio de
uma enzima isomerase: fosfo-hexose-isomerase) em frutose-6-fosfato.
Essa molécula (frutose-6-fosfato) será agora convertida em frutose
1,6-bifosfato, com o gasto de uma nova molécula de ATP, com auxílio da
enzima fosfofrutoquinase-1.
A molécula de frutose 1,6-bifosfato será agora clivada (ação da
enzima aldolase) em duas moléculas com três átomos de carbono cada uma:
gliceraldeído-3-fosfato e di-hidroxiacetona fosfato. Essa etapa dá nome à
via: “lise”. Aqui cabe um adendo interessante: uma vez que até esse
momento da via a célula fez um investimento energético de duas moléculas
de ATP, essa primeira fase da glicólise recebe o nome de fase preparatória
ou de investimento.
Prosseguindo com a via glicolítica: gliceraldeído-3-fosfato + di-
hidroxiacetona fosfato, temos em seguida a conversão da molécula de di-
hidroxiacetona fosfato em uma molécula de gliceraldeído-3-fosfato, por
meio da enzima triosefosfato-isomerase.
A partir de agora a via continuará com duas moléculas de
gliceraldeído-3-fosfato.

Fase de pagamento
A etapa de pagamento se inicia com a conversão das moléculas de
gliceraldeído-3-fosfato em duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato, por
meio de processos de oxidação e fosforilação (gasto de dois fosfatos com
auxílio da enzima gliceradeído-3-fosfato-desidrogenase). Nessa mesma
reação teremos a formação duplicada de NADH + H+.
As duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato serão convertidas em duas
moléculas de 3-fosfoglicerato, gerando duas moléculas de ATP (sendo a
primeira reação de formação de ATP na via). Nessa reação temos a ação da
enzima fosfoglicerato-quinase.
O 3-fosfoglicerato (duas moléculas) será convertido em 2-
fosfoglicerato, por meio da catálise da fosfoglicerato-mutase.
Em seguida, existe uma reação de desidratação (remoção de H2O) da
molécula de 2-fosfoglicerato, formando a molécula de fosfoenolpiruvato,
com auxílio da enzima enolase.
A conversão do fosfoenolpiruvato em piruvato, sob a presença da
enzima piruvato-quinase, permitirá a formação de duas moléculas de ATP
(segunda reação de formação de ATP).
Essa segunda parte da via glicolítica (gliceraldeído-3-fosfato até a
formação de piruvato) é chamada de fase de pagamento, uma vez que
houve formação de quatro moléculas de ATP. Assim, o saldo final da via
glicolítica será de: duas moléculas de piruvato, duas moléculas de ATP,
duas moléculas H2O e duas moléculas de NADH + H+ (Koolman e Röhm,
2005; Marzzoco e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014).

Glicólise aeróbica versus glicólise anaeróbica


Podemos ainda observar que a via glicolítica, descrita anteriormente, tem a
maleabilidade de ser alterada em seus produtos finais devido à ausência de
um constituinte extremamente importante nos processos seguintes
(especificamente na fosforilação oxidativa, onde acontece a regeneração das
coenzimas reduzidas): o oxigênio. A ausência de oxigênio (nas etapas
posteriores), devido a uma diminuição na sua pressão, leva a célula a
adotar uma modificação na reação (produto final) da glicólise. Enquanto
existe aporte suficiente de oxigênio o piruvato é convertido em acetil-CoA,
denominando esse processo de glicólise aeróbica. No entanto, quando não
existe oxigênio suficiente para as etapas de regeneração das coenzimas, a
célula realiza a chamada glicólise anaeróbica (Figura 8.4) (Marzzoco e
Torres, 2007; Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
A glicose anaeróbica se caracteriza pela conversão do piruvato em
lactato (algumas leveduras podem ainda converter o piruvato em etanol).
Na conversão do piruvato em lactato temos a regeneração do NAD+, ou
seja, conversão do NADH, que foi formado durante a reação de conversão
de gliceraldeído-3-fosfato em 1,3-bifosfoglicerato, em NAD+ novamente
(Figura 8.4). Essa regeneração do NAD+ é vital para o funcionamento
(manutenção da via glicolítica), uma vez que a célula possui número
limitado dessas coenzimas. Caso não houvesse regeneração dessas
coenzimas, a via glicolítica seria interrompida e a célula não teria como
obter energia na forma de ATP. Células musculares em esforço intenso
podem lançar mão dessa via glicolítica anaeróbica, uma vez que o aporte
sanguíneo e, consequentemente, de oxigênio, não é suficiente para manter a
demanda energética necessária. Assim, essas células utilizam essa via
nesses momentos; em seguida, com o aporte de oxigênio adequado, as
células musculares voltam a utilizar a via glicolítica aeróbica (Figura 8.4)
(Pratt e Cornely, 2006; Marzzoco e Torres, 2007; Harvey e Ferrier, 2012).
Figura 8.3 Via completa de degradação da molécula de glicose.

Figura 8.4 Vias glicolíticas aeróbica e anaeróbica.

Ciclo de Krebs
O piruvato, formado ao final da via glicolítica, poderá seguir algumas
rotas. No caso do ciclo de Krebs, o piruvato será transportado para dentro
da mitocôndria e sofrerá o processo de descarboxilação, mediado por um
conjunto de cinco enzimas (complexo piruvato desidrogenase), gerando
uma molécula de acetil-CoA e CO2. Lembramos que uma molécula de
glicose (seis átomos de carbono) é quebrada até a formação de duas
moléculas de piruvato (três átomos de carbono) que serão então
convertidas em duas moléculas de acetil-CoA (com dois átomos de carbono
cada) (Figura 8.5). Essa molécula de acetil-CoA poderá entrar em outra via,
para continuidade do processo de obtenção de energia: ciclo de Krebs
(Koolman e Röhm, 2005; Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008;
Nelson e Cox, 2014).
O ciclo de Krebs, batizado assim pelos muitos estudos de Hans Krebs
(1900-1981) nesse assunto, também é chamado de ciclo do ácido cítrico ou
ciclo do ácido tricarboxílico. Suas etapas, descritas a seguir (Figura 8.6),
apresentam como objetivo geral a remoção de átomos e életrons/prótons da
molécula de acetil-CoA até sua completa eliminação:
1. Inicialmente, temos uma reação de condensação da molécula de acetil-
CoA com uma molécula de oxalacetato (reação catalisada pela enzima
citrato-sintase), resultando na molécula de citrato
2. A molécula de citrato sofre processo de desidratação (perda de uma
molécula de H2O), reação essa catalisada pela enzima aconitase,
produzindo a molécula de cis-aconitato
3. O cis-aconitato é hidratado (adição de uma molécula de água, reação
catalisada pela enzima aconitase), resultando no isocitrato
4. A molécula de isocitrato sofre processo de descarboxilação oxidativa
(remoção de um átomo de carbono na forma de CO2, reação catalisada
pela enzima isocitrato desidrogenase), resultando no a-cetoglutarato e
também em um NADH + H+
5. O a-cetoglutarato sofre também processo de descarboxilação
oxidativa (remoção de um átomo de carbono na forma de CO2, reação
catalisada pela enzima α-cetoglutarato desidrogenase), formando o
succinil CoA e também um NADH+ H+
6. O succinil CoA será então convertido em succinato, por meio de uma
reação de fosforilação no nível do substrato, catalisado pela enzima
succinil-CoA-sintase. Em função dessa reação, será formada uma
molécula de GTP (guanina trifosfato). Essa molécula de GTP equivale
energeticamente à molécula de ATP
7. O succinato sofrerá processo de desidrogenação, formando o
fumarato e também uma molécula de FADH2, por meio da ação da
enzima succinato-desidrogenase
8. À molécula de fumarato será adicionada uma molécula de H2O
(hidratação), formando o malato. Essa reação é catalisada pela enzima
fumarase
9. Por último, temos a conversão do malato em oxalacetato (reação de
desidrogenação catalisada pela enzima malato-desidrogenase),
resultando também em uma molécula de NADH + H+.

Figura 8.5 Algumas opções de destinos para a molécula de piruvato.


Figura 8.6 Ciclo de Krebs.

Assim, fechamos o ciclo de Krebs, “pulverizando”, pouco a pouco, a


molécula de acetil-CoA em moléculas de CO2 e gerando coenzimas que
irão transportar os elétrons/prótons até a cadeia transportadora de elétrons,
realizando a fosforilação oxidativa. Em adição, temos o “retorno” da
molécula oxalacetato, que estará disponível para uma próxima reação de
volta no ciclo. Como saldo final do ciclo temos a formação de: duas
moléculas de CO2; três moléculas de NADH, uma molécula de FADH2 e
uma molécula de GTP (Koolman e Röhm, 2005; Marzzoco e Torres, 2007;
Nelson e Cox, 2014; Berg et al., 2008). No caso da glicólise, multiplicamos
este saldo por dois.
Cabe ressaltar que o ciclo de Krebs é considerado uma via cíclica, pois
o mesmo pode ser usado tanto nas vias catabólicas, como na origem de
produtos para as vias anabólicas, quando necessário de acordo com a
demanda celular. Seus produtos intermediários podem ser transformados
em: (1) ácidos graxos (precursor: citrato); (2) aminoácidos (precursores:
oxalacetato e α-cetoglutarato); (3) glicose (precursores da gliconeogênese:
oxalacetato e malato). Esses intermediários estão disponíveis em pequenas
quantidades. Por outro lado, temos reações diversas que colaboram para a
manutenção desses intermediários, como, por exemplo, a degradação de
aminoácidos que formam esses intermediários. Essas reações que
“reabastecem” o ciclo de Krebs são chamadas de reações anapleróticas
(Koolman e Röhm, 2005; Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson
e Cox, 2014).

Cadeia transportadora de elétrons e


fosforilação oxidativa
As coenzimas NADH e FADH2 são regeneradas na cadeia transportadora de
elétrons, localizada na membrana interna da mitocôndria. A membrana
interna da mitocôndria possui um sistema de complexos proteicos
denominados complexos I, II, III e IV (Figura 8.7). Esse sistema de
complexos proteicos apresenta a função de transportar os elétrons até o
complexo IV, onde o oxigênio será o aceptor final desses elétrons, além de
bombear os prótons na forma de H+ para o espaço intermembranas da
mitocôndria. Cabe ressaltar que a membrana interna da mitocôndria
apresenta seletividade muito grande, ou seja, poucas moléculas conseguem
atravessar essa membrana sem a ajuda de um transportador específico (Berg
et al., 2008; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Os complexos proteicos dos tipos I, III e IV atravessam
completamente a membrana interna da mitocôndria, enquanto o complexo
II se localiza apenas na região interna da membrana interna da mitocôndria
(Figura 8.7). Além desse complexo, ainda estão envolvidos nesse sistema o
citocromo c e a ubiquinona (coenzima), que irão auxiliar decisivamente no
transporte de elétrons e consequentemente no bombeamento de prótons
(Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
O funcionamento da cadeia transportadora de elétrons foi mais bem
descrito (hipótese mais aceita) por Mitchell, sendo denominada de teoria
quimiosmótica de Mitchell. Segundo essa teoria, os elétrons advindos do
NADH e do FADH2 seriam transportados por esses quatro complexos
proteicos (I, II, III e IV), até o seu aceptor final: a molécula de oxigênio
localizada na região da matriz mitocondrial. Esse transporte de elétrons é
finalizado no complexo IV. Sem fazer parte do complexo ainda existem
mais dois componentes móveis na cadeia transportadora: a coenzima Q ou
ubiquinona (CoQ/CoQH2) e o citocromo c, que contém heme. A coenzima
Q conecta os complexos I e II ao complexo III, enquanto o citocromo c
transfere os elétrons do complexo III para o complexo IV. (Koolman e
Röhm, 2005; Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Concomitantemente ao transporte de elétrons, existe o bombeamento
de prótons para o espaço intermembranas, graças à condição criada pelo
próprio transporte de elétrons. Ou seja, são processos dependentes:
transporte de elétrons e bombeamento de prótons (Berg et al., 2008; Harvey
e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Esse bombeamento de prótons na forma de H+ irá criar uma diferença
de pH (interior alcalino) e potencial elétrico (interior negativo) entre o
espaço intermembranas e a matriz mitocondrial. Essa diferença de potencial
eletroquímico será utilizada como força motriz para a produção de ATP. Os
prótons, agora localizados em alta concentração no espaço intermembranas,
precisam voltar para a matriz mitocondrial. A maneira que eles têm de
atravessar essa membrana é por meio da ATP sintetase (também chamada
de complexo V), proteína localizada na membrana interna da mitocôndria
que utiliza essa energia da passagem dos prótons para sintetizar moléculas
de ATP (ADP + P + energia = ATP) (Figura 8.8). A esse processo damos o
nome de fosforilação oxidativa (Koolman e Röhm, 2005; Harvey e Ferrier,
2012; Nelson e Cox, 2014).
As etapas do processo completo (Figura 8.8) podem ser descritas na
seguinte ordem:
1. O NADH é o primeiro a chegar à cadeia transportadora de elétrons.
Assim que ele chega ao complexo I ocorre o processo de oxidação:
NADH + H+ + FMN (complexo I) → NAD+ + FMNH2 (complexo I)

Figura 8.7 Constituintes da cadeia transportadora de elétrons.


Figura 8.8 Cadeia transportadora de elétrons e seu funcionamento.

Após a oxidação do NADH há a entrada dos elétrons na membrana


interna da mitocôndria. Após passarem por outros componentes do
complexo I, os centros Fe-S, os elétrons são transportados até a
coenzima Q. O complexo I não recebe prótons, por isso eles são
transferidos da membrana para o espaço intramembranoso. Também
são consumidos prótons da matriz para converter CoQ em CoQH2.
Portanto, nessa fase já temos a primeira etapa de formação do
gradiente de prótons (pois são retirados prótons da matriz mitocondrial
provenientes de NADH). Acredita-se que sejam excluídos quatro
prótons para cada NADH oxidado
2. O complexo II (succinato-ubiquinona oxidorredutase) oxida succinato
a fumarato na matriz mitocondrial. Os elétrons e prótons do succinato
são transferidos para a flavoproteína (FAD). Pelo complexo II (centro
Fe-S) passam os elétrons derivados do FADH2. O processo de
oxidação acontece da seguinte forma (FADH2 → FAD + 2 H+),
transferindo os elétrons ao CoQ, convertendo-o em CoQH2. O
complexo II não contribui para a formação do gradiente de prótons
3. A coenzima Q (CoQ) é o ponto de convergência de elétrons
provenientes de NADH e FADH2, procedentes dos complexos I e II,
respectivamente
4. No complexo III acontece a catálise da transferência de elétrons da
CoQH2 para o citocromo c, acompanhada da movimentação de
prótons. Ou seja, o complexo III, ao oxidar a coenzima Q e reduzir o
citocromo c, promove a retirada de dois prótons da matriz e o
bombeamento de quatro H+ para o exterior da membrana interna da
mitocôndria
5. O citocromo c é uma proteína situada na face externa da membrana
interna da mitocôndria. Este recebe elétrons do complexo III e os
transfere para o complexo IV
6. Agora no complexo IV, existe a transferência de quatro elétrons para a
molécula de O2, oriundos de quatro citocromos c, que ligando-se a
prótons da matriz, convertem-se em duas moléculas H2O, com a
oxidação concomitante de quatro moléculas de citocromo c. A retirada
de prótons da matriz mitocondrial contribui para o estabelecimento do
gradiente. Nessa etapa ainda há o bombeamento de mais 4 H+ para o
espaço intermembranas, considerando quatro citocromos c oxidados e
duas moléculas de água (H2O) formadas.

Fosforilação oxidativa
A consequência do bombeamento é a produção de um gradiente de prótons,
isto é, uma concentração diferente no espaço intermembranas em
comparação à matriz. A face da membrana interna, voltada para a matriz,
fica ainda mais negativa do que a face voltada para o espaço
intramembranas, e a diferença de cargas elétricas gera um potencial de
membrana. A energia conservada é a chamada força próton-motriz, que
apresenta dois componentes: gradientes de pH e elétrico. O retorno dos
prótons ao interior da mitocôndria é processo espontâneo, a favor do
gradiente eletroquímico, que libera energia, a força próton-motriz, capaz de
levar à síntese de ATP (fosforilação oxidativa), segundo a teoria
quimiostática de Mitchell. Como a membrana interna é impermeável a
prótons, estes só podem voltar à matriz por meio de sítios específicos da
membrana interna, constituídos pelo complexo sintetizador de ATP (ATP
sintetase). Para cada NADH que se oxida, ou seja, para cada par de elétrons
transformados pelos complexos I, III e IV, há síntese de 2,5 ATPs, e para
cada FADH2 (complexo II) formam-se 1,5 ATPs (Koolman e Röhm, 2005;
Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).
Inicialmente, há ligação entre ADP e Pi em um dos sítios
conformacionais. A ATP sintetase contém dois componentes: fatores de
acoplamento 1 (F1, microesferas e as hastes) e F0 (embebida na
membrana), que é um canal através do qual os prótons retornam à matriz
mitocondrial. O F1 é composto por três sítios catalíticos (a3-b3) que
mudam sua conformação devido à passagem de prótons (a molécula roda no
sentido anti-horário) pelo F0, possibilitando a realização de três etapas na
síntese de ATP: ligação dos substratos (ADP e Pi), formação da ligação
fosfoanidrido e liberação do ATP sintetizado (Marzzoco e Torres, 2007;
Pelley, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox, 2014).

Inibidores da cadeia transportadora de elétrons


O funcionamento da cadeia transportadora de elétrons pode ser prejudicado
ou mesmo inibido por algumas moléculas que se ligam covalentemente às
estruturas que compõem esse sistema. Alguns exemplos práticos desses
elementos que podem inibir a cadeia são: a rotenona, a antimicina, o cianeto
e o monóxido de carbono. Essas moléculas se ligam em regiões específicas
da cadeia transportadora, impedindo o transporte de elétrons e o
bombeamento de prótons, consequentemente, a formação de ATP (Koolman
e Röhm, 2005; Nelson e Cox, 2014; Harvey e Ferrier, 2012; Berg et al.,
2008).

Desacopladores da cadeia transportadora de elétrons


Um mecanismo bastante interessante desenvolvido pela natureza para
utilizar a energia potencial dos prótons bombeados é o desacoplamento da
cadeia pela proteína termogenina. Essa proteína localizada na membrana
interna da mitocôndria permite a passagem dos prótons de volta para a
matriz mitocondrial, gerando calor. Alguns tecidos, como o tecido marrom
encontrado na região do pescoço de recém-nascidos, apresentam essa
termogenina para se manterem aquecidos. Alguns animais (especialmente
os que hibernam) também possuem essa proteína para manutenção da
temperatura corporal (Harvey e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).
Outras moléculas, como o 2,4-dinitrofenol, podem desacoplar a cadeia
transportadora. Essa molécula é um transportador de prótons lipofílico que
se difunde facilmente através da membrana mitocondrial. Esse
desacoplador impede a formação do gradiente de prótons (Marzzoco e
Torres, 2007; Harvey e Ferrier, 2012).

Saldo final da glicólise aeróbica


Chegando ao final de uma via completa de degradação da glicose podemos
estimar o saldo energético correspondente à degradação completa (glicólise,
ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa) de uma molécula de glicose.
No processo da glicólise são geradas sete moléculas de ATP (2 ATP
gerados diretamente e 5 ATP pela oxidação posterior de 2 NADH, levando
em consideração a geração de 2,5 ATP para cada NADH). Na oxidação do
piruvato temos mais cinco moléculas de ATP (2 NADH). A oxidação da
acetil-CoA gera: 20 moléculas de ATP (6 NADH + 2 FADH2 + 2 GTP,
levando em consideração que são gerados 1,5 ATP para cada FADH2, além
de semelhança energética entre ATP e GTP). No total temos 32 moléculas
de ATP formadas (Tabela 8.1) (Nelson e Cox, 2014).

Outras vias de obtenção de energia

b-oxidação
Uma outra opção de geração de energia pelas células é a utilização de
lipídios pela β-oxidação. Esse processo consiste na quebra gradual de
ácidos graxos de cadeia longa e número par de átomos de carbono em
moléculas de acetil-CoA. Essas moléculas de acetil-CoA poderão ser
utilizadas para obtenção de energia pela passagem no ciclo de Krebs e
posteriormente na fosforilação oxidativa, como já foi descrito (Koolman e
Röhm, 2005; Marzzoco e Torres, 2007; Berg et al., 2008; Nelson e Cox,
2014).
Cada ciclo da β-oxidação (Figura 8.9) pode ser dividido em quatro
etapas:

1. Na primeira etapa temos a desidrogenação (produzindo uma molécula


de FADH2) da molécula de ácido graxo pela ação da enzima acil-CoA
desidrogenase
Em seguida, o ácido graxo sofre processo de hidratação (ação da
2.
enzima enoil-CoA hidratase)
3. Novamente o ácido graxo sofre o processo de desidrogenação pela
ação da enzima β-hidroxiacil-CoA desidrogenase (produzindo uma
molécula de NADH + H+)
4. Finalizando o ciclo, existe o processo de transferência do grupo CoA
para o restante da cadeia, que continuará no ciclo sucessivo. Essa
última reação é catalisada pela enzima acil-CoA acetiltransferase,
também chamada de tiolase.
O processo de quebra completa de um ácido graxo leva à formação de
moléculas de acetil-CoA. O número de moléculas de acetil-CoA formadas
depende do número de átomos de carbono na cadeia de carbonos do ácido
graxo. Podemos deduzir que um ácido graxo com 16 átomos de carbono
formará, ao final dos ciclos de β-oxidação, um total de oito moléculas de
acetil-CoA + 7 FADH2 + 7 NADH. Agora, essas moléculas podem seguir
para o ciclo de Krebs, e posteriormente as coenzimas reduzidas serão
regeneradas na cadeia transportadora de elétrons, totalizando a produção de
108 moléculas de ATP (Koolman e Röhm, 2005; Berg et al., 2008; Harvey
e Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Tabela 8.1 Saldos parcial e total da quebra completa da molécula de glicose.

Processo Produto direto ATP final


Glicólise 2 NADH 5

2 ATP 2

Oxidação do piruvato (dois por glicose) 2 NADH 5

Oxidação da acetil-CoA no ciclo de Krebs (dois 6 NADH 15


por glicose)
2 FADH2 3
2 GTP 2

Produção total por glicose 32


Figura 8.9 Etapas do processo de β-oxidação.

A obtenção de energia pela β-oxidação é muito utilizada em animais


que hibernam. Esses animais consomem grande quantidade de nutrientes
durante os períodos de verão e primavera, para aumentarem o “estoque” de
tecido adiposo, que posteriormente será mobilizado e consumido como
fonte de energia (Nelson e Cox, 2014).

Oxidação de aminoácidos
Outra via de obtenção de energia é a via de oxidação de aminoácidos
provenientes da quebra de proteínas. A degradação de proteínas (tanto
proteínas oriundas da alimentação como proteínas de tecidos) leva à
obtenção de seus constituintes mais simples, os aminoácidos. Esses
aminoácidos terão seu grupo NH4+ removido pelo processo de desaminação,
que por sua vez levará à formação de esqueletos de carbono que poderão ser
utilizados posteriormente no ciclo de Krebs. O grupo NH4+ será reutilizado
em vias de biossíntese de outros aminoácidos, ou poderá entrar no ciclo da
ureia e ser eliminado (excreção de N2). Quanto aos esqueletos de carbono,
gerados no processo de desaminação, esses serão convertidos em α-
cetoácidos e assim poderão entrar como intermediários no ciclo de Krebs.
Alguns desses intermediários podem ser utilizados, quando necessário, para
o processo de síntese da glicose (gliconeogênese). Outros aminoácidos só
podem ser utilizados para a conversão em corpos cetônicos, sendo
chamados de cetogênicos (Figura 8.10) (Berg et al., 2008; Harvey e Ferrier,
2012; Nelson e Cox, 2014).
Alguns aminoácidos ainda podem entrar em diferentes etapas do ciclo
de Krebs. Os aminoácidos arginina, glutamina, histidina e prolina são
convertidos em glutamato e depois convertidos em α-cetoglutarato
(intermediário do ciclo de Krebs). Os aminoácidos metionina, isoleucina,
treonina e valina são convertidos em succinil-CoA (intermediário do ciclo
de Krebs). A fenilalanina e a tirosina podem ser convertidas em fumarato
(interrnediário do ciclo de Krebs). Asparagina e aspartato são convertidos
em oxalacetato (intermediário do ciclo de Krebs). Alanina, cisteína, glicina,
serina e triptofano são convertidos em piruvato e posteriormente em
oxalacetato. Isoleucina, leucina, triptofano, fenilalanina, lisina e tirosina são
convertidas em acetil-CoA (entrada no ciclo de Krebs pela condensação
com o oxalacetato) (Figura 8.10) (Koolman e Röhm, 2005; Harvey e
Ferrier, 2012; Nelson e Cox, 2014).

Conclusão
Não poderíamos deixar de ressaltar a importância do aprendizado dessas
vias de obtenção de energia, tanto pelo cirurgião-dentista como por outros
profissionais da área da saúde, uma vez que os mesmos utilizam esses
conhecimentos para estratégias na prevenção ou tratamento de algumas
doenças. Alguns exemplos, entre outros, comuns na odontologia são: (1)
utilização do flúor como inibidor da via glicolítica (inibidor da enzima
enolase) de bactérias presentes no biofilme dentário, levando a menor
produção de lactato (ácido lático) ao final da via; (2) a diminuição da
ingestão de açúcar, solicitada pelo cirurgião-dentista, também visa (em um
dos mecanismos) reduzir a fonte energética para as bactérias presentes na
cavidade bucal; e (3) substituição do açúcar por adoçantes e outros
substitutos (como xilitol) que não podem ser utilizados como fonte
energética pelas bactérias colonizadoras (presentes no biofilme dentário),
diminuindo assim a produção de ácidos por essas bactérias e reduzindo ou
prevenindo o processo de desmineralização da superfície dentária.
Figura 8.10 Entrada dos aminoácidos no ciclo de Krebs.

Em suma, as vias de obtenção de energia visam ao abastecimento de


energia para as vias anabólicas, necessárias ao funcionamento adequado da
célula. Essas vias apresentam pontos de convergência, o que permite a
adequação do maquinário celular à fonte de nutrientes utilizada (disponíveis
em determinado momento). Desse modo, a célula consegue abrir um leque
de opções para obtenção de energia.

Referências bibliográficas
Berg JM, Tymoczko JL, Stryer L. Bioquímica. 6. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2008.
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Pelley JW. Bioquímica. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007.
Pratt CW, Cornely K. Bioquímica essencial. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2006.
Nutrição
A nutrição é tópico importante para os profissionais da saúde, uma vez que
os alimentos ingeridos produzem substratos importantes para a obtenção de
energia e para as vias sintéticas. Uma dieta balanceada, tanto em relação à
qualidade, como à quantidade de macro- e micronutrientes, é essencial para
o funcionamento do organismo.
As proteínas estão entre os macronutrientes fundamentais da nutrição,
uma vez que apresentam funções dinâmicas e estruturais no organismo,
conforme abordado no Capítulo 2. As proteínas podem ser oriundas da
dieta ou ter origem endógena (hidrólise de proteínas teciduais ou
aminoácidos sintetizados a partir de intermediários do metabolismo).
A ingestão de proteínas da dieta é essencial, pois o nosso organismo
produz somente 11 aminoácidos dos 20 necessários para a síntese das
proteínas, e 9 deles devem ser consumidos na dieta a partir das fontes de
proteínas (os nove aminoácidos são: fenilanina, histidina, isoleucina,
leucina, lisina, metionina, treonina, triptofano e valina). Os aminoácidos
que devemos consumir são denominados aminoácidos essenciais, uma vez
que são necessários para produção de peptídios (p. ex., neurotransmissores)
e proteínas com diferentes funções no organismo. Determinados
aminoácidos são também utilizados para a produção de compostos
nitrogenados não proteicos (como creatinina, ácido úrico, bilirrubina e
outros pigmentos) (Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009;
Tymoczko et al., 2011).
Em relação às proteínas da dieta, nós as encontramos em carnes, leites
e derivados, assim como em alguns vegetais como feijão e soja. O valor
nutricional de um alimento é avaliado pela qualidade das proteínas, isto é,
pela composição em aminoácidos e digestibilidade (absorção). Os alimentos
de origem animal têm alto valor proteico em comparação aos de origem
vegetal, tanto pela quantidade e variedade de aminoácidos essenciais, como
pela ausência de fibras e pelo processo de aquecimento, os quais facilitam a
absorção. Assim, a dose diária de ingestão de proteínas pode variar de
acordo com a sua origem, sendo menor para os indivíduos que ingerem
alimentos derivados de animais, em comparação aos vegetarianos. A idade
e o gênero também podem ter influência sobre a dose diária de proteínas.
Outro fator determinante da dose diária de proteínas é a quantidade de
carboidratos ingeridos. Apesar de não terem como função principal a
obtenção de energia, as proteínas podem ser usadas para produção de
energia alternativa (10 a 15% do total), quando há redução na ingestão de
carboidratos e lipídios (períodos de jejum).
A desnutrição proteica pode ocasionar graves problemas de saúde,
uma vez que as proteínas têm funções importantes no organismo. Por outro
lado, o consumo excessivo de proteínas não possibilita o armazenamento
das mesmas; o excesso é convertido em lipídio.
A avaliação do metabolismo proteico de um indivíduo pode ser feita
pelo balanço de nitrogênio, que é a diferença entre a quantidade de
nitrogênio consumido e excretado. A excreção do nitrogênio se dá
fundamentalmente pela ureia, na urina (90%) e nas fezes (10%). Como
existem compostos nitrogenados não proteicos, e devido à dificuldade de
medir a excreção de nitrogênio por vias minoritárias (suor, unha, cabelo), o
balanço de nitrogênio é um método para a estimativa do balanço proteico.
Em geral, o indivíduo adulto deve estar em equilíbrio nitrogenado. O
balanço de nitrogênio positivo (ingestão > excreção) pode ocorrer durante o
crescimento, gravidez e lactação. Já o balanço negativo (ingestão <
excreção) ocorre durante o jejum, com dietas pobres em aminoácidos e
carboidratos, e em diversas condições patológicas, como diabetes, câncer,
infecções, queimaduras e cirurgias.
Diferentemente das proteínas, os carboidratos, outro exemplo de
macronutrientes, são utilizados basicamente para obtenção e
armazenamento de energia. Os monossacarídeos, dissacarídeos e
polissacarídeos são encontrados em frutas, mel, raízes e em alguns produtos
derivados de trigo. A glicose é um monossacarídeo muito importante para
os processos de metabolismo celular, sendo o principal substrato oxidável
para a maioria dos organismos. Quase todas as células são capazes de
atender às suas demandas energéticas a partir desse açúcar, mas algumas
células são estritamente dependentes desse carboidrato, como as hemácias e
as células do tecido nervoso (encéfalo). No caso das hemácias, isso se deve
ao fato de essas células não apresentarem mitocôndria para o metabolismo
aeróbico; já o encéfalo apresenta uma barreira para entrada de lipídios. A
oxidação de glicose gera certa quantidade de energia potencial, utilizada
como combustível para diversas funções celulares.
As fibras, por outro lado, são carboidratos não digeríveis pelo homem,
as quais retardam o esvaziamento gástrico e a absorção de nutrientes no
intestino. Fibras solúveis aumentam a viscosidade do bolo fecal e são
metabolizadas pelos microrganismos intestinais (p. ex., polpa de frutas,
vegetais, feijão, milho, aveia, cevada). Fibras não solúveis promovem
aumento da massa fecal, o que estimula o peristaltismo e acelera o trânsito
intestinal. Ainda causam sensação de maior saciedade (celulose encontrada
nos cereais integrais, legumes, frutas, verduras e sementes). As fibras
produzem diversos efeitos positivos à saúde, como a redução dos níveis de
colesterol plasmático e da glicemia após a alimentação, e ainda previnem
constipação intestinal. No entanto, doses exageradas reduzem a absorção de
nutrientes, por terem efeito laxativo e por interagirem com nutrientes,
formando complexos insolúveis.
Os lipídios, outro nutriente importante da dieta, são ingeridos a partir
dos óleos e das gorduras vegetal e animal, fornecendo os ácidos graxos
essenciais (linoleico – w-6; e α-linoleico – w-3), os quais são importantes
para o funcionamento do sistema nervoso, precursores dos eicosanoides (p.
ex., prostaglandina) e podem atuar como mensageiros intracelulares. Além
disso, os lipídios são veículos para absorção de vitaminas lipossolúveis e
são utilizados como fontes de energia, assim como os carboidratos. Para
satisfazer a necessidade de lipídios essenciais, são recomendados ácidos
graxos poli-insaturados encontrados em óleos vegetais (w-6) e peixes
marinhos (w-3), mantendo adequada relação entre w-6/w-3, uma vez que
são precursores de moléculas importantes e têm efeito benéfico na saúde
cardiovascular (Wijendran e Hayes, 2004). O óleo de peixe (w-3) apresenta
ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosa-hexaenoico (DHA), que
alteram a fluidez da membrana; interagem com fatores de transcrição; são
elementos reguladores de esteróis de ligação; e substratos para as enzimas
incluindo ciclo-oxigenase, lipo-oxigenase e citocromo P-450. Como
resultado, os óleos de peixe podem melhorar a saúde cardiovascular,
alterando o metabolismo lipídico, induzindo alterações hemodinâmicas,
arritmias decrescentes, modulando a função plaquetária, melhorando a
função endotelial e inibindo vias inflamatórias (Cottin et al., 2011).
Deve-se evitar o consumo de ácidos graxos saturados e trans (p. ex.,
gordura hidrogenada: margarina e óleo de fritura), com exceção do ácido
esteárico, uma vez que os ácidos graxos saturados e trans aumentam a
quantidade de lipoproteínas plasmáticas ricas em colesterol (LDL e VLDL),
que transportam os lipídios do fígado para os outros tecidos (Denke, 2006).
Os ácidos graxos saturados e trans reduzem os níveis de HDL, lipoproteínas
benéficas que transportam colesterol dos tecidos para o fígado, permitindo a
excreção do colesterol, e ainda alteram a viscosidade das membranas
plasmáticas, sendo relacionados ao entupimento de vasos sanguíneos,
podendo aumentar o risco ao infarto agudo do miocárdio. Nosso corpo
produz colesterol, portanto, mais importante do que evitar o consumo de
colesterol, é controlar a ingestão dos ácidos graxos saturados e trans. As
estatinas são usadas no tratamento de doenças cardiovasculares, pois inibem
a enzima HMG-CoA redutase (3-hidroxi-3-metil-glutaril-coenzima A
redutase), relacionada à formação de colesterol no fígado (Taylor et al.,
2013).
Por outro lado, ácidos graxos insaturados reduzem o nível plasmático
de LDL e VLDL, as lipoproteínas maléficas, sendo que os de cadeia poli-
insaturada causam discreta redução do HDL (lipoproteína benéfica), e os de
cadeia monoinsaturada (óleos de soja e canola), não. As fontes mais
importantes de ácidos graxos insaturados são os peixes, óleos de soja e
canola.
Os lipídios da dieta humana (triacilglicerol), uma vez absorvidos,
assim como aqueles sintetizados endogenamente, são distribuídos aos
tecidos pelas lipoproteínas plasmáticas, para serem utilizados como fonte de
energia (produção de ATP) ou para armazenamento na forma anidra
(triacilglicerol) nas células adiposas. Todos os nutrientes ingeridos em
excesso podem ser armazenados na forma de lipídios.
Uma vez absorvidos, os ácidos graxos são conduzidos aos tecidos
extra-hepáticos, enquanto o colesterol vai para o fígado. O triacilglicerol
presente nos quilomícrons é quebrado especialmente nos capilares do
músculo esquelético e do tecido adiposo. Os ácidos graxos livres entram
nas células musculares e adiposas, onde podem ser convertidos em energia
ou armazenados. O glicerol entra no fígado, onde pode ser utilizado para a
glicólise ou gliconeogênese. Os outros componentes dos quilomícrons
entram no fígado por endocitose e são aproveitados (Marzzoco e Torres,
2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
Dentre os micronutrientes obtidos pela dieta estão as vitaminas
hidrossolúveis (B e C) e lipossolúveis (K, A, D e E – derivadas do
isopreno). As vitaminas hidrossolúveis são importantes como cofatores de
reações metabólicas e atuam na produção de proteínas (p. ex., vitamina C,
na produção do colágeno). A vitamina C, além de participar da produção do
colágeno, ainda facilita a absorção do ferro no intestino. O ácido fólico, por
exemplo, tem importante papel no metabolismo e na biossíntese de
compostos, sendo sua deficiência comum e relacionada a quadros de
anemia e defeitos de formação do feto. Já as lipossolúveis atuam como
fatores antioxidantes (A, E e ainda a vitamina hidrossolúvel C), coagulantes
(K), nas reações da visão e crescimento (A) e na regulação do metabolismo
do cálcio (D). A vitamina A (retinoides) controla a expressão de queratina
na maior parte das células epiteliais, assim como influencia a reprodução, o
crescimento e o ciclo visual. Já a vitamina D (esteroides), que também atua
no núcleo, interfere na transcrição de proteínas relacionadas à manutenção
dos níveis plasmáticos de cálcio e fósforo, pelo aumento na captação do
cálcio no intestino, na redução da excreção e da reabsorção óssea. A
vitamina K participa na modificação pós-tradução de diferentes fatores de
coagulação; já a vitamina E previne a oxidação não enzimática dos
componentes celulares. As vitaminas hidrossolúveis são facilmente
excretadas, já as lipossolúveis podem acumular-se no tecido. Portanto, estas
últimas podem causar alguns efeitos colaterais em excesso.
Em relação aos íons (nutrientes inorgânicos), destacam-se cálcio,
fosfato, sódio, potássio, magnésio, ferro e selênio. Esses micronutrientes
atuam como cofatores enzimáticos, sistema antioxidante e na manutenção
dos tecidos duros, como ossos e dentes.
Com base no conhecimento dos macro e micronutrientes da dieta, o
aluno deve estar atento a alguns conceitos importantes na utilização dos
mesmos. A energia metabólica basal é a quantidade de energia necessária
para a manutenção dos processos vitais básicos (@ 1.200 a 1.800 kcal/dia).
Algumas atividades essenciais à sobrevivência, como o transporte ativo,
consomem 50% dessa energia. A taxa metabólica basal é medida pela
produção de calor ou consumo de oxigênio por um sujeito em repouso e
acordado, 12 h após a última refeição. O valor está intimamente relacionado
à quantidade de massa magra, à idade e ao gênero. A energia metabólica
basal, somada à energia dispendida para a realização de atividades físicas,
desde leves a intensas, compõe a necessidade energética diária do
indivíduo.
Já o equilíbrio energético se refere ao conceito de que a ingestão
calórica (necessidade energética diária) deve contrabalancear o gasto de
energia, de modo a manter o peso corpóreo (Figura 9.1). A ingestão calórica
deve ser composta de maneira balanceada por: carboidratos (45 a 65%),
lipídios (25 a 30%) e proteínas (10 a 15%) (Figura 9.2).
Figura 9.1 Equilíbrio energético é o balanço entre a ingestão calórica e o gasto de energia para a
manutenção do peso. Alterações no equilíbrio podem levar ao aumento ou à diminuição do peso
corpóreo, como constantemente abordado na mídia.
Figura 9.2 Proporção de nutrientes da dieta.

A desnutrição (em especial a proteica) é bastante comum em países


subdesenvolvidos por motivos econômicos, o que pode levar ao aumento da
mortalidade infantil. Por outro lado, a obesidade tem se tornado problema
de saúde pública em países desenvolvidos, tanto na infância, quanto na fase
adulta. De fato, de acordo com algumas estimativas, há no mundo mais
indivíduos com sobrepeso do que desnutridos. Uma revisão de literatura
apontou que nos EUA a maioria dos indivíduos apresenta sobrepeso, 1/3
obesidade e aproximadamente 5%, obesidade mórbida (Selassie e Sinha,
2011). No Brasil, pesquisa do IBGE mostrou que de 1974-1975 a 2008-
2009, a prevalência de sobrepeso em adultos aumentou em quase três vezes
no sexo masculino (de 18,5 para 50,1%) e em quase duas vezes no sexo
feminino (de 28,7% para 48%). No mesmo período, a prevalência de
obesidade aumentou em mais de quatro vezes para homens (de 2,8% para
12,4%) e em mais de duas vezes para mulheres (de 8% para 16,9%) (IBGE,
2010).
A quantidade de gordura corporal de um indivíduo é avaliada
indiretamente pelo índice de massa corpórea, que é igual ao peso corporal
(em kg) dividido pela altura (em metros) ao quadrado. Esse índice pode ser
usado para uma avaliação do grau de obesidade: IMC < 20 – abaixo do
peso; 20 a 24,9 – peso normal; 25 a 29,9 – sobrepeso; 30 a 40 – obesidade;
> 40 – obesidade mórbida. A distribuição anatômica da gordura corporal
possui grande influência sobre os riscos associados à saúde. A gordura em
excesso localizada na área central do corpo ou na região da cintura,
denominada gordura androide/abdominal (formato de maçã), está associada
a maior risco de hipertensão, resistência à insulina, diabetes, dislipidemia e
doença cardíaca. É definida por uma razão cintura/quadril maior que 0,8
para mulheres e 1 para homens. Em contraste, gorduras localizadas na parte
mais inferior (no formato de pera) são comumente encontradas em
mulheres. Alguns especialistas acreditam que a razão cintura:quadril é mais
útil que o IMC para determinação do risco de problemas cardiovasculares.
Além disso, as células adiposas abdominais são maiores e apresentam taxa
de renovação mais acelerada, respondendo mais rapidamente a alterações
hormonais. Já os ácidos graxos da gordura dos glúteos entram na circulação
geral, sem preferência sobre o metabolismo hepático.
A obesidade está relacionada a menor expectativa de vida, por ser fator
de risco de doenças crônicas, como diabetes e problemas cardiovasculares
(Selassie e Sinha, 2011). É resultado de superalimentação; assim, a redução
de ingestão calórica (carboidratos e lipídios) e exercícios físicos regulares
auxiliam no emagrecimento. Apesar de a causa de obesidade ser geralmente
a dieta hipercalórica, tem se tornado evidente que a saciedade e o equilíbrio
energético podem ter influência genética. Em 1994, foi identificado um
gene da obesidade (Zhang et al., 1994) em camundongos, e o homólogo em
humanos, que codifica a proteína leptina, sintetizada especialmente nos
adipócitos, que age sobre o hipotálamo (González et al., 2010). A ligação
tem efeito na redução do apetite e no aumento do gasto de energia. A
relação entre leptina e obesidade foi bem demonstrada em camundongos,
porém em humanos a relação entre redução dos níveis de leptina e
obesidade não foi encontrada. A hipótese considerada é que o sistema
nerovso central (SNC) de obesos humanos pode ser resistente à leptina
(Wauman e Tavernier, 2011).
As células adiposas não têm somente função de armazenamento de
gordura, mas também endócrina. Outros hormônios sintetizados no tecido
adiposo, no estômago (grelina – estimula o apetite), no intestino
(colecistocinina – diminui o apetite), assim como a insulina, têm sido
relacionados à manutenção do equilíbrio energético por ação no hipotálamo
(Schloeg et al., 2011). As proteínas desacopladoras mitocondriais também
interferem no controle da obesidade e poderiam ser alternativa no
tratamento da obesidade (Rial et al., 2010). A obesidade pode levar a
alterações metabólicas, como intolerância à glicose, resistência à insulina,
hiperinsulinemia, dislipidemia (baixo HDL e altos LDL e VLDL) e
hipertensão. A resistência à insulina pode estar associada à dislipidemia,
pelo aumento da atividade da lipase sensível ao hormônio e,
consequentemente, aumento de ácidos graxos circulantes (VLDL).
Portanto, o conhecimento mais aprofundado sobre os fatores (ambientais e
genéticos) que têm influência sobre o desenvolvimento da obesidade é de
suma importância para a sua prevenção.

Metabolismo

Atuação de hormônios e enzimas


Diariamente, estamos sujeitos a períodos de oferta de nutrientes (absortivo)
e a períodos de escassez (jejum). Portanto, nosso organismo, a partir da
interação de hormônios e enzimas nas diferentes células, adapta-se às
situações diversas de modo que não haja prejuízo para as funções celulares.
Para início de conversa, precisamos definir alguns termos novamente.
Chama-se catabolismo a etapa do metabolismo que se refere à assimilação
e ao processamento dos macronutrientes adquiridos pelos seres vivos para
fins de obtenção de energia. Esse conjunto de processos envolve vias de
degradação, ou seja, a quebra de macromoléculas e seus derivados. Parte
sempre de moléculas que contêm quantidades importantes de energia, como
os carboidratos (glicose), os lipídios (triacilgliceróis, ácidos graxos) e as
proteínas (aminoácidos). Essas substâncias são quebradas de modo que
restem, ao final, moléculas pequenas e pobres em energia (H2O, CO2, NH3),
aproveitando a liberação de energia resultante desse processo. Essa energia
normalmente é obtida nas células como compostos trifosfatados, como o
ATP e o GTP, e coenzimas reduzidas (NADH, FADH2) como visto no
Capítulo 8. Por outro lado, o anabolismo é a etapa do metabolismo que se
refere à síntese de substâncias em um organismo, ou seja, a partir de
molécula mais simples (p. ex., glicose) são criadas moléculas mais
complexas (p. ex., glicogênio) à custa de energia (utilização do ATP). O
anabolismo só ocorre em alta energética (Figura 9.3) (Marzzoco e Torres,
2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
O controle de processos catabólicos e anabólicos em escala celular é
feito por (1) alteração na concentração de enzimas, devido à modificação da
expressão de genes, e por (2) alteração na atividade de enzimas, devido à
(a) ligação não covalente (efetores alostéricos) ou (b) covalente; no
primeiro (1) e no último caso (2b), sob influência dos hormônios como a
insulina, glucagon e epinefrina.
As enzimas alostéricas apresentam sítios de cooperação e geralmente
catalisam reações irreversíveis. Moléculas (p. ex., produtos ou coenzimas)
interagem nos sítios alostéricos destas enzimas, provocando grande
alteração em sua atividade. Essa ligação pode induzir tanto a ativação
(efetores positivos), como a inibição (efetores negativos) da enzima.
Exemplo clássico é a retroinibição, ou a inibição por feedback, na qual o
produto da reação pode atuar como inibidor alostérico enquanto não for
consumido por uma próxima reação.

Figura 9.3 Vias do anabolismo e do catabolismo.

As organelas nas células eucarióticas propiciam outro tipo de controle


enzimático. Uma enzima pode ser expressa em dois compartimentos
celulares diferentes e ser deslocada de um para o outro, segundo o estado
fisiológico vigente; assim como o produto ou coenzima de uma via pode ser
consumido por outra via. Esses mecanismos são importantes para a
coordenação das reações que compõem as diferentes vias do metabolismo.
A atividade de uma enzima também pode ser alterada por ligação
covalente de certos grupos às cadeias polipeptídicas, causando alterações de
conformação. O controle por modificação covalente pode atuar tanto
ativando quanto inibindo a atividade da enzima. Várias modificações são
possíveis, como a metilação, a adenilação e a acetilação, porém a mais
frequente é a fosforilação. A fosforilação é catalisada pelas
proteinoquinases, que transferem um grupo fosfato terminal do ATP para
resíduos específicos de aminoácidos, como a serina, a treonina ou a tirosina,
formando uma ligação éster fosfórico. As proteinoquinases estão sujeitas à
regulação mediada por cAMP, fosfolipídios, cálcio, entre outros. A retirada
do grupo fosfato, por sua vez, é feita pelas fosfoproteínas fosfatases. Essas
alterações podem ativar ou não a enzima, sendo o mecanismo de regulação
por modificação covalente intimamente associado à ação hormonal. A
modificação covalente é o estágio final de uma cascata de amplificação e
permite que reações sejam rapidamente ligadas ou desligadas por sinais de
disparo em baixa concentração. Além disso, apresenta ação mais duradoura
em relação ao controle alostérico.
O metabolismo (catabolismo e anabolismo) é controlado pela interação
de quatro tecidos (fígado, músculo esquelético, tecido adiposo e tecido
nervoso), sob ação de hormônios que coordenam as atividades (Figura 9.4).
Os hormônios atuam nesses tecidos provocando respostas celulares
específicas, mas cooperativas, tornando lógico e harmônico o ajuste do
organismo a determinada condição fisiológica (Marzzoco e Torres, 2007;
Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
Os principais hormônios envolvidos no metabolismo são os esteroides
(cortisol, aldosterona, estradiol, progesterona e testosterona), os tireoidianos
(tiroxina, tri-iodotironina), os peptídicos (insulina e glucagon) e as
catecolaminas (epinefrina, norepinefrina). Os receptores hormonais se
situam na membrana plasmática (hormônios peptídicos e catecolaminas), no
citosol (hormônios esteroides) ou no núcleo das células (hormônios
tireoidianos), como visto no Capítulo 7.
Os hormônios tireoidianos e os esteroides atuam na expressão gênica.
Já os hormônios peptídicos e as catecolaminas, por não entrarem na célula,
induzem a produção de um segundo mensageiro. A quantidade de
receptores varia em função da concentração de hormônio circulante. A
produção de um segundo mensageiro é etapa importante do processo de
transdução de sinal. Exemplo é o receptor ligado à proteína G: inicialmente,
há ligação do hormônio ao seu receptor, seguida da interação da proteína G
(subunidade a ligada à GTP) com uma enzima-alvo encontrada na
membrana (adenilato ciclase e fosfolipase), a qual catalisa a produção de
um segundo mensageiro (p. ex., cAMP, Ca+2 e derivados de fosfolipídios).
O cAMP, exemplo de segundo mensageiro, estimula a proteinoquinase
A (PKA), por se ligar às subunidades reguladoras, a qual, por sua vez,
proporciona a fosforilação de proteínas que podem se tornar ativadas ou
não. A via da PKA é estimulada por hormônios como os da hipófise
(ACTH, TSH, LH, FSH), vasopressina (hormônio antidiurético), epinefrina
e glucagon. Exemplo de proteína que sofre influência da PKA é a
fosfoproteína fosfatase 1, que regula a síntese do glicogênio. Essa enzima
sofre fosforilação pela PKA e é inativada nas células do fígado.
Figura 9.4 Metabolismo integrado de diferentes tecidos (fígado, tecido adiposo, encéfalo e
músculo).

Os derivados de fosfolipídios de membrana e íons cálcio também


atuam como segundos mensageiros do receptor acoplado à proteína G. A
formação do complexo hormônio-receptor ativa a proteína G, seguido da
interação desta (subunidade α) com uma enzima, no caso a fosfolipase C,
que catalisa a hidrólise de fosfatidilinositol 4,5-bifosfato, produzindo dois
segundos mensageiros: o inositol 1,4,5-trifosfato (IP3) e o 1,2-diacilglicerol
(DG). O IP3 aumenta a concentração de cálcio no citosol, que é liberado dos
depósitos intracelulares (retículo endoplasmático e sarcoplasmático). Nos
músculos esqueléticos, o cálcio desencadeia a contração e auxilia a
degradação do glicogênio; nos músculos lisos e em outras células, ele se
liga à calmodulina, modificando uma séria de proteínas, e age como
coadjuvante do DG. O DG permanece ligado à membrana e, por atuação do
cálcio, estimula uma proteinoquinase da membrana, a proteinoquinase C
(PKC), a qual catalisa a fosforilação de proteínas. Exemplos de hormônios
que atuam na via fosfolipase são a epinefrina, a vasopressina e hormônios
hipotalâmicos (TRH, GnRH). O cálcio se liga à calmodulina, a qual atua
sobre diversas proteínas (glicogênio fosforilase quinase, miosina quinase).
Os processos regulados pelo Ca+2/calmodulina e o cAMP são interligados
para o controle das reações metabólicas.
Dentre os hormônios citados, os que têm papel fundamental na
regulação do metabolismo são a epinefrina, o glucagon e a insulina. A
epinefrina, produzida pelas glândulas suprarrenais, é liberada em resposta
especialmente ao estresse, exercícios físicos e hipoglicemia; neste caso, o
controle do metabolismo ocorre por sua ligação ao receptor b, ativando a
via PKA. O glucagon (peptídio com 29 aminoácidos produzido pelas
células alfa do pâncreas) é liberado quando há hipoglicemia e níveis
elevados de epinefrina, com o objetivo de aumentar a glicemia. Em geral,
esses hormônios estimulam a produção de glicose por glicogenólise e
gliconeogênese, ao mesmo tempo que inibem a produção de glicogênio e a
glicólise, aumentando a concentração de glicose no sangue. Estimulam a
gliconeogênese muscular (epinefrina e glucagon) e hepática (glucagon), e a
degradação dos triacilgliceróis do tecido adiposo (epinefrina e glucagon),
isto é, o catabolismo. Atuam na produção do segundo mensageiro, o cAMP,
o qual ativa as PKAs que fosforilam outras proteínas, ativando ou
desativando-as.
Já a insulina (proteína com 2 cadeias peptídicas compostas de 51
aminoácidos produzida pelas células beta do pâncreas) é liberada em
resposta à hiperglicemia, favorecendo a síntese de glicogênio pelo fígado, a
entrada de glicose pelos tecidos insulinodependentes (com auxílio da
proteína transportadora GLUT4), como o músculo e o tecido adiposo. Por
outro lado, bloqueia a glicogenólise e a gliconeogênese. A síntese de
insulina é estimulada pelo aumento nos níveis plasmáticos de glicose e
aminoácidos, assim como hormônios gastrintestinais; já a sua secreção é
inibida pela epinefrina durante o estresse. Ela atua no fígado, no músculo e
no tecido adiposo estimulando o anabolismo. O mecanismo de ação da
insulina, assim como de outros hormônios reguladores do metabolismo,
será discutido no Capítulo 7.
Níveis altos de insulina causam diminuição do número de seus
receptores, uma vez que há degradação dos mesmos. Picos de insulina
podem resultar na não recomposição completa dos receptores, o que ao
longo do tempo pode induzir ao aparecimento do diabetes melito. O
receptor da insulina, encontrado na membrana plasmática das células-alvo,
é uma glicoproteína constituída por duas subunidades alfa e beta ligadas por
pontes de dissulfeto. As subunidades beta apresentam atividade de
proteinoquinase para tirosina, a qual se torna ativada fosforilando diferentes
proteínas. A partir desse evento, são acionadas diversas vias de transdução
de sinais, responsáveis pelos múltiplos efeitos da insulina (ativação de
enzimas preexistentes assim como síntese de novas proteínas a partir dos
processos de transcrição e tradução).
O transporte da glicose ocorre através da membrana plasmática por
transporte passivo, catalisado por uma família de permeases GLUT
(glucose transporter), sendo as mais importantes as GLUTs 1 a 4. A
GLUT1 é expressa especialmente nas hemácias e no cérebro. A GLUT2 é
encontrada especialmente nas células beta do pâncreas, sendo usada como
sinalizadora do aumento da glicemia. A GLUT3 é a principal transportadora
para o cérebro, com grande afinidade por glicose. Já a GLUT4 catalisa o
transporte da glicose para músculo e tecido adiposo, sendo a sua atuação
aumentada em até 20 vezes, quando há insulina. No caso da insulina, o
mecanismo de transporte da GLUT4 para a membrana se dá pela ligação da
insulina ao receptor, o qual sofre autofosforilação e se liga a uma proteína
IRS (substrato receptor de insulina), fosforilando-a. A IRS, uma vez
fosforilada, comporta-se como adesivo, recrutando os demais componentes
intracelulares envolvidos na cascata de sinalização. Um dos efetores é o
fosfatidilinositol 3-quinase (PI3 K), o qual se liga ao complexo e introduz
um fosfato ao fosfolipídio de membrana, o fosfatidilinositol 4,5-bifosfato
(PIP-2), convertendo-o em fosfatidilinositol 3,4,5-trifosfato (PIP-3). O PIP-
3 serve como ancoradouro de outras proteínas citoplasmáticas, como a
proteinoquinase, dependente de fosfoinositídio (PDK), que fosforila
algumas proteínas como a proteinoquinase B (PKB). Essa quinase interage
com a GLUT4, provocando sua transferência para a membrana plasmática
(Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
O PI3 K, além de possibilitar o transporte de glicose, ainda participa
da regulação do metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas, da
transcrição gênica e da síntese proteica. O mecanismo se dá pela adição de
fosfato a proteínas reguladas pela PKB, modificando o funcionamento. A
PKB ativa fosfoproteínas fosfatases (PP-1) e fosfodiesterase de cAMP,
diminuindo cAMP e desativando a PKA, e ainda inibe diretamente a
própria PKA. Exemplo de enzima-alvo é a glicogênio sintase quinase-3, a
qual é inativada pela atuação da PP-1 (ativada por PKB), inibindo a ação
dessa enzima no bloqueio da síntese de glicogênio. Assim, tem efeito
oposto ao glucagon e à epinefrina. A insulina também promove o controle
do metabolismo nos músculos, no tecido adiposo e no fígado, por
transcrição de genes e tradução do mRNA. Esse hormônio ainda tem efeito
adicional, regulando o apetite e o metabolismo da glicose por atuação no
hipotálamo.

Vias metabólicas dos principais nutrientes

Glicose
A glicose pode ser: (1) transportada para todos os tecidos, sendo este evento
importante para tecidos estritamente dependentes de glicose, como as
hemácias e as células nervosas, para a obtenção de energia; (2) oxidada
(glicólise, aeróbica ou anaeróbica ou por via pentose fosfato); (3)
armazenada como glicogênio no fígado e no músculo; ou (4) transformada
em glicerol 3 P ou em ácido graxo via acetil-CoA, quando em excesso
(Figura 9.5). A maior parte da glicose é transformada em glicogênio e
ácidos graxos no fígado (50 a 60%), e outra parte transportada pela corrente
sanguínea para tecidos dependentes de glicose e para tecido muscular e
adiposo. A oxidação dos ácidos graxos fornece a maior parte de ATP
necessária ao fígado e a outros tecidos, com exceção das hemácias e do
tecido nervoso (encéfalo). Portanto, pouca glicose é oxidada no fígado, e
apenas no período imediato à refeição. No tecido adiposo, a oxidação da
glicose fornece glicerol-fosfato para a produção do triacilglicerol
(Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
Assim, o fígado ajuda na manutenção da glicemia, utilizando o
excedente de glicose na produção de glicogênio. A degradação e a síntese
de glicogênio são efetuadas por vias distintas e opostas. O glicogênio é
degradado por atuação da enzima glicogênio fosforilase, que é ativada
quando fosforilada por ativação hormonal glucagon via cAMP e PKA. A
glicogênio fosforilase também sofre regulação alostérica, sendo importante
efetor positivo, o AMP. O glicogênio libera várias moléculas de glicose-1-
fosfato (P), que são isomerizadas em glicose-6-P, podendo sofrer glicólise
ou ser liberada no sangue para manutenção da glicemia. Já a síntese de
glicogênio ocorre por atuação da glicogênio sintase, que é ativada quando
desfosforilada, via oposta à descrita anteriormente (efeito da insulina). A
glicogênio sintase sofre principalmente regulação covalente, mas também
alostérica (efetor positivo – glicose-6-P).
A regulação do metabolismo do glicogênio hepático é semelhante ao
muscular. A maior diferença é que no músculo a epinefrina é que coordena
a degradação do glicogênio, via PKA, enquanto no fígado esse efeito é
guiado pelo glucagon (epinefrina tem efeito secundário no fígado). Outro
mecanismo de ativação da glicogenólise no músculo é o estímulo nervoso,
por meio da ligação do cálcio à enzima. Assim, o destino da glicose nesses
dois tecidos é diferente: enquanto a degradação do glicogênio muscular tem
a finalidade de obtenção de energia pela glicólise; no fígado, a glicose
obtida é transportada para o sangue, para a manutenção da glicemia.
A glicólise é realizada em todas as células, enquanto a gliconeogênese
é via antagônica que ocorre especialmente no fígado e com menor
importância no córtex renal. A regulação diferencial entre as duas vias
ocorre com as enzimas que catalisam reações irreversíveis. No caso da
glicólise, as enzimas são a glicoquinase, fosfofrutoquinase 1 e piruvato
quinase; já na gliconeogênese, a glicose-6-fosfatase, frutose 1,6-bifosfatase,
fosfoenolpiruvato carboxiquinase e a piruvato carboxilase.
As propriedades da glicoquinase, aliadas às do GLUT2, capacitam o
fígado a fazer ajustes na glicemia e utilizar a glicose apenas quando ela for
realmente abundante. Já as hexoquinases, encontradas nos outros tecidos,
apresentam afinidade maior pela glicose, sendo esta transportada com mais
facilidade. Por outro lado, a glicose-6-fosfatase, enzima com efeito oposto à
quinase, é ativada quando há excesso de glicose-6-P, em processos opostos
a glicólise, como a glicogenólise e a gliconeogênese.
Figura 9.5 Distribuição e vias do metabolismo do carboidrato (glicose).

O segundo sítio de controle é a fosfofrutoquinase 1 (glicólise) e frutose


1,6-bifosfatase (gliconeogênese). A fosfofrutoquinase é ativada pelos
efetores positivos frutose 2,6-bifosfato e AMP, mas é inibida pelo ATP e
citrato, isto é, quando há excesso de energia. A frutose 1,6-bifosfatase sofre
regulação negativa da frutose 2,6-bifosfato. Portanto, a frutose 2,6-bifosfato
é importante para a regulação das vias opostas, sendo sua produção
regulada por controle alostérico (positivo: frutose 6-P e negativo:
fosfoenolpiruvato), assim como hormonal, por modificação covalente
(positivo: insulina; negativo: glucagon).
O terceiro sítio é a piruvato quinase (glicólise) e piruvato carboxilase +
fosfoenolpiruvato carboxiquinase (gliconeogênese). A piruvato quinase é
estimulada alostericamente pela frutose 1,6-bifosfato, mas inibida pela
alanina durante o jejum (gliconeogênese). A piruvato quinase também sofre
controle por modificação covalente. No jejum, a enzima é fosforilada pelo
estímulo do glucagon e se torna inativa, sendo o oposto verdadeiro durante
a hiperglicemia, pela atuação da insulina. Ainda há modulação da
concentração dessas enzimas por controle da transcrição. Portanto, o
conhecimento dos mecanismos controladores dessas vias é de suma
importância para o tratamento de doenças como o diabetes.
O destino da glicose ainda pode ser a via das pentoses fosfato,
importante para a síntese de lipídios e nucleotídios. A via pentose fosfato é
importante para a produção de nucleotídios e NADPH, sendo este último
utilizado para a produção de lipídios a partir da acetil-CoA, quando há
excesso de glicose. Quando a razão ATP/ADP é baixa, a glicose se destina à
glicólise, sendo esta controlada como descrito anteriormente. Não ocorre
síntese de ácidos graxos e a razão NADPH/NADP+ é alta, inibindo a via das
pentoses fosfato. Já quando a razão de ATP/ADP é alta, a glicose se destina
à via das pentoses, possibilitando a produção de NADPH, que é usado na
síntese de ácido graxo e da ribose 5-P, sendo a última importante na síntese
de nucleotídios. As partes oxidativas e não oxidativas podem ser acionadas
separadamente, em sincronia com a glicólise, de acordo com a necessidade
de NADPH e ribose 5-P.
O piruvato oriundo da glicólise pode ter vários destinos: (1) entrar no
ciclo de Krebs (glicólise aeróbica) pela sua transformação em acetil-CoA;
(2) ser reduzido a lactato (glicólise anaeróbica); ou (3) ser utilizado como
precursor da síntese de lipídios (via acetil-CoA). O complexo piruvato
desidrogenase proporciona a conversão de piruvato a acetil-CoA, em uma
reação irreversível, conectando a glicólise ao ciclo de Krebs e à síntese de
lipídios, e no jejum, à produção de corpos cetônicos. No período absortivo,
a insulina promove a desfosforilação da piruvato desidrogenase e,
consequentemente, a ativa, permitindo que a glicólise caminhe para o ciclo
de Krebs. No jejum, a piruvato desidrogenase é inibida, poupando o uso da
glicose e possibilitando a oxidação de ácidos graxos a acetil-CoA. A acetil-
CoA originada dos ácidos graxos, além de suprimir a oxidação do piruvato,
possibilita a sua conversão em oxalacetato (intermediário da
gliconeogênese). O piruvato ainda pode ser convertido a lactato, e este
também pode ser usado para a gliconeogênese.
Na sequência, temos a regulação do ciclo de Krebs, via cíclica cujo
objetivo é reduzir coenzimas como modo de armazenamento de energia, o
qual sofre influência da etapa sequencial, a cadeia de transporte de elétrons,
em que há reoxidação dessas coenzimas. O ciclo de Krebs sofre controle
pela produção de citrato e na oxidação deste a CO2 e oxalacetato. A
atividade da citrato sintase depende da concentração de oxalacetato, sendo a
acetil-CoA efetuador alostérico positivo para a piruvato carboxilase. Outro
sítio de regulação é o da enzima isocitrato desidrogenase, sendo o efetor
positivo o ADP, e o negativo, o NADH. A existência de ADP e NADH é
dependente da fosforilação oxidativa, que por sua vez modula o processo.
Quando há acúmulo de citrato (pelo aumento dos níveis de NADH), este é
exportado para o citosol, inibindo a fosfofrutoquinase e, consequentemente,
ajustando a glicólise ao ciclo de Krebs. Além disso, o citrato citosólico é
precursor da acetil-CoA, que é utilizada na síntese de ácido graxo. O
complexo α-cetoglutarato desidrogenase constitui o terceiro sítio de
atuação, sendo inibido por succinil-CoA, NADH e ATP. Não há regulação
por modificação covalente no ciclo de Krebs.
Por fim, o transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa são
processos fortemente acoplados, sendo esse acoplamento resultado do
controle respiratório exercido pela disponibilidade de ADP. Portanto, o ATP
é produzido conforme é consumido. Um segundo mecanismo inibitório é a
inibição alostérica do citocromo c oxidase pelo ATP. A eficiência da
fosforilação oxidativa também está relacionada ao grau de termogênese e ao
vazamento inespecífico de prótons pela membrana, o que causa o
desacoplamento do processo (redução da eficiência), promovendo a
termogênese e reduzindo a produção de radicais livres. A eficiência também
pode ser reduzida pelo transporte ativo na membrana da mitocôndria.

Lipídios
Os lipídios podem ser utilizados para: (1) a produção de lipídios hepáticos e
o armazenamento nas células adiposas; (2) a distribuição aos tecidos,
através de lipoproteínas plasmáticas (LDL e VLDL) e ácidos graxos livres,
e para serem oxidados (b-oxidação), para obtenção de energia; e (3) serem
utilizados para a produção de hormônios esteroides e sais biliares (a partir
do colesterol via HDL) no fígado; (4) os lipídios podem ainda ser
utilizados, pelo fígado, em um período de jejum para a produção de corpos
cetônicos (Figura 9.6) (Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009;
Tymoczko et al., 2011).
A degradação dos triacilgliceróis, o principal lipídio de reserva, é
desencadeada por glucagon e epinefrina (via cAMP/PKA que fosforila e
ativa a lipase hormônio sensível), e inibida por insulina. Os ácidos graxos
são utilizados para obtenção de energia a partir da β-oxidação, por tecidos
como músculos e fígado, e o glicerol é usado para a gliconeogênese
(produção de glicose a partir de moléculas que não são carboidratos). A β-
oxidação dos ácidos graxos não é submetida ao controle alostérico ou por
modificação covalente; o seu funcionamento está subordinado ao
suprimento do substrato, coenzima A, NAD+ e FAD (dependentes da cadeia
de transporte de elétrons).
Já a síntese de ácidos graxos pelo fígado e tecido adiposo ocorre pela
produção de malonil-CoA a partir de acetil-CoA, catalisada pela acetil-CoA
carboxilase. O citrato (razão ATP/ADP alta) é o efetor alostérico positivo, e
a palmitoil-CoA (produto da reação), o efetor negativo dessa enzima. A
palmitoil-CoA inibe a tricarboxilato translocase (transferência de citrato
para o citosol), e a citrato liase (recupera acetil-CoA a partir do citrato),
reduzindo a síntese de ácidos graxos. O glicerol 3-P, no fígado, pode ser
formado pela redução da di-hidroxiacetona fosfato e pela fosforilação do
glicerol pela glicerol quinase. Os triacilgliceróis (ácido graxo + glicerol)
podem ser produzidos no fígado e tecido adiposo, enquanto o ácido graxo é
produzido especialmente no fígado ou fornecido pela dieta. Quando há
excesso de malonil-CoA, esta inibe a carnitina acil-transferase I, enzima
responsável pela introdução dos radicais acilas na mitocôndria e pela β-
oxidação (degradação do ácido graxo). Assim, durante a síntese de ácidos
graxos, a sua degradação é reprimida.
Figura 9.6 Distribuição e vias do metabolismo do ácido graxo.

A enzima acetil-CoA carboxilase é também regulada por modificação


covalente. A insulina causa desfosforilação, ativando-a e permitindo a
síntese de ácidos graxos; no período de jejum ocorre o oposto. A insulina
ainda ativa a síntese de várias enzimas relacionadas à produção de ácidos
graxos. No período de jejum, o glucagon determina a degradação dos
triacilgliceróis (ativação da lipase hormônio sensível) e ácidos graxos.
Como não há glicólise para alimentar o ciclo de Krebs, a acetil-CoA
formada a partir do ácido graxo é direcionada à síntese de corpos cetônicos.

Aminoácidos
Os aminoácidos podem ser utilizados de várias maneiras, como por
exemplo: (1) síntese de proteínas hepáticas e nucleotídios, hormônios e
porfirinas (por outros tecidos); (2) distribuição aos tecidos, através de
lipoproteínas plasmáticas e aminoácidos livres no sangue; (3) serem
oxidados e utilizados para a produção de energia pelo ciclo de Krebs, ou
quando em excesso, de ácido graxo (pelo acúmulo de citrato); e (4) são
especialmente importantes no processo de gliconeogênese, quando
aminoácidos glicogênicos são transformados em piruvato ou derivados do
ciclo de Krebs, levando à produção de glicose no fígado e nos rins, a qual é
transportada para o sangue para manter a glicemia (Figura 9.7) (Marzzoco e
Torres, 2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011).
Na hipoglicemia (diminuição da concentração de glicose no sangue), o
fígado primeiramente quebra o glicogênio (glicogenólise) para o
fornecimento de glicose para tecidos estritamente dependentes. Em um
segundo momento, sintetiza a glicose a partir de moléculas que não são
carboidratos, como aminoácidos, lactato e glicerol, processo denominado
gliconeogênese. A maioria dos aminoácidos é metabolizada, de modo a
produzir alanina e glutamina; a transaminase específica para aminoácidos
ramificados está ativada no músculo para a produção de alanina, a qual é
transportada ao fígado. A alanina é captada especialmente no fígado, onde
seu α-cetoglutarato é transformado em piruvato, que é carboxilado a
oxalacetato na mitocôndria. O oxalacetato é então transferido ao
citoplasma, formando fosfoenolpiruvato. Assim, produz-se glicose, e o
grupo amina do aminoácido dá origem à ureia (ciclo da ureia), que é
excretada. A glutamina é utilizada nos rins; enquanto seu esqueleto de
carbono é usado para produção de glicose, a amina é transformada em íon
amônio. A amônia tem importante função na manutenção do pH
plasmático, que é reduzido em função da produção de corpos cetônicos.
Em período de jejum prolongado, os lipídios passam a ser oxidados, e
há produção de corpos cetônicos, os quais são importantes para os tecidos
estritamente dependentes de glicose, que passam a oxidá-los. Quando há
degradação das proteínas, o balanço do nitrogênio é negativo, uma vez que
o ciclo da ureia está ativado pela ação alostérica sobre a carbamoil-P sintase
I, estimulada por N-acetilglutamato, composto produzido a partir de acetil-
CoA e glutamato.
Figura 9.7 Distribuição e vias do metabolismo da proteína (aminoácido).

Integração dos tecidos


Como visto anteriormente, a integração metabólica ocorre tanto
individualmente, dentro de cada célula, como também pela integração de
diferentes células (tecidos) que se comunicam a partir dos hormônios
(Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011). O
fígado é o principal centro de distribuição de nutrientes, os quais são
absorvidos especialmente pelo intestino e transportados a este órgão
versátil, cujas funções são: processar e distribuir os nutrientes que chegam e
manter constante sua concentração no sangue; regular a biossíntese de
enzimas necessárias para a produção de moléculas específicas; e excretar
sais biliares.
Após o fígado, o tecido adiposo é o veículo mais importante na
distribuição e manutenção dos níveis de nutrientes no sangue. Durante o
período absortivo, utiliza a glicose (glicerol-P) e ácidos graxos (oriundos
dos quilomícrons, LDL/VLDL) assim como acetil-CoA e NADPH, na
produção de triacilgliceróis de armazenamento, os quais podem ser
disponibilizados durante os períodos de jejum para fornecimento de energia
e produção de corpos cetônicos no fígado. O triacilglicerol é quebrado,
disponibilizando o ácido graxo para os tecidos produzirem energia a partir
da transformação do ácido graxo em acetil-CoA, o qual entra no ciclo de
Krebs, produzindo coenzimas reduzidas que serão reoxidadas no transporte
de elétrons e fosforilação oxidativa, produzindo ATP. O fornecimento de
energia a partir da quebra do triacilglicerol (ácido graxo) produz mais ATP
do que a quebra do glicogênio hepático (glicose), sendo uma grande
vantagem dessa forma de armazenamento de energia. Durante o período de
jejum, a acetil-CoA pode produzir corpos cetônicos. O glicerol pode ser
transformado em glicerol 3-P no fígado, possibilitando a gliconeogênese.
O músculo esquelético, terceiro tecido importante no metabolismo
integrado, armazena glicogênio como fonte de energia própria. Assim, esse
tecido não contribui para o fornecimento de glicose nos períodos de
hipoglicemia, pois não tem a enzima glicose-6-fosfatase. Por outro lado,
pode contribuir no fornecimento de aminoácidos glicogênicos, assim como
lactato (oriundo da glicólise anaeróbica) para a produção de glicose pelo
fígado, no período de hipoglicemia, processo denominado gliconeogênese.
Os aminoácidos aromáticos devem passar por um processo de
transaminação no músculo antes de serem convertidos em glicose no
fígado, um bom exemplo de integração metabólica dos tecidos.
Por fim, temos o sistema nervoso (encéfalo), que é dependente de
glicose para o metabolismo, uma vez que os lipídios não conseguem
atravessar a barreira hematencefálica. Nos períodos de jejum prolongado
este tecido pode utilizar corpos cetônicos como fontes de energia. As
hemácias também são dependentes da glicose para obtenção de energia,
uma vez que não apresentam mitocôndrias para o metabolismo aeróbico.
Em períodos de hiperglicemia (período absortivo), a razão
insulina/glucagon se eleva, e todas as células recebem glicose, propiciando
a síntese de enzimas da via biossintética, com exceção da via da
gliconeogênese, para produção de glicose. Ao mesmo tempo, a insulina
inibe a mobilização de depósitos de energia (Marzzoco e Torres, 2007;
Champe et al., 2009; Tymoczko et al., 2011). A via da insulina PI3 K
(fosfatidilinositol 3-quinase) é ativada, assim como as PKB e PP-1. No
fígado, há a desfosforilação pela PP-1 da glicogênio fosforilase quinase
(inibição), glicogênio fosforilase (inibição) e da glicogênio sintase
(ativação). A PKB fosforila a GSK3 (glicogênio sintase quinase),
suspendendo o bloqueio da síntese de glicogênio.
A glicólise (quebra da glicose) é ativada, uma vez que a glicoquinase é
estimulada pela insulina, assim como a via pentose fosfato. Além da
produção de energia via ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa/transporte
de elétron, o fígado armazena o excesso de glicose (glicose-6-P se
transforma em glicose-1-P) na forma de glicogênio. O músculo é o único
tecido além do fígado, que consegue armazenar glicose assim. A
gliconeogênese é inibida pela insulina, pela atuação do PI3 K sobre
fosfoenolpiruvato carboxiquinase e glicose-6-fosfatase (inibição). Ainda
tem atuação indireta na frutose 2,6-bifosfato, que inibe a frutose 1,6-
bifosfatase e estimula a fosfofrutoquinase 1, a qual produz frutose 1,6-
bifosfato, efetor positivo para a piruvato quinase. Em outras palavras, a
glicólise é estimulada, assim como a ação da piruvato desidrogenase, que
transforma piruvato em acetil-CoA, a qual, por sua vez, estimula a piruvato
carboxilase, transformando também piruvato em oxalacetato. Assim, o ciclo
de Krebs, a fosforilação oxidativa e o transporte de elétrons estão ativados,
com grande produção de ATP. No fígado, o excesso de ciclo de Krebs e o
acúmulo de citrato estimulam o transporte de citrato para citosol, onde é
transformado em acetil-CoA. A acetil-CoA carboxilase atua sobre a acetil-
CoA citosólica, produzindo malonil-CoA, substrato para síntese de ácidos
graxos à custa de ATP. O excesso de produção de ATP oriundo da
fosforilação oxidativa ainda reduz a glicólise e estimula a via pentose
fosfato, favorecendo a síntese de lipídios pela produção de NADPH. A
síntese de triacilglicerol também está estimulada no tecido adiposo durante
o período absortivo. Quando há excesso de malonil-CoA, este inibe a
carnitina acil-transferase I, enzima responsável pela introdução dos radicais
acilas na mitocôndria. Assim, durante a síntese de ácidos graxos, a sua
degradação é reprimida. Portanto, o organismo tenta manter um equilíbrio
entre catabolismo e anabolismo.
Conforme há o consumo de ATP no processo de síntese de ácidos
graxos, a glicólise é reativada até atingir o máximo de produção de ATP, no
qual é inibida novamente. Assim, os processos ocorrem alternadamente. A
insulina ainda favorece a entrada de aminoácidos nas células e a síntese de
proteínas, de maneira que somente o excesso de aminoácidos é usado para a
produção de energia.
Portanto, durante o período absortivo (após a refeição), há aumento
plasmático de glicose, aminoácido e triacilglicerol, e prevalecem os efeitos
da insulina, estimulando a entrada de glicose nas células
insulinodependentes e o anabolismo (síntese de glicogênio no músculo e
triacilglicerol no tecido adiposo) (Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al.,
2009; Tymoczko et al., 2011). No período pós-absortivo (jejum inicial),
cerca de 4 h após a refeição (80 mg de glicose/100 m ℓ ), a razão
insulina/glucagon se reduz, e o glucagon passa a atuar predominantemente,
estimulando o metabolismo degradativo, isto é, a glicogenólise e a
gliconeogênese, com o objetivo de manter a glicemia. Esse período tem
duração de 12 h.
Neste momento, a via de sinalização cAMP/PKA do glucagon é
ativada e, consequentemente, a da insulina, reprimida. Assim, as enzimas
passam a ser fosforiladas, e as enzimas reprimidas no período absortivo são
estimuladas, isto é, há predomínio do metabolismo degradativo. O consumo
de glicose passa a ser permitido somente por tecidos estritamente
dependentes. No fígado, inicia-se a degradação do glicogênio, graças à
ativação da glicogênio fosforilase. A glicose-6-P não entra na glicólise, uma
vez que os níveis de frutose 2,6-bifosfato caem, inibindo a
fosfofrutoquinase 1. A piruvato quinase (glicólise) é inibida pela PKA,
assim como a via da pentose fosfato. Assim, o destino da glicose-6-P é ser
convertida em glicose, que é liberada na corrente sanguínea para a
manutenção da glicemia.
No entanto, a reserva de glicogênio é insuficiente para a manutenção
da glicemia por períodos prolongados. Então, há transformação de
aminoácidos glicogênicos (p. ex., alanina), oriundos de proteínas do tecido
muscular esquelético, em glicose, especialmente no fígado, a fim de
disponibilizar este nutriente às células estritamente dependentes. No jejum
mais avançado, o rim responde por 50% da gliconeogênese. Os rins captam
glutamina, que sob ação da glutaminase e a glutamato desidrogenase, libera
α-cetaglutarato e amônia. A amônia capta prótons dos corpos cetônicos,
sendo excretada na forma de NH4+, diminuindo a acidez corporal.
Os outros tecidos não dependentes de glicose captam a energia pela
oxidação dos ácidos graxos obtidos pela degradação da reserva de
triacilglicerol no tecido adiposo, via atuação da PKA e do cAMP. Conforme
aumenta o tempo de jejum, os processos degradativos aumentam, com a
maior disponibilidade de ácidos graxos e a produção de corpos cetônicos no
fígado a partir de acetil-CoA, uma vez que as razões acetil-CoA/CoA e
NADH/NAD+ estão altas, e o ciclo de Krebs está bloqueado (não há
produção de oxalacetato). Durante o período de jejum prolongado, o
cérebro desenvolve capacidade de oxidar os corpos cetônicos (b-
hidroxibutirato), sendo que o aumento dos corpos cetônicos pode levar à
acidose (Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009; Tymoczko et al.,
2011).
Dividindo esses períodos de jejum em dias, durante o primeiro dia, a
glicose e glicogênio hepático são a fonte de energia, seguidos pelo processo
de gliconeogênese. Após vários dias, a reserva de triacilglicerol é usada,
aumentando o nível de corpos cetônicos, e há a oxidação de proteínas
(gliconeogênese), que são a grande fonte de produção de glicose no período
de jejum, aumentando a excreção de nitrogênio (balanço negativo). Após
quatro a seis semanas de jejum, há redução no uso de proteínas, a fim de
proteger o organismo da morte. O cérebro passa a oxidar corpos cetônicos,
em especial o β-hidroxibutirato. Na fase avançada, a reserva de lipídio
acaba e se inicia o uso final de proteínas para produção de energia, o que
pode levar à morte em semanas ou meses, dependendo do peso corpóreo
(Tabela 9.1).

Tabela 9.1 Eventos que ocorrem durante o jejum inicial e o prolongado.

Período Fonte de energia

1 dia Glicose e glicogênio hepático (glicogenólise)

Vários dias/semanas Oxidação de proteínas (gliconeogênese)

Uso da reserva de triacilgliceróis

Aumento no nível de corpos cetônicos

Aumento na excreção de nitrogênio

4 a 6 semanas de jejum Redução no uso de proteínas (capacidade do


cérebro de oxidar corpos cetônicos – 60%)
Fase avançada Fim da reserva de gordura – uso da proteína

Alterações do metabolismo | Diabetes melito


É uma doença crônica, caracterizada pela hiperglicemia em função da
produção insuficiente de insulina ou resistência à sua ação. O corpo vai se
comportar como se estivesse em jejum (prevalecendo o metabolismo
degradativo), mesmo com o excesso de glicose no sangue, isto é, não há o
aproveitamento de glicose pelos tecidos insulinodependentes, prevalecendo
o metabolismo degradativo, como a quebra do glicogênio, e gliconeogênese
e lipólise acentuadas (produção de corpos cetônicos/cetose e
hipertriacilglicerolemia) (Marzzoco e Torres, 2007; Champe et al., 2009;
Tymoczko et al., 2011).
Podemos classificar o diabetes melito em: diabetes tipo 1
(insulinodependente ou juvenil) e diabetes tipo 2 (insulinoindependente ou
da maturidade) (Tabela 9.2). O diagnóstico é feito pelo exame de sangue,
em que se constata nível de glicose no sangue acima de 120 mg/100 mℓ em
jejum. A doença não é curável, mas controlável. Quando o paciente não
segue o tratamento, as complicações mais comuns são retinopatia,
nefropatia, neuropatia (AVC) e amputação, causadas pela glicosilação de
proteínas.
Os sintomas frequentes da hiperglicemia e produção de corpos
cetônicos são hálito cetônico, sede e fome excessivas (polidipsia), poliúria
(urina em excesso) e glicosúria (glicose na urina). O excesso de glicose
induz a glicosilação de proteínas (teste: glicosilação da hemoglobina,
aceitável até 6%) e aumenta a incidência de complicações cardiovasculares
(degeneração das paredes dos vasos sanguíneos), o que dificulta a
cicatrização, a oxigenação de tecidos periféricos e facilita o acúmulo de
lipídios nos vasos sanguíneos. Os lipídios são acumulados, uma vez que a
enzima lipase lipoproteica está inativada devido à baixa concentração de
insulina, não permitindo o transporte dos ácidos graxos das LDL e VLDL
para o tecido adiposo. Assim, há o quadro de hipertriacilglicerolemia e risco
aumentado de complicações cardiovasculares.
O diabetes tipo 1 acomete em torno de 10% dos pacientes com a
doença, sendo que esta aparece precocemente em indivíduos magros, os
quais apresentam predisposição genética moderada. Esses indivíduos
apresentam reação autoimune contra as células b do pâncreas, geralmente
relacionada a algum histórico de infecção viral, levando à não produção ou
à produção de quantidades mínimas de insulina, sendo frequentes cetose e
complicações como a cetoacidose. A cetose resulta da mobilização de
ácidos graxos e, consequentemente, da produção de corpos cetônicos. O
tratamento nesses casos é à base de injeções diárias de insulina.
O diabetes tipo 2 responde pela maioria dos casos, aparecendo
geralmente após os 35 anos, em indivíduos obesos e sedentários.
Atualmente, esta doença tem aparecido cada vez mais precocemente,
devido aos hábitos de vida da população (dietas altamente calóricas e
sedentarismo). O excesso de gordura parece contribuir para a resistência à
insulina, devido à produção de hormônios nos adipócitos, como leptina,
resistina e adiponectina (associados à síndrome metabólica: obesidade,
dislipidemia e hipertensão arterial), e à presença de ácidos graxos livres no
sangue. A predisposição genética é forte nesses casos, e o paciente
apresenta resistência à insulina associada à baixa produção compensatória
deste hormônio. A cetose não é tão comum nesses casos, sendo que o coma
hiperosmolar (problemas renais) pode ocorrer como complicação aguda. A
cetose não é comum, pois a insulina produzida ainda consegue controlar a
cetogênese hepática. O tratamento é à base de dieta, exercícios físicos e uso
de hipoglicemiantes (Chudyk e Petrella, 2011). Os agentes hipoglicemiantes
podem reduzir a produção de glicose no fígado, aumentar a captação de
glicose pelas células, estimular a secreção de insulina ou retardar a digestão.
A insulina pode ser administrada em casos mais graves.

Tabela 9.2 Principais diferenças entre diabetes melito tipos 1 e 2.

Diabetes tipo 1 Diabetes tipo 2

Idade de início Infância e puberdade Acima dos 35 anos (atualmente cada vez
mais precoce)

Estado nutricional Desnutrição Obesidade

Prevalência 10% 90%

Predisposição genética Moderada Forte

Deficiência Células beta Resistência à insulina


destruídas

Frequência de cetose Comum Rara

Insulina plasmática Baixa a ausente Alta a baixa

Complicações agudas Cetoacidose Coma hiperosmolar (desidratação)

Tratamento Insulina Dieta, exercício, hipoglicemiante e insulina


(em casos mais graves)

Conclusão
Os diferentes processos de regulação integrada visam estabelecer um nível
de glicose plasmático constante, além de outros nutrientes, satisfazendo as
necessidades dos diferentes tecidos.
O conhecimento sobre metabolismo é muito importante para os
profissionais da saúde, uma vez que distúrbios no controle do metabolismo
podem levar ao aparecimento de doenças crônicas como diabetes e
hipertensão, que, quando não controladas, podem ter impacto direto durante
a realização de procedimentos invasivos como cirurgia e no processo de
reparo. Revisões sistemáticas têm apontado que o diabetes melito tipo 2
pode ser considerado fator de risco à periodontite (Khader et al., 2006;
Chávarry et al., 2009), assim como o controle da doença periodontal parece
ter impacto na glicemia em pacientes com diabetes melito tipo 2 (Janket et
al., 2005; Darré et al., 2008; Teeuw et al., 2010), informação que precisa
ser confirmada com estudos clínicos longitudinais, randomizados e
controlados.
Em relação à fonoaudiologia, apesar da falta de validade científica,
pacientes com diabetes melito frequentemente apresentam sintomas como
tontura, zumbidos, hipoacusia e perda auditiva (Klagenberg et al., 2007;
Diniz e Guida, 2009). A angiopatia e a neuropatia causadas pelo diabetes
melito têm sido consideradas importantes fatores responsáveis pelas
manifestações vestibulococleares nesses pacientes. No entanto, de acordo
com Maia e Campos (2005), existe controvérsia no que se refere à
etiopatogênese da perda auditiva, sendo que parte dos autores advoga que
ela ocorra devido à neuropatia, outra parte à angiopatia, e outra, ainda, à
associação das duas. Há também os que entendem que o diabetes melito e a
perda auditiva poderiam ser partes integrantes de uma síndrome genética, e
não dependentes entre si, ressaltando a importância do conhecimento básico
para o entendimento das ocorrências clínicas.

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N
este capítulo abordaremos os mecanismos envolvidos na contração
muscular, assim como as fontes de energia utilizadas nesse processo.
Nosso principal foco será o músculo esquelético amplamente utilizado na
Odontologia e na Fonoaudiologia durante a fala, a deglutição e a
mastigação. Os músculos esqueléticos apresentam característica
microscópica de estrias, contraindo-se diante de impulsos nervosos
motores. Ainda temos os músculos cardíacos, com características similares
às do esquelético, porém sob controle involuntário. A musculatura lisa
presente nos vasos sanguíneos e no sistema digestório não apresenta
características estriadas e se contrai involuntariamente (Figura 10.1).
Falaremos um pouco sobre musculatura lisa ao final do capítulo.
O processo de contração muscular tem características peculiares,
porém outras células também apresentam mobilidade devido à presença de
filamentos contráteis, como a actina e a miosina, e também dos
microtúbulos. A mobilidade é importante para eventos como mitose,
pinocitose, exocitose e fagocitose. Os microtúbulos são formados por uma
proteína denominada tubulina e são encontrados nos fusos mitóticos, nos
cílios e flagelos (além da tubulina encontramos dineína), e como elementos
de sustentação da célula. Uma abordagem mais detalhada poderá ser
encontrada em livros sobre Citologia e Histologia.

Musculatura esquelética
As fibras musculares são células longas multinucleadas que formam os
músculos esqueléticos. Apresentam sarcolema (membrana plasmática) e
sarcoplasma (citoplasma), o qual é preenchido por centenas de fibrilas
denominadas miofibrilas, embebidas em um fluido rico em enzimas,
aminoácidos, carboidratos, íons, ATP, entre outros constituintes. Essas
células apresentam retículo sarcoplasmático com importante função no
processo de contração muscular, como veremos na sequência (Figura 10.2).
Dependendo do tipo de fibra muscular e sua atividade (aeróbica ou/e
anaeróbica), a isoforma de algumas proteínas-chave na contração e o
número de mitocôndrias, mioglobulinas e citocromos podem variar.
As miofibrilas são formadas basicamente por dois tipos de filamentos
proteicos: os filamentos grossos e os filamentos finos. A relação entre esses
dois tipos de filamentos é o que causa a aparência estriada da fibra muscular
e o aparecimento de zonas ao microscópio eletrônico. As zonas claras
formam as bandas I (isotrópicas: apresentam propriedades físicas
uniformes), que contêm somente filamentos finos; as zonas escuras formam
as bandas A (anisotrópicas – birrefringentes), que contêm uma sobreposição
de filamentos grossos e finos (Figura 10.3). Cada filamento grosso está
circundado por seis filamentos finos. Os filamentos grossos ocupam toda a
banda A, já os filamentos finos ocupam metade de uma banda A, passam
pela banda I e ocupam metade de outra banda A (Marzocco e Torres, 2007;
Schiaffino e Reggiani, 2011).
Os filamentos grossos são constituídos basicamente por miosina, uma
proteína com seis cadeias polipeptídicas, sendo duas maiores (as cadeias
pesadas) e quatro menores (as cadeias leves). Os filamentos se organizam
em uma porção fibrosa, a cauda da miosina, e em duas porções globulares,
as cabeças da miosina (aparência similar ao “taco de golfe”) (Figura 10.4).
A cauda se forma pelo entrelaçamento das duas cadeias α-hélice pesadas; já
as cabeças se formam pela união das cadeias pesadas e leves. Cada cabeça
contém um domínio catalítico e um domínio mecânico. O domínio
catalítico contém a enzima ATPase e o sítio de ligação aos filamentos finos;
já o domínio mecânico se situa entre o catalítico e a cauda e apresenta dois
pontos de articulação, os quais permitem movimentação (“braço-alavanca”)
durante a contração (Marzocco e Torres, 2007).

Figura 10.1 Tipos de músculos: esquelético, liso e cardíaco.


Figura 10.2 Principais características de células do músculo estriado.
Figura 10.3 Organização das miofibrilas: zonas claras (filamentos finos) e zonas escuras
(filamentos finos + grossos).

Figura 10.4 Visão do filamento grosso formado por miosina.


Figura 10.5 Organização das moléculas de actina, troponina e tropomiosina no filamento fino.

Os filamentos grossos são formados por centenas de moléculas de


miosina, associadas cauda a cauda, onde as cabeças estão voltadas para a
extremidade (direções opostas). Cada filamento grosso tem cerca de 1.500
nm de comprimento e 10 nm de espessura (Figura 10.4). Algumas proteínas
acessórias, como a proteína C e a proteína da linha M, servem para manter
os filamentos grossos próximos e alinhados (Nelson e Cox, 2014). A
ligação que se estabelece durante a contração muscular entre as cabeças da
miosina e os filamentos finos é chamada de ponte cruzada.
Os filamentos finos são formados principalmente por actina, mas
também por tropomiosina e troponina. Para formação dos filamentos, os
monômeros globulares de actina (actina G) se polimerizam, formando duas
hélices entrelaçadas, originando uma longa molécula, a actina F. Cada
filamento fino contém uma molécula de actina F associada a duas outras
proteínas: a troponina e a tropomiosina. A molécula de tropomiosina se
insere no sulco entre as duas hélices da actina F, cobrindo sete monômeros
de actina. Cada molécula de tropomiosina está unida a uma molécula de
troponina (TnT). A troponina apresenta formato globular e é composta por
três subunidades: TnC (capaz de ligar-se ao Ca+2), TnI (inibe a interação da
cabeça da miosina à actina) e TnT (se liga à tropomiosina) (Figura 10.5).
Como dito anteriormente, as miofibrilas apresentam bandas claras,
onde estão os filamentos finos, e, no centro, temos a linha ou disco Z (mais
densa), que ancora os filamentos finos dos sarcômeros adjacentes. A linha Z
transmite força longitudinal entre os sarcômeros e também transversal, pela
interação com proteínas que não fazem parte da miofibrila. Ainda atua
como sensor de força de tensão na célula muscular, sendo sua espessura
variável conforme o tipo de fibra (fibras rápidas – 30 a 50 nm; fibras lentas
– 100 nm) (Schiaffino e Reggiani, 2011).
Há um padrão estrutural repetitivo na miofibrila, denominado
sarcomêro, definido como a unidade funcional da fibra muscular que vai de
uma linha Z a outra linha Z (Figura 10.3) (Marzocco e Torres, 2007;
Schiaffino e Reggiani, 2011). Como veremos na sequência, o sarcômero se
encurta durante a contração muscular entre 20 e 50% (Nelson e Cox, 2014).
Na banda A temos a sobreposição de filamentos grossos e finos, e o
aparecimento da banda ou zona H (menos densa), na qual há a linha ou
disco M (mais densa), que ancora os filamentos grossos (miosina e titina),
dando estabilidade à miofibrila (Figura 10.3) na linha M, encontramos
ainda creatinoquinase (enzima importante na obtenção de energia) e
miomesina. As linhas Z e M estão conectados por filamentos longitudinais,
que se prendem também aos filamentos grossos, formados por proteínas
gigantes: titina, obscurina e nebulina. A molécula de titina é elástica,
garantindo a integridade ao sarcômero durante a contração e o relaxamento
(Fukuda et al., 2008). A obscurina, encontrada na linha M, tem conexão
com a membrana do retículo sarcoplasmático (Young et al., 2001); já a
nebulina interage com os filamentos finos, auxiliando na organização da
banda I (Labeit et al., 1991). Existem ainda outras proteínas do
citoesqueleto, que ligam o sarcômero ao sarcolema e transmitem força ao
tendão.

Contração muscular | Mecanismo e fatores


reguladores
A contração dos músculos esqueléticos ocorre pelo encurtamento dos
sarcômeros, como resultado do deslizamento dos filamentos finos entre os
grossos, sem mudança no comprimento dos filamentos (Figura 10.6). A
energia utilizada para tal atividade se dá pela hidrólise do ATP, que ocorre
na cabeça da miosina sob influência da actina.
Para a produção de movimento, deve ocorrer a transformação de
energia química em energia mecânica pelas proteínas musculares já citadas
anteriormente. Para isso, ocorrem hidrólise do ATP e rotação angular da
cabeça da miosina, componente mecânico primário da produção de força e
movimento (movimento braço-alavanca, Figura 10.7).
Primeiramente o ATP se liga ao complexo actina-miosina, formando
actina-miosina-ATP (AM.ATP). O complexo actina-miosina é desfeito por
ATP, já que a afinidade da miosina por actina é bastante reduzida pela
ligação de ATP à miosina. Portanto, a miosina se desliga da actina,
formando miosina.ATP (M.ATP). A miosina hidrolisa o ATP em M.ADP.Pi.
Nesse momento, há novamente ligação da actina à miosina, formando
AM.ADP.Pi (complexo gerador de força), induzindo a liberação do Pi
(Marzocco e Torres, 2007).
A propulsão mecânica depende da liberação de fosfato inorgânico após
a etapa de hidrólise de ATP, induzindo o braço-alavanca a sofrer grande
rotação angular e a miosina deslocar o filamento de actina (Figura 10.7).
Portanto, a contração muscular consiste em fixação e desligamentos
sucessivos das cabeças de miosina à actina, um fazer e desfazer de pontes
cruzadas, à custa de energia liberada pela hidrólise do ATP. A liberação do
ADP produz A.M, que pode se ligar novamente ao ATP, reiniciando o
processo (Marzocco e Torres, 2007; Schiaffino e Reggiani, 2011).
Alguns fatores controlam todo o processo de contração muscular. No
músculo esquelético em repouso (relaxado), a troponina e a tropomiosina
bloqueiam regiões da molécula de actina, onde se ancoram as cabeças da
miosina, portanto, a ATPase não é ativada e a contração é inibida. O
aumento da concentração de Ca+2 reverte essa inibição, uma vez que as
regiões da actina ficam descobertas, viabilizando a ligação miosina-actina,
o que aumenta significativamente a atividade ATPásica; então, a contração
é estimulada.

Figura 10.6 Visão do sarcômero. A. Relaxado. B. Contraído.


Figura 10.7 Interação actina-miosina durante a contração muscular.

Vamos entender como o Ca+2 é liberado e disponibilizado para


estimular a contração muscular. A contração dos músculos esqueléticos é
desencadeada por uma onda de despolarização que se propaga pelo
sarcolema em resposta à chegada do impulso nervoso na junção
neuromuscular. Os túbulos T, invaginações do sarcolema transversais à
superfície da célula, transmitem a despolarização para o interior da fibra. Os
túbulos T transmitem a mensagem às cisternas do retículo sarcoplasmático,
que respondem à mudança do potencial de membrana com liberação de Ca+2
para o sarcoplasma. No músculo em repouso, a concentração de Ca+2 no
retículo é mantida alta em relação ao sarcoplasma. A chegada do impulso
nervoso torna a membrana do retículo sarcoplasmático permeável ao Ca+2
(abertura do receptor rianodina), o qual passa para o sarcoplasma, elevando
a sua concentração. Então, inicia-se a contração muscular.
O Ca+2 se liga à TnC, que por sua vez desloca a TnI. A ligação entre
TnI e actina se torna mais fraca, assim como a união TnT e tropomiosina,
permitindo o deslocamento da tropomiosina. Como consequência, os sítios
da actina ficam expostos, permitindo a interação hidrofóbica com a cabeça
de miosina, a qual por sua vez contém a ATPase em seu domínio catalítico.
Então, segue-se o ciclo do braço-alavanca já descrito. Filamentos finos são
deslocados em direção ao centro do sarcômero (Figura 10.6). Há a
superposição dos filamentos finos e grossos, acarretando o encurtamento do
sarcômero. O Ca+2 ainda apresenta outras funções: ativa a fosforilação e a
desfosforilação proteica via interação com a calmodulina, e estimula a
proteólise por ativar enzimas dependentes de cálcio (Schiaffino e Reggiani,
2011).
Cessada a excitação nervosa, os íons Ca+2 são bombardeados de volta
ao retículo sarcoplasmático, restabelecendo o estado de repouso (Marzocco
e Torres, 2007; Nelson e Cox, 2014). O Ca+2 é transportado de volta ao
retículo sarcoplasmático por bombas à custa de ATP. As mitocôndrias das
fibras de contração lenta também parecem contribuir para a homeostasia do
cálcio. Com a redução do Ca+2 sarcoplasmático, a troponina não desloca
mais a tropomiosina, que passa a impedir novas ligações de miosina à
actina durante o repouso.

Contração muscular | Fontes de energia


A contração muscular consome energia: 70% se destina à interação
miosina-actina (pela atuação da ATPase miofibrilar) e 30% ao transporte de
íons (sendo o principal o transporte de cálcio de volta ao retículo
sarcoplasmático). A primeira fonte de energia é o ATP intrínseco (presente
no sarcoplasma), capaz de sustentar contração muscular intensa por apenas
poucos segundos. O reservatório adicional imediato de energia é constituído
por fosfocreatina (concentração 5 vezes maior que o ATP), produzida pela
atuação da creatinoquinase, em períodos de repouso, fosforilando a creatina
à custa de ATP. Durante a atividade muscular, a reação ocorre no sentido
inverso, havendo regeneração de ATP para sustentar a contração e a
produção de creatinina que é excretada na urina.
ATP e fosfocreatina constituem o suprimento imediato de energia para
o trabalho muscular, suficientes para esforços máximos e pouco duradouros
(frações de segundos), processos estritamente anaeróbicos. São fontes de
energia importantes para atividades como corrida de 100 m, natação de 25
m, levantamento de peso, saque no tênis, chute no futebol e salto em altura
(Marzocco e Torres, 2007).
O próximo suprimento é a glicose, proveniente da circulação e do
glicogênio muscular. No exercício, a entrada de glicose nas células
musculares é promovida pela proteinoquinase, dependente de AMP
(Friedrichsen et al., 2013). A degradação de glicogênio é estimulada pela
liberação de Ca+2, que desencadeia a contração muscular, e ainda é
estimulada por epinefrina e AMP. A glicólise é então realizada, produzindo
ATP para sustentar a contração muscular.
A via glicolítica é inicialmente anaeróbica, com produção de lactato e
H+. Essa degradação anaeróbica da glicose constitui alternativa imediata
para o início de um esforço, sendo capaz de sustentar exercícios intensos de
1 a 2 min (corridas de 200 a 1.000 m e natação de 100 a 200 m) (Marzocco
e Torres, 2007).
À medida que os sistemas circulatório e respiratório são ativados, a
glicólise anaeróbica vai sendo substituída por glicólise aeróbica.
Paralelamente, há aumento no fornecimento de ácidos graxos (degradação
de lipídios) para oxidação pelo sistema muscular, especialmente pelas fibras
de contração lenta. Acima de 2 a 3 min de esforço vigoroso, o trabalho
muscular é realizado à custa de ATP obtido por oxidação aeróbica dos
substratos disponíveis como a glicose e ácido graxo (energia utilizada para
corridas de 1.500 m, ciclismo, maratona) (Marzocco e Torres, 2007).
A ordem de uso do sistema gerador de energia acionado é a seguinte:
ATP-fosfocreatina, glicólise anaeróbica e oxidação aeróbica. Os três
sistemas geradores de energia são solicitados na maioria das atividades
físicas. A contribuição relativa de cada sistema para o total de energia
necessária pode variar conforme o tipo de fibra muscular, a qual está
relacionada à intensidade e à duração do exercício.
Exercícios intensos e curtos requerem energia de obtenção rápida,
como o metabolismo anaeróbico. O metabolismo aeróbico requer
suprimento contínuo e adequado de oxigênio. O treinamento acelera o
aporte de oxigênio pelo sistema cardiovascular e faz aumentar o número de
mitocôndrias e a concentração de enzimas envolvidas na síntese de ATP em
determinados tipos de fibras musculares, estimulando a oxidação aeróbica,
principalmente de ácidos graxos, sendo importante quando o objetivo da
atividade física é a perda de peso.
A fadiga muscular periférica se instala após estimulação repetida de
um grupo muscular, especialmente após exercícios extenuantes e de curta
duração, prevalente em fibras de contração rápida. A seguir, veremos as
diferenças entre fibras de contração rápida e lenta. A fadiga é a perda de
força e de contratilidade diante da atividade física extenuante, sendo
reversível após período de descanso (Kent-Braun et al., 2012). Diminuição
da sensibilidade miofibrilar ao cálcio, assim como redução da liberação de
cálcio do retículo sarcoplasmático, parecem estar relacionadas ao
aparecimento de fadiga e não simplesmente à acidose oriunda do
metabolismo anaeróbico (Westerblad et al., 2010). Nos músculos lentos, a
liberação de cálcio é menos sensível ao magnésio que nos músculos de
contração rápida. Isso pode ser uma razão para a baixa ocorrência de fadiga
em músculo de contração lenta, uma vez que o aumento de Mg intracelular
é visto na fase tardia da fadiga muscular (Schiaffino e Reggiani, 2011).

Tipos de fibras musculares


Os músculos esqueléticos dos vertebrados são compostos por dois tipos
principais de fibras: tipo I, fibras lentas oxidativas; e tipo II, fibras rápidas.
As fibras tipo I (lentas oxidativas) apresentam cor vermelho-escura,
devido à alta vascularização e ao alto conteúdo de mioglobina, citocromos e
mitocôndrias. Portanto, possuem alta capacidade de oxidar aerobicamente
carboidratos e ácidos graxos para gerar ATP. Logo, apresentam contração
lenta e baixo risco à fadiga, diferentemente das fibras do tipo II. Também
apresentam um disco Z mais espesso.
As fibras tipo II podem ser subdivididas em três subtipos. As fibras
tipo IIB (rápidas glicolíticas) são mais claras por serem praticamente
destituídas de mioglobina e conterem poucas mitocôndrias, obtendo energia
quase exclusivamente por glicólise anaeróbica. As fibras do tipo IIA
exibem um perfil metabólico intermediário (Peter et al., 1972). Um terceiro
subtipo de fibra muscular tipo II foi identificado, tipo IIx, que apresenta
propriedades de contração e tempo de relaxamento similares às fibras IIA e
IIB, porém a resistência à fadiga é intermediária entre as fibras IIA e IIB
(Larsson et al., 1991). O tipo de fibra muscular é determinado
primariamente pela isoforma da cadeia pesada da miosina (MHC) que é
sintetizada, e também pelo nível de enzimas oxidativas (Marzocco e Torres,
2007; Schiaffino e Reggiani, 2011).
Os músculos esqueléticos humanos são músculos mistos que
expressam todos os tipos principais de fibras, em proporções variáveis. A
maleabilidade estrutural e funcional das fibras musculares permite
adaptação à solicitação que é imposta ao músculo ou a mudanças do
ambiente. As fibras lentas (I) são encontradas em grande número em
músculos de atividades duradouras, como a manutenção da postura. As
fibras rápidas (IIB) predominam em músculos com movimentação rápida e
curta como aqueles encontrados nas pernas e nos braços.
O fenótipo muscular pode mudar em resposta ao estímulo hormonal e
neural (taxa e número de impulsos/dia) (Schiaffino e Reggiani, 2011). O
tipo de estímulo nervoso tem influência na composição do sarcolema
(diferença na expressão de canais iônicos e bombas), na estrutura do
citoesqueleto e no transporte do cálcio e no metabolismo energético
(Schiaffino e Reggiani, 2011).
É controversamente discutido e estudado se o exercício físico induz
alterações no perfil de isoformas de MHC: conversão do tipo IIB em IIA e
conversão do tipo II no tipo I, e aumento na capacidade oxidativa do
músculo (Kohn et al., 2011; Wilson et al., 2012). Sugere-se que grandes
quantidades de fibras do tipo II estejam associadas a obesidade, fatores
genéticos e falta de exercício físico, podendo contribuir para o
aparecimento de diabetes tipo 2. Por outro lado, a prática de exercício físico
pode aumentar a sensibilidade do músculo à insulina, reduzindo a chance
do aparecimento de diabetes tipo 2 (Patti et al., 2003; Lowell e Shulman,
2005).

Diferenças entre músculo estriado


(esquelético) e liso
Os músculos lisos consistem em células alongadas, contendo filamentos
grossos e finos, que não se organizam em miofibrilas e cujos sarcômeros
não ficam alinhados, como nos músculos estriados. Os filamentos finos não
contêm troponina assim como os filamentos grossos apresentam isoforma
de miosina diferente da encontrada nos músculos estriados.
A contração dos músculos lisos se inicia pelo aumento da
concentração Ca+2 no sarcoplasma, o qual tem origem extracelular. A
estimulação elétrica é provocada pelo sistema nervoso autônomo ou
hormonal. O Ca+2 se associa à calmodulina (com função semelhante à TnC
do músculo esquelético), formando a Ca+2-calmodulina, que se liga a uma
miosina quinase, ativando-a. Com a fosforilação das cadeias leves pela
atuação da miosina quinase, as moléculas de miosina mudam de formato,
passando de helicoidais a filamentosas, e possibilitando a interação de
actina e miosina. As cadeias leves, uma vez fosforiladas, deixam
descobertos os sítios da actina, permitindo a interação miosina-actina. A
ATPase da cabeça da miosina é então ativada e a contração ocorre.
Quando desforiladas, as cadeias leves bloqueiam os sítios da actina,
impedindo a ligação entre actina-miosina, desempenhando papel similar à
TnI dos músculos esqueléticos, e o músculo permanece em estado de
relaxamento. Os níveis basais de Ca+2 são restabelecidos através do
transporte, utilizando a bomba Ca+2-ATPase do sarcolema. Portanto, o
músculo relaxa.
A contração dos músculos lisos é, portanto, desencadeada por Ca+2,
como nos músculos esqueléticos, mas o mecanismo de ação deste íon difere
entre os dois tipos de músculos. No músculo liso, a ação do cálcio também
está sujeita ao controle hormonal. A epinefrina se liga a receptores β
encontrados nas células musculares lisas, induzindo o estímulo da adenilato
ciclase, o aumento da concentração de cAMP e a ativação da
proteinoquinase dependente de cAMP. Um dos substratos da
proteinoquinase é a miosina quinase, que quando fosforilada tem sua
atividade inibida. A fosforilação das cadeias leves da miosina é, portanto,
interrompida, reduzindo a afinidade Ca+2-calmodulina e inibindo a
contração.

Conclusão
O conhecimento sobre os mecanismos envolvidos na contração muscular é
de suma importância para alunos de graduação e pós-graduação em
Odontologia e em Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de
assuntos envolvendo o sistema estomatognático nas disciplinas de
Fisiologia, Motricidade Oral e Fala, Clínica Integrada Reabilitadora e
Disfunção Temporomandibular. Portanto, esse conhecimento poderá ser
aplicado em disciplinas teórico-práticas afins, nas pesquisas laboratoriais e
clínicas, e no diagnóstico e na conduta clínica dos pacientes. Avanços nesse
campo de pesquisa trarão importantes contribuições para o tratamento de
distúrbios envolvendo a fala, a deglutição, a mastigação, assim como para o
tratamento das disfunções temporomandibulares.

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ineralização biológica é definida como uma sequência de eventos por
meio dos quais células específicas formam uma matriz orgânica, na
qual sais de fosfato de cálcio insolúveis são depositados. Essa capacidade
de produzir um tecido ou estrutura mineralizada é bastante utilizada por
ampla variedade de seres vivos, desde seres unicelulares capazes de
produzir pequenos cristais, passando por organismos marinhos como ostras
e corais, até os seres humanos. Percebemos que existem pontos similares
usados na síntese desses tecidos mineralizados, além de elementos comuns
na sua constituição, como o cálcio e o fosfato em suas formas iônicas. Entre
suas funções, a maioria dos tecidos mineralizados é envolvida com
mecanismos de proteção/defesa, locomoção, reservatório de íons, entre
outros (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013;
Nudelman, 2015).
Considerando os tecidos mineralizados no homem, temos quatro tipos,
também chamados tecidos duros: osso, cemento, dentina e esmalte. Neste
capítulo, vamos abordar detalhes da mineralização desses quatro tipos de
tecidos. Três deles – osso, cemento e dentina – apresentam diversas
semelhanças (Nanci, 2008; Nicolau, 2008). O esmalte, como veremos
adiante, apresenta características peculiares, e por isso será descrito
separadamente. Alguns detalhes de composição e estrutura serão abordados
nos Capítulos 12 e 13.

Componente orgânico
Os tecidos mineralizados (esmalte, osso, cemento e dentina) são formados
por células, constituintes orgânicos produzidos por estas (Tabela 11.1) e
constituintes inorgânicos, sendo os principais cálcio e o fosfato.
Primeiramente, é formada a matriz orgânica, responsável pela orientação e
modulação do processo de mineralização de cada tipo de tecido. O colágeno
é a principal proteína componente da estrutura de suporte dos tecidos
conjuntivos mineralizados (com exceção do esmalte). Além do colágeno, a
matriz apresenta outras proteínas dependendo do tecido, como as
proteoglicanas (disco hipofisário cartilaginoso), macromoléculas formadas
por proteínas conjugadas, assim como lipídios (fosfolipídios) e
polissacarídeos sulfatados ou glicosaminoglicanos. A dentina, por exemplo,
é rica em fosforinas (proteínas fosforiladas) (Bonucci, 2002; Golub, 2009;
Nudelman et al., 2013; Millán e Whyte, 2016).
O colágeno, a amelogenina, as proteoglicanas, as glicoproteínas e
algumas enzimas, juntamente com as células, determinam a natureza da
matriz, enquanto as fosfoproteínas, os proteolipídios e os fosfolipídios
servem como nucleadores de minerais. A distribuição de cada proteína da
matriz, determinada pela presença de glicosaminoglicanos, tem influência
decisiva sobre o modo como ocorrerá a deposição dos sais de fosfato de
cálcio. Por exemplo, quando o colágeno se distribui de forma circular e
paralela, tem-se a formação de osso tipo haversiano. Quando a formação do
colágeno se dá em rede, aprisionando as células durante a mineralização,
tem-se a formação de cemento. Na dentina, a distribuição da rede colágena
no formato de rede entrelaçada permite que a mineralização ocorra
respeitando não só o odontoblasto, que fica fora da matriz que se
mineraliza, mas também a porção de célula que percorre o interior dessa
rede, determinando a existência de canais após a mineralização, por onde
passam os prolongamentos dos odontoblastos. Já no esmalte, as moléculas
de amelogenina se distribuem paralelamente ao seu longo eixo, permitindo,
após a mineralização, a formação dos chamados prismas de esmalte
(Bonucci, 2002; Golub, 2009; Margolis et al., 2014; Nanci, 2008; Nicolau,
2008; Nudelman et al., 2013).
Tabela 11.1 Constituintes celulares e orgânicos dos tecidos mineralizados.

Tecido Célula Proteínas da matriz

Osso Osteoblasto Colágeno

Cemento Cementoblasto Colágeno

Dentina Odontoblasto Colágeno

Esmalte Ameloblasto Amelogenina

Componente inorgânico
Nos tecidos mineralizados, podem ser encontrados sais de carbonato de
cálcio (em unicelulares e vegetais) e sais de fosfatos de cálcio (em animais
superiores). O carbonato de cálcio pode ser encontrado também em cálculos
renais e dentários, sendo estas condições patológicas de deposição de
mineral. Há diferentes tipos de sais de fosfato de cálcio: fosfato monocálcio
(MCP), fosfato dicálcio (DCP), fosfato dicálcio di-hidratado (DCPD),
fosfato tricálcio (TCP), fosfato octacálcio (OCP) e as bioapatitas, que não
são puras (hidróxi, flúor, magnésio e carbonato apatita). Nos mamíferos, o
principal sal de fosfato de cálcio encontrado é a hidroxiapatita (HAP):
Ca10(PO4)6(OH)2 (Nanci, 2008; Bonucci, 2012; 2014; Hirasawa e Kuratani,
2015).
O cristal de apatita tem o formato de um prisma hexagonal envolvido
por uma camada de íons adsorvidos, os quais, se positivamente carregados
(cátions), poderão trocar com o cálcio (Fe+2, Na+, Mg+2, Zn+2, Cu+2), e, se
negativamente carregados (ânions), poderão trocar com a hidroxila (OH–)
ou mesmo com o fosfato (PO4–3), como é o caso do Cl–, do F– e do CO3–2. A
maior parte desses íons se encontra nos fluidos bucais ou na camada de
hidratação que envolve os cristais de apatita. Assim como alguns íons
(bicarbonato, citrato, fosfato, cálcio, magnésio, potássio e sódio) podem se
ligar ao cristal, algumas proteínas também o fazem (osteocalcina,
osteonectina) (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Esses diferentes íons podem influenciar a formação e a estabilidade da
apatita. Para que um material cristalino insolúvel se forme, é necessário que
íons estejam bem próximos e contenham energia de colisão suficiente e
orientação adequada para a formação de núcleos críticos, definidos como a
menor combinação estável de íons com a estrutura do material cristalino em
solução. A esse processo de formação do núcleo crítico de precipitação dá-
se o nome de nucleação. Uma vez formado o núcleo crítico, a adição de
mais íons ou aglomerados de íons resulta no crescimento do cristal no longo
eixo. A existência de um catalisador, assim como a agitação da solução,
pode acelerar o processo de crescimento do cristal. Por outro lado,
inibidores de nucleação, como magnésio, carbonato, pirofosfato inorgânico
(PPi), ATP ou GDP, podem impedir o mecanismo de mineralização (Nanci,
2008; Golub, 2009; Omelon et al., 2013).
Tipos de cristais
Conforme a matriz orgânica é produzida, inicia-se a deposição de sais de
cálcio, havendo duas hipóteses para explicar esse fenômeno: (1) o fosfato
de cálcio já se precipita na forma de HAP diretamente na matriz orgânica
formada; ou (2) o fenômeno ocorre em várias etapas, começando com a
precipitação de fosfato de cálcio amorfo que, em seguida, é transformado
em OCP, que por fim é transformado em HAP (Bonucci, 2002; Nanci,
2008; Nicolau, 2008; Omelon et al., 2013).
De acordo com a segunda hipótese, devido à ação da fosfatase alcalina,
uma hexose-fosfato libera íons fosfato para o meio, os quais se ligam ao
cálcio, depositando-se na forma de TCP amorfo. As dez unidades de TCP
originam três HAP com liberação de 6 H+ e 2 PO4–3. Para que ocorra a
precipitação do TCP, as concentrações de cálcio e fosfato devem ser altas, a
fim de que o TCP alcance o ponto de saturação. No entanto, as quantidades
de hexose-fosfato e fosfatase alcalina, apesar de altas, não são suficientes
para aumentar expressivamente a concentração de cálcio e fosfato. Por isso,
surgiu a grande questão: qual seria o mecanismo inicial de mineralização?
Como se iniciam as primeiras precipitações de sais de cálcio insolúvel sobre
a matriz orgânica? Isso porque, após a primeira precipitação, o próprio
precipitado inicial poderia passar a ser um núcleo indutor, um catalisador,
para que o processo pudesse continuar mesmo em níveis mais baixos de
concentração (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Omelon et al.,
2013).
Essa questão permanece sem resposta, devido à complexidade do
fenômeno em si e ao controle que a célula exerce sobre o mesmo. Para
explicar o mecanismo de mineralização inicial, várias teorias foram
desenvolvidas, conforme descrito a seguir.

Teorias da mineralização
Uma das primeiras teorias do processo de mineralização biológica,
levantada há quase 100 anos, propõe que uma enzima, a fosfatase alcalina,
seria a principal responsável pelo processo, agindo sobre ésteres-fosfato e
liberando o fosfato. Desde a sua formulação, surgiram outras evidências,
descobertas, dúvidas e contrapontos (ou quase contradições) (Nanci, 2008;
Nudelman et al., 2013).
Dentre as diferentes teorias propostas, podemos classificar duas linhas
principais de raciocínio: as vesículas de matriz (VM) e a nucleação
heterogênea (Nanci, 2008).
No primeiro mecanismo, a VM está relacionada ao início do processo
de mineralização. A VM é uma estrutura pequena (diâmetro de 20 a 200
nm), rodeada por membrana, que brota da célula para formar uma unidade
independente dentro da matriz orgânica dos tecidos mineralizados,
previamente formada, sendo encontrada em regiões de matriz pré-
mineralizadas, como osso, cartilagem e dentina. É frequentemente
associada à formação de pequenos cristais de mineral (fosfato de cálcio) no
seu interior (Nanci, 2008; Golub, 2009).
As VMs foram originalmente descobertas por meio de exame
ultraestrutural da cartilagem da placa de crescimento e nos ossos, onde
foram apontadas como os locais iniciais da formação mineral, antes da
mineralização da matriz. Em análises subsequentes, descobriu-se que elas
são derivadas da membrana plasmática de células formadoras de minerais
(condrócitos, osteoblastos, odontoblastos), mas apresentam composição
diferente da membrana. As VMs são enriquecidas em fosfatase alcalina
tecido-inespecífica (TNAP), nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase
(NPP), anexinas (ANX; principalmente anexinas II, V e VI) e
fosfatidilserina (PS), em relação às membranas das quais derivam. As VMs
também contêm metaloproteinases de matriz (MMPs). Recentemente, a
análise proteômica da VM isolada de cartilagem e osteoblastos em cultura
confirmou e ampliou a lista de componentes de proteína da VM, incluindo
as proteínas de ligação de proteoglicanos e actina, uma variedade de
integrinas e PHOSPHO-1, uma fosfatase recém-descoberta, conhecida por
ser expressa na VM de cartilagem hipertrófica e em osteoblastos
mineralizantes (Nanci, 2008; Golub, 2009; Nudelman et al., 2013).
Atualmente, acredita-se que a VM tenha pelo menos dois papéis
principais na iniciação da mineralização: (1) enzimas da VM regulam a
relação de Pi para PPi no fluido extracelular; e (2) as proteínas e os lipídios
da VM, incluindo fosfolipídios acídicos, servem como locais de nucleação
para a deposição da apatita. O PPi, derivado tanto de NPP1 catalisada pela
hidrólise de NTP extracelular quanto de PPi intracelulares transportados
através de ANK (canal transportador de PPi, do inglês ankylosis), inibe a
mineralização da matriz. Essa inibição é revertida pela ação de TNAP, que
hidrolisa o PPi, removendo o inibidor e fornecendo Pi adicional para
formação de minerais (Figura 11.1) (Nanci, 2008; Golub, 2009; Nudelman
et al., 2013).

Figura 11.1 Esquema da vesícula de matriz e seus principais componentes. Note a dinâmica do
transporte de íons cálcio e fósforo. Pi: fósforo inorgânico; PPi: pirofosfato inorgânico; TNAP: fosfatase
alcalina tecido-inespecífica; NPP1: nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase 1; PCho: fosfatidilcolina;
PEA: fosfatidiletanolamina.

Após a descoberta das vesículas da matriz, foi questionado se elas


eram estruturas reais ou artefatos da preparação do tecido, e ainda
permanecem dúvidas sobre se elas estariam implicadas apenas na iniciação
da mineralização ou poderiam desempenhar papel na promoção de
mineralização aposicional. Hoje sabemos um pouco mais sobre essas
estruturas que apresentam ao mesmo tempo ativadores (TNAP, PHOSPHO-
1, anexinas etc.) do processo de mineralização e inibidores (ANK, NPP1
etc.), havendo mudanças dinâmicas na proporção desses elementos
(ativadores e inibidores), o que possibilita o controle do processo de
mineralização (Nanci, 2008; Golub, 2009; Bonucci, 2012; Nudelman et al.,
2013; Hirasawa e Kuratani, 2015).
No segundo mecanismo, durante a formação dos tecidos mineralizados
de matriz colágena, a deposição de cristais de apatita é catalisada por
grupos atômicos específicos associados à superfície, espaços e poros das
fibrilas colágenas. Embora não tenha sido excluído um papel direto do
colágeno, acredita-se que a regulação desse processo seja feita por proteínas
não colágenas, cuja função precisa e a maneira pela qual exercem seus
efeitos ainda não são completamente entendidas. No osso, de 70 a 80% do
mineral está localizado na fibrila colágena; o restante, nos espaços entre as
fibras (Figura 11.2). A nucleação mineral também pode ocorrer nesses
sítios, relacionada com proteínas não colágenas (Nanci, 2008; Golub, 2009;
Bonucci, 2012; Nudelman et al., 2013; Hirasawa e Kuratani, 2015).
Até o momento, foram feitos alguns questionamentos sobre a efetiva
participação do colágeno no processo de mineralização. Um deles é por que
o colágeno presente na pele, no tendão e em outros tecidos não se
mineraliza. Uma explicação é o bandeamento com distância inferior a 640
Å ou superior a 700 Å encontrado nos tecidos moles, não havendo espaço
apropriado para a mineralização. As variações na estrutura do colágeno em
diferentes tecidos também podem ser responsáveis pelo fato de alguns
tecidos mineralizarem enquanto outros, não. Trabalhos demonstraram que o
espaço entre as moléculas de colágeno no osso e na dentina é, em média, de
6 Å, enquanto no tendão é de 3 Å, menor que o tamanho do íon fosfato (4
Å), sugerindo que essas diferenças possam explicar por que íons minerais
entram no colágeno do osso e da dentina, mas não em outro lugar (Nanci,
2008; Nudelman et al., 2013).
Outros trabalhos demonstraram que não ocorre deposição mineral
apenas com o colágeno, sendo obrigatório o envolvimento de outras
proteínas. Por outro lado, a estrutura do colágeno é necessária para guiar e
organizar o crescimento dos cristais, propriedade que pode ser confirmada
em mutações no gene do colágeno, como acontece na osteogenesis
imperfecta (condição apelidada de “ossos de vidro“), acarretando
fragilidade óssea devido às falhas na mineralização.
Nenhum desses mecanismos está envolvido na mineralização do
esmalte, as vesículas da matriz estão ausentes e o esmalte não contém
colágeno. Acredita-se que a iniciação da mineralização do esmalte ocorra
pelo crescimento dos cristais a partir da dentina já mineralizada, por meio
de proteínas de matriz secretadas pelos ameloblastos ou por ambos os
processos (Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Figura 11.2 Deposição de cristais de hidroxiapatita (HAP) na estrutura do colágeno.

Osso
Células ósseas
Diferentes células são responsáveis pela formação, reabsorção e
manutenção óssea. Há duas linhas de células com funções específicas:
células osteogênicas, que formam e mantêm o osso (osteoprogenitoras, pré-
osteoblastos, osteoblastos, osteócitos e células da linhagem óssea), e
osteoclastos que reabsorvem o osso (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Golub,
2009; Nudelman et al., 2013; Green et al., 2014).
Os osteoblastos são as células produtoras de tecido ósseo, derivadas de
células mesenquimais (esqueleto) e de células ectomesenquimais (cabeça).
A diferenciação dessas células é um processo de múltiplos passos,
estimulada por citocinas, fatores de crescimento e hormônios que fazem
parte de um complexo padrão de sinalização. Alguns osteoblastos formam o
tecido ósseo e se incorporam a ele. Quando isso ocorre, os osteoblastos
passam a ser chamados de osteócitos (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau,
2008).
As células da linhagem óssea são encontradas na superfície óssea,
servindo como barreira para determinadas substâncias, bem como fazem
interconexão com os osteócitos dentro do tecido, agindo na homeostasia do
tecido e assegurando a vitalidade óssea. Os osteoclastos são células
grandes, de origem hematopoética, com vesículas e vacúolos que
permanecem nas depressões das superfícies ósseas, chamadas lacunas de
Howship, produzidas pelos próprios osteoclastos. Essas células aderem ao
osso por meio de vários mecanismos e criam um microambiente ácido pela
ação de bombas de prótons que desmineralizam o osso e expõem a matriz
orgânica. Na sequência, degradam a matriz exposta por ação de enzimas e
realizam a endocitose dos produtos por meio da borda em escova,
acondicionando-os em vesículas de transporte e liberando-os no outro lado
da membrana (Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013).

Matriz orgânica
Os osteoblastos produzem primeiramente a substância osteoide (matriz
orgânica), rica em colágeno tipo I (90%). A zona osteoide é rica em
proteoglicanas ácidas, nas quais as moléculas de colágeno são
polimerizadas em fibrilas colágenas cujo bandeamento é de 68 a 70 nm. A
distância entre moléculas dentro da fibra tem sido calculada entre 1,12 e
2,21 nm. A disposição de moléculas colágenas adjacentes ao longo do plano
axial produz regiões intrafibrilares, nas quais moléculas se sobrepõem
alternadamente, produzindo zonas densas, sendo separadas por gaps,
criando zonas de buraco e, consequentemente, formando estrias e canais
intrafibrilares. O arranjo das fibrilas colágenas muda conforme o tipo de
osso, tendo influência sobre a quantidade de proteínas não colágenas
encontradas e na maneira como ocorrerá a mineralização. As moléculas de
colágeno são estabilizadas por ligações intra e intermoleculares, que podem
ser responsáveis pelo baixo grau de solubilidade do colágeno ósseo
(Bonucci, 2002; 2012; Golub, 2009).
Os outros 10% da matriz orgânica são formados por proteínas não
colágenas ou outras moléculas, como glicosaminoglicanos (condroitina
sulfato), proteoglicanas (Gla-proteínas), osteocalcina e glicoproteínas
fosforiladas (osteonectina, osteopontina, sialoproteína, proteínas da matriz
dentinária 1), fosfatase alcalina, fatores de crescimento osteogênico (TGF-β
e BMP), enzimas, assim como fosfolipídios. As proteínas não colágenas
apresentam alta afinidade com cálcio e ocupam espaços interfibrilares
(Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013).
As proteoglicanas são produzidas a partir de pequenas moléculas (p.
ex., decorin, biglican e lumican), mas suas quantidades variam conforme o
tipo de osso; dentro do mesmo osso, diminuem, conforme o aumento do
grau de mineralização do tecido. As proteoglicanas consistem em
osteocalcina e proteína-Gla da matriz, sendo a primeira encontrada em
tecidos ósseos e a segunda, em tecidos duros e moles. As glicoproteínas,
além de localizadas nos espaços interfibrilares, podem ser componentes
intrínsecos das fibrilas colágenas. A maioria das glicoproteínas é
fosforilada, incluindo osteonectina, osteopontina, sialoproteína óssea,
proteínas da matriz dentinária 1, fosfoglicoproteínas da matriz extracelular
e alfa-2-glicoproteína-HS (HSa2). A fosfatase alcalina é outra glicoproteína
encontrada em membranas celulares, vesículas de matriz e matriz óssea.
Lipídios aparecem na matriz óssea na forma de complexos fosfolipídios-
cálcio e podem estar associados a membranas celulares. Algumas dessas
proteínas não colágenas podem tanto inibir como promover o processo de
mineralização, dependendo da concentração e de estarem livres (inibidoras)
ou ligadas a um componente fixo (promotoras) (Nanci, 2008; Nicolau,
2008; Golub, 2009; Millán e Whyte, 2016).
Minerais
Durante a formação da matriz os osteoblastos captam íons cálcio e fosfato a
partir do contato com vasos sanguíneos, sendo estes íons armazenados em
mitocôndrias. Com o acúmulo de cálcio e fosfato nas mitocôndrias, ocorre o
brotamento de VM a partir da membrana celular, rica em fosfolipídios que
atraem cálcio. Essas vesículas também contêm enzimas, como a fosfatase
alcalina e a ATPase, que podem quebrar precursores, liberando fosfato. O
nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase 1 (NPP1) catalisa a formação de
PPi a partir de nucleosídios trifosfatos, que são a maior fonte de PPi. Já a
fosfatase alcalina é responsável pelo aumento no suprimento de fósforo,
transporte de cálcio e fosfato nas vesículas da matriz e remoção de
inibidores de formação de mineral, como o PPi (transforma PPi em 2 Pi).
Portanto, o balanço da atividade dessas duas enzimas pode regular a
concentração local de PPi e, consequentemente, a proporção de fosfato de
cálcio amorfo e hidroxiapatita (HAP). Essas vesículas da matriz se
acumulam na zona de calcificação, onde se desintegram e liberam o fosfato
de cálcio insolúvel (Nanci, 2008; Golub, 2009; Millán e Whyte, 2016).
Entre as células e a matriz mineralizada há uma camada de osteoide
que possui fibras colágenas arranjadas fraca e aleatoriamente, em
comparação à zona submetida à mineralização, e não apresenta
determinadas proteínas relacionadas à mineralização. A primeira deposição
do fosfato de cálcio se inicia na zona de buraco da fibrila colágena. Tanto o
fosfato de cálcio amorfo como a HAP são encontrados dentro da vesícula,
assim como na região de mineralização ao redor das fibras colágenas. É
provável que a conversão de fosfatos de cálcio amorfo em HAP tenha início
nas próprias vesículas e atinja maior grau de desenvolvimento nas fibrilas
colágenas. Portanto, o osso é formado por dois fosfatos de cálcio distintos:
fase amorfa e fase cristalina da apatita. A fase amorfa é depositada
primeiramente e serve como precursora para a formação da apatita. Há
controvérsias em relação ao tipo de sal de fosfato de cálcio presente nas
vesículas, se é fosfato de cálcio amorfo ou HAP. Com base nisso, acredita-
se que tanto as vesículas de matriz como o colágeno podem agir como
nucleadores de mineralização. Outros autores acreditam que o colágeno não
tem função nucleadora, e somente algumas proteínas não colágenas têm
essa capacidade, por apresentarem forma estequiométrica para tal função
(Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Bonucci, 2012; 2014).
As proteínas não colágenas parecem estar envolvidas no processo de
mineralização, já que aderem aos minerais, sendo extraídas ou coradas
somente depois da desmineralização. As glicoproteínas parecem estar
envolvidas no transporte extracelular de cálcio aos sítios de mineralização e
podem servir como nucleadoras ou inibidoras da cristalização, dependendo
do tipo de terminal da cadeia de aminoácidos que está exposto no meio. As
glicoproteínas são ativadas quando clivadas em duas partes menores
(Nanci, 2008; Nudelman et al., 2013; Millán e Whyte, 2016).
De acordo com o tipo de nucleador, os cristais são agregados de
diferentes modos. Os nódulos de mineralização são produzidos nas VM; em
contrapartida, as ilhas de mineralização estão em conexão com as proteínas
não colágenas nos espaços interfibrilares. Os diferentes pontos de
mineralização vão crescendo até se fundirem. Entre as fibrilas colágenas
existem canais que possibilitam o depósito de minerais. Com a progressão
da liberação de fosfato de cálcio na matriz orgânica, os aglomerados de
minerais coalescem dentro e ao redor das fibras colágenas. A relação do
mineral apatita no colágeno parece mais ser resultado da ação do colágeno
como barreira mecânica, levando à limitação no formato e tamanho dos
cristais, do que da atuação do colágeno como agente para nucleação
heterogênea, facilitando a formação e o crescimento do cristal pela
diminuição da energia de interface. A combinação do mineral nas zonas de
buraco e dos canais interconectantes corresponde a cerca de 90% do
conteúdo mineral total do osso (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau,
2008; Golub, 2009).
A maioria dos cristais de apatita se orienta paralelamente ao longo eixo
das fibrilas colágenas; no osso maduro, no entanto, os prismas são
hexágonos de 50 Å de espessura e 100 a 300 Å de comprimento. O formato
dos cristais ósseos pode ser como prisma, agulha, filamento ou ser plano.
Ainda é questionável se as bandas granulares inorgânicas são o terceiro tipo
de agregação mineral ou se não são mais do que o estágio inicial de
formação dos cristais com formato de placa. A prevalência de uma das
estruturas depende do tipo de osso (esponjoso ou compacto), do grau de
agregação das fibrilas colágenas (soltas ou compactas) e do estágio de
mineralização (inicial ou final). Os cristais em formato de agulha são
encontrados somente nos nódulos de mineralização no osso com colágeno
solto, e muitos deles constituem ilhas de mineralização e coexistem com
bandas granulares inorgânicas dentro do osso compacto. Os cristais em
formato de placa são encontrados principalmente em osso compacto, onde
coexistem com cristais em formato de agulha. As bandas granulares
inorgânicas são relacionadas à periodicidade das bandas colágenas (zonas
de buraco), enquanto os cristais nos formatos de agulha e filamento são
localizados sobre e entre as fibras colágenas (espaço interfibrilar). Esses
eventos inter e extrafibrilares ocorrem de maneira independente (Nanci,
2008; Nicolau, 2008; Nudelman et al., 2013).
Conforme a mineralização progride e uma quantidade suficiente de
mineral é depositada, as células osteoblásticas param de secretar tecido e se
transformam em osteócitos, que vão ficar enclausurados na matriz. Com a
maturação do tecido ósseo, há perda de água e de algumas proteínas não
colágenas, assim como conversão de fosfato de cálcio amorfo em cristais de
apatita, com consequente crescimento e estabilização dos cristais. Em um
osso maduro, 70% do conteúdo mineral correspondem à HAP e 30% à fase
amorfa (Bonucci, 2002; Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Dentina
A mineralização da dentina e do cemento é bem semelhante à do tecido
ósseo. As células responsáveis pela formação da dentina e do cemento são
os odontoblastos e os cementoblastos, respectivamente. A dentina é
formada na coroa e na raiz do dente, já o cemento faz parte somente da
porção radicular. Essas células produzem matriz orgânica que contém
colágeno (principal componente), proteoglicanas, glicoproteínas,
sialoproteínas dentinárias, proteínas da matriz dentinária 1, enzimas, fatores
de crescimento, fosfoproteínas e fosfolipídios. Sobre a matriz orgânica são
depositados os sais de fosfato de cálcio, na forma de cristais (Nanci, 2008;
Nicolau, 2008; Margolis et al., 2014).
O conhecimento sobre o mecanismo de formação da dentina é
importante, porque o cirurgião-dentista pode se deparar com casos clínicos
de malformação dentária, como a dentinogênese imperfeita, caracterizada
por malformação hereditária da dentina, que pode ou não estar associada à
malformação de osso (osteogênese imperfeita) causada por defeito no gene
responsável pela expressão da proteína formadora desses tecidos (Nanci,
2008).

Células
A dentina é formada por odontoblastos, que são diferenciados das células
ectomesenquimais da papila dentária por influência de fatores de
crescimento e moléculas sinalizadoras, liberados pelo epitélio interno do
esmalte (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
São células colunares e têm características de células ativamente
sintetizadoras e secretoras, com retículo endoplasmático granular bem
desenvolvido, muitas mitocôndrias, complexo de Golgi proeminente e
numerosas vesículas secretoras derivadas deste. Têm arquitetura típica,
apresentando parte citoplasmática com as organelas, assim como um
prolongamento (prolongamento odontoblástico). Há algumas características
diferenciais entre os odontoblastos (dentina) e outras células responsáveis
pela formação dos tecidos calcificados. O odontoblasto produz dentina
durante toda a vida do indivíduo, diferentemente do esmalte, que só é
formado no período da odontogênese. Por outro lado, a dentina não sofre
turnover mineral em função da concentração de cálcio no sangue, como
ocorre com o osso que participa da homeostasia do cálcio no organismo
(Nanci, 2008; Nicolau, 2008).

Cemento
O cemento é de origem ectomesenquimal, sendo formado por células
denominadas cementoblastos, derivadas das células internas do folículo
dentário ou da bainha epitelial radicular de Hertwig. As células do folículo
dentário são ativadas a cementoblastos, a partir da bainha epitelial radicular
de Hertwig e da dentina, pela ação de proteínas ósseas morfogenéticas.
Durante esse processo, algumas células da bainha de Hertwig sofrem
apoptose e outras formam aglomerados denominados restos de células
epiteliais de Malassez. Se algumas células permanecem aderidas à raiz, elas
podem produzir depósitos de material semelhante a esmalte, chamado
pérolas de esmalte. Algumas proteínas derivadas do esmalte, como as
amelogeninas, parecem ser indutoras da formação de cemento (Nanci,
2008; Nicolau, 2008).
Os componentes orgânicos do cemento (colágeno tipo I, colágeno tipo
III, colágeno tipo XII, fosfoproteínas, osteocalcina, osteonectina,
osteopontina, sialoproteína, fatores de crescimento e glicosaminaglicanas)
são muito semelhantes aos apresentados pelo tecido ósseo. A osteopontina
está envolvida na regulação do crescimento mineral, enquanto a
sialoproteína óssea promove a formação mineral sobre a superfície da raiz.
As proteínas Gla regulam a mineralização, uma vez que se ligam ao cálcio,
impedindo a mineralização do ligamento periodontal. As proteoglicanas
podem mediar a mineralização inicial e a aderência das fibras (Nanci, 2008;
Nicolau, 2008).
O mecanismo de mineralização se dá também por meio de vesículas da
matriz. O grau de mineralização da porção acelular afibrilar é maior do que
a porção fibrilar devido ao fato de haver mais espaços disponíveis para a
mineralização. Assim como ocorre no osso e na dentina, uma fina camada
de cemento não mineralizado (cementoide) separa os cementoblastos da
matriz mineralizada durante a cementogênese (Nanci, 2008; Golub, 2009).

Esmalte
O esmalte é um tecido muito estudado devido às suas particularidades, que
o diferem dos outros tecidos mineralizados. É acelular, não renovado ou
remodelado, não apresenta fibras colágenas e possui o maior grau de
mineralização (aproximadamente 96% de mineral em peso) (Nicolau, 2008;
Margolis et al., 2014).

Células
As células responsáveis pela formação do esmalte são os ameloblastos,
derivados das células do epitélio interno do esmalte. São células alongadas,
com núcleo polarizado, complexo de Golgi desenvolvido, retículo
endoplasmático largo e dois complexos juncionais, um na superfície
proximal (longe do esmalte) e outro na extremidade distal. Essa junção
marca o limite entre o corpo do citoplasma e os chamados processos de
Tomes, cuja parte distal penetra na camada de esmalte parcialmente
mineralizada. Durante a amelogênese, os ameloblastos passam por diversas
fases (pré-secretória, secretória, transicional e de maturação; Figura 11.3)
(Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Na fase pré-secretória, os ameloblastos adquirem fenótipo
característico, mudam a polaridade, desenvolvem extensivo aparelho para a
síntese proteica e se preparam para secretar a matriz orgânica. Nessa fase,
surge material granular composto por proteínas precursoras de esmalte, as
amelogeninas (EPs), encontradas na lâmina basal que separa ameloblastos e
odontoblastos em diferenciação. As EPs podem estar envolvidas na
redistribuição espacial das moléculas de fibronectina nesta lâmina, o que
poderia afetar a diferenciação final dos odontoblastos e a polarização das
células. As EPs podem participar do processo inicial de mineralização
dentária, uma vez que foram encontradas no manto da dentina
anteriormente à mineralização, podendo-se difundir através dos dois tecidos
(Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Figura 11.3 Representação dos diferentes estágios de atividades/funções dos ameloblastos em
esmalte humano: (1) estágio morfogenético; (2) estágio de histodiferenciação; (3) estágio secretor
inicial (sem processo de Tomes); (4) estágio secretor (processo de Tomes); (5) ameloblastos com
terminação rugosa do estágio de maturação; (6) ameloblastos com terminação do estágio de
maturação; (7) estágio protetor.

O ameloblasto passa para a fase secretória, iniciando a formação do


esmalte, após a mineralização de um manto de dentina, devido ao
rompimento da lâmina basal que possibilita o contato entre pré-
ameloblastos e o processo dos odontoblastos secretórios. O manto de
dentina que está em contato com os ameloblastos é responsável pela
sinalização da primeira deposição de matriz orgânica e de mineral do
esmalte. A mineralização da dentina parece servir como feedback para
induzir novos ameloblastos diferenciados a iniciar a secreção (Nanci, 2008;
Margolis et al., 2014).
Durante a fase secretória, os ameloblastos elaboram a espessura final
do esmalte, por crescimento aposicional e simultânea organização das
regiões prismáticas e interprismáticas. Nessa fase, essas células
desenvolvem uma projeção distal (superfície secretória da célula em contato
com o esmalte) que é angulada ao longo eixo da célula, denominada
processo de Tomes (Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
A matriz orgânica formada é liberada como grânulos compostos por
proteínas amelogeninas, não amelogeninas (ameloblastina, tuftelina,
glicoproteínas, enamelina, albumina, glicoproteína HSa2), enzimas
(proteases: enamelisina – MMP-20 e protease serina da matriz do esmalte 1
– EMSP1) e lipídios (oriundos da membrana), na qual os minerais (apatitas)
são depositados. A amelogenina é a proteína predominante na matriz
extracelular do esmalte (90%). Exemplo prático da importância da
amelogenina para a formação do esmalte é o defeito denominado
amelogênese imperfeita, que ocorre em função de alterações no gene do
cromossomo X para a expressão de amelogenina, reduzindo ou eliminando
sua expressão, o que leva à formação de um esmalte hipoplásico (falta de
matriz orgânica) e hipomineralizado (falta de minerais) (Nanci, 2008;
Margolis et al., 2014).
A amelogenina regula o tamanho, o formato e o padrão de crescimento
do cristal, uma vez que sua porção carboxil terminal facilita a orientação
inicial dos cristalitos durante a deposição, facilitando a interação mineral-
mineral. Essa função da amelogenina se deve ao fato de essa proteína se
organizar em aglomerados supramoleculares (nanoesferas) de fundamental
influência na formação de sementes de cristais e no alongamento dos
cristais durante a fase de crescimento aposicional (Nanci, 2008; Margolis et
al., 2014).
As proteínas não amelogeninas do esmalte são proteínas altamente
ácidas e têm função de nucleadoras da mineralização, já que o arranjo
tridimensional de cargas nas superfícies dessas moléculas pode ser
teoricamente complementar aos íons que formam os cristais, agindo como
molde para a formação do cristal. A tuftelina parece estar envolvida nos
eventos indutivos que levam à mineralização da junção amelodentinária,
mas provavelmente não sustenta ou controla o crescimento volumétrico do
cristal (Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Diferentemente da dentina, a deposição de matriz orgânica e mineral
ocorre simultaneamente no esmalte. A disposição da estrutura da matriz
orgânica do esmalte não tem sido bem definida até o presente momento.
Estruturas com morfologia fibrilar, filamentosa, lamelar ou helicoidal, nas
formas de cristal ou tubular já foram descritas para a matriz orgânica.
Assim que se inicia a secreção de matriz orgânica, os cristalitos se originam
da membrana celular interna dos ameloblastos, por transporte ativo ou entre
os espaços intercelulares. Os minerais saem do plasma e atravessam
espaços intercelulares, para serem depositados na matriz, principalmente no
início, em que há grandes espaços entre os ameloblastos. Esses primeiros
cristais depositados no esmalte parecem servir como nucleadores para
novos cristais. Nas situações em que o esmalte está longe de vasos
sanguíneos, os ameloblastos devem dispor de sistemas para acumular cálcio
dentro da célula e liberá-lo nos sítios de mineralização (sistema Ca-ATPase)
(Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Anteriormente ao aparecimento do processo de Tomes na célula
ameloblástica, há deposição de uma fina camada de esmalte (matriz
orgânica e cristal), produzida por novos ameloblastos diferenciados, que
não apresenta organização estrutural, sendo denominada camada
aprismática do esmalte. Essa camada também é depositada ao final do
processo de formação do esmalte, quando o processo de Tomes regride
(Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Conforme a matriz do esmalte é mineralizada, os ameloblastos se
afastam do tecido. Os primeiros cristalitos são depositados próximo à
junção amelodentinária como tiras de 10 a 15 nm de largura e 1 a 2 nm de
espessura. Esses primeiros cristalitos apresentam tamanho suficiente para
acomodar uma unidade de OCP ou duas de HAP, sendo a distância entre
cristalitos de aproximadamente 20 nm. No início, os cristalitos não têm
formato definido (esmalte aprismático), distribuindo-se paralelamente, e
perpendiculares à frente de crescimento (Nanci, 2008; Margolis et al.,
2014).
Quando o processo de Tomes é formado, a matriz orgânica e os
minerais passam a ser liberados a partir de dois sítios por exocitose. As
proteínas então se condensam em grânulos secretórios, sendo armazenadas
no processo de Tomes. O primeiro sítio secretório é situado
cicunferencialmente ao redor da porção proximal do processo de Tomes,
dando origem ao esmalte interprismático. Já o segundo sítio é encontrado
na superfície da porção distal do processo de Tomes, o que produz os
prismas (unidade estrutural básica do esmalte). Em ambos os sítios, a
exocitose se dá pelo mecanismo merocrine-like (Nanci, 2008; Margolis et
al., 2014).
Os cristalitos de esmalte desenvolvem formato piramidal, estando a
base da pirâmide em contato com a junção amelodentinária e o ápice com a
membrana das células ameloblásticas. Os cristais passam do formato
piramidal para o prismático, guiados pelo processo de Tomes e pela união
de proteínas à superfície do cristal, que inibe a adição de novos cristais em
direção perpendicular à superfície adsorvida. Esses cristais são organizados
em prismas e separados pelo esmalte interprismático (Nanci, 2008;
Margolis et al., 2014).
Os esmaltes prismático e interprismático apresentam mesmo tipo de
mineral (HAP), diferenciando-se na direção dos cristais. A morfologia dos
prismas de esmalte reflete a morfologia dos ameloblastos, e seus cristais
têm orientação perpendicular à superfície secretória do processo de Tomes
dos ameloblastos. Os prismas têm 4 a 5 μm de diâmetro e apresentam
ângulo agudo da junção amelodentinária à superfície dentária. Os cristais
nos prismas são paralelos ao longo eixo do prisma (eixo c – comprimento,
com variação de 2,2 graus entre os cristais), mas podem apresentar qualquer
ângulo nos eixos a e β (largura e espessura). Já a inclinação dos cristais
interprismáticos desvia da direção da célula ameloblástica até a superfície
dentária em 40 a 70 graus (eixo c), mostrando padrão tortuoso. Enquanto
mais de um ameloblasto está envolvido na formação do esmalte
interprismático (3:1), a proporção entre ameloblasto e prisma de esmalte é
1:1 (Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Diferentemente dos outros tecidos mineralizados, no esmalte não há
camada orgânica não mineralizada entre as células e o esmalte
mineralizado. Portanto, a membrana plasmática dos ameloblastos deve ser
pressionada diretamente contra os sítios de crescimento prismático e
interprismático, nos quais os cristais são alongados. Posteriormente, o
crescimento passa a ser em largura e espessura (fase secretória e de
maturação). Para tal, é necessário que as proteínas comecem a ser
reabsorvidas, gerando espaço para o crescimento dos cristais. Não é
comprovado se o crescimento dos cristais estimula a remoção das proteínas
(matriz gel) ou se a remoção destas é requisito para o crescimento em
largura e espessura do cristal (Nanci, 2008; Margolis et al., 2014).
Quando o crescimento em largura é obtido, o crescimento passa a ser
em espessura e continua até o contato com o cristalito adjacente, mudando o
formato de piramidal para prismático. Os cristalitos maduros têm 26 nm de
espessura, 68 nm de largura, e se estendem da junção amelodentinária até a
superfície do dente, apresentando formato hexagonal em cortes transversais.
Os cristais do esmalte são maiores e bem melhor organizados em
comparação aos outros tecidos mineralizados, o que lhes confere maior
dureza. Nessa fase de crescimento dos cristais em largura e espessura, a
existência ou não de proteínas e o tipo de proteína em contato direto com os
cristais podem limitar e direcionar o crescimento dos cristais (Nanci, 2008;
Margolis et al., 2014).

Conclusão
A mineralização não é simplesmente uma precipitação de substância
inorgânica a partir de soluções saturadas. Esse processo é altamente
coordenado e exige, para seu início, a remoção de inibidores e a ativação de
transportadores de íons. O seu conhecimento é bastante importante para os
mais variados profissionais da saúde, em especial para o cirurgião-dentista,
que irá trabalhar com todos os tipos de tecidos mineralizados do corpo,
muitas vezes guiando ou interferindo diretamente no processo de
mineralização.

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O
s tecidos mineralizados do nosso organismo são: osso, dentina,
cemento e esmalte, sendo o esmalte e a dentina os dois mais
mineralizados (maior quantidade de mineral em volume) e os principais
componentes da estrutura dentária, além da polpa e do cemento (Figura
12.1). Uma ressalva importante é a distinção de maneira didática que
faremos entre dentina e polpa dentária, uma vez que, durante a formação do
dente e sua manutenção/vida, as células responsáveis pela produção da
dentina, chamadas odontoblastos, estão localizadas na polpa dentária, com
prolongamentos citoplasmáticos na dentina (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Detalhes sobre essa “divisão” serão fornecidos ao longo do capítulo.
Outro fator importante a ser apresentado quando falamos sobre o
esmalte e a dentina é o contato íntimo entre estes dois tecidos (junção
amelodentinária) no dente completamente formado. O esmalte recobre toda
a coroa do dente, ou seja, a porção dentária exposta na cavidade bucal; logo
abaixo do esmalte temos a dentina (Figura 12.1). Esse contato, estabelecido
durante a formação e o desenvolvimento desses tecidos, determina
propriedades e funções importantes do dente. Diversas propriedades,
processos/fenômenos fisiológicos e patológicos serão esclarecidos
considerando essa relação muito próxima.
Defeitos genéticos ou doenças que acometem o esmalte e/a dentina,
como a cárie dentária, podem afetar diretamente a
composição/estrutura/anatomia e, consequentemente, as funções destes
tecidos. Por isso, profissionais da área da saúde que trabalhem com as
diferentes funções bucais (fala, mastigação, estética-sorriso etc.) devem
conhecer alguns detalhes importantes sobre esse tema. Além disso,
alterações nesses tecidos podem auxiliar o diagnóstico de síndromes ou
doenças raras associadas às manifestações dentárias (Yadav et al., 2012;
Wright et al., 2015).

Figura 12.1 Estrutura básica de um dente e seus elementos de suporte.


Esmalte
O esmalte é o tecido mais mineralizado (aproximadamente 96% de mineral
em peso e 87% em volume) e duro (350 KHN [dureza de Knoop]) do nosso
organismo. É um tecido dentário acelular que suporta muito bem as forças
mastigatórias e tem alta resistência abrasiva, sendo essas propriedades
importantes, uma vez que este tecido não pode ser reparado. As células
responsáveis pela produção do esmalte, os ameloblastos, são encontradas
apenas antes da erupção do dente (Nanci, 2008; He et al., 2010).
Devido ao seu alto conteúdo mineral rico em hidroxiapatita –
Ca10(PO4)6(OH)2 –, as propriedades do esmalte se assemelham muito a este
mineral, tais como a densidade (esmalte = 2,95 g/cm3 e apatita = 3,16
g/cm3) e a cor (a hidroxiapatita e o esmalte são incolores). Apesar de o
esmalte ter baixa resistência à tensão e ser frágil, seu alto módulo de
elasticidade, somado ao suporte flexível da dentina, minimiza a
possibilidade de fratura. A espessura do esmalte pode variar conforme o
tipo de dente (cúspide do dente decíduo – 1,3 mm; dente permanente – 2,5
mm) e de superfície (superfície mais espessa – cúspide; menos espessa –
região cervical) (Figura 12.2). A espessura do esmalte determina a cor do
dente, já que o esmalte é translúcido, o que permite a reflexão da cor da
dentina, que é amarelada. Portanto, quanto menor a espessura do esmalte e
maior a da dentina, mais amarelo o dente irá se apresentar. A dureza e a
densidade do esmalte podem diminuir da superfície para o interior e da
região de cúspide/incisal para a região cervical (Nanci, 2008; He et al.,
2010). Todas essas características estão diretamente relacionadas com a
composição e a estrutura desse tecido.

Componente inorgânico
A hidroxiapatita é o principal componente mineral do esmalte,
compreendendo em média 86 a 90% do tecido em volume, o que
corresponde de 95 a 96% em peso, sendo o restante composto por proteínas
e água. O conteúdo mineral aumenta da junção amelodentinária à superfície
externa, e é melhor descrito como hidroxiapatita carbonatada deficiente de
cálcio [Ca10-xNax(PO4)6-y(CO3)z(OH)2-uFu], também chamada de apatita
defeituosa. A hidroxiapatita se apresenta na forma de cristalitos, com 70 nm
de largura, 25 nm de espessura e grande comprimento, caracterizados por
serem extremamente largos, orientados e empacotados em prismas. A
maioria dos cristalitos tem formato hexagonal em corte transversal (Figura
12.3) (He e Swain, 2008; Nanci, 2008).

Figura 12.2 Diferenças na espessura do esmalte na região de cúspide (A) e região cervical (B) do
dente.

O arranjo molecular de cada unidade de cristalito consiste em um


grupo de hidroxila rodeado por três íons cálcio uniformemente espaçados,
que são, por sua vez, rodeados por três íons fosfatos espaçados. Seis íons
cálcio em um hexágono uniforme cercam os íons fosfato. O cristal consiste
nesse arranjo molecular repetido lado a lado em planos, empilhado em
camadas (Figura 12.4). Os cristais são separados por espaços
intercristalinos (He e Swain, 2008; Nicolau, 2008).
Apesar de acelular, o esmalte é um tecido que apresenta reações
dinâmicas de trocas de íons com o meio externo, podendo variar sua
constituição de acordo com as condições da cavidade bucal. Os íons cálcio,
fosfato e hidroxila que compõem a apatita podem ser trocados por
diferentes tipos de íons. O magnésio pode ocupar o lugar do cálcio, já o
flúor pode substituir os íons hidroxila (Tabela 12.1). As concentrações de
cálcio, fósforo, flúor e cloro diminuem da superfície até a junção
amelodentinária. Por outro lado, as concentrações de magnésio, carbonato e
sódio são maiores na região interna do esmalte que na superfície (He e
Swain, 2008; Nanci, 2008; Nicolau, 2008).

Figura 12.3 Esquema da hidroxiapatita e seu empilhamento.


Figura 12.4 Estrutura do cristal de hidroxiapatita.

Tabela 12.1 Possíveis trocas de íons na hidroxiapatita.

Ca+2 PO4–3 OH–

Mg+2 CO3–2 Cl–

Na+ HCO3– F–

Sr+2 HPO4–2 CO3–2

Íons-traço (Cl–, Zn+2, Na+, Sn+2, Fe+2, Pb+2).

Cloro, zinco, sódio, estrôncio, ferro e chumbo também podem


substituir íons na apatita em menor extensão. Em adição, citrato e
pirofosfato podem estar adsorvidos sobre a superfície do cristalito. Todos os
íons substituintes podem estar incorporados ao cristal, ou adsorvidos à
superfície ou perto dela, na camada de hidratação. Também tem sido
sugerida a existência de pequenas quantidades de mineral não apatita, como
o fosfato octacálcio, que pode ser precursor de hidroxiapatita (Nicolau,
2008; Li et al., 2015). A incorporação de alguns íons à hidroxiapatita, como
chumbo, entre outros, coloca o esmalte dentário como tecido passível de
biopsia para análise de causa mortis em suspeita de envenenamento, ou
para ser utilizado em situações de contaminações ambientais e controle de
população atingida (Costa de Almeida et al., 2007).
A incorporação do flúor, que ocupa o lugar da hidroxila ou a substitui,
é de especial interesse para a Odontologia. O flúor é adquirido
particularmente durante o período de maturação pós-eruptiva do esmalte. A
alta mudança de densidade sobre o íon flúor, associada à sua simetria, leva à
maior aproximação com os íons cálcio, reduzindo a energia de superfície e
estabilizando a estrutura do cristal. Todas essas mudanças na conformação
do cristal reduzem a solubilidade. Ocorre o oposto quando há incorporação
de carbonato, o que produz um cristal menos estável e mais solúvel em
ácido. O magnésio, quando encontrado, está localizado na superfície do
cristal, tendo efeito similar ao carbonato, ou em fase separada [CaMg(CO3)2
e Ca9 Mg(PO4)6(HPO4)] (Nicolau, 2008; Buzalaf et al., 2011).
Essas substituições e defeitos exercem profundo efeito sobre o
comportamento da apatita, especificamente em relação à sua solubilidade
em pH baixo. O centro dos cristalitos difere em composição da periferia,
sendo rico em magnésio e carbonato. Portanto, o centro do cristalito é mais
solúvel que a sua periferia.

Componente orgânico e água


A água constitui 2% do peso do esmalte, o que corresponde a 5 a 10% do
volume. A existência de água está relacionada à porosidade do tecido. A
água pode estar entre os cristalitos, ao redor do material orgânico ou presa
dentro de defeitos dos cristalitos, e o restante compõe a camada de
hidratação que cobre os cristais (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
O esmalte também apresenta conteúdo orgânico. Durante a
amelogênese, o ameloblasto secreta várias moléculas orgânicas, divididas
em proteínas amelogeninas, proteínas não amelogeninas (ameloblastina,
tuftelina, glicoproteínas, enamelina, albumina, glicoproteína HS-a2),
enzimas (proteases: enamelisina – MMP-20 e proteinase serina da matriz do
esmalte 1 – EMSP1) e lipídios (oriundos da membrana), nas quais os
minerais (apatitas) são depositados. Conforme a mineralização progride,
praticamente todas as proteínas são reabsorvidas/removidas, restando
apenas 1 a 2% de material orgânico em peso no esmalte maduro, o que
corresponde particularmente às proteínas não amelogeninas (enamelina e
ameloblastina). As proteínas têm alta ligação com os minerais e por isso são
encontradas principalmente nos limites das regiões prismáticas e
interprismáticas do esmalte. Dentro do esmalte, a concentração de proteínas
é maior próximo à junção amelodentinária. O conteúdo lipídico do esmalte
aparece em aproximadamente 1% do peso do esmalte, podendo representar
o remanescente de membrana celular durante a formação dentária (Nicolau,
2008; Robinson, 2014; Bartlett e Simmer, 2015).

Estrutura
A unidade estrutural básica do esmalte é o prisma, que tem formato de
cilindro e consiste em vários milhões de cristalitos de hidroxiapatita unidos
em um fino e longo prisma de 5 a 6 μm de diâmetro por 2,5 mm de
comprimento. O limite do prisma reflete a mudança repentina na orientação
dos cristalitos, o que causa efeito óptico diferente do corpo prismático. No
limite do prisma, os cristalitos desviam de 40 a 60° daqueles de dentro do
prisma, o que se denomina esmalte interprismático, aumentando a
porosidade da região e permitindo que haja maior quantidade de camada
orgânica (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Em uma secção transversal, o esmalte apresenta padrão mais comum,
com o prisma assumindo formato de fechadura, correspondendo sua cabeça
ao esmalte no formato de bastão (prismático) e sua cauda ao esmalte no
formato de interbastão (esmalte interprismático) (Figura 12.5). A cauda se
situa entre as cabeças dos prismas adjacentes, apontando para a cervical. Na
cauda, há uma mudança na orientação dos prismas, o que resulta em
diferença na refração de luz e na aparência dos limites do prisma. Na
cabeça dos prismas, os cristais têm direção paralela ao longo eixo do
prisma; já na cauda, os cristais gradualmente divergem do prisma,
apresentando ângulo de 65 a 70° ao longo do eixo. A cabeça dos prismas é
orientada na direção da cúspide ou incisal, já a cauda é orientada na direção
apical ou cervical (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Quando o esmalte é fraturado transversalmente, os prismas
apresentam-se alinhados desde a junção amelodentinária até a superfície,
encontrando a superfície em ângulos variados, dependendo do formato
relativo da junção amelodentinária e da superfície externa. Quando o
esmalte é fraturado longitudinalmente, os prismas seguem padrão paralelo
sinusoidal. As mudanças periódicas na direção dos prismas produzem um
padrão de bandeamento chamado bandas de Hunter-Schreger, cuja largura é
de 50 μm (Figura 12.6). Esse complexo padrão prismático faz com que o
esmalte seja resistente à fratura (Nanci, 2008).

Figura 12.5 Padrão da disposição dos prismas de esmalte no formato de fechadura.

Além dos esmaltes prismático e interprismático, existe o padrão de


esmalte aprismático, que corresponde à primeira e à última camadas de
esmalte formadas na ausência de processo de Tomes. No esmalte decíduo,
essa camada superficial tem espessura de 20 a 100 μm; nos dentes
permanentes é de 20 a 70 μm. Nessa região, os cristalitos estão alinhados
paralelamente. Essa camada superficial é mais mineralizada que o restante
do esmalte, devido à ausência de limites prismáticos onde a matriz orgânica
é depositada (Nanci, 2008).

Linhas incrementais
O esmalte é produzido de maneira incremental, alternando períodos de
atividade com períodos de inatividade dos ameloblastos, resultando em
linhas incrementais. Quando os períodos são curtos, são produzidas estrias
cruzadas; já quando são longos, produzem-se estrias de esmalte. A
periodicidade regular dessas estruturas dá ao prisma a aparência de escada,
com as estrias apresentando formato de anel. As estrias cruzadas são vistas
como linhas transversais ao longo do eixo do prisma de esmalte,
representando um ritmo de formação do esmalte (4 μm/dia). Também é
sugerido que as estrias cruzadas resultem de mudanças na natureza da
matriz orgânica e ou na orientação e composição dos cristalitos (Nicolau,
2008; Simmer et al., 2010).

Figura 12.6 Representação do esmalte nodoso (A) e das bandas de Hunter-Schreger (B).
Figura 12.7 Estrias de Retzius.

Já as estrias do esmalte (estrias de Retzius) são observadas, em cortes


longitudinais, como linhas estruturais que percorrem obliquamente e
atravessam os prismas da junção amelodentinária até a superfície (Figura
12.7). Em um corte transversal, as estrias do esmalte correm
circunferencialmente, como anéis de uma árvore, e representam a deposição
de esmalte a cada 5 a 10 dias. Em geral, não chegam à superfície, com
exceção de estrias acentuadas devido a distúrbios metabólicos durante a
odontogênese. As estrias de esmalte, que vencem a superfície em uma série
de ranhuras finas, descrevendo circunferências ao redor de coroa, são
chamadas de periquimácias ou linhas de imbricação de Pickerill. São
particularmente proeminentes sobre a face labial dos dentes recém-
formados. As periquimácias têm alto conteúdo de carbonato, o que causa
alta solubilidade dos cristais. Geralmente são formadas após o nascimento,
por isso são menos comuns nos dentes decíduos. Uma estria
particularmente marcada é formada durante o nascimento, denominada
linha neonatal, refletindo as mudanças metabólicas (nutricional e hormonal)
ocorridas no nascimento, evento no qual os prismas parecem mudar sua
direção e espessura (Nanci, 2008; Simmer et al., 2010).
Outras características microscópicas associadas a ondulações do
prisma de esmalte, devido a mudanças na orientação dos mesmos, são
esmalte nodoso (gnarled) e bandas de Hunter-Schreger (Figura 12.6).
Esmalte nodoso está relacionado com prismas de esmalte altamente
entrelaçados, que ocorrem na junção amelodentinária, em áreas sujeitas a
forças mastigatórias, como cúspides. Bandas de Hunter-Schreger são
bandas claras e escuras que representam padrões de luz refletida por grupos
de prismas na junção amelo dentinária, até a superfície, devido ao esmalte
se encontrar seccionado transversal (diazonas) e longitudinalmente
(parazonas) (Figura 12.6) (Nanci, 2008; Simmer et al., 2010).

Superfície
A superfície do esmalte é mais dura, menos porosa, menos solúvel e mais
radiopaca que a subsuperfície, pois a hidroxiapatita é rica em flúor e pobre
em carbonato nesta região. Apresenta aparência variável, exibindo
características como esmalte aprismático, periquimácias, fissuras e
elevações (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).

Junção amelodentinária
A junção entre esmalte e dentina tem padrão ondulado em áreas de esforço
mastigatório, mas tem padrão liso nas superfícies laterais da coroa. Nesta
área podem ser encontradas lamelas, espículas (spindles) e tufos de esmalte.
As espículas penetram no esmalte, não são alinhadas aos prismas e parecem
ser resultado de alguns processos odontoblásticos que, durante a
odontogênese, infiltraram-se entre os ameloblastos. Por isso, sugere-se que
as espículas sejam colágeno ou remanescentes de odontoblastos mortos,
levando à hipomineralização nas regiões em que se encontram. Podem ser
responsáveis pelo aumento da aderência entre o esmalte e a dentina (Nanci,
2008; Nicolau, 2008).
Tufo de esmalte é o termo dado às estruturas juncionais no terço
interno do esmalte, que lembram tufos de ervas. Parecem colunas correndo
na mesma direção, como fazem os prismas, e são encontrados no esmalte
interprismático, associados à bainha prismática que envolve o prisma. São
estruturas hipomineralizadas, recorrentes em intervalos de 100 μm ao longo
da junção. Devido ao alto conteúdo orgânico, acredita-se que esses tufos
sejam falhas dentro da matriz do esmalte. Também podem funcionar como
ancoragem entre dentina e esmalte (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Lamelas de esmalte são defeitos lineares orientados longitudinalmente,
como placas de material orgânico que percorrem a espessura inteira do
esmalte, da região incisal à cervical. As lamelas são hipomineralizadas e
espaçadas, são mais longas e menos comuns que os tufos de esmalte. Como
os tufos, as lamelas são mais bem visualizadas em secções transversais do
esmalte. As lamelas se desenvolvem devido à incompleta maturação de
grupos de prisma (que ainda conteriam proteínas de esmalte) durante a
odontogênese. Quando presente clinicamente, a lamela passa a ser
denominada fenda, sendo preenchida por conteúdo oriundo da saliva e do
biofilme dentário (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).

Implicações clínicas
A composição e a estrutura do esmalte determinam o seu comportamento na
situação clínica. O primeiro ponto a se considerar é que se houver algum
distúrbio durante a amelogênese, devido à ação de substâncias tóxicas
(ingestão excessiva de fluoreto ou uso tetraciclina), assim como febres e
infecções, poderá ocorrer má formação do dente, como hipoplasia (falha na
camada orgânica) ou hipocalcificação (redução de minerais), que alterarão
as propriedades físico-químicas do esmalte, comprometendo a sua
aparência e tornando-o suscetível ao desgaste e à desmineralização
(Robinson, 2014; Wright et al., 2015).
O esmalte é transparente, o que, somado à existência de moléculas
orgânicas, facilita a pigmentação por café e fumo. Para reduzir a
pigmentação são usados agentes clareadores, que removem os pigmentos
aderidos à superfície das moléculas orgânicas. No entanto, muito se debate
sobre a recidiva e os efeitos colaterais desse tratamento, como o aumento da
porosidade e a suscetibilidade do dente à desmineralização.
Após a erupção, a remoção de carbonato e a incorporação de flúor à
superfície do esmalte, por meio da aplicação tópica de agentes com alta
concentração de fluoreto e acidulados, podem aumentar a resistência do
dente à desmineralização, devido aos mecanismos anteriormente descritos.
Os prismas percorrem o esmalte em curso ondulado, sendo mais
inclinados em áreas de cúspide. A direção dos prismas é importante para a
preparação de restaurações. Prismas de esmalte (cúspides) suportados por
material restaurador são mais suscetíveis à fratura que os de esmalte
suportado por dentina. As estrias (fendas) podem ser áreas mais suscetíveis
à desmineralização e à pigmentação devido ao alto conteúdo orgânico,
assim como podem permitir a comunicação do complexo dentino-pulpar
com o meio externo, causando sensibilidade.
A existência de um centro de apatita rico em carbonato e uma região
externa rica em flúor, assim como o padrão estrutural do esmalte, com as
regiões prismáticas (bastão) e interprismáticas (interbastão) rodeadas por
bainha rica em proteínas, determinam o padrão de desmineralização diante
de um ataque ácido, tanto devido a um processo patológico, como a
procedimentos restauradores. Devido às características descritas, a
desmineralização se inicia no centro do cristal de apatita (de dentro para
fora), assim como dos cristais mais expostos ao meio. Cristais que
percorrem o esmalte de maneira angulada à superfície são mais resistentes à
dissolução.
Durante a formação da cárie dentária, com a exposição ao ácido lático
(pH 5), há dissolução primeiramente da região subsuperficial, devido à
superfície poder apresentar características aprismáticas (principalmente
quando o dente é jovem; com o tempo, essa superfície é desgastada) e ter
alta concentração de flúor. Já quando o ataque ácido é realizado para
procedimentos restauradores por meio da exposição ao ácido fosfórico (pH
1 a 2), há dissolução da superfície, incluindo cristais ricos em flúor, devido
ao baixo pH do gel. Esse procedimento é necessário para aumentar a área
de superfície apta à adesão ao material resinoso por meio da criação de tags
de esmalte. Para tal, deve-se primeiro remover a camada aprismática,
porque nela os cristais correm na mesma direção e são atacados
uniformemente. Com a exposição dos prismas, o centro do prisma é
dissolvido primeiro, retendo a região interprismática, o que melhora o
embricamento dos materiais adesivos.

Dentina
A dentina é encontrada na coroa e na raiz do dente (Figura 12.1). Divide-se
em pré-dentina (matriz orgânica não mineralizada próxima à polpa),
dentina do manto (camada de dentina mais externa) e dentina
circumpulpar (peritubular e intertubular) (Figura 12.8). Seu peso
corresponde a 70% mineral, 20% matriz orgânica e 10% água; em relação
ao volume, 50% correspondem ao mineral, 30% à matriz orgânica e 20% à
água. É um tecido dentário hígido, mas elástico, e consiste em largo número
de pequenos túbulos paralelos em matriz orgânica (colágeno) mineralizada.
Os túbulos contêm longos processos das células odontoblásticas,
responsáveis pela formação do tecido, assim como pequeno volume de
fluido extracelular (Figura 12.8). Como o odontoblasto, nos dentes vitais,
apresenta prolongamento citoplasmático dentro dos túbulos dentinários,
além de ser responsável pela produção da dentina; alguns autores
consideram a dentina e a polpa dentária como um único tecido, denominado
complexo dentino-pulpar (Nicolau, 2008; Bedran-Russo et al., 2014; Li et
al., 2015). No entanto, neste capítulo estamos considerando apenas a
dentina, para uma descrição mais prática.

Figura 12.8 Localização das seguintes estruturas: junção amelodentinária (JAD), dentina do manto,
dentina interglobular, dentina peritubular, dentina intertubular, processo odontoblástico, pré-
dentina, odontoblasto.

A dentina é um tecido permeável que depende do tamanho e do padrão


dos túbulos. Também é sensível, e formada não somente na odontogênese
(dentina primária), como durante toda a vida do indivíduo (dentina
secundária e terciária). Esse tecido apresenta cor amarela, o que contribui
para a aparência do dente pela translucidez do esmalte. A dentina é mais
dura que o osso e o cemento, mas menos dura que o esmalte. Sua matriz
orgânica, assim como sua arquitetura tubular, provê grande força de flexão,
tensão e compressão. Todas essas características são relacionadas
diretamente à sua composição e à sua estrutura (Nanci, 2008; Goldberg et
al., 2011).

Componente inorgânico
O componente mineral é formado por cristais de hidroxiapatita
substituíveis. Os cristais são pobres em cálcio, fosfato e sódio, e ricos em
magnésio e carbonato, em comparação à hidroxiapatita do esmalte. Apesar
de similares em formato, são menores que aqueles do esmalte. O menor
tamanho apresentado pelos cristais da dentina permite maior área de
superfície, que torna este tecido mais suscetível ao ataque ácido. A taxa de
Ca/P diminui da junção amelodentinária para a polpa, e as taxas de
magnésio e flúor aumentam. Há poucas evidências se os elementos-traço
são adsorvidos sobre a superfície dos cristalitos, incorporados dentro dos
cristais ou concentrados na matriz orgânica. O gradiente de composição
mineral diminui da polpa para o esmalte e da região peritubular para a
intertubular. Os cristais de hidroxiapatita na dentina mineralizada são
encontrados sobre e entre as fibrilas colágenas (Nanci, 2008; Nicolau, 2008;
Goldberg et al., 2011).

Componente orgânico
A matriz orgânica consiste em 90% de fibrilas de colágeno, sobretudo as do
tipo I, sendo a maioria paralela à superfície pulpar, e tem função de
sustentar o tecido. Na dentina circumpulpar, as fibras colágenas apresentam
diâmetro largo (100 nm) e são mais fortemente empacotadas que na pré-
dentina (Goldberg et al., 2011; Bedran-Russo et al., 2014).
Os componentes não colágenos fazem parte dos 10% restantes e são
compostos por fosfoproteínas da dentina, proteoglicanas, proteínas-Gla,
proteína da matriz de dentina I, sialoproteína da dentina, outras proteínas
ácidas e fatores de crescimento (tipo insulina e transformador). A
fosfoproteína da dentina, que representa 50% do componente não colágeno,
é altamente fosforilada e tem capacidade de se ligar ao cálcio. Por isso, está
diretamente relacionada à mineralização, assim como as proteínas-Gla
(proteínas contendo γ-carboxiglutamato). As proteoglicanas são
representadas na dentina por biglican e decorin e as glicosaminaglicanas
são primariamente condroitina-4-sulfato e condroitina-6-sulfato. Entre as
importantes funções das proteoglicanas estão o papel desempenhado na
montagem das fibras colágenas e na função celular, como adesão, migração,
proliferação e diferenciação. A osteonectina e a osteopontina são as
proteínas ácidas que compõem, além do tecido ósseo, a dentina; entretanto,
suas funções na dentina não estão definidas. Os lipídios, principalmente os
fosfolipídios, compõem 2% do conteúdo orgânico da dentina e têm papel na
formação e no crescimento dos cristais. Além disso, a dentina contém
enzimas como as metaloproteinases de matriz (MMPs – MMP-2, MMP-8 e
MMP-9), que, quando expostas ao meio pela desmineralização, são
associadas à progressão da lesão cariosa, devido à digestão da parte
orgânica da matriz (Prasad et al., 2010; Goldberg et al., 2011; Bedran-
Russo et al., 2014).

Estrutura
Túbulos dentinários
Os túbulos dentinários apresentam 2,5 μm de diâmetro próximo à polpa e
menos de 1 μm perifericamente. Compõem 22% da área da dentina próxima
à polpa e 2,5% da área da dentina próxima à junção amelodentinária.
Estima-se que haja 20.000 túbulos/mm2 na região mais externa da dentina
(junção amelodentinária) e 50.000 túbulos/mm2 em sua região mais interna
(polpa). Apresentam curso sigmoide e curvado, denominado curvatura
primária, devido à migração dos odontoblastos para o interior do tecido,
mas também podem mudar de direção em pequena amplitude, movimento
denominado curvatura secundária, como resultado de pequenas ondulações
em espiral do processo odontoblástico durante a formação da matriz e
mineralização. Em algumas regiões, a curvatura secundária pode coincidir
em túbulos adjacentes, dando a aparência de linhas cruzadas, denominadas
linhas de contorno de Owen. Essas estruturas são evidentes entre a dentina
primária e a secundária (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Os túbulos dentinários contêm processos de odontoblastos, uma lâmina
limitante na parede dos túbulos dentinários, fluido extracelular e, em alguns
casos, também terminações nervosas, cuja extensão dentro da dentina não é
conhecida. O espaço entre o processo odontoblástico e a parede da dentina
tubular é denominado bainha de Neuman. O fluido extracelular advindo da
polpa exerce força positiva para o exterior, o que pode ajudar a limitar o
progresso de agentes químicos e toxinas do exterior até a polpa (Nicolau,
2008; Goldberg et al., 2011).

Dentina circumpulpar (peritubular e intertubular)


A dentina peritubular é uma fina camada de tecido mineralizado que rodeia
os túbulos dentinários, muitas vezes denominada intratubular, devido à sua
deposição levar à obliteração do túbulo dentinário, principalmente após a
irrupção pela formação da dentina secundária. Difere da dentina
intertubular por não conter fibrilas de colágeno e ser de 9 a 15% mais
mineralizada. Portanto, é uma zona de alta densidade. A principal proteína
da dentina peritubular é a fosfoforina, diferentemente da dentina
intertubular, formada basicamente por colágeno. Já o componente
inorgânico da dentina peritubular é composto por apatita carbonatada, com
cristalinidade diferente da dentina intertubular. Alguns cristalitos da dentina
peritubular têm formato hexagonal e aparecem como placas compactas
menores ou similares à dentina intertubular. A dentina peritubular é
formada juntamente ou um pouco após a dentina intertubular. Entre a
dentina intertubular e a peritubular há uma zona com diferente composição
orgânica e mineral (Goldberg et al., 2011; Bedran-Russo et al., 2014).

Variações regionais na estrutura e composição da dentina


| Coroa e raiz
Na coroa, a primeira camada formada é conhecida como manto da dentina
ou dentina do manto (mais externa e próxima à junção amelodentinária). Já
na raiz, há duas zonas externas morfologicamente conhecidas: camada
hialina e camada granular (de Tomes). Há controvérsias se a camada hialina
faz parte da dentina, do cemento ou dos dois tecidos.
A pré-dentina é uma camada de dentina comum para as duas regiões
do dente, sendo a mais interna e não mineralizada. Nela, novas camadas de
dentina são depositadas durante a vida do dente. Apresenta uma zona de
calcificação, onde os minerais são depositados. Entre o manto da dentina
(coroa)/camada hialina e granular (raiz) e a pré-dentina há uma grande
camada de dentina circumpulpar (peritubular e intertubular) já descrita
anteriormente. A parte externa da dentina circumpulpar, abaixo da dentina
do manto, em geral não é completamente mineralizada e tem aparência
característica de dentina interglobular (Nanci, 2008; Goldberg et al., 2011).

Dentina do manto
A dentina do manto, presente na coroa, é a camada mais externa da dentina
(20 a 150 μm de espessura). Difere da dentina circumpulpar por ser 5%
menos mineralizada, por suas fibras colágenas serem largamente orientadas
perpendicularmente à junção amelodentinária, por seus túbulos dentinários
se ramificarem em abundância e por apresentar vesículas da matriz (Figura
12.8) (Nanci, 2008; Goldberg et al., 2011).

Camada granular e camada hialina


A camada granular se encontra na periferia da dentina radicular como zona
granular escura. É mais hipomineralizada, em comparação à dentina
circumpulpar, provavelmente devido à fusão incompleta dos calcosferitos.
Na superfície externa da camada granular existe uma camada hialina, cuja
origem é obscura. A função da camada granular é ancorar cemento e
dentina, tendo considerável significância clínica na regeneração periodontal
(Goldberg et al., 2011).

Dentina interglobular
A dentina interglobular é a região que separa a dentina do manto da dentina
(coroa)/camada granular (raiz) da dentina circumpulpar (Figura 12.8). Boa
parte do mineral é depositada nesta região como glóbulos ou calcosferitos.
Estes na maioria das vezes se fundem para formar a fronte de
mineralização, porém essa fusão pode ser incompleta (Goldberg et al.,
2011).

Pré-dentina
A pré-dentina é a camada mais interna próxima aos odontoblastos,
depositada como matriz orgânica antes da mineralização (Figura 12.8). É
composta por fibrilas de colágeno com diferente conformação em relação à
dentina circumpulpar, assim como por largas proteoglicanas, o que impede
a mineralização desta camada (Goldberg et al., 2011).

Linhas estruturais
Em secções de dentina, observa-se uma variedade de linhas
aproximadamente perpendiculares aos túbulos da dentina. Há linhas
associadas à curvatura primária dos túbulos dentinários, conhecidas como
linhas de Schreger, assim como há linhas associadas à curvatura secundária
dos túbulos dentinários, denominadas linhas de Owen (Figura 12.9). Esta
linha de Owen também é utilizada para descrever acentuadas deficiências
na mineralização. Há uma linha exagerada na borda das dentinas primária e
secundária, denominada linha neonatal, que pode incluir variações na
composição da matriz e mineralização durante o parto (Nanci, 2008).
Há linhas incrementais associadas à deposição de matriz e
mineralização. Períodos curtos de deposição e descanso podem ser
observados como linhas escuras e claras (distância entre linhas de 2 a 4
μm), cada par refletindo o ritmo diurno de formação da dentina. A essas
linhas denominamos linhas de Von Ebner (Figura 12.9). Já períodos de
formação longos (16 a 20 μm) produzem linhas denominadas linhas
Andresen. Entre cada linha do período longo, há de seis a dez pares de
linhas do período curto (Nanci, 2008).

Mudanças pós-eruptivas | Dentinas secundária, terciária e


tratos mortos
As dentinas secundária e terciária são formadas após a erupção dos dentes.
A dentina secundária apresenta estrutura muito similar à dentina primária,
dificultando a distinção entre ambas. Entretanto, a dentina primária e a
secundária são frequentemente delineadas como resultado das mudanças na
direção dos túbulos dentinários com coincidência da curvatura secundária,
produzindo pronunciada linha de contorno de Owen. A deposição de
dentina secundária é mais lenta que a de dentina primária, além de o padrão
tubular ser menos regular. Com a idade, os túbulos podem se tornar
totalmente ocluídos (dentina esclerótica), principalmente na raiz, com a
dentina peritubular formando dentina translucente, comum no ápice
radicular (Nanci, 2008; Goldberg et al., 2011).

Figura 12.9 Linhas de Owen e Linhas de Von Ebner.

A dentina terciária é formada em função de uma variedade de


estímulos, como cárie, trauma e restauração, e varia consideravelmente em
aparência e composição. As diferenças na aparência de dentina terciária
ocorrem devido provavelmente à sua produção por odontoblastos
preexistentes ou por novas células mesenquimais diferenciadas. Estas novas
células são muito semelhantes aos odontoblastos. Quando depositam
rapidamente matriz de dentina desorganizada, essas novas células
mesenquimais podem ser incorporadas à matriz, sendo este tecido
denominado osteodentina (Nanci, 2008; Goldberg et al., 2011).
Há dois tipos de dentina terciária. A dentina reacionária é formada por
odontoblastos preexistentes em resposta à estimulação patológica. Já a
dentina reparadora é formada por novos odontoblastos diferenciados,
devido à morte das células originais. Os fatores de crescimento estimulam a
proliferação dessas novas células, a diferenciação e a secreção da matriz. Os
tratos mortos são formados quando os túbulos dentinários ficam vazios,
porque os odontoblastos são mortos por estímulos externos ou são retraídos
antes de a dentina peritubular ser formada e ocluir os túbulos (Nanci, 2008).
Implicações clínicas
A composição e a estrutura da dentina determinam o seu comportamento na
situação clínica. O fato de os túbulos dentinários serem mais abertos e
numerosos próximo à polpa facilita o dano aos prolongamentos dos
odontoblastos, a progressão da lesão de cárie, assim como a possibilidade
de agentes tóxicos danificarem a polpa. Por isso, em Dentística
Restauradora as cavidades profundas devem ser protegidas com materiais
biocompatíveis. Tratos mortos facilitam a progressão da lesão de cárie,
ocorrendo o oposto com a formação da esclerótica.
Com a idade, há aumento no volume de dentina devido à deposição de
dentinas secundária e terciária, o que, com o tempo, torna o dente mais
amarelado, assim como dificulta o acesso a testes de sensibilidade. A
deposição de dentina também reduz e muda o formato da câmara pulpar,
dificultando o acesso durante o tratamento endodôntico.
A adesão de materiais à dentina é mais difícil que ao esmalte, devido à
existência de material colágeno que, após o ataque ácido, pode sofrer
colapso, fechando os poros abertos pelo condicionamento, dificultando a
penetração do material. Os tags são mais bem formados na dentina
intertubular que na intratubular, ao passo que são ainda mais difíceis de ser
obtidos sobre a dentina esclerótica. A ocorrência de smear layer sobre a
superfície dentinária, assim como de smear plug dentro dos túbulos,
também dificulta a adesão de materiais restauradores à dentina. Estas
camadas de restos de dentina só são removidas com ataque ácido.
Ainda em relação à restauração da dentina, MMPs dentinárias estão
relacionadas com falhas no resultado clínico de restaurações adesivas,
devido à degradação do material orgânico da dentina, levando à formação
de fendas e infiltrações (Carrilho et al., 2007). As MMPs dentinárias e
salivares também estão relacionadas com maior incidência de cárie e erosão
dentinárias, uma vez que facilitam a progressão da perda tecidual devido à
destruição das proteínas colágenas. As MMPs se tornam ativas quando o
pH cai, durante o metabolismo bacteriano ou a ingestão de bebidas ácidas.
A subsequente neutralização salivar permite a degradação da matriz
dentinária, uma vez que as MMPs, embora sejam ativadas em pH ácido, só
conseguem degradar a matriz orgânica dentinária quando o pH retorna à
neutralidade. Indivíduos com alta concentração de MMPs salivares têm
maior incidência de cárie dentária (Tjäderhane et al., 1998).

Conclusão
Esmalte e dentina são dois tecidos altamente mineralizados que compõem a
estrutura dentária. Além disso, apresentam interface que permite o
estabelecimento de propriedades e funções do dente. O domínio das
principais características desses dois tecidos é essencial para o cirurgião-
dentista, uma vez que grande parte dos procedimentos, tanto operatórios
como preventivos, é realizada sobre estes tecidos. O desenvolvimento de
novos materiais, novas técnicas restauradoras e propostas como a
engenharia de tecidos dentários só são possíveis graças ao entendimento
amplo desses tecidos.

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O
periodonto é o conjunto de tecidos de suporte/sustentação e proteção
aos dentes. Pode ser dividido basicamente em dois tipos: de proteção
e de sustentação. O periodonto de proteção é composto pela gengiva (com
diferentes classificações: papilar, livre, inserida e marginal); o de
sustentação é constituído por cemento, ligamento periodontal e osso
alveolar. Todos esses tecidos, com ressalva ao cemento, são remodelados
(reabsorvidos e sintetizados) constantemente durante toda a vida do
indivíduo, apresentando frequentes modificações na sua estrutura. Em
condições normais, o cemento é sintetizado em velocidade menor e poucas
vezes é reabsorvido.
A manutenção da homeostasia do periodonto é essencial para a função
dos dentes e, consequentemente, a qualidade de vida do indivíduo. Por isso,
a compreensão das características bioquímicas do periodonto é fundamental
para o profissional de Odontologia e de outras áreas da saúde, uma vez que
condições sistêmicas como diabetes melito e obesidade podem afetar o
periodonto e comprometer a função dos dentes (Pink et al., 2015). Assim,
neste capítulo vamos checar alguns detalhes bioquímicos do periodonto e
algumas alterações que podem comprometer suas funções.

Periodonto sadio
O periodonto é constituído por diversos tecidos que apresentam, em
conjunto, as funções de sustentação e proteção dos dentes (Figura 13.1). Os
tecidos que compõem o periodonto são: gengiva, ligamento periodontal,
cemento e osso alveolar (Figura 13.1) (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).

Gengiva
A gengiva é composta por dois tipos de tecido: epitelial e conjuntivo. A
camada epitelial é mais externa, pode ser dividida em região oral, sulcular e
juncional, e varia no grau de queratinização e no número de células. As
principais células do epitélio gengival são os queratinócitos, responsáveis
pela produção de uma camada de queratina (proteína fibrosa com função
estrutural). Foram identificados diferentes tipos de queratina no epitélio
gengival, em geral relacionados com a função de cada uma das regiões do
epitélio (sulcular, oral e juncional) (Figura 13.2). O epitélio apresenta
laminina, proteína adesiva encontrada na lâmina da membrana basal, cujo
papel é mediar a adesão das células epiteliais com o colágeno tipo IV, por
meio de receptores proteicos específicos na superfície da célula. Da mesma
maneira, esses receptores gengivais interagem com a laminina presente no
cemento, promovendo a adesão do tecido epitelial gengival ao dente,
impedindo, assim, a invasão de células estranhas no ligamento periodontal.
No epitélio gengival humano também foram identificados ácido
hialurônico, CD 44, decorina e sindecana (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).

Figura 13.1 Componentes do periodonto.

Sob o epitélio gengival existe uma camada de tecido conjuntivo,


também chamado de lâmina própria, constituído basicamente por dois
compartimentos, um celular e outro extracelular. As células que compõem o
tecido conjuntivo gengival são: fibroblastos, macrófagos, mastócitos e
células inflamatórias (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Quanto ao componente extracelular, o tecido conjuntivo gengival é
composto principalmente por colágeno tipo I. O colágeno tipo III também é
encontrado na gengiva, associado ao tipo I. O colágeno tipo IV é
encontrado associado a vasos sanguíneos e membranas basais, enquanto os
colágenos do tipo V e VI têm distribuição filamentosa difusa. Além do
colágeno, o tecido conjuntivo apresenta várias proteoglicanas (complexos
de proteínas e carboidratos, com alto conteúdo de carboidratos) e
glicoproteínas (complexos de proteínas e carboidratos, com pequena
porcentagem de carboidratos). Na proteoglicana, a porção correspondente
ao carboidrato é composta por glicosaminoglicano. No tecido conjuntivo
gengival os principais glicosaminoglicanos são: ácido hialurônico, ácido
queratan sulfato, ácido condroitina-4-sulfato e ácido condroitina-6-sulfato.
Também encontramos elastina no tecido gengival, mas em menor
concentração do que na mucosa alveolar flexível. As glicoproteínas
encontradas no tecido conjuntivo gengival incluem fibronectina e integrina
(Nanci, 2008; Nicolau, 2008).

Figura 13.2 Epitélios que compõem a gengiva.

Ligamento periodontal
O ligamento periodontal é um tecido conjuntivo localizado entre a raiz do
dente e o osso alveolar (Figura 13.1), formando uma articulação
classificada como gonfose; é rico em matriz extracelular, constituído
principalmente por fibras e substância básica, componentes com importante
papel funcional no suporte e na erupção dentária. Os elementos fibrosos são
hábeis em prover força tensional ao tecido, enquanto a substância básica é
capaz de dissipar forças de compressão. A matriz extracelular determina o
movimento de outros componentes pelo tecido, como íons e moléculas
pequenas, e provê informação posicional para elementos celulares. Além
das fibras e da substância fundamental, o ligamento periodontal apresenta
várias células, como fibroblastos, células endoteliais, restos de células
epiteliais de Malassez, células associadas ao sistema sensorial, células
associadas ao osso (osteoblastos), cementoblastos e células progenitoras
(Nanci, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).

Células
As células progenitoras têm potencial para se diferenciar em fibroblastos,
cementoblastos e osteoblastos. Vários fatores podem afetar a diferenciação
em fibroblastos no ligamento periodontal, como forças aplicadas, existência
de lectinas, composição da matriz extracelular, formato das células e uma
variedade de citocinas fibrogênicas (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Os fibroblastos produzem a matriz do ligamento periodontal, além de
desempenharem importante papel na orientação das fibras do ligamento
periodontal. Os restos de Malassez parecem secretar prostaglandinas e
interleucina 1α, que promovem a manutenção do espaço do ligamento e a
regeneração dos tecidos periodontais. Os cementoblastos participam do
processo de manutenção e reparo do cemento. O ligamento periodontal é o
principal componente responsável por transferir forças ao osso alveolar e
permitir que este se remodele, em resposta à força aplicada. As células do
sistema sensorial têm importante papel no mecanismo de resposta às forças
mecânicas, devido à ativação do sistema de sinalização mecanossensorial,
incluindo adenilato ciclase, canais iônicos e mudanças na organização do
citoesqueleto. Essas alterações produzem mensageiros intracelulares
secundários que participarão da remodelação óssea (Nicolau, 2008; Kaku e
Yamauchi, 2014).
Substância fundamental
A substância fundamental é composta por dois tipos de glicoconjugados,
denominados glicoproteínas e proteoglicanas. As proteoglicanas nada mais
são que proteínas ligadas aos glicosaminaglicanos (Figura 13.3). Dentre os
glicosaminaglicanos, são encontrados no ligamento periodontal o ácido
hialurônico (não faz parte das proteoglicanas), a condroitina-4-sulfato, a
condroitina-6-sulfato (35%), o dermatan sulfato (60%) e a heparan sulfato
(5%). O ácido hialurônico (Figura 13.4) age como absorvente biológico
quando há estresse mecânico. Tem alta afinidade por água, sendo
responsável pela manutenção da hidratação da maioria dos tecidos, além de
influenciar o desenvolvimento, a migração e a proliferação celular (Nanci,
2008; Nicolau, 2008).
Figura 13.3 Esquema estrutural das proteoglicanas com seus elementos: proteína central e
glicosaminoglicanos.

Figura 13.4 Fórmula da unidade estrutural do ácido hialurônico.

As proteoglicanas são fortemente envolvidas na manutenção da


integridade estrutural dos tecidos conjuntivos e estão relacionadas às
funções biológicas, incluindo o desenvolvimento, a remodelação e o reparo
do tecido conjuntivo, mantendo alta atividade metabólica. Podem se ligar a
outras macromoléculas da matriz extracelular, promovendo interações de
uma variedade de componentes, ajudando na organização do ligamento
periodontal. Além disso, estão envolvidas na inibição da mineralização no
ligamento periodontal (Nanci, 2008; Nicolau, 2008).
Há mudanças na proporção de glicoconjugados conforme a erupção
dentária e a idade do dente. A natureza e a distribuição de proteoglicanas no
tecido são de grande importância, devido à capacidade de impor barreiras
direcionais ao movimento de certas moléculas (p. ex., procolágeno), por
meio da substância fundamental. As fibronectinas são glicoproteínas
importantes no ligamento periodontal, pois permitem a ancoragem de
fibroblastos e outras células, promovendo a ligação, o espalhamento e a
migração celular (Nanci, 2008; Nicolau, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).

Fibras
As fibras do ligamento periodontal são compostas por colágeno e elastina,
sendo o colágeno responsável pelo suporte dentário e a elastina
(oxitalânicas) pelas propriedades de elasticidade do tecido. O colágeno é
secretado primeiramente, mas não exclusivamente, por fibroblastos. A
molécula de colágeno é composta por três cadeias de polipeptídios (cadeias
α) organizadas em tripla-hélice. As cadeias são formadas por repetições da
sequência de aminoácidos G-X-Y (glicina-prolina-hidroxiprolina). As
fibrilas colágenas são definidas pela habilidade de entrar em fibrinogênese
espontaneamente, resultando na formação de fibras insolúveis com
estruturas macromoleculares altamente ordenadas (Nicolau, 2008; Kaku e
Yamauchi, 2014).
O colágeno pode ser dividido em cinco grupos. O primeiro grupo é
composto por colágenos que formam fibrilas em forma de banda nos
tecidos (tipos I, II, III, V e XI). O segundo grupo está associado ao
primeiro, formando os elementos do tecido conjuntivo, entre fibrilas em
banda e outros componentes. Esse grupo é chamado colágeno associado à
fibrila e inclui os tipos IX, XII, XIV, XVI e XIX. O terceiro grupo,
chamado colágeno formador de rede (proteínas de membrana), inclui os
tipos IV (membrana basal), VIII e X. O quarto grupo forma filamentos
pareados e inclui os tipos VI (microfibrilas) e VII (fibrilas de ancoragem).
Os colágenos dos tipos XIII e XVII são colágenos transmembranosos
(Nicolau, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).
O ligamento periodontal contém principalmente fibrilas colágenas tipo
I, assim como alta proporção de fibrilas colágenas tipo III, ordenadas em
conjuntos de fibrilas com ligações cruzadas. As fibrilas colágenas são
firmemente ancoradas ao cemento e ao osso por fibras de Sharpey. A
interação do colágeno com as proteoglicanas é de reconhecida importância
funcional, particularmente em relação à arquitetura e à geometria do
ligamento periodontal. A precipitação, o crescimento e a calcificação das
fibrilas colágenas são controlados pela interação de colágeno e
proteoglicanas (Nudelman et al., 2013; Kaku e Yamauchi, 2014).

Metabolismo das fibrilas colágenas


O colágeno fibrilar é sujeito à fragmentação, devido ao desgaste físico e à
força de tração sobre o tecido, e à ação de radicais livres altamente reativos.
Entretanto, a quebra do colágeno também está sob controle celular, mediado
via um grupo de enzimas proteolíticas denominadas metaloproteinases de
matriz (MMPs), que podem ser liberadas pelas bactérias
periodontopatogênicas ou ser produzidas pelo hospedeiro. As MMPs
representam uma família de endopeptidases dependentes de zinco, que
inclui colagenases, gelatinases e estromelisinas. Essas enzimas são
secretadas como precursores inativos, frequentemente ativados por
plasmina, tripsina e outras proteases, e inibidos por inibidores teciduais de
metaloproteinases (TIMPs). As MMPs são secretadas por células do tecido
conjuntivo (predominantemente fibroblastos), mas também por alguns
leucócitos (neutrófilos polimorfonucleares e macrófagos) (Nanci, 2008;
Nicolau, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).
Outra via de metabolismo das fibrilas colágenas é a fagocitose do
colágeno e sua consequente quebra, processo que ocorre no interior das
células (fibroblastos), não envolvendo metaloproteinases de matriz.
Geralmente, esse processo está relacionado com o metabolismo fisiológico
das fibrilas colágenas frente a mudanças de posição do dente ou a esforços
mastigatórios (Nanci, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).
O metabolismo do colágeno no tecido periodontal é alto, se comparado
ao metabolismo do colágeno na pele e ao tecido conjuntivo, e tem
implicações importantes na etiologia da doença periodontal crônica, já que
o desequilíbrio entre síntese e degradação pode resultar em perda de
colágeno (Nanci, 2008; Kaku e Yamauchi, 2014).
Cemento
O cemento é um tecido mineralizado, sem vascularização e inervação, que
cobre as raízes dos dentes, ligando a dentina radicular (dente) ao ligamento
periodontal (tecido de suporte) (Figura 13.1). As fibras periodontais podem
penetrar mais superficial ou profundamente, dependendo da espessura do
cemento. Este é classificado de acordo com a existência ou não de células
dentro da matriz (cementócitos), de acordo com a origem das fibrilas
colágenas da matriz (intrínsecas e extrínsecas) e com a combinação dos dois
fatores, sendo denominado de cemento acelular com fibra extrínseca
(AEFC) ou cemento celular com fibras intrínsecas (CIFC) (Nanci, 2008;
Feller et al., 2015).
O cemento é formado durante toda a vida do dente por cementoblastos,
permitindo a reinserção de fibras do ligamento periodontal. Sua espessura
varia de acordo com o nível da raiz, sendo o cemento espesso no ápice e no
espaço inter-radicular (50 a 200 μm) e fino na região cervical (10 a 15 μm).
Apresenta fina camada não calcificada (3 a 5 μm), denominada précemento.
Com a idade, o cemento se torna mais irregular, sendo mais espesso
principalmente no ápice radicular; apresenta menos aglomerados de fibras e
os cementócitos só são encontrados em lacunas na superfície do cemento,
estando as lacunas mais profundas vazias (Nanci, 2008; Feller et al., 2015).
O cemento contém 65% de material inorgânico, 23% de material
orgânico e 12% de água em peso. Em volume, o material inorgânico
compreende 45%, o material orgânico 33% e a água, 22%. O cemento
contém menos mineral que osso e dentina. O principal componente
inorgânico é a hidroxiapatita [Ca10(PO4)6(OH)2]. O principal componente
orgânico é o colágeno tipo I (90%), seguido por colágeno tipos II e XII,
fosfatase alcalina, sialoproteína óssea, proteína da matriz dentinária 1,
fibronectina, osteocalcina, osteonectina, osteopontina, proteoglicanas
(condroitina sulfato, dermatan sulfato), proteolipídios, moléculas de adesão
(proteína de aderência do cemento) e vários fatores de crescimento (fator de
crescimento tipo insulina). No cemento, os fatores de crescimento exercem
influência na atividade de várias células do periodonto. Duas proteínas
parecem estar envolvidas no reparo, uma vez que estimulam a diferenciação
de células progenitoras em cementoblasto. Essas proteínas são a
osteopontina e a sialoproteína óssea, sendo a última assim chamada por
conta do alto conteúdo de ácido siálico (Nicolau, 2008; Feller et al., 2015).

Osso alveolar
Os ossos são tecidos duros formados por 67% de mineral (hidroxiapatita) e
33% de material orgânico (proteínas colágenas e moléculas não colágenas)
e água em peso. O colágeno perfaz 90% do osso (especialmente o colágeno
tipo I), sendo os outros 10% compostos por moléculas não colágenas, como
glicosaminoglicanas (condroitina sulfato), proteoglicanas (Gla-proteínas),
osteocalcina e glicoproteínas fosforiladas (osteonectina, osteopontina,
sialoproteina, proteínas da matriz dentinária 1, glicoproteína ácida óssea-
75), fosfatase alcalina, fatores de crescimento osteogênico (TGF e BMP) e
enzimas, assim como fosfolipídios. As proteínas não colágenas têm alta
afinidade com o cálcio e ocupam espaços interfibrilares (Nanci, 2008;
Nicolau, 2008).
Diferentes células são responsáveis pela formação, reabsorção e
manutenção óssea. Há duas linhas de células com funções específicas:
células osteogênicas, que formam e mantêm o osso (oesteoprogenitores,
pré-osteoblastos, osteoblastos, osteócitos e células da linhagem óssea), e
osteoclastos, que reabsorvem o osso. Várias enzimas e quimiocinas
liberadas pelo hospedeiro ou por bactérias podem determinar a atividade
dessas células e o balanço entre deposição e reabsorção do osso alveolar
(Hienz et al., 2015).
Graças ao remodelamento constante das fibrilas colágenas do
ligamento periodontal, descrito anteriormente, e ao remodelamento do osso
alveolar, o periodonto apresenta capacidade considerável de se adaptar às
mudanças e aos diferentes “desafios” impostos aos dentes. Inclusive, essa
capacidade de adaptação é usada no tratamento ortodôntico, uma vez que os
dentes são reposicionados paulatinamente, respeitando a velocidade de
remodelamento do tecido ósseo e do ligamento periodontal (Nicolau, 2008;
Feller et al., 2015).

Periodonto doente
Em geral, doença periodontal inflamatória envolve a destruição do colágeno
da matriz extracelular, com o aparecimento de edema e inflamação tecidual,
formação de bolsas (periodontais), sangramento à sondagem clínica e perda
de suporte. Esses eventos incluem aumento do sulco gengival, do fluxo do
fluido gengival, da vascularização com infiltração de polimorfonucleares,
perda de selamento epitelial e de osso alveolar (Figura 13.5) (Barbato et al.,
2015; Hienz et al., 2015; Larsson et al., 2016).

Figura 13.5 Principais eventos celulares e moleculares na doença periodontal.


As bactérias que compõem o biofilme subgengival relacionadas com o
aparecimento e a progressão da destruição do tecido de suporte dentário são
as bactérias anaeróbicas gram-negativas (Actinobacillus
actinomycetemcomitans, Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia,
Bacteroides forsythus, Fusobacterium nucleatum, Campylobacter rectus,
Peptostreptococcus micros, Streptococcus intermedius, Treponema
denticola, Eikenella corrodens) (Hienz et al., 2015).
A etiologia dessa doença permanece obscura, porém a alta velocidade
do metabolismo do colágeno no tecido aponta para a possibilidade de a
patologia estar relacionada com distúrbios no padrão de síntese e destruição
do colágeno pelo hospedeiro. Evidências recentes sugerem que a invasão do
tecido gengival por bactérias pode ocorrer em grave e avançado tipo de
doença periodontal, mas observações suportam a visão de que a invasão
bacteriana não é característica da periodontite. Tem sido estipulado que a
resposta tecidual local aos produtos bacterianos (toxinas,
lipopolissacarídeos, produtos metabólicos e enzimas) poderia ser de maior
significância na patogênese da doença (Barbato et al., 2015; Hienz et al.,
2015; Larsson et al., 2016).
Inicialmente, os produtos bacterianos do biofilme dentário sobre o
epitélio induzem ao aumento nos espaços intercelulares do epitélio
juncional e à destruição parcial da membrana basal durante a inflamação.
Há mudanças vasculares no tecido conjuntivo abaixo do epitélio, com
consequente exsudação e migração de células fagocitárias, incluindo
neutrófilos e monócitos/macrófagos, dentro do epitélio juncional,
resultando em inflamação gengival inicial. A invasão dos leucócitos pode
ser induzida por várias substâncias, incluindo interleucina 1, fator de
necrose tumoral e lipopolissacarídeos bacterianos. As interleucinas, por
exemplo, modificam células epiteliais, estimulam a produção de proteinases
e prostaglandinas E2. As prostaglandinas E2, por sua vez, aumentam a
permeabilidade e a dilatação dos vasos (Nicolau, 2008; Hienz et al., 2015).
Entre as alterações ocorridas durante o avanço da doença periodontal,
uma das mais significativas é a perda de osso alveolar. A destruição do osso
alveolar está associada, entre outros mecanismos, à regulação do sistema
RANK/RANKL/OPG. O maior mecanismo regulatório da atividade
osteoclástica é dado pelos membros da família de receptores TNF: RANK
(receptor activator of nuclear factor B), osteoprotegerina (OPG) e o ligante
RANKL. RANK é expresso em precursores osteoclásticos e em
osteoclastos maduros, enquanto seu ligante, RANKL, uma proteína
transmembrana, é expresso em osteoblastos em condições homeostáticas e
ativado por linfócitos T (Barbato et al., 2015; Hienz et al., 2015; Ruest et
al., 2016).
A interação de RANK e RANKL é requerida para diferenciação e
ativação de osteoclastos, um evento regulado pela OPG, uma proteína
secretada que tem atração por RANKL, impedindo fortemente a ativação
dos osteoclastos e a consequente reabsorção óssea, por inibir a ligação entre
RANK-RANKL (Figura 13.6). OPG é produzida por osteoblastos, sob o
estímulo de TGF-βe BMP-2. Quando não associado à OPG, o RANKL
promove estimulação e ativação de osteoclastos (Hienz et al., 2015;
Barbato et al., 2015; Ruest et al., 2016).
A expressão da RANKL e OPG é regulada por vários hormônios
(glicocorticoides, vitamina D e estrógeno), citocinas (fator de necrose
tumoral α, interleucinas 1, 4, 6, 11 e 17) e vários fatores de transcrição
mesenquimal. Fibroblastos gengivais podem ter a habilidade de suprimir a
osteoclastogênese induzida por mediadores inflamatórios, incluindo IL-1 e
prostaglandina E2. No entanto, se estes mediadores inflamatórios agirem
diretamente sobre fibroblastos do ligamento periodontal e osteoblastos,
poderá ocorrer extensiva reabsorção. Portanto, a largura de tecido gengival
pode ser determinante da suscetibilidade de um indivíduo à doença
periodontal, já que os fibroblastos gengivais produzem OPG em resposta às
toxinas bacterianas, protegendo o osso contra a reabsorção. O aumento na
proporção de RANKL/OPG pode estar implicado na etiologia da doença
periodontal, como também de outras doenças. Por outro lado, a
administração de OPG tem demonstrado prevenir esses distúrbios em
animais (Barbato et al., 2015; Hienz et al., 2015).

Figura 13.6 Esquema com a interação das moléculas RANK/RANKL/OPG e seus efeitos na ativação
dos osteoclastos.

Alternativas recentes para regeneração do tecido


periodontal
Há uma variedade de novas terapias para a promoção de cicatrização e
regeneração dos tecidos periodontais, como o uso de membranas como
barreiras para regeneração tecidual guiada e aplicação de fatores de
crescimento – proteínas morfogenéticas ósseas (BMPs), fator de
crescimento epidermal (EGF), fator de crescimento de fibroblasto, fator de
crescimento insulina-like (IGF) – e proteínas da matriz do esmalte sobre a
superfície da raiz (Gemini-Piperni et al., 2014; Rezende et al., 2015;
Larsson et al., 2016; Nagahara et al., 2015; Miron et al., 2015).
Em curso nas últimas décadas, temos presenciado o crescimento das
ferramentas de estudo na biologia celular e molecular, em congruência com
o aparecimento da chamada engenharia de tecidos. A engenharia de tecidos,
em linhas gerais, é campo interdisciplinar que visa à substituição, à
regeneração parcial ou total de um órgão ou função. Dentro da engenharia
tecidual temos estudos com diferentes tipos celulares (em especial com as
células-tronco) e também o desenvolvimento de novos biomateriais, com a
finalidade de servirem como arcaboço para o crescimento celular. Assim,
alguns estudos têm mostrado resultados importantes com o uso da
regeneração tecidual na regeneração de tecidos periodontais. Essa aplicação
de células progenitoras que apresentam potencial de se diferenciar em
fibroblastos, cementoblastos e osteoblastos já é realidade em vários estudos
laboratoriais e pré-clínicos (Gemini-Piperni et al., 2014; Rezende et al.,
2015; Larsson et al., 2016; Nagahara et al., 2015; Miron et al., 2015).

Conclusão
O conhecimento dos detalhes sobre a composição e a estrutura do
periodonto é imprescindível para o entendimento do funcionamento do
mesmo, bem como para a detecção de condições de alterações ou doenças.
Em adição, propostas preventivas e terapêuticas para esses tecidos exigem
do profissional da área da saúde o domínio adequado sobre aspectos
celulares e moleculares do tecido em questão.

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A
cavidade bucal é banhada por um fluido chamado saliva, produzido
pelas glândulas salivares, cuja função principal é manter a saúde
bucal. Indivíduos com deficiência de secreção salivar experimentam
dificuldade para comer, falar e deglutir, tornando-se propensos a infecções
de mucosa e lesões de cárie rampante.
Com base na importância da saliva para a manutenção da saúde bucal,
serão descritos neste capítulo os tipos de glândulas salivares, a maneira
como a saliva é produzida e o seu papel na manutenção da saúde bucal, de
acordo com os seus componentes e propriedades.

Anatomia e fisiologia das glândulas salivares


Glândulas maiores e menores
As glândulas maiores são responsáveis por 90% da saliva total e englobam
as glândulas parótida, submandibular e sublingual (Figura 14.1). A parótida
é a maior glândula salivar, localizada na frente da orelha, abaixo do
processo zigomático e atrás dos ramos da mandíbula, bilateralmente. Seu
ducto, com 5 cm de comprimento, emerge na borda anterior da glândula
sobre a superfície do masseter, e sua abertura se localiza na altura do
segundo molar superior. Sua secreção é predominantemente do tipo seroso
(Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007;
Dawes, 2008).
A glândula submandibular tem metade do tamanho da parótida. É
localizada entre o corpo da mandíbula e o músculo mieloide, no assoalho da
boca. A abertura de seus ductos se localiza no assoalho bucal, abaixo da
parte anterior da língua, sobre o cume da papila sublingual e lateralmente ao
freio lingual. Sua secreção é serosa e mucosa.
Figura 14.1 Localização anatômica das glândulas salivares maiores.

A glândula sublingual tem 1/5 do tamanho da submandibular,


situando-se no assoalho de boca, abaixo da dobra da membrana mucosa
sublingual. O ducto principal e numerosos ductos pequenos emergem no
cume da dobra sublingual. Essa glândula é predominantemente do tipo
mucoso (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Pedersen et al., 2005; Nanci,
2007; Dawes, 2008).
As glândulas menores se localizam na borda lateral da língua, na parte
posterior do palato e nas mucosas labial e bucal. Secretam basicamente
saliva mucosa, à exceção das glândulas serosas linguais (glândulas de
Ebner), e são responsáveis por aproximadamente 10% da saliva total.
Além da secreção das glândulas maiores e menores, a saliva total é
composta por fluido gengival e células descamadas (Avery, 2002; Edgar et
al., 2004; Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008).

Estrutura das glândulas salivares


As glândulas são formadas por ácinos (80%) e um sistema de ductos
ramificados (20%). Os ácinos podem conter células com características
serosas, mucosas ou ambos os tipos (glândulas mistas). Nas glândulas
mistas, as células mucosas são cercadas por células serosas. As células
serosas são arranjadas em forma esférica; já as células mucosas tendem a
apresentar configuração tubular. Em ambos os tipos de ácinos, as células se
organizam de modo a formar um lúmen. As células serosas liberam
principalmente íons e glicoproteínas com funções enzimáticas,
antimicrobianas, quelantes de cálcio, entre outros; já as células mucosas são
ricas em mucina. A mucina também é glicoproteína, mas difere da
glicoproteína serosa na estrutura do centro da proteína, na natureza e
extensão da glicolisação, e na função. Tem função lubrificante,
antimicrobiana e participa da formação da película adquirida (Avery, 2002;
Edgar et al., 2004; Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008).
A distinção entre células serosas e mucosas tem se tornado difícil, já
que agora se sabe que algumas células serosas produzem certas mucinas,
assim como células mucosas produzem certas proteínas não glicosiladas.
Avanços no procedimento de preservação de tecido têm demonstrado, por
meio de análises histológicas, que as estruturas das células serosas e
mucosas são similares.
Há três tipos de ductos que ligam os ácinos à cavidade bucal:
intercalado, estriado e excretório. O fluido produzido pelas células dos
ácinos passa pelo ducto intercalado, que apresenta um epitélio cuboidal e
um pequeno espaço no lúmen. Na sequência, o fluido entra no ducto
estriado, que é cercado por células colunares com muitas mitocôndrias, e
importante para a determinação da composição final da saliva. Por fim, a
saliva passa pelo ducto excretório, que apresenta células cuboidais, até
chegar à parte terminal, que é cercada por epitélio escamoso estratificado.
Os três ductos nas glândulas parótida e submandibular são grandes; já nas
glândulas sublinguais e glândulas menores são pequenos, esparsamente
distribuídos ou mesmo ausentes. A Figura 14.2 mostra a estrutura
histológica da glândula.
As células mioepiteliais ao redor dos ácinos, entre células dos ácinos e
a lâmina basal, auxiliam na propagação do líquido pelos ductos. Além
disso, as células mioepiteliais proveem força isométrica e suportam o
parênquima glandular durante a resposta secretória. Acredita-se que essas
células provejam sinais necessários para a manutenção de polaridade das
células e estrutura organizacional. Evidências sugerem ainda que elas
produzam proteínas com atividade supressora de tumores (inibidores de
proteases) e fatores antiangiogênese, instaurando uma barreira contra a
invasão de neoplasias epiteliais (Figura 14.2).
Figura 14.2 Característica histológica da glândula salivar.

A glândula e os suprimentos sanguíneo e nervoso são sustentados por


um estroma de tecido conjuntivo. Este apresenta cápsulas e septos que se
estendem internamente, dividindo a glândula em lobos e lóbulos e levando
vasos sanguíneos e nervos ao parênquima da glândula. O tecido conjuntivo
apresenta várias células (fibroblastos, macrófagos, células dendríticas,
plasmáticas, granulócitos e linfócitos). O colágeno e as fibras elásticas
associadas às glicoproteínas e proteoglicanas constituem a matriz
extracelular do tecido conjuntivo.

Mecanismos de secreção salivar


Estimulação e controle neural da salivação
O principal estímulo salivar é de ordem química (sabor), por meio de
quimiorreceptores encontrados nos botões gustativos, mas também pode ser
provocado mecanicamente (mastigação), por mecanorreceptores integrantes
do ligamento periodontal. O impulso aferente é direcionado ao núcleo
solitário da medula via nervos facial (VII) e glossofaríngeo (IX). A
informação é transmitida por nervos autônomos, que são fibras
parassimpáticas do nervo facial e do glossofaríngeo, e fibras simpáticas que
seguem os vasos sanguíneos. A estimulação parassimpática produz saliva
mais aquosa (água e eletrólitos), com alto fluxo e baixa concentração
proteica; já a estimulação simpática produz saliva com baixo fluxo,
altamente viscosa e rica em mucina (Avery, 2002; Edgar et al., 2004;
Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007).
As fibras eferentes, que retornam a mensagem do sistema nervoso para
as glândulas submandibular e sublingual, são originadas no nervo
facial/lingual; já as que retornam a mensagem para as glândulas parótidas
são oriundas do nervo glossofaríngeo/auriculotemporal. Estes nervos
liberam neurotransmissores nas superfícies dos ácinos, como acetilcolina,
norepinefrina e peptídios (substância P, polipeptídio intestinal vasoativo).
A acetilcolina, neurotransmissor parassimpático, liga-se ao receptor
muscarínico da membrana dos ácinos, regulando a secreção do fluido; já a
norepinefrina, neurotransmissor simpático, regula a secreção de
macromoléculas pela ligação a receptores adrenérgicos. A ligação a estes
receptores causa a ativação da proteína G pela substituição de GDP por
GTP. A ativação da subunidade a da proteína G ativa a enzima-alvo
encontrada na membrana, sendo esta a fosfolipase C, para estimulação
parassimpática (Figura 14.3), e a adenilato-ciclase, para a simpática (Figura
14.4). Além da ação das inervações simpática e parassimpática sobre as
células dos ácinos, esses nervos também controlam o fluxo sanguíneo, que é
o maior fator na regulação da taxa de fluxo salivar.
O IP3 é produto da quebra de um lipídio de membrana sob atuação da
fosfolipase C (PLC, enzima-alvo da estimulação parassimpática). O IP3 se
liga aos receptores do retículo endoplasmático, liberando cálcio armazenado
nessa organela. Os receptores de IP3 são canais de cálcio que se abrem
quando ligados ao IP3 (Figura 14.3). O sinal de cálcio pode ser ainda
amplificado pela liberação de cálcio através de receptores rianodine
(segundo canal de cálcio). Além da mobilização do cálcio armazenado, o
processo secretório pode também utilizar cálcio extracelular, que é
estimulado quando há depleção dos reservatórios de cálcio intracelular.

Figura 14.3 Mecanismo de secreção de eletrólitos e água: estímulo parassimpático.


Figura 14.4 Mecanismo de secreção de proteínas: estímulo simpático.

A adenilato ciclase (enzima-alvo da estimulação simpática) converte o


ATP em cAMP (segundo mensageiro). Todas as atividades do cAMP são
mediadas pela proteinoquinase A (PKA), que se torna ativada e fosforila
proteínas celulares responsáveis pela síntese e secreção de saliva (Figura
14.4).

Secreção de proteínas
As proteínas são produzidas nos ribossomos, translocadas no lúmen do
retículo endoplasmático, onde sofrem modificações (glicosilação,
fosforilação, sulfonação, proteólise), transferidas para pequenas vesículas
do complexo de Golgi, onde sofrem mais modificações, seguidas pela
condensação e pelo empacotamento em grânulos secretórios. Essas fases
são reguladas pela fosforilação de proteínas ativadas por cAMP dependente
de PKA. O aumento no cAMP estimula a transcrição de genes para
proteínas salivares, modificação pós-tradução, maturação, translocação de
vesículas secretórias à membrana e exocitose (Figura 14.4). As vesículas
permanecem armazenadas no citoplasma apical até receberem apropriado
estímulo secretório. Para que as proteínas sejam liberadas, os endossomos
ou vesículas devem se fundir com a membrana plasmática em processo
denominado exocitose.
Recentes avanços na técnica proteômica têm permitido a identificação
de amplo número de proteínas. Primeiramente, separam-se as proteínas por
eletroforese ou cromatografia; na sequência, isolam-se pequenos grupos de
proteínas ou seus peptídios e identificam-se os peptídios por espectrometria
de massa. A partir de uma base de dados de peptídios e de proteínas
conhecidas, as proteínas da saliva podem ser identificadas. Mais de 309
proteínas foram identificadas na saliva, assim como mais de 130 e 50
proteínas foram identificadas na película adquirida do esmalte e da dentina,
respectivamente (Siqueira et al., 2007; Delecrode et al., 2015).

Secreção de íons | Fluidos


O processo de absorção e secreção dos eletrólitos envolve transporte ativo a
partir do suprimento sanguíneo, através de uma única camada de célula
(ácinos) até o lúmen. Os sistemas de transporte são mediados por: bombas
Na+/K+ ATPase; cotransporte Na+/K+/Cl–; secreção de bicarbonato dirigida
por bomba de Na+/H+; secreção de Cl– dirigida por bombas paralelas Na+/H+
e Cl–/HCO3–; canais de Cl– e K+ regulados por Ca+2; fluxo osmótico de água;
bombas K+/H+; e transporte paralelo de Na+ e água.
As células dos ácinos utilizam transporte ativo para aumentar a
concentração intracelular de cloro que, por sua vez, ativa o canal de cloro
na membrana, permitindo a liberação deste íon no lúmen. O transporte de
cloro é regulado pelo aumento na concentração de cálcio devido ao
estímulo parassimpático (já abordado anteriormente), que ativa o canal de
potássio; este, por sua vez, mantém o potencial de membrana com valor
negativo, preservando a força que dirige o fluxo de cloro em direção ao
lúmen. Os canais de cloro permitem também a passagem de bicarbonato.
Como consequência do potencial negativo criado pelo cloro e o
bicarbonato, o sódio atravessa as células, a fim de manter a
eletroneutralidade. A concentração de sódio é aumentada pelo influxo de
sódio via ativação das bombas Na+/H+ e Na+/K+/2Cl– cotransportador. O
aumento do sódio acinar ativa o mecanismo de transporte da bomba de
Na+/K+ (ATPase), devido à saída ativa de sódio e ao influxo de potássio,
restabelecendo os gradientes iônicos originais da célula.
O movimento de sódio e cloro cria um gradiente osmótico que faz com
que a água se mova através do tecido. O movimento da água, portanto, dá-
se por osmose. A água pode atravessar a célula de duas maneiras, entre elas
(paracelular) e através de canais (aquaporin) presentes nas membranas
apical e basolateral. A água é secretada até a isotonicidade ser vencida
(primeira modificação).
Quando a saliva passa pelo ducto estriado se torna hipotônica, uma vez
que o ducto reabsorve os eletrólitos da saliva primária (sódio e cloro), assim
como secreta outros íons (potássio e bicarbonato). No entanto, o ducto não
é permeável à água. A saliva hipotônica (segunda modificação) é
importante, porque facilita a diferenciação entre sabores (paladar). Se a
saliva permanecesse isotônica seria difícil distinguir sabores cuja
concentração iônica é menor que a do plasma (Mese e Matsuo, 2007). A
gustatina, proteína salivar, auxilia esse processo, já que é necessária para o
crescimento e a maturação das papilas gustativas.
O processo secretório do fluido nas células dos ácinos tem maior
capacidade que o processo reabsortivo eletrolítico nos ductos. Quando o
fluxo salivar é lento (fluxo não estimulado, FNE), os ductos conseguem
modificar a saliva substancialmente. Já quando o fluxo é rápido (fluxo
estimulado, FE), o ducto tem pouca capacidade de modificar a saliva, sendo
esta liberada com composição semelhante à saliva liberada no lúmen
(menos hipotônica), com concentração de sódio e cloro maior do que a
saliva não estimulada. Portanto, há diferenças de composição entre saliva
estimulada e não estimulada.
O bicarbonato (HCO3–) salivar é derivado do CO2 devido à ação da
anidrase carbônica encontrada nos tecidos glandulares salivares. O processo
de secreção do bicarbonato é dependente das mudanças de Na+/H+ e do
gradiente de sódio. Os canais de cloro regulam a concentração de
bicarbonato na saliva. O bicarbonato pode se mover livremente através do
epitélio, na forma de CO2, e pode ser reabsorvido no ducto estriado, fato
intimamente relacionado à reabsorção de cloro. Quando o fluxo salivar é
rápido (FE), há pouca reabsorção de bicarbonato, aumentando a capacidade
tampão salivar.
O fluxo salivar é sempre unidirecional, devido à função da barreira
(junções nas membranas apicais e basolaterais) e à polaridade das células
do ducto e dos ácinos. Os principais eventos de secreção ocorrem na
membrana apical em direção ao lúmen.

Fatores que influenciam o fluxo e a


composição salivar
A composição da saliva varia conforme a glândula, sendo fortemente
influenciada pelo ritmo circadiano, assim como pelo fluxo (se estimulado
ou não). A taxa de FNE varia normalmente entre 0,3 e 0,6 mℓ/min, sendo
oriundo em 25% da parótida, 60% da submandibular, 7 a 8% da sublingual
e 7 a 8% das glândulas menores. Somente quando a taxa é menor que 0,1
m ℓ /min pode-se considerar o indivíduo com hipossalivação. No entanto,
indivíduos com baixo fluxo salivar só podem ser considerados xerostômicos
quando apresentam sintomas associados. A viscosidade da saliva não
estimulada é 2 a 3 vezes maior que a saliva estimulada (Avery, 2002; Edgar
et al., 2004; Dodds et al., 2005; Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes,
2008).
Já a saliva estimulada tem fluxo variando de 1 a 2 m ℓ /min, sendo
constituída em 50% pela saliva oriunda da parótida, 35% da submandibular,
7 a 8% da sublingual e 7 a 8% das glândulas menores. A saliva estimulada é
produzida em aproximadamente 1 h por dia, sendo o restante saliva não
estimulada, o que totaliza 0,5 a 0,6 ℓ de saliva produzida por dia. Portanto,
o FNE é mais importante que o FE, porém o FE tem papel na limpeza da
boca durante as refeições. Em função da localização das glândulas e do
fluxo salivar, sítios da boca não são expostos à saliva de modo similar.
A mensuração do fluxo salivar deve ser feita de 1 a 2 h após a refeição,
em ambiente tranquilo e refrigerado, no qual o paciente coletará a saliva por
tempo determinado (5 a 10 min), sob estímulo ou não da mastigação, em
recipiente volumétrico ou pesado antes e após a coleta (conversão de peso
em volume considerando a densidade de 1 mg/mℓ) (Figura 14.5).

Fluxo salivar não estimulado


O grau de hidratação afeta o FNE, já que quanto menor o volume de água
corporal, menor o fluxo. Quando o conteúdo corporal de água é reduzido
em 8%, o fluxo salivar se reduz a zero aproximadamente. Já a hiper-
hidratação pode aumentá-lo. A postura corporal, as condições de
iluminação e o fumo também têm influência. Pessoas em pé têm maior
FNE; pessoas deitadas apresentam menor fluxo em comparação a pessoas
sentadas. Há diminuição em 30 a 40% quando o indivíduo está no escuro.
Estimulações por olfato causam aumento temporário de FNE. O uso de
medicamentos reduz o FNE, assim como bebidas alcoólicas. A temperatura
e o fluxo salivar sofrem influência dos ritmos circadianos. A temperatura e
o FNE aumentam durante a tarde, sendo que o fluxo se reduz próximo a
zero durante a noite. Quando o fluxo salivar é baixo, o paciente apresenta
quadro clínico de hipossalivação (hipoptialismo). Há também casos mais
raros de hipersalivação (ptialismo ou sialorreia). A hipossalivação é de
comum ocorrência em pacientes polimedicados, com enfermidades
sistêmicas e em pacientes irradiados. Já a hipersalivação é achado frequente
durante a irrupção dentária e em pacientes com problemas mentais, devido
à dificuldade de deglutição (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Dodds et al.,
2005; Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008).

Figura 14.5 Coleta de saliva para medição do fluxo salivar sob estímulo mecânico (mastigação de
parafilm).

Fluxo salivar estimulado


O fluxo salivar pode ser estimulado principalmente por agentes químicos
(ácidos > sal ~ amargo ~ doce), mas também por agentes mecânicos
(mastigação). Os picos de fluxo salivar ocorrem nos horários de refeição.
Episódios de vômito aumentam o fluxo salivar momentos antes e durante o
ato. Indivíduos que usam medicamentos apresentam diminuição expressiva
da salivação, independentemente da idade. É comum encontrarmos
hipossalivação em idosos, porém uma revisão sistemática recente aponta
que esta redução do fluxo salivar com o envelhecimento independe do uso
de medicamentos (Affoo et al., 2015). Também há diferença entre gêneros
com relação ao fluxo salivar; de modo geral, mulheres produzem menor
volume de saliva em comparação aos homens. O estímulo também pode ser
unilateral, quando a mastigação é mais intensa de um lado. É importante
lembrar que se há alteração no fluxo salivar, há também modificações na
composição da saliva (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Dodds et al., 2005;
Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008).

Composição salivar
A saliva é composta por 99% de água e 1% de uma variedade de eletrólitos
(sódio, potássio, cálcio, cloro, magnésio, bicarbonato e fosfato), proteínas
(enzimas, imunoglobulinas, glicoproteínas, traços de albumina,
polipeptídios e oligopeptídios), glicose e produtos nitrogenados, como ureia
e amônia. Há também células, microrganismos, leucócitos provenientes da
mucosa e fluido gengival. Vários fatores podem influenciar a composição
salivar, como o tipo de glândula, a natureza de estímulo (gustativo e
mastigatório) e a sua duração (Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006).
O tipo de glândula tem influência na composição salivar (p. ex., a
maior parte da amilase é secretada pela parótida; substâncias provenientes
do sangue e mucina vêm principalmente das glândulas menores). As
glândulas menores têm secreção altamente viscosa e com baixa capacidade
tampão.
O tipo de fluxo também determina a composição, sendo que, com o
aumento do fluxo, há aumento nas concentrações de proteínas, sódio, cloro
e bicarbonato, bem como diminuição de magnésio e fosfato. O pH varia
entre 6,5 e 7,4, sendo mais alto em secreções estimuladas, que apresentam
alta renovação metabólica do tecido granular. A saliva não estimulada
contém alta concentração de mucina tipo I (com alto peso molecular, MGI),
enquanto a saliva estimulada apresenta alta concentração de mucina tipo II
(baixo peso molecular, MGII). A MGI é responsável pela lubrificação e
aglutinação bacteriana; a MGII também facilita a remoção bacteriana da
cavidade oral e participa da formação da película adquirida.
A duração do estímulo também é determinante. A concentração de
bicarbonato aumenta com o prolongamento na duração do estímulo; já a
concentração de cloro diminui com o aumento da duração do estímulo.
A natureza do estímulo tem efeito na composição salivar,
principalmente quando o sal é utilizado, pois há maior liberação de
proteínas em comparação aos outros estímulos por sabor. O estímulo ácido,
por sua vez, leva à produção de saliva mais alcalina. De acordo com o ritmo
circadiano, a concentração de sódio e cloro tem pico no início da manhã, a
concentração de potássio no meio da tarde e a concentração de proteína
aumenta no final da tarde.
A atividade física altera a composição salivar, havendo aumento nos
níveis de amilase e eletrólitos (principalmente o sódio). Algumas
enfermidades, como pancreatite, diabetes, insuficiência renal, anorexia,
bulimia e doença celíaca, estão associadas ao aumento do nível de amilase.
Outras condições, como obesidade, paralisia cerebral, síndrome de Down,
também parecem estar associadas às alterações na composição da saliva
(Siqueira et al., 2007; Pannunzio et al., 2010; Santos et al., 2011).
Alterações emocionais e deficiências nutricionais estão relacionadas a
alterações na composição da saliva (Lingström e Moynihan, 2003).

Saliva | Efeitos protetores


A saliva tem várias funções importantes na cavidade bucal, como: efeito de
lavagem; solubilização de substâncias (sabor); formação de bolo alimentar;
limpeza; lubrificação de tecidos moles; mastigação, deglutição e fonação;
capacidade tampão; manutenção da concentração de cálcio e fosfato;
formação da película adquirida; defesa antimicrobiana; e funções digestivas
(Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Pedersen et al., 2005; Llena Puy, 2006;
Nanci, 2007). A seguir, serão descritas as funções mais importantes para a
manutenção da saúde bucal. A Figura 14.6 resume as principais funções da
saliva.

Capacidade tampão da saliva


A saliva apresenta pH neutro e tem capacidade de manter o pH em contato
com ácidos ou bases, devido à ação de sistemas tampões, como proteínas,
fosfato e bicarbonato. As proteínas apresentam-se em baixa concentração
na saliva (equivalente a 1/3 de plasma) e, por isso, têm pouco efeito
tampão, sendo mais importantes na formação da película. O fosfato também
é encontrado em baixa concentração na saliva e, além disso, seu valor de
pKa é menor que o valor do pH da saliva, tendo também pouco efeito
tampão. Sua importância está relacionada com a supersaturação da apatita e
a manutenção da estrutura dentária. Já o bicarbonato é o sistema-tampão
mais importante na saliva, sobretudo quando o fluxo salivar é estimulado,
apresentando aumento razoável de concentração (1 mM no FNE e 60 mM
no FE).
Figura 14.6 Principais funções da saliva e a relação com a sua composição.

Portanto, o sistema bicarbonato é o mais importante tampão da saliva


estimulada. Já na saliva não estimulada, tanto o sistema bicarbonato como o
fosfato agem na neutralização do pH. Além do bicarbonato, ureia
(conversão em amônia) e sialina na saliva podem aumentar o pH salivar.

Formação da película adquirida


A saliva é responsável pela formação de uma película rica em
glicoproteínas sobre a superfície dentária. Essa película é responsável pela
proteção da superfície dentária contra agentes químicos e mecânicos. Sua
espessura varia conforme a superfície e é proporcional ao contato com o
fluido salivar. Siqueira et al. (2007) detectaram 130 proteínas (mucina,
amilase, lisozima, cistatina, anidrase carbônica, proteína rica em prolina –
PRP, estaterina) e 78 peptídios na película adquirida do esmalte in vivo.
Recentemente, foi demonstrado haver histatina intacta na película
adquirida, a qual é resistente à degradação quando adsorvida à
hidroxiapatita (HA), o que pode lhe conferir potencial para proteger o
esmalte contra os ataques ácidos (Siqueira et al., 2010; McDonald et al.,
2011). Na película adquirida da dentina (com 10 min de formação), foram
identificadas mais de 50 proteínas, dentre elas um tipo de mucina resistente
ao ataque ácido (ácido cítrico e lático) in situ (Delecrode et al., 2015). Por
outro lado, outras proteínas sofrem mudanças conformacionais quando
adsorvidas à HA, como as PRPs (Elangovan et al., 2007).
O entendimento da composição da película em diferentes sítios
dentários será de grande valia na elaboração de estratégias de modificação
da película visando à proteção dos dentes contra a erosão dentária e outras
doenças relacionadas à colonização microbiana da película (Siqueira et al.,
2005; Wiegand et al., 2008; Hannig et al., 2009; Cheiab e Lussi, 2011;
Vukosavljevic et al., 2014).

Efeito antimicrobiano
Importante papel da saliva é fazer a aglutinação microbiana e a limpeza da
boca, mantendo o equilíbrio entre potencial patógeno e cavidade bucal. Pelo
contato salivar, é possível transmitir bactérias, em especial aquelas
encontradas em grande número, o que é relevante na fase de janela de
infectividade, na qual a mãe pode transmitir microrganismos ao filho nos
primeiros anos de vida. No entanto, a transmissão de microrganismos não
quer dizer que há doença.
A saliva tanto inibe como suporta seletivamente o crescimento de
certos tipos de bactérias (provê nutrientes, como carboidratos e
aminoácidos, às bactérias). Quando não há oferta de açúcar da dieta,
aminoácidos na saliva selecionam bactérias não cariogênicas (menos
patógenas). Adicionalmente, a maioria das proteínas tem certo efeito
antimicrobiano, controlando aderência dos microrganismos ao tecido
dentário, crescimento e virulência.
A qualidade da película adquirida formada pelas proteínas salivares
também influencia a composição do biofilme dentário, formado pela
aderência de bactérias à película, constituindo massa rica em
microrganismos embebidos em uma matriz extracelular.

Papel das proteínas salivares


A seguir, daremos alguns exemplos de proteínas salivares com diferentes
funções.

Mucinas
As mucinas são secretadas principalmente pelas glândulas menores e a
lingual, apresentando grande heterogeneidade no padrão de glicosilação.
São moléculas assimétricas e hidrofílicas (lubrificação) que representam 20
a 30% das proteínas salivares. Apreendem algumas bactérias e inibem a
adesão de células bacterianas a tecidos moles por bloqueio das adesinas na
superfície bacteriana, protegendo a mucosa de infecção. As mucinas
também interagem com tecido duro, mediando a adesão de bactérias à
superfície dos dentes. São responsáveis por lubrificação, proteção contra
desidratação e manutenção da viscoelasticidade. A lubrificação tem
importante papel na mastigação, fala e deglutição (van Nieuw Amerongen
et al., 2004; Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006; Nanci, 2007).

Lisozimas
A lisozima é secretada pelas glândulas salivares (maiores e menores), pelo
fluido gengival e pelos leucócitos desde o nascimento. Apresenta atividade
muramidase através da hidrólise da ligação β (1 → 4) entre ácido N-
acetilmurâmico e N-acetilglucosamina na camada peptidoglicana da parede
celular bacteriana. A lisozima pode ativar autolisinas bacterianas, que
destroem paredes celulares. As bactérias gram-negativas são mais
resistentes à ação da lisozima por apresentarem uma camada de
lipopolissacarídeos. Já as bactérias gram-positivas podem ser protegidas
pela produção de polissacarídeos extracelulares.

Lactoferrina
A lactoferrina é proteína não enzimática produzida por glândulas salivares
(maiores e menores) e leucócitos. Tem alta afinidade por íons Fe+3, sendo
que sua ligação aos íons ferro provoca a privação desse metal essencial em
microrganismos patogênicos. O efeito antibacteriano continua até a
lactoferrina se tornar saturada. A apo-lactoferrina (sem ferro) também pode
ter efeito bactericida irreversível, pela ligação direta às bactérias.

Peroxidase
A peroxidase na saliva (sialoperoxidase) é proveniente das glândulas
parótida e submandibular. Já a mieloperoxidase é proveniente dos
leucócitos. Ambos os tipos de peroxidase catalisam a seguinte reação:
H2O2 + SCN– → OSCN– + H2O
(peróxido de hidrogênio)(íons tiocionato) (hipotiocianato)

A atividade antimicrobiana se dá pela produção de hipotiocianato. Esta


enzima ainda protege proteínas e células da toxicidade promovida pelo
peróxido de hidrogênio.

α-Amilase e lipase
A amilase corresponde a 40 a 50% das proteínas produzidas pelas glândulas
salivares, sendo oriunda em 80% da parótida e 20% da submandibular. É
responsável pela degradação do amido, produzindo maltose, maltotriose e
dextrina, e pela limpeza de restos alimentares, além de modular a ligação de
bactérias à película, sendo inativada no estômago quando deglutida. A
amilase se liga aos S. gordinii, S. mitis e S. oralis, o que pode contribuir
para a eliminação desses microrganismos (van Nieuw Amerongen et al.,
2004; Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006; Nanci, 2007).
As glândulas de Ebner, encontradas na língua, secretam lipases que
degradam parte dos lipídios ingeridos na dieta.

Proteínas ricas em prolina e estaterina


Estas proteínas se ligam ao cálcio, mantendo o estado supersaturado sem
precipitação, prevenindo a formação de cálculo. A proteína rica em prolina
(PRP) corresponde a 25 a 30% das proteínas salivares. A PRP também
adere à película salivar, tem importante papel na lubrificação e promove a
adesão seletiva de algumas bactérias (S. gordini e A. viscosus). Além disso,
liga-se ao tanino, polifenol oriundo de alimentos como vinho tinto, chá,
morango, reduzindo sua toxicidade em animais. O tanino inibe várias
enzimas digestivas (tripsina) e precipita várias proteínas.
A estaterina é produzida nas glândulas parótida e submandibular.
Assim como a PRP, também inibe a precipitação de sais de cálcio e
promove a adesão seletiva da bactéria A. viscosus à película. Participa da
formação da película, interferindo na adesão de S. mutans (Shimotoydome
et al., 2006).

Cistatina e histatina
A cistatina é fosfoproteína rica em cisteína encontrada na saliva e na
película adquirida. Inibe a proteólise pela ação bacteriana e de leucócitos.
Além das atividades antibacteriana e antiviral (controle da proteólise),
também afeta a precipitação de fosfato de cálcio.
A histatina pertence a uma família de peptídios ricos em histidina, com
atividade antimicrobiana (antifúngica), principalmente sobre C. albicans e
S. mutans. Participa da formação da película, interferindo na adesão de S.
mutans (Shimotoydome et al., 2006) e inibe a liberação de histamina dos
mastócitos, sugerindo um papel no controle da inflamação.

Fatores de crescimento versus reparo


São encontrados na saliva, provenientes principalmente da glândula
submandibular. Promovem crescimento e diferenciação tecidual e
cicatrização.

Imunoglobulinas salivares
As imunoglobulinas correspondem a 5 a 15% do total de proteínas
salivares. A IgA é a principal imunoglobulina na saliva, seguida por IgG e
IgM, que são secretadas a partir do fluido gengival. A produção de IgA
ocorre em células plasmáticas subepiteliais no tecido conjuntivo ao redor de
ácinos e ductos. Essas proteínas agem principalmente na inibição da
aderência e colonização bacteriana. Não há evidências quanto ao seu efeito
anticariogênico. Em geral, as proteínas antimicrobianas têm mais efeito em
bactérias transitórias.

Lipídios
Os lipídios são produzidos por glândulas salivares. Em torno de 75% dos
lipídios estão na forma de ácido graxo, colesterol e triacilglicerol; 20 a 30%
são glicolipídios e 2 a 5%, fosfolipídios. Os lipídios ligados à mucina
modificam a aderência bacteriana.

Ureia
A concentração de ureia na saliva varia de 2 a 4 mM, dependendo da
quantidade de proteína ingerida ou degradada. Nas glândulas menores pode
chegar a 5 mM. A ureia pode ser quebrada pela urease bacteriana, formando
amônia e CO2, aumentando o pH do biofilme.

Cálcio, fosfato e fluoreto


O cálcio e o fosfato são importantes íons encontrados na saliva, e são
responsáveis pela manutenção da estrutura dentária, bem como pela
formação de cálculo. A saliva tem menor concentração de cálcio e maior
concentração de fosfato inorgânico que o plasma.
A concentração de cálcio salivar varia entre 1 e 3 mmol/ ℓ , sendo
fortemente influenciada pelo fluxo salivar e o ritmo circadiano. A
concentração de cálcio é maior na saliva derivada das glândulas
submandibular e sublingual (2 vezes maior do que a parótida). O cálcio
salivar pode estar ionizado ou ligado, dependendo do pH. Quanto menor o
pH, mais cálcio iônico, sendo este responsável pelo equilíbrio de des-
remineralização. O cálcio não ionizado está ligado a compostos
inorgânicos, como fosfato, bicarbonato (10 a 20%) e citrato (< 10%), e
também a macromoléculas (10 a 30%), como por exemplo estaterina,
histidina e proteínas ricas em prolina, inibindo a precipitação de fosfato de
cálcio. O cálcio também atua como cofator para a amilase. A concentração
de cálcio é maior no biofilme dentário do que na saliva, devido à maior
concentração de sítios de ligação para cálcio e à precipitação de sais de
cálcio.
O fosfato inorgânico pode ser encontrado na saliva na forma de ácido
fosfórico (H3PO4), íons fosfato inorgânico primário (H2PO4–), secundário
(HPO4–2) e terciário (PO4–3). A concentração de fosfato inorgânico total
diminui com o aumento no fluxo, com exceção do terciário. A concentração
de fosfato terciário diminui com a redução do pH. A concentração de
fosfato na saliva oriunda da glândula submandibular corresponde a apenas
1/3 da saliva da parótida, mas é cerca de seis vezes mais alta que nas
glândulas mucosas menores. O ritmo circadiano não é importante para o
fosfato. Cerca de 10 a 25% do fosfato inorgânico estão complexados ao
cálcio ou aderidos a proteínas, enquanto 10% estão na forma de ácido
pirofosfórico (H4P2O7), o qual inibe a precipitação e a formação de cálculo.
O fosfato tem importante papel na manutenção dos dentes e como nutriente
da microbiota bucal.
O fluoreto é secretado pelas glândulas e pelo fluido gengival em
concentração basal de 0,02 ppm. Também pode ser encontrado na saliva por
causa da contaminação com aplicações tópicas (água, dentifrício), as quais
são determinantes para sua concentração. O fluoreto pode ser armazenado
em reservatórios, sendo o mais importante o biofilme, pela ligação a
bactérias e ao cálcio. O fluoreto pode ainda ter efeito antimicrobiano, por
meio da ligação com o magnésio, evitando que a enzima enolase participe
da via glicolítica.

Saliva | Limpeza bucal e controle de pH


A saliva faz a autolimpeza bucal, reduzindo a concentração de substâncias
exógenas. Segundo modelo Dawes, quando se ingere alguma substância, a
saliva é estimulada até que se acumule o volume máximo para a deglutição.
O restante da substância permanece na saliva residual até que se acumule
novamente o volume máximo de deglutição. Dessa maneira, o processo
continua até que toda a substância seja eliminada. Portanto, o fluxo salivar é
importante para determinar o tempo de limpeza da substância (Avery, 2002;
Edgar et al., 2004; Pedersen et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008).

Fatores que afetam a limpeza bucal


Há vários fatores que afetam a capacidade de a saliva realizar a limpeza
bucal, como o fluxo salivar e o volume de saliva na boca antes e após a
deglutição. Quando abaixo dos valores normais, o fluxo salivar, tanto
estimulado quanto não estimulado, reduz a taxa de limpeza das substâncias
na boca.
A limpeza pela saliva varia conforme o tipo de substância
(consistência) e os sítios bucais. A limpeza é mais rápida na superfície
lingual do que na bucal, com exceção da vestibular dos segundos molares
superiores. A limpeza bucal devido ao açúcar proveniente de uma bebida é
mais rápida do que de açúcar proveniente de uma bolacha, pelo fato de a
última aderir à superfície dentária, dificultando sua remoção.
A limpeza de açúcar e ácidos presentes no biofilme dentário determina
menor desmineralização da superfície dentária e, por isso, regiões onde a
limpeza é mais rápida apresentam menor incidência de cárie dentária.
Quando se ingere o açúcar, há queda do pH salivar/biofilme por alguns
minutos, e após um período, o pH retorna à neutralidade. Isto ocorre pelo
efeito benéfico da limpeza salivar devido ao aumento na concentração de
bicarbonato na saliva estimulada.
Diferentemente do açúcar, em que a limpeza salivar deve ser rápida e
eficiente, quando se aplica um agente cariostático, como o fluoreto, é
interessante reduzir a velocidade de limpeza salivar, para prolongar o efeito
e aumentar a taxa de retenção nos sítios bucais.

Controle de pH
A saliva é responsável pela formação de uma película adquirida rica em
glicoproteínas sobre a superfície dentária. As bactérias iniciam a
colonização sobre a película adquirida com o auxílio de adesinas e de
proteínas salivares. A colonização inicial ocorre nas primeiras 24 h, com
microrganismos aeróbicos. Já a segunda colonização ocorre em um prazo
de 1 a 14 dias, com a agregação de múltiplas bactérias. As características do
biofilme dentário são determinantes para a suscetibilidade do indivíduo à
formação de lesões dentárias cariosas. O fluxo salivar, o pH e a capacidade
de limpeza salivar podem ser determinantes da qualidade e quantidade de
biofilme dentário (Llena Puy, 2006).

pH do biofilme e curva de Stephan


Esta curva mostra a mudança de pH do biofilme no decorrer do tempo, após
a ingestão de açúcar. Pode variar entre diferentes sítios na boca, assim como
entre indivíduos. A queda de pH alcança o mínimo após 5 a 20 min da
ingestão do açúcar, retornando ao valor normal após 30 a 60 min.
A queda de pH se deve ao metabolismo microbiano pelo biofilme
dentário que é depositado sobre a superfície dentária, o qual é rico em
bactérias, polissacarídeos, íons, entre outros constituintes. Portanto, quando
se considera a cárie dentária, mais importante que o pH salivar é o pH do
biofilme. No entanto, a limpeza do açúcar encontrado no biofilme,
proporcionada pela saliva, tem relação direta com o pH. Cada superfície
dentária tem uma curva de Stephan, determinada pela capacidade da saliva
em banhar a superfície. Quando a superfície tem pouco contato com a
saliva, o pH permanece baixo por mais tempo.
Assim, precisamos conceituar o biofilme dentário tomando por base
diferentes momentos do dia. Biofilme dentário em repouso se refere àquele
após 2 a 2,5 h da última ingestão de açúcar; em jejum se refere àquele após
8 a 12 h de ingestão de açúcar. O pH de repouso varia de 6 a 7, já o de
jejum é de 7 a 8. O pH do biofilme reduz quando há ingestão de açúcar, que
por sua vez é metabolizado por bactérias, as quais produzem ácidos como o
lático. A permanência do pH mínimo é determinada pelo tempo em que o
carboidrato permanece na boca, a capacidade tampão do biofilme e a
limpeza da saliva. Se o pH mínimo estiver abaixo do pH crítico para a
hidroxiapatita, haverá subsaturação dos íons que a compõem no biofilme e,
consequentemente, a desmineralização do esmalte. Quando há excesso no
consumo de sacarose, há diminuição dos valores de pH mínimo e do pH de
repouso, uma vez que com o excesso de sacarose as bactérias produzem
polissacarídeos extracelulares, responsáveis pela aderência das bactérias no
biofilme e úteis como reservatório de carboidrato nos períodos de jejum.
A recuperação do pH basal do biofilme após a ingestão de açúcar é
determinada por vários fatores: difusão de ácidos para a saliva; capacidade
tampão salivar; produção de base (amônia a partir da ureia e desaminação
de aminoácidos; amina a partir da descarboxilação de aminoácidos) e
utilização de ácidos por outros microrganismos.

pH e espessura do biofilme
A idade e a localização do biofilme dentário determinam sua espessura, a
composição química e microbiológica. Biofilmes dentários mais espessos
têm mais microrganismos anaeróbicos e maior concentração de íons cálcio
e fosfato, sendo que a penetração e a saída de substâncias são mais difíceis.
As quedas de pH são mais pronunciadas, devido à dificuldade que os
constituintes salivares têm de penetrar no biofilme mais espesso e tamponar
o pH.

pH do biofilme e limpeza salivar/estimulação salivar


Como já citado anteriormente, quanto maior a limpeza salivar, mais
rapidamente o pH do biofilme retorna aos valores basais. O estímulo salivar
tem importante papel, já que a mastigação de chicletes após a refeição leva
a aumento no fluxo salivar estimulado e, consequentemente, do pH e da
capacidade tampão. A estimulação diária com chicletes após as refeições,
durante 2 semanas, pode levar a aumento na atividade das glândulas
salivares, especialmente sobre o fluxo e o pH de repouso, mostrando sua
influência na função da glândula. Outros alimentos também podem
estimular o fluxo salivar, como amendoim, alimentos fibrosos e queijos. A
mastigação de queijos tem efeito adicional devido à quebra de proteínas
presentes no queijo (caseína) e à alta concentração de cálcio e fosfato
(Lingström e Moynihan, 2003).

pH da placa em pacientes renais


Pacientes renais apresentam alta concentração de amônia e ureia na saliva.
Esses compostos, quando encontrados na saliva, têm relação com pH mais
alto e menor concentração de bactérias cariogênicas, o que leva o indivíduo
a apresentar menor risco à cárie dentária.

Saliva | Equilíbrio mineral


A cárie e a erosão dentária são relacionadas com a desmineralização
provocada por ácidos de origem microbiana (presentes no biofilme) e por
ácidos não bacterianos, como refrigerantes e suco gástrico (presentes na
saliva), respectivamente. A saliva tem importante papel nesses dois
processos, porque além de banhar a superfície dentária, também determina
a composição da película e, consequentemente, do biofilme dentário, no
caso da cárie dentária. Portanto, baixa capacidade tampão e diferenças no
grau de saturação de íons do biofilme dentário têm sido observadas em
indivíduos com alto risco de cárie dentária. Características da saliva e da
película adquirida por sua vez, estão relacionadas à suscetibilidade a erosão
dentária.
O cálculo dentário, diferentemente da cárie e da erosão dentárias, é
resultado da precipitação de minerais no biofilme dentário, causando sua
calcificação. O cálculo dentário supragengival é mais comum próximo à
saída de glândulas salivares (superfície vestibular do segundo molar
superior e superfície lingual dos incisivos inferiores). Já o cálculo
subgengival é formado pela atuação do exsudado do sulco gengival, não
sofrendo influência direta da saliva. As bactérias mortas servem como
nucleadoras de precipitação. Um valor de pH mais alcalino do biofilme é
requisito para a formação de cálculo. A alta atividade proteolítica e,
consequentemente, o alto teor de ureia facilitam a deposição de cálcio e
fosfato no biofilme dentário.

Xerostomia e hipossalivação
Há duas condições bucais comuns principalmente em idosos (30% da
população com idade acima de 65 anos), em indivíduos que utilizam
medicamentos cronicamente, em pacientes com síndrome de Sjögren
(100%) e irradiados (25 Gy, 100%): a hipossalivação e a xerostomia
(síndrome da boca seca). Ambas são distintas, já que a hipossalivação é
característica em indivíduos que apresentam FNE abaixo de 0,1 mℓ/min e
FE abaixo de 0,5 a 0,7 m ℓ /min, com alteração na composição salivar. A
hipossalivação pode ser assintomática (Avery, 2002; Edgar et al., 2004;
Pedersen et al., 2005).
Já a xerostomia, também chamada de síndrome da boca seca, é
caracterizada pela presença de sintomas como boca seca, ardência e
halitose, e nem sempre é causada apenas por hipossalivação, mas por haver
áreas na boca com pouco contato com saliva, as quais se tornam ressecadas.
É definida como impressão subjetiva de sensação de secura na boca, o que
pode significar danos às funções orais e qualidade de vida.

Etiologia

Patologia das glândulas


A xerostomia e a hipofunção salivar podem estar associadas a patologias da
glândula salivar do tipo infecciosa, não infecciosa e neoplásica. A infecção
das glândulas salivares por bactérias ou vírus não é de ocorrência tão
comum, sendo mais comum em pacientes imunocomprometidos, e envolve,
na maioria das vezes, a glândula parótida (p. ex., o citomegalovírus pode
acometer adultos, causando infecção fraca na parótida; o paramixovírus
acomete a parótida de crianças, causando a caxumba).
A patologia não infecciosa é condição um pouco mais comum, devido
à obstrução dos ductos, podendo ser aguda (sialolitíase) e crônica
(sialodenose). A obstrução pode causar mucocele (pequeno cisto), quando
acomete glândulas menores na parte interna do lábio. Também pode levar
ao aparecimento da rânula, cisto mucoso da glândula submandibular ou
sublingual. Essas obstruções geralmente são causadas por sialólitos ou
cálculos, que se desenvolvem como resultado de desidratação e inativação
da glândula.
Também podem ocorrer tumores nas glândulas salivares,
principalmente na parótida. Geralmente são benignos (80% adenomas
pleomórficos), unilaterais, assintomáticos, de crescimento lento, bem
delineados e encapsulados. Tumores malignos, quando aparecem, estão
associados ao aumento da idade, às glândulas submandibulares e
sublinguais, e glândulas menores. O carcinoma mucoepidermoide é o tumor
maligno mais comum das glândulas salivares, seguido do carcinoma
adenoide cístico, carcinoma das células dos ácinos e adenocarcinoma.

Doenças sistêmicas
Várias enfermidades podem estar associadas à xerostomia e à
hipossalivação. A de maior interesse é a síndrome de Sjögren, doença
autoimune que acomete com maior frequência mulheres na quarta e quinta
décadas de vida. A síndrome primária envolve xerostomia e xeroftalmia. Já
a síndrome secundária engloba também outras doenças do tecido conjuntivo
como artrite reumatoide, esclerose múltipla e lúpus eritematoso sistêmico.
Esta enfermidade leva não somente à redução do fluxo salivar, como à
alteração na qualidade da saliva, com o aumento de determinadas moléculas
e eletrólitos.
Outras enfermidades também podem estar envolvidas com a
xerostomia, como diabetes, AIDS, doença de Alzheimer, de Parkinson e
fibrose cística. A paralisia de Bell ocorre pelo comprometimento da
inervação (nervo facial), reduzindo o fluxo salivar. A fibrose cística é uma
doença hereditária caracterizada pela alteração no transporte eletrolítico em
células epiteliais e secreção de saliva mais mucosa, podendo haver acúmulo
de glicoproteínas na saliva e obstrução dos ductos. O estresse também tem
relação com a síndrome da boca seca, mas seu efeito está associado à
inibição central e não à inibição periférica.

Uso de medicamentos
Os medicamentos têm efeito na quantidade e na qualidade da saliva, sendo
estes reversíveis quando o paciente para de usá-los. Em geral, o efeito dos
medicamentos é anticolinérgico, pela inibição da ligação da acetilcolina a
receptores muscarínicos das células dos ácinos. Exemplos de medicamentos
com esse efeito são: antidepressivos tricíclicos, sedativos, tranquilizantes,
anti-histamínicos, anti-hipertensivos, agentes citotóxicos e agentes
antiparkinson. Os diuréticos também têm impacto na mudança da
composição da saliva, devido ao efeito inibidor do transporte eletrolítico
nas glândulas salivares.

Radioterapia de cabeça e pescoço


As glândulas são radiosssensíveis, principalmente as formadas por células
serosas (parótida), e as alterações podem variar de degenerativas até a
morte celular, dependendo da dose e do tempo de exposição. Os danos
podem estar relacionados aos vasos sanguíneos, à interferência com
transmissão nervosa e à destruição do parênquima glandular. Em doses
abaixo de 25 Gy, as alterações são reversíveis (redução transitória do fluxo
salivar); já em doses maiores que 25 Gy, pode haver destruição da glândula.
A irradiação altera a composição salivar, a viscosidade, a cor, o pH, a
capacidade tampão e os conteúdos proteico e eletrolítico.

Diagnóstico
O diagnóstico é feito por meio de questionários e respostas subjetivas
envolvendo: relato de ardência; alteração de paladar; necessidade de beber
água frequentemente; dificuldade para alimentação, deglutição e uso de
próteses; sensação de queimação; halitose; intolerância a ácidos e comidas
apimentadas; e estomatodinia (dor na boca).
Ao exame clínico é comum a constatação de lábios ressecados;
candidíases (queilite angular); aumento volumétrico da glândula; superfície
da mucosa seca e friável; perda de papilas linguais; língua seca e
eritematosa; mucosa dorsal irritada; aumento de incidência de lesões
cariosas; e baixa retenção de dentadura. A Figura 14.7 mostra o aspecto
clínico de um paciência com xerostomia.
O diagnóstico pode ainda ser complementado por testes salivares,
sendo diagnosticados com hipossalivação indivíduos que apresentam fluxo
salivar não estimulado menor que 0,1 m ℓ /min e fluxo salivar estimulado
menor que 0,6 mℓ/min. Outros exames, como histopatológico, por imagem
e sorologia, podem ser feitos.

Implicações clínicas
Em pacientes com xerostomia, há aumento na incidência de cárie dentária e
gengivite. Também é comum constatar aumento em infecções fungícas
(candidíase), prejuízo na retenção de próteses removíveis, alteração de
paladar (disgeusia), mastigação e deglutição (disfagia), e prejuízo da
qualidade de vida (Stewart et al., 2008).

Figura 14.7 Caso clínico de um paciente com xerostomia devido à irradiação de cabeça e pescoço.
(Foto cedida gentilmente por Bim Jr, O; Coelho, A; Wang, A, FOB-USP.)

Tratamento
Para evitar problemas decorrentes da hipossalivação, os pacientes podem
receber as seguintes orientações e tratamentos preventivos e paliativos:

• Dieta com baixo nível de açúcar; aplicação tópica de fluoreto;


bochechos com antimicrobianos para evitar infecções e lesões cariosas
• Mastigação de chicletes após as refeições, para aumentar o fluxo
salivar
• Uso de saliva artificial e lubrificantes para melhorar a fala, deglutição
e reduzir a ardência, sendo a marca mais testada a Biotène
• Restaurações com cimento de ionômero de vidro, para reduzir as
recidivas de cárie
• Estimulação farmacológica (uso de cloridrato de pilocarpina ou
hidrocloreto de cevimelina)
• Substituição de medicamentos (quando a causa envolve seu uso e
quando for possível).
O uso de estimulação parassimpaticomimética (uso de cloridrato de
pilocarpina) em pacientes sofrendo irradiação de cabeça e pescoço
apresenta baixa evidência científica. Metade dos pacientes responde à
terapia, mas o risco de efeitos colaterais é alto. Portanto, é importante
controlar a dose utilizada e ficar atento às contraindicações (Davies e
Thompson, 2015). Outras alternativas, como acupuntura e
eletroestimulação, estão sendo estudadas, mas apresentam baixo nível de
evidência para indicação clínica (Furness et al., 2013).

Conclusões
A saliva apresenta um importante papel na manutenção da saúde bucal e
pode ser usada para avaliar o risco de doenças bucais como a cárie dentária,
por intermédio da contagem de bactérias, da mensuração da capacidade
tampão (CT), do fluxo salivar (NE e E) e da concentração de cálcio,
fluoreto e fosfato. No entanto, os parâmetros salivares, por sofrerem
influência de vários fatores e apresentarem grandes variações, não são os
melhores preditores de risco de cárie dentária (Martins et al., 2013).
A saliva também pode ser usada em estudos de farmacocinética,
monitoramento farmacológico e metabolismo (Spielmann e Wong, 2011). É
usada também para estudos endocrinológicos e imunológicos. No entanto,
há necessidade de validação da saliva para ser usada em substituição ao
plasma (Hardy et al., 2012). A grande vantagem do seu uso para
diagnóstico é a fácil coleta, sendo método não invasivo.
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É
importante ter em mente que nutrição e dieta são termos com
significados bem diferentes na Odontologia. Nutrição tem relação com
o efeito sistêmico que os diferentes alimentos têm no organismo, e na
Odontologia este efeito se reflete no período de formação dos dentes. Sabe-
se que a má nutrição, com baixa concentração de minerais e vitaminas (D e
A), pode provocar malformação dos dentes, tornando-os mais suscetíveis à
cárie dentária. Além disso, acredita-se que a má nutrição possa induzir a
hipofunção das glândulas salivares (Moynihan, 2003; 2005).
Por outro lado, a dieta se refere ao efeito local que diferentes tipos de
alimentos têm sobre os dentes, sendo de especial interesse o seu papel na
etiologia da cárie dentária, sobretudo no que se refere à digestão de
açúcares, uma vez que os microrganismos cariogênicos utilizam o açúcar
como principal fonte de energia, metabolizando-os e produzindo ácidos que
desmineralizam a estrutura dentária (Moynihan, 2003).
Os açúcares podem ser classificados em: (1) monossacarídeos (glicose,
frutose e galactose), e dentre eles temos os açúcaresalcoóis (xilitol, sorbitol,
manitol); (2) oligossacarídeos (2 a 10 unidades de monossacarídeos), sendo
os dissacarídeos (sacarose, lactose e maltose) importantes exemplos e (3)
polissacarídeos (centenas de monossacarídeos, p. ex., amido). A glicose e a
frutose são encontradas nas frutas e no mel, a lactose é encontrada no leite,
e a maltose é obtida pela degradação do amido. Já a sacarose está presente
em quase todos os alimentos industrializados, pois é quimicamente estável
tanto em relação à concentração como ao formato do cristal, assim como
provê alta qualidade de doçura e tem aceitável textura, o que a torna
altamente popular.
A sacarose é também encontrada em medicamentos como xaropes
infantis (contêm até 70% desse açúcar). O uso temporário de xaropes
açucarados não parece aumentar o risco à cárie dentária, mas o uso crônico
pode ter relação com sua maior incidência (Maguire et al., 1996). Nesses
casos, seria interessante substituir a sacarose nos medicamentos por
adoçantes como o sorbitol, xaropes de glicose hidrogenada (Lycasin®) e
sacarina.
Tem sido enfatizado o papel específico da sacarose na etiologia da
cárie dentária, o que será justificado na sequência deste capítulo. Pouco se
sabe sobre o potencial cariogênico de diferentes alimentos e a sua inter-
relação com fatores protetores da saliva e a resistência do hospedeiro. Vale
lembrar que a dieta atual contém crescente variedade de carboidratos
incluídos em alimentos processados contendo amido e novos carboidratos
sintéticos (oligofrutose, xaropes de glicose e maltodextrina), bem como
adoçantes não cariogênicos e alimentos protetores que apresentam
importante papel na etiologia da cárie dentária (Moynihan, 2005).
Papel do açúcar na cárie dentária
As evidências da relação entre açúcar e cárie dentária são oriundas de
diferentes protocolos de pesquisa: estudos experimentais e observacionais
em humanos, experimentos em animais, estudos de pH do biofilme
dentário, experimentos com bloco de esmalte e estudos com incubação de
bactérias.
A estimativa do consumo de alimentos com base em dados de
suprimento é questionável, pois nem sempre considera fatores como a
distribuição etária e diferenças socioeconômicas, étnicas e culturais dentro
do país, ou o tipo de açúcar de fato consumido, o que pode afetar os dados
de consumo individual. Além disso, não há consenso acerca do método
mais válido para a coleta de dados de ingestão de açúcar em humanos:
relato da dieta nas últimas 24 h, diário de três dias ou questionário de
frequência de ingestão de alimentos específicos. Por outro lado, quando
consideramos os estudos experimentais sobre dieta, a maioria foi realizada
antes da introdução do flúor, o que pode não refletir as tendências atuais
(Zero, 2004).
Os estudos transversais também devem ser interpretados com cautela,
já que o desenvolvimento da cárie dentária é lento e, portanto, a
mensuração do número de lesões associada à dieta atual pode não refletir o
papel que a dieta teve durante o desenvolvimento da lesão, já que a dieta se
altera conforme a idade dos indivíduos (Moynihan, 2003). Da mesma
maneira, estudos de análise de pH devem ser avaliados com cautela, já que
mensuram somente a acidogenicidade e não o potencial cariogênico do
alimento.
Na verdade, o que se tem hoje sobre o papel da dieta (especificamente
sobre no uso do açúcar) na etiologia da cárie dentária é a somatória dos
resultados dos diferentes protocolos de estudo, como veremos a seguir. A
Tabela 15.1 resume alguns dos estudos mais importantes, que serão
abordados na sequência.

Estudos observacionais em humanos


Tem sido demonstrado que a prevalência de cárie dentária pode diminuir
diante do baixo consumo de açúcares, como ocorrido na Europa e no Japão
durante a 2a Guerra Mundial (Toverud, 1957), ou aumentar, como ocorreu
com a introdução do açúcar refinado na dieta de populações nativas.
Estudo realizado no orfanato australiano Hopewood House, com
crianças entre 6 e 13 anos de idade mantidas basicamente com dieta
lactovegetariana, mostrou baixa prevalência de cárie dentária em
comparação ao grupo-controle, com dieta rica em açúcar e farinha refinada
(Harris, 1963).
A relação entre o consumo de açúcar e a prevalência de cárie dentária
também foi estudada em indivíduos com intolerância hereditária à frutose
(IHF, deficiência da enzima frutose-1-fosfato aldolase), os quais são
incapazes de metabolizar frutose e sacarose. No estudo de Newbrun et al.
(1980), 17 indivíduos com IHF consumiam 2,5 g/dia de açúcar, e indivíduos
do grupo-controle consumiam 48,2 g/dia. Ambos os grupos consumiam alto
nível de amido (160 g/dia no grupo IHF e 140 g/dia no grupo-controle). Os
indivíduos com IHF apresentaram baixos níveis de cárie dentária em
comparação ao controle, mostrando que: (1) a restrição de sacarose e
frutose da dieta resultava em menor prevalência de cárie dentária; (2) o
consumo de amido tinha pouca influência sobre o aparecimento da lesão
dentária.
Sreebny (1982) notou, em um estudo sobre a relação entre o consumo
de açúcar e a cárie dentária em diferentes países, que indivíduos com
ingestão de açúcar abaixo de 18 kg/pessoa/ano (equivalente a 50
g/pessoa/dia) tinham baixo número de lesões cariosas. Indivíduos de países
com alto suplemento de açúcar (44 kg/pessoa/ano, 120 g/pessoa/dia)
apresentavam alto número de lesões cariosas.
Maiores números de lesões cariosas também têm sido descritos em
populações com alto consumo de açúcar, como em trabalhadores de
indústria, confeiteiros e crianças que utilizam cronicamente medicamentos
com açúcar. Por outro lado, filhos de dentistas, crianças que ficam em
instituições com regimes alimentares restritos ou crianças com intolerância
hereditária à frutose apresentam menores índices de cárie (Moynihan,
2003).

Estudos experimentais em humanos


O estudo de Vipeholm é um dos trabalhos clássicos sobre esse assunto.
Nele, o consumo de açúcar foi aumentado e a relação entre a variedade da
ingestão de açúcares e o incremento de cárie foi constatada (Gustafsson et
al., 1954). Esse estudo foi conduzido por mais de 5 anos (1947-1951) na
Suécia, com 436 pacientes adultos deficientes mentais. Constatou-se baixa
incidência de cárie quando implementada dieta pobre em açúcar. A
prevalência de cárie aumentou conforme o açúcar foi introduzido
(dependendo do seu tipo e da frequência de ingestão). O incremento de
cárie aumentou drasticamente para os grupos que consumiram 8 ou 24 balas
caramelos, durante ou entre as refeições, mostrando que alimentos
pegajosos (que demandam alto tempo de limpeza bucal) e a alta frequência
de ingestão de açúcares são fatores diretamente relacionados à maior
incidência de cárie dentária.
Tabela 15.1 Estudos realizados que mostraram relação entre o consumo do açúcar (tipo, frequência
e quantidade) e a cárie dentária.

Estudo Autores Principais conclusões

Vipeholm, Suécia Gustafsson et al. Quanto maior a frequência de ingestão de


(1954) açúcar, maior é o risco de cárie dentária

2a Guerra Mundial Toverud (1957) Ocorrências de cárie diminuíram durante a


Guerra e, após, com maior consumo de açúcar,
aumentaram novamente

Hopewood House, Austrália Harris (1963) Dietas modernas são mais cariogênicas que
dietas lactovegetarianas

Turku, Finlândia Mäkinen & O uso de açúcares não fermentáveis (xilitol)


Scheinin (1975) reduz a incidência de cárie (85%). Frutose é
menos cariogênica do que sacarose

Intolerância hereditária à Newbrun et al. A redução da ingestão de sacarose e frutose


frutose (1980) diminuiu a incidência de cárie dentária

Estudos experimentais em von der Fehr et al. Cárie dentária pode aparecer com o frequente
humanos (1970) bochecho de solução de sacarose 50% (9
vezes/dia) na ausência de higiene bucal por 23
dias

CEOs (6 anos de idade) – Sreebny (1982) Correlação positiva significativa (r = 0,72; p <
23 nações 0,005) entre ingestão de açúcar e cárie dentária
CPOD (12 anos de idade) – Ingestão de 50 g de açúcar/dia pode ser a dose-
47 nações limite
Relação com ingestão de
açúcar (g/pessoa/dia)

CEOs: superfície cariada, excluída ou obturada (dentes decíduos); CPOD: número de dentes
permanentes cariados, perdidos ou obturados.

Em 1970, von der Fehr et al. realizaram estudo experimental a curto


prazo com estudantes (n = 6) que fizeram bochechos com sacarose a 50%, 9
vezes/dia. Após 23 dias, constatou-se maior número de lesões cariosas
(mancha branca) nesses indivíduos em comparação aos seis indivíduos do
grupo-controle.
Outro estudo (Turku), realizado na Finlândia, constatou indiretamente
o impacto dos açúcares na prevalência de cárie dentária. Esse estudo,
longitudinal e controlado, conduzido em humanos, envolveu três grupos de
indivíduos jovens (n = 125, 12 a 53 anos) que consumiram uma dieta
adoçada com sacarose, frutose ou xilitol (substituto do açúcar) (Mäkinen e
Scheinin, 1975). Constatou-se redução de 85% na prevalência de cárie
dentária no grupo que usou xilitol e 32% no grupo que usou frutose em
comparação ao grupo da sacarose. É importante frisar que o consumo de
amido foi alto e similar entre os grupos.
Em outro estudo similar, doces contendo açúcar, fornecidos entre as
refeições, foram substituídos por produtos contendo sorbitol (substituto do
açúcar). Crianças entre 3 e 12 anos foram avaliadas em relação ao
incremento de cárie dentária. Após 3 anos, o grupo-teste consumiu doces
contendo 8 g de sorbitol, e o grupo-controle consumiu doces com
quantidades similares de sacarose, sendo que a frequência de consumo foi
similar entre os grupos. Observou-se redução de 45% no incremento de
cárie para o grupo com sorbitol quando comparado ao grupo com sacarose
(Bánóczy et al., 1981).
Repetições desses estudos seriam interessantes para testar o potencial
de substitutos ou novos tipos de açúcar, tendo como grupo-controle a
sacarose. No entanto, esse tipo de delineamento é considerado antiético.
Portanto, dados sobre a cariogenicidade de novos produtos são limitados a
estudos com medição de pH do biofilme dentário e estudos in situ (com
blocos de esmalte). O efeito de novos alimentos no desenvolvimento da
cárie continua não esclarecido.

Experimentos em animais
Estudos em animais são geralmente conduzidos em ratos e demonstram a
importância da ocorrência local do açúcar na boca e o papel da saliva na
proteção contra a cárie dentária. De modo geral, esses estudos têm focado
no papel da frequência de ingestão de açúcar em comparação à quantidade
total consumida, e mostram que não há grandes diferenças entre os tipos de
açúcares (glicose, frutose e maltose) e que a gravidade da cárie dentária
aumenta com o aumento da concentração de açúcar (até 40%) em ratos
superinfectados por S. mutans e A. viscosus (Moynihan, 2003).

Experimentos com amostra de esmalte


Experimentos realizados in situ com amostras de esmalte têm mostrado que
o açúcar causa desmineralização, enquanto outros alimentos (sem açúcar
fermentável) podem induzir à remineralização. Com o aumento da
concentração e da frequência de exposição ao açúcar, há aumento da
desmineralização. A vantagem desse método é que mensura a
desmineralização e não apenas o potencial acidogênico, além de considerar
o papel da saliva (Moynihan, 2003). Porém, os desafios cariogênicos muitas
vezes são bem agressivos em curto tempo experimental se comparados aos
que ocorrem in vivo, produzindo lesões cariosas que nem sempre refletem
aquelas vistas clinicamente.

Estudos de pH do biofilme dentário


Estes estudos mensuram a mudança de pH no biofilme dentário
monoespécie, multiespécie ou microcosmo após o consumo de alimentos
que contêm açúcar. Portanto, medem a acidogenicidade dos diferentes tipos
de açúcar. Há vários métodos para mensuração de pH in vitro e in vivo. A
acidogenicidade é expressa como a área do tempo por gráfico de pH (curva
de Stephan), mostrando o valor mínimo de pH alcançado e o tempo que o
pH permanece abaixo do crítico (< 5,5). No entanto, a acidogenicidade não
leva em conta os fatores protetores de alguns alimentos e os fatores
salivares que podem modificar a cariogenicidade do alimento em questão.
Portanto, são considerados métodos indiretos para mensurar a
cariogenicidade dos alimentos (Moynihan, 2003).

Experimentos de incubação
Culturas puras de microrganismos também podem ser usadas no lugar do
biofilme. Rápida produção de ácido e/ou baixo pH final podem ser
correlacionadas ao potencial cariogênico do alimento. Em alguns
experimentos, dentes, pó de esmalte ou hidroxiapatita são incubados com as
culturas de microrganismos, a fim de simular o processo carioso. Assim, o
processo carioso é estipulado pela extensão da liberação de cálcio e fósforo
durante a incubação (Moynihan, 2003).

Tipos de açúcar versus cárie dentária


Os tipos de açúcar não diferem somente quanto ao tamanho da molécula
(Capítulo 4) e as fontes de obtenção (Figura 15.1), mas também em termos
de acidogenicidade e cariogenicidade.

Sacarose, glicose e frutose


Parece não haver diferenças significativas entre os açúcares (sacarose,
glicose e frutose) no que se refere ao potencial de indução da produção de
ácidos por bactérias, sendo todos altamente acidogênicos (Moynihan,
2003). No entanto, Cury et al. (2000) mostraram que a sacarose promoveu
maior perda mineral quando comparada a misturas equimolares de
concentrações de glicose e frutose. Uma das possíveis razões para justificar
essa maior cariogenicidade da sacarose é que esse carboidrato é o único que
pode servir como substrato para a enzima glicosiltransferase, induzindo a
formação de polissacarídeos extracelulares (matriz extracelular). Os
polissacarídeos extracelulares possibilitam a adesão microbiana, a entrada
de açúcar em profundidade no biofilme, e reduzem a difusão de ácidos e
tampões no biofilme dentário (Paes Leme et al., 2006).
De acordo com as considerações anteriores, Burt e Pai (2001)
consideram que a troca de sacarose por monossacarídeos poderia reduzir a
formação de lesões de cárie, especialmente em superfícies lisas e
interproximais, já que a presença de polissacarídeos extracelulares é um
fator que aumenta a virulência do biofilme dentário.

Lactose
De acordo com Moynihan (2003), a lactose (soluções de 10 e 50%) produz
menor queda de pH se comparada a sacarose, glicose ou frutose. A
galactose tem se mostrado similar à lactose, assim como a maltose é similar
a sacarose, glicose ou frutose, em análise de pH do biofilme.

Amido
O assunto amido versus cárie dentária é bem complexo. O amido tem
diferentes origens botânicas. É um polímero de glicose, variando de
comprimento e ramificação, encontrado em alguns alimentos como pão,
bolachas e arroz.
A cariogenicidade entre os amidos não difere somente pela origem
botânica, mas também pela quantidade e frequência de consumo, assim
como pelo preparo do alimento. As moléculas de amido, localizadas dentro
de grânulos, podem passar por uma série de mudanças durante o
aquecimento e os procedimentos mecânicos, em processo chamado
gelatinização. Produtos com alta gelatinização são mais suscetíveis à quebra
enzimática pelas bactérias bucais, resultando em maior potencial
cariogênico (Lingström et al., 2000). O amido é, então, metabolizado pelas
amilases salivares, produzindo maltose, maltotriose e dextrina de baixo
peso molecular. A hidrólise do amido se inicia rapidamente na cavidade
bucal, acumulando altos níveis de maltose e maltotriose, que servem como
substrato bacteriano. A fermentação da maltose requer a adaptação das
bactérias a certas condições, mas essa adaptação é rápida em humanos
(Lingström et al., 2000).
Figura 15.1 Fontes de ingestão dos diferentes carboidratos. A. Glicose e frutose. B. Sacarose e
lactose. C. Amido.

Em comparação aos outros açúcares, poucos estudos têm sido


realizados sobre as possíveis relações entre o amido e a cárie dentária. Em
geral, estudos sobre esse açúcar demonstram que ele apresenta potencial
cariogênico similar ou menor em comparação a sacarose, glicose ou frutose.
No entanto, quando o amido está associado à sacarose, seu potencial
cariogênico torna-se similar ou superior à sacarose sozinha, devido ao seu
potencial de aderir à superfície dentária, associado ao importante papel da
sacarose no metabolismo bacteriano e à produção de polissacarídeos
extracelulares (Duarte et al., 2008).
A Figura 15.2 mostra a comparação de queda de pH do biofilme após
o contato com os diferentes tipos de carboidratos.
Figura 15.2 Redução de pH do biofilme (acidogenicidade) de acordo com a exposição aos
diferentes tipos de carboidratos ao longo do tempo. HAP: hidroxiapatita.

Adoçantes não calóricos


Os adoçantes não calóricos de origem natural ou sintética, além do pouco
valor energético, são altamente doces – muito mais doces do que a sacarose.
Por isso, são adicionados em pequenas quantidades aos alimentos, para dar
doçura e não volume.
Glicirrizina, neo-hesperidina di-hidrocalcona, esteovisídeo, monelina
(derivado de proteína), taumatina (derivado de proteína) e miraculina são
exemplos de adoçantes não calóricos naturais. Os adoçantes aspartame e
alitame são formados por aminoácidos ou peptídios, enquanto o
acessulfame-K, o ciclamato, a sacarina (usados como conservantes em
alimentos) e a sucralose (derivada da halogenação da sacarose) são
adoçantes quimicamente sintetizados. O aspartame contém fenilanina e
ácido aspártico (Matsukubo e Takazoe, 2006). No rótulo do produto deve
ser informada a presença de fenilanina, devido ao fato de alguns indivíduos
serem incapazes de metabolizar esse aminoácido. A seguir, a descrição de
alguns desses adoçantes (Imfeld, 1993):
• Sacarina: substância cristalina altamente doce, com modesto gosto
amargo residual. Além de não apresentar cariogenicidade, tem
mostrado inibir o crescimento e o metabolismo bacteriano, bem como
de enzimas da via glicolítica
• Ciclamato: alta doçura que demonstra estabilidade ao aquecimento e
não tem gosto residual. Não apresenta cariogenicidade, porém não há
relatos de efeito cariostático
• Aspartame: apresenta alta doçura, porém o maior inconveniente é a
perda de doçura em temperaturas elevadas. Como é fragmento de
proteína (ácido aspártico + fenilalanina), o aspartame pode ser
metabolizado, mas sua liberação calórica é insignificante, sendo
considerado não cariogênico. Estudos in vitro têm trazido alguma
evidência de ação inibitória sobre o crescimento bacteriano e a
formação de biofilme (Grenby, 1991)
• Acessulfame-K: é altamente doce, com boa estabilidade, tolerância a
altas temperaturas e documentada segurança de uso. É considerado não
cariogênico, mas sem atividade cariostática
• Sucralose: é altamente doce e estável, não cariogênico (Mandel e
Grotz, 2002).
Esses adoçantes são empregados em vários produtos, como bebidas e
doces, dentifrícios e adoçantes em pastilhas e gomas. A vantagem é que não
são metabolizados pelas bactérias bucais. No entanto, apresentam gosto
ruim (amargo), pouca energia, instabilidade e falta de volume (Moynihan,
2003; 2005). Em geral, os adoçantes não são cariogênicos como a sacarose,
e alguns podem ter potencial anticariogênico (sacarina, estévia e sucralose)
em biofilme de S. mutans, o que precisa ser confirmado em futuros estudos
(Giacaman et al., 2013).

Substitutos do açúcar
Dentre os substitutos nutritivos do açúcar, os açúcares-alcoóis (polióis:
sorbitol, manitol, xilitol, maltitol, lactitol, licasin e palatinite) apresentam
boas propriedades tecnológicas (doçura, higroscopia e solubilidade),
segurança bem estabelecida e aceitação regulamentada. Esses açúcares
podem ser metabolizados como fonte de energia. Apresentam doçura
levemente inferior à sacarose, com a necessidade de suplementação com
outros adoçantes em certos produtos. Costumam ser adicionados a doces,
gomas de mascar, chocolates, entre outros (Ly et al., 2006). O principal
valor comercial desses açúcares é a sua adição em doces direcionados aos
diabéticos e para a prevenção de cárie. Os açúcares-alcoóis não estimulam a
secreção de insulina, não elevam a concentração de glicose no sangue e não
aumentam a atividade da lipase-lipoproteína, ajudando no controle da
diabetes e da obesidade. Além disso, suprimem a oxidação da vitamina C.
Uma das desvantagens é que são apenas parcialmente absorvidos no
intestino delgado e passam para o cólon, onde podem induzir a diarreia
osmótica, principalmente quando grandes quantidades são consumidas
(König, 2000).
Os substitutos calóricos são considerados de baixa cariogenicidade,
sendo a produção de polissacarídeos extracelulares reduzida ou inibida pelo
uso desses substitutos. A baixa acidogenicidade é confirmada por estudos
de mensuração de pH. A partir de experimentos em animais e testes
intrabucais concluiu-se que os açúcares-alcoóis são de baixa
cariogenicidade, por não serem metabolizados ou por serem lentamente
metabolizados (van Loveren, 2004). Além disso, sugere-se que tenham
importante papel na remineralização de esmalte desmineralizado
(Matsukubo e Takazoe, 2006; Cardoso et al., 2014).

Sorbitol
O sorbitol é um açúcar-álcool de seis carbonos derivado da glicose. É
encontrado naturalmente em algumas frutas e pode ser obtido da
hidrogenação da glicose. Tem doçura similar à sacarose, mas que é perdida
rapidamente. É fermentado por S. mutans, porém em velocidade mais lenta
que a sacarose, e a queda de pH é mais branda pela fermentação deste
açúcar. O sorbitol é metabolizável por enzimas induzíveis (frequentemente
inativas e apenas ativadas se expostas ao substrato). Isso significa que,
havendo glicose, o metabolismo bacteriano é rapidamente trocado para a
utilização dessa fonte de energia mais facilmente disponível, uma vez que
há enzimas disponíveis para a quebra da glicose (Moynihan, 2005).
Alguns estudos sugerem que a exposição frequente e prolongada ao
sorbitol resulte em mudanças do biofilme, em favor de bactérias
fermentadoras deste. Entretanto, não há evidência de que essas mudanças
adaptativas resultarão em um biofilme dentário que metabolize o sorbitol
tão rapidamente como a sacarose ou a glicose (Moynihan, 2005).
De acordo com a revisão de van Loveren (2004), a maioria dos estudos
clínicos testando gomas de mascar com sorbitol indica que o consumo dessa
goma entre e após as refeições tem efeito preventivo contra a cárie em
comparação ao controle sem mastigação de chicletes. A efetividade pode
variar de 0 a 30% para a dentição permanente. O chiclete com sorbitol
parece ser também efetivo na dentição decídua, mas pela limitação de
estudos é difícil quantificar esse efeito. No entanto, esse papel protetor pode
ser justificado também pela estimulação salivar.

Xilitol
O xilitol é um pentitol, açúcar-álcool com cinco carbonos derivado da
xilose açúcar pentose. O xilitol pode ser encontrado em algumas frutas e
vegetais. Apesar de a doçura ser similar à da sacarose, desaparece
rapidamente, e a rápida dissolução de xilitol em água resulta na sensação de
frescor bucal.
Alguns estudos têm mostrado que S. mutans não metaboliza o xilitol.
Em contraste ao sorbitol, o xilitol exerce efeito bacteriostático sobre S.
mutans (Assev e Rölla, 1986). Sugere-se que a ação benéfica do xilitol seja
no crescimento, metabolismo microbiano e produção de polissacarídeos
extracelulares, nos fatores salivares e no processo de desmineralização e
remineralização (Söderling, 2009; Mäkinen, 2011; Cardoso et al., 2014).
No entanto, os efeitos observados até agora foram relacionados
principalmente com a redução do biofilme formado e do número de S.
mutans. O xilitol tem sido usado em programas preventivos para gestantes,
com redução expressiva na transmissibilidade de microrganismos
(Söderling, 2009; Mäkinen, 2011).
O efeito antibacteriano ocorre pela entrada de xilitol na célula,
resultando em acúmulo intracelular de xilitol-5-P, que pode ser exportado à
custa de ribitol-5-P, estabelecendo um ciclo fútil. O acúmulo desse açúcar
sem produção de energia resulta em degradação celular, vacúolos
intracelulares e outros danos às células. Tem sido especulado que o xilitol
pode apresentar efeito inibidor sobre a produção de ácido pela sacarose e
pela glicose no biofilme dentário, mas os dados são conflitantes (Moynihan,
2005). O consumo frequente de xilitol por período prolongado (2 a 3
semanas) altera o metabolismo bacteriano, reduzindo a produção de ácido
pela degradação da sacarose (Aguirre-Zero et al., 1993). Isso pode ser
devido a mudanças ecológicas na microbiota (redução dos S. mutans) ou à
produção reduzida de biofilme dentário (polissacarídeos extracelulares).
Em relação ao efeito na desmineralização-remineralização, há muitas
controvérsias, uma vez que a maioria dos estudos usa a goma de mascar
como veículo, muitas vezes sem a participação de um grupo-controle com a
mastigação de chiclete placebo. Portanto, é difícil discriminar entre o efeito
real do xilitol e o efeito da saliva estimulada pelo uso das gomas. Por outro
lado, estudos que incorporaram o xilitol a dentifrícios fluoretados ou a
bebidas mostraram bons resultados sobre a redução da desmineralização
(Amaechi et al., 1998; Sano et al., 2007; Riley et al., 2015).
De modo geral, a maioria dos estudos clínicos ou experimentais foi
realizada com xilitol e sorbitol adicionados em gomas de mascar, testando-
os na prevenção da cárie dentária (estudos de Turku, Ylivieska, Montreal e
Belize). Os resultados foram favoráveis, sobretudo, com o uso de goma de
mascar com xilitol, mas apresentaram algumas falhas metodológicas, como
a falta de um grupo com mastigação de chicletes sem o agente (placebo).
Portanto, torna-se difícil interpretar os resultados, uma vez que a própria
mastigação, independentemente da presença de um agente, poderia
minimizar a cárie dentária devido à estimulação salivar. Uma revisão
sistemática de Burt (2006) mostrou que as gomas de mascar com sorbitol e
xilitol não foram cariogênicas se comparadas à goma de mascar sem açúcar,
sendo que o xilitol apresentou bons resultados em todos os protocolos
analisados. De acordo com o autor, há boas evidências científicas de que o
uso de chicletes com xilitol pelas mães reduza a transmissibilidade de
bactérias para os filhos.
Antonio et al. (2011) publicaram revisão sistemática incluindo estudos
que testaram o consumo de xilitol na forma de doces e balas durante
período mínimo de um ano de acompanhamento, e compararam a
porcentagem de progressão de cárie dentária. Das 127 referências, três
foram selecionadas, e destas somente duas mostraram efeito positivo de
doces contendo xilitol na redução do incremento de cárie, porém sem afetar
as superfícies proximais. Entretanto, esses achados não apresentam uma
forte evidência científica. Assim, mais estudos clínicos aleatorizados e
longitudinais são necessários, com o uso de controle adequado e de grande
recrutamento de pacientes nos estudos.
Apesar das dificuldades nas interpretações dos resultados, de acordo
com van Loveren (2004), o uso regular de xilitol é mais eficaz na redução
do número de S. mutans na saliva e no biofilme do que o uso regular de
sorbitol. No entanto, a superioridade do xilitol em relação ao sorbitol não é
suportada por dois de quatro estudos que compararam ambos os açúcares
diretamente. Há evidências de que o uso de gomas ou doces com xilitol ou
mistura de xilitol e sorbitol previna a cárie dentária quando usados várias
vezes ao dia. Comparado ao controle sem o uso de gomas, o xilitol em
gomas apresenta efetividade entre 30 e 60% (van Loveren, 2004).
Por outro lado, o frequente consumo de xilitol pode induzir a S.
mutans resistentes ao xilitol, os quais passam a não produzir a enzima
frutose fosfotransferase, responsável pela incorporação de xilitol à célula.
Essa adaptação minimiza o efeito antimicrobiano desse açúcar-álcool (van
Loveren, 2004). As bactérias resistentes ao xilitol parecem ser menos
virulentas, o que pode resultar em biofilme menos cariogênico (König,
2000).
Além do uso em gomas de mascar, tem-se tentado incorporar o xilitol a
produtos para higiene bucal (Figura 15.3), mas os resultados são
controversos (Petersson et al., 1991; Cutress et al., 1992; Sintes et al.,
1995). De acordo com revisão sistemática recente, dentre os produtos
odontológicos que contêm xilitol, somente há evidência de que dentifrício
contendo F e xilitol pode ser mais eficaz do que dentifrício com F na
prevenção da cárie em dente permanente. Uma desvantagem é que o xilitol
não permanece por muito tempo no biofilme e na saliva após o uso (média
de 8 min), sendo a retenção do produto influenciada pelo veículo utilizado
(Lif Holgerson et al., 2006). Estudos clínicos associando o xilitol a outros
agentes antimicrobianos, assim como a produção de fórmulas que
aumentem a retenção bucal do produto, seriam de grande valia.
Recentemente foi testada a incorporação de xilitol a 10% a um verniz
odontológico, o que demonstrou aumentar o tempo de liberação do xilitol
em saliva artificial (Pereira et al., 2012) e a remineralização de lesões
cariosas in vitro (Cardoso et al., 2014). No entanto, ainda não há evidência
em relação à dose mínima de xilitol a ser incorporada a produtos
odontológicos para se obter efeito terapêutico sobre a cárie dentária (van
Loveren, 2004), sendo que estudos longitudinais devem ser realizados
(Mickenautsch e Yengopal, 2012).

Figura 15.3 Diferentes produtos utilizados para incorporação do xilitol.

Outros
O licasin é um hidrolisado de amido hidrogenado produzido a partir da
batata ou do amido de milho pela hidrólise enzimática ou ácida parcial e
subsequente hidrogenação sob pressão e temperatura altas. A mistura final
contém mono, di, tri, tetrassacarídeos e polissacarídeos hidrogenados (6 a
8% sorbitol; 50 a 55% maltitol; 20 a 25% maltotritol; e 10 a 20%
polissacarídeos do tipo álcool). Licasin tem de baixo a médio potencial
cariogênico, dependendo da mistura (van Loveren, 2004).
O maltitol é um poliol com 12 carbonos (86 a 90% de maltitol e 1 a
3% de sorbitol) produzido pela hidrogenação da maltose (Matsukubo e
Takazoe, 2006). Não pode ser metabolizado pela maioria das bactérias
bucais, porém algumas espécies (S. mutans e Actinomyces) podem
fermentá-lo lentamente. O manitol, como o sorbitol, é um hexitol,
preparado industrialmente pela hidrogenação do açúcar invertido (sacarose
ou monossacarídeos). Lactobacilos e S. mutans são os únicos capazes de
fermentar os dois açúcares-alcoóis (manitol e sorbitol). As enzimas para o
transporte desses açúcares são induzíveis e, portanto, inibidas na presença
da glicose (Moynihan, 2005). Esses açúcares-alcoóis não apresentam
potencial cariogênico, mas também não são cariostáticos.
Lactitol, um poliol com 12 carbonos composto por galactose e sorbitol,
é obtido da desidrogenação de lactose. Palatinit (composto por duas cadeias
de polióis de 12 carbonos: glicopiranosil-1,6-sorbitol e glicopiranosil-1,6-
manitol) é obtido da desidrogenação da palatinose (dissacarídeo de glicose
e frutose) (Matsukubo e Takazoe, 2006). Ambos os açúcares têm doçura
inferior à sacarose, sendo metabolizados no intestino. São dificilmente
metabolizados por bactérias bucais, sendo considerados não cariogênicos
(van Loveren, 2004).

Novos carboidratos
A produção comercial e o uso de polímeros de glicose e oligossacarídeos de
glicose, frutose e galactose estão aumentando. Xaropes de glicose e
maltodextrina são coletivamente conhecidos como polímeros de glicose.
São produzidos pela hidrólise ácida do amido (milho, trigo ou batata) e
compreendem uma mistura de mono-, di-, tri-, tetra-, penta-, hexa-,
heptassacarídeos e dextrina (sacarídeos de cadeias curta com ramificação).
Os polímeros de glicose são usados para aumentar o conteúdo energético
dos alimentos e não apresentam sabor e odor. São frequentemente
adicionados a alimentos e bebidas para crianças, bebidas esportivas,
sobremesas, doces e suplementos energéticos (Moynihan, 2003).
Os polímeros de glicose têm potencial para causar cárie dentária, já
que podem ser quebrados por enzimas bacterianas em maltose e glicose. No
entanto, são escassas as evidências que demonstram que isso realmente
aconteça em humanos, e a maioria delas provém de estudos em animais e
da avaliação do pH do biofilme dentário. O potencial cariogênico dos
polímeros de glicose, em comparação à sacarose, é controverso; alguns
estudos mostram que o polímero de glicose é tão cariogênico quanto a
sacarose (Grenby, 1972), outros apontam para menor cariogenicidade
(Grenby e Leer, 1974). A redução do pH do biofilme dentário foi verificada
em humanos com o uso de xaropes de glicose (Fry e Grenby, 1972). No
entanto, essa análise não é fortemente relacionada à incidência de cárie
dentária. Os xaropes de glicose substituem a lactose em fórmulas infantis.
Embora estudos sobre redução do pH do biofilme em voluntários não
demonstrem diferença significativa entre os dois açúcares, ensaios clínicos
não têm sido conduzidos (Moynihan, 2005).
Vários oligossacarídeos estão sendo produzidos por indústrias não
somente pelo custo, mas também por motivos de saúde, já que beneficiam a
flora intestinal (prebióticos). O isomalto-oligossacarídeo (IMO, glicosil-
oligossacarídeo) é um exemplo desses oligossacarídeos e contém
monossacarídeos com ligações α1:6/1:4, incluindo isomaltose (glicose-
α1:6-glicose), isomaltulose (glicose-α1:6-frutose) – conhecida também
como palatinose – e panose (glicose-α1:6-glicose, α1:4-glicose). Esses
oligossacarídeos são produzidos a partir da sacarose e do amido, por meio
da reação de transglicosilação, utilizando enzimas transglicosilases. Os
microrganismos preferem metabolizar glicose e sacarose em vez dos IMO.
Estudos experimentais têm demonstrado que os IMO inibem a síntese de
glicanos a partir da sacarose e a consequente aderência de S. mutans às
superfícies dentárias/biofilme in vitro (Moynihan, 2005).
Os fruto-oligossacarídeos (FOS – Profeed® e Raftilose®) também são
fabricados com a mesma finalidade que os IMO. Estudos laboratoriais
sugerem que os FOS são tão cariogênicos quanto a sacarose (Linardi et al.,
2001). Em termos de acidogenicidade, os FOS parecem ser mais danosos
que a sacarose, mas em relação à espessura do biofilme, foi constatado
resultado oposto em biofilme de S. mutans (Ma et al., 2013). No entanto, a
determinação do potencial cariogênico dos FOS requer estudos adicionais
in vivo.
Alguns isômeros estruturais da sacarose apresentam propriedades
organolépticas similares à sacarose, mas possuem baixo potencial
cariogênico (Würsch, 1989). Os isômeros são produzidos por meio de
transglicosilação da sacarose. A trealose, exemplo de isômero (glicose-
α1:1-frutose), não é substrato para produção de glicanos por S. mutans e,
por isso, não induz à cárie em níveis significantes em ratos superinfectados
por esses microrganismos (Ooshima et al., 1991). A leucrose (glicose α1:5-
frutose) também tem demonstrado não ser cariogênica em ratos (Ziesenitz
et al., 1989).
O xarope à base de milho com alta concentração de frutose (XMAF) é
produzido principalmente por motivos econômicos. É quimicamente similar
ao açúcar invertido (50% de frutose + 50% de glicose), sendo que ambos
não induzem a produção de polissacarídeos extracelulares e apresentam
cariogenicidade 20 a 25% menor que a sacarose (Frostell et al., 1991).
Alimentos protetores
O leite pode ser considerado alimento favorável à saúde bucal, já que
apresenta lactose como açúcar, sendo este menos cariogênico, e também
fatores de proteção (cálcio, fosfato, caseína e lipídios). Por conter altas
concentrações de minerais, proteínas e lipídios, o leite favorece a
remineralização de lesão de cárie dentária. A caseína pode ser degradada
por enzimas bacterianas, resultando em produtos (peptídios e aminoácidos)
que aumentam o pH do biofilme. Comparando-se leite bovino e materno, o
último apresenta menores concentrações de minerais e maior concentração
de açúcar, sendo teoricamente mais cariogênico. Na prática, a questão de
cariogenicidade a respeito do leite é complexa, em função da possibilidade
de adição de outros açúcares (sacarose) de maior cariogenicidade que a
lactose ao leite bovino. Evidências aponta que a amamentação pode
proteger contra cárie quando realizada até os 12 meses de idade. No
entanto, após os 12 meses há tendência para aumento do risco à cárie
dentária (Jham et al., 2015).
O queijo também é anticariogênico, pois estimula o fluxo salivar e
aumenta a concentração de cálcio e fosfato salivar, sendo de importância
para a remineralização das lesões de cárie dentária (Bowen, 1994).
O fitato encontrado em vegetais é anticariogênico, formando uma
barreira física protetora contra os ácidos do biofilme por meio da sua
adsorção à superfície dentária. Entretanto, o fitato natural do alimento não é
comumente liberado de sua estrutura antes de ser ingerido. Também não é
apropriado como aditivo em alimentos, pois parece reduzir a absorção de
ferro, magnésio, cálcio e zinco. Uma hipótese para explicar o porquê de
pessoas que consomem alimentos à base de planta não processada
apresentarem menor número de lesões não cariosas é o fato de a mastigação
desses alimentos estimular o fluxo salivar.
O fosfato inorgânico também parece ser efetivo na prevenção de lesões
cariosas, sendo o trimetafosfato de sódio (Na-TMP) o que mais reduziu a
cárie quando adicionado à goma de mascar e utilizado por crianças 3
vezes/dia (Finn et al., 1978). No entanto, as concentrações requeridas desse
sal para prevenir a cárie podem ser muito altas, levando à ingestão
indesejada de sódio. O Na-TMP tem sido adicionado a produtos
odontológicos, com a finalidade de prevenir a cárie dentária (Manarelli et
al., 2014; Takeshita et al., 2015).
Atualmente, tem se testado a adição de íons que compõem a apatita
dentária (como cálcio, fosfato, ferro e fluoreto) para reduzir o potencial de
diferentes alimentos em causar a desmineralização dentária (Pecharki et al.,
2005) ou para potencializar a remineralização (Lingström et al., 2003;
Itthagarun et al., 2005). A adição da fosfoproteína da caseína e do fosfato
de cálcio em chicletes sem açúcar reduziu a incidência de cárie
interproximal em crianças que os utilizaram diariamente em comparação
àquelas que mascaram chicletes placebo (Morgan et al., 2008).
As lectinas são proteínas encontradas nas plantas e têm propriedade de
se ligar a determinados grupos de carboidratos. Além disso, podem interagir
com constituintes salivares, mudando a composição da película adquirida e
dificultando a adesão bacteriana. As gorduras presentes nos alimentos
também podem desempenhar papel protetor, por formarem uma barreira de
proteção no esmalte (Buchalla et al., 2003).
Atualmente, há grande interesse no uso de alimentos contendo
polifenóis, como cacau, café, chá e muitas frutas. Os polifenóis podem
interferir com a atividade da glicosiltranferase em S. mutans e,
consequentemente, com a formação do biofilme dentário. As maçãs contêm
polifenóis e são boas estimulantes salivares, porém contêm açúcar e são
ácidas, o que causa controvérsias. O chá também contém polifenóis, além
de flúor e de flavonoides, e parece ser efetivo na redução da cárie; porém,
não se sabe se esse efeito é devido ao flúor, à ação antibacteriana de
polifenóis ou a ambos. O amendoim, assim como as gomas de mascar sem
açúcar, é capaz de estimular o fluxo salivar, reduzindo a queda de pH pelo
consumo de açúcar.
O chá-verde, obtido da Cammelia sinensis, parece ter efeito inibitório
sobre as colagenases (metaloproteínases de matriz – MMP). O polifenol
Epigallocatechin gallate (EGCG) é um dos princípios ativos do chá-verde,
tendo atividade inibitória potente contra MT1-MMP, resultando na
diminuição da ativação da pró-MMP-2. Em adição, a atividade das MMP-2
e MMP-9, bem como da MMP-12 de macrófagos e neutrófilos, também foi
diretamente inibida pelo EGCG (Demeule et al., 2000; Garbisa et al., 2001;
Sartor et al., 2002). Já que as MMPs são encontradas na dentina e na saliva,
e estão relacionadas com a progressão da desmineralização (Tjärdehane et
al., 1998), o uso do chá-verde poderia ter bom potencial para prevenir a
progressão da erosão e da cárie dentinária (Kato et al., 2009).
Portanto, as pesquisas atuais têm focado na avaliação de alimentos
funcionais (Figura 15.4) e fitoterápicos, bem como no impacto do açúcar no
desenvolvimento de cárie ao longo da vida do indivíduo, já que a maioria
dos estudos é restrita a crianças.

Figura 15.4 Exemplos de alimentos considerados protetores contra a cárie dentária.


Influência de diferentes padrões de ingestão
A importância da frequência versus quantidade total de açúcar sobre a
prevalência de cárie é difícil de ser discutida. Baixa taxa de cárie dentária
em crianças tem sido associada à ingestão total de açúcar de 10
kg/pessoa/ano (em média 30 g/dia), mas o desenvolvimento de cárie
dentária aumenta acentuadamente com ingestões acima de 15 kg (Burt e
Pai, 2001). Alguns autores mostram moderada evidência na redução da
cárie dentária (CPOD < 3, 12 anos) quando o consumo de açúcar é menor
que 10% da energia total, equivalente a < 15 a 20 kg de açúcar/pessoa/ano.
Esse efeito se torna mais forte quando a ingestão de açúcar é < 5% (< 10
kg/pessoa/ano), apesar de a evidência científica ser considerada fraca
(Freeman, 2014; Moynihan e Kelly, 2014). Como dito anteriormente, são
necessários mais estudos não somente focados em crianças, mas também
em adultos, para que se estabeleça uma recomendação acerca da quantidade
de açúcar que deve ser ingerida, para minimizar o risco de cárie ao longo da
vida.
Enquanto a concentração de açúcar parece ser mais importante que a
frequência de consumo sobre a formação da lesão cariosa (Rugg-Gunn et
al., 1984; Burt et al., 1988), outros estudos apontam que a frequência de
ingestão é mais importante que o consumo total de açúcar para a ocorrência
da cárie dentária (Sreebny, 1982; Kalsbeek e Verrips, 1994; Moynihan,
2003).
A carga cariogênica total é também relacionada ao formato do produto,
isto é, a consistência física dos alimentos contendo o açúcar. Alimentos
pegajosos tendem a ser mais cariogênicos que alimentos fibrosos ou
líquidos. Demonstrou-se que fatores alimentares como a concentração de
açúcar, a taxa de solubilização, a taxa de degradação enzimática, a
capacidade de aderência aos dentes e a capacidade de estimular o fluxo
salivar afetam a taxa de remoção do açúcar pela saliva. Carboidratos
presentes nas frutas e bebidas têm tempo de eliminação de
aproximadamente 5 min. No entanto, doces podem apresentar tempo de
limpeza da cavidade bucal de até 40 min. Tanto a escovação como a
estimulação salivar têm profundo impacto sobre o tempo de remoção do
alimento da boca.
A posição de um produto alimentar dentro de uma sequência da
refeição também pode modificar suas propriedades de cariogenicidade. O
queijo e o amendoim podem reduzir a produção de ácidos após a ingestão
prévia de alimentos contendo sacarose. Inversamente, os amidos podem
aumentar as propriedades cariogênicas do açúcar se forem consumidos ao
mesmo tempo. A adesividade do amido aumenta o tempo de retenção do
açúcar, bem como o tempo de limpeza, resultando em redução prolongada
de pH.
Sabe-se que a frequência, a quantidade total de açúcar, a concentração
e a textura têm forte influência sobre o tempo que o açúcar permanece na
boca e, consequentemente, sobre a incidência de lesões cariosas, porém é
difícil determinar valores mínimos seguros para esses fatores em relação à
saúde bucal, já que o número de outros fatores inter-relacionados é grande
(p. ex., saliva, resistência do hospedeiro, hábitos de higiene, uso do flúor)
(Kandelman, 1997; Zero, 2004).

Influência do flúor na relação entre os


açúcares e a cárie dentária
A grande questão atual é: na sociedade moderna, frequentemente exposta ao
flúor, indivíduos com alta ingestão de açúcar têm maior experiência de
lesões cariosas que indivíduos com baixa ingestão de açúcar?
Nas últimas décadas foi constatada diminuição na prevalência de cárie
dentária, mesmo com o aumento contínuo na ingestão de açúcar
(Kandelman, 1997). Assim, não há relação linear entre a ingestão de açúcar
e cárie dentária, isto é, há pobre correlação entre o consumo total de açúcar
e a prevalência de cárie (Harel-Raviv et al., 1996). A introdução do uso de
flúor na verdade amorteceu parcialmente a relação positiva entre a
frequência de refeições rápidas ricas em açúcar e os níveis de cárie dentária
(Woodward e Walker, 1994; Burt e Pai, 2001; Moynihan e Kelly, 2014).
Newbrun (1982), com base em estudos em animais, sugeriu que a relação
entre dieta e cárie é do tipo curva no formato S, havendo movimentação da
curva para a direita com a introdução do flúor (Figura 15.5).
De acordo com a revisão sistemática de Burt e Pai (2001), apenas dois
estudos mostraram forte relação entre dieta e desenvolvimento de cárie, 16
mostraram moderada relação e 18 mostraram fraca relação. Anderson et al.
(2009) publicaram revisão sistemática sobre a relação entre sacarose e cárie
dentária, indicando nenhuma relação entre quantidade de açúcar e cárie. Em
19 dos 31 artigos incluídos, porém, foi apontada significativa relação entre
a frequência de uso do açúcar e a cárie dentária. Ruxton et al. (2010)
publicaram revisão de literatura englobando artigos publicados de 1995 a
2006 sobre a relação entre cárie e dieta. Os autores mostraram que a
combinação de tipos de açúcar e frequência, exposição ao flúor e
adesividade dos alimentos são fatores mais importantes que a quantidade de
açúcar total consumida. Ainda enfatizaram que não há evidência científica
para a prescrição de um tipo de açúcar, considerando a saúde como um
todo. Tseveenjav et al. (2011) mostraram, em levantamento epidemiológico,
que a frequência de escovação e o uso de dentifrício fluoretado foram mais
importantes (% risco relativo) na redução de dentes cavitados que a
frequência de ingestão do açúcar e o uso de xilitol.
Figura 15.5 Relação entre cárie dentária e açúcar antes e após a introdução de fluoreto. (Adaptada
de Newbrun, 1982; Woodward e Walker, 1994).

Esses resultados são reflexos da multifatoriedade da doença cárie e da


influência do flúor na progressão das lesões cariosas. Portanto, a relação
entre dieta e cárie não é linear, assim como é difícil definir o que é alta e o
que é baixa exposição ao açúcar. O açúcar é de maior impacto para as
populações com baixo acesso ao flúor e alto risco à cárie dentária (Burt e
Pai, 2001; Moynihan e Kelly, 2014).

Conclusão
Com base no exposto neste capítulo, é importante reavaliar o
aconselhamento em relação à dieta de acordo com os conceitos atuais sobre
a doença. O aconselhamento dietético deve ser realista e moldado de acordo
com o comportamento dietético da família. Para indivíduos com baixo risco
de cárie dentária e com acesso à fluoretação, o aconselhamento dietético
pode ter baixo impacto em termos de saúde bucal, e para aqueles com alto
risco de cárie dentária e baixo acesso ao flúor, a orientação dietética é
imprescindível.
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Aquisição e colonização bacteriana
Os colonizadores iniciais da cavidade bucal são intitulados “espécies
pioneiras” e são basicamente do grupo Streptococcus (60 a 90%, S.
salivarius, S. mitis e S. oralis) (Nyvad e Kilian, 1987). Com o tempo, outros
tipos de bactérias aparecem, como as anaeróbicas gram-negativas, incluindo
Prevotella melaninogenica, Fusobacterium nucleatum e Veillonella sp. (ten
Cate, 2006). A irrupção dentária cria novos hábitats para a colonização
microbiana, já que os dentes são considerados como a única superfície da
cavidade bucal que não se renova, possibilitando a aderência da microbiota
residente e, consequentemente, o acúmulo não perturbado de grande massa
de bactérias, principalmente em locais de estagnação (faces interproximais
e cicatrículas). A essa massa de bactérias denominamos placa dentária
(Figura 16.1), exemplo de biofilme (comunidade de microrganismos
aderida a uma superfície, de maneira que estes estejam arranjados
tridimensionalmente e inclusos em matriz de material extracelular derivada
das próprias células e do ambiente). Portanto, neste texto são utilizadas as
duas palavras: placa dentária e biofilme dentário.
Há várias vantagens para os microrganismos que vivem em biofilme,
tais como: amplo hábitat para crescimento (espécies que consomem
oxigênio criam ambiente favorável para as anaeróbicas), maior eficiência
metabólica (moléculas produzidas por algumas bactérias podem ser
degradadas por outras), aumento da resistência ao estresse e a agentes
antimicrobianos, e aumento da virulência.
Figura 16.1 Acúmulo de biofilme dentário ou placa dentária destacado(a) com o uso do corante e
sua visualização por microscopia confocal.

Placa dentária | Desenvolvimento, estrutura,


composição e propriedades
Formação da película adquirida
A película adquirida se forma logo após a irrupção dentária ou a profilaxia,
sendo composta por glicoproteínas, fosfoproteínas, lipídios salivares e em
menor proporção, por componentes do fluido gengival. A película apresenta
várias funções importantes para a estrutura dentária; sua permeabilidade
seletiva restringe o transporte de íons para dentro e para fora dos tecidos
dentários, inibe a desmineralização do esmalte e da dentina e determina a
composição da microbiota inicial que adere ao dente (Figura 16.2A).

Adesão das células bacterianas


Esta fase de formação do biofilme ocorre nas primeiras 4 h. Os mecanismos
envolvidos na aderência bacteriana à película adquirida são muito
complexos e ainda não totalmente entendidos. Primeiramente, há transporte
de bactérias para a superfície dentária pela saliva (Figura 16.2B). Na
sequência, as bactérias são associadas à superfície dentária de maneira
inespecífica, sob influência das forças de van der Waals, que são forças
eletrostáticas atrativas e repulsivas. Por fim, proteínas encontradas na
superfície bacteriana e na película podem favorecer a aderência firme entre
as moléculas, por meio de mecanismos específicos (Scheie, 1994).
Os colonizadores iniciais constituem parte altamente seletiva da
microbiota bucal, composta principalmente por S. sanguis, S. oralis e S.
mitis biovar 1 (Nyvad e Kilian, 1990), que representam 95% dos
estreptococos e 56% da microbiota inicial. Por muito tempo, acreditou-se
que os S. mutans eram parte importante da microbiota inicial, devido à sua
capacidade de produzir polissacarídeos extracelulares que compõem a
matriz extracelular. No entanto, estudos têm mostrado que essa espécie de
estreptococo representa apenas 2% da microbiota estreptocócica inicial,
independentemente da exposição ao açúcar. S. mutans são menos efetivos
que S. sanguis na aderência à superfície dentária. A microbiota inicial é
composta ainda por Actinomyces sp. e bactérias gram-negativas (p. ex.,
Haemophilus sp. e Neisseria sp., em baixas proporções).

Formação de microcolônias distintas


O aumento do número de microrganismos e a formação de microcolônias
distintas ocorre em um período de 4 a 24 h de formação do biofilme
dentário. Há vários fatores determinantes da colonização e do crescimento
da microbiota sobre a superfície dentária, alguns relacionados ao
hospedeiro e outros aos microrganismos. Em relação ao hospedeiro, o
esmalte apresenta alta energia de superfície, o que facilita a colonização
quando em comparação a outros materiais, como a fita de Teflon®. A
colonização, por sua vez, é mais rápida sobre as superfícies radiculares que
sobre o esmalte, devido à topografia irregular e à maior rugosidade da
dentina.
Já em relação ao microrganismo, o potencial zeta do organismo tem
grande influência sobre a colonização, sendo determinado pela natureza e
pelo número de grupos iônicos sobre a superfície das células. É dependente
do pH e da força iônica do meio ao redor. Baixa carga negativa de
superfície microbiana favorece a adesão, portanto, a existência de cátions
que se liguem a receptores negativos da membrana pode reduzir a repulsão
eletrostática, facilitando a adesão e a coagregação (Jin e Yip, 2002). A
hidrofobicidade dos microrganismos também é importante fator de
aderência. Microrganismos hidrofóbicos são atraídos às superfícies sólidas
pela rejeição da fase aquosa. Também podem ser estabelecidas interações
iônicas, iônicas dipolares ou hidrogênionicas (Scheie, 1994).
Figura 16.2 Desenvolvimento da placa dentária mostrando desde a fase de formação da película
adquirida (A) até a comunidade clímax (C).

As bactérias têm um sistema de reconhecimento nas suas superfícies


que habilita componentes específicos nela encontrados (as adesinas) a
aderirem aos receptores, moléculas complementares presentes na película
adquirida dentária (Gibbons, 1989) (Figura 16.3). Alguns receptores
encontrados na estrutura central proteica das glicoproteínas da película
foram identificados como oligossacarídeos. A atividade enzimática
bacteriana pode modificar constituintes da película, levando à destruição de
receptores para algumas espécies, enquanto criam novos receptores para
outras, sendo essa capacidade importante fator na regulação da colonização.
Adicionalmente, componentes salivares que fazem parte da película
adquirida são essenciais para a ligação entre bactérias, como as proteínas
ricas em prolina.
Em geral, a coadesão entre pares de microrganismos é considerada um
dos eventos iniciais que contribuem para o desenvolvimento da placa
dentária (Busscher e van der Mei, 1997), e depende da presença de
adesinas, de cátions que reduzem a repulsão eletrostática, e de lipoproteínas
de membrana, que são responsáveis pela interação não específica (Jin e Yip,
2002).
Outro mecanismo determinante da colonização é a liberação de
surfactantes que estimulam a remoção de alguns microrganismos na placa,
reduzindo o número de microrganismos competidores, o que contraria as
vantagens metabólicas da coadesão. A coadesão e a liberação de
biossurfactantes governam a composição e a estrutura da placa dentária
(Busscher e van der Mei, 1997).

Sucessão e coagregação microbiana


O aumento da diversidade microbiana e o crescimento do biofilme ocorrem
a partir do 1o dia até 14o dia. Uma vez formada a placa dentária, as bactérias
desenvolvem um fenótipo alterado em relação àquele que apresentavam
quando estavam livres.
Nesta fase, inicia-se a produção da matriz extracelular (rica em
polissacarídeos, proteínas, lipídios, água e íons) e de moléculas que tornam
os microrganismos hábeis para se comunicarem. As bactérias têm se
mostrado portadoras de complexa expressão genética, regulada quando elas
coexistem em densas populações (ten Cate, 2006). Bactérias têm
sinalizadores para coordenar a produção de fatores de virulência para a
defesa mútua e fatores de colonização para interações simbióticas com o
hospedeiro (ten Cate, 2006). Proteínas, frequentemente enzimas, formadas
na placa dentária são fatores de virulência para a sobrevida e a proliferação
bacteriana, como as glicosiltransferases (GTFs), que catalisam a formação
de matriz de polissacarídeo extracelular (Figura 16.3) e a lactato
desidrogenase (LDH), que está envolvida na glicólise e é responsável pela
perda metabólica (liberação de ácido), o que pode causar cárie dentária (ten
Cate, 2006).
Há vários mecanismos de comunicação entre microrganismos. As
bactérias gram-positivas comunicam-se entre si por meio de um peptídio
pequeno (peptídio de competência sinalizadora – CSP). A habilidade de
transporte e transferência de DNA é essencial para a troca de material
genético, que por sua vez pode levar à mutação no genoma da bactéria, a
qual é necessária para o processo de evolução. Além de controlar a troca de
material genético, o CSP pode controlar a formação do biofilme (ten Cate,
2006) e regular a tolerância ácida de S. mutans (Marsh, 2004).
Bactérias gram-negativas estabelecem mecanismos quorum sensing
semelhantes através das homosserinas lactonas aciladas (AHLs), cuja
produção acima da concentração limiar no biofilme dispara mudanças na
expressão gênica (ten Cate, 2006).
Com o amadurecimento da microbiota, a maioria das mudanças se
caracteriza pela troca de uma placa dominada por Streptococcus para uma
dominada por Actinomyces (A. viscosus e A. naeslundii) (Syed e Loesche,
1978). As bactérias Actinomyces têm atividade enzimática, podendo
modificar proteínas encontradas na película, destruindo receptores para
algumas espécies e criando outros receptores para novas espécies. A
concentração de bactérias anaeróbicas, então, torna-se maior do que a de
bactérias aeróbicas.

Figura 16.3 Mecanismos de adesão microbiana importantes na formação da placa dentária.

As bactérias pioneiras criam um ambiente mais atrativo para os


invasores secundários ou cada vez mais desfavorável para si mesmas,
devido à falta de nutrientes e ao acúmulo de produtos metabólicos. A troca
de bactérias pioneiras por bactérias invasoras denomina-se sucessão
bacteriana. Os segundos colonizadores são os Actinomyces, Prevotella
intermedia, Eubacterium spp., Treponema spp. e Prophyromonas gingivalis.
A Fusobacterium nucleatum serve como ponte entre colonizadores iniciais
e tardios (ten Cate, 2006). Os colonizadores secundários aderem às espécies
pioneiras via interações adenosina-receptor (coagregação ou coadesão). À
medida que os depósitos bacterianos se tornam mais espessos, a
concentração de oxigênio e a disponibilidade de nutrientes são reduzidas, o
que é um dos fatores responsáveis pela sucessão microbiana e a
predominância de bactérias anaeróbicas.
Em algumas áreas, microrganismos que estão se multiplicando formam
multicamadas, nas quais estão embebidos em matriz extracelular (Figura
16.2C). No entanto, essas camadas não são uniformes em espessura. Após 1
dia, a superfície do biofilme se encontra constituída principalmente por
bactérias cocoides com filamentos espalhados. Já no segundo dia, os
depósitos bacterianos são colonizados por múltiplos organismos
filamentosos orientados perpendicularmente à superfície.
Durante os primeiros dias, o crescimento da placa nas superfícies lisas
ocorre predominantemente como resultado da divisão celular, como
evidenciado pelo desenvolvimento de microcolônias em colunas
perpendiculares à superfície do dente. A contínua adsorção de
microrganismos provenientes da saliva também contribui para a expansão
do depósito bacteriano. Na camada superficial, alguns microrganismos se
coagregam com outras espécies para formar estruturas semelhantes a
“espigas de milho”, compostas por um filamento central coberto por
microrganismos esféricos. Essas “espigas” aparentam ter relação direta
entre as espécies, mediada pelas fibrilas de superfície. Com o passar do
tempo, além das bactérias cocoides, aparecem também as filamentosas.
Em relação à superfície oclusal, a concentração de S. mutans e S.
sanguis na saliva determina a concentração dessas bactérias nas cicatrículas
e fissuras. Uma vez que a fissura se torna colonizada, as concentrações
salivares já não exercem mais efeito sobre a quantidade de bactérias nela
encontradas. As alterações qualitativas, associadas à sucessão microbiana
na placa dentária de superfície lisa, não são encontradas nas fissuras.
Assim, cocos gram-positivos e bastonetes ainda predominam na microbiota
da fissura velha, e há grandes variações individuais em relação à
porcentagem de distribuição das bactérias predominantes, o que enfatiza
que cada fissura compreende unidade ecológica distinta.
Na entrada da fissura, cocos e bastonetes estão arranjados em paliçada,
perpendiculares à superfície do esmalte, de maneira similar àqueles das
superfícies lisas, e essa microbiota é mesclada com organismos
filamentosos. No entanto, na fissura propriamente dita há menos filamentos,
e a microbiota consiste principalmente em cocos e bastonetes. Em geral, os
cocos são agrupados em microcolônias, e a matriz extracelular varia
consideravelmente em quantidade e qualidade.
Os canais entre as bactérias podem ou não ser preenchidos por matriz
extracelular, o que determina a permeabilidade da placa dentária. A
existência ou não de lacunas determina a quantidade de nutriente que pode
penetrar na placa, bem como o potencial da saliva de limpar os produtos
metabólicos que são deletérios ao hospedeiro, sendo estes parâmetros
importantes para a fisiologia e a sobrevida da população microbiana. A
penetrabilidade da placa dentária determinará ainda a efetividade de agentes
terapêuticos antimicrobianos (ten Cate, 2006).

Comunidade clímax
Após 14 dias de crescimento não perturbado, o biofilme desenvolve uma
comunidade clímax (placa madura) que abriga inúmeras espécies
microbianas envolvidas por matriz extracelular e produtos concentrados de
seu metabolismo, junto a íons e nutrientes advindos do hospedeiro (Gilbert
et al., 1997). As diferenças qualitativas e quantitativas detectadas em cada
espécie são tão pronunciadas que cada superfície dentária deve ser
considerada como única, devido às propriedades físicas e biológicas de cada
sítio (Marsh, 2004).
A comunidade clímax é caracterizada pela homeostasia microbiana,
que tende a expulsar espécies invasoras que não existiam previamente, e
está relacionada a interações sinérgicas (cooperação) e antagônicas
(competição) entre bactérias. A estabilidade microbiológica é aumentada
pelo desenvolvimento de inter-relações nutricionais e pela necessidade de
colaboração no catabolismo de nutrientes endógenos complexos,
principalmente entre bactérias localizadas nas camadas mais profundas, que
necessitam dos produtos metabólicos das bactérias mais superficiais como
fonte de nutrientes, uma vez que não têm acesso aos nutrientes advindos do
hospedeiro. As bactérias adaptam seu fenótipo de acordo com as mudanças
no meio ambiente, como na fartura ou escassez de nutrientes, e durante
mudanças de temperatura e pH.
No entanto, podem ocorrer mudanças negativas na placa dentária
como efeito direto ou indireto da dieta, do hospedeiro (envelhecimento,
diminuição da imunidade, uso de próteses, medicações e redução do fluxo
salivar) ou por alterações na microbiota. O desequilíbrio da placa dentária
determina o aparecimento de duas doenças bucais: a cárie dentária e a
doença periodontal. A cárie dentária é caracterizada pela desmineralização
dos tecidos dentários (esmalte e dentina), com o consequente aparecimento
de mancha branca e cavitação. Já a doença periodontal acomete os tecidos
de suporte do dente, com o aparecimento de inflamação gengival e
reabsorção óssea (Marsh e Bradshaw, 1997).
Por outro lado, mudanças positivas podem ocorrer quando há o
controle mecânico da placa, por meio da escovação e do uso do fio dental,
que desorganizam a comunidade clímax, interrompendo temporariamente a
desmineralização do esmalte ou a agressão aos tecidos de suporte.

Hipóteses para explicar o papel da placa


dentária na etiologia das doenças bucais
A hipótese da placa específica propõe que, fora da coleção diversa de
organismos que compreende a microbiota residente da placa, apenas
algumas espécies estão realmente envolvidas na enfermidade (Loesche,
1979). A hipótese da placa inespecífica considera que a doença é resultado
da atividade global da microbiota total da placa (Theilade, 1986). Assim,
uma mistura heterogênea de microrganismos pode desempenhar certo papel
na doença.
Por fim, foi proposta hipótese alternativa que reconcilia os elementos-
chave das duas hipóteses anteriores (Marsh, 1994): a hipótese da placa
ecológica, que sugere que os organismos associados à enfermidade podem
também ser encontrados em locais sadios, mas em níveis baixos demais
para serem considerados clinicamente relevantes. A perturbação no
equilíbrio da microbiota residente, ocasionada por mudança nas condições
ambientais locais, proporciona a seleção de bactérias que causarão a
enfermidade (Takahashi e Nyvad, 2008). O ambiente do hospedeiro
determina a composição e a expressão gênica da microbiota residente.
Mudanças nas condições ambientais (p. ex., pH, temperatura, atmosfera,
dieta) podem prejudicar o relacionamento simbiótico entre hospedeiro e
microbiota residente, e aumentar o risco de enfermidade (Marsh e Devine,
2011).
No caso da cárie dentária, repetidas condições de baixo pH na placa
após frequentes ingestões de açúcar (sacarose) e diminuição da limpeza do
açúcar devido ao baixo fluxo salivar e à falta de escovação favorecerão o
crescimento de microrganismos acidogênicos e acidúricos (como S.
mutans), predispondo o local ao desenvolvimento de lesão de cárie (ten
Cate, 2006) (Figura 16.4A).
No caso de doença periodontal, o aumento do biofilme subgengival
induz resposta inflamatória, com o consequente aumento da secreção do
fluido gengival (sangramento, aumento de temperatura e pH, redução da
oxigenação), o que seleciona bactérias proteolíticas e anaeróbicas que
poderão potencializar a inflamação gengival e a perda óssea (Marsh e
Devine, 2011) (Figura 16.4B).

Figura 16.4 Hipótese da placa ecológica para (A) cárie dentária e (B) doença periodontal.

Assim, a placa dentária relacionada à doença periodontal apresenta


maiores proporções de bactérias anaeróbicas gram-negativas (P. intermedia)
do que a placa relacionada à cárie dentária. No biofilme relacionado à
periodontite, a inflamação do tecido gengival leva à formação de bolsas que
servem como sítio para o crescimento de bactérias anaeróbicas, bem como
ao aumento da produção de fluido gengival, que serve como rico nutriente
para essas bactérias (ten Cate, 2006).
Fatores que afetam a composição microbiana
da placa dentária
Açúcares fermentáveis e baixo pH
Após alguns dias, o acúmulo de placa dentária supragengival é maior
quando os indivíduos consomem dieta rica em açúcar do que diante de dieta
controlada sem adição de açúcar. A microbiota presente no biofilme
formado sobre esmalte sadio é composta por S. não mutans e Actinomyces,
e a acidificação é branda e infrequente. Conforme há exposição ao açúcar,
aumentam as condições que propiciam o acúmulo de bactérias acidôgenicas
e acidúricas; assim, S. não mutans se adaptam por mudança genotípica da
microbiota (estágio acidogênico). Em lesões de cárie iniciais não cavitadas,
há predominância de S. não mutans. Sob condições ácidas graves e
prolongadas (estágio acidúrico), mais bactérias acidogênicas/acidúricas
tornam-se dominantes, como os S. mutans (pH < 5), lactobacilos (pH <
4,5), além de cepas acidúricas de S. não mutans, bifidobactérias (pH < 4,0)
e fungos (Takahashi e Nyvad, 2011), que estão presentes comumente em
lesões cavitadas. Há sinergismo entre S. mutans e fungos via Gtfs (Falsetta
et al., 2014; Dige et al., 2014). No estágio acidúrico, as bactérias iniciais
param de crescer.
A resistência de algumas bactérias à queda de pH no estágio acidúrico
do biofilme dentário é determinada: (1) pela impermeabilidade da
membrana ao próton; (2) por enzimas ATPases que deslocam prótons; (3)
pela capacidade de produzir amônia e arginina, que neutralizam o pH
intracelular; e (4) pela indução de proteínas que protegem ácidos nucleicos
e enzimas da desnaturação. No entanto, bactérias que permitem que o pH
intracelular decline em função do pH extracelular são mais resistentes aos
efeitos tóxicos da fermentação ácida que bactérias que mantêm o pH
intracelular quase neutro (Carlsson, 1997).
Além disso, a sacarose pode ser convertida em glicanos e em frutanos
(ambos polissacarídeos extracelulares) pela atuação da glicosiltransferase e
frutosiltransferase presentes em S. mutans, respectivamente. Os frutanos
atuam como estoques extracelulares de nutrientes, enquanto os glicanos
podem consolidar a adesão da placa e contribuir para a composição da
matriz extracelular, além de facilitarem a incorporação de sacarose em
camadas mais profundas da placa dentária e promoverem adesão mais
seletiva de bactérias (Paes Leme et al., 2006). O excesso de carboidratos na
dieta é estocado por algumas espécies na forma de polímeros de glicose
intracelulares (polissacarídeos intracelulares), que podem ser metabolizados
na ausência de substratos fermentáveis (jejum). Tanto a produção de ácidos
(baixo pH) como a existência de polissacarídeos extracelulares determinam
maior virulência para essas bactérias, o que está diretamente relacionado à
maior probabilidade de desenvolvimento da cárie dentária.
O biofilme formado pela exposição à sacarose apresenta menor
concentração de cálcio, fósforo e fluoreto, o que pode ser crucial para a
ocorrência da desmineralização dos tecidos dentários, já que esses íons
mantêm o meio saturado em relação ao mineral (apatita) que compõe a
hidroxiapatita dentária (Paes Leme et al., 2006). Essa redução de minerais
em placas dentárias expostas à sacarose pode se dar: devido ao baixo pH,
que dissolveria os depósitos minerais na placa; à incorporação destes
minerais pelos tecidos dentários; à liberação dos reservatórios de minerais
das paredes bacterianas; à baixa densidade bacteriana devido ao maior
conteúdo de polissacarídeos extracelulares, que resultaria em poucos sítios
para a ligação destes minerais; ou à baixa concentração de proteínas
ligantes a minerais, que poderia resultar em poucos reservatórios minerais
na placa dentária. A última hipótese é a que melhor explica a subsaturação
de minerais quando há ingestão de sacarose (Paes Leme et al., 2006).

Disponibilidade de oxigênio
A placa dentária madura tem poucas espécies verdadeiramente aeróbicas.
Bactérias anaeróbicas são mais comuns, apesar de a distribuição não ser
uniforme e as proporções serem maiores quando a placa se acumula.
Quanto mais espessa for a placa ou mais protegida estiver (no sulco
gengival), maior será a dificuldade de entrada de oxigênio, o que facilita a
sobrevivência das bactérias anaeróbicas. Isto é de especial importância para
o desenvolvimento da doença periodontal.

Nutrientes
As bactérias dependem quase que exclusivamente do meio ambiente para a
aquisição de nutrientes como ureia, glicoproteínas salivares, proteínas
salivares e tissulares e carboidratos (dieta). A degradação das glicoproteínas
depende da interação de várias bactérias, cada qual com o perfil
complementar da atividade da glicosidase. Algumas bactérias utilizam
produtos do metabolismo de outras bactérias (lactato e succinato); outras
quebram peptídios e aminoácidos produzidos durante a degradação de
moléculas complexas do hospedeiro por outros microrganismos. Os
produtos mais importantes do metabolismo dos aminoácidos são ácidos
acético, propiônico, butírico, isobutírico e isovalérico, juntamente à amônia
e, ocasionalmente, CO2. Esses produtos não causam grandes alterações no
pH do ambiente.
As bactérias presentes no biofilme supragengival, relacionadas à cárie
dentária, utilizam principalmente o açúcar vindo do hospedeiro
(glicoproteínas salivares) ou da alimentação (Capítulo 15). Já bactérias
presentes no biofilme subgengival (especialmente as
periodontopatogênicas) utilizam nutrientes provenientes do sulco gengival,
principalmente as proteínas.

Placa dentária versus cárie dentária


Bactérias do tipo estreptococos podem ser isoladas com alta frequência de
lesões cariosas, embora algumas lesões avançadas geralmente apresentem
uma microbiota mais diversa, incluindo outras espécies acidogênicas e
também as proteolíticas. S. mutans são considerados relevantes na etiologia
da cárie dentária, pois são bactérias altamente acidôgenicas e acidúricas,
capazes de produzir antígenos de superfície I e II e polissacarídeos
extracelulares responsáveis pela adesão (Tanzer et al., 2001).
Entretanto, achados mais recentes apresentam evidência consistente de
que a associação entre S. mutans e cárie dentária não é absoluta,
principalmente em lesões não cavitadas. Assim, S. mutans podem persistir
em alguns locais, sem evidências de desmineralização, enquanto podem
estar ausentes em certas lesões, implicando existência de outras bactérias na
etiologia da cárie dentária.
O fato de algumas superfícies dentárias se apresentarem com número
elevado de S. mutans e sem lesão de cárie pode estar relacionado à estrutura
do biofilme e à localização dessas bactérias na placa, à existência de
espécies consumidoras de lactato (p. ex., Veillonella) e à produção de álcalis
para aumentar o pH (produção de amônia ou arginina por algumas
bactérias).

Propriedades características dos microrganismos


cariogênicos
Os microrganismos associados ao aparecimento da cárie dentária
apresentam certas propriedades características.

Rápido transporte de açúcares fermentáveis


Os microrganismos cariogênicos diferem das espécies não cariogênicas pela
capacidade de transportar rapidamente açúcares fermentáveis, para
obtenção de energia, convertendo-os em ácidos.
S. não mutans e Actinomyces apresentam várias glicosidases
extracelulares, capazes de quebrar o açúcar ou liberá-lo das glicoproteínas
salivares, o que pode ser uma vantagem em relação aos S. mutans e
lactobacilos. Actinomyces ainda têm via metabólica única, utilizando
compostos como polifosfato e pirofosfato como fontes de energia, em vez
do ATP (Takahashi et al., 1995); são frequentemente ureolíticos (Liu et al.,
2006) e podem utilizar o ácido lático como fonte de carbono para o
crescimento (Takahashi e Yamada, 1996). Portanto, os microrganismos
diferem em relação às fontes de nutrientes utilizadas para obtenção de
energia.
Vários tipos de açúcar podem ser encontrados no meio:
monossacarídeos (glicose, frutose, manose e galactose), dissacarídeos
(sacarose, lactose e maltose) e açúcares-alcoóis (sorbitol e manitol). Os
açúcares com baixo peso molecular (monossacarídeos e dissacarídeos) são
mais bem metabolizados que os açúcares de alto peso molecular (amido),
pois estes devem ser quebrados antes de serem incorporados pela bactéria.
Quando há açúcar no meio, ele pode ser translocado para dentro do
citoplasma por intermédio de vários sistemas de transporte. O mais
importante deles é o sistema enzimático fosfotransferase (PTS) (Figura
16.5). O PTS utiliza fosfoenolpiruvato (PEP) como fonte de energia e
resulta no transporte e na fosforilação do açúcar na superfície interna da
bactéria. O PEP é formado na via glicolítica pela ação da enolase sobre o 2-
fosfoglicerato. Essa via pode ser coibida por altas concentrações de
fluoreto, que inibem a enzima enolase, reduzindo significativamente o
metabolismo bacteriano.
Figura 16.5 Sistema enzimático fosfotransferase (PTS), utilizado no transporte de açúcar para o
interior da bactéria.

O PTS consiste em duas proteínas de alta energia acopladas (enzima I


e proteína estável no calor – HPr), e uma coleção de complexos da enzima
II específicos para o açúcar, cada uma servindo como permease (Carlsson,
1997). Iniciando-se com PEP, o PTS catalisa uma sequência de
fosforilações da enzima I (EI) e da HPr, que são requeridas para o
transporte de todos os açúcares-PTS. A HPr produzida a partir do EI-P
transfere o grupo fosforil diretamente para a enzima de membrana II (EII),
específica para o açúcar, que é então fosforilado por essa enzima e, assim,
pode entrar na célula (Figura 16.5). Em alguns casos, a HPr transfere o
grupo fosforil à enzima III (EIII), também específica para o açúcar, antes da
interação com EII.
A via fosfotransferase é estimulada pela baixa concentração de açúcar,
em pH neutro e crescimento lento. Por outro lado, essa enzima é inibida
quando há alta concentração de açúcar, baixo pH, crescimento bacteriano
acelerado e adição de sacarose. A grande quantidade de ATP produzido ao
contato com altas concentrações de açúcar induzirá a fosforilação da serina
encontrada na HPr, tornando-a indisponível para participar do sistema
fosfotransferase. Nesse caso, o açúcar passa a ser transportado pela atuação
de permeases.
O açúcar transportado é direcionado à via glicolítica, cujo objetivo é
produzir energia e precursores para a síntese de material celular e a
sobrevida da bactéria. Um dos açúcares fortemente associado à lesão de
cárie é a sacarose. Além de entrar na célula, a sacarose pode ser
transformada no espaço extracelular por uma variedade de hexotransferases
em polímeros que são polissacarídeos extracelulares (como será visto na
sequência do texto). Também pode ser degradada no espaço extracelular
pela enzima invertase em glicose e frutose, sendo estes açúcares então
transportados para a célula; ou ser fosforilada, produzindo sacarose-P, que
sofrerá hidrólise, produzindo a frutose e glicose-6-P. A glicose-6-P entra na
via glicolítica e é degradada até um produto final, para produzir energia; a
frutose ou é fosforilada de maneira intracelular e entra na via glicolítica; ou
difunde-se para fora da célula, sendo retransportada pela frutose-PTS.
A degradação da glicose pela via glicolítica provê energia na forma de
ATP para as células via fosforilação em nível de substrato ou fosforilação
através do transporte de elétron. Na fosforilação em nível de substrato,
compostos ricos em energia na trajetória são utilizados por enzimas como
substratos para a formação do ATP. Fosforilação por transporte de elétrons
se caracteriza por uma série de eventos que finalmente conservam energia
na forma de gradientes de próton eletroquímicos, através da membrana
celular; essa energia é dirigida para a síntese de ATP (Figura 16.6) pela
transferência de elétrons dos substratos reduzidos na trajetória, via NAD ou
flavoproteínas e moléculas carreadoras de elétrons, aos aceptores finais de
elétrons, como o oxigênio, o nitrato e o fumarato. A transferência de
elétrons resulta na extrusão de prótons das células, criando uma
concentração de gradientes de prótons (interior alcalino) e uma diferença de
carga elétrica (interior negativo) através da membrana. A energia
conservada, chamada força próton-motora, pode ser usada para a produção
de ATP, para movimento flagelar e para prover energia em vários processos
de transporte nas células.
A degradação de glicose a piruvato na via glicolítica resulta na
formação de duas moléculas de NADH + H+ por molécula de glicose
degradada. A molécula de NADH deve ser oxidada a NAD para preservar o
balanço oxidorredutor da célula. Para tanto, quando a concentração de
açúcar na célula é alta, esta reoxidação ocorre pela formação de ácido lático
a partir do piruvato sob atuação da lactato desidrogenase, sendo esta uma
importante via para bactérias dos grupos estreptococos e lactobacilos.
Quando a concentração de açúcar é baixa, há outros padrões
preferíveis de reoxidação do NADH. Para algumas bactérias, outro fator
decisivo é se o ambiente é aeróbico ou anaeróbico. Quando a concentração
de açúcar é baixa, as bactérias convertem o piruvato em ácido acético, ácido
fórmico e etanol, a fim de preservar o balanço oxirredutor e maximizar o
rendimento energético. Sob condições aeróbicas, S. mutans usam piruvato
desidrogenase para converter piruvato a ácido acético e etanol, enquanto S.
mitis e S. sanguis usam piruvato oxidase, obtendo ácido acético e peróxido
de hidrogênio. Já o sistema formato-liase (desativado quando há oxigênio) é
também ativado quando a concentração de açúcar é baixa e sob condições
anaeróbicas. A Figura 16.6 mostra a via glicolítica dentro da bactéria.
Por outro lado, essas bactérias sempre produzirão ácido lático quando
houver excesso de açúcar, tanto em condições aeróbicas como anaeróbicas,
porque o açúcar em excesso ativa a desidrogenase lática (que converte o
piruvato a lactato) e ao mesmo tempo inibe a piruvato-formato-liase
(responsável pela conversão do piruvato a formato, acetato e etanol em
anaerobiose). Já quando há carência de açúcar, os microrganismos que
conseguem produzir mais ATP por mol de açúcar levam vantagem sobre os
outros.
O produto final fornecido por algumas bactérias também pode ser
dependente do tipo de açúcar (p. ex., açúcar-álcool leva à produção de mais
etanol que ácido acético). O produto final pode ser degradado por outros
membros da microbiota, a exemplo da Veillonela que utiliza ácido lático
para a produção de ácido propiônico e acético, bem como H2 e CO2.
Quando esses ácidos não são degradados por bactérias ou neutralizados,
podem causar a desmineralização do esmalte, culminando com o
aparecimento das lesões de cárie.

Figura 16.6 Via glicolítica mostrando entrada de açúcar na célula, produção de energia e liberação
dos produtos finais. ADP: adenosina difosfato; ATP: adenosina trifosfato; HPr: heat-stable protein
(proteína estável no calor); EI: enzima I; EII: enzima II; NAD: nucleotídeo de nicotinamida e adenina.
Em áreas subgengivais, carentes de açúcar, a fonte de nutrientes para
os microrganismos é o fluido gengival, sendo os aminoácidos as fontes de
energia mais importantes, com a formação de vários produtos: ácidos
acético, propiônico, butírico, isobutírico e isovalérico, amônia e CO2
(ocasionalmente). Essa atividade metabólica não altera significativamente o
pH do biofilme.
Já quando há excesso de açúcar (placa supragengival), ocorre a
regulação da taxa de glicólise à produção de polissacarídeo intracelular
(estoque energético). Após a entrada de excesso de açúcar, este é convertido
em ácido lático e glicose-1-P. A glicose-1-P prossegue para a formação de
glicana, um polímero de glicose (a1:4). Para a formação de glicana utiliza-
se 1 ATP. A síntese desse estoque intracelular de glicose só é possível
quando há excesso de nutriente, sendo que a glicose inserida no polímero
poderá ser reutilizada durante os períodos de redução de nutrientes,
originando ATP suficiente para manter a viabilidade celular.

Produção de polissacarídeos extracelulares


Os microrganismos cariogênicos produzem polissacarídeos extracelulares
(PECs) a partir da sacarose. Os PECs incluem glicanos e frutanos, que
contribuem para a formação da matriz da placa. Frutanos podem ser
metabolizados quando há escassez de nutrientes.
As enzimas que produzem PECs (matriz extracelular) só agem sobre
sacarose (Figura 16.7). Por isso, este açúcar é considerado o mais
cariogênico. A glicosiltransferase (fator de virulência bacteriana) age sobre
a sacarose, produzindo os polímeros de glicose (glicanos): dextrana (a1:6) e
mutano (a1:3). A glicosiltransferase produzida por S. mutans pode ser
encontrada na película dentária (GtfC), adsorvida à superfície microbiana
(GtfB), incluindo aqueles microrganismos que não produzem Gtfs (p. ex.,
Actinomyces) quando há sacarose (Jeon et al., 2011; Bowen e Koo, 2011).
A GTfD forma o polissacarídeo solúvel e age como “primer” do GtfB
(Bowen e Koo, 2011; Koo et al., 2013).
A frutose, que entra na via glicolítica, é produto secundário da
glicosiltransferase. A dextrana, solúvel em água, é formada por cadeia
linear (a1:6) e por ramificações (a1:4 e a1:3), sendo degradada pelas
dextranases, quando há necessidade de reserva energética. O mutano tem
cadeia linear (a1:3) e ramificações (a1:4 e a1:6) (Figura 16.7A), é insolúvel
em água e compõe 70% dos carboidratos da placa, sendo responsável pela
adesividade e redução da permeabilidade da placa (Koo et al., 2013). A
adesividade dos microrganismos aos glucanos é mediada pela existência de
enzimas Gtf associadas a células e a proteínas adesivas do tipo não Gtf
(GbpC) (Banas e Vickerman, 2003).
A frutosiltransferase quebra a sacarose, produzindo polímeros de
frutose (levano), e tem a glicose como produto secundário. O levano
apresenta cadeia linear (a1:6) e ramificações (a1:4) (Figura 16.7B),
podendo ser degradado por levanases, por necessidade energética.
Figura 16.7 Produção de polissacarídeos extracelulares (PEC) – (A) glicanos e (B) frutanos – e
intracelulares (PIC). ATP: adenosina trifosfato.

Os PECs podem ser extraídos de biofilmes dentários formados in vitro


e in situ, e analisados por acetilação e ressonância magnética nuclear
(RMN), e os espectros obtidos na RMN podem ser submetidos à análise
multivariada de espectros por PCA (principal component analysis), para a
determinação das proporções de ligações glicosídicas (Aires et al., 2010).
Outro método para análise dos PECs é a extração alcalina e dosagem do
extrato, utilizando o método colorimétrico fenol-sulfúrico (Leitão et al.,
2012).

Tolerância ácida
Os microrganismos cariogênicos apresentam também a capacidade de
manter o metabolismo do açúcar, mesmo sob condições extremas (p. ex.,
pH baixo, que pode ser fator de estresse para as bactérias). Para sobreviver,
as bactérias devem desenvolver mecanismos de tolerância ácida.
Estreptococos e lactobacilos não só permanecem viáveis em pH baixos, mas
crescem e metabolizam preferencialmente nessas condições. Portanto, são
considerados microrganismos acidogênicos e acidúricos, características que
dependem: da habilidade de manter o ambiente intracelular favorável e
bombear prótons, mesmo sob condições ácidas; da existência de enzimas
cujo pH ótimo é ácido; e da produção de proteínas específicas de resposta
ao estresse ácido. Matsui e Cvitkovitch (2010) dividiram o mecanismo de
tolerância ácida em: produção de moléculas de reparo e proteção do DNA e
de proteínas; alteração do metabolismo, para otimizar a captura de glicose
em baixo pH; indução do metabolismo secundário, no qual os prótons
derivados do piruvato são consumidos; regulação do crescimento do
biofilme e da densidade microbiana pelo mecanismo de comunicação
celular quorum sensing; e aquisição de tolerância ácida (manutenção do pH
intracelular pelo aumento das bombas de prótons e alteração da composição
da membrana).

Placa dentária e doença periodontal


As bactérias da placa subgengival (dentro do sulco gengival) vivem em
condições diferentes das bactérias na placa supragengival (coroa). São
protegidas das condições de fartura e carência impostas pela ingestão de
alimentos pelo hospedeiro. Os nutrientes são providos não pela saliva, mas
pelos fluidos gengivais. O açúcar não é tão disponível nessas regiões quanto
nas regiões supragengivais. O biofilme subgengival pode depender de
aminoácidos como fonte de nitrogênio e energia (Carlsson, 1997). O sulco
gengival é hábitat que proporciona pouco acesso ao oxigênio,
principalmente quando a placa possui várias camadas (espessa) e, conforme
a bolsa gengival aumenta, propiciando o acúmulo de bactérias anaeróbicas.
Muitas bactérias da placa subgengival têm atividade proteolítica, sendo
as mais potentes Porphyromonas gingivalis e Treponema denticola. A
atividade proteolítica, combinada com as proteases liberadas pelo tecido,
cria ambiente nutricional rico em peptídios. Essa alta atividade proteolítica
é responsável pelos danos aos tecidos de suporte, que culminam com a
inflamação dos tecidos moles e a reabsorção dos tecidos duros (osso).
O fluido crevicular é rico em proteínas séricas e fatores de
crescimento, o que, associado ao seu alto pH, favorece o crescimento de
bactérias como Porphyromonas e Treponema, que têm relação direta com o
aparecimento da doença periodontal. As bactérias relacionadas ao aumento
da bolsa gengival e à progressão da destruição do tecido de suporte dentário
são as bactérias anaeróbicas gram-negativas (Actinobacillus
actinomycetemcomitans, Porphyromonas gingivalis, Provotella intermedia,
Bacteroides forsythus, Fusobacterium nucleatum, Campylobacter rectus,
Peptostreptococcus micros, Streptococcus intermedius, Treponema
denticola, Eikenella corrodens) (Sbordone e Bortolaia, 2003).
Além da predominância de bactérias específicas organizadas em
biofilme, o aparecimento da doença periodontal tem forte relação com a
resposta do hospedeiro frente ao biofilme (resposta exacerbada ou falta de
resposta). Indivíduos que apresentam determinadas enfermidades (diabetes,
AIDS, depressão), problemas imunológicos, são fumantes ou usuários
crônicos de certos medicamentos são mais suscetíveis a apresentar a
doença.

Cálculo dentário
O cálculo dentário é formado pela precipitação de minerais na placa
dentária, causando sua calcificação. Há dois tipos de cálculo:
supragengival, formado a partir da saliva, e subgengival, formado pelo
exsudato do sulco gengival. Os cálculos supragengivais são mais comuns
próximo à saída de glândulas salivares (superfície vestibular do segundo
molar superior e superfície lingual dos incisivos inferiores); os cálculos
subgengivais também apresentam especificidade para sítio, mas não tão
acentuada quanto os cálculos supragengivais. O nível de cálculo
subgengival é maior nas superfícies linguais que nas vestibulares,
principalmente nos molares inferiores (Jin e Yip, 2002).
As bactérias mortas servem como nucleadoras de precipitação. Os
ácidos fosfolipídios na membrana bacteriana são palavra-chave na
calcificação da placa dentária, pois têm alta afinidade pelo cálcio. A
formação do cálculo depende de algumas características da placa dentária:
supersaturação de íons cálcio e fosfato; ausência de inibidores (magnésio,
difosfanato, pirofosfato, zinco e proteínas salivares, como estaterina e PRP)
ou existência de promotores da calcificação (fosfatases e pirofosfatases
ácidas e alcalinas); e pH alcalino. A alta atividade proteolítica e,
consequentemente, a degradação das proteínas inibidoras da calcificação,
bem como a liberação de alto teor de ureia (degradada em amônia) facilitam
a deposição de cálcio e do fosfato na placa dentária. Os sais de fosfato de
cálcio são depositados na forma de fosfato octacálcio, hidroxiapatita e
fosfato tricálcio β (Jin e Yip, 2002).
Não há desmineralização dentária (cárie dentária) sob cálculo, já que
este meio é supersaturado em relação à apatita, porém o cálculo pode se
formar sobre uma lesão cariosa inativa. O cálculo é fator irritante aos
tecidos periodontais. Vários inibidores de precipitação foram adicionados a
dentifrícios, para reduzir a formação de cálculo dentário e evitar problemas
periodontais, dentre os quais estão a triclosana (antimicrobiano) associada a
gantrez, pirofosfatos, citrato de zinco e cloreto de zinco.
O zinco pode inibir o crescimento do cristal por meio da ligação à
superfície do fosfato de cálcio sólido. No entanto, essa ligação é reversível,
sendo que o zinco pode ser trocado por cálcio. O pirofosfato pode se ligar à
superfície do cristal, inibindo a adsorção de íons fosfato e, assim, pode
inibir o crescimento do cristal. Além disso, o pirofosfato atrasa a conversão
de sais de fosfato de cálcio à hidroxiapatita e reduz a formação da película
adquirida, devido à sua habilidade de deslocar ânions e macromoléculas
carregadas negativamente da superfície dentária. No entanto, o pirofosfato é
rapidamente hidrolisado por fosfatases na cavidade bucal. A adição de um
copolímero pode prevenir a hidrólise do pirofosfato, aumentando a eficácia
do agente anticálculo.

Conclusão e novas perspectivas


Considerando a placa dentária supragengival, deve-se evitar a acidificação
do biofilme mediante controle mecânico a partir da higienização bucal, da
redução da ingestão de açúcar, da estimulação salivar e da aplicação de
agentes remineralizantes. Probióticos (p. ex., L. rhamnosus) e agentes
bactericidas ou bacteriostáticos, como clorexidina ou produtos naturais
(ricos em polifenóis), têm sido testados no controle do biofilme (Beighton,
2009), como será discutido no Capítulo 19.
Com base no impacto da acidificação do biofilme no desenvolvimento
e na progressão da cárie dentária, é interessante utilizar técnicas mais
sofisticadas, como metaboloma e metagenoma, para o entendimento da rede
metabólica da microbiota, informação mais importante que o número e os
tipos de microrganismos encontrados no biofilme. O objetivo da
metaboloma é identificar a rede de metabólitos produzidos pelo biofilme,
com a combinação de cromatografia, separação eletroforética e
espectrometria de massa. Já o metagenoma pode identificar genes
relacionados ao metabolismo (genes que codificam enzimas metabólicas)
(Nyvad et al., 2013). Essas técnicas poderiam ser de grande valia para um
melhor entendimento do biofilme dentário e da resposta do hospedeiro
(Pérez-Chaparro et al., 2014) e na elaboração de estratégias para sustentar
condições clínicas saudáveis.

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N
o Capítulo 12 foi estudada a composição do esmalte e da dentina. Em
resumo, o esmalte é constituído basicamente por mineral (apatita,
96% em peso), com um conteúdo orgânico remanescente bastante pequeno
(4% de proteínas e água); a dentina é constituída por mineral (70% em
peso), porém tem um conteúdo orgânico considerável, principalmente na
forma de colágeno do tipo I (20% em peso), e também contém água (10%
em peso). Quando ácidos entram em contato com os dentes, eles podem
provocar a remoção de mineral, processo conhecido como
desmineralização (Des). A saliva tem capacidade de fazer lavagem dos
ácidos e tamponamento, propiciando que o pH retorne aos níveis próximos
à neutralidade (Capítulo 15), situação na qual pode haver reposição dos
minerais anteriormente perdidos, processo chamado remineralização (Re).
Entretanto, quando os episódios de desmineralização se sobrepõem ao
processo de remineralização, duas lesões dentárias podem se desenvolver: a
cárie e o desgaste dentário erosivo, mais comumente conhecido como
erosão dentária. Sabendo que a composição do esmalte e da dentina é
diferente, em relação às proporções de mineral e matéria orgânica, é de se
esperar que a progressão da cárie e da erosão dentária evolua distintamente
nesses dois tecidos.
Apesar de poder ser facilmente prevenida, a cárie dentária é a doença
crônica mais prevalente em todo o mundo, constituindo-se em um
importante problema de saúde pública e consumindo recursos consideráveis
para o tratamento de suas sequelas. Na União Europeia, em 2011, os gastos
anuais com tratamento dentário foram estimados em 79 bilhões de euros
(Rugg-Gunn, 2013), enquanto nos EUA, este custo foi de 111 bilhões de
dólares em 2012 (Wall et al., 2015). Dados estatísticos relativos aos gastos
com tratamentos dentários no Brasil não estão facilmente disponíveis, mas
em função do desenvolvimento econômico e do IDH (índice de
desenvolvimento humano) de alguns países europeus e dos EUA, pode-se
especular que cifras proporcionalmente aproximadas incidam também em
nosso país. Mundialmente, cerca de 60 a 90% das crianças e quase 100%
dos adultos têm ou tiveram cárie dentária, que frequentemente leva a dor ou
desconforto (WHO, 2012). Em adição, doenças, incluindo a cárie dentária,
são a principal causa da ausência de crianças na escola (Rugg-Gunn, 2013).
Dados de prevalência de desgaste dentário erosivo são mais difíceis de
serem encontrados, especialmente em nível nacional ou global, sem contar
o fato de que os distintos sistemas de registro dificultam a comparação entre
os diferentes estudos. Os poucos dados disponíveis revelam um aumento de
prevalência, variando de 1 a 79% em dentes decíduos de crianças de 2 a 5
anos, 14% nos dentes permanentes de crianças de 5 a 9 anos, de 7 a 100%
em adolescentes de 9 a 20 anos e de 4 a 100% em adultos (18 a 88 anos)
(Jaeggi e Lussi, 2014). Uma revisão sistemática recente estimou a
prevalência de desgaste dentário erosivo em dentes permanentes de crianças
e adolescentes em 30,4% (Salas et al., 2015a). Deve ser considerado que o
desgaste dentário erosivo é progressivo e, se não forem instauradas medidas
preventivas apropriadas em tempo, a prevalência e a severidade tendem a
aumentar com a idade (Jaeggi e Lussi, 2014). Sendo as prevalências de
cárie e desgaste dentário erosivo elevadas e suas sequelas indesejáveis, a
prevenção é altamente necessária e, para sua execução, é fundamental
compreender os mecanismos envolvidos nas reações de desmineralização e
remineralização dentária.
Em linhas gerais, a principal diferença na etiologia da cárie e da erosão
se deve ao fato de os ácidos envolvidos na cárie serem produzidos por
microrganismos estabelecidos em um biofilme cariogênico (Takahashi e
Nyvad, 2011), enquanto os ácidos envolvidos nas lesões erosivas provêm da
dieta (extrínsecos) (Barbour e Lussi, 2014) ou do conteúdo gástrico do
hospedeiro (intrínsecos) (Moazzez e Bartlett, 2014). Também o pH dos
ácidos envolvidos na etiologia destas lesões é diferente. No caso da cárie,
quando o hospedeiro tem uma dieta rica em açúcares, os microrganismos
produzem ácidos, reduzindo o pH do biofilme abaixo do crítico (pH 5,5)
para hidroxiapatita (HAP), mas ficando acima do crítico para a fluorapatita
(FAP; pH 4,5), o que acaba gerando uma desmineralização de
subsuperfície, caracterizada clinicamente como mancha branca (lesão não
cavitada) (Fejerskov e Kidd, 2008). Durante este estágio, ainda é possível
reverter o processo, evitando a cavitação e, consequentemente, a
necessidade de restauração (Stahl e Zandona, 2007). Já no caso da erosão,
embora não exista um pH crítico característico fixo, como no caso da cárie,
o “pH crítico” corresponde a um valor de pH no qual a solução erosiva é
exatamente saturada em relação a um sólido específico, como, por exemplo,
o esmalte. Isto depende tanto da solubilidade do sólido de interesse quanto
das atividades dos constituintes minerais relevantes da solução (cálcio,
fosfato e fluoreto, em menor extensão) (Lussi e Carvalho, 2014). Na erosão
existe subsaturação tanto em relação à HAP quanto em relação à FAP, pois
o pH dos agentes causadores é menor que 4,5, ocasionando inicialmente um
amolecimento da superfície dentária, seguido por dissolução contínua de
camada por camada dos cristais do esmalte, culminando em uma perda
permanente de volume, com uma camada amolecida na superfície do tecido
remanescente. Nos estágios mais avançados, a dentina acaba sendo exposta
(Lussi et al., 2011). Com a exposição dentinária, tanto a progressão da cárie
quanto da erosão sofre mudança expressiva em decorrência da composição
do tecido dentinário.
Neste capítulo serão abordados os mecanismos que levam à
desmineralização e à remineralização dos tecidos dentários, fornecendo
subsídios para que possa ser feito um adequado controle da cárie e da
erosão dentária.

Dinâmica mineral
Os cristais minerais no esmalte e na dentina são similares à HAP,
Ca10(PO4)6(OH)2. Os cristais de HAP têm um formato hexagonal, com os
íons cálcio ocupando os vértices dos hexágonos e o interior dos cristais,
enquanto os fosfatos ocupam as laterais dos hexágonos. As hidroxilas
ocupam o centro dos hexágonos (Figura 17.1). Na verdade, os cristais de
apatita dentária apresentam impurezas, sendo, por isso, conhecidos como
bioapatitas, nas quais pode haver trocas de íons. Os íons Ca+2 podem ser
substituídos por outros cátions, como Mg+2, Na+ ou Sr+2, enquanto os íons
(PO4)–3 podem ser substituídos por ânions, como (CO3)–2, (HCO3)– ou
(HPO4)–2. Já os íons OH– podem ser substituídos por (HCO3)–, Cl– ou F–.
Com essas substituições, haverá alteração na cristalinidade e na
solubilidade. A incorporação de Mg+2 e de (CO3)–2 enfraquece o cristal. Já a
incorporação de F–, formando a FAP, deixa o cristal mais resistente, porque
o raio do F– é menor que o da OH–. Com isso, há uma aproximação dos íons
Ca+2, tornando o cristal mais coeso, além de haver redução da energia de
superfície, estabilizando a estrutura do cristal. Os cristais de apatita do
esmalte são finos (cerca de 50 nm) e longos (cerca de 100 μm), e estão
altamente empacotados, constituindo os prismas de esmalte. O espaço entre
os cristais é ocupado por água (cerca de 11% em volume) e material
orgânico (2% em volume). Por conta do alto conteúdo de HAP no esmalte,
suas propriedades são similares às da HAP pura (densidade = 2,95 g/cm3,
dureza Knoop em torno de 370 KHN e ausência de cor; a coloração
amarelada do dente reflete, na verdade, a cor da dentina subjacente). Apesar
de os cristais de apatita serem incolores, o esmalte é translúcido por conta
da diferença no índice de refração da HAP (1,62) e da água que circunda os
cristais (1,33) (Fejerskov e Kidd, 2008).

Figura 17.1 Cristais de hidroxiapatita.

A estrutura dentária permanece íntegra na cavidade bucal em função


do equilíbrio mineral, que é definido como a capacidade de os minerais
(apatita) manterem sua estrutura inalterada em função do ambiente que os
circunda. No esmalte, os minerais em equilíbrio são mantidos na forma de
cristais organizados e na dentina são mantidos estabilizados pela matriz
orgânica (colágeno). Resumidamente, equilíbrio é a manutenção do esmalte
e da dentina íntegros em função das fases fluidas que os circundam (saliva,
fluido do biofilme e fluido do esmalte). Este processo é determinado por
dois fenômenos que devem estar balanceados para que não haja perda
relevante de minerais para o meio nem ganho excessivo de minerais no
tecido (Fejerskov e Kidd, 2008).
A desmineralização é conhecida como a dissolução dos cristais de
apatita, que pode resultar, ao longo do tempo, no desenvolvimento de uma
lesão superficial (lesão de erosão) ou subsuperficial incipiente (lesão de
cárie inicial). Já a remineralização é o processo no qual ocorre a restauração
dos cristais de apatita parcialmente perdidos (no caso da cárie dentária
apenas), em função da difusão e da precipitação de cálcio e de fosfato
provenientes do meio. Este equilíbrio só é alterado quando o meio (saliva
ou fase fluida do biofilme) se torna subsaturado ou supersaturado em
relação aos íons que compõem a apatita (Ca e P), sendo este grau de
saturação dependente do pH (Fejerskov e Kidd, 2008).
A fim de facilitar o entendimento da dinâmica dos processos de
desmineralização e remineralização, convém recordar conceitos básicos
envolvendo saturação. A água tem grande habilidade para dissolver cristais
inorgânicos. De maneira simplista, se adicionarmos, por exemplo, uma
colher de sal de cozinha (NaCl) a um copo de água e agitarmos,
observaremos que todo o sal se dissolve. Adicionando-se mais uma colher
de sal sob agitação, ainda assim o sal se dissolve na solução. Porém, quando
adicionamos uma terceira colher de sal, perceberemos que ocorrerá uma
precipitação do sal no fundo do copo. Após as duas primeiras colheres de
sal adicionadas, a solução ainda estava subsaturada em relação ao NaCl e,
por isso, houve dissolução do sal. Porém, quando foi adicionada a terceira
colher de sal, a solução tornou-se supersaturada, levando à precipitação
(Figura 17.2). Se o pH da água fosse reduzido, seria necessário adicionar
ainda mais colheres de sal antes que acontecesse a precipitação. Portanto, o
grau de saturação depende do pH da solução. Na cavidade bucal acontece
algo bastante semelhante. O sal, no caso, é a hidroxiapatita, e a água é
representada pela saliva e pelo fluido do biofilme dentário. Se a fase fluida
(fluido do biofilme ou saliva) se apresentar subsaturada em relação ao
cálcio, ao fosfato e à hidroxila que compõem a apatita, a tendência é que
ocorra perda de mineral do dente para o meio (desmineralização), na
tentativa de devolver o equilíbrio. O oposto também é verdadeiro, quando o
meio está supersaturado em relação ao cálcio, ao fosfato e à hidroxila, a
reação é no sentido inverso (remineralização). No entanto, essas situações
(des e remineralização) dificilmente ocorrem na boca em condições
fisiológicas (pH neutro), uma vez que tanto a saliva quanto o biofilme são
supersaturados em relação à HAP e apresentam inibidores da precipitação
de minerais, mantendo o equilíbrio. Assim, existe um equilíbrio químico
entre o esmalte e a fase aquosa que o circunda (Aoba, 2004).

Figura 17.2 Conceito de saturação. Após se adicionar uma ou duas colheres de sal de cozinha a um
copo de água e se agitar, todo o sal se dissolve na água, já que a solução encontra-se subsaturada
em relação ao sal de cozinha. Porém, quando se adiciona uma terceira colher de sal, parte do sal se
precipita, uma vez que a solução ficou supersaturada em relação ao sal.
Para melhor entendimento desse processo, é necessário definir dois
conceitos básicos: produto de atividade iônica com relação à
hidroxiapatita (PAIHAP) e produto de solubilidade da hidroxiapatita
(KSPHAP).
A determinação do grau de saturação de uma solução em relação à
HAP depende do princípio do produto de solubilidade. Esta teoria é
derivada da Lei da Ação das Massas, que afirma que a velocidade de uma
reação é proporcional ao produto das massas das substâncias reagentes,
cada uma elevada à potência do número de moléculas que participam. Por
convenção, quando uma unidade de massa de hidroxiapatita se dissolve, 5
íons cálcio, 3 íons fosfato trivalentes e um íon hidroxila são liberados em
solução (Equação 1) (Aoba, 2004):
Ca5(PO4)3OH ↔ 5Ca+2 + 3PO4–3 + OH– (1)

Então, o PAIHAP é determinado multiplicando-se a concentração do íon


cálcio (ou melhor, sua atividade química) elevado à 5a potência pela
concentração de fosfato trivalente elevado à 3a potência pela concentração
de hidroxila, todos em mol/ℓ (Equação 2):
PAIHAP = (Ca+2)5 3 (PO4–3)3 3 OH– (2)

Em soluções muito diluídas, a atividade de um íon é similar à sua


concentração, mas à medida em que a concentração de sais solúveis
aumenta, a atividade se torna significativamente menor que a concentração,
devido às interações iônicas. Assim, para o cálculo do PAIHAP, consideram-
se apenas as concentrações dos íons Ca2+, PO4–3 e OH– livres ativos na fase
líquida que circunda o esmalte.
Quando uma solução contendo HAP está saturada e o mineral está em
equilíbrio com os íons em solução, o PAIHAP é igual ao KSPHAP (uma
constante que tem um valor de 7,41 3 10–60 mol9/ℓ 9 a 37°C) (Fejerskov e
Kidd, 2008). Então, no equilíbrio (Equação 3):
PAIHAP = KSPHAP = (Ca+2)5 3 (PO4–3)3 3 OH– = 7,41 3 10–60 mol9/
ℓ9 (3)

Em uma linguagem bastante simples, pode-se dizer que o PAIHAP depende


da concentração de íons Ca+2, PO4–3 e OH– livres ativos na fase líquida que
circunda o esmalte (quanto existe de íons livres para formar HAP),
enquanto o KSPHAP é uma constante previamente definida (quanto precisa
de íons livres para formar HAP), que muda em função do pH. Assim, toda
vez que o PAIHAP for maior que o KSPHAP, isto significa que há mais íons
livres no meio do que é necessário para formar HAP, havendo, portanto, a
remineralização (supersaturação). Em uma situação inversa, na qual o
PAIHAP é menor que KSPHAP, há menos íons livres no meio do que é
necessário para formar HAP, havendo, portanto a desmineralização
(subsaturação) (Aoba, 2004; Buzalaf, 2013) (Figura 17.3).
O produto de atividade é relativamente constante na fase fluida, já que
o seu maior determinante é a concentração salivar de Ca+2 e PO4–3, ditada
pela atividade das glândulas salivares. Já o produto de solubilidade é
variável, sendo determinado em função do pH do ambiente e do tipo de
apatita (pura, carbonatada ou fluoretada). O produto de solubilidade
aumenta em função da queda do pH, ou seja, quanto mais baixo for o pH,
maiores serão as concentrações de cálcio e de fosfato requeridas para
formar apatita (Aoba, 2004; Buzalaf, 2013) (Figura 17.4).
Em um pH em torno de 5,5, pode-se observar que a concentração de
Ca2+ existente na fase fluida (atividade) é exatamente igual à concentração
requerida para formar apatita no esmalte (solubilidade). Este pH é definido
como pH crítico, no qual o meio é exatamente saturado em relação à HAP,
ocorrendo equilíbrio químico. Nos valores de pH acima do crítico, a
concentração de Ca+2 existente na fase fluida (atividade) é superior à
requerida para formar apatita no esmalte (solubilidade). Nesta situação
existe supersaturação, ocorrendo a remineralização (formação de HAP)
(Figura 17.4) ou ainda formação de cálculo dentário (Aoba, 2004; Buzalaf,
2013). A formação de cálculo é dependente da saturação de minerais na
saliva e no fluido do biofilme, assim como da presença de componentes de
semeadura no biofilme e da ausência de inibidores de precipitação.

Figura 17.3 Dinâmica mineral em função do PAIHAP e KSPHAP.


Figura 17.4 Efeito do pH no produto de solubilidade da hidroxiapatita (KSPHAP), expresso em termos
da concentração de Ca+2 (Buzalaf, 2013). O produto de atividade iônica (PAIHAP) é relativamente
constante (cerca de 2 mmol/ ℓ ; linha verde), já que é determinado pela atividade das glândulas
salivares. Já o KSPHAP, expresso em função da concentração de Ca2+ (curva descendente em vermelho
e amarelo) é maior quanto menor for o pH. Assim, em pH < 5,5, PAIHAP < KSPHAP, ou seja, há menos
Ca+2 disponível no meio do que é necessário para formar hidroxiapatita (subsaturação), ocorrendo
desmineralização. Já no pH > 5,5, PAIHAP > KSPHAP, ou seja, há mais Ca+2 disponível no meio do que é
necessário para formar hidroxiapatita (supersaturação), ocorrendo remineralização. O pH no qual a
saliva é exatamente saturada em relação à hidroxiapatita é chamado de pH crítico (5,5), situação em
que há equilíbrio mineral.

Por outro lado, em pH mais baixos, como, por exemplo, pH 4,5, seria
necessário em torno de 7,5 mM Ca+2 na fase fluida para formar HAP,
concentração muito maior que a existente na saliva (em torno de 2 mM).
Nesta situação, existe subsaturação, ocorrendo a desmineralização
(dissolução da HAP) (Aoba, 2004; Buzalaf, 2013). No pH entre 4 e 7, a
solubilidade da apatita fica 10 vezes maior quando o pH é reduzido em 1
unidade.
Em resumo, em valores de pH menor que 5,5 há uma tendência para
desmineralização no esmalte, havendo dissolução de HAP; e em valores
acima de 5,5 há uma tendência para ocorrência de remineralização no
esmalte (formação de HAP). Diferentemente da HAP, o pH crítico da
fluorapatita (FAP) é mais baixo (em torno de 4,5), o que confere a esse
cristal maior resistência à dissolução.
No caso da cárie dentária, quando as bactérias da cavidade bucal
produzem ácidos (ácido lático, especialmente), geralmente o pH se mantém
entre 4,5 e 5,5 (Figura 17.5). Nessa situação, diferentemente do que ocorre
para a HAP, existe supersaturação para a FAP, cujo pH crítico é de 4,5 em
consequência do seu menor produto de solubilidade quando comparada à
HAP. Portanto, em uma situação de pH 5 (na presença do ácido lático),
haverá a dissolução da HAP (Figura 17.5) e a deposição de FAP. Como a
FAP é depositada principalmente na região superficial, em um desafio
subsequente vai haver a desmineralização da HAP localizada na
subsuperfície e formação de mais FAP na superfície. Ao longo do tempo,
após sucessivas reações de des- e remineralização, havendo predomínio da
desmineralização, as alterações do esmalte ficarão visíveis clinicamente
com o aparecimento da mancha branca, o primeiro sinal da cárie dentária
(Figura 17.6). Essa lesão é caracterizada microscopicamente como
subsuperficial, em que há perda de HAP na subsuperfície e deposição de
FAP na superfície. Vários outros fatores contribuem para a manutenção da
camada superficial intacta na lesão inicial de cárie: maior conteúdo mineral,
vias de difusão mais estreitas, orientação diferente dos cristais e menor
conteúdo de CO3–2 e Mg+2 na região superficial (Featherstone, 2004).
No caso da cárie dentária, o fator que irá determinar a queda do pH é a
cariogenicidade do biofilme dentário. Entre as bactérias que compõem o
biofilme dentário, têm-se os estreptococos do grupo mutans e os
lactobacilos, que são altamente acidogênicos, sendo capazes de metabolizar
açúcares e produzir ácidos (no caso, ácido lático), mesmo em condições
críticas do ambiente. Isto causa uma queda de pH em torno de 5, sendo
capaz de alterar o equilíbrio mineral, se o ambiente circundante não
conseguir equilibrar este pH rapidamente. Dependendo da frequência com
que esses ácidos são produzidos pelas bactérias, o processo de
desmineralização pode predominar em relação à remineralização, levando,
ao longo do tempo, à formação da lesão cariosa (Featherstone, 2004).
Figura 17.5 Curva de Stephan, mostrando a queda do pH no biofilme, ao longo do tempo, após
consumo de açúcar e produção de ácidos pelas bactérias do biofilme. O pH diminui rapidamente
após o consumo de açúcares, mantendo-se entre 4,5 e 5. Nesta situação, há subsaturação em
relação à hidroxiapatita, que irá se dissolver da subsuperfície do esmalte (desmineralização; DES),
mas ao mesmo tempo há supersaturação em relação à fluorapatita, que irá se depositar na
superfície do esmalte. O pH do biofilme vai sendo lentamente restabelecido, por conta da ação
salivar, e quando alcançar novamente índice superior a 5,5, vai ocorrer remineralização (RE).
Figura 17.6 Lesão de cárie inicial (mancha branca), formada após períodos sucessivos de des e
remineralização, havendo predomínio da primeira. A. Incisivos permanentes com lesão de mancha
branca na cervical e lesão já cavitada na mesial do dente 12. B. Incisivos decíduos com lesão de
mancha branca na cervical e lesão já cavitada na incisal do dente 51. (Foto B gentilmente cedida
pela Profa. Daniela Rios, da FOB-USP.)

Quando os ácidos bacterianos se dissociam em água, eles liberam íons


hidrogênio (quanto mais íons hidrogênio liberados, menor o pH), os quais,
por sua vez, combinam-se com os íons carbonato e/ou fosfato presentes no
meio (sistema tampão da saliva e do biofilme). Com o efeito acumulativo
dessas quedas de pH, o meio perde a sua capacidade de tamponamento,
tornando-se insaturado em relação ao fosfato e ao carbonato. Desse modo,
os íons hidrogênio passam a interagir com o carbonato e o fosfato presentes
no tecido dentário, mas para isso há uma quebra da HAP, resultando em
desmineralização da área de contato (Equação 4).
Ca10-x Nax(PO4)6-Y(CO3)Z(OH)2-UFU + 3H+ → (10-x)Ca+2 + 3 Na+ + (6-y)
(HPO4–2) + z(HCO3–) + H2O + uF– (4)

Para que a cárie ocorra no esmalte, o biofilme dentário deverá apresentar


frequentemente um pH inferior a 5,5 ou estar insaturado em relação aos
íons da apatita. Isto pode ser extrapolado para a dentina? Por conter mais
carbonato em sua estrutura e os cristais serem menores que os do esmalte, o
pH crítico deste tecido é um pouco mais alto (em torno de 6,2), o que faz
com que a dentina se desmineralize mais facilmente quando ocorrem
pequenas oscilações de pH. Durante a desmineralização, o conteúdo
mineral da dentina é primeiramente dissolvido, expondo o colágeno.
Enquanto o colágeno estiver presente, ele servirá como barreira de difusão
ao ácido (Klont e ten Cate, 1990), diminuindo a velocidade da
desmineralização. Entretanto, o baixo pH também provoca ativação de
metaloproteinases da matriz (Tjäderhane et al., 1998; 2015), que irão
degradar a matriz orgânica desmineralizada, permitindo que, nos próximos
desafios cariogênicos, ocorra mais desmineralização e, por esse motivo, a
lesão progrida. Na lesão de dentina radicular, há invasão microbiana pela
presença de um arcabouço de colágeno, o que não acontece com o esmalte.
Adicionalmente, além das fases acidogênicas e acidúricas, há também a
fase proteolítica, em que bactérias, como Prevotella intermedia, Prevotella
denticola e Propionibacteria acnes, são capazes de degradar proteínas já
desnaturadas pela alteração de pH e atuação das proteases do hospedeiro,
colaborando com o avanço da lesão (Takahashi e Nyvad, 2016).
Quando a lesão chega próximo à dentina, a principal reação de defesa
do complexo dentinopulpar é a formação de minerais dentro dos túbulos.
Este fenômeno é denominado esclerose dentinária. Conforme a lesão
cariosa progride dentro da dentina, também se forma a dentina reacionária
no teto da câmara pulpar (Fejerskov e Kidd, 2008). Com a progressão da
lesão de cárie em dentina, as bactérias penetram nos túbulos, destroem os
processos odontoblásticos, cessando a produção de dentina esclerótica, o
que pode levar, a curto prazo, à inflamação pulpar exacerbada, e a
consequente necrose pulpar, devido à liberação de metabólitos bacterianos
que estimulam a resposta do hospedeiro.
O biofilme dentário sempre estará presente e metabolicamente ativo e
flutuações de pH ocorrerão rotineiramente. Dessa maneira, parece que a
desmineralização sempre ocorrerá como um fenômeno natural (Fejerskov e
Kidd, 2008). É como se ela não pudesse ser prevenida, mas sim controlada,
por meio da remineralização subsequente. Vários fatores podem interferir
neste processo, como dieta, espessura do biofilme e presença de fluoreto,
mostrando o quanto o processo é complexo. Como o fluoreto pode
interferir? Como explicado anteriormente, o pH crítico para a FAP é de 4,5,
isto é, para que a mesma se dissolva, a queda do pH tem que ser maior do
que para HAP ou apatita carbonatada. A presença constante de fluoreto em
baixas concentrações reduz a desmineralização e aumenta a remineralização
(Buzalaf et al., 2011; Buzalaf, 2013), como será visto no Capítulo 18.
Por outro lado, no caso da erosão dentária, o pH diminui para valores
muito baixos, por exemplo, quando há ingestão de bebidas ácidas (pH 2,5 a
3,5) ou ainda retorno do conteúdo gástrico para a cavidade bucal (pH 1,5 a
2), haverá subsaturação tanto com relação à HAP quanto com relação à
FAP, fazendo com que ambas as fases minerais sejam perdidas da superfície
dentária e que uma fina camada subjacente a ela torne-se amolecida (Lussi
e Carvalho, 2014).
A erosão dentária é uma condição multifatorial envolvendo fatores
químicos relacionados ao agente erosivo (como pH, tipo de ácido,
concentração e grau de saturação), fatores biológicos relacionados ao
indivíduo (fluxo salivar, qualidade da película adquirida e do dente) e
fatores comportamentais (hábitos dietéticos, indução de vômitos) (Lussi et
al., 2006). Para prevenção da erosão é essencial trabalhar com esses fatores
(Magalhães et al., 2009). De acordo com revisões sistemáticas, a bulimia
aumenta o risco de erosão em 19,6 vezes (Hermont et al., 2014). Já alguns
hábitos alimentares, como o consumo frequente de refrigerantes e de balas
ácidas, podem aumentar em 1,61 vez e 2,24 vezes, respectivamente, o risco
à erosão dentária (Salas et al., 2015b).
O processo induzido por essas fontes de ácido é chamado de
desmineralização próxima à superfície (Shellis et al., 2013),
característico da erosão dentária (Figura 17.7). Havendo novos desafios
erosivos, ocorrerá dissolução camada por camada dos cristais do esmalte,
levando à perda permanente de um volume de tecido dentário, mas sempre
havendo uma camada amolecida no tecido remanescente (Lussi et al.,
2011). Essa camada amolecida é suscetível a desafios abrasivos e, por conta
disso, tem sido recomendado postergar a escovação por 30 a 60 minutos
após um desafio erosivo (Rios et al., 2006), a fim de que haja tempo hábil
para a saliva promover um certo reendurecimento dessa superfície
amolecida, antes de a mesma ser submetida à abrasão pela escovação.
Recentemente essa recomendação tem sido questionada em virtude dos
resultados de um estudo epidemiológico, que não encontrou associação
entre o grau de desgaste e o período de espera para escovar os dentes após o
café da manhã (Bartlett et al., 2013). Assim, não há um período de espera
para escovação após um desafio erosivo que possa ser generalizado para
todos os indivíduos (Lussi e Carvalho, 2014). Para indivíduos de alto risco
à erosão, entretanto, até que se tenham mais evidências, recomenda-se
esperar cerca de 30 a 60 minutos para escovar os dentes após um desafio
erosivo. Nos estágios mais avançados da erosão dentária, a dentina acaba
sendo exposta (Lussi et al., 2011). Com a exposição dentinária, os desafios
erosivos subsequentes, à semelhança do que acontece na cárie, irão
dissolver os minerais e ao mesmo tempo expor a camada orgânica
desmineralizada à ação de proteases do hospedeiro (Buzalaf et al., 2012).
Sabendo-se que a camada orgânica desmineralizada, quando preservada,
reduz a progressão da erosão dentinária, por atuar como uma barreira para a
difusão dos ácidos (Kleter et al., 1994), uma estratégia que vem sendo
proposta para controlar a progressão da erosão na dentina é o emprego de
inibidores de proteases, como a clorexidina e o galato de epigalocatequina
(EGCG) (Buzalaf et al., 2015; Tjäderhane et al., 2015). Esses agentes têm
mostrado bons resultados na redução da erosão dentinária, especialmente
quando empregados na forma de géis de aplicação tópica (Kato et al.,
2010).
No caso da erosão dentária, o fluoreto presente na cavidade bucal não
é capaz de reduzir a desmineralização e acelerar a remineralização como
ocorre na cárie dentária (Capítulo 18). Nesse caso, a sua precipitação sobre
a superfície dentária somente a protegerá mecanicamente em relação ao
ácido, sendo perdida durante o desafio erosivo e necessitando de
reaplicações frequentes (Magalhães et al., 2011).

Características microscópicas e clínicas das


lesões cariosa e erosiva
Quando ocorre a desmineralização do esmalte, há destruição superficial
leve, alargando os espaços intercristalinos. Conforme a porosidade
aumenta, mais ácido penetra no esmalte, resultando na saída de mais cálcio
e fosfato do dente e destruição do centro dos prismas, local onde há maior
concentração de magnésio e bicarbonato, que são mais solúveis, chegando à
destruição do esmalte interprismático (Frank, 1990). Esses minerais que
saem da camada mais interna do tecido se depositam na superfície,
favorecendo, dessa maneira, a remineralização dos 20 a 50 μm externos da
superfície, especialmente na presença do fluoreto. Portanto, a lesão progride
muito mais interna do que externamente. Além da supersaturação
superficial, proteínas salivares ricas em prolina e outros inibidores salivares,
como a estaterina, também parecem ter um papel protetor na
desmineralização. Estes inibidores, particularmente prevalentes na película,
têm uma função dupla: previnem a precipitação espontânea e seletiva de
fosfato de cálcio ou o crescimento de cristais desses sais diretamente sobre
a superfície do esmalte (remineralização), além de também tenderem a
inibir a desmineralização. Estas proteínas são macromoléculas e, por isso,
não conseguem penetrar em profundidade no esmalte, apresentando um
papel estabilizador limitado à superfície do esmalte (Aoba, 2004; Fejerskov
e Kidd, 2008). Essa perda mineral subsuperficial culmina clinicamente com
o aparecimento da mancha branca (Arends e Christoffersen, 1990).

Figura 17.7 Erosão dentária: bebidas com pH muito baixo ou o retorno do conteúdo gástrico para a
cavidade bucal causam subsaturação com relação à hidroxiapatita (HAP) e à fluorapatita (FA),
levando à perda de minerais na superfície dentária e um pouco abaixo dela, processo chamado de
desmineralização próxima à superfície. A camada superficial remanescente fica amolecida.

A mancha branca, microscopicamente em um corte longitudinal,


apresenta quatro zonas: a camada superficial intacta, rica em fluoreto e
proteínas insolúveis, com um volume de poros menor que 1%
(profundidade de 20 a 50 μm); corpo da lesão, onde há maior perda mineral
com volume de poros maior que 5% (30 a 110 μm); zona escura, que recebe
este nome, pois se apresenta escurecida quando examinada em luz
transmitida com embebição em quinolina e contém 2 a 4% de volume de
poros, alguns maiores e outros menores (microporos), formada em
consequência de múltiplos processos de dese remineralização; zona
translúcida, mais interna, com poucos poros grandes e conteúdo reduzido de
carbonato e magnésio em função da remineralização (Figura 17.8)
(Fejerskov e Kidd, 2008).
A mancha branca reflete um aumento da porosidade do esmalte, que
aparece clinicamente devido a mudanças nas propriedades ópticas do
tecido. A HAP tem um índice de refração (IR) de 1,62; já o ar e a água
apresentam um IR de 1 e 1,33, respectivamente. Com o aumento da
porosidade, há entrada de ar no tecido, que preenche os poros, dando o
aspecto esbranquiçado após a secagem da superfície. Nestas situações,
provavelmente a lesão está mais superficial (Figura 17.6). Se a mancha
branca for visível em ambiente úmido, reflete maior desmineralização em
profundidade (maior quantidade de poros), já que a diferença entre o IR da
água e da HAP não é tão grande quanto a do IR da HAP em relação ao ar.
Nessas situações, a desmineralização geralmente já chegou até a dentina
(Fejerskov e Kidd, 2008).
Outro aspecto clínico importante é que a diminuição da translucidez do
esmalte (opacidade) reflete que a mancha branca está ativa e que se nenhum
tratamento for realizado, há grande chance de haver a cavitação. Dentre os
tratamentos, tem-se a aplicação tópica de fluoreto. Com a paralisação na
progressão da lesão, há remineralização, com diminuição da porosidade na
superfície, e ela tende a se apresentar mais brilhante. Em alguns casos, com
a cronificação, a lesão pode se tornar escurecida pela irregularidade
superficial que favorece a pigmentação por agentes extrínsecos (Fejerskov e
Kidd, 2008).
Nas lesões de cárie no estágio de mancha branca, na presença de
fluoreto em um ambiente bucal com pH acima de 4,5, há deposição de FAP
na camada superficial, pois o meio se encontra saturado em relação a este
mineral. A FAP formada apresenta uma estrutura mais cristalina, o que
torna a superfície mais resistente e diminui a saída de íons da camada mais
interna para o meio, assim como possibilita remineralização mais
superficial que profunda. Portanto, no estágio inicial a lesão cariosa é
reversível (Featherstone, 2004). A reversibilidade da lesão inicial de cárie
do tipo mancha branca já é conhecida de longa data. Em 1966, em um
trabalho bastante clássico, Backer Dirks examinou 184 superfícies
vestibulares de primeiros molares permanentes superiores quando crianças
tinham 8 anos, dividindo-as em 3 categorias: superfícies sadias, com lesão
de mancha branca ou com cavitação. Nesse primeiro exame, 93 superfícies
se apresentavam sadias, 72 com lesões de mancha branca e 19 com
cavitação. Quando as mesmas superfícies foram novamente examinadas
após 7 anos, sem ter sido feito nenhum tipo de tratamento, das 72
superfícies que anteriormente apresentavam manchas brancas, 37 tinham se
tornado sadias (Backer Dirks, 1966). Para o entendimento desses
resultados, deve ser lembrado que, aos 8 anos, os molares não se encontram
totalmente irrompidos, o que implica que a coroa clínica dos mesmos
aumentou no período entre 8 e 15 anos. Isso significa que a região da
mancha branca pode ter deixado de estar recoberta pelo biofilme ao longo
do tempo, e por conta disso foi possível a reversão espontânea da lesão. De
fato, o fluoreto é um grande aliado no controle da lesão de cárie, entretanto,
para que haja a reversão da lesão in vivo, é fundamental haver remoção
mecânica do biofilme cariogênico.
Figura 17.8 Zonas da lesão de mancha branca: camada superficial (S), corpo da lesão (C), Zona
escura (E) e zona translúcida (T).

A cárie em dentina envolve invasão microbiana, desmineralização e


degradação do conteúdo orgânico, assim como resposta do tecido pulpar.
Na coroa, a dentina somente é atingida com a cavitação do esmalte,
podendo se apresentar amolecida e bem amarelada (típico de lesão ativa) ou
mais escurecida e endurecida (típico de lesões crônicas). As lesões cariosas
em dentina radicular têm uma particularidade, pois são mais largas que
profundas e a progressão é mais lenta, o que se deve à maior facilidade de
limpeza em comparação à lesão em coroa e ao efeito tamponante do fluido
gengival (Takahashi e Nyvad, 2016).
A erosão, por outro lado, apresenta-se como desgaste dentário, como
se o dente tivesse sido desgastado por brocas ou discos (Figura 17.9A). O
desgaste dentário pode ser ocasionado não somente pela erosão, mas
também pelos processos de abrasão (contato de agente externo com o dente
como escovação, hábitos de palitar os dentes ou roer as unhas. No caso da
escovação vigorosa, este tipo de desgaste aparece na região cervical como
linhas de desgaste associado à recessão gengival), atrição (contato dente-
dente devido a apertamento ou bruxismo, induzindo ao desgaste em áreas
de contato oclusal; Figura 17.9C) ou abfração (lesões em forma de cunha na
superfície vestibular de pré-molares e molares por contato oclusal
patológico; Figura 17.9B). Estes processos em geral estão associados à
etiologia do desgaste dentário.
As lesões erosivas são mais amplas que profundas, sendo que nas
superfícies lisas, há proteção do halo próximo à gengiva pelo fluido
gengival (Figura 17.9A); já nas superfícies oclusais os desgastes se
assemelham ao formato de pires, envolvendo algumas regiões que podem se
coalescer, as restaurações quando presentes se tornam proeminentes, pois
não são afetadas pelo processo erosivo (formando ilhas de metal; Figura
17.9D). Em geral, a superfície se apresenta brilhante pela remoção da
camada superficial mais amolecida, assim como a dentina apresenta-se
endurecida diferentemente da dentina afetada pelo processo carioso. A
atividade da lesão pode ser estimada pela idade do paciente, presença ou
não de pigmentação e de sensibilidade (Shellis e Addy, 2014).
Figura 17.9 Lesões não cariosas. A. Erosão na vestibular dos incisivos. Notar a presença da crista de
esmalte na região cervical do dente 21. B. Abfração nos dentes 24 e 26. C. Atrição na superfície
palatina e incisal dos incisivos. D. Ilhas de metal na superfície oclusal acometida por erosão. (Foto A
gentilmente cedida pela Profa. Daniela Rios e fotos B e C gentilmente cedidas pela Dra. Régia
Zanatta.)

Conclusão
Embora tanto as lesões de cárie e de erosão sejam causadas por ácidos, as
características dos ácidos envolvidos, bem como as condições de formação
dessas lesões, são bastante distintas. Essas diferenças têm um papel
preponderante nas características clínicas e microscópicas dessas lesões.
Um conhecimento aprofundado sobre o mecanismo das reações de
desmineralização e remineralização é fundamental para que as mesmas
possam ser apropriadamente controladas.

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O
flúor é um componente natural da biosfera, sendo o 13o elemento
mais encontrado na crosta terrestre. Pertence à família dos halogênios
e em temperatura ambiente é um gás de cor amarelo-pálida. Por ser
altamente eletronegativo, encontra-se associado a outros elementos, na sua
forma iônica (fluoreto).
Curiosamente, o efeito benéfico do uso dos fluoretos no controle da
cárie dentária foi descoberto por acaso nas primeiras décadas do século 20,
quando se observou que residentes de determinadas áreas dos EUA
apresentavam manchas nos dentes, cuja prevalência e gravidade tinham
relação direta com o teor de fluoreto presente na água. O desejo de se
investigar essa relação deu origem ao “Estudo das 21 Cidades”, por meio do
qual os diferentes níveis de fluoreto naturalmente presentes na água dessas
cidades foram relacionados às prevalências de cárie e fluorose dentária nos
adolescentes nelas residentes. Esse clássico estudo realizado pela equipe de
Trendley Dean foi um marco na Epidemiologia e forneceu a base para a
fluoretação controlada da água de abastecimento público visando ao
controle da cárie dentária. Observou-se que a presença de fluoreto na água
em uma concentração em torno de 1 mg/ ℓ promovia máxima redução no
CPOD (índice de dentes cariados, perdidos ou obturados) e que, quando o
teor excedia 1,5 mg/ℓ, não havia melhora significativa no índice de cárie,
mas havia um aumento na prevalência e severidade da fluorose dentária
(Dean et al., 1941; 1942). Após os resultados desses estudos, em 1945, a
fluoretação da água de abastecimento público começou a ser implementada
como medida para o controle da cárie dentária (Arnold et al. 1953). Nessa
época, acreditava-se que, para que o máximo efeito cariostático fosse
exercido, o fluoreto deveria ser incorporado à estrutura do esmalte dentário
durante o seu desenvolvimento. Para tal, o fluoreto deveria ser ingerido
(efeito sistêmico).
No início da década de 1980, foi proposta uma mudança no paradigma
relacionado aos mecanismos cariostáticos dos fluoretos (Fejerskov et al.,
1981). Propôs-se que seu efeito predominante para o controle da lesão
cariosa seria tópico, por meio de uma atuação nos processos de
desmineralização e remineralização que acontecem na interface entre a
superfície dentária e os fluidos bucais. Este conceito logo se tornou
amplamente aceito (ten Cate e Duijsters, 1983; Ogaard et al., 1988; 1991;
ten Cate e Featherstone, 1991) e trouxe a possibilidade de se obter a
máxima proteção contra a cárie dentária, sem que houvesse a necessidade
de uma grande ingestão de fluoreto. Desse modo, voltou-se a atenção para o
controle da quantidade de fluoreto ingerido, o que, associado ao aumento na
prevalência de fluorose dentária (Khan et al., 2005), levou muitos
pesquisadores a investigarem as principais fontes de ingestão de fluoreto,
que se constituem nos principais fatores de risco para a fluorose dentária
(Mascarenhas, 2000). A dose ótima de ingestão diária de fluoreto ainda hoje
utilizada quando se almeja a prevenção contra cárie e fluorose dentária
(entre 0,05 e 0,07 mg/kg de peso corporal/dia) foi, na verdade, estabelecida
empiricamente (Burt, 1992). Após décadas de estudo do tema, ainda não há
evidências científicas sólidas em relação à adequação desta dose. Não se
trata de uma tarefa fácil, uma vez que vários fatores afetam o metabolismo
dos fluoretos, alterando a relação entre a quantidade ingerida desse íon e o
risco de ocorrência de fluorose dentária e esquelética (Buzalaf e Whitford,
2011).
O objetivo desse capítulo será fornecer subsídios para a utilização
racional dos fluoretos para prevenção contra cárie dentária. Para tanto,
abordaremos as principais fontes de ingestão de fluoreto, o metabolismo
desse íon no organismo e quais fatores o afetam, de que maneira a ingestão
excessiva de fluoretos é tóxica para o organismo e como evitar essa
toxicidade, bem como os mecanismos pelos quais os fluoretos são capazes
de controlar a cárie dentária.

Fontes de ingestão de fluoretos


O fator de risco mais importante para fluorose dentária é, de fato, a
quantidade total de fluoreto ingerida a partir de todas as fontes, durante o
período de formação dos dentes (Mascarenhas, 2000). Para a dentição
permanente como um todo (com exceção dos terceiros molares, o período
de risco compreende os primeiros 6 a 8 anos de vida (Pendrys, 1990; 1999).
Entretanto, os incisivos centrais superiores permanentes são os dentes que
apresentam maior comprometimento estético quando acometidos pela
fluorose, para os quais o período crítico parece ser entre 15 e 24 meses para
os meninos e 21 a 30 meses para as meninas (Evans e Darvell, 1995),
embora uma metanálise tenha relatado que o risco de fluorose esteja mais
relacionado à exposição total cumulativa ao fluoreto da dentição em
desenvolvimento, que a períodos críticos mais específicos (Bardsen, 1999).
Portanto, deve-se monitorar e ter cuidado com a ingestão de fluoreto por
crianças principalmente até os 3 anos de idade, a fim de se evitar o
acometimento dos incisivos superiores, que são os dentes mais relevantes
do ponto de vista estético. Além do período, a duração cumulativa de
exposição ao fluoreto também é um fator importante (Hong et al., 2006a e
b).
A dose diária máxima de ingestão de fluoreto, acima da qual se
acredita que o risco de fluorose dentária esteja aumentado, também ainda
não está precisamente definida. Apesar de sua gênese duvidosa, por ter sido
empiricamente estabelecida, uma ingestão diária de fluoreto entre 0,05 e
0,07 mg/kg de peso corporal ainda é em geral considerada como ótima para
o controle da cárie dentária e para evitar fluorose dentária de preocupação
estética (McClure, 1943; Farkas e Farkas, 1974; Burt, 1992). Alguns
autores consideram 0,1 mg/kg de peso corporal/dia como o nível de
exposição acima do qual a fluorose ocorre (Forsman, 1977), enquanto
outros relataram ocorrência de fluorose mesmo com exposição diária ao
fluoreto tão baixa quanto 0,03 mg/kg de peso corporal (Baelum et al.,
1987). Esta disparidade entre as doses ocorre porque vários fatores
interferem no metabolismo do fluoreto pelo organismo (Buzalaf e Whitford,
2011).
O único estudo de coorte bem conduzido que procurou correlacionar a
dose de ingestão diária de fluoreto à ocorrência de cárie e fluorose (Iowa
Fluoride Study) evidenciou que crianças livres de cárie e de fluorose aos 9
anos tiveram ingestão diária de fluoreto de 0,05 mg/kg de peso corporal ou
menor em diferentes períodos dos seus 4 primeiros anos de vida. Aquelas
com cárie tiveram exposições ao fluoreto ligeiramente menores, enquanto
as com fluorose, um pouco maiores, havendo grande sobreposição entre os
grupos com cárie e fluorose. Por conta disto, os autores desencorajaram
uma recomendação estrita de uma ingestão de fluoreto “ótima” (Warren et
al., 2009). Assim, o parâmetro empiricamente estabelecido de 0,05 a 0,07
mg/kg de peso corporal ainda continua a ser utilizado quando se precisa
estimar a ingestão “ótima” de fluoreto.
Com base no exposto, serão abordadas as múltiplas fontes de ingestão
de fluoreto identificadas nos trabalhos realizados até o momento, com
ênfase aos fatores de risco para a fluorose dentária. Também serão
propostas algumas medidas que poderiam ser adotadas para reduzir a
ingestão desse íon. Essas informações são de grande interesse para a equipe
de saúde, especialmente odontopediatras e médicos pediatras, a fim de que
um adequado aconselhamento em relação à ingestão de fluoreto possa ser
repassado aos pais das crianças em idade de risco para a fluorose dentária
(Buzalaf, 2013).

Água fluoretada
Por ser um método de grande abrangência, beneficiar todos os grupos
socioeconômicos e ter uma excelente relação custo-benefício, a fluoretação
das águas de abastecimento público é considerada uma das dez melhores
medidas de saúde pública do mundo, sendo comparada, por exemplo, às
vacinas para erradicação doenças (CDC, 1999). No Brasil, a um custo
médio de R$ 1,00/pessoa/ano, pode-se chegar a uma prevenção contra
cáries em torno de 50% por meio da fluoretação das águas de abastecimento
(Narvai, 2001; Ramires e Buzalaf, 2007).
Sabe-se desde os primeiros estudos relacionados à fluoretação das
águas que cerca de 10% das crianças residentes em áreas otimamente
fluoretadas (1,0 ppm) desenvolvem fluorose muito suave ou suave, contra
apenas 1% das crianças que residem em áreas com baixa concentração de
fluoreto na água (Dean et al., 1941; 1942). No entanto, trata-se de fluorose
sem grande acometimento estético, que muitas vezes passa despercebida
aos seus portadores (McDonagh et al., 2000). De fato, o maior impacto da
água otimamente fluoretada na prevalência da fluorose dentária ocorre
indiretamente, quando a mesma é utilizada na reconstituição de leites em pó
e no processamento de alimentos (Burt, 1992). A prevalência de fluorose
dentária tem aumentado tanto em comunidades com água fluoretada quanto
naquelas com água não fluoretada (Khan et al., 2005). Um suporte
adicional a essa observação é que quando por alguma razão ocorre
paralisação na fluoretação artificial por motivos técnicos, não há redução na
prevalência da fluorose dentária na população (Buzalaf et al., 2004). Assim,
levando-se em consideração os riscos e os benefícios da fluoretação da água
de abastecimento público, bem como a prevalência e a severidade de
fluorose dentária observadas hoje, especialmente em países como o Brasil,
onde muitas pessoas não têm acesso regular a outras fontes de fluoreto,
como os dentifrícios, de forma alguma se justifica a paralisação da
fluoretação da água de abastecimento público visando à prevenção contra
fluorose dentária (Buzalaf, 2013).
A fim de se minimizar o possível impacto da fluoretação da água na
fluorose dentária, algumas medidas são necessárias. Uma delas é o
heterocontrole da fluoretação da água. Em Bauru, SP, vinham sendo
relatadas flutuações nos níveis de fluoreto encontrados na água de
abastecimento público, com valores variando entre 0,01 e 9,35 ppm
(Buzalaf et al., 2002), o que é inaceitável. Na tentativa de minimizar esse
problema, a Faculdade de Odontologia de Bauru-USP implementou um
programa de heterocontrole da fluoretação, em 2004. Nesse programa,
todos os meses, em dias estabelecidos por sorteio, são coletadas amostras
em 60 pontos de abastecimento de água, cobrindo toda a cidade. Os
resultados obtidos 1 ano após a implementação do programa indicaram
melhoria significativa na qualidade da fluoretação da água da cidade. Cerca
de 85% das amostras coletadas foram classificadas como aceitáveis (0,55 a
0,84 ppm F) (Ramires et al., 2006). Nos 6 anos subsequentes, a
porcentagem média de amostras classificadas como aceitáveis ficou
próxima de 70% (Buzalaf et al., 2013). Esses dados indicam que o
heterocontrole é uma importante medida para garantir o controle de
qualidade da fluoretação da água. Programas semelhantes deveriam ser
implementados em todas as cidades que fluoretam artificialmente seus
sistemas de abastecimento de água.
É importante destacar que alguns países não adotam a fluoretação da
água de abastecimento como medida pública de uso do fluoreto. Países
como Alemanha, Suíça e França utilizam o sal fluoretado (250 a 300 ppm
F), enquanto o Reino Unido, China e Chile adotam a fluoretação do leite (5
ppm F) direcionada especialmente a programas preventivos com crianças
(Buzalaf, 2013).

Fórmulas infantis
O leite é a primeira e mais importante fonte de nutrição das crianças nos
primeiros meses de vida. Assim, é importante o conhecimento da
concentração de flúor presente nestes alimentos, já que são consumidos em
idade de risco à fluorose dentária. Tanto o leite materno (0,005 a 0,010 mg/
ℓ ) como o bovino (0,03 a 0,06 mg/ ℓ ) apresentam baixa concentração de
fluoreto e baixo risco de causar fluorose (Fomon et al., 2000). No entanto,
geralmente são substituídos precocemente por fórmulas infantis.
As fórmulas infantis comercialmente preparadas estão disponíveis na
forma de pós, líquidos concentrados ou prontas para beber, embora no
mercado brasileiro quase a totalidade das fórmulas seja comercializada na
forma de pós. O consumo de fórmulas infantis aumentou consideravelmente
nos últimos anos.
A concentração de fluoreto nas fórmulas infantis mostra amplas
variações. Para as fórmulas infantis em pó comercialmente disponíveis no
Brasil, Buzalaf et al. (2001) encontraram concentrações de fluoreto
variando entre 0,01 e 0,75 ppm quando preparadas com água deionizada,
entre 0,91 e 1,65 ppm, quando preparadas com água de abastecimento
fluoretada (0,9 ppm F), e entre 0,02 e 1,37 ppm, quando preparadas com
diferentes marcas de água mineral engarrafada (0,02 a 0,69 ppm F). Tem-se
relatado que as fórmulas à base de soja têm uma concentração de fluoreto
maior que as fórmulas à base de leite e o seu consumo poderia fornecer uma
quantidade de fluoreto acima da dose limite de 0,07 mg/kg peso corporal
por dia para crianças pequenas (McKnight-Hanes et al., 1988; Silva e
Reynolds, 1996; Buzalaf et al., 2001).
Quando se consideram as fórmulas infantis como fatores de risco para
a fluorose dentária, o fator de risco mais importante é a água utilizada para
reconstituí-las. Vários estudos têm relatado que, quando as fórmulas
infantis são reconstituídas com água otimamente fluoretada (0,7 a 1 mg/ℓ),
podem fornecer uma ingestão diária de fluoreto acima da dose que poderia
causar algum grau de fluorose dentária (Buzalaf e Levy, 2011). Uma revisão
sistemática avaliou a associação entre o uso de fórmulas infantis desde o
nascimento até os 24 meses de idade e o risco de ocorrência de fluorose
dentária na dentição permanente (Hujoel et al., 2009). Após compilar 17
estudos que relacionavam o uso de fórmulas infantis com fluorose na
dentição permanente, o odds ratio foi de 1,8 (intervalo de confiança [IC]
95% 1,4 a 2,3). Entretanto, houve uma heterogeneidade muito grande entre
os estudos, de forma que esse dado deve ser interpretado com cautela. Foi
relatado ainda que, a cada aumento de 0,1 mg/ ℓ de fluoreto na água de
abastecimento, há um incremento de 5% na chance de ocorrência de
fluorose dentária. Portanto, para uma concentração de 1 mg/ℓ de fluoreto na
água utilizada para reconstituir as fórmulas em pó, pode-se esperar um
aumento de 67% na ocorrência de fluorose dentária (Hujoel et al., 2009).
Um painel de experts americanos foi convocado para desenvolver
recomendações clínicas, com base em evidências científicas em relação a
esse assunto (Berg et al., 2011). Concluiu-se que o cirurgião-dentista pode
recomendar aos pais e aos cuidadores de bebês que consomem fórmulas
infantis como a principal fonte de nutrição a reconstituição destas com água
otimamente fluoretada, desde que os informem sobre o risco de ocorrência
de fluorose dentária. Se os pais tiverem preocupação com a ocorrência da
fluorose dentária, devem utilizar água contendo menos que 0,5 mg/ ℓ de
fluoreto para a reconstituição das fórmulas infantis (Berg et al., 2011). Uma
vez que a água mineral engarrafada tem geralmente baixa concentração de
fluoreto, esta poderia ser utilizada para esse propósito. Entretanto, no Brasil
nem sempre se pode confiar nas informações presentes no rótulo das águas
engarrafadas quanto à concentração de fluoreto, o que traz uma dificuldade
adicional (Ramires et al., 2004; Grec et al., 2008). Isso reforça a
necessidade de monitoramento e fiscalização mais rigorosos pelas
autoridades de saúde pública competentes (Buzalaf, 2013), uma vez que o
consumo de água engarrafada em algumas cidades brasileiras é em torno de
30% (Ramires et al., 2004).

Alimentos e bebidas infantis


A concentração de fluoreto na maioria dos alimentos e bebidas é pequena,
geralmente menor que 0,5 ppm F (Fomon e Ekstrand, 1999; Jackson et al.,
2002). Entretanto, alguns cereais comercializados no Brasil têm
concentrações de fluoreto maiores do que seria esperado, como é o caso do
Mucilon® e do Neston® (Nestlé), que têm concentrações de fluoreto de 2,4 e
6,2 ppm, respectivamente. Uma concentração de fluoreto relativamente alta
também foi relatada para um achocolatado pronto para beber (Toddynho®,
Quaker: 1,2 ppm fluoreto) (Buzalaf et al., 2002), embora outras marcas
comerciais de achocolatados não tenham apresentado níveis de fluoreto
elevados. Quando um destes produtos é consumido apenas 1 vez/dia, pode
fornecer até 25% da ingestão de fluoreto máxima recomendada (0,07 mg/kg
peso corporal) para uma criança de 2 anos. Deve ser considerado,
entretanto, que todo o fluoreto presente nos cereais analisados é solúvel,
enquanto apenas a metade do fluoreto presente no achocolatado analisado é
solúvel. Desse modo, a biodisponibilidade do fluoreto ingerido a partir do
achocolatado deve ser menor (Buzalaf et al., 2004).
Os refrigerantes têm níveis variados de fluoreto. Tem-se relatado que a
concentração de fluoreto em bebidas carbonatadas brasileiras varia entre
0,05 e 0,79 ppm (Heintze e Bastos, 1996). Essa variação tem sido atribuída
às flutuações na concentração de fluoreto presente na água utilizada para a
manufatura destes produtos. Os sucos em pó geralmente têm baixa
concentração de fluoreto. Heintze e Bastos (1996) encontraram em média
0,6 ppm F para os produtos disponíveis no mercado brasileiro. Buzalaf et
al. (2002) relataram concentrações de fluoreto em torno de 2,57 ± 0,99 ppm
para infusões de chá-preto (Camellia sinensis), 0,37 ± 0,20 ppm para os
chás prontos para beber, e 1,10 ± 0,15 ppm para os sucos em pó contendo
chá. Considerando o chá com a concentração de fluoreto mais alta (chá-
preto, marca Apichá®, 3,99 ppm F), a ingestão de apenas 200 m ℓ do
produto, 1 vez/dia, pode fornecer até 100% do limite superior de ingestão
de fluoreto (0,07 mg/kg peso), acima do qual se acredita que a fluorose
dentária possa acontecer, para uma criança de 2 anos de idade (12 kg).
Apesar de o fluoreto presente no chá se encontrar biodisponível, sua
contribuição para a ingestão de fluoreto é baixa, já que o seu consumo por
crianças na faixa etária de risco para fluorose dentária é modesto.
Dentre os alimentos altamente apreciados e consumidos pelas crianças,
estão os biscoitos e chocolates, fontes de fluoreto. Neste sentido, Buzalaf et
al. (2003) analisaram o conteúdo de fluoreto em várias marcas de chocolate
e biscoitos de chocolate disponíveis no mercado brasileiro. Para os
chocolates, foi encontrada uma concentração média de fluoreto de 0,30 ±
0,45 ppm (variação entre 0,07 e 1,60 ppm). Para os biscoitos de chocolate, a
concentração média de fluoreto foi de 1,08 ± 2,64 ppm (variação entre 0,04
e 7,10 ppm). Uma das marcas de biscoitos (Danyt’s®, Danone) foi o produto
que apresentou a maior concentração de fluoreto (7,10 ppm F). Para este
produto, apenas 3 biscoitos poderiam fornecer 40% da ingestão diária
máxima de fluoreto (0,07 mg/kg peso corporal) para uma criança de 2 anos
de idade (12 kg).
Os fabricantes não são obrigados a inserir no rótulo dos produtos a
concentração de fluoreto presente. Assim, somente a partir de análises feitas
periodicamente nos produtos disponíveis no mercado é possível obter esta
informação. Em adição, tem sido observado que concentrações altas de
fluoreto são observadas em apenas alguns produtos de certas categorias
(Buzalaf et al., 2002). Por esses motivos, pesquisas periódicas sobre a
concentração de fluoreto presente em produtos comercialmente disponíveis
no mercado são fundamentais para que essa informação possa ser obtida. É
importante que os cirurgiões-dentistas estejam atualizados em relação a
essas informações a fim de que possam orientar os pais de crianças em
idade de risco para fluorose dentária sobre os alimentos com alto teor de
fluoreto.

Dentifrícios fluoretados
A associação entre o uso precoce de dentifrícios fluoretados e a prevalência
de fluorose dentária está amplamente relatada na literatura, tanto em regiões
fluoretadas quanto em regiões não fluoretadas (Warren e Levy, 1999;
Browne et al., 2005). Uma revisão relativamente recente compilou dados da
estimativa total de ingestão de fluoretos de crianças residentes em
diferentes localidades (Clarkson et al., 2010). Foi observado que os
dentifrícios fluoretados são os maiores contribuintes para ingestão total de
fluoreto por crianças pequenas (até 3 anos de idade), constituindo-se,
portanto, em importantes fatores de risco para fluorose dentária. A ingestão
de fluoreto a partir do dentifrício depende da concentração de fluoreto no
dentifrício (Holt et al., 1994; Cardoso et al., 2014), da idade da criança
(quanto mais jovem, maior a ingestão), da quantidade de dentifrício
colocada na escova (quanto maior, maior a porcentagem de ingestão) e do
sabor do dentifrício (dentifrícios com sabor infantil levam a maior ingestão
pelas crianças) (Kobayashi et al., 2011).
Uma revisão sistemática com metanálise bem conduzida compilou
resultados de 25 estudos publicados entre 1988 e 2006 que avaliaram a
relação entre o uso de dentifrícios fluoretados e fluorose dentária (Wong et
al., 2010). Seus principais achados foram: (1) redução significativa no risco
de fluorose dentária quando a escovação não se iniciou antes dos 12 meses
de vida, embora a evidência para início da escovação aos 12 meses tenha
sido inconsistente; (2) ausência de associação significativa entre frequência
de escovação ou quantidade de dentifrício utilizada e ocorrência de fluorose
dentária; (3) uso de dentifrício com concentração mais alta de fluoreto
aumentou o risco de ocorrência de fluorose dentária. Com base nessa
evidência, concluiu-se que as decisões acerca do uso de fluoretos tópicos
devem levar em conta tanto os benefícios para prevenção contra cáries
quanto os riscos de ocorrência de fluorose dentária. Os autores relataram
que “se existe preocupação com o risco à fluorose, deve-se recomendar que
a concentração de fluoreto no dentifrício utilizado por crianças pequenas
seja inferior a 1.000 ppm”.
Outra revisão sistemática com metanálise em rede compilou resultados
de 83 estudos clínicos que avaliaram a relação entre a concentração de
fluoretos nos dentifrícios e a prevenção contra cáries em crianças e
adolescentes (Walsh et al., 2010). Observou-se que as frações prevenidas
aumentam conforme as concentrações de fluoreto nos dentifrícios
aumentam, de modo que, “quando comparados ao placebo, apenas os
dentifrícios com 1.000 ppm F ou mais previnem significativamente mais
cáries na dentição permanente de crianças e adolescentes”. Essa evidência,
entretanto, deve ser interpretada com cautela, pois os próprios autores da
revisão sistemática reconhecem que o número de estudos comparando
dentifrícios com concentrações de fluoreto entre 440 e 550 ppm com
placebo é muito pequeno (apenas 2 estudos), contra 54 estudos comparando
dentifrícios contendo entre 1.000 e 1.250 ppm de fluoreto com placebo.
Somando-se a isso, faltam estudos avaliando a dentição decídua, de modo
que neste caso ainda há incertezas quanto à eficácia de dentifrícios com
baixa concentração de fluoretos (em torno de 500 ppm) para prevenção
contra cárie dentária (Walsh et al., 2010; Wong et al., 2011). Deve ser
destacado que é justamente nos primeiros 6 a 8 anos de idade (época da
dentição decídua) que existe risco de ocorrência da fluorose dentária nos
dentes permanentes, se houver ingestão excessiva de fluoretos (Buzalaf,
2013).
Quando se pensa no tipo ideal de dentifrício a ser indicado para se
obter a melhor relação benefício/risco, deve-se ter em mente que não há
uma recomendação universal, ou seja, devem ser respeitadas as
particularidades do indivíduo/população em questão (Buzalaf, 2013). Tanto
em regiões não fluoretadas (Lima et al., 2008) quanto em regiões
fluoretadas (Cardoso et al., 2014), o dentifrício com baixa concentração de
fluoreto (500 a 550 ppm) tem eficácia similar à do dentifrício convencional
(1.000 a 1.100 ppm) na prevenção contra cáries em crianças de 2 a 4 anos
de idade cárie-inativas, mas em crianças cárie-ativas, o dentifrício
convencional reduz de maneira significativa a progressão e o incremento
líquido de lesões iniciais de cárie em comparação ao dentifrício de baixa
concentração de fluoreto. Dessa maneira, o risco de cárie da criança deve
ser levado em conta na indicação do dentifrício a ser utilizado, quando for
possível avaliá-lo.
Devido às incertezas existentes na literatura quanto ao potencial de
prevenção contra cáries dos dentifrícios com baixa concentração de
fluoretos, tem-se buscado alterações na formulação que tornem seu
potencial preventivo similar ao dos dentifrícios convencionais, como a
redução do pH (Cardoso et al., 2014) ou adição de fosfatos (Freire et al.,
2016). Estudos clínicos randomizados com estes dentifrícios de baixa
concentração de fluoreto (500 a 550 ppm) modificados revelaram eficácia
anticáries similar à de dentifrícios com concentração convencional de
fluoreto (1.000 a 1.100 ppm) (Cardoso et al., 2014; Freire et al., 2016), de
modo que parecem ser a alternativa ideal para crianças, levando-se em
consideração a relação benefício/risco. Já existe no mercado brasileiro um
dentifrício com baixa concentração de fluoreto e pH acidulado, o qual foi
testado clinicamente com bons resultados para prevenção contra cárie e
fluorose (Cardoso et al., 2014).
Em virtude do exposto e com base nas evidências disponíveis sobre a
associação entre dentifrícios fluoretados, cárie e fluorose dentária, parece
racional recomendar dentifrícios com baixa concentração de fluoreto (500
ppm) para crianças menores de 3 anos de idade (risco de desenvolvimento
de fluorose nos incisivos centrais superiores permanentes) que apresentem
baixo risco de cáries e residam em áreas otimamente fluoretadas. Em todos
os outros casos, dentifrícios com pelo menos 1.000 ppm de fluoreto devem
ser utilizados, recomendação que também se aplica aos casos em que não
seja possível fazer avaliação individual de risco à cárie e à fluorose
dentária, como ocorre em Saúde Pública (Buzalaf, 2013). Em acréscimo,
apesar de não haver evidências suficientes com relação à associação entre a
quantidade de dentifrício utilizada e a ocorrência de fluorose dentária
(Wong et al., 2010), é importante recomendar a utilização de uma pequena
quantidade de dentifrício para crianças pequenas, o que pode ser facilitado
pelo emprego da técnica transversal (Villena, 2000) ou da técnica da “gota”,
no caso dos dentifrícios “líquidos” (Vilhena et al., 2008). Em adição, é
importante que a escovação seja feita por um adulto até que a criança tenha
habilidade motora suficiente para realizá-la sozinha. Nesse caso, a
escovação deve ser supervisionada por um adulto até que a criança tenha 6
anos de idade. As crianças devem ser ainda instruídas a não engolirem a
espuma do dentifrício. Quanto à frequência de escovação, recomenda-se
que sejam feitas 2 vezes/dia, sendo uma delas preferencialmente antes de
dormir (Buzalaf, 2013). Deve-se evitar enxaguar a cavidade bucal com
grande volume de água após a escovação, para aproveitar ao máximo
possível o efeito anticariogênico do fluoreto (Davies et al., 2003). Ainda é
importante evitar que crianças utilizem dentifrícios com sabor agradável ao
paladar infantil, já que isso aumenta a porcentagem de ingestão de
dentifrício (Kobayashi et al., 2011). O dentifrício deve ainda ser sempre
mantido longe do alcance das crianças.

Suplementos fluoretados
Os suplementos foram criados para ajudar na prevenção contra cáries em
crianças residentes em áreas não fluoretadas. A dose diária recomendada é
baseada na idade da criança e na concentração de fluoretos presentes na
água de abastecimento ou ainda em outro veículo de fluoretação sistêmica,
como sal ou leite fluoretado. Vários estudos, entretanto, relatam a
prescrição indevida de suplementos para crianças residentes em áreas
fluoretadas, o que é um fator de risco para fluorose dentária (Szpunar e
Burt, 1988; Pendrys e Morse, 1990; Lalumandier e Rozier, 1995).
Uma revisão sistemática com metanálise encontrou forte associação
entre o uso de suplementos por crianças que residiam em áreas não
fluoretadas e a ocorrência de fluorose dentária, com odds ratio de 2,5 para
crianças que ingeriram suplementos regularmente durante os 6 primeiros
anos de vida em comparação àquelas que não ingeriram (Ismail e Bandekar,
1999). Essa revisão sistemática foi atualizada, com a inclusão de novos
estudos, e a associação foi confirmada. Ainda se relatou que o odds ratio
para fluorose aumentou em 84% para cada ano de utilização de suplementos
entre 6 meses e 7 anos de vida, sendo os 3 primeiros anos considerados
mais importantes. Foi ainda relatada a existência de uma relação fraca e
inconsistente entre suplementação e prevenção contra cáries na dentição
decídua, porém na dentição permanente o efeito preventivo ocorre quando
os suplementos são mastigados, devido à ação tópica do fluoreto (Ismail e
Hasson, 2008).
Quando se analisam as recomendações para prescrição de suplementos
em diferentes países e associações dentárias, observa-se grande divergência
entre elas. Há consenso, entretanto, de que suplementos fluoretados não
devem ser prescritos em áreas otimamente fluoretadas, para bebês com
menos de 6 meses de idade, nem para crianças com baixo risco de cáries
(Clarkson, 1992; Swan, 2000; ARCPOH, 2006; Rozier et al., 2010). Uma
vez que o Brasil adota a política de fluoretação artificial das águas de
abastecimento, suplementos não devem ser prescritos em nosso país, a não
ser para populações de áreas remotas, que não estejam recebendo fluoreto a
partir de outras fontes e nem tenham acesso a outras medidas de prevenção
contra cáries (Buzalaf e Levy, 2011; Buzalaf, 2013).
Em resumo, quando se pretende estimar a ingestão diária de fluoretos
por crianças, todas as fontes de fluoreto, sem exceção, devem ser
consideradas. De um modo geral, para se evitar a ingestão excessiva de
fluoreto a partir de diferentes fontes deve-se: controlar a fluoretação
artificial da água de abastecimento para que não fique aquém ou acima da
concentração ideal de acordo com a temperatura da cidade; preparar os
leites em pó com água não fluoretada ou com baixa concentração de
fluoreto, como as águas engarrafadas; minimizar a ingestão de fluoreto a
partir do dentifrício por meio da colocação de uma pequena quantidade de
dentifrício na escova, supervisionar a escovação de crianças menores de 6
anos de idade e manter o dentifrício fora do alcance das crianças;
suplementos não devem ser prescritos para crianças que tenham acesso a
outras fontes de fluoreto; a ingestão de alimentos e bebidas que
sabidamente tenham altos teores de fluoreto deve ser controlada por
crianças na idade de risco para fluorose dentária.

Metabolismo dos fluoretos


Como mencionado antes, há diversas fontes de ingestão de fluoretos. Uma
vez ingerido, o fluoreto será metabolizado pelo organismo. O metabolismo
de qualquer substância envolve eventos básicos como: absorção,
distribuição pelo organismo, incorporação em determinados tecidos e
excreção. Em linhas gerais, o fluoreto é absorvido pelo trato gastrintestinal
(estômago e intestino). Essa absorção é rápida, e em cerca de 20 a 60
minutos já se atinge o pico de concentração plasmática de fluoreto após a
absorção. O que não é absorvido, continua pelo trato gastrintestinal e é
excretado pelas fezes. O fluoreto absorvido circula pelo organismo e é
distribuído para os tecidos moles e tecidos duros, sendo que 99% do
fluoreto absorvido é incorporado aos tecidos duros, especialmente aos
ossos, mas também aos dentes durante a sua formação. O fluoreto não
utilizado pelo organismo é então excretado principalmente pela urina
(Buzalaf e Whitford, 2011) (Figura 18.1).
Para o entendimento do metabolismo dos fluoretos, é importante
mencionar que o ácido fluorídrico (HF) é um ácido fraco, com pK de 3,4.
Isto significa que, quando o pH é menor que 3,4, há uma concentração
maior de HF, enquanto em pH maior que 3,4, há uma concentração maior
de F–. E por que esta informação é importante? Ela é importante porque o
fluoreto sempre atravessa membranas biológicas na forma de HF, em
resposta a um gradiente de pH, indo do meio mais ácido para o meio mais
alcalino (Buzalaf e Whitford, 2011) (Figura 18.2). Isso acontece porque o
coeficiente de permeabilidade das membranas ao HF é 1 milhão de vezes
maior que ao F– (Gutknecht e Walter, 1981). Isso terá implicação em vários
eventos do metabolismo do fluoreto, como sua absorção, distribuição pelo
organismo (incluindo toxicidade) e excreção urinária.

Absorção do fluoreto
O fluoreto é rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal. Na ausência
de cátions di e trivalentes, cerca de 80 a 90% do fluoreto ingerido serão
absorvidos, sendo o pico da concentração plasmática de fluoreto alcançado
de 20 a 60 minutos após a ingestão (Buzalaf e Whitford, 2011). Cerca de
25% do fluoreto são absorvidos no estômago, em um evento inversamente
relacionado ao pH, já que é absorvido na forma de HF. A maior parte do
fluoreto que não é absorvido no estômago o será no intestino (70 a 75%).
Nesse caso o mecanismo de absorção é diferente. Devido ao pH, a maior
parte do fluoreto está presente na forma iônica. Então, o F– passa através
dos espaços entre as células da mucosa intestinal, em um evento que
independe do pH (Buzalaf e Whitford, 2011).
A absorção do fluoreto é afetada pela composição da dieta e ingestão
concomitante de alimentos. A ingestão de fluoretos concomitantemente
com cátions di e trivalentes, como o Ca+2 e o Al+3 reduz a absorção, pois
estes cátions formam complexos insolúveis com o F–, os quais serão
excretados por meio das fezes (Ekstrand e Ehrnebo, 1979; Trautner e
Siebert, 1986; Trautner e Einwag, 1989).
Figura 18.1 Metabolismo do fluoreto. A absorção se dá pelo trato gastrintestinal; a porção não
absorvida é excretada pelas fezes. Uma vez absorvido, o fluoreto circula pelo organismo,
distribuindo-se pelos tecidos moles, mas se acumulando principalmente no tecido ósseo. O fluoreto
não incorporado no organismo será excretado principalmente pela urina. (Modificada de Buzalaf e
Whitford, 2011).

Figura 18.2 O fluoreto atravessa as membranas biológicas na forma de ácido fluorídrico (HF), indo
do meio mais ácido para o mais alcalino. (Modificada de Buzalaf e Whitford, 2011.)

Quanto ao tipo de fluoreto ingerido, a maioria dos estudos relata que a


quantidade total de fluoreto ingerido a partir do monofluorofosfato
dissódico (MFP) e do fluoreto de sódio (NaF) é similar (Trautner e Siebert,
1986; Buzalaf et al., 2008). De maneira similar, a biodisponibilidade do
fluoreto quando ingerido por meio da água natural ou artificialmente
fluoretada, que geralmente tem compostos fluoretados diferentes, também é
similar (Maguire et al., 2005; Whitford et al., 2008).

Distribuição do fluoreto
A distribuição do fluoreto pelo organismo após sua absorção é rápida, e
níveis plasmáticos aumentados já podem ser notados 10 minutos após a
ingestão, alcançando um pico entre 20 e 60 minutos, e retornando aos níveis
de pré-ingestão entre 3 e 11 horas, dependendo da quantidade ingerida
(Buzalaf e Whitford, 2011). Não há regulação homeostática das
concentrações plasmáticas de fluoreto, de modo que os níveis plasmáticos
refletem o balanço entre a quantidade ingerida, a incorporação de fluoreto
no esqueleto e sua excreção urinária.
O plasma é considerado o compartimento central para a distribuição do
fluoreto, uma vez que a partir dele o fluoreto é distribuído para os tecidos
moles e duros, assim como é encaminhado para os rins para ser excretado
(Figura 18.3). Menos que 1% do fluoreto absorvido é encontrado nos
tecidos moles, nos quais existe uma distribuição de estado estacionário
entre o fluido extra e o intracelular. A maioria do fluoreto absorvido é
incorporado pelos tecidos calcificados, nos quais o fluoreto encontra-se
reversivelmente ligado e pode ser liberado de volta para o plasma quando
os níveis plasmáticos caem (Buzalaf e Whitford, 2011).
Nos tecidos moles, o fluoreto sempre se acumula no compartimento
mais alcalino, em resposta a um gradiente de pH (Figura 18.1). Uma vez
que o citosol é geralmente mais ácido que o fluido extracelular, os níveis
intracelulares de fluoreto são em geral de 10 a 50% menores que aqueles
encontrados no plasma e fluido extracelular, os quais são semelhantes entre
si (Figura 18.4); uma exceção é o rim, por se tratar do órgão no qual o
fluoreto se acumula para ser excretado (Whitford et al., 1979). Quando os
níveis plasmáticos de fluoreto caem, os níveis tissulares caem na mesma
proporção.
O clearance plasmático dos fluoretos pelos tecidos calcificados é
elevado. Aproximadamente 36% do fluoreto absorvido são removidos do
plasma pelo osso. O restante é excretado pela urina. Em crianças menores
que 7 anos de idade, o grau de retenção de fluoreto pelo esqueleto é bem
maior (cerca de 55%) (Villa et al., 2010), devido ao maior suprimento
sanguíneo e à maior área superficial dos cristalitos ósseos, que são menores,
mais desorganizados e mais numerosos que aqueles do osso maduro
(Whitford, 1994).
A incorporação do fluoreto pelos tecidos calcificados ocorre em
diferentes estágios (Neuman e Neuman, 1958). Inicialmente o fluoreto é
incorporado à camada de hidratação dos cristalitos ósseos, que é contínua
com os fluidos extracelulares. Acredita-se que exista uma relação de estado
estacionário entre as concentrações de fluoreto nos fluidos extracelulares e
na camada de hidratação dos cristalitos ósseos. Por meio desta relação,
quando as concentrações plasmáticas de fluoreto aumentam, o fluoreto é
transferido do plasma para a camada de hidratação e vice-versa (Whitford,
1994). Nos estágios posteriores ocorre associação do fluoreto com a
superfície dos cristais de apatita e finalmente sua incorporação ao interior
do cristal, de onde pode ser mobilizado quando ocorre reabsorção óssea
(Neuman e Neuman, 1958).

Figura 18.3 Distribuição do fluoreto pelo organismo. Após a absorção do fluoreto (F) pelo trato
gastrintestinal, o pico da concentração plasmática é alcançado entre 20 e 60 minutos. O plasma é o
compartimento central de distribuição do fluoreto pelo organismo, a partir do qual o mesmo é
distribuído para os tecidos moles e duros, ou encaminhado para excreção. (Modificada de Buzalaf e
Whitford, 2011.)
Figura 18.4 Distribuição do fluoreto nos espaços aquosos dos tecidos moles. As concentrações de
fluoreto no plasma e no fluido extracelular (EC) são similares. A concentração intracelular (IC) de
fluoreto é mais baixa que a do fluido EC. (Modificada de Buzalaf e Whitford, 2011.)

Excreção renal do fluoreto


Os rins são responsáveis pela maior parte da excreção do fluoreto. Em
condições normais, 60 e 45% do fluoreto absorvido são excretados na urina
por adultos e crianças, respectivamente (Villa et al., 2010).
A concentração de fluoreto no filtrado glomerular é a mesma
encontrada no plasma. Após ingressar nos túbulos renais, uma quantidade
variável de fluoreto é reabsorvida (de 10 a 90%) e retorna à circulação
sistêmica, enquanto o restante é excretado pela urina (Ekstrand, 1996). Esse
processo, associado à proporção de filtração glomerular, é o principal
determinante da quantidade de fluoreto excretada por meio da urina. Em
casos de disfunção renal crônica há uma redução na proporção de filtração
glomerular, o que também ocorre em idades avançadas, quando o número
de néfrons funcionais é diminuído, o que provoca aumento nos níveis
plasmáticos de fluoreto (Schiffl e Binswanger, 1980; Ekstrand, 1996).
Curiosamente, o clearance renal do fluoreto é bastante alto (35 mℓ/min) em
comparação ao dos outros halógenos (geralmente menor que 1 a 2 mℓ/min).
O mecanismo de reabsorção tubular renal do fluoreto ocorre por
difusão do HF, sendo, portanto, um evento pH-dependente (Whitford et al.,
1976). Assim, quando o pH do fluido tubular se encontra mais alcalino, a
maior parte do fluoreto está presente na forma iônica e permanece no
interior do túbulo para ser excretado. Entretanto, quando o pH do fluido
tubular se encontra mais ácido, há uma grande concentração de HF no
interior do túbulo renal, que atravessa a parede do túbulo e é reabsorvido,
retornando à circulação sistêmica. Nesse caso, haverá retenção maior do
fluoreto no organismo e menor quantidade será excretada (Figura 18.5).
Portanto, qualquer fator que altere o pH urinário pode afetar o balanço
metabólico e as concentrações tissulares de fluoreto (Buzalaf e Whitford,
2011), alterando a relação entre a quantidade de fluoreto ingerida e o risco
de fluorose dentária. Dentre esses fatores têm-se a composição da dieta
(uma dieta rica em vegetais tende a aumentar o pH urinário, e uma dieta
rica em proteínas tende a diminuí-lo); certas doenças respiratórias ou
metabólicas que levam à acidose; algumas drogas (como ácido ascórbico,
cloreto de amônio e diuréticos à base de clorotiazida) e a altitude de
residência (a alta altitude pode levar à hipoxia, culminado com a redução do
pH urinário e o aumento da retenção de fluoreto no organismo) (Buzalaf e
Whitford, 2011).
Figura 18.5 Mecanismo de reabsorção do fluoreto nos túbulos renais. Quando a urina está alcalina,
há grande concentração de fluoreto iônico (F), que permanece no interior do túbulo renal para ser
excretado. Quando a urina está ácida, há grande concentração de ácido fluorídrico (HF) no interior
do túbulo, que será reabsorvido, retornando à circulação. Nessa condição, a retenção de fluoreto no
organismo será aumentada.

O conhecimento sobre o destino do fluoreto no organismo possibilita


minimizar os riscos de toxicidade e também a racionalização do uso do
fluoreto para o controle da cárie dentária.

Toxicidade aguda do fluoreto


A ingestão de altas concentrações de fluoreto de uma única vez, como
ocorre com qualquer substância, pode causar efeitos adversos. Na primeira
metade do século 20 era relativamente comum encontrar casos graves de
toxicidade aguda causada pelo fluoreto, pois o fluoreto de sódio era
utilizado como pesticida e veneno para ratos, sendo comumente encontrado
em residências e hospitais. Devido ao fato de o aspecto físico do fluoreto de
sódio lembrar farinha, açúcar, fermento ou bicarbonato, houve muitos casos
de envenenamento acidental, que atualmente são bem menos comuns
(Whitford, 2011).
Existe ampla variação na literatura em relação à dose certamente letal
(DCL) de ingestão do fluoreto, que representa uma dose que, quando
ingerida, inevitavelmente levará à morte. Tem-se relatado valores para a
DCL variando de 6 a 9 mg/kg de peso corporal (Dreisbach, 1980) até mais
de 100 mg/kg de peso corporal de fluoreto (Lidbeck et al., 1953). O
parâmetro mais aceito para a DCL é de 32 a 64 mg/kg de peso corporal de
fluoreto (Hodge e Smith, 1965), embora haja vários relatos na literatura de
mortes de crianças após ingestão de doses bem menores que esta, variando
entre 3,1 e 16 mg/kg peso corporal de fluoreto (Whitford, 2011). Por conta
disso, o parâmetro mais utilizado quando se fala em toxicidade aguda do
fluoreto é a dose tóxica provável (DTP), que é de 5 mg/kg de peso
corporal de fluoreto (Whitford, 1996) e tem um significado prático bem
mais importante que o da DCL. A DTP é a dose mínima que poderia causar
sinais e sintomas sérios ou ameaçadores à vida que requereriam intervenção
terapêutica e hospitalização imediatas. Não significa que um paciente que
ingira uma dose igual ou superior à DTP virá a óbito nem que uma dose
menor será inócua. A DTP sinaliza que há uma situação de emergência, que
requer intervenção terapêutica e hospitalização imediatas, a fim de evitar o
possível óbito do paciente (Whitford, 1996).

Exposição ao fluoreto a partir de produtos odontológicos


De uma maneira geral, há pouco ou nenhum risco de toxicidade aguda
quando os produtos odontológicos são utilizados nas quantidades usuais,
conforme recomendação. Porém, estes produtos às vezes são ingeridos em
quantidades excessivas. As crianças podem beber solução para bochecho
diretamente do frasco, ingerir dentifrício do tubo, ou comprimidos, de sua
embalagem. A DTP para uma criança de 10 kg (aproximadamente 1 ano de
idade) está contida em 220 mℓ de um enxaguatório bucal contendo 0,05%
de NaF, em 50 g de dentifrício contendo 1.000 ppm de fluoreto (NaF ou
MFP), em 50 comprimidos contendo 1 mg de fluoreto e em apenas 4 mℓ de
gel de flúor fosfato acidulado (FFA) contendo 1,23% de fluoreto (Whitford,
2011). Por esse motivo, algumas precauções são necessárias no
armazenamento e na utilização desses produtos odontológicos, para se
evitarem problemas de toxicidade. Esses produtos não devem ser usados
por crianças pequenas sem a supervisão e a presença de um adulto e devem
sempre ser mantidos bem longe do alcance das crianças. Em adição, no
caso dos produtos com maiores concentrações de fluoreto, como os géis de
aplicação tópica e as soluções de fluoreto estanhoso de alta concentração,
os mesmos devem ser aplicados apenas por profissionais, os pacientes não
devem ser deixados sozinhos durante a aplicação e as quantidades aplicadas
devem ser minimizadas. Durante a aplicação do gel contendo 1,23% de
fluoreto, o paciente deve estar sentado, o encosto da cadeira odontológica
deve estar na posição vertical e a cabeça do paciente deve ser inclinada para
a frente. Em adição, o gel deve ser sempre acomodado em moldeiras, e a
quantidade em cada moldeira nunca deve exceder 2 m ℓ . Durante a
aplicação, deve-se utilizar sugador e o paciente deve expectorar várias
vezes após a aplicação, para reduzir a quantidade que fica na boca e pode
ser deglutida. Considerando a possibilidade de ingestão do gel devido a sua
viscosidade, para crianças menores de 6 anos este tipo de veículo não é
recomendado, sendo substituído pelo verniz.

Fatores que influenciam a toxicidade aguda do fluoreto


Tipo de composto fluoretado
Os compostos fluoretados têm uma solubilidade bastante variada.
Compostos muito insolúveis, como fluoreto de cálcio, flúor-hidroxiapatita e
fluorapatita, são pouco absorvidos e, consequentemente, têm menor
toxicidade (Whitford, 2011).
Dentre os compostos fluoretados mais utilizados, encontram-se o NaF
e MFP, amplamente utilizados em dentifrícios, bem como o ácido
fluorossilícico (H2SiF6) e fluorosilicato (Na2SiF6), utilizados na fluoretação
da água de abastecimento público. Todos esses compostos são altamente
solúveis e potencialmente tóxicos. Durante algum tempo na literatura foi
difundida a ideia de que o MFP, por requerer hidrólise por fosfatases
previamente à sua absorção, seria absorvido em menor extensão e, portanto,
seria menos tóxico que o NaF. Alguns estudos conduzidos com animais até
a década de 1980, quando os métodos analíticos para o fluoreto não eram
tão precisos, suportavam essa hipótese. Entretanto, estudos conduzidos com
animais a partir da década de 1990, utilizando metodologias analíticas mais
precisas, mostraram que não há diferenças na quantidade total de fluoreto
que é absorvida a partir do NaF e do MFP (Whitford, 1996). Pode haver
absorção um pouco mais tardia do fluoreto a partir do MFP e picos
plasmáticos mais baixos, por conta da atividade limitada das fosfatases no
estômago em comparação ao intestino. Entretanto, não há diferenças
significativas nos percentuais das doses que são absorvidas em última
instância, ao longo do tempo (Whitford, 2011). Esses achados foram
confirmados em um estudo conduzido em humanos, os quais receberam 2
mg de fluoreto como NaF ou MFP e tiveram o seu sangue coletado várias
vezes ao longo de um período de 8 horas após a ingestão. Foram observadas
áreas sob a curva da concentração plasmática de fluoreto em função do
tempo após a ingestão similares em ambos os casos, indicando
biodisponibilidade semelhante (Buzalaf et al., 2008). Assim, não se deve
endossar a inclusão de uma quantidade maior de fluoreto em produtos
fluoretados quando o composto a ser utilizado é o MFP, com base na
presunção de que nesta forma o fluoreto pode ser menos tóxico (Whitford,
1996).
Idade
No estudo de Mornstad (1975), observou-se que a DL50 em 24 horas para
ratos é de 50 mg/kg de fluoreto para animais de 20 dias de idade, mas é de
apenas 20 mg/kg de fluoreto para animais de 90 dias de idade. Esses
achados foram confirmados em cães, tendo sido observado que a área sob a
curva da concentração plasmática de fluoreto em função do tempo foi 10
vezes maior e o pico plasmático de fluoreto foi 4,5 vezes mais alto em
animais adultos em comparação aos jovens (Whitford, 1996). A razão para
os animais mais jovens terem tolerância maior ao fluoreto reside na maior
incorporação deste íon ao esqueleto de organismos em desenvolvimento. A
idade, portanto, é um importante fator a ser considerado em casos de
intoxicação aguda pelo fluoreto. Quanto mais jovem for o paciente, menor
será o potencial tóxico agudo do fluoreto.

Pico da concentração plasmática de fluoreto


Quando o fluoreto é administrado em solução ácida, produz picos mais
altos de concentração plasmática do que quando administrado em solução
alcalina. Em se tratando de uma dose letal, os picos de concentração
plasmática mais elevados de fluoreto podem levar a uma morte mais rápida.
Assim, pode-se dizer que, após um episódio de intoxicação aguda pelo
fluoreto, o tempo disponível para intervenção terapêutica é inversamente
proporcional ao pico da concentração plasmática de fluoreto. Portanto, se o
fluoreto for ingerido a partir de uma solução ou gel ácido, a morte pode
ocorrer mais rapidamente do que se ele for ingerido a partir de uma solução
ou gel com pH neutro. Isso também deve ser levado em conta nos episódios
de intoxicação aguda pelo fluoreto.

Estado acidobásico
Como mencionado no tópico relativo ao metabolismo dos fluoretos, as
membranas biológicas são permeáveis ao HF e não ao F–. Portanto, o
fluoreto atravessa membranas na forma de HF, em resposta a um gradiente
de pH (vai do meio mais ácido para o meio mais alcalino). Isso está
implicado tanto na absorção do fluoreto, que será maior quando o pH se
encontra mais ácido, quanto na sua entrada nas células e potencial tóxico
para as mesmas, assim como na excreção urinária do fluoreto (quanto mais
alcalina for a urina, maior será a excreção). Assim, a base para o tratamento
da intoxicação aguda pelo fluoreto, como veremos adiante, é a alcalinização
dos fluidos corporais, de maneira a evitar a entrada do fluoreto nas células e
promover sua excreção por meio da urina (Whitford, 1996).

Sinais, sintomas e tratamento


Os sinais e os sintomas mais comuns da intoxicação aguda são: náuseas,
vômito e dores abdominais. Podem ser acompanhados de salivação
excessiva, presença de muco no nariz, diarreia, dores de cabeça, sudorese e
convulsão. Conforme o quadro progride, há o aparecimento de fraqueza
generalizada, espasmos nas extremidades, tetania (devido a hipocalcemia e
hiperpotassemia que geram alterações nas membranas celulares). Na
sequência, o pulso se torna fraco, há queda da pressão arterial, acidose
respiratória, desorientação, coma e até morte (Whitford, 1996).
O tratamento da toxicidade aguda por fluoreto deve direcionar esforços
na tentativa de minimizar a sua absorção pelo trato gastrintestinal, aumentar
a sua excreção urinária e manter os sinais vitais em níveis compatíveis com
a vida (Hodge e Smith, 1965). É de grande importância o tratamento inicial,
pré-hospitalar, que, se realizado adequadamente, aumenta bastante a chance
de sobrevida do paciente. Nos casos em que não ocorreu o vômito, este
deve ser induzido, exceto quando o paciente está inconsciente (para evitar a
aspiração para os pulmões). Devido à alta afinidade do cálcio pelo fluoreto,
a absorção pode ser retardada e reduzida pela administração oral de cloreto
de cálcio ou gluconato de cálcio a 1% ou, caso tais soluções não estejam
disponíveis, deve-se ingerir altas quantidades de leite, o máximo que o
paciente tolerar. Estas ações devem ser tomadas o mais rapidamente
possível, uma vez que o fluoreto é rapidamente absorvido pelo estômago e
pelo intestino. Simultaneamente a estas ações, deve-se informar ao hospital
mais próximo que um caso de toxicidade por fluoreto está a caminho, de
modo que as intervenções terapêuticas apropriadas sejam realizadas assim
que o paciente chegar. O tratamento imediato é essencial, considerando que
os casos mais graves com frequência progridem rapidamente para a morte.
O tratamento hospitalar, em casos de toxicidade grave, com
possibilidade de morte, envolve o estabelecimento de uma via respiratória e
intravenosa imediatamente quando o paciente chega ao hospital. Amostras
de sangue devem ser coletadas a cada hora, iniciando-se assim que o
paciente chegar ao hospital, para dosagem de fluoreto, pH e gases no soro,
além de outros íons como cálcio e potássio. Em acréscimo, deve ser feita
lavagem gástrica e devem ser administrados, por via intravenosa, gluconato
de cálcio, para prevenir a hipocalcemia, glicose, para reverter a
hiperpotassemia, e lactato de sódio ou bicarbonato de sódio, para minimizar
a acidose, bem como aumentar o pH e fluxo urinário, para que se aumente a
taxa de excreção urinária de fluoreto. Além disso, terapia de oxigênio,
respiração artificial, monitoramento cardíaco e hemodiálise podem ser
necessários. Tais medidas devem ser mantidas até a estabilização dos sinais
vitais e a normalização dos valores da química do soro por pelo menos 24 a
48 horas (Whitford, 2011).

Toxicidade crônica do fluoreto


A toxicidade crônica do fluoreto inclui basicamente duas condições clínicas
de interesse: a fluorose dentária e a fluorose óssea ou esquelética. Esses são
os únicos efeitos adversos cientificamente comprovados e relatados na
literatura que estão diretamente relacionados com a ingestão crônica de
fluoreto (McDonagh et al., 2000).
É importante compreender que a fluorose dentária só ocorre quando há
ingestão excessiva de fluoreto durante o período de formação dentária, e a
fluorose óssea não apresenta um período específico de suscetibilidade. Por
outro lado, os níveis de ingestão de fluoreto para que a fluorose óssea
ocorra estão acima dos 5 ppm (mg/ℓ) de fluoreto na água de abastecimento,
o que torna essa situação bem menos prevalente do que a fluorose dentária.
Portanto, sendo a fluorose dentária mais prevalente e de maior interesse
para a Odontologia, esta será abordada com detalhes.

Etiologia, características histopatológicas e clínicas da


fluorose dentária
A fluorose dentária é uma alteração no desenvolvimento do esmalte
relacionada com a ingestão excessiva e prolongada de fluoreto durante a
formação dos dentes, ou seja, no período da amelogênese. Desta forma, há
um período de suscetibilidade para a fluorose dentária. Nos dentes
permanentes, esse período compreende do nascimento até os primeiros 6 a
8 anos de idade, dependendo das variações individuais para o período de
amelogênese dos elementos dentários (Pendrys, 1990; 1999). Para os
incisivos centrais permanentes superiores, que são os dentes de maior
acometimento estético, o período de risco está compreendido nos 3
primeiros anos de vida (Bardsen, 1999; Hong et al., 2006a; 2006b). A dose
de ingestão diária que leva à fluorose dentária não é precisamente
conhecida, até por conta da existência de variações individuais no
metabolismo do fluoreto que podem aumentar ou diminuir a retenção desse
elemento no organismo (Buzalaf e Whitford, 2011). Acredita-se ainda que
exista um componente genético para a fluorose dentária, conforme tem sido
relatado em animais (Everett et al., 2002; Carvalho et al., 2009) e em
humanos (Manji et al., 1986; Huang et al., 2008).
Em humanos, concentrações plasmáticas de fluoreto resultantes da
ingestão a longo prazo de água contendo 1 a 10 ppm de fluoreto variam de
1 a 10 μmol/ ℓ (Denbesten e Li, 2011). Alterações fluoróticas foram
observadas em incisivos de roedores que ingeriram água contendo entre 25
e 100 ppm de fluoreto, o que corresponde a níveis plasmáticos de 3 a 10
μmol/ℓ, similares àqueles que causam fluorose em humanos (Denbesten e
Li, 2011). Um fator que complica o estabelecimento de uma dose exata de
exposição ao fluoreto acima da qual a fluorose ocorre, bem como a
determinação dos estágios da amelogênese mais sensíveis ao fluoreto, é que
o fluoreto incorporado ao esqueleto é gradualmente liberado para o plasma
através da remodelação óssea (Angmar-Mansson e Whitford, 1990). De
fato, níveis plasmáticos tão baixos quanto 1,5 μmol/ ℓ , resultantes da
liberação de fluoreto a partir do esqueleto, ainda são capazes de induzir
fluorose no incisivo de roedores após a exposição inicial ao fluoreto ter
terminado (Angmar-Mansson e Whitford, 1990). A severidade da fluorose é
crescente, de acordo com a quantidade de fluoreto ingerido e a duração da
exposição ao fluoreto durante a amelogênese. Nos estágios iniciais, a
fluorose aparece como linhas esbranquiçadas (opacas) na superfície do
dente (Figura 18.6A), enquanto nos estágios mais avançados toda a
superfície dentária se encontra esbranquiçada e opaca (Figura 18.6B), e
pode romper-se quando o dente irrupciona. A fluorose também pode afetar
a dentina, mas pouco conhecimento está disponível na literatura a esse
respeito (Denbesten e Li, 2011).
Histologicamente, o esmalte com fluorose não é necessariamente um
tecido “mais rico em fluoreto” (embora haja hipermineralização
superficial). Na verdade, o esmalte fluorótico é hipomineralizado na
subsuperfície e microscopicamente pode ser observada elevada porosidade
nesta região, provavelmente devido à retenção de amelogeninas e ao atraso
no crescimento do cristal. Ainda são encontradas bandas de
hipermineralização, intercaladas com bandas de hipomineralização. No
entanto, o mecanismo não está totalmente esclarecido (Fejerskov et al.,
1994; DenBesten, 1999). Como consequência dessa porosidade elevada, o
índice de refração da luz sobre o tecido dentário fica alterado e, assim, o
aspecto de mancha branca é observado clinicamente, similarmente ao que
acontece na cárie dentária. O diagnóstico diferencial em relação às lesões
de mancha branca por cárie pode ser feito sabendo-se que a fluorose
acomete dentes homólogos e as manchas brancas são dispersas na
superfície dentária, enquanto a lesão de mancha branca (cárie dentária
incipiente) não necessariamente afeta dentes homólogos e geralmente
ocorre na região cervical do dente, onde há acúmulo de biofilme.
Figura 18.6 A. Fluorose suave (TF 2). B. Fluorose severa (TF 4). (Buzalaf, 2013.) (Fotos gentilmente
cedidas pelo Prof. Fábio Sampaio, da UFPB.)

Thylstrup e Fejerskov (1978) foram os primeiros pesquisadores a


observar as características histopatológicas do esmalte fluorótico e
relacioná-las com a aparência clínica da fluorose. Eles examinaram dentes
de crianças expostas à ingestão de água com teores residuais de fluoreto de
3,5 ppm. A conclusão dos pesquisadores foi a identificação de 9 diferentes
graus de severidade de acordo com as características histológicas: 0, após
limpeza e secagem da superfície, a translucidez normal do esmalte
permanece; 1, linhas brancas opacas estreitas são observadas na superfície
do esmalte correspondendo à posição das periquimácias (em alguns casos, a
presença de áreas brancas tipo “cobertura de neve” nas incisais ou pontas de
cúspide podem ser observadas); 2, as linhas brancas são mais pronunciadas
e podem se fundir formando pequenas áreas nebulosas (a “cobertura em
neve” nas incisais e pontas de cúspide é frequente [Figura 18.6A]); 3, linhas
brancas fundidas formam áreas em forma de nuvens opacas que se
espalham por toda a superfície (entre as áreas de nuvens, linhas brancas
ainda podem ser visualizadas); 4, toda a superfície de esmalte se apresenta
branca e opaca (locais sujeitos à atrição são menos afetados [Figura
18.6B]); 5, toda a superfície de esmalte está branca e opaca e pequenas
áreas de perda de esmalte podem ser observadas (essas falhas menores que
2 μm de diâmetro são também conhecidas como depressões); 6, as falhas de
esmalte ou depressões tendem a formar depressões maiores ou se alinham
em faixas horizontais (nesses casos, as depressões são menores que 2 mm
na dimensão vertical); 7, perda do esmalte externo de forma irregular, mas
com comprometimento de menos da metade da área da superfície (o
esmalte remanescente é opaco); 8, a perda de esmalte envolve mais da
metade da superfície com o restante do esmalte opaco; 9, perda da maior
parte do esmalte alterando a anatomia dentária (a margem cervical do
esmalte pode permanecer intacta e opaca).
Clinicamente a fluorose pode se apresentar com diferentes graus de
acometimento, dependendo das quantidades de fluoreto ingeridas e do
tempo de exposição. Um importante aspecto que deve ser considerado são
os manchamentos pós-irruptivos do esmalte. A desfiguração marrom-
escurecida do esmalte com fluorose não é um resultado direto da
amelogênese defeituosa, mas sim de corantes dos alimentos que impregnam
a superfície dentária após a irrupção dentária. Este é um dos pontos
negativos para o uso de alguns índices de fluorose, a exemplo do índice de
Dean, que consideram a presença destas manchas na avaliação da
severidade (Rozier, 1994).
O grau de severidade da fluorose em diferentes elementos dentários
também pode estar relacionado ao tempo de duração da amelogênese. Por
este motivo, alguns dentes são mais afetados do que outros e a fluorose
apresenta a característica de simetria. Em geral, os dentes posteriores são
mais gravemente afetados em áreas de alta concentração de fluoretos na
água, enquanto em áreas com concentrações moderadas de fluoretos em
água, os dentes mais afetados são os pré-molares. Os incisivos também
podem ser gravemente afetados e são os dentes que despertam maior
preocupação estética. O risco de distribuição de fluorose (ordem
decrescente) para os dentes permanentes é normalmente: pré-molares >
segundo molares > incisivos superiores > caninos > primeiros molares >
incisivos inferiores. No entanto, este padrão pode ser modificado, sendo
muitas vezes os incisivos os dentes mais afetados (Dummer et al., 1986).
Diante de uma exposição prolongada ao fluoreto, toda a face de um mesmo
dente é afetada. Entretanto, se houver períodos de não exposição ao
fluoreto, existe a possibilidade de ocorrerem lesões restritas aos terços
incisais ou cervicais, onde o esmalte é menos espesso (Fejerskov et al.,
1994).
No que se refere ao padrão de distribuição da fluorose nas dentições
decídua e permanente, tem-se relatado que afeta ambas as dentições
(Fejerskov et al., 1994). Entretanto, as formas mais brandas na dentição
decídua são de difícil diagnóstico em função das características da própria
dentição, sendo mais afetados os molares do que os incisivos. A fluorose
dentária na dentição decídua é um fenômeno pós-natal associado à alta
concentração de fluoreto na água (Warren et al., 2001). Além disso, a
fluorose na dentição decídua é de menor gravidade para o paciente, pois os
dentes decíduos têm curto período de tempo na cavidade bucal quando
comparados aos permanentes.

Mecanismos envolvidos na patogênese da fluorose


dentária
Apesar dos atuais conhecimentos sobre os efeitos do fluoreto na
amelogênese, não há ainda uma explicação satisfatória sobre os sítios
específicos de ação desse íon no ameloblasto nem sobre sua ação nos
diferentes estágios de desenvolvimento, que levariam a maior retenção de
matéria orgânica e a menor conteúdo mineral.
No estágio de secreção do esmalte, a exposição crônica ao fluoreto
reduz a espessura do esmalte em até 10%, provavelmente por perturbar o
transporte de vesículas da matriz e alterar a degradação intracelular da
matriz nos lisossomos. A exposição de ratos a água contendo 25 a 100 ppm
de fluoreto leva ao aparecimento de múltiplas linhas de hipomineralização,
intercaladas com linhas de hipermineralização. Os ameloblastos no estágio
de secreção e início do estágio de transição são mais sensíveis a picos de
altas concentrações de fluoreto que os ameloblastos no estágio inicial de
secreção, com maior ocorrência de cistos, especialmente nos molares.
Mediante exposição crônica ao fluoreto nesse estágio ocorre acentuação das
periquimácias, o que corresponde a um dos primeiros sinais clínicos da
fluorose dentária.
O estágio de maturação parece ser o mais afetado pela exposição ao
fluoreto. Quando ratos são expostos cronicamente à água fluoretada no
estágio de maturação ocorre: redução no tamanho dos ameloblastos,
diminuição na coloração alaranjada dos incisivos, redução no número de
lisossomos e fagossomos, redução na atividade lisossomal e indução da
expressão de proteínas de estresse no retículo endoplasmático. Ocorre ainda
uma redução no número de ameloblastos de borda lisa e um aumento no
número de ameloblastos de borda rugosa. A exposição ao fluoreto neste
estágio faz com que a superfície externa do esmalte se hipermineralize
progressivamente, enquanto a subsuperfície fica porosa, levando à
aparência clínica da fluorose dentária (Bronckers et al., 2009). Tem sido
ainda relatado que a ingestão excessiva de fluoreto pode aumentar a
rugosidade dos cristais de apatita, o que pode dificultar a remoção das
proteínas da matriz do esmalte (Chen et al., 2006). Em adição, no estágio
final de maturação, o fluoreto presente na matriz do esmalte pode acelerar a
mineralização, resultando em hipermineralização localizada, o que requer
que os ameloblastos bombeiem uma quantidade adicional de bicarbonato na
matriz extracelular. Essa hipermineralização pode depletar os reservatórios
locais de Ca+2, resultando em uma banda subsequente de hipomineralização
(Bronckers et al., 2009).
O fluoreto não parece alterar a composição nem a qualidade das
proteínas da matriz do esmalte (Aoba et al., 1990), já que a matriz
fluorótica pode ser remineralizada se o fluoreto for removido do meio.
Esses achados sugerem que o fluoreto não se liga à amelogenina, mas sim
ao Ca+2 ligado às proteínas, de maneira reversível (Bronckers et al., 2009).
O que de fato acontece é que o fluoreto, por um mecanismo ainda não
totalmente conhecido, reduz a degradação das proteínas da matriz do
esmalte, levando ao seu aprisionamento. Com isso, haverá
hipomineralização na subsuperfície. Os possíveis mecanismos pelos quais o
fluoreto leva ao aprisionamento da matriz do esmalte são: redução da
produção de proteases pelos ameloblastos, atuação direta na atividade das
proteases da matriz extracelular; alteração nas características de adsorção,
área superficial ou propriedades da superfície dos cristais de esmalte aos
quais as proteínas da matriz aderem; redução do Ca+2 no fluido do esmalte
requerido para a atividade das proteases; prejuízo na endocitose e
degradação intracelular da matriz por alterar a modulação dos ameloblastos;
aumento da apoptose dos ameloblastos. É possível ainda que a superfície
hipermineralizada, que se forma na presença do fluoreto, possa atuar como
uma barreira física, prejudicando a entrada de minerais e proteases nas
camadas mais profundas do esmalte, bem como a saída das proteínas
(Bronckers et al., 2009).
O Ca+2 parece modular os efeitos do fluoreto na amelogênese, pois na
presença de fluoreto, a suplementação com Ca+2 permite que a matriz
recentemente sintetizada se mineralize, reduzindo as alterações na
morfologia dos ameloblastos induzidas pelo fluoreto, além de aumentar a
secreção de amelogenina, de maneira que a relação entre Ca+2, fluoreto e
amelogenina parece ser chave no desenvolvimento da fluorose dentária
(Bronckers et al., 2009).
Em síntese, os mecanismos pelos quais o fluoreto altera a formação do
esmalte são multifatoriais, a saber (Denbesten e Li, 2011):

• Os cristais que se formam no estágio de secreção do esmalte têm maior


conteúdo de fluoreto e, consequentemente, se ligam mais à
amelogenina
• A hidrólise das amelogeninas por proteinases é atrasada por interações
alteradas da amelogenina com os cristais de apatita contendo fluoreto
• No estágio de transição, o fluoreto é rapidamente depositado na matriz
porosa do esmalte entre as junções celulares abertas, resultando em
aumento na formação de apatita contendo fluoreto e em atraso na
hidrólise de proteínas
O resultado líquido desses efeitos relacionados ao fluoreto no estágio
• de secreção e transição é a retenção de amelogeninas no estágio de
maturação. Esse aumento na retenção de amelogeninas aumenta o pH
no estágio de maturação, já que as amelogeninas são responsáveis pelo
tamponamento dos prótons que são liberados quando a apatita se
forma
• A redução na acidificação da matriz atrasa a modulação para os
ameloblastos de borda lisa, resultando em poucas bandas de
ameloblastos em modulação
• No final da maturação, quando as amelogeninas são finalmente
removidas, a hipermineralização mediada pelo fluoreto pode aumentar
a acidificação, afetando a função dos ameloblastos, como a atividade
de transporte de íons, o que leva a camadas sucessivas de hipo e
hipermineralização no esmalte fluorótico.

Diagnóstico e tratamento da fluorose


Um dos maiores problemas para o diagnóstico da fluorose é o fato de que a
mesma só poderá ser confirmada clinicamente após a irrupção dos dentes.
Assim, uma exposição excessiva ao fluoreto aos 2 anos de idade só poderá
ser visualizada nos elementos 11 e 21 provavelmente aos 7 anos de idade.
Este intervalo entre a causa e o efeito dificulta a anamnese e o diagnóstico
diferencial da fluorose.
De um modo geral, a certeza do diagnóstico da fluorose aumenta de
acordo com a severidade e a prevalência dos defeitos no esmalte. Os casos
de fluorose mais difíceis de diagnosticar são, na maioria das vezes, os de
forma mais branda. Assim, os problemas de diagnóstico da fluorose
crescem com a redução da severidade. Para o correto exame da fluorose
dentária, é necessário que haja boa iluminação e a superfície do esmalte
esteja limpa e seca. Quando a superfície do esmalte é seca (por jato de ar), a
água retida nas porosidades do esmalte é substituída por ar e revela os
defeitos do esmalte com mais facilidade.
Por muito tempo o diagnóstico diferencial da fluorose compreendeu
basicamente a observação de simetria de dentes afetados com a associação
de padrões de opacidade do esmalte. Entretanto, é importante, que além da
observação clínica, o profissional inclua, sempre que possível a “história de
utilização de fluoretos do paciente”. Casos de fluorose severa podem ser
observados em cidades sem fluoretação de águas, mas com história de
ingestão de dentifrício fluoretado.
O diagnóstico diferencial com outras lesões de esmalte é
imprescindível. A hipoplasia do esmalte, por exemplo, é um defeito do
esmalte resultante da deposição insuficiente de matriz orgânica durante a
amelogênese e que pode ser confundida com a fluorose dentária. Ainda há
casos de hipomineralização causados por outros fatores etiológicos além do
fluoreto, que são definidos como opacidades. Estas lesões de esmalte
apresentam forma arredondada ou ovalada, às vezes irregular, mas
geralmente com bordas bem definidas. Além disso, hipoplasias e
opacidades podem afetar um elemento dentário apenas, em contraste com a
fluorose, que normalmente é observada nos elementos dentários
contralaterais. Estes aspectos básicos podem auxiliar o clínico a diferenciar
estas opacidades da fluorose (Fejerskov et al., 1994).
Os indivíduos com fluorose dentária estão sob o risco de desenvolver
lesões de cárie como qualquer outro indivíduo exposto aos fatores de risco à
cárie. Em realidade, as falhas de esmalte são áreas propensas ao
desenvolvimento de lesões cariosas.
A percepção das pessoas diante de um caso de fluorose dentária leve
pode variar de um simples problema cosmético até um sério problema de
saúde (Riordan, 1993). Por este motivo, a fluorose dentária só deve ser
considerada indesejável quando esta se torna inaceitável para os padrões de
percepção de uma determinada população ou de um paciente. O tratamento
estético da fluorose é realizado geralmente por meio da microabrasão do
esmalte (casos mais leves), que consiste na remoção da camada superficial
do esmalte fluorótico e a restauração com materiais estéticos quando
necessário (casos mais graves). Em uma boa parte dos casos, nenhum
tratamento é realizado.

Mecanismos de ação dos fluoretos no


controle da cárie dentária
A cárie dentária é uma doença com origem multifatorial, envolvendo
hospedeiro, dieta e microrganismos organizados em um biofilme dentário
(Keyes, 1960). Diante disso, as medidas mais eficazes no controle da cárie
dentária são a desorganização do biofilme e a redução no consumo de
açúcar. No entanto, estas medidas têm sido consideradas insuficientes para
controlar a doença, por serem altamente dependentes do paciente. Dessa
forma, o fluoreto tem sido considerado um bom coadjuvante do controle da
cárie dentária antes mesmo da etiologia da doença ter sido desvendada
(Dean et al., 1942). O fluoreto é reconhecido como o principal fator
responsável pela redução da prevalência da cárie dentária no mundo
(Bratthall et al., 1996; Buzalaf et al., 2011).
Na literatura é frequente encontrarmos o mecanismo de ação do
fluoreto na “prevenção” da cárie dentária dividido didaticamente em
sistêmico e tópico. A ação sistêmica se refere ao fluoreto que é ingerido e
metabolizado pelo organismo. Acreditava-se, entre as décadas de 1940 e
1970, que este fluoreto atingia o tecido dentário em desenvolvimento,
levando à formação de um tecido mais resistente. No entanto, após algumas
constatações na década de 1980, comprovou-se que o mecanismo de ação
do fluoreto é essencialmente tópico. A ação tópica reflete a interação local
do fluoreto com o tecido dentário, no momento da aplicação (Buzalaf et al.,
2011).
Durante muitos anos, acreditou-se que o mecanismo de ação do
fluoreto ocorria pela sua incorporação ao esmalte durante o período de
desenvolvimento do dente, formando a fluorapatita (FAP), um mineral mais
resistente à dissolução, justificando então o seu uso sistêmico. Este conceito
surgiu por se acreditar que o efeito preventivo do fluoreto estivesse
associado à ingestão de água fluoretada, o que levou ao uso de suplementos
vitamínicos com fluoreto para gestantes e para indivíduos não residentes em
áreas fluoretadas. No entanto, grande polêmica surgiu com a prescrição de
suplementos depois que se percebeu um aumento na prevalência da fluorose
dentária. Com relação às gestantes, deve-se considerar que a mineralização
dos dentes decíduos ocorre em parte no período pré-natal e em parte no pós-
natal. Já a mineralização dos dentes permanentes ocorre quase que
completamente após o período natal (Manji e Fejerskov, 1990), sendo este
mais um fator para a contraindicação de suplementos durante a gestação.
Não é somente durante a gestação que a ação sistêmica do fluoreto é
praticamente desprezível, mas durante toda a vida do indivíduo (LeGeros et
al., 1985). De fato, a porcentagem de substituição da hidroxila pelo fluoreto
que acontece no esmalte humano é insignificante para conferir proteção
contra a dissolução. O máximo de proteção é observado a partir de 60% de
substituição (22.500 ppm F), mas isto não acontece no esmalte humano. A
concentração de fluoreto incorporado no esmalte é variável, sendo mais alta
nas camadas mais externas. Para o esmalte mais superficial formado em
uma área fluoretada, a concentração de fluoreto fica na faixa de 3.000 a
5.000 ppm, o que corresponde a um grau de substituição de hidroxila pelo
fluoreto na apatita de 8% apenas (considerando-se a concentração de 3.000
ppm), sendo insignificante para uma proteção contra a dissolução do
esmalte. Quando o esmalte é formado em uma área não fluoretada, a
concentração de fluoreto na superfície é ainda menor, ficando na faixa de
2.000 ppm (5,6% de substituição) (Weatherell et al., 1977; Buzalaf, 2013).
Após os primeiros 10 a 20 mm do esmalte superficial, a concentração
de fluoreto cai bastante em profundidade, sendo por volta de centenas de
ppm em áreas fluoretadas, e cerca de 50 ppm apenas em áreas não
fluoretadas (Weatherell et al., 1977). Portanto, fica claro que mesmo na
melhor das hipóteses, ou seja, na região superficial do esmalte formado em
área fluoretada, ainda assim a concentração de fluoreto presente é
insignificante para conferir proteção contra a dissolução.
Vários estudos conduzidos nas décadas de 1980 e 1990 comprovaram
que o mecanismo de ação do fluoreto não é sistêmico, mas essencialmente
tópico (Fejerskov et al., 1981). Estudos in situ bastante elucidativos foram
conduzidos por Ögaard et al. (1988; 1991). Os autores testaram se a
presença de fluoreto incorporado ao esmalte era um importante fator para a
prevenção contra cárie dentária. Para tal, eles inseriram em um dispositivo
intrabucal blocos de esmalte de tubarão (constituído de 75% de FAP,
contendo cerca de 30.000 ppm F) e de esmalte humano (pobre em fluoreto).
Estes blocos foram cobertos por tela para permitir a formação do biofilme
dentário, durante 4 semanas de uso do dispositivo por voluntários. Os
dentes humanos foram submetidos ou não a tratamento com fluoreto
(solução com NaF 0,2%). Por meio de análises por microrradiografias,
pôde-se verificar que as lesões cariosas se formaram tanto em esmalte
humano quanto de tubarão, embora em menor intensidade no último,
mostrando que o fluoreto incorporado ao esmalte (fase sólida) não era
efetivo em prevenir a desmineralização dentária. Já o tratamento do esmalte
humano com solução fluoretada promoveu maior inibição da cárie dentária
quando comparado ao esmalte de tubarão, que não recebeu tratamento com
fluoreto. Isto mostra que o efeito do fluoreto é essencialmente tópico,
quando ele está presente no meio bucal (fase líquida) e não quando está
incorporado estruturalmente ao mineral do esmalte. É importante ressaltar
que a concentração de fluoreto no esmalte de tubarão é muito maior que no
esmalte humano e mesmo assim esse fluoreto não foi capaz de inibir
completamente a dissolução do esmalte de tubarão (Buzalaf et al., 2011;
Buzalaf, 2013). Por outro lado, concentrações baixas de fluoreto (em torno
de 1 ppm ou menos) presentes em uma solução ácida são capazes de reduzir
a solubilidade da apatita carbonatada a uma solubilidade equivalente à da
hidroxiapatita. Concentrações crescentes de fluoreto em solução reduzem a
solubilidade da apatita seguindo um padrão logarítmico (Featherstone et al.,
1990).
Surge então uma questão interessante: por que o fluoreto presente em
uma solução desmineralizante em uma concentração de 1 ppm é altamente
efetivo em reduzir a proporção de dissolução da fluorapatita, enquanto são
necessários vários milhares de ppm de fluoreto incorporados na apatita
sólida para produzir um efeito similar? Na verdade, deve ser considerado
que o mineral dentário contém aproximadamente 104 vezes a concentração
de cálcio e fosfato presentes em uma solução desmineralizante ou
remineralizante típica. Portanto, uma concentração de 1.000 ppm de
fluoreto no sólido é considerada pequena quando comparada aos teores de
cálcio e fosfato presentes no sólido. Contrariamente, poucos ppm de
fluoreto em solução representam uma alta concentração em relação às
concentrações de cálcio e fosfato presentes na solução (Chow, 1990).
Em virtude do exposto, para a “prevenção” contra cárie dentária, o
fluoreto deve estar constantemente presente no ambiente bucal em baixas
concentrações. A elucidação do mecanismo de ação do fluoreto, contudo,
não invalida os métodos de fluoretação didaticamente classificados como
sistêmicos, como é o caso da água, sal e leite, pois estes têm uma ação local
(tópica), no momento em que entram em contato com os dentes (Buzalaf et
al., 2011; Buzalaf, 2013). O conceito de que o mecanismo de ação do
fluoreto poderia ser sistêmico ou tópico caiu em desuso, uma vez que já
está comprovado que uma quantidade insignificante de fluoreto pode ser
incorporada ao tecido durante a sua formação. A rigor, o termo “sistêmico”
não deveria mais ser empregado quando se fala em meios de utilização do
fluoreto no controle da cárie. O termo mais adequado seria fluoreto
“comunitário” (Sampaio e Levy, 2011).
A fim de que se possa compreender de que maneira o fluoreto exerce
seus efeitos no controle da cárie dentária, devem ser considerados os cinco
diferentes tipos de fluoreto que podem estar presentes no ambiente bucal
(Arends e Christoffersen 1990; Buzalaf et al., 2011; Buzalaf, 2013) (Figura
18.7):
• FO: fluoreto externo ao esmalte (presente no biofilme e na saliva)
• FS: fluoreto presente na fase sólida, incorporado na estrutura dos
cristais, também chamado de fluoreto fortemente ligado, ou apatita
fluoretada (FAP)
• FL: fluoreto presente no fluido do esmalte
• FA: fluoreto adsorvido à superfície do cristal, também chamado de
fluoreto fracamente ligado
• CaF2: material “similar ao fluoreto de cálcio” presente na forma de
glóbulos depositados no esmalte e biofilme após a aplicação de
produtos com alta concentração de fluoreto (> 100 ppm F). Atua como
reservatório de cálcio e fluoreto, controlado pelo pH.
Figura 18.7 Tipos de fluoreto presentes no ambiente bucal (Buzalaf, 2013). (Modificada de Arends
e Christofersen, 1990.)

Dentre essas diferentes formas de fluoreto no ambiente dentário, qual


efetivamente protege o esmalte contra a dissolução? Este papel é exercido
pelo FA, já que, quando toda a superfície do cristal está recoberta por FA
(100% de cobertura) ela não se dissolve durante uma queda de pH
produzida por ácidos de origem bacteriana (pH 4,5 a 5,5) pois, nesse
momento, a composição do cristal se aproxima à da FAP. Em outras
palavras, o fluoreto adsorvido em uma fina camada monomolecular
circundando os cristalitos do esmalte inibe a dissolução, por transformar
parcialmente a superfície dos cristais em FAP. Por outro lado, quando o
recobrimento é parcial, as superfícies não protegidas podem ser dissolvidas
durante o ataque ácido, dependendo do grau de subsaturação (Arends e
Christoffersen, 1990) (Figura 18.8).
Um outro tipo de fluoreto importante é o FL, pois é este pool que
determina o grau de saturação. Assim, quanto maior a concentração de FL,
maior a probabilidade de ele se adsorver (se transformar em FA) e proteger
o esmalte. Baixos níveis de FL (subppm, 1 a 5 mM) são capazes de inibir
substancialmente a desmineralização (Featherstone et al., 1990). Como
seria possível então aumentar os níveis de FL a fim de proporcionar maior
adsorção e proteção contra a dissolução? Isto pode acontecer de quatro
maneiras: (a) quando a concentração de FS é alta e parte do cristal se
dissolve. Nesta situação, a superfície real do cristal é diminuída, sendo
necessário menos fluoreto para recobrir a nova superfície, ao mesmo tempo
que o fluoreto liberado do FS aumenta FL; (b) quando existe uma alta
concentração de FO ocasionada pela exposição recente ao fluoreto a partir
de agentes tópicos; (c) pela dissolução do fluoreto de cálcio (CaF2,
reservatório de fluoreto controlado pelo pH) (Arends e Christoffersen,
1990); (d) pela disponibilização de fluoreto a partir dos reservatórios
biológicos (mucosa, bactérias e partículas não bacterianas do biofilme (Fo)
(Vogel, 2011). Os cirurgiões-dentistas podem interferir nesta dinâmica por
meio da aplicação tópica de fluoreto em seus diferentes veículos,
aumentando a concentração de FO e CaF2 (Buzalaf, 2013).
Figura 18.8 Efeito da cobertura dos cristais de apatita com fluoreto adsorvido na inibição da
solubilidade ácida (Buzalaf, 2013). (Modificada de Arends e Christofersen, 1990.)

Em síntese, o efeito do fluoreto, na maior parte dos casos, ocorre após


a irrupção dos dentes, quando ele está presente no meio, saliva ou biofilme
dentário (Fejerskov et al., 1981; Featherstone, 1999; Ten Cate e van
Loveren, 1999). Classicamente, o fluoreto pode agir no controle da cárie
dentária por interferir nos processos de desmineralização e remineralização
e por inibir o metabolismo bacteriano (Featherstone, 1999; Ten Cate e van
Loveren, 1999; Buzalaf et al., 2011). Os efeitos podem ser modulados pela
concentração de fluoreto, pH do agente fluoretado, tipo de sal fluoretado,
tempo e frequência de aplicação.

Inibição da desmineralização pelo fluoreto


Se o fluoreto estiver presente no fluido do biofilme quando as bactérias
produzirem ácidos, ele vai penetrar na subsuperfície do esmalte juntamente
com os ácidos, podendo adsorver-se à superfície dos cristais (FA) e protegê-
los da dissolução (Featherstone, 1999). Como mencionado antes, quando
toda a superfície do cristal estiver recoberta por FA, não se dissolverá
mediante uma queda de pH provocada por ácidos bacterianos (pH 5,0), pois
terá comportamento similar à FAP, cujo pH crítico é 4,5. Entretanto, quando
houver cobertura parcial, as partes não recobertas se dissolverão (Arends e
Christoffersen, 1990) (Figura 18.8).
A grande questão é: qual a concentração mínima de fluoreto capaz de
interferir na desmineralização? Experimentos laboratoriais utilizando uma
concentração pequena de fluoreto (1 ppm) em soluções ácidas mostraram
redução na dissolução da apatita (Lynch et al., 2004). Aumentos na
concentração de fluoreto na solução ácida em contato com a superfície
diminuíram a solubilidade logaritmicamente (Featherstone et al., 1990).
Deste modo, quanto mais fluoreto livre estiver presente no meio, maior será
a inibição da desmineralização durante as quedas de pH.
O aumento do reservatório de fluoreto é limitado pela falta de cálcio,
que é imprescindível para formação de CaF2 e para a ligação do fluoreto à
bactéria (Whitford et al., 2002). Uma forma de se aumentar a
disponibilidade de cálcio é pela associação de bochechos com cálcio e uso
de produtos fluoretados (Pessan et al., 2006; Vogel et al., 2006; Magalhaes
et al., 2007; Vogel, 2011).
O fluoreto de cálcio (CaF2) é uma importante fonte de fluoreto para os
fluidos bucais. A grande relevância desse composto para o controle da cárie
dentária reside no fato de ser um reservatório de cálcio de fluoreto
controlado pelo pH. Esse composto se forma quando as concentrações de
fluoreto na solução que banha o esmalte são maiores que 100 ppm e essa
formação se dá em dois estágios (Larsen e Jensen, 1994). Inicialmente
acontece uma leve dissolução da superfície do esmalte, liberando Ca+2, o
qual, no segundo estágio, reage com o fluoreto que está sendo aplicado,
formando os glóbulos de CaF2, que se precipitam não apenas sobre o
esmalte, mas também no biofilme, película adquirida e porosidades do
esmalte (Rolla, 1988; Buzalaf et al., 2011). Uma vez que para a formação
do CaF2 é necessária a presença de Ca+2, quando os agentes fluoretados não
contêm Ca+2 associado ao fluoreto, a fonte de Ca+2 é o próprio esmalte
dentário. Por isso, os agentes fluoretados com pH mais baixo são capazes
de aumentar a formação do CaF2, o que também acontece prolongando-se o
tempo de aplicação do agente fluoretado. Agentes com concentração de
fluoreto de 300 ppm em pH neutro e de 100 ppm em pH 5 induziram a
formação espontânea de CaF2 em um sistema in vitro (Saxegaard e Rolla,
1988). O CaF2 formado durante a aplicação de agentes concentrados ou de
baixo pH contém menos fosfato e, por isso, é menos solúvel em
comparação ao CaF2 formado em outras condições (Rolla, 1988),
constituindo-se em reservatório mais durável.
Um aspecto de extrema importância em relação ao CaF2 é que essas
partículas podem ser mantidas sobre a superfície dentária por longo período
de tempo, provendo fluoreto livre durante as quedas de pH no biofilme
dentário (Fejerskov et al., 1981). Esse fluoreto livre passa a fazer parte do
pool de FL, podendo então se adsorver aos cristalitos do esmalte (FA),
protegendo-os da dissolução. A durabilidade do CaF2 sobre a superfície
dentária é causada pela adsorção de proteínas e fosfato secundário (HPO–24),
o que inibe a dissolução do CaF2 em pH neutro (ten Cate, 1997). O fosfato
confere a aparência globular vista em microscopia. Por isso, este material é
descrito mais frequentemente como fluoreto de cálcio-like (calcium
fluoride-like). Entretanto, quando o pH cai mediante a produção de ácidos
pelas bactérias do biofilme (pH < 5,5), este fosfato é convertido em fosfato
primário (H2 PO4–1) o qual não consegue prevenir a dissolução de CaF2
(Rolla, 1988). Nesse caso, o CaF2 dissolve-se, liberando Ca+2 e fluoreto para
inibir a desmineralização e acelerar a remineralização (Buzalaf, 2013).
Outro aspecto importante é que o CaF2 se forma mais sobre as
superfícies desmineralizadas ou incompletamente mineralizadas em
comparação às intactas (Rolla, 1988; ten Cate e van Loveren, 1999). Além
disso, mais CaF2 é formado sobre a dentina em comparação ao esmalte,
devido à grande área de superfície (mais reativa), disponibilizando mais
cálcio para a reação (Saxegaard et al., 1987). A desmineralização da
dentina também é inibida pelo fluoreto, assim como é para o esmalte. No
entanto, maior concentração de fluoreto é necessária para a dentina, para se
obter efeito similar ao esmalte (ten Cate, 1997).

Ação do fluoreto na aceleração da remineralização


Após um desafio ácido, o fluxo salivar, trazendo componentes tamponantes,
faz com que o pH seja restabelecido. Quando o pH alcança um valor maior
que 5,5, a remineralização acontece normalmente, uma vez que nesse valor
de pH a saliva já se torna supersaturada em relação ao mineral dentário,
favorecendo a deposição de minerais sobre o esmalte. A presença de
quantidades-traço de fluoreto na solução durante a dissolução da
hidroxiapatita é capaz de tornar a solução altamente supersaturada com
relação à apatita fluoretada, o que irá tornar o processo de remineralização
mais rápido que se ele ocorresse na ausência de fluoreto (Buzalaf et al.,
2011). O fluoreto irá se adsorver na superfície dos cristais parcialmente
desmineralizados, atraindo íons Ca+2. Uma vez que a apatita livre de
carbonato ou com baixo teor de carbonato é menos solúvel, essas fases
tenderão a se formar preferencialmente, em vez do mineral original, e os
cristais parcialmente dissolvidos irão atuar como nucleadores da sua
formação. Essa nova cobertura será menos solúvel, devido à exclusão do
carbonato e incorporação do fluoreto, atuando como um mineral
“fluorapatita-like”, portanto menos solúvel. Consequentemente, o esmalte
se tornará mais resistente a desafios ácidos subsequentes (Figura 18.9).
Após vários ciclos de dissolução e reprecipitação, na presença de fluoreto,
os cristais do esmalte podem se tornar completamente diferentes do seu
estado original, tornando-se mais resistentes (Featherstone, 1999).
Desta forma, o fluoreto tem sido aplicado para o tratamento de lesões
cariosas. Dependendo da concentração de fluoreto utilizada e das
características das lesões, a remineralização pode ser mais superficial
(quanto mais concentrado for o fluoreto) ou na subsuperfície (para
processos mais lentos na presença de menor concentração de fluoreto)
(Buzalaf, 2013).

Efeito pré-irruptivo do fluoreto “sistêmico”


Contrariamente ao que foi exposto até o momento, tem sido relatado em
estudos do tipo coorte que a exposição pré-irruptiva ao fluoreto durante a
formação da coroa dos primeiros molares permanentes é importante para a
prevenção contra cárie oclusal, independentemente da exposição durante a
maturação da coroa e no período pós-irruptivo. Esta proteção ocorreria
devido à incorporação do fluoreto na estrutura cristalina do esmalte em
desenvolvimento, bem como à sua adsorção na superfície do cristal ou sua
presença no fluido intercristalino. No período pós-irruptivo, durante a
dissolução dos cristais do esmalte provocada por um ataque ácido, o
fluoreto incorporado na estrutura do cristal pode ser liberado para a fase
fluida, tendo então efeito na inibição da desmineralização e aceleração da
remineralização. A justificativa para este achado é que a superfície oclusal é
de baixa acessibilidade ao fluoreto tópico, devido à presença de cicatrículas
e fissuras, dificultando a ação tópica pós-irruptiva do fluoreto, o que
enfatiza o seu efeito sistêmico, durante o período de formação dentária (ten
Cate e van Loveren, 1999; Singh e Spencer, 2004; Singh et al., 2007).

Ação do fluoreto no metabolismo bacteriano


Apesar de a principal ação do fluoreto no controle da cárie dentária ocorrer
por sua interferência na dinâmica dos processos de desmineralização e
remineralização do esmalte, tem sido proposto, com base em experimentos
in vitro, que esse íon poderia afetar o metabolismo de algumas bactérias,
especialmente de estreptococos mutans, o que poderia indiretamente afetar
a desmineralização (Marquis, 1995; Koo, 2008).
A principal via de entrada do fluoreto na bactéria é pela acidificação
do espaço extracelular, permitindo a formação de HF que consegue
atravessar a membrana. A ação direta do fluoreto sobre as bactérias bucais
reside: (1) na inibição da enolase, uma enzima da via glicolítica,
fundamental para a produção de energia. O fluoreto inibe a enolase por se
complexar com o Mg+2, cofator essencial para a atividade dessa enzima.
Com essa inibição, a via glicolítica não chega ao final, reduzindo a
produção de energia para a bactéria; (2) na inibição do sistema H+/ATPase,
uma bomba de prótons que retira os H+ produzidos junto com o lactato
(ácido lático), permitindo restabelecimento do pH intracelular, garantindo
que o metabolismo bacteriano não seja perturbado por uma queda de pH no
interior da bactéria (Figura 18.10). Quando a bomba de prótons não
funciona adequadamente, ocorre acidificação do meio intracelular,
dificultando o metabolismo bacteriano (ten Cate e van Loveren, 1999).
Em consequência das ações diretas do fluoreto no metabolismo
bacteriano descritas antes, há duas ações indiretas, que afetarão a captação
de glicose pela bactéria. Uma delas é a inibição do sistema fosfotransferase,
que transfere um fosfato para a glicose para que ela possa entrar na bactéria.
Essa ação é resultante da inibição da enolase, pois é o fosfoenolpiruvato que
doa o fosfato para a glicose, por meio do sistema fosfotransferase. Com a
inibição da enolase, há o bloqueio da via glicolítica em um ponto acima da
formação do fosfoenolpiruvato, de modo que não haverá doador de fosfato
para a glicose (Figura 18.10). Outra maneira pela qual a bactéria pode
captar glicose é pela sua entrada junto com H+. A bomba de prótons, ao
expulsá-los da bactéria, cria um gradiente de pH (meio extracelular mais
ácido que o intracelular). Dessa forma, os H+ tendem a retornar para a
bactéria, e quando voltam podem trazer consigo a glicose. Como o fluoreto
inibe diretamente a H+/ATPase, esse processo não ocorre. Dessa maneira, na
presença de fluoreto, além de a bactéria não conseguir produção adequada
de energia a partir da glicose que já está no seu interior, pela inibição da
enolase, a bactéria também não consegue captar glicose do meio externo,
pois as duas vias de entrada de glicose estão comprometidas. Com isso, a
bactéria fica sem energia e tem o seu pH acidificado, inibindo o seu
metabolismo.
Apesar desses efeitos do fluoreto sobre o metabolismo bacteriano
terem sido detectados in vitro, clinicamente ainda não se comprovou que os
mesmos acontecem, com as concentrações de fluoreto em geral utilizadas
(ten Cate e van Loveren, 1999; Koo, 2008). Assim, as principais ações do
fluoreto no controle da cárie dentária estão relacionadas à sua capacidade de
inibir a desmineralização e acelerar a remineralização, ações que acontecem
com baixos níveis de exposição ao fluoreto e são responsáveis por reduzir a
progressão da lesão cariosa e não “prevenir” a doença em sua essência
(Featherstone, 1999; ten Cate, 1999).

Figura 18.9 Representação esquemática do cristal parcialmente dissolvido atuando como um


nucleador para a remineralização na presença do fluoreto, formando uma cobertura “fluorapatita-
like” (Buzalaf, 2013).
Figura 18.10 Ação do fluoreto no metabolismo bacteriano. O fluoreto, pelo menos in vitro, tem
duas ações diretas (azul) no metabolismo bacteriano: (1) inibição da enolase, pela complexação
com o Mg+2, cofator da enzima, e (2) inibição da H+/ATPase (bomba de prótons a expensas de ATP).
Uma ação indireta é a inibição da captação de glicose (verde), que acontece devido à inibição do
sistema fosfotransferase (3), consequente à inibição da enolase, já que não se forma
fosfoenolpiruvato (doador de fosfato para a glicose) e também pela inibição da H+/ATPase não há
saída de H+ da bactéria, e com isto não há entrada de glicose associada ao retorno do H+ (4).

Mecanismos de ação dos fluoretos no


controle da erosão dentária
Com base neste mecanismo de ação do fluoreto para a “prevenção” de cárie
dentária, foi estipulado que o mesmo seria capaz de “prevenir” a erosão
dentária, que é uma lesão ocasionada também por ácidos, mas não os de
origem bacteriana (Wiegand e Attin, 2003). No entanto, os ácidos que
causam erosão dentária têm pH geralmente abaixo de 4,5, isto é, são
capazes de dissolver FAP. Portanto, a presença de FA não tem impacto
algum sobre a redução da dissolução do cristal de apatita durante o
desenvolvimento da erosão dentária. Portanto, o efeito do fluoreto sobre a
erosão dentária é limitado e não se baseia no mecanismo conhecido para a
cárie dentária. Trabalhos têm mostrado algum benefício da aplicação de
fluoreto sobre o desenvolvimento da erosão dentária in vitro e in situ,
porém pautados no efeito mecânico que o fluoreto pode exercer sobre o
dente (Magalhães et al., 2011; Lussi e Carvalho, 2015). A aplicação de NaF,
como já demonstrado, induz a precipitação de CaF2 sobre o dente, sendo
esta uma barreira mecânica contra o ácido, que será dissolvida antes do
dente. No entanto, esta camada apresenta baixa resistência ao ácido
(Magalhães et al., 2011), isto é, se dissolve rapidamente, requerendo
reaplicações frequentes de NaF. Além disso, a sua formação e ação na
dentina são dependentes da preservação do conteúdo orgânico
desmineralizado, o que pode ser uma limitação clínica, uma vez que este
conteúdo pode ser degradado por proteases (Ganss et al., 2004; Schlueter et
al., 2007).
Atualmente, têm-se buscado fluoretos alternativos, como aqueles
contendo metais polivalentes (como TiF4 ou SnF2), para o controle da
erosão dentária, uma vez que a presença de Ti e Sn em produtos fluoretados
tem possibilitado a melhoria nesta proteção mecânica, pela deposição ou
incorporação de compostos ricos em Ti e Sn na estrutura dentária
(Magalhães et al., 2008; Ganss et al., 2010). A resistência desta camada ao
ácido é maior que aquela contendo apenas CaF2, adicionalmente aos efeitos
desses compostos em dentina independem da preservação da camada
orgânica desmineralizada, o que pode ser muito promissor clinicamente
(Ganss et al., 2013; Ganss et al., 2014). Apesar dos resultados laboratoriais
promissores, não há estudos clínicos que confirmem o efeito protetor do
fluoreto na erosão dentária (Magalhães et al., 2011; Lussi e Carvalho,
2015).

Conclusão
A utilização dos fluoretos é um dos principais responsáveis pelo declínio na
prevalência de cárie observado nas últimas décadas em todo o mundo. Essa
ação no controle da cárie dentária é exercida principalmente pela sua
interferência nas reações de desmineralização e remineralização, quando os
fluoretos estão presentes em baixas concentrações nas fases fluidas do
ambiente bucal. Desse modo, não é necessário ingerir os fluoretos para que
eles tenham ação no controle da cárie dentária. Considerando que as ações
tóxicas do fluoreto no organismo ocorrem em virtude de sua ingestão
excessiva, tanto de maneira aguda (ingestão de quantidade grande de uma
única vez) quanto de maneira crônica (ingestão de doses ligeiramente
elevadas ao longo do tempo), é possível, pelo conhecimento sobre o
metabolismo e os mecanismos de ação do fluoreto no controle da cárie,
obter o máximo benefício (controle da cárie) com um mínimo de risco de
ocorrência de efeitos colaterais, dentre os quais o principal é a fluorose
dentária. Assim, o uso racional dos fluoretos será um dos maiores aliados
dos cirurgiões-dentistas para o controle da cárie dentária.

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A
pesar de os métodos para o controle mecânico da placa dentária serem
eficazes na manutenção da saúde bucal, na prática eles nem sempre
são aplicados de maneira satisfatória por boa parte da população. Assim, os
agentes químicos podem servir como coadjuvantes no controle de placa
dentária, reduzindo os microrganismos a níveis compatíveis com a saúde
bucal (Barnett, 2003; Teles e Teles, 2009). Lembramos que neste livro é
utilizado tanto o termo placa dentária como biofilme dentário.
Esses agentes também são usados como terapia, quando a doença já
está estabelecida. Em geral, são indicados para pacientes com dificuldades
de manter boa higiene bucal (p. ex., devido à utilização de aparelhos
ortodônticos, à presença de à gengivite ou periodontite avançada, ou devido
a problemas motores), submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço
(baixo fluxo salivar) ou para tratamento pós-cirúrgico.
Apesar de usarmos o termo agentes antiplaca, os agentes podem atuar
de três maneiras: como antimicrobianos, antiplaca e antigengivite (Figura
19.1). Alguns agentes antimicrobianos atuam diretamente nas células
microbianas, destruindo-as (agentes bactericidas). Outros atuam em
sistemas essenciais de transporte de membrana ou afetam o metabolismo
das células, impedindo-as de adquirir energia necessária para a sobrevida e
a multiplicação (agentes bacteriostáticos). A atividade antimicrobiana não
necessariamente está correlacionada diretamente aos efeitos antiplaca e não
há associação direta com a redução na formação da lesão de cárie (Scheie,
1989; Tewtman, 2004).
Os agentes antiplaca interferem na adesão bacteriana à superfície
dentária ou a outras bactérias, por inativarem enzimas como as
glicosiltransferases, reduzindo a formação da placa dentária. Existem ainda
os agentes antigengivite, que reduzem a inflamação gengival.
No entanto, microrganismos organizados em placa são muito menos
suscetíveis a agentes químicos. A concentração necessária para matar
microrganismos em um biofilme pode ser de 10 a 500 vezes mais alta do
que aquela necessária para eliminar os microrganismos em fase planctônica
(microrganismos não aderidos, vivendo livremente em suspensão),
principalmente em biofilme mais velho e maduro. Isso ocorre em função
dos polissacarídeos extracelulares na matriz do biofilme que restringem a
difusão do agente químico no biofilme, protegendo-o contra distúrbio
(Marsh e Bradshaw, 1997). Os agentes antimicrobianos tendem a atuar mais
nas bactérias superficiais do que naquelas encontradas em camadas mais
profundas do biofilme. Além da barreira mecânica, a matriz extracelular
pode interagir ionicamente ou eletrostaticamente com os agentes
antimicrobianos, já que estes em geral são carregados positivamente, e a
matriz contém cargas negativas ou polissacarídeos neutros (Sbordone e
Bortolaia, 2003). Outros fatores também dificultam a ação de agentes
químicos no biofilme, como a ativação da resposta adaptativa ao estresse, a
heterogeneidade da população microbiana, as variações fenotípicas e
mutações.

Figura 19.1 Classificação dos agentes químicos de acordo com o mecanismo de ação.

Portanto, a escolha do agente antiplaca deve-se basear na sua eficácia e


na baixa prevalência de efeitos colaterais. A eficácia de um agente, além de
ser determinada pelo seu mecanismo de ação e potência, é influenciada pelo
seu grau de biodisponibilidade, que depende de sua substantividade e da
limpeza salivar. A potência é descrita a partir das concentrações mínimas
inibitórias (CMI, capazes de inibir o crescimento) e/ou bactericidas
(capazes de matar as bactérias) do agente, bem como de seu espectro de
ação microbiano. É importante considerar as possíveis interações do agente
com os componentes salivares (principalmente com as enzimas) e com os
produtos ativos do veículo usado ou de outros produtos odontológicos
utilizados rotineiramente, os quais podem reduzir sua eficácia.
A substantividade de um agente se refere à sua capacidade de aderir às
superfícies da mucosa e da película, e à taxa de liberação desses sítios de
ligação. Tal característica permite o contato prolongado entre o agente e o
biofilme dentário. A ligação dos agentes com substantividade às superfícies
bucais não é específica, envolvendo forças de van der Waals, interações
iônicas, hidrofóbicas ou covalentes. As moléculas do agente ligadas às
superfícies estão em equilíbrio com as moléculas livres na saliva. As
moléculas são liberadas de seus sítios de ligação quando a concentração
salivar do agente diminui.
A quantidade do agente retido durante a aplicação depende da sua
propriedade em aderir às superfícies, da taxa de fluxo salivar e gengival, da
dosagem, da concentração, do tempo de contato e da frequência de
aplicação. Outros fatores que influenciam a retenção dos produtos são o pH
e os íons presentes na superfície de aderência. O baixo pH reduz a
ionização dos grupos receptores ácidos, interferindo na retenção de
produtos químicos catiônicos. Similarmente, as interações de agentes
catiônicos e sítios receptores podem ser reduzidas quando há excesso de
íons metálicos, como o cálcio, que competem com o agente antiplaca pelo
sítio receptor (Cummins e Creeth, 1992).
A adsorção e a liberação do produto não podem implicar perda de sua
atividade biológica. A liberação de um agente pode ser causada pelas trocas
iônicas com o cálcio salivar, e depende do pH, da constante de dissociação e
da taxa de fluxo salivar. O agente pode também ser removido devido à
descamação das células epiteliais.
Se o agente não tiver a capacidade de aderir à superfície bucal, para ser
liberado aos poucos, deve possuir atividade biológica suficiente para ser
clinicamente efetivo em curto período de tempo (< 15 min), durante o qual
se encontrará na boca (Dawes, 1983). Na prática, há poucos exemplos de
agentes químicos com essa capacidade. É possível aumentar a eficácia do
agente antiplaca pela combinação com outros agentes antimicrobianos
complementares no modo de ação. Outra opção é aumentar a atividade de
um agente antiplaca utilizando um agente de retenção, com o objetivo de
aumentar a substantividade (Cummins e Creeth, 1992).
Para a seleção de um agente antimicrobiano também deve ser levada
em consideração a toxicidade da substância em relação aos tecidos da boca,
já que os antimicrobianos, por serem inespecíficos, podem provocar efeitos
colaterais. Além disso, a substância deve ser de baixa permeabilidade pelos
tecidos bucais, considerando os efeitos gerais para a saúde. Também não
deve provocar desequilíbrio da microbiota residente na cavidade bucal e
surgimento de bactérias resistentes. A Figura 19.2 resume as características
desejáveis de um agente antiplaca.

Principais mecanismos de ação de um agente


antiplaca
Os agentes químicos podem alterar ou reduzir o biofilme por meio de um
ou mais princípios: (1) inibição da colonização microbiana; (2) inibição do
crescimento e metabolismo microbianos; e (3) interrupção do biofilme
maduro.

Figura 19.2 Características desejáveis de um agente antiplaca (boa eficácia com baixa incidência de
efeitos colaterais).

Inibição da colonização microbiana


Várias estratégias têm sido exploradas para a modificação das
características da superfície dentária, da película ou dos microrganismos, a
fim de se reduzir a adesão microbiana. Tais agentes modificadores da
superfície incluem os polímeros aniônicos, os aminoalcoóis substituíveis, o
olimetilsiloxano, o fosfato de acila combinado com surfactante não iônico,
os polifosfatos e a quitosana (polissacarídeo catiônico composto por D-
glicosamina e N-acetil-D-glicosamina) (Pasquantonio et al., 2008; Busscher
et al., 2008). Essas moléculas podem se adsorver ao dente, reduzindo a
energia livre de superfície. Outro mecanismo de ação se dá pela
interferência na adesão microbiana por meio da expressão danificada das
adesinas de superfície.

Inibição do crescimento microbiano e/ou do metabolismo


Os agentes antiplaca se ligam à membrana microbiana, interferindo em
funções normais, como o transporte. A adsorção à membrana microbiana
pode levar também a alterações na permeabilidade, resultando no
extravasamento de componentes intracelulares junto à desnaturação e à
coagulação de constituintes citoplasmáticos.

Desorganização da placa madura


Alguns agentes antiplaca, como a clorexidina, podem inibir a atividade de
uma enzima denominada glicosiltransferase, envolvida na formação de
glicanos (polissacarídeo extracelular) que fazem parte da matriz
extracelular (Scheie e Kjeilen, 1987; Steinberg e Rothman, 1996).

Veículos de administração dos agentes


antiplaca
Os agentes antiplaca podem ser liberados para a cavidade bucal por meio de
vários veículos, como soluções para bochechos, sprays, dentifrícios, géis,
gomas de mascar/pastilhas, vernizes e dispositivos de liberação longa
(Figura 19.3). A escolha do veículo deve se basear na compatibilidade entre
o agente químico e os componentes do veículo, na biodisponibilidade do
agente no sítio de ação e na facilidade de uso pelo paciente. A cooperação
do paciente é reduzida quando há necessidade de alta frequência de
aplicações, prolongado tempo de tratamento e alta complexidade de
utilização.

Figura 19.3 Tipos de veículos utilizados para a aplicação dos agentes antiplaca.

Solução para bochecho


Veículo simples, composto por água, agente surfactante, conservante e
aromatizante. Por ser simples, é compatível com a maioria dos agentes.
Uma limitação é a inclusão do sal de fluoreto estanhoso, que tem vida curta
em soluções devido à perda de estanho por precipitação (Cummins e
Creeth, 1992).

Sprays
Não há pesquisas em número suficiente para suportar o uso do spray. A
maior vantagem deste veículo é que são requeridas doses relativamente
pequenas para alcançar eficácia.
Dentifrícios
Os dentifrícios apresentam várias funções, como limpar manchas dentárias,
fornecer sensação de frescor e limpeza aos dentes, e servir como veículo
para agentes químicos. Contêm vários ingredientes: sistema abrasivo (para
remover manchas), componente para transporte do abrasivo e agente ativo,
agente surfactante e detergente, agente aromatizante e agente terapêutico
(principalmente o fluoreto). Devido à complexa composição do dentifrício,
alguns agentes antiplaca podem se alterar devido à interação com outros
componentes. A clorexidina, por exemplo, pode ser inibida pelo detergente
lauril sulfato de sódio. Os agentes antiplaca mais apropriados para serem
incorporados ao dentifrício são a triclosana e os íons metálicos (Cummins e
Creeth, 1992).

Gel
Sistema aquoso consistente, com umectante, mas sem material abrasivo ou
agente espumante. Veículo compatível com a maioria dos agentes antiplaca.
Em geral, os géis são aplicados em moldeiras, fornecendo contato íntimo
com a superfície dentária. São usados principalmente para aplicação de
clorexidina e fluoreto estanhoso. O gel mais apropriado para o fluoreto
estanhoso tem baixo pH (3 a 4), alta concentração de umectante (glicerol) e
baixa concentração de água, que minimiza a precipitação do estanho.

Gomas de mascar e pastilhas


O efeito depende da liberação do agente durante o ato de mascar ou durante
a dissolução. O tempo de contato parece ser maior que para os bochechos,
mas a salivação aumentada elevará inevitavelmente a taxa de liberação do
agente e sua limpeza da cavidade bucal.
Vernizes e dispositivos de liberação lenta
Os vernizes e dispositivos são agentes de liberação lenta que podem
fornecer efeito prolongado do agente profilático. A associação entre verniz
fluoretado e clorexidina tem sido testada para o controle da cárie dentária, e
considerada tão efetiva quanto o verniz contendo somente fluoreto
(Petersson et al., 1998; Zaura-Arite e ten Cate, 2000; Brailsford et al., 2002;
Hausen et al., 2007).

Tipos de agentes anti-placa


A Tabela 19.1 resume e classifica os tipos de agentes antiplaca de acordo
com as suas características químicas.
Tabela 19.1 Classificação dos agentes antiplaca de acordo com as características químicas.

Tipos de agentes Exemplos


Catiônicos Clorexidina, cloreto de cetilpiridínio, delmopinol,
hexetidina, extrato de sanguinarina e ío ns metálicos

Aniônicos Dodecil sulfato de sódio

Não iônicos Triclosana

Outros Xilitol, agentes naturais (p. ex., própolis) e óleos


essenciais

Terapia fotodinâmica Corante + luz

Antibióticos Amoxicilina, metronidazol, clindamicina

Agentes catiônicos
Em geral, agentes catiônicos são mais potentes que os aniônicos ou não
iônicos; isto porque os agentes catiônicos se ligam prontamente à superfície
microbiana carregada negativamente, podendo agir em microrganismos
gram-positivos e gram-negativos. Os sítios de ligação dos agentes
catiônicos nas bactérias gram-positivas são grupos carboxílicos livres dos
peptidoglicanos e grupos fosfato dos ácidos teicoico e lipoteicoico na
parede da célula bacteriana; nas bactérias gram-negativas esses sítios são os
lipopolissacarídeos.

Clorexidina
A clorexidina (CLX) é adicionada a veículos como digluconato de
clorexidina, uma vez que este apresenta alta solubilidade aquosa. A CLX é
uma bisbiguanida com propriedades tanto hidrofílicas como hidrofóbicas,
efetiva contra microrganismos gram-positivos e gram-negativos. A
molécula de CLX carregada positivamente se liga por intermédio de forças
eletrostáticas aos grupos fosfato, carboxila ou sulfato na mucosa bucal, nos
microrganismos e na película. Portanto, apresenta boa retenção
(substantividade), principalmente em pH neutro e na ausência de cátions
que podem competir por sítio de ligação (Cummins e Creeth, 1992).
Aproximadamente 30% da dose de clorexidina administrada permanece
retida após o bochecho (Marsh, 2010), e a sua concentração ainda é alta 24
h após a sua aplicação (Bonesvoll, 1977).
A integridade da membrana microbiana pode ser rompida por
interações com a porção hidrofóbica da molécula de CLX, causando
distúrbio em sua função. A CLX é bactericida em concentrações altas,
levando ao extravasamento de constituintes celulares com baixo peso
molecular e à precipitação dos conteúdos celulares, dano irreversível. Seu
efeito bacteriostático ocorre mediante a aplicação de concentrações mais
baixas, interferindo nas funções normais da membrana ou no
extravasamento dos constituintes celulares.
A realização de bochecho com solução de CLX 0,2% reduz a
microbiota em 80 a 95%, e bochechos realizados 2 vezes/dia inibem
parcialmente a formação do biofilme. Como resultado do efeito
antimicrobiano direto, a CLX reduz a atividade metabólica do biofilme, o
que se demonstra pela diminuição da queda de pH após o estímulo com
glicose e sacarose. A CLX também é capaz de inibir enzimas bacterianas
essenciais, como a glicosiltransferase, e as enzimas metabólicas, como o
fosfoenolpiruvato fosfotransferase (Marsh, 1993). O número de bactérias é
restabelecido de 1 a 5 meses após a finalização do tratamento.
A clorexidina tem excelentes efeitos antiplaca e antigengivite quando
comparada a outros agentes antiplaca, mas com alta incidência de
pigmentação dos dentes (Van Strydonck et al., 2012) devido à sua
substantividade, que retém seu efeito antimicrobiano. Os dados
relacionados à efetividade da CLX para a prevenção da cárie dentária são
inconclusivos. A primeira revisão sistemática sobre o efeito da clorexidina
concluiu que não há evidências suficientes para o uso de verniz de
clorexidina para prevenção de cárie em pacientes de alto risco (Twetman,
2004). Outra revisão mostrou efeito moderado na inibição da cárie dentária
pela aplicação de verniz de clorexidina (a cada 3 a 4 meses) em crianças,
adolescentes e adultos jovens (Zhang et al., 2006). Portanto, o efeito do
verniz de clorexidina em comparação ao verniz fluoretado é inconclusivo
(James et al., 2010).
O uso de verniz de clorexidina e fluoreto tem sido testado para
prevenir lesões de cárie, com bons resultados (Petersson et al., 1998; Zaura-
Arite e ten Cate, 2000; Brailsford et al., 2002; Hausen et al., 2007). No
entanto, ainda não há evidências fortes da relação entre a aplicação de
clorexidina, principalmente na forma de verniz, e a redução da cárie em
crianças e adultos (ten Cate, 2009; Ashley, 2010; James et al., 2010; Slot et
al., 2011). Slot et al. (2011) mostraram que na ausência de profilaxia
profissional regular e instrução de higiene, o verniz de clorexidina pode ter
algum efeito benéfico para pacientes com necessidades especiais e
xerostômicos, porém a força para a recomendação é fraca.
Atualmente a CLX tem se destacado devido ao seu possível papel
como inibidora de MMPs (metaloproteinases de matriz que degradam
colágeno) na dentina, reduzindo a progressão da desmineralização e a perda
de adesão em restaurações estéticas, (Carrilho et al., 2007) bem como a
progressão da doença periodontal pela inibição de MMPs gengivais (Azmak
et al., 2002).
Apesar do extensivo uso de CLX, são poucos os registros sobre efeitos
colaterais sistêmicos. Sabe-se que é pobremente absorvida pelo trato
gastrintestinal, o que representa baixa toxicidade, no entanto, alguns efeitos
adversos locais são frequentemente relatados, como descoloração dos
dentes, da língua, de restaurações e próteses, além de descamação e
ferimento da mucosa, distúrbios no paladar e gosto amargo. A pigmentação
causada pela CLX é de ordem extrínseca, sendo removida com profilaxia.
A dosagem prescrita para os bochechos com CLX costuma ser de 10
mℓ da solução a 0,2% ou 15 mℓ da solução a 0,12%, 2 vezes/dia, por até 4
semanas, e não há diferença na eficácia entre as duas concentrações
(Matthews, 2011). Para uso por período prolongado, a dose de CLX deve
ser indicada individualmente. A adição de CLX (0,5, 0,75 e 0,95%) a
dentifrícios tem sido testada, com a substituição do detergente na fórmula
(lauril sulfato de sódio por cocobetaína), para o controle do biofilme,
gengivite e sangramento em pacientes ortodônticos, apresentando bons
resultados e baixa incidência de efeitos colaterais (Olympio et al., 2006;
Oltramari-Navarro et al., 2009). Há forte evidência científica para os efeitos
antiplaca e antigengivite da CLX (Gunsolley, 2010), mas inconclusivo para
a prevenção da cárie (James et al., 2010).

Cloreto de cetilpiridínio
O cloreto de cetilpiridínio (CCP) é um composto de amônio quaternário. A
molécula de CCP apresenta ambos os grupamentos hidrofílicos e
hidrofóbicos, permitindo interações iônicas e hidrofóbicas. Presume-se que
a interação com microrganismos ocorra via ligação catiônica, assim como a
CLX.
A atividade antimicrobiana do CCP é semelhante à da CLX, enquanto
a propriedade de inibição do biofilme se mostra inferior (Sreenivasan et al.,
2013), o que pode ocorrer devido ao fato de o CCP perder sua atividade
antimicrobiana quando adsorvido à superfície, bem como apresentar
menores propriedades de substantividade. A retenção inicial do CCP é
maior do que a da CLX, mas este é removido com mais rapidez pela
limpeza salivar. Não existem dados sobre sua eficácia anticárie. Revisão
sistemática mostrou pobre evidência científica para o efeito antiplaca do
CCP (Gunsolley, 2010), e alguns estudos mais recentes mostram que o
CCP, com ou sem álcool, é capaz de reduzir a placa supragengival e a placa
associada a microrganismos periodontopatogênicos em comparação ao
controle sem tratamento/placebo (Sreenivasan et al., 2013; Costa et al.,
2013).

Delmopinol e hexetidina
O delmopinol é um surfactante com baixo peso molecular,
predominantemente catiônico em pH menor que 7. Possui atividade
antiplaca devido à sua interferência nas propriedades físico-químicas das
superfícies bucais. Portanto, reduz a formação do biofilme dentário,
provavelmente pela redução da adesão microbiana à superfície dentária,
sendo este efeito menor ou comparável à CLX. Não há estudos sobre seu
efeito anticárie.
A hexetidina é uma hexaidropiridina sintética que apresenta atividade
antimicrobiana e antifúngica. É ativa contra microrganismos gram-positivos
e gram-negativos. Sua atividade antimicrobiana é inferior à CLX. Exerce
ainda menores efeitos antiplaca e antigengivite em comparação à CLX
(Afennich et al., 2011). O aumento na concentração do produto faz com que
sua efetividade antiplaca seja semelhante à CLX, porém com o aumento na
incidência de lesões descamativas. Sua eficácia antiplaca também aumenta
na presença de zinco. O mecanismo exato da atividade antiplaca não é
claro.

Extratos de sanguinarina
O extrato de sanguinarina (ES) é um preparado à base de ervas com ação
sobre os microrganismos gram-positivos e gram-negativos. O mecanismo
exato de sua ação não é claro, mas parece exercer efeito bactericida por
interferir nas fases essenciais da síntese da parede celular bacteriana. ES
supostamente suprime a atividade de várias enzimas, por meio da oxidação
dos grupos SH. Acredita-se que sua atividade antimicrobiana esteja
associada às propriedades lipofílicas das moléculas. Outra característica
importante é que o ES é capaz de se ligar a íons metálicos, associação que
aumenta seu efeito antibacteriano. A aderência de bactérias à hidroxiapatita
pode ser inibida e a agregação salivar pode ser aumentada pela ação do ES.
Estes dois fatores podem contribuir para a inibição de formação do
biofilme, mas a evidência clínica sobre seus efeitos na prevenção da cárie
dentária é escassa.

Íons metálicos
Dependendo da concentração iônica, os metais podem ter efeitos
antimicrobianos. Os íons metálicos de interesse são cobre, estanho e zinco.
A hidrólise e a ligação dos íons metálicos a outros componentes do produto
aplicado reduzem a efetividade, o que torna a formulação do veículo
crucial.
Os íons metálicos interagem com microrganismos gram-positivos e
gram-negativos. O efeito antimicrobiano não é específico, ocorrendo por
intermédio da formação de pontes de sal metálico com grupos aniônicos de
enzimas. Essa ligação pode alterar a carga ou causar mudanças
conformacionais nas enzimas responsáveis pela aderência dos
microrganismos ao dente/biofilme. Os íons metálicos apresentam efeito
antiglicolítico quando incorporados pela bactéria, mediante inativação
oxidativa de grupos SH das enzimas glicolíticas.
Os íons metálicos são agentes com boa substantividade, apresentando
prolongada retenção na cavidade bucal. Ligam-se aos mesmos receptores
que a CLX; portanto, são competidores. Os efeitos adversos relacionados
aos metais são o gosto metálico desagradável, a tendência a induzir
sensação de secura na boca e manchas dentárias de coloração amarelada e
amarronzada. Os sulfetos metálicos, formados entre os íons metálicos e os
grupos sulfidril das proteínas da película, provavelmente sejam
responsáveis pelo efeito de manchamento. No entanto, a tendência à
mancha é geralmente menor para os íons metálicos que para a CLX.

Fluoreto estanhoso
O estanho é exemplo de íon metálico com efeito antimicrobiano. O fluoreto
estanhoso (SnF2) pode ser incorporado a soluções, géis e dentifrícios,
agregando benefícios. Na Europa, comercializam-se soluções e dentifrícios
contendo uma mistura sais fluoretados incluindo o estanho; aqui no Brasil
temos apenas um dentifrício comercial com NaF e SnF2. O fluoreto
estanhoso tem a capacidade de inibir e reduzir a virulência e o metabolismo
bacterianos (Tinnanoff et al., 1980). Além disso, também age na inibição da
desmineralização dentária (Ganss et al., 2001; 2004; 2008).
Estudos clínicos duplos-cegos, paralelos e aleatorizados com pelo
menos 6 meses de duração (Buzalaf e Magalhães, 2008), mostram redução
do biofilme e/ou da gengivite por meio da adição de fluoreto estanhoso ao
dentifrício, associado ou não a outros sais fluoretados, em comparação aos
dentifrícios convencionais (NaF). O dentifrício com fluoreto estanhoso
estabilizado parece ter capacidade de reduzir o acúmulo de placa
compatível ao dentifrício contendo triclosana (Sharma et al., 2013; Kumar,
2015). O gluconato de sódio é um agente comumente utilizado para
estabilizar o fluoreto de estanho, mas devido aos possíveis efeitos colaterais
(sensação de secura e pigmentação dentária), nem sempre o fluoreto de
estanho é bem aceito pela população. Por isso, quando testado, geralmente é
adicionado ao dentifrício na concentração de 0,454% juntamente ao
hexametafosfato de sódio, agente químico clareador. O hexametafosfato de
sódio, além de evitar a pigmentação por redução da hidrólise e oxidação do
estanho, também tem efeito antitártaro.

Agentes aniônicos
Dodecil sulfato de sódio
O dodecil sulfato de sódio (SDS) apresenta em sua molécula um grupo de
sulfato hidrofílico e uma cadeia hidrofóbica de carbono. É frequentemente
utilizado como detergente em dentifrícios comerciais. A adsorção do SDS
em altas concentrações à superfície microbiana pode interferir na
integridade da parede celular, com o subsequente extravasamento dos
constituintes celulares. Em baixas concentrações, o SDS inibe enzimas
microbianas específicas, como a glicosiltransferase de S. sobrinus e S.
mutans; a fosfotransferase do fosfoenolpiruvato em S. sobrinus; a
desidrogenase do ácido lático e a desidrogenase da glicose 6-fosfato em E.
coli. Esses efeitos podem estar relacionados à alta afinidade do SDS pelas
proteínas e sua propriedade de desnaturação. No entanto, não há dados que
suportam seus efeitos antiplaca e cariostático.

Agentes não iônicos


Triclosana
A triclosana (2,4,4-tricloro-2-hidroxidifenil éter) é agente antimicrobiano
não iônico com propriedades hidrofílicas e hidrofóbicas. Apresenta pobre
solubilidade aquosa, e tem sido adicionada principalmente a dentifrícios,
uma vez que a fase surfactante/flavorizante facilita sua liberação e retenção
durante a aplicação.
A triclosana é um dos agentes antibacterianos mais comumente
incorporados em produtos para uso bucal, devido ao seu grande espectro de
ação, à sua compatibilidade com ingredientes dos produtos e à sua
segurança em relação à toxicidade (Lindhe, 1990). Em geral, os princípios
ativos dos dentifrícios contendo triclosana são: triclosana 0,3%, PVM/MA
2% e NaF; triclosana 0,3%, citrato de zinco 0,75% e MFP; ou triclosana
0,28%, pirofosfato e NaF.
Apresenta largo espectro antimicrobiano, com atividade contra
microrganismos gram-positivos, gram-negativos e fungos. Presume-se que
a triclosana iniba especificamente a síntese de lipídios (McMurry et al.,
1998), levando à formação defeituosa da membrana celular e a distúrbios na
função, como o transporte. Na concentração bacteriostática, previne a
incorporação de aminoácidos essenciais pelas bactérias; já na concentração
bactericida, destrói a integridade da membrana e causa o vazamento dos
conteúdos celulares. Também tem efeito anti-inflamatório, já que neutraliza
a ação de produtos bacterianos responsáveis pela inflamação, além de ser
potente inibidor das vias ciclo-oxigenase (PGE2) e lipo-oxigenase (Jin e
Yip, 2002; Panagakos et al., 2005).
A eficácia antiplaca e a substantividade da triclosana sozinha são
limitadas. Um modo de potencializá-la é aumentar a retenção bucal e
diminuir a taxa de liberação da triclosana por meio da adição de
copolímeros, como o ácido maleico de éter metílico polivinil (PVM/MA,
conhecido como Gantrez™). Outro caminho para potencializar o efeito
antimicrobiano da triclosana é adicionar citrato de zinco. A meia-vida da
triclosana na cavidade bucal é de 20 min; quando associada ao Zn, esse
tempo aumenta para 45 min (Marsh, 2010).
Resultados de estudos clínicos longitudinais, controlados,
aleatorizados, duplos-cegos e independentes, conduzidos de acordo com as
normas da American Dental Association – ADA (1986 e 1994), mostraram
que o dentifrício contendo triclosana 0,3%, PVM/MA 2% em base de NaF
0,243% e sílica apresentou efeito estatisticamente significativo e
clinicamente relevante na redução do biofilme e da gengivite em
comparação ao dentifrício convencional com NaF 0,243% e sílica (Buzalaf
e Magalhães, 2008).
Esse mesmo dentifrício também foi responsável pela redução da perda
de inserção, sangramento à sondagem e recorrência de doença periodontal
em comparação ao controle (somente NaF/sílica) em estudos clínicos
independentes e duplos-cegos. Além da gengivite e da periodontite, o
dentifrício com triclosana e copolímero, quando comparado ao dentifrício
convencional, também reduz significativamente a formação de cálculo
supragengival, previne o mau hálito e reduz bactérias responsáveis pelo
odor após 12 h de uso, e demonstra eficácia anticárie similar ao dentifrício
contendo NaF/sílica, em estudos de 30 a 36 meses (Buzalaf e Magalhães,
2008; Ciancio, 2011). Estudo longitudinal mostrou nenhuma mudança na
suscetibilidade microbiana após uso da triclosana por pelo menos 5 anos,
comprovando segurança para uso prolongado (Haraszthy et al., 2014), sem
evidência para resistência bacteriana (Cullinan et al., 2014). De acordo com
recente revisão sistemática, a evidência é moderada em relação ao efeito
sobre a placa dentária, inflamação e sangramento gengival (Riley e Lamont,
2013). A Figura 19.4 mostra alguns exemplos de mecanismo de ação de
agentes catiônicos e não iônicos.

Outros agentes
Xilitol
O xilitol é substituto do açúcar. Não pode ser fermentado por
microrganismos e estimula o fluxo salivar (Söderling, 2009). Por não ser
acidogênico, não leva ao desenvolvimento de cárie dentária. Na verdade, o
xilitol possui propriedades anticariogênicas. Sugere-se que sua ação seja no
crescimento e metabolismo microbiano, nos fatores salivares e no processo
de desmineralização e remineralização. No entanto, os efeitos observados
foram redução do biofilme formado, diminuição do número de S. mutans e
redução dos sinais de gengivite. Tem sido usado em programas preventivos
para gestantes, demonstrando expressiva redução na transmissão de S.
mutans aos bebês (Söderling, 2009; Lin et al., 2016). Uma desvantagem é
que o xilitol não permanece por muito tempo no biofilme e na saliva após o
uso (média de 8 min), sendo a sua retenção influenciada pelo veículo
utilizado (Lif Holgerson et al., 2006).
Figura 19.4 Exemplos de mecanismos de ação de agentes antiplacas catiônicos (A) e não iônicos
(B).
O xilitol tem sido testado em soluções, dentifrícios, vernizes e,
principalmente, incorporado a gomas de mascar (Petersson et al., 1991;
Cutress et al., 1992; Sintes et al., 1995).
Em relação ao veículo, a maioria dos estudos utiliza a goma de mascar,
sem muitas vezes apresentar um grupo-controle com a mastigação de
chiclete placebo. Portanto, é difícil discriminar entre o efeito real do xilitol
e o efeito da saliva estimulada pelo uso das gomas. Por outro lado, estudos
que incorporaram o xilitol a dentifrícios e vernizes mostraram bons
resultados sobre a redução da desmineralização (Amaechi et al., 1998; Sano
et al., 2007; Cardoso et al., 2014; Riley et al., 2015).
O efeito inibidor sobre a glicólise tem sido relacionado à incorporação
do xilitol via sistema constitutivo fosfotransferase específico para a frutose
e o subsequente acúmulo intracelular de xilitol-5-fosfato, como parte de um
ciclo energético pouco eficaz para o consumo de xilitol (“ciclo fútil”).
A adesividade reduzida, resultante da formação inadequada de
polissacarídeos, também tem sido relacionada ao mecanismo inibidor do
xilitol sobre S. mutans. Tem sido sugerido que o consumo de xilitol a longo
prazo leva à seleção de S. mutans resistentes e não afetados pelo xilitol.
Há ainda muita controvérsia em relação à efetividade clínica do xilitol
na redução da incidência da cárie dentária, seja pelo seu efeito
antimicrobiano, seja pela sua interferência na remineralização das lesões.
Estudos clínicos associando o xilitol a outros agentes antimicrobianos em
dentifrício, assim como a produção de fórmulas que aumentem a retenção
bucal do produto, seriam de grande valia. Recentemente se testou a
incorporação de xilitol a 10% a um verniz odontológico, o que demonstrou
aumentar o tempo de liberação do xilitol em saliva artificial (Pereira et al.,
2012), reduzir a desmineralização, utilizando-se modelo abiótico (sem
microrganismos) (Souza et al., 2010), e aumentar a remineralização
(Cardoso et al., 2014).
Apesar de o xilitol ter sido recomendado pelas organizações de saúde,
ainda são necessários mais estudos clínicos longitudinais de boa qualidade
(Fontana e González-Cabezas, 2012).

Agentes naturais
Os componentes ativos dos agentes naturais podem ser divididos em três
grupos: compostos fenólicos, que são feitos de açúcar simples, contendo
anéis de benzeno, hidrogênio e oxigênio; terpenoides, que são feitos de
ácido mevalônico e compostos quase que inteiramente por hidrogênio e
carbono; e alcaloides, que são compostos contendo nitrogênio. Esses
grupos químicos têm sido associados aos efeitos biológicos de produtos
naturais, tais como antimicrobianos, antioxidantes e anticarcinogênicos.
Os agentes naturais podem ter efeito antimicrobiano, por meio dos
seguintes mecanismos: ruptura de síntese da parede celular e alteração da
permeabilidade da membrana; complexo com os componentes adsorvidos à
superfície; inibição da síntese proteica e do metabolismo dos ácidos
nucleicos; e inibição da atividade enzimática. Alguns exemplos de agentes
naturais que apresentam esses mecanismos de ação são a Camellia sinensis
(chá), os óleos essenciais (timol, eugenol), o própolis e o cacau (ácidos
oleico e linoleico). Outro efeito se dá pela inibição da produção de ácidos.
Dentre os mecanismos envolvidos nesse efeito estão: ruptura da força
prótonmotriz da membrana; inibição da expressão e atividade enzimática
relacionada ao transporte de açúcar; e inibição da glicólise e metabolismo
geral (p. ex., própolis, extratos de Psidium cattleianum e de
Epigallocatechin galatte do cháverde). Outro mecanismo de ação se dá pela
inibição da expressão (exceto de GtfD) ou síntese de polissacarídeo
extracelular pelas Gtfs (principalmente pela GtfB). Exemplos de agentes
com esse mecanismo de ação são os polifenóis (própolis, Camellia
sinensis). Por fim, o último mecanismo de atuação se dá pela inibição da
aderência bacteriana por polifenóis (chá-verde, uva) e quitosana (Jeon et al.,
2011).
Estudos clínicos sobre o efeito anticárie foram realizados com extratos
ricos em polifenóis, que podem variar em termos de efeito, dependendo da
composição química e da origem geográfica (Duarte et al., 2006; Jeon et
al., 2011). Os polifenóis têm propriedades antibacterianas e antivirais,
antimutagênicas e anticlastogênicas. Por isso, são usados para a terapia de
muitas doenças. O própolis é fonte de flavonoides e ácidos fenólicos (ten
Cate, 2006). Apigenina e farnesol-tt, flavonoides que compõem o própolis,
inibem a glicosiltransferase e a formação de biofilme por S. mutans, e
também reduzem os níveis de cárie em estudo realizado em rato (Koo et al.,
2002).
Há produtos disponíveis no mercado cujo princípio ativo é um agente
natural. O Parodontax® é um dos mais estudados (composição: bicarbonato
de sódio, NaF, 1.400 ppm F, camomila, equinácea, sálvia, rhatani, mirra,
óleo de hortelã-pimenta), sendo que alguns trabalhos mostraram efeito
inibitório sobre o biofilme e a gengivite, enquanto outros não encontraram
vantagens em relação ao dentifrício convencional (Yankell et al., 1993;
Pannuti et al., 2003). De acordo com os autores, a camomila tem
propriedades anti-inflamatórias, a equinácea estimula a resposta imune, a
sálvia e o rhatani têm propriedades anti-hemorrágicas, a mirra é
antisséptica e o óleo de hortelã-pimenta é analgésico, antisséptico e anti-
inflamatório, apontando para efeito mais anti-inflamatório que antiplaca.
Em testes recentes relacionados à formação do biofilme in vitro,
Verkaik et al. (2011) compararam os dentifrícios Parodontax® e Chitodent®
(com quitosana, polissacarídeo encontrado no exoesqueleto de crustáceo) à
solução de CLX, mostrando bom efeito dos produtos naturais. Solução
contendo quitosana tem mostrado efeito similar ou superior na inibição da
adesão de microrganismos e formação de biofilme multiespécie em
comparação a produtos comerciais contendo clorexidina e óleos essenciais
(Costa et al., 2014).
Apesar de o Brasil ter vários dentifrícios à base de extratos naturais
(contendo sálvia, calêndula, menta, própolis, malva, canela, melissa,
eucalipto e limão), estudos publicados na literatura internacional se
restringem ao Parodontax®, apresentando resultados controversos. Portanto,
não há estudos suficientes que suportem o uso de dentifrícios com extratos
naturais para redução do biofilme e prevenção de gengivite e cárie dentária.
Outra opção é o uso de soluções compostas por óleos essenciais como
mentol, timol e eucaliptol. Essa mistura de óleos essenciais foi criada em
1879, com o objetivo inicial de servir como antisséptico cirúrgico, pois são
capazes de remover lipopolissacarídeos das bactérias gram-negativas e
reduzir coagregação.
A opção com álcool tem mostrado inibir melhor o crescimento do
biofilme em comparação ao sem álcool (Marchetti et al., 2011). No entanto,
há relatos de efeitos colaterais, como irritabilidade, alergia e pigmentação.
Há forte evidência científica para o efeito antiplaca e antigengivite dos
óleos essenciais (Gunsolley, 2010; Marsh, 2010). Revisão sistemática
recente mostrou a relevância clínica do uso de óleo essencial como
coadjuvante no controle de placa dentária e gengivite (Araújo et al., 2015).
Gunsolley (2010) publicou revisão sistemática em que mostrou que a
CLX, os óleos essenciais e o CCP foram capazes de reduzir a gengivite em
28,7, 18,2 e 13,4%, respectivamente, e o índice de placa dentária em 40,4,
27 e 15,4%, respectivamente. Outro recente trabalho mostrou superioridade
dos óleos essenciais em comparação ao CCP no controle do biofilme e
gengivite (Cortelli et al., 2014). Os óleos essenciais têm efeito
antimicrobiano (redução da viabilidade) similar à CLX, porém são
inferiores na redução da placa dentária, de acordo com estudo clínico
(Quintas et al., 2015); em outro trabalho não foram apontadas diferenças
entre ambos em relação à prevenção da gengivite (Van Leeuwen et al.,
2011).
Estudos futuros sobre os agentes naturais devem ser melhor delineados
e divididos em fases: fase 1 – fase de descoberta da fonte do agente natural
e triagem biológica (teste da síntese de glicanos, queda de pH, adesão e
crescimento microbiano); fase 2 – caracterização da atividade (avaliação da
composição química do componente ativo por cromatografia líquida de alta
performance [HPLC] e cromatografia a gás e espectrometria de massa),
identificação, isolamento e elucidação da estrutura química; e fase 3 –
validação da atividade biológica (determinação da viabilidade e peso do
biofilme por fluorescência confocal; quantidade de proteína por Western
blot; conteúdo total de polissacarídeo; queda do pH; mensuração da morte
por ácidos, da atividade da F-ATPase e da permeabilidade a prótons;
avaliação da desmineralização dentária por microdureza e
microrradiografia). Essa parte da validação pode ser iniciada utilizando-se
biofilmes artificiais monoespécie e multiespécie; após a obtenção dos
resultados laboratoriais, estudos in vivo devem ser conduzidos. Antes do
uso do produto em humanos, deve-se ainda avaliar o seu efeito tóxico pelo
monitoramento do peso e da ingestão de comidas em ratos, avaliação
histológica de tecidos expostos, estudos de toxicofarmacocinética,
genotoxicidade e carcinogenicidade. Estudos laboratoriais altamente
controlados de citotoxicidade e mutagenicidade podem ser combinados com
genômica para aferir o efeito tóxico do agente químico (Jeon et al., 2011).
A Figura 19.5 mostra alguns dos agentes citados disponíveis
comercialmente.

Terapia fotodinâmica
Terapias com eritrosina, azul de metileno e Photofrin® (porfime sodium)
(hematoporfiria e derivados) ativados pela luz parecem matar de 90 a 99%
das bactérias (Wood et al., 2006). Com a terapia fotodinâmica,
fotossensibilizantes são transformados pela luz em um estado reativo,
produzindo radicais livres que oxidam constituintes celulares, levando a
bactéria à morte. Biofilmes jovens parecem ser menos suscetíveis que
biofilmes velhos, o que se atribui à estrutura aberta e à alta taxa metabólica
dos biofilmes novos em comparação ao biofilme velho (ten Cate, 2006).
Apesar de ser boa coadjuvante ao tratamento periodontal convencional
(Betsy et al., 2014), a terapia fotodinâmica (curcumina + LED) não é mais
eficaz que a clorexidina no controle do biofilme in vivo (Paschoal et al.,
2015). Portanto, seu efeito antiplaca ainda é inconclusivo (Santin et al.,
2014).

Antibióticos
Tem-se demonstrado que nem sempre é possível curar a doença periodontal
apenas com o controle profissional do biofilme. A razão é que as bactérias
predominantes na doença (A. actinomycetemcomitans, P. micros, P.
intermedia e B. forsythus) se alojam no tecido gengival e outros sítios,
dificultando a remoção por meio de procedimentos de raspagem ou até
mesmo com o acesso cirúrgico.
Figura 19.5 Exemplos de agentes antiplaca comerciais contendo: clorexidina (A); cloreto de
cetilpiridínio (B); SnF2 (C); triclosana (D); agentes naturais (E); e óleos essenciais (F).

Assim, o uso de antibióticos tem sido coadjuvante do tratamento


mecânico (Matesanz-Pérez et al., 2013). Amoxicilina, metronidazol,
clindamicina, tetraciclina, doxicilina e ciprofloxacino têm sido utilizados
sistemicamente para o tratamento de periodontite refratária. Estudo
utilizando modelo de biofilme multiespécie subgengival mostrou que a
associação entre amoxicilina e metronidazol tem maior efeito
antimicrobiano que o uso isolado destes antibióticos, porém não mais eficaz
que o uso de clorexidina (Soares et al., 2015). Em outro estudo clínico, os
mesmos autores demonstram benefícios na associação entre metronidazol e
clorexidina para o controle da gengivite até 12 meses após terapia (Soares
et al., 2014).
No entanto, deve-se estar atento para o uso indiscriminado, não
somente devido à possibilidade de efeitos tóxicos, mas também porque os
antibióticos podem induzir ou selecionar bactérias resistentes. Também se
tem testado o uso local e subgengival de antibióticos, quer seja como
irrigantes ou agregados a membranas para liberação lenta (Hussein et al.,
2007).

Conclusão
Os produtos antiplaca utilizados em Odontologia são considerados como
agentes antimicrobianos de largo espectro de ação, sendo aplicados de
acordo com a hipótese inespecífica da placa (Capítulo 16). Com exceção do
dentifrício, o uso de agentes antimicrobianos não deve ser rotineiro, devido
à possibilidade de eliminar microbiota benéfica e aos efeitos colaterais. Dos
agentes químicos estudados, a solução de clorexidina 0,12 ou 0,2% e o
dentifrício com triclosana e Gantrez™ ou zinco são os mais utilizados na
clínica, sendo o primeiro indicado para uso temporário em casos
específicos, e o último indicado diariamente por qualquer paciente. A
indicação do agente antiplaca deve ser pontual, e em casos específicos; o
tempo, o modo de aplicação e a dose devem ser prescritos individualmente.
É importante destacar que o agente químico é coadjuvante e não substituto
do controle mecânico do biofilme dentário. Pesquisas futuras devem focar o
uso de extratos naturais como agentes antiplaca, na tentativa de explorar as
potencialidades do Brasil melhorar o efeito (por associação entre agentes ou
inclusão em nanopartículas) e minimizar os efeitos colaterais dos agentes
comerciais já utilizados.

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