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São Gonçalo
2018
Renato Veloso Pereira
São Gonçalo
2018
DEDICATÓRIA
Minha gratidão:
Aos meus avós José e Jupira (In Memorian), sem os quais eu não seria.
À minha avó “Gecinda” (In Memorian) pela minha criação, por seu afeto e por sua
doçura.
Ao Mestre-mentor Prof. Dr. Ruy Moreira, com carinho, por todos esses anos
iluminando minha caminhada acadêmica na Geografia.
Ao Prof. Dr. Manoel Martins Santana Filho, pelos diálogos fecundos e criteriosos.
À responsável pelo meu retorno aos estudos acadêmicos, Ludmila, minha esposa,
parceira e companheira incansável. Meu encontro necessário nesta vida, por quem e
com quem renovo afeto, admiração, respeito e vida.
Introdução.....................................................................................................................7
1- DAS ORIGENS DA GEOGRAFIA À GEOGRAFIA MODERNA
1.1 - Estrutura originária..............................................................................................13
1.2 - A transição da Geografia antiga para a Geografia moderna..............................17
1.3 - A Geografia moderna..........................................................................................21
1.3.1- O paradigma holista da baixa modernidade e a ciência da relação homem-
meio............................................................................................................................23
1.3.2 - A Geografia clássica e o paradigma fragmentário da modernidade
industrial.....................................................................................................................32
1.3.2.1- Iniciativas de integração na Geografia humana: a nova relação homem-
meio............................................................................................................................38
1.3.2.2- A Geografia como a ciência do estudo da organização do espaço..............44
1.3.2.3- O paradigma holista da hipermodernidade...................................................51
1.4 - O processo de institucionalização do Ensino de Geografia...............................58
1.5 - O processo de institucionalização da Geografia na Escola Brasileira...............68
1.6- A tendência produtivista na educação brasileira................................................75
1.7- O ensino de geografia clássica e práticas contra-hegemônicas........................78
1.8- A importância da escola e do ensino de geografia............................................82
1.9-Teorias e políticas curriculares............................................................................87
2- O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA BRASILEIRA....................92
I- MATRIZES DA RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA NO BRASIL...............................92
I.2.1- Conjuntura Atores/Sujeitos..............................................................................92
I.2.2- Ideias e Fundamentos.....................................................................................97
II. O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA NO BRASIL E O ENSINO
GEOGRAFIA: RELAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES....................................................107
Considerações Finais...............................................................................................125
Referências Bibliográficas........................................................................................129
7
INTRODUÇÃO
traçados pelo capitalismo mundial, tendo a teoria do capital humano como nova
orientação pedagógica no sistema educacional brasileiro. No segundo capítulo,
analisaremos o movimento de renovação da geografia brasileira que ocorre a partir
da década de 1970 e inaugura um processo de crítica mais contundente de alguns
impasses herdados da geografia clássica, na busca de uma geografia pautada na
razão crítica. Nele, abordaremos algumas matrizes que passam a referenciar a
Geografia na contemporaneidade. Também, algumas influências do movimento de
renovação no ensino de geografia, no Brasil, relacionadas com algumas
contribuições mais recentes que se desdobram com a pluralização de temas e
campos após os ventos da mudança na forma de ser/pensar/produzir/agir da
geografia brasileira.
13
formado por diferenças e faz sua leitura política. Em suma, sua geografia é
entendida e representada na época, com o que se conhecia das partes do mundo.
Atento observador dos fatos, Estrabão descreve detalhadamente as terras por que
percorre e seus povos habitantes.
[...] é uma forma de olhar que flagra esse mesmo mundo, mas no modo
como o todo do universo verticalmente se projeta em paisagens na
superfície do planeta, as paisagens expressando em sua diversidade de
formas a complexidade cósmica das relações da Terra com o universo
(MOREIRA, 2014, p.14).
Sendo assim, Couto (2015) afirma que ”Varenius propõe um duplo caminho
de investigar a paisagem: através da geografia geral (ou sistemática) e da geografia
especial (ou regional), incorporando os conceitos de espaço e superfície terrestre
(além da paisagem)”. É o que diz Vitte:
Desta forma, além do estudo dos povos através das paisagens da superfície
terrestre e de sua representação cartográfica, o conceito de espaço é incorporado,
sendo abordado através de temáticas gerais ou na forma de estudos mais
localizados e singulares. Vale ressaltar que o conceito de espaço em Varenius está
baseado na noção de espaço cartesiana, é linear, absoluto, ligado à escala
cartográfica, ao espaço cartográfico. Em seu livro sobre ensino de geografia,
Straforini cita Fonseca & Oliva, que sinalizam:
É entre os alemães que, por volta de 1754, a geografia inicia seu caminho
para o status científico. Os passos nesse sentido são já nítidos nas
discussões entre as duas vias que surgem: a geografia político-estatística e
a geografia pura. A primeira dá prosseguimento metodológico ao que vinha
sendo a geografia desde os tempos de Estrabão, no século I, e ganha
impulso com Varenius no século XVII. A segunda põe acento na questão
dos limites naturais de um território, tema tipicamente da Alemanha de
então e que virá despontar no final século XIX com Ratzel, particularmente
[...] (MOREIRA, 2009, p.10).
Leyser, entre outros, muito cedo, em 1726, salientou este ponto e advogou
o emprego das fronteiras naturais. Tais críticas não obtiveram resultados
práticos até que foram reforçadas pelos ensinamentos de Buache (1700-
1773) sobre o sistema do globo (Charpente de Globe). Segundo Buache, o
esqueleto da terra era simplesmente um determinado número de bacias
separadas por extensas linhas de montanhas e serras submarinas. Essa
teoria foi elaborada um século antes por Athanasius Kircher, porém
ignorada. Agora, reviveu, revestindo-se de certa expressão gráfica nos
acurados mapas de contorno dos relevos, tal como os que Buache construiu
para o seu estudo do Canal da Mancha (1737). A reação dos geógrafos foi
23
Tanto uma forma de geografia quanto outra se voltam assim para a questão
da identidade territorial e seus marcos de limite, emergindo no contexto da
Alemanha fragmentada às voltas com o problema da unidade como um
assunto identificado ao tema da unidade e diversidade regional dentro e fora
de um país. Assim, na aparência contrapostas, essas duas formas de
geografia apenas diferenciam-se em sua convergência para um mesmo
ponto: a geografia político-estatística privilegia a problemática da unidade
interna do Estado dos príncipes em que se divide a nação alemã, enquanto
a geografia pura estende-se para a questão mais além da unidade do todo
de uma Alemanha regionalmente diferenciada. Todavia, é a geografia pura
a forma que se identificará com o verdadeiro salto que o saber geográfico
experimentará quando da entrada da metade seguinte do século XVIII,
quando, com Kant, ganhará a tradução que a irá tornar se uma forma de
ciência moderna (MOREIRA, 2009, p.10).
Tatham observa:
A relação todo e parte que ele incorpora da corografia que lhe chega, traz o
conceito de espaço colado com o de recorte da paisagem, tendo o espaço como o
todo e a região o recorte. Com Kant, o espaço torna-se referência em substituição à
superfície terrestre.
A rigor, Kant não realiza grande transformação na Geografia que toma para
si. Apenas confere à percepção geográfica do mundo físico o rigor da
descrição e taxonomia que o seu conceito de espaço lhe permite, uma vez
que para ele o espaço é um dado a priori da percepção, um plano de
extensão geométrica preexistente ao olhar humano que já faz o fenômeno
vir à percepção humana ordenado nos parâmetros de uma ordem espacial
(o mesmo acontecendo com o tempo, mas na ordem da sucessão), cada
fenômeno ocupando um lugar e uma distância pré-determinados em suas
disposições recíprocas. Assim, a corografia ganha o sentido geométrico da
localização e distribuição que a Geografia vai usar para o aperfeiçoamento
da representação cartográfica, através da combinação rigorosa da
percepção sensível com o registro e precisão matemáticos dos mapas
(SANTOS, 2002, apud MOREIRA, 2015, p.14).
Não é para admirar que a noção de tempo, isto é, do tempo das sociedades
em movimento, tenha estado tão ausente da concepção dos fundadores da
ciência geográfica. O espaço de Kant era tridimensional. Para Newton, o
tempo era um continuum, um tempo tão absoluto quanto o espaço. A noção
de um tempo separado do espaço é responsável pelo dualismo história-
geografia que provocou tantos debates dentro e fora das preocupações com
a interdisciplinaridade (SANTOS, 1978, p.51).
planeta Terra (o todo) e volta à geografia das plantas para dar unidade às
paisagens.
O holismo de ambos é pautado na ideia de natureza como essência interior
de todas as coisas (homens e rochas como coisas naturais) do Iluminismo e do
Kantismo, sendo as coisas as formas concretas dessa natureza e, esta, essência
comum a todas as coisas. “Notamos que, no correr do século XVIII, os iluministas
concebiam que tudo tinha uma natureza – daí diferirem natureza e fenômenos
naturais –, da qual brotava sua concepção de holismo”, diz Moreira. A que
acrescenta:
A busca da articulação entre natureza e sociedade não foi tarefa fácil para
os geógrafos. A bem da verdade, construir uma ciência de articulação na
época em que surgiu oficialmente a Geografia pareceria ser como remar
contra a maré, pois neste período a visão de ciência dominante privilegiava
a divisão entre ciências da natureza e da sociedade. Embora as ciências de
caráter integrativo tenham tentado se expressar nesse momento, a exemplo
da Ecologia com Haeckel em 1886, e da Geografia desde antes com
Humboldt e Ritter na década de 1850 a história de seus desenvolvimentos
não é expressiva. Ao contrário da integração, o que prevaleceu no final do
século XIX e durante mais da metade do século XX foi a fragmentação.
Disto resultou algo comum aos geógrafos: o esfacelamento da Geografia e,
em particular, de uma parte desta denominada Geografia Física em
diferentes campos do conhecimento. A Ecologia, por sua vez, fica
encoberta, sendo revigorada com o surgimento da idéia de Ecossistema
com Tansley em 1935. A fragmentação científica do século passado é, sem
dúvida, a força que promove o primeiro impacto na existência da Geografia
Física. Ainda que na prática os geógrafos tenham seguido o caminho da
especialização, é importante lembrar que, em nível teórico, renomados
geógrafos tentaram a análise integrada do meio físico percorrendo
conceitos como os de Paisagem, inicialmente, Geossistema ou Sistemas
Físicos, posteriormente, na busca desta articulação. Este caminho é
retomado nos anos 70, exatamente no período em que emerge a discussão
ambiental e com ela o resgate da Ecologia e da idéia de relação entre os
organismos e seu ambiente (NUNES & SUERTEGARAY, 2001, p.15-16).
politico com o Estado. Nisso difere dos demais das geografias setoriais, que
elaboram uma geografia física pura ou uma geografia humana pura [...]
(MOREIRA, 2014, p.30).
Depois de ser enviado para a Alemanha, aos 13 anos de idade, para estudar
em uma escola religiosa e, de retornar à casa dos pais (na França), por ter passado
41
por problemas com seus educadores, Reclus volta ao país que o acolheu, agora em
Neuwied, para ser professor, por dois anos.
Após se inscrever, em 1851, na Universidade de Berlim, onde também
participa dos debates com seus companheiros acadêmicos (dentre eles o da
unificação alemã, que se concretizaria oficialmente em 1871), “Reclus cursa as
disciplinas “Descrição da Terra” (com Ritter) e “Economia Política” (com Wilhelm
Adolf Schmidt), campos disciplinares aos quais dedicou boa parte de sua vida
pesquisando e escrevendo” Zaar (2015).
Os estudos de Karl Ritter (1779-1859) historiador, geógrafo e seu professor
na Universidade de Berlim, também influíram na concepção metodológica de Reclus.
Além de ter cursado a disciplina “Descrição da Terra”, ministrada por Karl Ritter,
Elisée traduziu para o idioma francês várias obras suas, uma delas “A configuração
dos continentes” logo depois da sua volta a França em 1857 (ZAAR, 2015:17).
Élisée Reclus, influenciado pelo pensador alemão Ritter, pensa que as
relações dos homens entre si é a forma como convivem comunitariamente desde o
começo com o meio.
Embora seja o primeiro La Blache que se difunde pelo mundo, e com ele a
geografia regional e a hegemonia mundial da “escola francesa de
geografia”, o segundo terá um papel particularmente importante a partir do
último quartel do século XIX, acompanhando a reorganização da economia
mundial pela segunda fase (a fase aberta com a segunda revolução
industrial e que Ernest Mandell designa de capitalismo avançado) da
industrialização (MOREIRA, 2014, p.36).
Santos (2002) coloca que Max Sorre foi o "primeiro geógrafo a propor, com
detalhe, a consideração do fenômeno técnico em toda sua amplitude".
Centra sua análise no conceito de complexidade, “foco pelo qual ele vê o todo
e as partes da superfície terrestre. A exemplo do ecúmeno terrestre, que conceitua
como uma rede de complexos” Moreira (2015). “O ecúmeno, diz Sorre, do ponto de
vista da estrutura é um complexo de complexos, um todo formado e caracterizado
pela superposição e entrecruzamento de diferentes níveis de complexidade” (Idem).
Carl Ortwin Sauer (1889-1975), filho de imigrantes, nascido em Warrenton,
Wisconsin no meio oeste dos Estados Unidos, em local de colonização alemã, cujo
ambiente cultural é inspirado no Romantismo filosófico e estético de Goethe, com
seu texto “A morfologia da paisagem”, de 1925, filia-se a uma corrente da geografia
alemã, por meio da geografia da paisagem – em que Hettner desenvolve uma visão
corológica e de diferenciação de áreas – promovendo uma ruptura com a visão
“determinista” e fisiográfica da escola estadunidense, da qual (Sauer) é oriundo,
desenvolvendo uma concepção baseada no estudo das paisagens.
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[...] George é um geógrafo urbano, que daí caminha para o todo integrativo,
mas a partir do espaço. É assim que para ele as sociedades variam na
história justamente por suas formas de organização espacial. Há antes de
mais nada as sociedades organizadas e não organizadas espacialmente.
Estas são as sociedades da natureza sofrida, aquelas em que a relação do
homem com o meio se faz ainda num quadro de ação técnica que pouco
modifica a paisagem natural que o homem habita. O alcance de um grau
superior de nível técnico leva o homem, entretanto, a alterar e ajustar a
paisagem natural ao seu modo, assim nascendo as sociedades de espaço
organizado. Estas podem ser sociedades espacialmente organizadas com
dominante agrícolas e sociedades espacialmente organizadas com
dominante industrial é, assim, para George, o divisor de águas, dissolvendo
a paisagem natural e substituindo-a pelo espaço na organização geográfica
global da sociedade (MOREIRA, 2014, p.21).
Por ora, é sobre a geografia dos professores, entendida aqui, desde o fim do
século XIX como um discurso ideológico (tendo como uma de suas funções
inconscientes o mascaramento da importância estratégica dos raciocínios centrados
no espaço) que tentaremos analisar.
Para Lacoste (1997) “a geografia dos professores, desde o fim do século XIX,
se tornou um discurso ideológico no qual uma das funções inconscientes, é a de
mascarar a importância estratégica dos raciocínios centrados no espaço”. É o que
diz também Menezes:
Vesentini vai também nessa direção. A escola (que fora controlada pela
Igreja), agora sob o controle do Estado, torna-se mais um elemento da
secularização, apoiada na ciência (opondo-se aos dogmas religiosos desde o
Iluminismo). A efetivação da educação sob a perspectiva nacional e da escola
enquanto instituição ocorre após a Revolução Industrial que concentra grandes
contingentes de população nas cidades.
A imagem que devia ser, inúmeras vezes, reproduzida por todos os alunos
(hoje não é mais assim) era, primeiro, a da pátria. Outros mapas,
representando outros Estados, entidades políticas cujo esquematismo dos
caracteres simbólicos vem tanto melhor ainda reforçar a idéia de que a
nação onde se vive é um dado intangível (dado por quem?), apresentado
como se tratasse não mais de uma construção histórica, mas de um
conjunto espacial engendrado pela natureza (LACOSTE, 1997, p.56).
O discurso geográfico escolar que foi imposto a todos no fim do século XIX
e cujo modelo continua a ser produzido hoje, quaisquer que pudessem ter
sido, aliás, os progressos na produção de idéias científicas, se mutilou
totalmente de toda prática e, sobretudo, foi interditada qualquer aplicação
prática. De todas as disciplinas ensinadas na escola, no secundário, a
geografia, ainda hoje, é a única a aparecer, por excelência, como um saber
sem a menor aplicação prática fora do sistema de ensino. Nenhuma
esperança de que o mapa possa aparecer como uma ferramenta, como um
instrumento abstrato do qual é preciso conhecer o código para poder
compreender pessoalmente o espaço e nele se orientar ou admiti-lo em
função de uma prática. Nem se pensar que a carta possa aparecer como
um instrumento de poder que cada qual pode utilizar se sabe interpretá-la. A
carta deve permanecer como prerrogativa do oficial, e a autoridade que ele
exerce em operação sobre “seus homens” não se deve somente ao sistema
hierárquico, mas ao fato de que ele só é quem sabe ler a carta e pode
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decidir os movimento, enquanto aqueles que ele mantém sob suas ordens
não o sabem (LACOSTE, 1997, p.56).
A partir dos anos 1930, diz Moreira, a Geografia, no Brasil ganha sua face
institucionalizada e profissional com as instituições de ensino e as instituições de
pesquisa e planejamento estatal. São criadas a Universidade de São Paulo (USP),
em 1934, a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) implementada
primeiramente com o nome de Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935. No
campo da geografia aplicada, em 1937, cria-se o IBGE. Em 1934, é fundada a
Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB). Sobre os profissionais formadores
desse início de Geografia profissional:
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São estrangeiros seus primeiros quadros. Pierre Monbeig vai vincular seu
nome à criação do curso universitário da USP. Pierre Deffontaines e Francis
Ruellan, à criação do curso da UFRJ (com o nome de Universidade do
Distrito federal – UDF); e Leo Waibel e uma enorme gama de outros
pesquisadores à implementação dos trabalhos do IBGE (MOREIRA, 2009b
e 2010 apud MOREIRA, 2014, p.96).
Bem como Gebran. Esta visa à formação do aluno voltada para a concepção
produtivista que arregimenta jovens para o mercado de trabalho, principalmente para
as novas tarefas impostas pela indústria moderna.
Uma geografia que não pergunta o que engendra esses fenômenos, mas
apenas fornece um “instantâneo” da paisagem. Não fazendo essa pergunta,
tal Geografia, implantada no Brasil a partir da “escola francesa” e tendo
como mestre soberano Paul Vidal de La Blache, torna-se neutra e acrítica,
sem conseguir, ou evitando relacionar suas observações “científicas” com
os problemas políticos, sociais e econômicos em ação na realidade
brasileira. Assim, releva suas bases metodológicas positivistas e
funcionalistas. É importante ressaltar que esse tipo de ação dessa
Geografia era muito pertinente com o grau de conhecimento do espaço e da
sociedade brasileira da época e com o pouco desenvolvimento imperante
dos meios de comunicação de massa, o que o tornava, muitas vezes, com
as descrições a única fonte de informações de determinada área
(PEREIRA, 1988, p.116-117).
Pereira ainda nos adverte que tal base teórica desdobrada para a prática
dentro da escola secundária descamba para o campo da memorização: não é
necessário pensar, basta decorar; este é o lema dessa Geografia.
Essa Geografia descritiva, mnemônica, sem aplicação prática na vida
cotidiana, compartimentada em vários ramos, que inventaria, classifica e de caráter
enciclopédico, refletia a sua base teórico-metodológica-conceitual.
Dentre os vários problemas abordados por Couto (2015), o que diz respeito a
determinados impasses teórico-metodológicos relativos ao ensino e a aprendizagem
de geografia, alguns dos quais analisados ao longo do processo de renovação da
geografia brasileira, contribui sobremaneira para a nossa análise.
No movimento do terceiro período (décadas de 1970-1980 e de 1990-2000)
esboçado por Couto (2010), há um resgate de tendências críticas com ênfase no
materialismo histórico e dialético. A crítica que se faz é que a geografia produzida,
baseada no positivismo (razão fragmentária), está presente na maioria dos livros
didáticos, práticas pedagógicas, matrizes curriculares, nas escolas, e em quase
todos os ambientes da geografia existentes à época referida, no Brasil.
Desenvolvem-se cada vez mais os estudos que integram a prática social dos
estudantes, seus conhecimentos prévios, a problematização de seus saberes
espaciais e os ensinamentos de conteúdos/construção de conceitos para o
questionamento da sua realidade, como movimentos propostos à prática pedagógica
em todos os seus momentos e fases no que tange ao planejamento de ensino.
2Michael F.D. Young considera o conceito de “conhecimento poderoso” como um princípio curricular.
Segundo Young (2016) “conhecimento poderoso” é aquele que se inspira no trabalho de
comunidades de especialistas, que denominamos de comunidades disciplinares, que são formas de
organização social para a produção de novos conhecimentos.
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garantida a sua hegemonia; que o que tem valor é a cultura dominante, com
os seus valores, os seus gostos, costumes e hábitos que passam a ser
considerados a ‘cultura’, desprezando-se os costumes e valores das classes
dominadas (MALTA, 2013, p.346, apud SILVA, 2007).
[...] seja pelo processo disciplinar dos parâmetros curriculares, seja pela
permanência da disciplinarização nos livros didáticos destinados ao ensino
médio, seja ainda pela organização disciplinar na formação de professores
e nas escolas (LOPES, 2008, p.83).
I.2.1 – A Conjuntura
Manuel Correia de Andrade (1994, p.76) assinala que “Geografia Crítica” era
um rótulo atribuído a todos os trabalhos que, embora partindo de perspectivas
diversas, “se opunham ao exagero da quantificação da ciência geográfica”, ainda
que tenha havido excessos na oposição ao quantitativismo num primeiro momento,
segundo o autor.
Segundo Moreira, “um corte epistemológico só se opera radicalmente em uma
ciência se emerge de fundo mergulho crítico nos próprios fundamentos em que a
ciência está apoiada.”
95
Já se pode vislumbrar por volta dos anos 1950 uma ligeira tentativa de
reorientação da geografia acadêmica entre alguns geógrafos franceses. Em
geral, são geógrafos de formação marxista, dando seqüência à busca de
reativação do conceito de gênero de vida de Vidal por seu discípulo Max
Sorre nos anos 1930. É Pierre George (1909-2006), continuador dos
trabalhos e idéias de Sorre, o centro de referência dessa renovação. É com
George que a teoria da organização geográfica do espaço mundial perde
seus alicerces clássicos: a divisão natural em continentes. George toma
como nova referência os sistemas econômico-sociais, vendo as formas de
organização do espaço mundial segundo os sistemas socialista e
capitalista, este por sua vez diferenciando-se em desenvolvidos e
subdesenvolvidos. A geografia de cada país, incluindo-se suas condições
naturais, organizar-se-á segundo as regras sócio-econômicas de seu
sistema, o que põe no centro da organização as determinações da história.
A história determina o modo da relação do homem com o seu meio natural.
Assim, por exemplo, foram necessários anos de desenvolvimento
econômico-social para que os homens habitantes do Oriente Médio
descobrissem a forma de uso industrial do petróleo e o incorporassem como
fonte de energia e matérias-primas à sua existência (MOREIRA, 2009, p.20-
21).
Milton Santos no seu livro (“Por Uma Geografia Nova: da crítica da Geografia
a uma Geografia crítica)”, produz importante análise sobre a questão do espaço,
abrindo e pavimentando o terreno do movimento de renovação. Segundo Moreira,
ao longo das páginas desse livro, descobre-se que a sociedade é o seu espaço
geográfico e o espaço geográfico é a sua sociedade. Ora, se o espaço tem essa
natureza, seu modo de entender muda de todo. Mais que isto: se ele é o objeto da
geografia, então na geografia tudo muda de todo.
Neste livro, Santos insere a Geografia no conjunto das ciências sociais
definindo o objeto da mesma. Também quer o fim da dicotomia homem x natureza,
na busca do “espaço total de nossos dias.” Defende a dialética do espaço com a
101
[...] O espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que
ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita
entre as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva
que reproduz as relações sociais, [...] o espaço evolui pelo movimento da
sociedade total (SANTOS, 1978, p.171).
Yves Lacoste em sua obra, “A Geografia isso serve, em primeiro lugar, para
fazer a guerra” tem como eixos de reflexão as estratégias e ideologias
escamoteadas pelos agentes dos “Estados maiores” nos raciocínios centrados no
espaço e, busca, também, a compreensão das funções e da importância da
geografia. Pensa que os conhecimentos geográficos são um saber estratégico, um
instrumento de poder intimamente ligado às práticas dos “estados maiores” e dos
militares e, reflete sobre a relação do homem com o meio como projeto unitário.
103
Lacoste coloca a escolha dos diferentes espaços de conceituação como uma etapa
primordial no caminho da investigação geográfica.
Vivemos, a partir do momento atual, numa espacialidade diferencial feita de
uma multiplicidade de representações espaciais, de dimensões muito diversas, que
correspondem a toda uma série de práticas e de ideias mais ou menos dissociadas.
Hoje, há vários feixes de relações e de representações espaciais perpassando o
território com o aumento na densidade das práticas espaciais se inscrevendo numa
infinitude de conjuntos espaciais.
Saber pensar o espaço é saber pensar na espacialidade diferencial (nas
práticas sociais multiescalares) por meio da interseção dos conjuntos espaciais, dos
níveis de análise espacial e das ordens de grandeza, desenvolvendo, assim, a
configuração geográfica que comporta múltiplas dimensões.
Para Moreira, “Lefebvre esmiuça os fundamentos da compreensão marxista
do espaço, tomando como ponto de partida a cidade, o que provoca uma ruptura
conceitual e fundamenta o seu estatuto teórico”.
Mas que tipo de geografia é apropriada para o século XXI? É lógico que não
aquela tradicional baseada no modelo “A Terra e o Homem”, onde se
memorizavam informações sobrepostas (...). E também nos parece lógico
que não é aquele outro modelo que procura “conscientizar” ou doutrinar os
alunos, na perspectiva de que haveria um esquema já pronto de sociedade
futura (...). Pelo contrário, uma das razões do renovado interesse pelo
ensino de geografia é que, na época da globalização, a questão da natureza
e os problemas ecológicos tornaram-se mundiais ou globais, adquiriram um
novo significado (...). O ensino de geografia no século XXI, portanto, deve
ensinar – ou melhor, deixar o aluno descobrir – o mundo em que vivemos,
com especial atenção para a globalização e as escalas local e nacional,
112
Em seu artigo “A geografia como ciência das práticas e dos saberes espaciais
– por um novo modelo clássico de organização curricular”, Couto(2017), tem como
ideia principal, a de compreender a geografia como ciência das práticas e dos
saberes espaciais para definir um formato de pesquisa e de ensino de geografia
como um novo discurso clássico.
O termo “clássico” compreendido como o que capta questões nucleares do
desenvolvimento histórico das sociedades é baseado na ideia de Dermeval Saviani
e aqui é utilizado para subsidiar professoras e professores de geografia na
montagem de currículos e de programas e, assim, como discurso, servir de
instrumento de análise e construção de materiais e livros didáticos, organização de
aulas, conteúdos e métodos da prática pedagógica. Também apresenta a forma
como ao longo da história o discurso e a prática geográfica foram sendo construídos
até a sua institucionalização na escola e na universidade.
Depois de colocar a questão central da trajetória nuclear e original da
geografia como forma de saber – do problema geográfico posto pela história –,
baseado em Moreira (2014), Couto (2017), por meio dos arquétipos fundadores de
Estrabão e Ptolomeu, das distintas definições de geografia e das três partes
estruturantes da pesquisa e do ensino, apresenta o desenvolvimento das matrizes
clássicas do pensamento e da prática geográfica.
É, também, baseado numa teoria social do espaço em Moreira (2010b, 2013)
que busca a definição da geografia como uma ciência das práticas e dos saberes
espaciais e, a partir daí, as fases e os conteúdos da construção geográfica das
sociedades.
Propõe, assim, a geografia como componente curricular na escola básica
(possível articulação com o ensino de história nos cinco primeiros anos, porém
independente nos anos posteriores) e uma distribuição por níveis de ensino.
Do 1º ao 5º ano propõe trabalhar as fases de montagem e desenvolvimento
do arranjo espacial das diferentes sociedades e privilegiar a articulação da escala
local com a escala nacional-regional.
115
didático é entendido como um material de apoio que pode ser ressignificado pelo
professor de geografia, valorizando sua autonomia e criatividade para melhor
aprendizagem dos alunos.
O Guia coloca como objetivo da Geografia nos anos finais do Ensino
Fundamental, atrair a atenção do estudante para que ele, auxiliado pelo professor,
aumente sua capacidade de entender o complexo mundo em que vivemos e, que,
para dar conta dessa tarefa, a Geografia Escolar precisa superar um modelo de
ensino enciclopédico, baseado numa grande quantidade de informações, geralmente
vistas com muita rapidez e desconectadas da vida do estudante.
O uso do livro didático deveria ser um ponto apoio da aula para que o
professor pudesse, a partir dele, ampliar os conteúdos, acrescentando
outros textos e atividades e, portanto, não o transformando no objetivo
principal da aula (CASTELLAR e VILHENA, 2010, p. 137).
Em análise dos Livros Didáticos adotados para o Ensino Médio nas escolas
públicas de Campina Grande (PB), Sampaio e Azevedo, analisam, no entanto, que
as barreiras cotidianas enfrentadas pelos professores, acabam por torná-los
“escravos” do livro didático, enquanto recurso pedagógico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hoje, pode-se dizer que se faz uma defesa do ensino escolar de Geografia
voltada para a emancipação humana fundada na razão crítica. E o ensino de
geografia voltado para a formação de cidadãos conscientes e participativos que
desenvolvem o raciocínio espacial condiciona e é condicionado por este movimento.
A Geografia em sua busca constante do desenvolvimento de raciocínios
espaciais por meio das práticas sociais e dos saberes escolares dos alunos,
possibilita a construção de conhecimentos e conceitos geográficos que lhes
permitam compreender e intervir na realidade social em que vivem para que
produzam espaços de vida visando à emancipação do ser do homem em sociedade.
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REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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