Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. INTRODUÇÃO
A maior parte das cidades brasileiras possui legislação urbanística na qual são estabelecidas
diretrizes básicas que priorizam a circulação de pedestres em relação aos veículos,
motorizados ou não. Na prática, no entanto, esta legislação é um mero documento técnico,
que está muito longe de se tornar um instrumento de conhecimento da cidade e, portanto,
respeitado por todos os seus moradores.
A questão da circulação de pedestres nos centros das cidades não tem recebido o destaque
que merece, a não ser em alguns poucos estudos que tratam especificamente de cruzamentos
e travessias. A segurança dos pedestres nas calçadas tem sido quase que completamente
esquecida. Verifica-se que os passeios são, em geral, inadequados para atender os fluxos de
pedestres, apresentando largura insuficiente, pisos em mau estado de conservação, desníveis
abruptos e obstáculos como bancas de jornal e abrigos para pontos de ônibus. Os pedestres
além de dispor de pouco espaço, muitas vezes têm que encarar o conflito com os automóveis
sobre as calçadas.
Durante décadas, o espaço dos pedestres nas ruas tem sido invadido por veículos e
equipamentos urbanos, além de, muitas vezes, ser indevidamente ocupado pelos proprietários
dos imóveis. Esse processo conta, quase sempre, com a conivência das administrações
públicas que têm por norma priorizar a circulação de veículos em detrimento da circulação de
pedestres. Como conseqüência, o pedestre, que é o elemento mais fraco do sistema de
transporte, vem perdendo seu espaço nas ruas. Uma observação das calçadas, na maior parte
das cidades, permite constatar que os responsáveis pelo planejamento ignoram as
necessidades humanas de espaço para locomoção, enquanto investem em obras que visam
melhorar o tráfego de veículos em termos de velocidade e segurança. Para se conseguir mais
velocidade e segurança são necessárias vias mais largas, com boa pavimentação e sem
obstáculos, que deixam os pedestres ainda mais vulneráveis e expostos a conflitos com os
veículos.
Historicamente, as calçadas sempre foram a parte menos fiscalizada das vias. Elas são,
freqüentemente, estreitas, irregulares, com pavimento em mau estado ou mesmo não
pavimentadas e invadidas por equipamentos como bancas de jornal e abrigos para pontos de
ônibus. Por outro lado, todo esforço tem sido feito para proteger o leito das vias e aumentar o
conforto e conveniência para os motoristas, permitindo-se vias mais largas, rebaixamento
indiscriminado de guias, estacionamento sobre as calçadas, etc..
Este trabalho analisa a questão da segurança do pedestre quando caminha ao longo das
quadras e nos cruzamentos. Para tanto, é proposto um método para avaliar o nível de serviço
dos espaços para pedestres, em termos de conforto e segurança. Este método foi aplicado à
área central da cidade de São Carlos, SP. Foram feitas também, entrevistas com pedestres
visando avaliar a percepção dos mesmos quanto à qualidade dos passeios públicos. A partir
desses dados foi possível comparar a avaliação técnica com a percepção dos usuários.
Com base em todos esses aspectos, SARKAR (1993, 1995a, 1995b) definiu alguns critérios
qualitativos para avaliação da segurança e conforto dos pedestres em áreas urbanas, que
serviram de base para os critérios utilizados nesse trabalho. No entanto, como esta pesquisa
tratou apenas dos aspectos relacionados à segurança e ao conforto do pedestre, dois objetivos
foram colocados visando a melhoria da qualidade das calçadas: a eliminação de conflitos e
obstáculos para os usuários e a eliminação dos riscos de quedas e ferimentos dos pedestres.
O nível de segurança e conforto para os pedestres pode ser comprometido por obstáculos e
barreiras existentes ao longo das calçadas. Vários estudos já discutiram extensamente as
possíveis barreiras e obstáculos que os pedestre podem encontrar (FRUIN, 1971; BRAUN e
RODDIN, 1978, SMITH et al., 1978). Os conflitos podem ocorrer entre os próprios pedestres
(em calçada com largura insuficiente para acomodar o fluxo de pedestres), entre pedestres e
veículos (por uso ilegal da calçada para estacionamento e nos trechos com guias rebaixadas
para acesso de veículos) e entre pedestres e equipamentos urbanos (na falta de fiscalização
que obrigue a manutenção da calçada livre de obstáculos).
Esta questão tem sido completamente negligenciada. Não se tem notícia de levantamentos
e estatísticas sobre quedas e ferimentos que pedestres sofrem devido às condições das
calçadas, particularmente os usuários mais idosos ou com problemas de visão.
Considerando-se esses dois objetivos, foram definidos quatro critérios para avaliação do nível
de serviço das calçadas (Tabela 1). Os níveis de serviço propostos variam de A a F, sendo que
não existe o nível E. Usou-se o F para enfatizar, nesses casos, a péssima condição de
segurança e conforto das calçadas.
Todas as calçadas deveriam ter nível de serviço, no mínimo igual a B ou A, sempre que
possível. O nível C pode ser aceito somente onde maiores melhorias na calçadas provocam
grandes interferências no tráfego de veículos. Os nível de serviço D exige algum estudo para
se projetar melhorias na calçada. O nível F exemplifica uma situação de total descaso dos
Estes critérios foram empregados na avaliação do nível de serviço das calçadas na região
central da cidade de São Carlos, SP. São Carlos é uma cidade de porte médio com cerca de
180 mil habitantes. A área onde foi realizada a pesquisa é composta de 48 quadras, sendo que
cerca de 50% da área construída dessa região é ocupada por residências e cerca de 50% por
atividades de comercio e serviços (Figura 1).
Cada uma das quadras dessa região foi avaliada com relação aos critérios mostrados na
Tabela 1. A cada nível de serviço, associou-se um determinado número de pontos: A=5, B=4,
C=3, D=2, F=0. Com base nessa pontuação , calculou-se a média obtida por cada quadra e
atribuiu-se à quadra o nível de serviço correspondente a essa média. A maior parte das
quadras obteve nível C, sendo que não se encontrou nessa área nenhuma quadra com nível A
ou F. No croquis da Figura 1 estão indicados os níveis obtidos pelas quadras, quando foram
diferentes de C.
Um dos objetivos desse trabalho era verificar se os pedestres tinham consciência dos locais
potencialmente perigosos, e a percepção geral do problema da segurança e conforto nas
calçadas. Considerando-se os aspectos subjetivos desses problemas, concluiu-se que, para
uma avaliação adequada, era essencial, além da avaliação técnica, promover-se uma avaliação
pelos usuários. Para tanto foi elaborado um questionário (Figura 2) que foi aplicado a
pedestres na área central de São Carlos.
Avalie o risco de atropelamento que o pedestre corre ao passar por trechos de guias rebaixadas
Não corre risco Pouco risco Muito risco
Entrada de garagem de residência
Entrada de garagem de edifício de apartamentos
Estacionamento de lojas, supermercados, etc..
Postos de gasolina
Você conhece alguma legislação municipal que regulamente as condições das calçadas? Sim Não
Obrigado por participar dessa pesquisa. Sua opinião é muito importante e pode ser útil para melhorar sua cidade.
Se desejar fazer algum comentário adicional, utilize o verso dessa folha.
Avalie o risco de atropelamento você corre ao passar por trechos de guias rebaixadas
Não corre
Pouco risco Muito risco
risco
Entrada de garagem de residência 34% 62% 4%
Entrada de garagem de edifício de apartamentos 29% 49% 22%
Estacionamento de lojas, supermercados, etc.. 6% 61% 33%
Postos de gasolina 11% 45% 44%
Sim: Não:
Você conhece alguma legislação municipal que regulamente as condições
das calçadas? 30% 70%
4. CONCLUSÕES
• O nível de qualidade das calçadas na área central de São Carlos é apenas razoável, devido
principalmente, ao estado de conservação do pavimento e à existência de obstáculos
(tapumes e entulho) e guias rebaixadas em quase toda a extensão de algumas quadras.
Como esses problemas estão relacionados com falta de fiscalização, comprova-se o
descaso da administração municipal com a questão dos pedestres.
• A maior parte dos entrevistados desconhece a legislação municipal que trata de calçadas
(Código de Posturas do Município) e aceita as condições oferecidas pelos passeios como
naturais, não exigindo melhorias.
• De maneira geral, a avaliação técnica, através da atribuição de níveis de serviço,
correspondeu à avaliação feita pelos usuários.
• O método proposto para avaliação do nível de serviço envolve um certo grau de
subjetividade já que se trata de um procedimento de avaliação basicamente qualitativa. No
entanto, este pode ser um procedimento alternativo para análise e avaliação da qualidade
das calçadas, que pode contribuir para que se ofereça aos pedestres maior conforto e
segurança em suas caminhadas.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• BRAUN, R.R. e RODDIN, M.F. (1978). NCHRP Report 189: Quantifying the Benefits of
Separating Pedestrians and Vehicles. TRB. National Research Council, Washington D.C.
• FRUIN, J.J. ( 1971). Pedestrian Planning and Design, New York Metropolitan Association of
Urban Designers and Environmental Planners.
• SARKAR, S. (1993). “Determination of Service Levels for Pedestrians, with European
Examples”, Transportation Research Record 1405, pp. 35-42.
• SARKAR, S. (1995a). “Evaluation of Different Types of Pedestrian-Vehicle Separations”
Transportation Research Record 1502, pp. 83-95.
• SARKAR, S. (1995b). “Evaluation of Safety for Pedestrians at Macro and Microlevels in
Urban Areas”, Transportation Research Record 1502, pp. 105-118.
• SMITH, S.A.; OPIELA, K.S.; IMPETT, L.L.; PIETRUCHA, M.T.; KNOBLAUCH, R. e KUBAT,
C. (1987). NCHRP Report 294B: Planning and Implementing Pedestrian Facilities in
Suburban and Developin Rural Areas. TRB. National Research Council, Washinton D.C.