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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO SOCIOECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Gabrielle Bonatto Linhares

O papel dos estudos feministas em segurança internacional uma análise de a


participação feminina no efetivo militar na manutenção de paz a partir dos casos:
Argentina, Brasil e Chile

Florianópolis
2023
Gabrielle Bonatto Linhares

O papel dos estudos feministas em segurança internacional uma análise de a


participação feminina no efetivo militar na manutenção de paz a partir dos casos:
Argentina, Brasil e Chile

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em


Relações Internacionais do Centro Socioeconômico da
Universidade Federal de Santa Catarina como requisito
para a obtenção do título de Bacharel em Relações
Internacionais Orientador: Profa Dra Graciela de Conti
Pagliari

Florianópolis
2023
Gabrielle Bonatto Linhares

O papel dos estudos feministas em segurança internacional uma análise de a


participação feminina no efetivo militar na manutenção de paz a partir dos casos:
Argentina, Brasil e Chile

Local, xx de xxxx de xxxx.

O presente Trabalho de Conclusão de Curso foi avaliado e aprovado pela banca


examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.(a) xxxx, Dr.(a)


Instituição xxxx

Prof.(a) xxxx, Dr.(a)


Instituição xxxx

Prof.(a) xxxx, Dr.(a)


Instituição xxxx

Certifico que esta é a versão original e final do Trabalho de Conclusão de Curso que
foi julgado adequado para obtenção do título de Bacharel em [Economia / Relações
Internacionais] por mim e pelos demais membros da banca examinadora.

____________________________
Prof.(a) [xxxx], Dr.(a)
Orientador(a)

[Cidade], [ano da entrega].


“Aos meus pais”
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente, aos meus pais, que desde nova me fizeram admirar a
pedagogia, os estudos, instigaram minha curiosidade pelo aprendizado. Agradeço por ter tido
a oportunidade de estudar em uma das melhores universidades do mundo, aos professores que
acreditam naquilo que fazem, e transmitiram valores e seus conhecimentos. Lecionar e
escolher essa profissão todo o dia, é uma forma de luta, sabe-se que todo o dia, em diversos
momentos tentam cada vez mais desvalorizar essa enriquecedora e fundamental profissão.
Foram tantos espaços, como: Centro Acadêmico, Encontro Regional de Relações
Internacionais, Model of United Nations UFSC, Siem, grupos de estudos, tenho um carinho
imenso pelos grupos que me fizeram e me incentivam a pesquisar, como o GESED e
GEPPIC, faltam dedos para contar a quantidade de experiência extracurricular que vivi.
Foram anos intensos, entrei uma adolescente e saí com uma tremenda dor nas costas e aprendi
a beber cerveja (talvez esse um dos maiores ensinamentos). Um ambiente onde me senti livre
sem preconceitos e pude me descobrir, agradeço aos meus veteranos e amigos, Henrique,
Davi, vejo a trajetória de vocês e sinto uma leveza imensa, vocês foram pessoas incrivelmente
acolhedoras, respeitosas e cuidadosas, daquela menina adolescente que recém entrava na
faculdade, hoje, verdadeiros amigos. Tenho um sentimento de amor e paixão pelas primeiras
pessoas que conheci na faculdade, que foram meus primeiros amigos, até hoje ocupam esse
posto na minha vida. Amo vocês, Arthur, Letícia, Belle, Sagaz, Duda, Leo, Viva Marcela.
Também, agradeço aos meus fiéis escudeiros, Arthur, Carol, Isis, Danuza, Luiza e Larissa.
Por fim, essa trajetória não teria sido tão boa sem vocês ao meu lado.
‘’No teatro da memória, as mulheres são uma leve sombra.’’(PERROT, Michele,
2005, p.33).
RESUMO

A partir da contribuição teórica das Perspectivas de Gênero, atrelado aos estudos de


Segurança Internacional, utilizando o método hipotético-dedutivo, o presente trabalho busca
por descrever qual a importância das mulheres em processos de paz? Qual papel elas
desempenham? Quais foram os desdobramentos da implementação da Resolução 1325?
Busca-se analisar a inserção das mulheres no âmbito da defesa nacional dos países, através de
dados e efetividade das políticas adotadas nos respectivos países analisados. O primeiro
capítulo, começa com uma breve introdução teórica onde o trabalho se ancora, delimita e
elucida teoricamente acerca das teorias de gênero, no âmbito da Segurança Internacional,
explora teoricamente a construção histórica do feminismo - delimitado geograficamente aos
países que constituem objeto de estudo, sendo eles Argentina, Brasil e Chile. Trazendo
também, a concepção teórica do que se considera ‘Operação de Paz’, que irá posteriormente
servir para compreender os próximos capítulos. No segundo capítulo, evidencia-se através de
dados o efetivo militar feminino nos três países analisados, para fim de compreender de que
forma essa inserção tem se dado? Tendo em vista a Resolução 1325, sobre Mulheres, Paz e
Segurança, e seus desdobramentos efetivos no que diz respeito à paridade de gênero, sendo
um dos desdobramentos da resolução, os Planos Nacionais de Ação.

Palavras-chave: Mulheres; Forças Armadas; Operações de Paz; Efetivo militar; Segurança


Internacional; Gênero.
ABSTRACT

Based on the theoretical contribution of the Gender Perspectives, linked to International


Security studies, using the hypothetical-deductive method, this paper seeks to describe the
importance of women in peace processes? What role do they play? What were the
consequences of the implementation of Resolution 1325? It seeks to analyze the insertion of
women in the scope of the national defense of the countries, through data and effectiveness of
the policies adopted in the respective analyzed countries. The first chapter begins with a brief
theoretical introduction where the work is anchored, delimits and theoretically elucidates
about gender theories, in the context of International Security, theoretically explores the
historical construction of feminism - geographically delimited to the countries that constitute
the object of study, being Argentina, Brazil and Chile. Also bringing the theoretical
conception of what is considered 'Peace Operation', which will later serve to understand the
next chapters. In the second chapter, it is evidenced through data the female military
personnel in the three analyzed countries, in order to understand how this insertion has taken
place? Bearing in mind Resolution 1325, on Women, Peace and Security, and its effective
consequences with regard to gender parity, one of the consequences of the resolution being
the National Plans of Action.

Keywords: Women; Armed forces; Peace Operations; Military staff; International Security;
Gender.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Estereótipos de gênero dentro das forças armadas ............................................... 49


Quadro 2 - Posto máximo alcançado por mulheres no Corpo de Comando (2016). ............... 58
Quadro 3 - Posto máximo alcançado por mulheres no Corpo de Comando 2016 .................. 67
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Ano de admissão das mulheres profissionais no exército (2010) .......................... 51


Tabela 2 - Ano de ingresso da mulher na carreira militar (corpo de comando) (2010)........... 51
Tabela 3 - Número de membros da força classificados por gênero (Oficiais Comissionados,
Suboficiais e Tropas) (2010) ................................................................................................ 52
Tabela 4 - Admissão ao serviço militar na Marinha comparado (2015-2016)........................ 58
Tabela 5 - Posto máximo alcançado por mulheres no Corpo de Comando (2016). ................ 62
Tabela 6 - Admissão ao serviço militar nas três forças (2016) .............................................. 66
Tabela 7 - Porcentagens de efetivos do Exército diferenciadas por sexo (2008) .................... 66
Tabela 8 - Especialistas Militares da ONU em Oficiais de Missão e Estado-Maior (UNMEMs
+ SOs) ................................................................................................................................. 78
Tabela 9 - Especialistas Militares da ONU em Missão e Oficiais Staffs (Possui em média 50-
99 Observadores Militares e Oficiais de Estado-Maior) ........................................................ 78
LISTA DE INFOGRÁFICOS

Infográfico 1 - Quantidade de mulheres em missões de paz no ano de 2022 (estimado


quantitativamente pela média de 100 oficiais participando) .................................................. 75
Infográfico 2 - Quantidade de mulheres em missões de paz no ano de 2022 (estimado
quantitativamente pela média de 10 oficiais participando) .................................................... 76
Infográfico 3 - Quantidade de mulheres em missões de paz no ano de 2022 (estimado
quantitativamente pela média de 1000 oficiais participando) ................................................ 77
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 15
1.1 OBJETIVOS...................................................................................................... 18

1.1.1 Objetivo Geral ................................................................................................. 19

1.1.2 Objetivos Específicos ....................................................................................... 19

2 CAPÍTULO 1 ................................................................................................... 20
2.1 ABORDAGENS DE GÊNERO NO CAMPO DE ESTUDOS DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS ............................................................................................................ 20

2.1.1 Definição de Segurança Internacional ............................................................ 22

2.1.2 Segurança Internacional sob abordagem de gênero ....................................... 26

2.1.3 A Construção teórica do feminismo ................................................................ 31

2.2 Definição de Operação de Paz............................................................................ 36

2.2.1 Operações de Paz sob a ótica dos Estudos de Gênero .................................... 38

2.2.2 Entendendo a construção da paz a partir dos termos: Paz, peacebuilding,


peacemaking e peacekeeping ............................................................................................. 44

3 CAPÍTULO 2 ................................................................................................... 46
3.1 INCORPORAÇÃO DAS MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS E SUA
INSERÇÃO NA CARREIRA MILITAR DA ARGENTINA, BRASIL E CHILE ................ 46

3.1.1 Características da inserção das mulheres nas forças armadas nos casos
Argentina, Brasil e Chile ................................................................................................... 53

3.1.2 O caso do Brasil ............................................................................................... 54

3.1.3 O caso da Argentina ........................................................................................ 60

3.1.4 O caso do Chile ................................................................................................ 64

3.2 QUARTA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DA MULHER: MULHERES


EM CONTEXTOS ............................................................................................................... 69

4 CAPÍTULO 3 ................................................................................................... 70
4.1 MISSÕES DE PAZ COM PARTICIPAÇÕES DE MULHERES/CORRELAÇÃO
ENTRE DIMINUIÇÃO DE CASOS DE VIOLÊNCIAS DE GÊNERO OU ATRIBUIÇÃO
DE MAIOR PAZ/MELHORES NEGOCIAÇÕES NA GUERRA ........................................ 70
5 CONCLUSÃO.................................................................................................. 91
REFERÊNCIAS............................................................................................... 94
15

1 INTRODUÇÃO

A partir do fim da Guerra Fria ocorreu a reconfiguração do Sistema Internacional,


essa reconfiguração se deu com o fim do sistema bipolar. Determinada nova configuração foi
marcada pela ascensão de novos escopos de análise que passaram a exigir novas teorizações e [NS1] Comentário: Insuficiencia
explicativa/incapacidade de explicar das
um escopo cuja complexidade fosse capaz de abarcar essa nova configuração do sistema. teorias até então existentes.

Os teóricos de Relações Internacionais passaram a permear questões que vão além da


sua configuração primária do Sistema Internacional, a qual era baseada no Estado. A
reconfiguração do Sistema Internacional, trouxe o desafio teórico aos tradicionais estudos de
segurança, bem como trouxe luz ao debate do feminismo no campo. Conforme Costa (2009),
a emergência desta nova temática surge em meados dos anos 1980, momento em que novas
concepções sobre segurança internacional entram no campo de estudos. Devido às novas
formas de conflitos e ameaças, as formas tradicionais de conflitos já não são objetos
suficientes para os estudos de segurança. [NS2] Comentário: Não são mais
exclusivos.
Partindo da ideia de que a participação feminina nas missões de paz ocorre de forma
a coibir má condutas perpetuadas por soldados do sexo masculino, ao acrescentar mais força [NS3] Comentário: Também para

feminina em operações o que se espera é que, atos de agressividade e hiperatividade


masculina diminuam, havendo assim uma promoção de uma agenda mais integrada de gênero
(REBELO, 2012, p. 40).
Sendo assim, o papel feminino em cenários de conflitos e guerras ainda se estabelece
a partir de um estereótipo de gênero, onde a paz é resguardada pelo feminino. Logo, sua
inserção ainda se dá de forma desigual e com pouca participação. A inserção feminina em [NS4] Comentário: Apresentar alguns
dados.
hierarquias de poder ainda é dada de forma a coexistir com estereótipos de gênero,
reverberando ainda diversas problemáticas no âmbito militar e da defesa. Coibir o sexismo
institucional existente e integrar por completo as mulheres, reivindicando assim, seu papel
nessas instituições, é necessário para que haja maior pluralidade nesses espaços. [NS5] Comentário: normativo

A análise acerca da inserção feminina nas Forças Armadas e em Operações de Paz


será feita através do estudo entre Argentina, Brasil e Chile, tendo em vista suas subjetividades
e proximidades como países latino-americanos, sua ‘’ausência de guerra’’ tradicional e o
notável caso de acesso total às Forças Armadas, em uma revisão teórica ao caso do Brasil,
onde a inserção de mulheres em cargos de poder e combate ainda passa por suas
imaterialidades quando sobrepostas aos caso da Argentina e Chile. Busca-se refletir também,
16

à luz de seus respectivos Planos Nacionais de Ação, se houve implementação efetiva de


equidade de gênero em seus esforços na manutenção e consolidação da paz, além de seus [NS6] Comentário: O que se entende
por efetivo? Paridade?
esforços históricos na manutenção da paz da ONU. Com o intuito de compreender seus
processos de integração feminina nas instituições militares e, por sua vez, a natureza dessa
integração, se a mesma se dá através da divisão sexual do trabalho/guerra. Compreendendo a
importância da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW) de 1979, que reforça a necessidade de incluir mais as mulheres nos debates
internacionais - onde assim como na tomada de decisões à nível doméstico, compreende sua
importância desenvolvimento da paz e segurança internacional.
Quanto à outra parte, é necessário reforçar que a presença equitativa feminina nas
instituições militares não é compatível com os níveis desejados que deveríamos ter alcançado
no presente momento, frente aos diversos avanços conquistados pelas mulheres na luta pela
igualdade de gênero. As discriminações impostas ao gênero feminino ainda perduram no que
tange o âmbito militar.
Ao trazer e incorporar os estudos pós-positivistas, as consideradas ‘’Perspectivas
Feministas’’, faz se necessário para fortalecer e verificar práticas e condutas de Instituições e
Estados através da perspectiva de gênero (ENLOE, 2000; TICKNER, 2006). A importância
dessa perspectiva de análise promove a construção teórica do presente trabalho e impulsiona
políticas domésticas, assim como no domínio do Sistema Internacional. Tendo como intuito
alcançar a equidade de gênero em diversas instituições, assim, criando uma maior notoriedade
para o assunto, que impulsionou a discussão da temática em diversas esferas, como por
exemplo, instituições e Estados.
Para qualificar e delimitar esse escopo, elaborou-se o primeiro capítulo na
metodologia gender perspectives, onde coloca-se uma breve elucidação de como se situa as
abordagens de gênero no âmbito das Relações Internacionais, os quais foram desenvolvidos
através da pesquisa qualitativa, onde o método empregado é hipotético-dedutivo.
Nesse sentido, cabe identificar por meio dessa produção teórica onde está a
participação feminina e questionar como ela se dá no presente momento – tendo como
hipótese sua falta de representatividade nos ambientes militares. Com o intuito de não
sustentar a falácia de que inclusão que se tem atualmente ocorre de forma efetivamente
inclusiva.
Ao fim desse trabalho, tendo em vista toda revisão teórica e dados apresentados,
buscar-se-á o entendimento do porquê da falta da participação feminina no efetivo militar, e [NS7] Comentário: Outra pergunta
17

por sua vez, colocando em perspectiva as Operações de Paz. O estudo espera contribuir com a
compreensão do porquê o âmbito militar ainda é omissivo e apresenta uma representatividade
mínima de mulheres nas forças, questionando quais são os aspectos que precisam ser [NS8] Comentário: Mais perguntas

avaliados para que se obtenha a incorporação feminina de forma satisfatória. [NS9] Comentário: mais

A temática da mulher militar dos países em análise ainda mostra-se como algo novo
e carente de mudanças efetivas nas Forças Armadas. Mesmo sendo possível identificar que
existem políticas oficiais que incentivem a integração do corpo feminino nos três casos
analisados, sendo eles a Argentina, Brasil e Chile, também é perceptível que existe certa
inconsistência prática quando falamos do assunto em termos de aplicabilidade real.
O primeiro capítulo tem como objetivo trazer uma breve contextualização dos
estudos de gênero dentro do campo de estudos de relações internacionais, compreendendo
assim qual contribuição essa perspectiva traz para o trabalho como um todo, uma vez que as
questões de gênero formulam um lugar importante no cenário de segurança internacional - [NS10] Comentário: Será mesmo?
refletir
haja vista, seu histórico apagamento dentro da teoria, além disso, outro marco importante está
a implementação da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU.
Em seguida, trazemos uma breve explicação da definição de Segurança
Internacional, no qual se ancora teoricamente o trabalho, com uma revisão teórica breve da
conceituação atual de Segurança Internacional. Ainda no que tange a Segurança Internacional,
trazemos o clássico estudo sob a perspectiva de gênero para ancorar a pesquisa, o contexto se
dá no período Pós-Guerra Fria, onde novas perspectivas são inseridas e integradas ao estudo,
onde enquadram-se novos escopos de análise para a agenda global (COSTA, 2009, p. 205).
Tendo como finalidade contribuir para a perspectiva gender mainstream onde se
ancora o trabalho, trazemos uma breve conceituação da contribuição feminista no seu
arcabouço teórico, onde elucidamos a construção teórica e seu desenvolvimento, a fim de
compreender o ‘’gênero’’, como uma categoria de análise.
Como parte da construção argumentativa e de hipótese deste trabalho, traremos
também, com o propósito de contribuir teoricamente a hipótese levantada no trabalho, uma
breve elucidação do termo Operações de Paz, tendo em vista que o mesmo constitui parte
importante da contribuição do trabalho, nele veremos como se constitui tais Operações se
estabelecem teoricamente - como se dá constituição atual das operações de paz, a partir do
fim da Guerra Fria, no tocante do entendimento de que as Operações de Paz, tornaram-se
18

exponencialmente crescentes e necessárias como mecanismo "ponderador" dentro do Sistema


Internacional.
A partir do tópico acima, cabe ressaltar a contribuição das Operações de Paz tendo
em vista perspectivas de gênero, o que se torna fundamental tendo em vista que se tratará do
efetivo militar feminino e Forças Armadas, analisando tal aspecto também sob a ótica das
Operações de Paz da ONU, trazendo à luz as problemáticas acerca da sua sub-representação
no efetivo militar, com a contribuição do papel fundamental que as mulheres exercem na
sociedade.
Já no segundo capítulo, serão apresentados dados sobre a incorporação das mulheres
nas Forças Armadas e sua inserção na carreira militar nos casos de Argentina, Brasil e Chile,
já que mesmo que a sociedade tenha progredido em diversas questões sociais acerca de
gênero, nesse âmbito, ainda é possível notar a forte divisão sexual da
guerra - entraremos na discussão de dados acerca do ano da sua inserção efetiva em
cada país, exposição de dados acerca da parte quantitativa e como procede atualmente sua
inserção e quais a problemáticas impostas na temática.
Veremos também, como parte fundamental da análise, como se deu a implementação
dos Planos Nacionais de Ação sobre Mulheres Paz e Segurança em cada país, fazendo um
apanhado geral da construção da vida e inserção da carreira militar feminina nos países
analisados.
Prontamente, seguiremos com o tema ‘’Quarta Conferência Internacional da Mulher:
Mulheres em contextos armados’’, que será abordado considerando a sua importância e marco
legal delimitado pela quarta conferência.
Por fim, será feita uma revisão acerca das Missões de Paz com a participação
feminina, com a intenção de compreender se houve, de fato, a efetiva correlação entre
diminuição de casos de violência sexual como crime de guerra, além de compreender como a [NS11] Comentário: Correlação não é
causalidade
participação feminina em Operações de Paz são capazes de atribuir maior e melhores
efetiva correlação não é possível
mais mulheres = menor violencia
negociações em contextos de conflitos armados. causalidade

correlation is not causation

1.1 OBJETIVOS Consegue mensurar se foram as mulheres


ou outro fator que implicou?

Nas seções abaixo estão descritos o objetivo geral e os objetivos específicos deste
TCC.
19

1.1.1 Objetivo Geral

Qual o papel das mulheres na reconstrução da paz em contextos pós-guerra?

1.1.2 Objetivos Específicos

 Compreender a importância do papel feminino na construção da paz em


situações de guerras e conflitos;
 Analisar a inserção das mulheres no âmbito da defesa nacional dos países,
através de dados e efetividade das políticas adotadas nos respectivos países
analisados;
 Apresentar dados que justifiquem a inserção de mulheres nas tomadas de
decisão haja vista que sua participação efetiva é responsável por uma maior
construção de paz em momentos de conflito.
20

2 CAPÍTULO 1

Neste capítulo, abordam-se os diversos posicionamentos contidos em diversas obras


que foram analisadas e compiladas com o principal intuito de atrelar a devida veracidade
científica à presente pesquisa acadêmica.

2.1 ABORDAGENS DE GÊNERO NO CAMPO DE ESTUDOS DE RELAÇÕES


INTERNACIONAIS

A guerra, desde sua conceituação tradicional e consolidação do estudo das Relações


Internacionais, tem se modificado por meio de transformações e rupturas no Sistema
Internacional. Tais rupturas da estrutura tradicional, além de transformar o Sistema
Internacional, também demandaram novos esforços teóricos que consigam acompanhar os
novos fenômenos e transformações vigentes. A demanda de um novo corpo teórico para o
estudo do conceito de Segurança Internacional, observado junto a novos fenômenos, se
estabelece de forma orgânica no âmbito dos estudos de gênero dentro das Relações
Internacionais, bem como sua inserção dentro dos estudos de Segurança Internacional.
Durante o pós Guerra-Fria, o Estado deixa de ser o único ator dentre os estudos de
Segurança, novas formas de conflito e dinâmicas passam a surgir. Surgem justamente nesse
período histórico, nos anos 80, as Perspectivas Feministas, incorporadas nesse período
denominado como Pós-positivista, onde são implementados novas lentes e um novo
arcabouço teórico para compreender as dinâmicas dos Estados, bem como suas instituições
(TICKNER, 2006).
Apesar de questões de gênero ocuparem um posto importante no cenário de
Segurança Internacional, estas foram negligenciados tanto na teoria, quanto na prática da
Segurança Internacional, com a aprovação e implementação da Resolução 1325 do Conselho
de Segurança da ONU (sobre as operações do Conselho de Segurança), a integração das
preocupações de gênero na manutenção de paz, questões migratórias, no desarmamento pós-
conflito e reintegração e proteção de não-combatentes em tempos de guerra, se mostrou
crescente a importância da sensibilidade de gênero para atores em todas as frentes da
segurança. Nas décadas seguintes, os estudos feministas passaram a reformular pressupostos
teóricos clássicos e fundamentais de Relações Internacionais (SJOBERG, 2010).
21

Em questões de guerra e paz, as feministas perguntaram por que as guerras têm sido
predominantemente combatidas por homens e como as estruturas de gênero, masculinidade e
feminilidade legitimaram a guerra e o militarismo tanto para mulheres, como para homens;
também investigaram a problemática associação especializada das mulheres com a paz,
associação que, muitos acreditam, enfraquece tanto as mulheres quanto a paz (Sylvester 1987;
Tickner 2001: 59). O cerne maior da preocupação das feministas no campo de estudos das [NS12] Comentário: padronizar

Relações Internacionais, é o porquê, em quase todas as sociedades, as mulheres são [NS13] Comentário: Vão além

desfavorecidas em diversos âmbitos, seja político, social ou econômico, em relação aos


homens, e até que ponto isso se deve à política internacional e economia mundial. Por outro
lado, elas também buscam questionar de que maneira tais estruturas hierárquicas e de
desigualdades de gênero podem apoiar o sistema internacional e contribuir para a distribuição
desigual de riqueza e recursos na economia capitalista global.
Em sua desafiadora crítica à Hans Morgenthau, autor clássico do realismo político, a
autora Ann Tickner, apontou que ‘’A política internacional é um mundo feito para homens,
um mundo de poder e conflito no qual o ato de fazer guerra é um privilégio’’ (TICKNER,
1988, p. 01, tradução nossa)1. Costumeiramente, aspectos como diplomacia, política, serviço
militar e, até mesmo a ciência das relações internacionais, estiveram majoritariamente
dominados por homens (TICKNER, 1988). Nas décadas seguintes, as acadêmicas feministas
foram capazes de incorporar uma reformulação de diversos pressupostos previamente
definidos, a partir de um escopo teórico que carecia de análise (SJOBERG, 2010).
Os estudos de gênero, dentro do campo das Relações Internacionais, tiveram suas
perspectivas introduzidas a partir da escola feminista, a mesma, se refere à luta pela equidade
entre ambos os sexos. Cabe ressaltar que a existência da análise de gênero pressupõe diversas
vertentes entre seu escopo de análise. Por exemplo, é possível notar uma forte presença das
vertentes liberais, construtivistas, pós-modernas, marxistas, dentre outros (SJOBERG, 2010).
A necessidade de trazer o gênero como categoria para análise predispõe do entendimento de
que questões de gênero permanecem latentes em diversos âmbitos da sociedade, por sua vez,
deve ser estimado também no campo de estudo de Relações Internacionais. As abordagens de
gênero demonstram como o pressuposto basilar da teoria realista, de que as características
definidoras do Estado, são características e qualidades atribuídas com base na masculinidade,

1
No original: ‘’International politics is a man’s world, a world of power and conflict in which warfare is
privileged activity’’
22

portanto cabe estruturar críticas a tais presunções, que novamente, demonstra como esse
campo é dominado por estruturas de gênero.
Preceitos, como ‘’Estado e Paz’’, se estruturam através da reprodução daquilo que
existe por natureza na sociedade. A forma com que se discute o Estado, advém de normas
masculinas, como se os homens cumprissem o papel do Estado, responsáveis pela
belicosidade, enquanto a mulher se torna responsável por resguardar a paz.2
Cabe salientar, de acordo com Scott (1986), que conflitos, mesmo que a nível local,
são comumente associados ao sexo masculino, sendo o ele o sujeito escolhido para ação e
representatividade, já as mulheres, acabam majoritariamente como vítimas de guerra. Isso
decorre, de acordo com a autora, pois as mulheres passaram por processos de marginalização
em assuntos à nível político, de resolução de conflitos e processos diplomáticos, sendo em sua
maioria, alvos de violações Direitos Humanos e abusos, além de veiculadas como armas de
guerra.
Tendo em vista as dinâmicas colocadas, o presente capítulo buscará refletir sobre as
dinâmicas de gênero dentro do campo de estudo das relações internacionais, tendo como
objetivo também, a integração das perspectivas de gênero nos contingentes militares no
âmbito das Operações de Manutenção da Paz. Para que, ao fim, compreenda-se a importância
do papel feminino na construção da paz em situações de guerra e conflitos, assim como, a
inserção feminina e o papel das mulheres nas forças armadas e eixo militar, tendo em vista os
estudos de segurança internacional, bem como de que forma, medidas que visam equidade de
gênero são responsáveis pela efetiva redução de estereótipos de gênero dentre as relações
sociais dentre a estrutura militar dentro de missões de paz.

2.1.1 Definição de Segurança Internacional

A característica definidora dos estudos de segurança, é baseado no famoso


pressuposto de que o Estado é resguardado por um ambiente anárquico, onde também pode-se
concluir, que os Estados se caracterizam pela tentativa de adquirir soberania em certo aspecto
do sistema internacional, através da obtenção do Status Quo.
Para Waltz (1979), a característica definidora do sistema internacional é que as partes
componentes (Estados) do sistema são funcionalmente similares e interagem em um ambiente

2
Cockburn (2013), traz em seu texto o seguinte apontamento, “Women are sometimes hailed as more
‘peaceable’ than men, and indeed opinion polls do often find women to be less supportive of war policies.
23

anárquico. Os sistemas internacionais distinguem-se entre si somente pela distribuição de


capacidades relativas entre os atores. Presume-se que os Estados agem em seu próprio
interesse; no mínimo, eles ‘’procuram a própria preservação e, no máximo, buscam a
dominação universal’’. Waltz (1979, p. 118). O trecho a seguir de Waltz, corrobora para a
compreensão de como o Sistema Internacional funciona.

Para Waltz a característica definidora do sistema internacional é que as partes


componentes (Estados) do sistema são funcionalmente similares e interagem em um
ambiente anárquico. Os sistemas internacionais distinguem-se entre si somente pela
distribuição de capacidades relativas entre os atores. Presume-se que os Estados
agem em seu próprio interesse; no mínimo, eles ‘’procuram a própria preservação e,
no máximo, buscam a dominação universal’’ (WALTZ, 1979, p. 118).

As tensões ocasionadas pelos gastos militares podem ser facilmente explicadas


conhecendo as características do sistema internacional e os constantes dilemas em que os
Estados se deparam em relação à segurança. Para os Estados buscarem a própria preservação
no sistema internacional se faz necessário o desenvolvimento e estruturação de meios para
garantir sua segurança, e para isso dispõe de alternativas: armamentos e/ou alianças. A
escolha pela preponderância de um ou outro meio se dá através da análise da relação
custo/benefício econômico e de política interna e externa, buscando qual lhe garantirá mais
segurança pelo menor custo. (MORROW, 1993). A proposição de que o Sistema
Internacional é na sua teoria regido pela falta de uma autoridade supranacional, ou seja, sem
um mecanismo capaz de delimitar os objetivos dos atores do sistema, implica no
entendimento das principais características que serão levadas em consideração durante o
presente estudo, sendo elas; a ausência de regras e normas obrigatórias, a pluralidades das
unidades soberanas e o direito ao uso da força.
Ao então decidir armar-se, mesmo que por objetivos unicamente defensivos, o
Estado passa a apresentar uma ameaça à segurança dos seus vizinhos. Isso porque as
intenções dos Estados com suas ações nem sempre são transmitidas claramente aos outros do
sistema, sendo a anarquia internacional o principal favorecedor ao surgimento dessas
assimetrias de informações.
Assim, ao perceber esse Estado como ameaça à sua segurança, os outros ao seu
redor muito provavelmente irão responder também aumentando seu poderio bélico. Esse
padrão de ação/resposta pode continuar se repetindo muitas vezes entre os atores até tornar-se
um loop, uma corrida armamentista. Corridas armamentistas estabelecem situações de muita
24

tensão entre Estados, podendo trazer custos muito grandes a ambos: perdas econômicas,
instabilidade política interna e até a guerra.
Sabendo que cada Estado depende somente de si para existir, não existe certeza sobre
a ação dos outros atores no SI, sendo assim, o conflito e a iminente ausência de paz, remonta
um ambiente de incertezas e tensões. Assim, torna-se claro a ideia de que os conflitos e as
tensões são inerentes ao sistema, já que o uso da força é um meio tangível para a obtenção dos
objetivos dos atores. Em suma, a projeção das incertezas dos atores, gera consequências para
o ambiente coletivo, ou seja, toda ação individual de um ator tem uma causa sistêmica.
Para Waltz (2010, p. 125) o princípio ordenador anárquico e descentralizado
estabelece a lógica egoísta segundo a qual os Estados se relacionam. Isso involuntariamente
cria externalidades que, projetadas no âmbito do conjunto, engendram uma estrutura que
constrange os comportamentos, encoraja outros, e seleciona/privilegia os atores que se
ajustam mais às práticas que favorecem o sistema.
A escolha por armamentos em detrimento de alianças torna-se justificável aos
Estados pelos seguintes aspectos: a confiança de ter armas e forças próprias, a alta
dependência que uma aliança pode estabelecer, o risco de uma mudança de visão e postura do
Estado aliado perante a aliança no futuro e o principal fato de a anarquia internacional
incentivar em muitos casos a não cooperação. Tendo baixos riscos ou ganhos garantidos a
uma defecção por parte do Estado, a cooperação passa a se tornar inviável, mesmo sendo
reconhecida pelos Estados como a melhor solução em muitos casos para determinado
problema.

A falta de uma soberania internacional não apenas permite que as guerras ocorram,
mas também dificulta que os Estados que estão satisfeitos com o status quo cheguem
a objetivos que eles reconhecem como sendo de interesse comum. Como não há
instituições ou autoridades que possam fazer e fazer cumprir as leis internacionais,
as políticas de cooperação trarão recompensas mútuas se outros cooperarem podem
trazer desastre se não o fizerem (JERVIS, 1978, p.167).

Para compreender o conceito de segurança, é necessário entender que ao invés de


simplesmente utilizar o termo defesa ou guerra, usa-se o termo Segurança como conceito
chave, tal perspectiva conceitual, obteve-se através do estudo e contemplação de objetos
políticos para a análise, inclusive do quão coeso era a relação entre ameaças militares e não
militares, bem como as vulnerabilidades do sistema. Cabe ao conceito de segurança, sustentar
o cerne conceitual dos Estudos de Segurança Internacional, ao lidar com questões de
conflitos, guerras e defesa. O termo foi notoriamente conceituado a partir da definição de
25

segurança de Wolfers, a partir da capacidade de estabelecer políticas de segurança ao


subordinar todos os interesses da nação (BUZAN; HANSEN, 2009).
O próprio surgimento da disciplina de relações internacionais e os eventos históricos
delimitam uma agenda e agregam no desenvolvimento da teoria. Com o surgimento da teoria
no entre guerras, houve a necessidade de estabelecer um arranjo político embasado naquelas
presentes dinâmicas do momento. O norteador da disciplina com toda certeza, se estabelece a
partir da Guerra Fria, onde acompanha-se o debate teórico.
Na disciplina de relações internacionais, os eventos históricos tendem a engendrar
desenvolvimentos da teoria. O próprio surgimento da disciplina, no período dos entreguerras,
derivou da necessidade de estabelecer novo arranjo político internacional embasado em
conhecimento teórico mais aprofundado sobre as dinâmicas interestatais. Era esperado,
portanto, que o colapso da Guerra Fria fosse acompanhado por debate teórico (WÆVER,
1998; KNUTSEN, 1992). Após a Segunda Guerra Mundial a perspectiva realista se
estabeleceu como campo norteador da questão. Mesmo hoje em dia, sabendo que existem
diversos debates teóricos e outras leituras da definição de Segurança.
Os debates permitem uma maior elucidação, sendo assim, diferentes vias de
considerar as dinâmicas internacionais são importantes para o debate. A primeira dela advinda
da premissa realista clássica, compreende que os estudos devem se restringir analisando as
questões militares e tendo como objeto de estudo o Estado (WALT, 1991). Já a vertente mais
abrangente entende que outros aspectos para além das ameaças militares, como por exemplo,
que os estudos de segurança devem também compreender e incorporar contrapontos como a
área da política, economia, societal e também ambiental (BUZAN, 1991); já no que tange a
perspectiva mais crítica, que estão associados aos trabalhos da Escola de Frankfurt, é proposto
que as pesquisas de segurança devam corroborar com a emancipação e liberdade humana
(BOOTH, 1995).
No que tange o aspecto teórico da definição de Segurança, o autor Stephen Walt
(1991), por exemplo, a define como sendo um objeto de estudo adjacente da ameaça, bem
como uso e controle do poderio militar. O autor Lawrence Freedman (1998), reafirma o
conceito citado por Walt, onde o conceito se baseia na força, em específico, onde às
condições que encorajam ou encorajam violência organizada no âmbito internacional,
havendo em comunhão uso de aparatos bélicos/militares. A fim de corroborar com a definição
26

clássica de Segurança Internacional, no próximo tópico iremos nos aprofundar da definição


tendo em vista a perspectiva de gênero.
É possível perceber através do trecho acima o dilema que envolve a busca por
segurança dos países. Quando um Estado buscou melhorar suas defesas em face a uma
provável ameaça, acabou por aumentar a própria insegurança e a do sistema como um todo.
Ademais as especificidades do SI, nas literaturas acerca dos estudos de segurança,
esbarram-se frequentemente no conceito chamado ‘’balança de poder”, o termo se refere a
distribuição de poder entre os atores do sistema, a qual estabelece que certo ator, não pode
obter domínio ‘’total’’, sobre o sistema. A distribuição de poder é inerente ao SI. “A política
de balança de poder prevalece onde quer que dois, e apenas dois, requisitos existam: que a
ordem seja anárquica e que seja povoada por unidades que desejam sobreviver” (WALTZ,
2010, p. 168)”.
Segundo Waltz (2010), os Estados não escolhem formar balanças de poder. A
assimetria no poder e o equilíbrio na mesma, são consequências de diversas características
históricas acerca dos atores daquele conflito. Um elemento interessante a ser observado é, por
exemplo, quais as estratégias adotadas pelos Estados para manter o equilíbrio no sistema,
tornando o sistema favorável para si. A estratégia adquirida pelos atores, em suma, diz
respeito a coalizões e alianças. O debate acerca de qual sistema é o mais belicoso e mais
instável no sistema internacional ainda é muito fomentado, os teóricos de segurança afirmam
que o sistema multipolar estabelecido pós-Guerra Fria ainda é considerado o de mais
complexa análise, já que suas variáveis são flexíveis e as articulações dos atores perante ao
sistema variam muito. Apesar da multipolaridade representar uma difícil resolução e previsão
perante a instauração de diversos conflitos, o sistema bipolar por sua vez, mostra-se mais
acessível aos estudiosos da área e maior previsibilidade ao sistema.

2.1.2Segurança Internacional sob abordagem de gênero

No tópico posterior, abordamos a definição de Segurança Internacional,


considerando isso, a proposta inicial deste capítulo será analisar a contribuição dos estudos de
gênero para o debate contemporâneo no campo de estudos de segurança internacional. Sendo
assim, acompanhamos a trajetória dos estudos feministas dentro do debate acadêmico de
Relações Internacionais, tendo em sua importância. Através de ferramentas teóricas que só
foram imputadas no pós-Guerra Fria, onde rompem-se barreiras revelando que os estudos de
27

gênero devem e são importantes como categorias de análise. Para tal, haverá uma breve
contextualização dos estudos de segurança, tendo como objetivo compreender onde a
categoria gênero se incorpora no campo como lente Ademais, é importante entender como se
insere a contribuição dos estudos de gênero dentro do campo de estudos de segurança. Em
seguida será possível discutir onde se insere a inclusão de mulheres dentro das Operações de
Paz da ONU, compreendendo assim, os avanços e lutas a serem vencidas quando se trata das
generificadas disparidades dentro das atividades militares.
A autora (SJOBERG, 2014), traz uma passagem acerca da construção cultural que
propõe o gênero feminino/masculino, onde tais caracterizações, não advém naturalmente
através da concepção ou diferenças biológicas, mas que sim o gênero, é socialmente
construído. A denominação ‘’gênero’’ (usualmente não acuradas), trata-se da constituição e
atribuição sociológica e construção social empregada ao determinado sexo, feminino ou
masculino, diferente da designação ‘’sexo’’, que constitui a divisão biológica entre homens e
mulheres - não exclui-se o fato de que existem claras e objetivas diferenciações biológicas
entre os sexos, cabe também, elucidar que elas existem, no entanto, não deveriam ser
determinantes e causadoras e divisões hierárquicas de poder - como se constitui na sociedade
atual. O termo sexo, constitui a dimensão biofisiológica entre homens e mulheres (JAYME,
MARIA e SAU, 1996).
Feminino e Masculino, são características atribuídas socialmente, impondo uma
divisão de classe social, nesse caso a predominante é a do sexo masculino, onde institui-se
uma categoria de poder vigente intitulada patriarcado 3. De acordo com (WEBER, 1947), o
patriarcado é um sistema governado por homens dentro da sociedade, Weber foi responsável
por desenvolver o conceito onde o elemento de dominação das mulheres, é feita pelos
homens, juntamente as teorias feministas foi designado por feministas, com a dualidade de
sistemas onde a teoria do patriarcado veio junto ao capitalismo (WALBY, 1989).
Com o Pós-Guerra Fria, outras questões para além do Estado, se inseriram no escopo
de análise, parte das mudanças ocorridas neste período, está o objeto de estudo, o próprio
conceito de segurança, que deixa de ser apenas analisada por uma perspectiva positivista e
passa por uma maior análise e discussão do conceito. Nessa nova ordem instaurada no

3
Para compreender sociologicamente o termo patriarcado, sugere-se a seguinte leitura. Disponível: Walby, S.
(1989). Theorising Patriarchy. Sociology, 23(2), 213–234.
28

contexto Pós-Guerra Fria, foi possível enquadrar novos itens na agenda política global
(COSTA, 2009, p. 205).
Sendo assim, a segurança passou a tratar outros aspectos além da clássica esfera
militar, diversas mudanças ocorreram acerca do conceito central de segurança, Buzan, relatou
que era necessário levar em consideração uma maior subjetividade do conceito de segurança.
A inserção da abordagem feminista dentro do campo de estudos das Relações
Internacionais, foi responsável por fornecer um aparato teórico mais integrado dentro das
ciências humanas. De acordo com Costa (2009), o feminismo se insere nas questões de
segurança, logo no início dos anos 80, onde surgem novas concepções e conceitos acerca da
clássica Segurança Internacional, devido a diminuição das clássicas concepções de conflitos, e
a emergência de novas formas de ameaças.
As contribuições da perspectiva feminista no campo de estudo de Segurança, se
estabelecem através de análises e reformulações dos conteúdos tradicionais dos estudos de
segurança, ao explorar e entender os papéis desempenhados pelas mulheres e relações de
gênero em combate e à nível de resolução de conflitos.
Ao analisar tal configuração, compreendeu-se os preconceitos de gênero nos
conceitos básicos de Segurança, como: Estado, violência, guerra, paz, e até mesmo, a própria
segurança, exigindo assim, sua redefinição à luz da perspectiva de gênero. Os estudos
feministas, obtiveram esforços ao elucidar questões acerca dos papéis das mulheres e do
gênero nos conflitos e nas resoluções de conflitos. Foi perceptível, como esse arcabouço
teórico advinha de uma linguagem baseada nas estruturas de gênero, a exemplo disso, estão:
aspectos acerca da militarização, estratégia nuclear e manutenção de paz, dentre outros. Além
de trazer à luz críticas aos tradicionais conceitos, também foi possível obter novos
conhecimentos empíricos acerca de violências sexuais na guerra e participação feminina em
conflitos armados (SJOBERG, 2010; TICKNER, 2006).
Sjoberg (2010), traz à luz em um trecho:

Dentro RI, ignorar gênero significa não reconhecer as maneiras pelas quais os
principais atores são definidos e diferenciados por sua relação com as normas de
masculinidade e feminilidade. Líderes, estados, organizações internacionais – todos
eles agem em acordo com as normas de gênero, embora de maneiras diferentes em
momentos diferentes’’ (SJOBERG, 2010, p. 39) (tradução nossa).

A autora Sjoberg (2010), também aponta a seguinte passagem: ''em nenhum lugar o
silêncio em relação ao gênero é mais ensurdecedor do que no campo da Segurança
29

Internacional’’. O estudo da guerra, anarquia, alianças - todos observáveis processos de


gênero – é o que mais se beneficia do reconhecimento de que o atores-chave não agem sem ou
fora do gênero. Ainda assim, o campo foi lento para incorporar o estudo de gênero, embora
quase vinte anos passaram desde que Ann Tickner criticou seu paradigma dominante por
projetar os “valores associados à masculinidade hegemônica” no cenário internacional dentre
o comportamento dos estados. Dentro do realismo, ela argumentou, o estado tem sido
conceituado através de uma visão de mundo histórica que privilegia as experiências de
homens4.
Nos anos 2000, a autora Hansen, em seu artigo intitulado “The Little Mermaid’s
Silent Security Dilemma and the Absence of Gender in the Copenhagen School,” trouxe as
problemáticas da Escola de Copenhague, junto aos Estudos de Segurança, ao elucidar as
problemáticas advindas da abandonada problemática de gênero pela clássica escola
(SJOBERG, 2010, p. 29).
Também, cabe mencionar a contribuição fundamental da autora J. Ann Tickner para
o tópico, sua análise se estabelece ao questionar as normas de masculinidade que são
socialmente construídas, e estão presentes na sociedade, como agressão, competitividade e na
definição e composição de identidade. Em segunda instância, está a articulação entre aquilo
que se constitui como local e o internacional, que pode ser discutido como elemento
importante para a construção da paz.
Por sua vez, a autora Cynthia Enloe, contribui ao pontuar que a política internacional
subestima o poder local feminino, o que em consequência invisibiliza hierarquias de poder e
aciona ainda mais desigualdades de gênero.
De acordo com Laura Sjoberg, o gênero pode ser uma categoria constitutiva que
define (e é definido por) entendimentos dos atores internacionais e sobre sua segurança, bem
como aqueles deixados de fora das análises de segurança. A prática de segurança
internacional muitas vezes depende sobre a invisibilidade das mulheres (tanto no trabalho

4
Tradução livre da autora. No original: ‘’Nowhere is the silence toward gender more deafening than in the field
of International Security. The study of war, anarchy, alliances—all observably gendered processes—stands to
benefit the most from the recognition that the key actors do not act without, or outside of, gender. Yet, the field
has been slow to incorporate the study of gender, even though almost twenty years have passed since Ann
Tickner criticized its dominant paradigm for projecting the “values associated with hegemonic masculinity” onto
the international behavior of states. Within realism, she argued, the state has been conceptualized through an
historical worldview that privileges the experiences of men’’ (Sjoberg 2010: 39).
30

como casus belli)5. Ademais, a autora Laura Sjoberg juntamente a Caron Gentry, apresentam
em seu livro, Mothers, Monsters, Whores: Women´se Violence in Global Politics, o
contraponto a equação, elas trazem à luz a questão transcultural usual de que mulheres são
seres não-violentos. Sjoberg e Gentry, demonstram que as mulheres podem se envolver sim
em atividades consideradas violentas no campo das Relações Internacionais, para as autoras,
isso não faz das mulheres heroinas da ação - o ponto, é desestigmatizar as categorias na qual
são classicamente colocadas, e quebrar o paradigma de que são submissas, silenciosas.
Assim coloca, Laura Sjoberg na seguinte passagem em seu livro

Mulheres não são seres violentos…uma interpretação conservadora do gênero que


vê as mulheres como pacificadoras e seres não-políticos, uma visão liberal que
entende as mulheres como influência pacificadora na política, e feministas que
estudam políticas globais com frequência criticam a violência masculina entre
Estados (SJOBERG, 2010).

No que tange às análises sobre segurança, a corrente feminista buscou tratar como
fundamental a questão militar, as dimensões dessa violência estrutural com a mesma
intensidade, bem como os aspectos econômicos - para além disso, questões como a
remuneração salarial, direitos trabalhistas, violência doméstica, estupor, subordinação de
gênero, foram consideradas e tratas para a corrente feminista (TICKER, SJOBERG, 2013).
Ademais, no ambiente militar, as mulheres também se mantiveram marginalizadas, o
argumento central para isso, seria de fraqueza e vulnerabilidade, de acordo com Cockburn
(2010), essa configuração se caracteriza como divisão sexual da guerra, que por sua vez,
determina papéis, e restringe a mulher nos mecanismos de agência de conflito.
Por fim, a construção da paz e prevenção de crimes associados ao gênero, serão
trabalhados na presente monografia sob a perspectiva de gênero, tendo como base os
trabalhos mencionados acima, que conjuntamente, buscarão analisar a hipótese e responder à
pergunta de pesquisa proposta. A fim de contribuir com a construção teórica onde o presente
trabalho é fundamentado, seguiremos com o tópico que discute de forma breve a construção
teórica feminista.
Cabe elucidar, que mesmo que gênero seja uma ferramenta de análise, é importante
entender como ele se constrói dentro de cada caso citado dentro desse trabalho, haja vista que

5
Tradução livre da autora. No original: ‘’First, gender can be a constitutive category which defines (and is
defined by) international actors’ understandings of their security as well as those left out of security analyses.
International security practice often relies on the invisibility of women (both as labor and as a casus belli)’’
(SJOBERG 2010, p. 5).
31

existem tantas correntes teóricas e suas divergências e correlações. É fundamental para a


análise compreender como se construiu a agenda feminista e seus processos, a fim de entender
se ao fim do trabalho, tais aspectos influenciaram no problema central da pesquisa.

2.1.3 A Construção teórica do feminismo

A teoria feminista, foi responsável por contribuir para o conhecimento científico ao


trazer para compreensão objetos de estudos para análise, ao trazer uma abordagem histórico-
relacional para análise, foi possível conceber as dicotomias entre gênero/sexo (PRÁ, 1997).
A partir do final século XIX até o começo do século XX, o pensamento feminista se
estabeleceu perante diversas vertentes teóricas. No entanto, os pressupostos liberais (valores
individuais) e do socialismo (valores igualitaristas), deram estruturas basilares para a
construção teórica do pensamento crítico feminista (BANDEIRA, 2008). Mesmo que com
suas diferenças teóricas, a corrente marxista compôs parte fundamental da construção do
pensamento feminista, as opressões vividas ligadas ao gênero, constituem-se da mesma
maneira em que o conceito de classe é importante para o marxismo. Logo, a classe é de suma
importância para o marxismo, assim como gênero é fundamental para o feminismo (SORJ,
1992). É possível notar as divergências teóricas e reivindicações em alguns aspectos, mesmo
que de forma central, as vertentes busquem questionar essa posição hierárquica de poder. A
crítica fundamental, se baseia na identidade do sujeito, responsável por estar no patamar mais
alto nessa estrutura de poder, o ethos masculino6.
Compreender como se insere teoricamente os termos ‘’gênero’’ e ‘’patriarcado’’, é
fundamental, já que são termos que fundamentam boa parte da teorização e conceituação das
teorias feministas. Primeiro, é importante frisar a dicotômica e muitas vezes confusa
diferenciação entre ‘gênero’ e ‘sexo’. O termo sexo, se refere ao biológico 7 - na própria
biologia, diz respeito a identificação clássica que serve para distinguir biologicamente a
alteridade entre ‘’macho’’ e ‘’fêmea’’. Enquanto ‘’gênero’’, se baseia no aspecto social, essa
construção só existe a partir do convívio societal, o termo gênero é responsável por distinguir
6
De acordo com a Antropologia ‘’Ethos masculino’’ do grego antigo, representa um conjunto de traços e modos
de comportamento que conformam o caráter ou a identidade de uma coletividade. Enquanto masculino, se refere
ao substantivo.
7
Nas palavras de Goldstein (2001) ‘’Sex and ‘’gender’’ Many scholars use the terms ‘’sex’’ and ‘’gender’’ In a
way i find unworkable: ‘’sex’’ referes to what is biological, and gender to whatis cultural’’
32

homens e mulheres socialmente a partir da reprodução de estereótipos de feminilidade e


masculinidade (SJOBERG, TICKNER, 2013).
Suarez (2000), traz acerca da contextualização sobre o que é ‘’gênero’’ a seguinte
passagem:

Gênero é um conceito acionado para analisar categorias sociais a partir de


determinações históricas e ontológicas, e para explicar as relações sociais presentes
na sociabilidade. Usada empírica ou analiticamente, é uma ferramenta
desconstrutiva, um instrumento para produzir efeitos na sociedade (SUAREZ,
2000).

Entender o gênero como uma categoria de análise, é a porta de entrada para a


compreensão da redefinição das teorias tradicionais, o escopo de gênero, caracterizam as
relações interpessoais entre homens e mulheres, enquanto há a compreensão de que as
diferenças de gênero são uma construção social, dimensões como cultura, vida pública e
privada, onde poder, autonomia, racionalidade, são associadas ao masculino (TICKNER,
1997).
A sociedade é responsável por delimitar a influência econômica e social das
mulheres, sendo assim, estão expostas a um ambiente em que existe a reprodução de
comportamento baseados no sistema patriarcal na qual a sociedade se insere, tal reprodução
de comportamento, muitas vezes são estereótipos de gênero que exaltam a suposta
‘feminilidade’, que não passa de uma série de estereótipos - muitas vezes negativos, que
visam manter a mulher abaixo da estrutura hierárquica onde a masculinidade prevalece.
A socialização feminina que perdura, se baseia em estereótipos antigos, onde homens
são capazes de serem seres políticos, de guerra, heróis etc., enquanto mulheres são
responsáveis por toda terminologia que contraria tais adjetivos citados (SJOBERG,
TICKNER, 2013).
Essa estrutura onde se baseiam as questões de gênero, são históricas e permeia
diversos aspectos da sociedade, outro fator importante de pontuar é o termo patriarcal, para
Goldstein (2001), essa organização se estabelece onde existe uma estrutura hierárquica onde
homens dominam as mulheres, existe a composição de uma ideologia onde homens são
superiores às mulheres, onde por sua vez, se estabelecem papéis de gênero que corroboram
com essa estrutura hierárquica de poder.
Sendo assim, a ambivalência entre ‘feminino’ e ‘masculino’ também se refere às
diferenciações entre aspectos de feminilidade e masculinidades, onde há a dicotomia entre
33

guerra/paz, forte/fraco, doméstico/internacional que por sua vez, são associados e dicotômicos
referentes à homem/mulher. Definir o gênero como marco pontual para análise, é importante
haja vista as desigualdades que são intrínsecas a essa dinâmica de poder (TICKNER, 1992).
A autora Sjoberg (2010), adiciona ao debate o seguinte apontamento:

Muitas vezes, as qualidades das normas de gênero são estruturadas como pares
dicotômicos. Como significantes de identidade, eles estabelecem hierarquia entre os
atores sobre os quais eles são descritos. Eles incluem, entre outras coisas:
racionalidade/irracionalidade, civilizado/bárbaro, autônomo/dependente,
ativo/passivo e poderoso/fracos – todos mapeados no par significante denominado
de masculino/feminino. O exame de dicotomias de gênero como essas tem sido útil
em explicar como as identidades relacionais desiguais têm sido mantidas e como
eles privilegiaram alguns atores e marginalizam outros. No entanto, há limites para
esse tipo de análise. Ao visualizar identidades de gênero relacionais em termos
dicotômicos, corre-se o risco de negligenciar a variação que existe dentro dessas
categorias’’ (SJOBERG, 2010, p. 49) (tradução nossa).

Nas palavras de Judith Hicks Stiehm, em “The Protected, the Protector, the
Defender’’ - ‘’Uma exposição da lógica de gênero acerca do papel masculino de protetor na
relação com mulheres e crianças traz à luz o significado e a eficácia apelo de um estado de
segurança que faz guerra no exterior e espera obediência e fidelidade em casa. Nessa lógica
patriarcal, o papel do masculino protetor coloca aqueles protegidos, paradigmaticamente,
mulheres e crianças, em uma posição subordinada de dependência e obediência. Na medida
em que cidadãos de um estado democrático permitem que seus líderes adotem uma postura de
protetores em relação a eles, esses cidadãos passam a ocupar um status como o das mulheres
no lar patriarcal. Devemos aceitar um poder estatal mais autoritário e paternalista, que recebe
seu apoio em parte da unidade que uma ameaça produz e nossa gratidão pela proteção’’.
À vista disso, a representação de mulheres na guerra e forças armadas constituem
parte importante, em decorrência da conexão entre guerra e masculinidade na composição do
Estado moderno. Mesmo assim, algumas autoras, como Helena Carreiras (2010, p. 427),
sustentam que essas instituições são marcadas justamente por generificação, o que implica na
não integração plena do acesso feminino a esses espaços.
Tendo isso em mente, a autora Enloe (2014), também busca por apontar onde
encontram-se as mulheres de uma base militar, como elas conseguiram chegar ali, quem se
beneficia por elas estarem nesses espaços, e o mais importante, o que cada mulher
pensa/pensaria sobre estar próxima ou até mesmo dentro de uma base militar (ENLOE, 2014).
34

Para a corrente feminista materialistas - que também podem ser denominadas como,
radicais, marxistas entre outras - consideram como mecanismo hierarquizador o patriarcado, e
por sua vez, discutem a síntese entre capitalismo e classe. Haja vista, que os homens possuem
poder sobre as mulheres no âmbito econômico. Existe aqui, uma clara designação sexual do
trabalho, onde as mulheres são responsáveis pelo lar, enquanto os homens se apropriam da
força de trabalho (TICKNER, 2013). À luz do exposto, os homens acabam sendo incluídos
em atividades remuneradas, enquanto as mulheres são responsáveis pela esfera do lar, sendo
assim, executando atividades não econômicas.
É no começo do século XIX, que surge o feminismo de primeira onda, onde surgem
assim as reivindicações do feminismo liberal, suas reivindicações vinham do pressuposto em
que as mulheres não poderiam ocupar espaços de poder, sendo assim, pontuaram as
desigualdades de gênero, sua teorização acaba por não se aprofundar sobre o real cerne dessa
desigualdade, e por fim visavam apenas pela inserção social feminina nos espaços.
Nesse momento, existe a crescente ideia do pensamento liberal, onde é inserida a
divisão sexual do trabalho, onde o papel de provedor do lar, estava com o homem, e a dona de
casa com a mulher, tal aspecto, foi definidor para estereótipos de masculinidade e
feminilidade (SJOBERG, TICKNER, 2013). O trabalho do feminismo liberal chama atenção
para a posição subordinada das mulheres na política global e argumenta que a opressão de
gênero pode ser remediada pela inclusão das mulheres nas estruturas da política global.
À luz das perspectivas feministas, Sjoberg (2010), elucida as correntes teóricas
existentes
‘’O trabalho feminista da perspectiva realista está interessado no papel do gênero em
estratégia e política de poder entre estados. O feminismo crítico explora as manifestações
materiais de identidade de gênero e poder de gênero no mundo político. O feminismo
construtivista se concentra nas maneiras pelas quais as ideias sobre gênero moldam e são
moldadas pela política global. O pós-estruturalismo feminista se concentra em como as
manifestações linguísticas e do significado de gênero, particularmente fortes/fracas,
dicotomias racional/emocional e público/privado servem para empoderar o masculino,
marginalizar o feminino e constituir a política global. As feministas, concentram-se nas
maneiras pelas quais as relações coloniais de dominação e subordinação estabelecidas sob o
imperialismo se refletem nas relações de gênero, e até relações entre feministas, na política
global e no trabalho acadêmicos feminismo, ou “ecofeminismo”, identifica conexões entre o
35

tratamento de mulheres e minorias, por um lado, e o ambiente não humano, por outro outros.’’
(SJOBERG, 2010, p. 3 traduções nossa).’’
Até que se insere o feminismo negro, trazendo ao debate que se dividia entre
marxistas e liberais, aquilo que por elas ainda não estava em debate - o debate não pode só ser
dividido entre classe e sexo, onde se insere a categoria racial nessa análise? A partir disso,
começa a discussão entre diferenças dentro da própria categoria mulheres (DA CONCEIÇÃO,
2009).
Como o presente trabalho pretende avaliar como estudo de caso Brasil, Argentina e
Chile, a seguinte seção irá trazer à luz como se deu a construção do feminismo na América
Latina, a fim de contribuir com a construção do presente trabalho.
A fim de compreender os espaços críticos transnacionais e como se deu a formulação
política na região da América Latina, irei remontar o cenário e inserção do movimento
feminista Latino-Americano, sua importância se dá, haja vista que os países analisados nessa
monografia estão inseridos no contexto Latino-Americano. Esse tópico cabe ser ressaltado, já
que em diversos momentos, as conferências ligadas à ONU, deixam passar elos transnacionais
alternativos, que acaba afetando por sua vez, movimentos de cunho local e nacional
(ALVAREZ, 2003).
Tal perspectiva é importante, ao analisar os processos feministas intrarregionais e ao
compreender sua inserção teórica e política na região, especialmente, trazendo a construção
teórica e política nos casos da Argentina, Brasil e Chile.
No que tange às narrativas Argentinas, foi a partir dos anos 70 quando houve uma
maior movimentação e criação de associações feministas, sendo uma delas, proveniente da
Declaração do Ano Internacional das Mulheres das Nações Unidas; a Frente de Lucha por la
Mujer (FLM), dentre outros. Com a ditadura, novos movimentos passaram a surgir, muitas
dessas feministas estiveram envolvidas com movimentos de luta armada (PEDRO et al.,
2010).
Já no Brasil, o feminismo surgiu durante a ditadura militar, e esteve intrinsecamente
envolvido com grupos de esquerda. Em sua maioria, as mulheres participavam de grupos de
resistência. Um fator importante que distingue o feminismo brasileiros dos demais no Cone
Sul, é a formação de mulheres no exterior no período da ditadura, formaram-se diversos
grupos de exílio (PEDRO et al., 2010).
36

Enquanto no Chile, o feminismo de ‘’Segunda Onda'' dá seus primeiros passos


durante a ditadura militar também, assim como no Brasil. Enquanto o golpe de estado se
estabelecia em 1973. As narrativas feministas chilenas, também se destacam pela
identificação com o feminismo no exterior. Houveram diversos processos de fragmentação
que perduraram no movimento (PEDRO et al., 2010).
Na próxima seção, o leitor será apresentado ao que permeia e define-se como
Operação de Paz, haja vista que tal aspecto servirá como ponto de discussão e elucidação no
trabalho.

2.2DEFINIÇÃO DE OPERAÇÃO DE PAZ

Os avanços presentes e perceptíveis e a adoção de mecanismos multilaterais refletem


hoje, como as operações de paz das Organização das Nações Unidas (ONU) passaram a ter
um maior engajamento frente os Estados membros na busca por resolução de conflitos. A
ONU, já obteve mais de 20 mil integrantes frente às suas missões de paz. Foi durante a Guerra
Fria, onde houve a divergência entre os valores, que a instituição paralisou - havendo uma
divergência clara entre os membros permanentes (KENKEL 2012).
Com o fim da Guerra Fria, e a ascensão da hegemonia estadunidense, houve a
crescente necessidade de estabelecer uma maior ordem internacional, com maiores
mecanismos de cooperação, bem como maior estabilidade no sistema através dos mesmos.
Essa estabilidade, estaria sob o guarda-chuva da ONU, onde decorreu suas inúmeras
operações de paz no início de 1990. Embora parte dos pressupostos de paz kantiana já tenham
sido superados de forma frustrada, a busca pela resolução de diversos conflitos ainda fica
resguardada pelos mecanismos da ONU. Diante disso, cabem críticas e questionamentos
frente à comunidade internacional, especialmente transpassando como se estrutura esse
arranjo institucional e se ele de fato, é eficaz (KENKEL 2012).
Conflitos, guerra e paz, são fatores cruciais e objetos importantes no campo de
estudos das relações internacionais contemporâneas, é nesse contexto, em que se inserem as
operações de paz, o cenário que advém do conflito internacional e torna-se essencial para o
pensamento e elaboração de política internacional.
Ao formular pressupostos de segurança, é inegável a necessidade que exista no pós
conflito inserção de fatores como, desenvolvimento e paz, tais elementos tornam-se
indispensáveis quando se pensa em comunidade internacional. As missões de paz, nesse
37

âmbito, representam um mecanismo capaz de reestruturar as esferas política, econômica e


social dos países em conflito, a fim de restituir a paz (BLANCO, 2017). Além disso, cabem
como um mecanismo utilizado com o intuito de operacionalizar a ordem mundial na atual
sociedade (neo) liberal-democrática, sua conjectura, advém da ideia pacificadora do
pensamento liberal, onde sua função no Sistema, é de manutenção da paz e ordem
internacional.
A primeira missão da ONU, foi no ano de 1947, onde o Brasil enviou à Grécia três
oficiais, um de cada Força Singular, para participarem da Comissão Especial das Nações
Unidas para os Bálcãs United Nations Special Committee on the Balkans, (UNSCOB) -
comissão criada para monitorar a questão dos refugiados na fronteira entre Grécia e Albânia,
assim como, as fronteiras entre Bulgária e Iugoslávia. No ano seguinte, em 1948, o Conselho
de Segurança da ONU autorizou o envio de tropas para o Oriente Médio, tendo por objetivo,
monitorar o acordo de armistício entre Israel e seus vizinhos árabes, ao fim da Guerra de
Independência de Israel. Já no terceiro ano de missão, foi entre Índia e Paquistão, em 1949,
denominada United Nations Military Observer Group in India and Pakistan (UNMOGIP),
(MENDONÇA, 2017).
Até o presente momento, houveram já cerca de 71 missões de paz oficializadas pela
ONU, sendo dentre elas, a mais recente Missão das Nações Unidas para Suporte da Justiça no
Haiti (Mission des Nations Unies pour l’appui à la justice en Haïti, MINUJUSTH).
Após a queda do muro de Berlim, assim como no início do século XXI, houve um
aumento brusco no número de operações de paz. A necessidade de maiores intervenções veio
em seguida do fim do colonialismo e fim da influência exercida pela União Soviética sobre os
países africanos. Entre 1989 e 1994, o Conselho de Segurança autorizou o total de 20 novas
operações de paz, aumentando assim o seu número de militares envolvidos nessas operações,
de cerca de 11 mil, para 75 mil homens (MENDONÇA, 2017).
No período da Guerra Fria, as missões de paz se caracterizavam por serem operações
de força levemente armadas, compostas em sua maioria, por militares, compreendidas como
instrumentos destacados como terreno a fim de atuar como uma espécie de ‘’tampão’’ entre
dois Estados Nações. Já com o fim da Guerra Fria, as operações de paz passaram a ampliar
suas atividades realizadas, como exemplo disso, adicionaram à incorporação de civis em suas
atividades, e passaram também, a realizar práticas, como: elaboração de constituições,
reconstrução de diversos setores de segurança, o mainstreaming de questões de gênero,
38

fomento a direitos humanos, atuação em setores sociais, econômicos e políticos da sociedades


pós-conflito (BLANCO, 2017, p. 12). Nitidamente, as operações de paz passaram a ser
vinculadas à práticas de reconstrução de estados (state-building).
Como cita, Blanco (2017), no trecho abaixo

O processo de (re)construção de estados - o processo de não apenas construir e


fortalecer as instituições estatais, mas também as práticas que buscam definir,
direcionar e conduzir as relações entre estados pós-conflito e suas próprias
populações - tornou-se a própria essência das operações de paz (BLANCO, 2017).

Devido ao processo de reconstrução dos Estados, as práticas de resolução pós-


conflito, torna-se claro como as operações de paz se institucionalizaram.

2.2.1 Operações de Paz sob a ótica dos Estudos de Gênero

O presente tópico torna-se fundamental para a construção do trabalho devido a


sensibilidade do tema ‘’Forças Armadas e mulheres’’, tendo em vista as Operações de Paz da
ONU, destacando assim, todas as problemáticas que serão apontadas nos próximos capítulos
acerca da sub-representação feminina no efetivo militar, e trazendo assim à luz, o fundamental
papel que as mulheres exercem na sociedade. Durante este tópico tratarei das pesquisas das
autoras Folly e Lima (2017) e Rebelo (2012; 2013), bem como dados das Nações Unidas
acerca do tema.
De acordo com Gretchen Baldwin e Sarah Taylor, recentemente, em específico nos [NS14] Comentário: Fonte

últimos 20 anos, as OPs da ONU incentivaram e progrediram frente às tentativas de equiparar


quantitativamente a relação entre homens e mulheres nas Ops. Estabelecendo metas
numéricas com o intuito de aumentar o percentual da participação de mulheres em suas forças
de manutenção de paz. A fim de tentar alcançar e equiparar as claras desigualdades
enfrentadas, foi o meio buscado para integrar as mulheres. No entanto, determinada
integração requer compreender quais barreiras e realidade enfrentadas pelas mesmas, basta
integrá-las e perpetuar normas que não condizem com a sua realidade e divergências
ocasionadas pelo gênero?
Simplesmente integrá-las com o intuito de aumentar seu percentual de participação
não é suficiente, existem desafios e particularidades a serem enfrentadas. As discussões [NS15] Comentário: Mas necessário.
Tokenismo extrema visibilidade da minoria
acerca da proteção desse grupo tendem a usar o termo ‘’mulheres e crianças’’, que contempla
dois grupos demográficos diferentes. Outros, apontam que os esforços para equiparar o
39

gênero são, em suma, necessários, no entanto, insuficientes para lidar com a escassez de
mulheres uniformizadas em missões.
Cabe ressaltar, que a participação qualitativa e quantitativa; as mulheres podem
desempenhar qualquer função para a qual foram treinadas, desde que sejam compatíveis com
sua posição e experiência. À exemplo disso, está o Fundo de Iniciativa Elise da ONU
Mulheres, que oferece um prêmio para as T/PCCs (troops- and police-contributing countries),
para consideradas ‘’unidades fortes em termos de gênero’’. Essa premiação está disponível no
meio de batalhões militares nas FPUs (Formed police units), que além de incluir mulheres que
atuam em todas as funções, acabam por exceder ao menos cinco por cento das metas
quantitativas estabelecidas pela ONU.
De acordo com a ONU, tais considerações garantem que todos os membros recebam
treinamentos equiparados e que os considerados T/PCCs, tenham de fato, subsidiado
equipamentos adequados e materiais, que garantem a paridade das condições impostas, seja
para homens, como para mulheres em forças de paz.
Assim como em todas as esferas sociais, a maior representatividade feminina em
cargos comumente associados ao sexo masculino, como no exemplo, da esfera das forças de
operações de paz, forças armadas e exercito etc., corrobora com a maior participação das
mulheres.
A adição de militares femininos na questão das Operações de Paz transpassa pelas
mesmas dificuldades vivenciadas pelas mulheres nas Forças Armadas, por diversas razões, [NS16] Comentário: Para haver mais
mulheres nas ops é primeiro necessário
sendo uma delas a repetição e perpetuação de estereótipos de gênero e sua ligação entre as haver mais mulheres nas ffaa dos países.

Forças Armadas, com as Forças de Paz da ONU.


Enquanto o efetivo militar masculino desempenha funções como de combate, às
mulheres por sua vez, acabam encarregadas de cuidados como - enfermaria e cozinha, dentre
outros - o que acaba sendo uma extensão do clássico trabalho doméstico, gerando assim,
novamente, uma divisão sexual do trabalho (Rebelo, 2012, p. 54). Além disso, é importante
enfatizar que em contextos de Operações de Paz, meninas e mulheres sofrem tratamentos
diferenciados, e são as principais vítimas no que tange a violências relacionadas a gênero. De
acordo com a diretora-executiva da ONU mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka (apud ONU
Brasil, 2016), as dificuldades enfrentadas por elas são um descaso, dentre elas estão - falta de
acesso à educação, cuidados médicos, exclusão da vida econômica e política. [NS17] Comentário: População local e
não tropa deslocada
40

O departamento de peacekeeping da ONU, lançou dentre suas diretrizes ‘’Integrando


Perspectiva de Gênero ao Trabalho dos Militares das Nações Unidas nas Operações de Paz’,
no ano de 2010, tal diretriz diz respeito principalmente ao grande número de casos de
violências sexuais que foram reportados durante as operações (VARGAS, 2017).
A construção cultural pela qual se adequa a guerra, é organizada conforme o modelo
de masculinidade, e isso constrói um padrão que se estende para as organizações de caráter
paramilitar em conflitos armados, tais pressupostos também ressoam na atuação das tropas de
peacekeepers nas operações de paz. Sabendo que o objetivo de tais missões é promover a paz,
segurança e estabilidade, os capacetes azuis também operam a partir da reprodução de
performances que associam como ‘’hegemônicas’’, sendo assim, reproduzindo as
masculinidades (KENKEL 2012). Essa caracterização da esfera militar e construção da
masculinidade, pode ser resumida de acordo com Hooper:
‘’A atividade militar é caracterizada como uma atividade de homens, que requer
traços “masculinos” de força física, de ação, de dureza, de capacidade de violência e, para os
oficiais, firmeza, conhecimento técnico e raciocínio lógico ou estratégico. Tal atividade tem
sido, historicamente, uma importante prática constitutiva da masculinidade.’’ (HOOPER,
2001, p. 47) (tradução nossa).
De acordo com dados da ONU, de 2014, no ano de 1993 a representação feminina
em Operações de Paz era de apenas 1%, após passados vinte anos, esse número chegou a
alcançar apenas 4%. De cerca de 99 mil soldados da paz, as mulheres constituíam menos de
3% desse efetivo militar, de acordo com as Nações Unidas (2014), no ano de 2012, durante as
operações de manutenção de paz as mulheres representam apenas 29% do pessoal
internacional e 17% dos trabalhadores nacionais. [NS18] Comentário: Dados mais
recentes
Por sua vez, a militarização e a construção desse cenário onde a masculinidade
prevalece, se sustentam ideias patriarcais e militaristas presentes no Estado moderno (ENLOE
2000). Para além de questionar esse status quo vigente, cabe chamar atenção para tais
questões buscando apontar as as políticas dessas construções nas relações internacionais.
Cabe salientar como se constroem tais violências e torna-se necessário desconstruir essas
identidades políticas de gênero.
Os processos de paz se dão de forma complexa e são permeados por elementos que
vão desde o aspecto militar, mecanismos de construção, negociações, manutenção de paz e até
mesmo reconstrução. Dentre os elementos citados, são movidos atores nacionais e
internacionais, com a intenção de impor um fim ao conflito, e até mesmo, estabelecer a paz.
41

Os processos de resolução de conflitos são comumente denominados - peacekeeping,


peacemaking e peacebuilding, que com o tempo, passaram por mudanças, a fim de consolidar
aquilo que era previamente estabelecido (PACHECO, 2018). [NS19] Comentário: Poderia ter sido
melhor explorado na seção anterior
O presente tópico buscará analisar as estratégias Equilíbrio de Gênero e Integração
de Perspectivas de Gênero em relação à missões de paz, haja vista, que a implementação de
uma agenda mais comprometida com o fim da disparidade de gênero, soma-se como esforço
necessário para uma maior representação numérica, tais elaborações e esforços, muitas vezes,
não são associadas a avaliar de que forma essa incorporação se insere, quais funções
desempenham - e se há de fato uma efetividade com relação a coibir desigualdades nesse
ambiente comumente associado ao sexo masculino (REBELO,T.R, 2012). Sendo assim, cabe
analisar de que maneira se inserem as mulheres nos contextos das missões de paz.
Por um lado, tais aspectos são substantivos na medida em que a vulnerabilidade
feminina na quais são acometidas em conflitos armados, bem como os fatores nas quais são
estimadas, como qualidades que entre elas estão - conciliação, passividade e cuidado. Tais
aspectos que são atribuídos à mulheres, são definidoras e auxiliam na execução de tarefas
como: auxílio à vitimas de violência sexual (crimes de guerra), inspeção de mulheres,
interações à nível organizacional de mulheres locais. Dentre esses estão alguns dos aspectos
que podem ser discutidos no que tange às relações de gênero dentro de missões de paz
(TICKNER, 2006).
A latência deste tópico, se dá pela necessidade de uma maior inserção feminina
desde um pressuposto pacifismo natural, desde as vítimas de guerra, até mesmo a capacidade
de negociações.
No começo dos anos 90, houve uma maior inserção do assunto frente às Nações
Unidas, relacionando de forma mais evidenciada questões de gênero como parte de um
mecanismo de estabilização e manutenção de paz internacional, as Operações de Paz das
Nações Unidas. A normativa responsável por evidenciar essa problemática, se deu em torno
da resolução 13258, pelo Conselho de Segurança nos anos 2000 na agenda (REBELO, T.R,
2012).
Frente a esse documento, houve a discussão do assunto dentre o ambiente
acadêmico, e de tomada de decisões, entendendo assim, a diferença dos impactos dos

8
A versão original da Resolução 1325 do Conselho de Segurança. Disponível em: <http://daccess-
ods.un.org/access.nsf/Get?Open&DS=S/RES/1325(2000)&Lang=E>. Acesso em 29 de set. 2022.
42

conflitos armados entre homens e mulheres, com base na resolução 1325, foi estabelecido a
maior inclusão de mulheres nas missões de paz, visando a integração de gênero.
Seu marco desde sua promulgação demonstra sua relevância e seu papel dentro do
ativismo de organizações da sociedade civil. O Working Group on Women, Peace and
Security, foi uma das organizações responsáveis pela elaboração e aprovação da resolução
1325.
Em seu Preâmbulo, a resolução 1325, elucida a necessidade de ‘’Reafirmar o papel
importante das mulheres na prevenção e resolução de conflitos e na construção da paz’’
(CSNU, 2000), impondo assim, como uma responsabilidade aos Estados-membros,
institucionalizar as demandas apontadas no documento (REBELO, T.R, 2012).
Nos trechos a seguir, vemos as ideias propostas pela resolução:
‘’Tendo em mente os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas Nações e a
responsabilidade primária do Conselho de Segurança sob a Carta para a manutenção da paz e
da segurança internacional (ONU, 2000b, preâmbulo, p.3)9;
Expressando preocupação de que os civis, especialmente mulheres e crianças, para
que prestem contas para a grande maioria das pessoas afetadas por conflitos armados,
inclusive refugiados e deslocados internos, e cada vez mais são alvo de combatentes e
elementos armados, e reconhecendo o consequente impacto que isso tem na paz duradoura e
reconciliação (ONU, 2000b, preâmbulo, p.4)10;
Reafirmando o importante papel das mulheres na prevenção e resolução de conflitos
e na construção da paz, e enfatizando a importância de sua igualdade participação e
envolvimento pleno em todos os esforços para a manutenção e promoção de paz e segurança,
e a necessidade de aumentar seu papel na tomada de decisões com em matéria de prevenção e
resolução de conflitos (ONU, 2000b, preâmbulo, p.5)11;
Reafirmando também a necessidade de implementar medidas humanitárias e leis de
direitos humanos que protejam os direitos de mulheres e meninas durante e após conflitos.
(ONU, 2000b, preâmbulo, p.6)12’’.
Uma das normativas propostas pela Resolução 1325, é a inclusão de perspectivas de
gênero nos treinamentos dos soldados da ONU, essa recomendação está intrinsecamente

9
Tradução livre da autora.
10
Tradução livre da autora.
11
Tradução livre da autora.
12
Tradução livre da autora.
43

ligada à necessidade de oferecer aos Estados-membros um maior arcabouço de proteção aos


direitos das mulheres nas medidas de manutenção e construção de paz (REBELO, T.R, 2012).
A resolução, também obteve êxito ao trazer ao campo a sensibilização em relação ao
reconhecimento perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), através do
reconhecimento da sociedade civil, frente aos processos e operações de paz formais (HILL, et
al., 2003).
Kenkel, Kai Michael, et al (2012), elucida a seguinte passagem em seu livro:

A crescente atenção da Organização das Nações Unidas (ONU) aos assuntos de


gênero constitui outro palco da tensão entre inovação e tradição. Com a adoção da
Resolução no 1.325 do Conselho de Segurança, a ONU formalizou seu desejo de ver
maior importância atribuída à participação das mulheres nos seus contingentes,
assim como à elaboração de políticas específicas para mulheres nos locais receptores
das operações de paz (o chamado gender mainstreaming). Porém, a participação de
mulheres nos seus contingentes das operações de paz das Nações Unidas se mantém
baixa, e as políticas de gênero enfrentam resistências e dificuldades tanto nos países-
membros quanto junto às populações locais (KENKEL, KAI MICHAEL et al.,
2012).

Além disso, cabe evidenciar, o documento Gender and peacekeeping operations,


onde o Departamento de Operações de Paz da ONU (DPKO), elucida da seguinte maneira a
inserção de gênero nessas missões de paz:

[…] as prioridades da comunidade internacional foram modificadas para ajudar as


mulheres afetadas por situações de conflito e integrar uma perspectiva de gênero nas
políticas e mecanismos institucionais para a construção da paz. Estas questões
anteriormente negligenciadas ganharam maior urgência a partir dos relatórios acerca
dos crimes cometidos de forma massiva contra as mulheres durante o conflito em
Ruanda e na ex-Iugoslávia (...) (DPKO, 2005) (tradução nossa)’’.

Apesar da resolução se mostrar transformadora frente aos anos anteriores de sua


existência, ao trazer nova perspectiva sobre como a segurança é concebida, ainda pode-se
dizer que a Resolução se encontra limitada pelas suas definições estruturantes, ao não alterar
como as formas de violências de gênero e seguranças são percebidos. No tocante da
resolução, ademais, foi de suma importância para o desenvolvimento dos Planos Nacionais de
Ação, que são adjacentes da Resolução e atualmente, foram adotados por mais de trinta e
cinco países, onde comprometeram-se a adotar perspectivas de gênero frente suas políticas
externas. Os Planos Nacionais de Ação, servirão nesta monografia como objeto de análise no
segundo capítulo.
44

Sendo assim, pode-se dizer que a perspectiva de gênero no âmbito da segurança


ainda se encontra limitada, no entanto, é possível notar considerável avanço nos processos de
manutenção e construção de paz.

2.2.2Entendendo a construção da paz a partir dos termos: Paz, peacebuilding,


peacemaking e peacekeeping

Como parte latente para contribuição do presente trabalho, cabe trazer à luz os
conceitos que serão abordados no presente trabalho, haja vista que compõem parte importante
para a compreensão do tema.
Desde a multiplicação dos conflitos e a gerência das Nações Unidas como
mecanismo multilateral pacificador, agências multilaterais, missões internacionais entre
outros, o campo de estudos de Relações Internacionais acolheu uma extensa literatura acerca
do tema pacificação, manutenção da paz e construção da paz.
Tais termos, de maneira geral, buscam por explicar basicamente como se conflui o
processo de acabar com conflitos por meio pacíficos, a manutenção da paz, se situa no envio
de tropas armadas, a fim de impedir a retomada de violência em larga escala após um acordo
de paz, enquanto a construção da paz, se institui através de ações para o fortalecimento da paz
pós conflito (AUTESSERRE, 2017).
Os estudos de paz, por sua vez, constituem a área de pesquisa acadêmica que impõe
o compromisso explícito da não-violência e a instituição pacífica das relações sociais, à nível
local, nacional, internacional e regional. Para os clássicos estudiosos da área, os estudos de
paz não são apenas um ideal utópico, mas sim, um estado contingente que eventualmente
pode ser buscado no entre guerras, nesse sentido, os estudos de paz busca por acumular
esforços teóricos a fim de abastecer conceitos, teorias, análises empíricas, bem como
métodos, que quando em conjunto, fornecem causas relevantes para a compreensão dos
conflitos e condições de paz (OLIVEIRA, 2017).
De acordo com Galtung a paz, não pode ser definida meramente pela ausência de
violência explícita - ainda que sim, esse seja um fator indicativo da mesma. Os termos
peacekeeping, peacemaking e peacebuilding, são advindos das operações de paz das
Organizações das Nações Unidas (ONU), no entanto, tais conceitos não estão previstos
propriamente dito dentro da Carta das Nações Unidas. O termo peacekeeping (manutenção de
paz), se tornou notório no ano de 1956, quando o Secretário de Assuntos Externos do governo
45

canadense, Lester Pearson, definiu tais princípios básicos que foram responsáveis por guiar a
atuação das Forças de Emergência das Nações Unidas (UNEF I), portanto, o termo
peacekeeping tornou-se conhecido pelas práticas de intervenção realizadas sob o mandato da
ONU durante a Guerra Fria.
Em um pequeno trecho Galtung, ressalta sobre o termo ‘’paz’’

Talvez ‘paz’ seja como ‘felicidade’, ‘justiça’, ‘saúde’ entre outros ideais humanos,
algo que toda pessoa e cultura pretende desejar e venerar, mas que poucos ou
nenhum alcançam, pelo menos em uma base duradoura. Por que a paz, a justiça e a
felicidade são tão desejáveis, mas também tão intangíveis e enganosas? Mas talvez a
paz seja diferente da felicidade, pois parece exigir harmonia social e emancipação
política, enquanto a felicidade parece, pelo menos na cultura ocidental, ser em
grande parte uma questão individual (WEBEL, GALTUNG, 2007).

Já o segundo termo - peacemaking (restabelecimento da paz), pode ser confundido


com a abordagem de resolução de conflitos, tem por sua vez, a adição de esforços
diplomáticos, conflui de técnicas de negociação de um acordo que visa apaziguar e pôr fim ao
conflito. Tais esforços de negociações, pode ser entre as próprias partes do conflito ou pode
obter ajuda de um terceiro ator. Para obter um sistema de paz, em diversos casos é necessário
a construção entre os três termos associados, apenas ações de peacemaking podem não ser
suficientes para obter a paz (OLIVEIRA, 2017).
Por fim, o peacebuilding (construção ou consolidação da paz), que sustenta de forma
mais sustenta de forma mais profunda as fontes de violência estrutural e procura por saná-las,
através da construção de uma paz positiva. Sendo assim, o peacebuilding requer que a
estrutura responsável por essa violência seja identificada e parada, substituída por uma
alternativa pacífica (OLIVEIRA, 2017).
O presente capítulo, teve por objetivo presentar um quadro teórico no qual se
estrutura as bases teóricas dessa monografia. Trazendo as teorias e uma breve análise acerca
dos pressupostos que seguirão analisados aqui, compreendeu-se alguns conceitos chave, como
paz e violência, manutenção de paz, gênero, guerra e segurança, através das teorias feministas
de Relações Internacionais, tudo isso, com um viés de gênero. Na seguinte seção, serão
analisados através de dados e uma revisão teórica, onde será possível compreender como se
encaixa nesse contexto, o papel das mulheres nas Forças Armadas nos casos da Argentina,
Brasil e Chile.
46

3 CAPÍTULO 2 [NS20] Comentário: Rever

Neste capítulo, pode-se aprofundar um apouco mais acercada incorporação e das


características das mulheres na carreira militar da Argentina, Brasil e Chile.

3.1INCORPORAÇÃO DAS MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS E SUA INSERÇÃO


NA CARREIRA MILITAR DA ARGENTINA, BRASIL E CHILE

As forças armadas é uma instituição que predominantemente reforça o patriarcado,


essa forma de organização faz com que as mulheres fiquem numa posição de subordinação. O
homem acaba tomando e dominando uma posição de poder, onde é considerado o guerreiro
(BATTISTELLI, 1999). Ao longo da história as mulheres estavam excluídas desse ambiente -
fora para cumprir papéis que lhes eram socialmente atribuídos.
No entanto, as mudanças políticas se estabeleceram, houve um processo de
reivindicação dos direitos sociais femininos, tais transformações econômicas e sociais,
fizeram com que as mulheres pudessem integrar esse meio tradicional masculino. Como
resultado do fomento à discussão acerca dos direitos sociais da mulher, foi em meados dos
anos 80, a partir da implementação de políticas públicas referentes a gênero, que as mulheres
passaram a conquistar direitos básicos. Por sua vez, integraram-se a diversas esferas sociais e
também reivindicaram sua inserção nas forças armadas.
É inegável atualmente, que as mulheres podem e são capazes de exercer as mesmas
funções que os homens, suas capacidades como força, adaptabilidade ao frio - decorrente de
sua maior taxa de gordura, pode fornecer maior resistência (GOODELL, 2010), sendo assim,
todo mito acerca da virilidade e condicionamentos físicos atribuídos aos ofícios como do
Exército não são consistentes. [NS21] Comentário: Capacidade de
exercer a função conforme o treinamento
Quando se trata da vivência discriminatória vivida pelas mulheres no ambiente recebido.
são inegáveis as diferenças físicas, mas não
limitantes.
militar, sabe-se que tais repressões só serão efetivamente reduzidas quando as mulheres
deixarem de ser uma minoria quantitativa - o ambiente majoritariamente masculino, coíbe e
desestimula as mulheres que participam do ofício, por sua vez, acaba perpetuando-se a falta
de incentivo para que as mulheres passem a integrar esse ambiente.
A autora Helena Carreiras, elucida no trecho a seguir:

[...] enquanto as mulheres permanecerem uma minoria (numérica e cultural),


dificilmente terão lugar significativas reconfigurações na álgebra simbólica que
47

ainda localiza no espaço militar uma reserva do modelo dominante de


masculinidade”. (CARREIRAS, 1995, p. 125)

Faz-se assim, extremamente necessário uma maior participação feminina para que
exista uma efetiva redução de tais padrões onde a reprodução de aspectos e ações machistas se
perpetuem.
A autora Dharmapuri (2011), ainda reforça que mulheres apresentam taxas inferiores
quando se trata de denúncias acerca de ações inapropriadas, bem como abuso de poder,
assédio moral e físico, uso indevido de armamento e também são consideradas menos
autoritárias em suas relações.
Um dos países pioneiros a criar uma estrutura permanente e estável nas forças
armadas para as mulheres, foi o México no ano de 1938, criando a Escola Militar de
Enfermeiras (MARTÍNEZ, 2009).
Cabe ressaltar, que existe o debate acerca da contribuição feminina na indústria
bélica, algumas feministas argumentam que não é válido inserir mulheres em contextos
armados. Questiona-se e permeiam-se debates acerca da necessidade de incluir mulheres em
contextos de violência bélica.
Determinado debate, também é válido, no entanto, sabe-se que o Sistema
Internacional opera de acordo com o interesse do status quo, onde estabelece um contexto
onde a guerra determina quem domina esse espaço, vive-se em constante estado de guerra,
mesmo em momentos onde considera-se pacífico o Sistema Internacional.
O trecho a seguir, demonstra um pouco a percepção que se tem quando falamos de
mulheres em contextos bélicos. O seguinte trecho, quebra um pouco do paradigma empregado
com relação às mulheres e o claro estereótipo de pacifismo comumente associado.

O papel das mulheres na fabricação de armas desafiou um poderoso tabu de gênero,


já que as mulheres agora pareciam estar participando da cultura da morte em vez de
desempenhando seus papéis ‘naturais’ como doadores da vida” (GRAYZEL,
WOMEN AND MEN, 2010, p. 267.

O trecho elucidado, demonstra os desafios acerca dos estereótipos de gênero frente


sua inserção em contextos que não são tradicionalmente tidos como ‘’femininos’’.
Mesmo que sua integração tenha sido reivindicada através da luta pela equidade, até
mesmo servir como apoio à logística dentro das Forças, este é um fenômeno categoricamente
48

recente, de acordo com o autor Goldstein (2001), em seu texto ‘’War and Gender: How
Gender Shapes the War System and Vice Versa’’.
A título de informação, foram em média cerca de 20 países que efetivaram medidas
para inserir mulheres no ambiente militar, de acordo com Cooper e Matthews, 2016, mesmo
que a tendência tenha começado há cerca de 40 anos, o progresso permanece lento, já que o
regimento tradicional é extremamente resistente contra a inserção de mulheres no ethos
militar. O ethos militar, designa a forma com que os militares se relacionam, seria como sua
forma, tradições e culturas enraizadas dentro desse contexto onde cria-se uma comunidade, o
conceito pode ser comparado ao conceito ‘’habitus’’, de (BOURDIEU, 2007)13.
A noção de ethos militar relaciona-se ao “modo de ser” dos militares e às suas
tradições culturais. Está relacionado a uma “maneira militar de agir”, que compreende a
aplicação de técnicas, a fim de se conseguir objetivos específicos. Esse conceito de ethos se
aproxima, também, do conceito de habitus (BOURDIEU, 2007),
Desde o princípio, as forças armadas estiveram correlacionadas a figura masculina,
reproduzindo assim aquilo que comumente vemos na nossa sociedade patriarcal. Dessa
maneira, as mulheres sempre estarão sob um olhar de subordinação dentro dessa instituição.
A autora Tickner (1992), reforça esse argumento ao trazer que toda a crença que obtivemos
até hoje nas relações internacionais, gira em torno do aspecto militar. E tais espaços, por sua
vez, não se adequaram a inserção feminina na sociedade, uma vez que o campo perdura
dominado pelo sexo masculino.
Entretanto, as políticas mundiais e os avanços feministas abdicam de uma mudança e
processo democratizador desse espaço, com a expansão da discussão acerca da equidade de
gênero, transformações políticas e sociais, existe a necessidade de abdicar desse espaço assim
como em outras esferas da sociedade o feminismo foi capaz de alcançar. Segundo D’Araújo
(2003), a figura feminina já abdica da vida em prol de suas carreiras, a dinâmica social que
era vigente e dependente de um ser masculino, já não se encaixa mais, a mulher já conquistou
mais liberdade a ponto de reivindicar essa realização.
Cabe salientar, que por se tratar de uma construção social, cada cultura tem suas
especificidades, sendo assim, nem todas as culturas irão atribuir esse mesmo método de
reprodução e valores. No entanto, atualmente essa é a lógica que impera nos casos que serão

13
Para compreender mais a fundo o conceito elaborado por Bourdieu, recomenda-se o artigo. Disponível:
Janowski, Daniele Andrea. "A teoria de Pierre Bourdieu: Habitus, campo social e capital cultural." VIII Jornadas
de Sociología de la UNLP 3 al 5 de diciembre de 2014 Ensenada, Argentina. Universidad Nacional de La Plata.
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Departamento de Sociología, 2014.
49

analisados posteriormente, mesmo que passado por mudanças e evoluções, podemos concluir
que a sociedade segue em grande dificuldade ao mover-se em direção a uma maior igualdade
de gênero. O quadro a seguir remonta como são postos e vistos os estereótipos sociais atuais,
esse binômio e dicotomia segue sendo perdurado, o que por sua vez reforça uma dinâmica de
Divisão Sexual do Trabalho.

Quadro 1 - Estereótipos de gênero dentro das forças armadas


Mulher Homem
Frágil Forte
Pacífica Guerrilheiro
Conciliadora Racional
Vítima Protetor
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2023.

O tema mulheres nas forças armadas é transnacional e plurivalente em diversos


âmbitos e nacionalidades, e por sua vez, traz especificidades que remontam um cenário que
elucida diversos debates acerca de sua complexidade.
Neste capítulo buscaremos elucidar como se remonta o atual cenário da inserção
feminina na carreira militar como um todo, tendo em vista os casos da Argentina, Brasil e
Chile. Ao permear o cenário no qual estamos de frente, será feita uma análise através dos
dados numéricos disponíveis, a fim de dispor uma perspectiva comparada no tema,
buscaremos utilizar como exemplo prático dois países Sul-americanos, devido a sua
proximidade de contexto, para que assim, possamos entender como suas políticas se diferem,
quais são os avanços, a fim de obter uma análise do tema.
Devido a sua proximidade política e processos políticos semelhantes, principalmente [NS22] Comentário: formatação

por terem vivenciado ditaduras, havendo assim, um processo de redemocratização, a ascensão


de governos democráticos constitui políticas e a vocalização por novas demandas sociais em
diversos contextos.
Como precedente e reflexo da sociedade, a participação de mulheres em instituições
militares passou por transformações notáveis nas últimas décadas, no ano de 1970, o padrão
de alistamento começou a ser alterado nos países ocidentais, e por sua vez, as mulheres
passaram a ser admitidas no período, progressivamente, é notável como as mulheres mesmo
que de forma lenta, conquistando esse lugar tradicionalmente tido como masculino, bem
como, estão recebendo tratamentos e treinamentos similares e assumindo funções nas quais
historicamente foram excluídas (CARREIRAS, 2006).
Dado o precedente histórico da guerra, as instituições militares são espaços que
corroboram estereótipos de gênero de forma ainda mais acentuada. Devido a esse fato,
acentua-se a importância analisar e discutir a inserção das mulheres nessas instituições. Cabe
enfatizar, nas palavras de J. Ann Tickner e Laura Sjoberg, como tais estereótipos de gênero,
50

podem ser definidos como:

[...] um conjunto de características socialmente construídas que descrevem o que os


homens e as mulheres deveriam ser. Características como força, racionalidade,
independência, protetor e público estão relacionadas à masculinidade enquanto
características como fraqueza, emotividade, relacionamentos, protegida e privada
são associadas à feminilidade. É importante notar que homens e mulheres, como
indivíduos, podem não incorporar todas essas características - é possível que as
mulheres demonstrem características masculinas e vice-versa. Em vez disso, essas
características são tipos ideais [...] estas características podem variar no tempo e no
espaço, mas, acima de tudo, elas são relacionais, o que significa que elas dependem
umas das outras para ter significado. Elas também são desiguais. Homens, mulheres,
e os Estados onde ambos vivem geralmente atribuem valor mais positivo às
características masculinas que às femininas – pelo menos na esfera pública
(TICKNER; SJOBERG, 2013, p. 206, tradução própria).

No caso do Brasil, no ano de 1979, durante a sua transição democrática, foi proposto
um novo projeto para que houvesse o ingresso voluntário das mulheres nas escolas militares
de nível superior, nesse momento, a resposta em vista disso foi negativa, haja vista a estrutura
corporal feminina e considerando a função social das mulheres na época, sendo elas,
incompatíveis com as exigências das Forças Armadas (Almeida 2008).
O processo de feminização das Forças Armadas brasileiras teve por início a
incorporação de seus efetivos através da Marinha brasileira, em 1980, adjunto da criação do
Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha, no entanto, sua real integração apenas
ocorreu no final da década de 1990, quando houve a incorporação das primeiras mulheres
militares na estrutura oficial dos Corpos e Quadros da Marinha. Com o ingresso da primeira
turma feminina na Academia da Força Aérea, em 1996, e no Instituto Militar de Engenharia
do Exército, em 1997 (SCHWETHER; PAGLIARI, 2018).
A onda de democratização que ocorreu na região na década de 80, frente também ao
surgimento de movimentos sociais que buscavam pela reivindicação de direitos iguais, assim
como a aprovação de importantes acordos internacionais em favor das mulheres, resultou na
melhora da incorporação das mulheres como oficiais comissionados em toda região
(RESDAL 2010).
A seguir, apresentam-se dados acerca do marco institucional da inserção das
mulheres nas carreiras militares. Já no serviço militar a tabela abaixo demonstra como foi sua
inserção.
51

Tabela 1 - Ano de admissão das mulheres profissionais nas três Forças

País Exército Marinha Força Aérea [NS23] Comentário: Nas carreiras


militares e não profissionais
Chile 1974 2003 1952 confirmar dados/infos
Brasil 1992 -- 1982
Argentina 1982 1981 1982
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do RESDAL (Latin American Security and
Defense Network), 2010.

Atualmente, as mulheres representam cerca de 4% das forças militares brasileiras, [NS24] Comentário: Br?

isso, dado aos recentes processos de incorporação, a presença feminina é notavelmente


limitada quando comparada ao sexo masculino. Os outros países, principalmente, mostram
que, além do ano de admissão, outros aspectos e condições nacionais, desde a cultura,
mercado de trabalho, a efetiva existência de vagas e abertura para determinadas áreas de
atuação podem afetar a participação feminina.

Tabela 2 - Ano de ingresso da mulher na carreira militar (corpo de comando) (2010) [NS25] Comentário: Lapso temporal
muito grande
Forças
País Armadas Marinha Força Aérea
Chile 1995 1998 2000
Brasil -- -- 1992
Argentina 1997 2002 2001
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do RESDAL (Latin American Security and
Defense Network), 2010.
*No Brasil, a época de abertura das escolas militares em cada uma das forças é considerada o ano de
ingresso

Tabela 3 – Percentual de Militares e Implementadas na carreira militar (2020)


Percentual de mulheres
País Militares implementadas
Brasil 7.6% 8%
Argentina 17.3% 8%
Chile 10% 10%
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do Woman In International Security
52

De acordo com o Ministério da Defesa, em 2021, cerca de 33.960 brasileiras


integram as Forças Armadas, na Marinha, são cerca de 8.413 militares, o que de acordo com
os dados, representa um crescimento de 4,2% no último ano. O Exército, por sua vez, possui
13.009 mulheres em seu quadro, tendo assim um aumento de 6,42% entre os anos de 2019 a
2020, além de ter obtido um acréscimo de 11% no ano de 2020. Já na Força Aérea Brasileira
(FAB), são 12.538, no total isso constitui como 19,23% do efetivo total (Ministério da Defesa
2021).
O Chile, por sua vez, liderou esse caminho, quando em 1974, criou o Exército do
Serviço Auxiliar Feminino e o Serviço Militar Feminino, com o objetivo de instruir e
capacitar mulheres como oficiais de serviço. Essa escola fechou em 1995, após um plano de
modernização, as mulheres foram incorporadas nas escolas militares junto aos homens.
Já no caso da Argentina, com a queda do regime militar após a Guerra das Malvinas
(1982) e o retorno à esfera democrática, houve a facilidade de lançar mulheres para constituir
o corpo profissional em 1982. Mesmo assim, a incorporação de mulheres nas Forças Navais e
Aéreas brasileiras, em 1980 e 1982, respectivamente, ajudou a reconstituir a imagem
impopular dos militares (RESDAL 2010).
Os dados atuais demonstram, ainda que para cada 10 candidatos homens no exército
Argentino, existe a inserção de apenas 1 efetivo militar mulher, no Brasil o caso se repete,
mas dessa vez a condição é a cada 11 militares homens, já no Chile, esse número cai e passa
para uma mulher, há cada 4 efetivos masculinos (RESDAL 2010).

Tabela 4 - Número de membros da força classificados por gênero (Oficiais Comissionados,


Suboficiais e Tropas) (2010)
País Homens Mulheres % Mulheres Total
Argentina 65,997 7,757 10.5 73,754
Brasil 292,623 -- 38,897
Chile 58,507 3,553 5.7 62,04
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do RESDAL, 2010.
* No Brasil, os dados referentes às quantidades de mulheres na Aeronáutica não estão disponíveis.
53

Os dados da tabela acima foram encontrados no RESDAL14 (Latin American


Security and Defence Network), de seu projeto intitulado ‘’Woman in the Armed Forces in
Latin America: A gender approach to peace operations’’, da autora Marcela Donadio,
publicado em 2010, a contribuição desse projeto foi de suma importância para a elaboração do
presente trabalho. Cabe frisar, que boa parte dos dados são de difícil acesso ou defasados, no
caso do Brasil por exemplo, pouco foi acessível em sites oficiais dados acerca do percentual
feminino nas três forças. Os dados obtidos em sua maioria são decorrentes de trabalhos como [NS26] Comentário: Lei de acesso a
informacao
o projeto do RESDAL. Já no caso da Argentina e do Chile, foi possível encontrar dados e
documentos oficiais acerca do tema.

3.1.1Características da inserção das mulheres nas forças armadas nos casos Argentina,
Brasil e Chile [NS27] Comentário: Não encontrei as
características

A inserção feminina nas instituições militares se constitui de forma a construir um


‘’sistema social’’, onde as características do corpo de comando de oficiais não são
solidificadas e acabam por diversas mudanças ao longo do tempo.
De acordo com D'Araújo, 2003, foi durante a década de 80 que houve um maior
aceleramento de mudanças políticas sociais necessárias. A comunidade internacional se viu
frente a uma onda de redemocratização, que vinham atreladas a necessidade de direitos iguais
entre os gêneros. Nesse período, foi forte a mudança de como se via o papel da mulher na
sociedade, isso, devido às transformações sociais e aos crescentes movimentos feministas - foi
devido a isso, que houve o estímulo para incorporar mulheres também no ambiente
considerado historicamente como masculino. Dentre os movimentos com maior destaque,
responsável por boa parte dessa movimentação política, está o movimento sufragista
(Friedman, 2003).
Dentre os esforços políticos, como construção de movimentos, institucionalização
internacional. Essas articulações políticas serviram e conquistaram lugar de fala em
instituições como a ONU, que no ano de 1980, declarou a chamada ‘’Década da mulher’’
(1975-1985) (SCHWETER; PAGLIARI, 2018). A partir deste marco institucional, diversas
conferências foram impulsionadas para discussão da questão de gênero.

14
Para ver o projeto completo do RESDAL. Disponível: https://www.resdal.org/Gender---wps.html.
54

De acordo com o a autora Caroline Kennedy-Pipe, em sua obra intitulada "Women in


the Military’’, os debates acerca da relação entre mulheres e militares tornaram-se cada vez
mais encorajados, principalmente na sociedade consideradas ‘’ocidental’’ - aqui considera-se
o debate acerca do conceito ocidental para determinar países como o Brasil, por exemplo, haja
vista que o conceito de ocidental não se delimita à um espaço geográfico específico, cabe
questionar se podemos considerar o Brasil, por exemplo, como um país Ocidental. O debate
não se encerra apenas na discussão central da sua óbvia e carente exclusão desse espaço,
também se sabe da controvérsia acerca de que mulheres estão ou não estão aptas fisicamente
para estarem e comporem posições de combate. [NS28] Comentário: Paragrafos já
utilizados na seção anterior
Cabe ressaltar, que existe o debate acerca da contribuição feminina na indústria
bélica, algumas feministas argumentam que não é válido inserir mulheres em contextos
armados. Questiona-se e permeiam-se debates acerca da necessidade de incluir mulheres em
contextos de violência bélica.
Determinado debate, também é válido, no entanto, sabe-se que o Sistema
Internacional opera de acordo com o interesse do status quo, onde estabelece um contexto
onde a guerra determina quem domina esse espaço, vive-se em constante estado de guerra,
mesmo em momentos onde considera-se pacífico o Sistema Internacional. O trecho a seguir,
demonstra um pouco a percepção que se tem quando falamos de mulheres em contextos
bélicos. O seguinte trecho, quebra um pouco do paradigma empregado com relação às
mulheres e o claro estereótipo de pacifismo comumente associado.

O papel das mulheres na fabricação de armas desafiou um poderoso tabu de gênero,


já que as mulheres agora pareciam estar participando da cultura da morte em vez de
desempenhando seus papéis ‘naturais’ como doadores da vida” (GRAYZEL,
WOMEN AND MEN, 2010, p. 267).

De acordo com Goldstein (2001), mesmo que sua integração tenha sido reivindicada
através da luta pela equidade, até mesmo servir como apoio à logística dentro das Forças, este
é um fenômeno categoricamente recente

3.1.2O caso do Brasil

No presente tópico, iremos ilustrar como se dá a inserção feminina nas forças


armadas no caso do Brasil. Um breve contexto histórico, é datada que a primeira mulher em
55

posição de combate no Brasil foi Maria Quitéria de Jesus, no ano de 1823, sendo considerada
a primeira mulher a estar em posição de combate em uma unidade militar.
Porém, é somente durante a Segunda Guerra Mundial (1943), que as mulheres
puderam oficialmente compor parte do Exército Brasileiro (EXÉRCITO BRASILEIRO,
2017).
De acordo com o Plano Nacional de Ação sobre Mulheres Paz e Segurança, no
quesito Forças Armadas, como previamente elucidado, apenas na década de 1990, as
mulheres passaram a integrar as academias militares, e desde então as mesmas, vêm se
destacando profissionalmente em todas as atividades nas quais foram designadas.
No ano de 1992, o Exército brasileiro incluiu as mulheres na Escola de
Administração do Exército, fazendo com que assim, fosse integrado um maior Quadro
Complementar de Oficiais (QCO), contribuindo assim, para a fortificação da Força.
Mesmo assim, encontramos para além da disparidade numérica de sua inserção,
exclusões centrais no segmento militar devido a clara distinção e generificação da categoria,
mesmo que hoje as mesmas consigam já apesar do longo processo, ocupar tais espaços (de
certa forma ainda em percentuais menores do que o desejado), as mesmas, são excluídas de
diversas funções. Em especial, quando se trata de posições que garantem maiores prestígios e
possibilidades de ascensão, ainda são os homens que dominam tais espaços nesse segmento, a
possível causa disso se dá em como a cultura e ideologia, foram impostas a partir de preceitos
e concepções sociais que refletem a realidade da maioria das discrepâncias de gênero que
vemos na nossa sociedade (Carreiras 2010).
O Exército brasileiro foi a última das três forças a delimitar e definir suas antigas
estruturas, apenas no ano de 2012, por meio da imposição política dada pela ex presidenta
Dilma Rousseff, que aprovava a Lei 12.70515 - que permitia a entrada das mulheres no Corpo
de comando, através do artigo 7°16, que previa o ingresso na linha militar bélica de ensino,
permitindo também candidatos do sexo feminino.
Em diversos segmentos, como eventos de instituições governamentais, organizações
da sociedade civil e especialistas da academia, passaram a trazer o debate para campo em
torno da necessidade da elaboração de um plano de ação para o Brasil, acerca da agenda de

15
Para visualizar a Lei 12.705 completa. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12705.htm.
16
Texto original do Art. 7°: ‘’Art. 7° O ingresso na linha militar bélica de ensino permitido a candidatos do sexo
feminino deverá ser viabilizado em até 5 (cinco) anos a contar da data de publicação desta Lei.’’
56

‘’Mulheres, Paz e Segurança no Brasil’’ - constitui-se assim, a melhora e trabalho árduo para
superar tais de desafios. Organizado pelo Instituto Igarapé com o apoio do Ministério das
Relações Exteriores e do Instituto Pandiá Calógeras e da ONU-Mulheres - o workshop sobre a
‘’Proteção de Mulheres em Operações de Paz’’, em novembro de 2014.
Diversos eventos que congregam instituições governamentais, organizações da
sociedade civil e especialistas da academia contribuíram para amadurecer o debate em torno
da conveniência de elaboração de um plano de ação do Brasil sobre a agenda de MPS, tais
como o seminário “Mulheres, Paz e Segurança no Brasil – Construindo pontes e superando
desafios” (Brasília, 13 de março de 2014), organizado pelo Instituto Igarapé com apoio do
Ministério das Relações Exteriores, do Instituto Pandiá Calógeras e da ONU-
Mulheres; o workshop sobre “Proteção de Mulheres em Operações de Paz” (Itaipava, 24 a 28
de novembro de 2014), promovido pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
(CCOPAB), juntamente ao Ministério da Defesa, em decorrência a Resolução 1325 do
Conselho de Segurança das Nações Unidas (PNA 2017).
Pela primeira vez, equidade de gênero em ações relacionadas à paz e segurança,
vieram a tona, o que gerou por meio do reconhecimento de que mulheres podem e devem
desempenhar papel efetivo na busca pela paz - foi introduzido assim, perspectivas de gênero
no tratamento de conflitos armados, na prevenção de violência e consolidação da paz, ao
perceber que conflitos armados implicam de forma diferenciada na vida de mulheres e
meninas (BRASIL, 2017b, p. 23).
Em sequência, serão apresentados dados numéricos acerca dos efetivos nas Forças
Armadas, sem discriminá-los por força, tais dados elucidam a discrepância entre homens e
mulheres efetivos nas Forças Armadas.
57

Gráfico 1 - Evolução dos efetivos mulheres entre 2001-2014. [NS29] Comentário: Explicar o
grafico. Inserção de novas mulheres? 2007
não tem registro?

Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos pela Secretaria de Coordenação e Organização
Institucional do Ministério da Defesa, 2014.

Gráfico 2 - Percentual de mulheres nas Forças Armadas ao longo dos anos 2001-2014.

Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados obtidos pela Secretaria de Coordenação e
Organização Institucional do Ministério da Defesa, 2014.
58

No quadro a seguir, demonstramos através da tabela qual o posto máximo alcançado


por mulheres no Corpo de Comando17, as fileiras demonstradas a seguir correspondem ao
nível de hierarquia da Força Aérea. O corpo de comando inclui oficiais também formados em
academias militares desde o início de suas carreiras, diferente daqueles que desenvolvem a
sua carreira na esfera civil e depois seguem sua carreira na esfera militar. [NS30] Comentário: Para o Exército
checar publicacao verde oliva

https://www.calameo.com/exercito-
brasileiro/read/00123820626dd46b27229
Quadro 2 - Posto máximo alcançado por mulheres no Corpo de Comando (2016).
[NS31] Comentário: até o momento a
patente máxima atingida por uma mulher na
Segun Brigad Tenen Aeronáutica foi a de Coronel: são oito
coronéis todas pertencentes ao quadro de
do eiro te saúde (2018)
Candi Tenent Primeiro Tenente Corone Gener General Gener Marechal
País dato e tenente Capitão Major Coronel l al Major al Força Aérea

Brasil X

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do A Comparative Atlas o f Defence in Latin
America and Caribbean, 2016.

É possível notar como no plano de carreira da Marinha existe um maior


planejamento e inserção feminina nas forças, e também, uma maior possibilidade de
crescimento. Enquanto no exército as mulheres representam somente 4% (8.961), na Marinha [NS32] Comentário: Onde houve
maior crescimento recente
elas somam 10% (7.578).

Tabela 5 - Admissão ao serviço militar na Marinha comparado (2015-2016)


Ano 2015 2016
Homem 1,94 3,114 [NS33] Comentário: Qual unidade?

Mulher 381 100


Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do A Comparative Atlas o f Defence in Latin
America and Caribbean, 2010.

Uma das razões que podem explicar uma maior inserção feminina na Marinha do que
no Exército, é o fato de que o Serviço Militar no Brasil só é obrigatório para homens, e por
sua vez, existe o maior incentivo para que os mesmos se insiram na carreira. De acordo com o [NS34] Comentário: Não entendi.
obrigatório independente do braço
Ministério da Defesa, desde 2003, o serviço militar obrigatório é destinado a todos os
cidadãos do sexo masculino entre 18 e 45 anos. Aos 17, os cidadãos do sexo masculino

17
Compreende-se que dentro da instituição militar existam dois grandes corpos: o Corpo Profissional, composto
pelos servidores militares com profissão adquirida no âmbito civil, e que são incorporados pelas Forças Armadas
para realizar serviços de apoio; e o Corpo Comando, composto por aqueles que seguem a carreira militar
tradicional, formados diretamente nas academias militares para exercer tarefas específicas relacionadas ao
combate e ao comando.
59

podem se apresentar para o serviço de forma voluntária. Enquanto as mulheres estão isentas
do serviço militar em tempos de paz - no entanto, elas podem se apresentar para o serviço
voluntário. Existe ainda um regime especial para candidatos que possuam licenciaturas e pós-
graduados, nas faculdades de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária.
O plano nacional brasileiro, por sua vez, quando trata-se de Operações de Paz, não
contempla cenários de crise ou conflitos que ocorrem dentro do país. Acaba sendo mais
voltado, fundamentalmente para as operações de paz e trabalhos de cunho diplomático. Têm-
se como exceção as linhas de atuação referentes aos asilos ou questões referentes à refúgio.
Quanto à promoção da participação das mulheres em cargos públicos, há uma forte limitação
quanto às instituições diplomáticas, militares e policiais, que estão associadas ao trabalho
diplomático e operações consideradas extraterritoriais. Acaba ocorrendo a exclusão de
medidas específicas destinadas a prevenir a violência dentro do território nacional
Dentre os objetivos estão, aumentar a participação efetiva das mulheres na segurança
internacional, como em cargos de lideranças em atividades relacionadas à paz e segurança
internacional, especialmente quando trata-se de situações de conflito e pós-conflito quando
latentes ao território nacional
Pretende-se ampliar e melhorar a contribuição do Brasil na luta contra a violência de
gênero e fortalecer a proteção dos direitos para todas as mulheres e meninas em situação de
pré-conflito, conflito e pós-conflito.
Também, fortalecer a perspectiva de gênero no desenvolvimento e implementação
das operações de consolidação da paz, bem como cooperação humanitária quando apoiadas
pelo Brasil.
Por fim, cabe ressaltar que dentre as três forças, a aeronáutica é a única força que
contempla de fato o acesso total e tradicional dentro da carreira militar, mesmo havendo suas
especificidades, é a única que pode oferecer patente máxima de oficial general para mulheres, [NS35] Comentário: posto máximo da
Aeronáutica (Tenente-Brigadeiro do Ar)
sendo esse um cargo considerado alto e de prestígio. O ambiente militar, por mais que venha a
se reestruturar e inserir estatisticamente as mulheres, ainda é um ambiente que não deixa suas
características clássicas e cria um ambiente inclusive para as mulheres - esse é um dos fatores,
que faz com que as mulheres deixem de procurar pela carreira militar.
60

3.1.3 O caso da Argentina

Nessa seção, trataremos do caso da inserção feminina nas Forças Armadas da


Argentina. No presente caso, contempla-se que a inserção feminina nos corpos profissionais
das forças armadas decorreu do conflito das Malvinas. Determinada iniciativa, foi uma
tentativa de melhorar sua imagem diante da sociedade, devido ao momento de decadência
militar e sua derrota na Guerra das Malvinas (LUCERO, 2009).
Pode-se dizer que foi o país que se modificou de forma mais profunda no âmbito da
defesa. Houve um processo de profissionalização das forças, institucionalização do setor da
defesa, apresentou um cenário democrático e por sua vez, pode ser considerado o país da
América Latina em que a intervenção militar na política é muito pequena quando comparado
aos seus países vizinhos (DIAMINT, 2008).
Foi graças à ministra da Defesa Nilda Garré, que a incorporação feminina nas forças
armadas teve sua ascensão. Através de Resoluções legitimando o direito feminino que tal fato
foi possível.
Tal processo de incorporação, nessa instituição tradicionalmente masculina, cuja
posição de combatente está culturalmente associada ao gênero masculino, ainda possui suas
adversidades. Somente no Pós-Guerra a sua admissão foi inserida, e mesmo assim, ainda se
limitava aos órgãos profissionais. Foi somente nos anos 70 que houve uma maior tentativa de
inserção das mesmas.
Assim como no caso do Brasil, na Argentina as mulheres foram inseridas nas Forças
Armadas de forma tardia. Mesmo que seu histórico de incorporação seja antigo, sua inserção
verdadeira na carreira militar é datada apenas na segunda metade do século XX (Ministério da
Defesa, Argentina 2015).
O serviço militar voluntário criado frente à Lei 24.429, permitiu quando necessário a
convocação de todos os cidadãos, perante a uma resolução acordada entre as forças, foi
aprovado que mulheres participassem das missões de apoio - reconhecendo assim, a
capacidade física feminina, ao integrar esse espaço considerado como masculino (BADARÓ,
2015).
Foi no final dos anos noventa, quando o serviço militar masculino obrigatório foi
suspenso, que as mulheres puderam alistar-se voluntariamente ao exército. No final da
década, seguido do Exército, logo após a Marina e a Aeronáutica, as mulheres puderam
integrar como parte dos oficiais de comando. Tal conquista foi regulamentada através de um
61

sistema de cotas que limitava a proporção feminina em 15% de todos que ingressaram. No
entanto, a Marinha no ano de 2009, cancelou seu sistema de cotas e aumentou o percentual de
mulheres alistadas em 40% entre todos suboficiais.
Foi através da perspectiva dos direitos humanos que as autoridades civis do
ministério revogaram as regras que coibiram os direitos das mulheres de compor a esfera
militar, através de legislações nacionais e internacionais (FREDERIC, 2015).
A fim de desenvolver propostas para melhorar as condições de acesso, permanência e
progressão na carreira militar, visando desobstruir e promover ações que assegurem real
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres de acordo com os resultados do
Observatório sobre a Integração da Mulher nas Forças Armadas. (Resolução do Ministro da
Defesa 247/07) (FREDERIC, 2015).
Gradualmente as perspectivas acerca dos direitos humanos ascenderam nos anos
2000, como resultado disso, novos temas foram adicionados à agenda do Conselho, como por
exemplo: denúncias acerca de questões de gênero, foram classificadas como discriminação.
Com o avanço do movimento feminista e um conjunto de transformações no mundo,
que houve o aumento da demanda por mulheres nos serviços militares tipicamente vistos
como masculinos18.
Foi no ano de 2006, através do Decreto Presidencial, que houve de fato um avanço
significativo nesta questão, através de diversas Resoluções Ministeriais, que foi
institucionalizado e formalizado a integração das mulheres nas Forças Armadas na Argentina.
No ano de 2007, também foi criado o Conselho de Políticas de Gênero para a Defesa, que
reivindicou que militares grávidas e/ou lactantes em atividade de combate fossem colocadas
em risco e diversas restrições foram retiradas (Argentina 2010).
No ano de 2010, de acordo com o Informe sobre a integração das mulheres nas
Forças Armadas, do Ministério da Defesa, cerca de 9.335 mulheres integram as Forças
Armadas, bem como integram os Institutos de Formação Militar, representando 11,56% do
total de efetivos das Forças Armadas. De acordo com os dados encontrados, nesse mesmo
período as mulheres compõem 6,55% do total de Oficiais e 7,52% do total de Sargentos.

18
Segal, M. W. “Women’s military roles cross-nationally: past, present, and future”, Gender and Society,
9(6):757-775.
62

Nos escalões oficiais, 42% do Corpo Profissional são mulheres, no entanto, a


representação de mulheres no comando é de apenas 2%. Na Marinha, são cerca de 1.799
mulheres, já na Força Aérea, o registro conta com 2.562 mulheres (Argentina 2010).
No ano de 2015, houve a aprovação da medida que tornava mais viável a ascensão
feminina nos postos mais altos das três forças - foram eliminadas diversas restrições para que
militares do Corpo Profissional pudessem ascender a cargos mais altos (SZKLARZ, 2015).
Já em 2016, as mulheres passaram a representar cerca de 41% do total de cadetes na
Escola de Suboficiais da Marinha Argentina (DONADIO, 2016).
No quadro a seguir, demonstramos qual o posto máximo alcançado por mulheres no
caso da Argentina.

Tabela 6 - Posto máximo alcançado por mulheres no Corpo de Comando (2016).


Tenent
e
Segundo Primeiro Tenente General Gener
País tenente Tenente tenente Capitão Major Coronel Coronel Brigadeiro Major al

Argenti
na X

Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do Comparative Atlas o f Defence in Latin
America and Caribbean, 2016.

Através do documento do Ministério da Defesa Argentino, foi possível obter informações


acerca da participação do efetivo feminino Argentino nas Operações de Paz. De acordo com o
documento, desde 1993 as mulheres integrantes das Forças Armadas participam das missões
de paz, desde então foram num total cerca de 241 mulheres destacadas nas missões, desse
total, cerca de 225 participaram durante os períodos de 2000 a 2008. Sendo assim, nesses anos
por volta de 68,7% é o total da participação feminina nas missões de paz. Mesmo assim, cabe
notar que 58,8% das funções exercidas, são funções da área da saúde, enquanto o restante
representa atividades no campo operacional. Demonstrando como existe a generificação das
atividades exercidas no ramo.
O plano argentino não considera cenários de crise ou conflitos internos. Se remonta
principalmente ao enquadrar contextos da política externa do país e da sua participação na
manutenção de paz, operações e negociações diplomáticas.
Dentre as exceções atribuídas estão: aumento da participação das mulheres em todo o
Estado (especificamente no poder judiciário); atenção às mulheres que estão sujeitas a asilo
em busca de status de refugiados; e treinamento para a paz e igualdade de gênero, que inclui
63

não somente agentes de segurança, mas também toda parte referente a administração pública,
o sistema de administração da justiça e os processos formais e informais. À nível nacional, o
Plano não inclui linhas de ação contra violência sexual (OEA, 2022).
Dentre os objetivos do Plano, está: aumentar a presença e participação das mulheres
em missões de paz e assistência humanitária nos órgãos de decisão (OEA, 2022).
Além disso, aumentar efetivamente a participação política das mulheres nas áreas de
paz e segurança, bem como nas negociações de paz e gestão de conflitos, nos círculos de
tomada de decisão em cada uma dessas áreas.
Incluir uma perspectiva de gênero em todas as atividades de consolidação da paz e
missões de assistência humanitária, incluindo atividades de desarmamento, desmobilização e
integração.
Ao proteger os direitos humanos de mulheres e meninas em países de situação de
conflito e pós-conflito (inclui campos para refugiados deslocados), especialmente frente às
questões de gênero, violência e violência sexual, com o intuito de promover bem-estar e
segurança. Foi possível obter dados acerca de quais missões obtiveram a participação
feminina, nesse período a Missão Argentina no Chipre dispôs de 9 militares do sexo feminino,
19 .
já na MINUSTAH, durante as atividades houveram cerca de 31 compondo o quadro .
Cabe ressaltar, a Resolução Ministerial nº 274, do dia 2 de março de 2007, que declara
a criação do Conselho Diretor de Gênero para a Defesa, cujo objetivo, estava a elaboração de
propostas para o aperfeiçoamento das condições de acesso, permanência e progressão das
mulheres na carreira militar, visando erradicar os obstáculos e promover ações destinadas à
garantia da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, assegurando assim, a
participação de mulheres Oficiais e Suboficiais das Forças Armadas.
Por fim, apesar de não existir nenhum mecanismo legal que impede e compele a
participação feminina no âmbito militar, o quadro a seguir ajuda a elucidar como mesmo com
diversos marcos legais, existem limitações que resultam na divisão sexual da mulher no ofício
militar. Pode-se dizer, que a contribuição de uma mulher no âmbito da defesa proporcionou
maiores adoções de políticas de gênero, o que deu maior celeridade e efetivou às conquistas
aos direitos das mulheres.

19
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do ‘’Informe sobre la integración de la mujer en las Fuerzas
Armadas. Buenos Aires: Ministerio de Defensa’’ (2010)
64

Tabela 7 - Admissão de mulheres em especialidades militares (Oficiais) (2010)

País Militar Marinha Força Aérea


Argentina Parcial Total Total
Brasil Sem acesso Sem acesso Total
Chile Parcial Parcial Total
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do Ministério da Defesa, 2010.

Tabela 8 – Efetivo feminino nas três forças (2017 – 2018)

Exército (2017) Forças Armadas (2018) Força Aérea (2018)


14% 19% 26%
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do Ministério da Defesa, 2017.

No caso da Argentina, como demonstrado acima, as mulheres não compõem parte da


infantaria e cavalaria, no que diz respeito às forças terrestres.

3.1.4 O caso do Chile

A participação feminina nas Forças Armadas teve seu início formal há mais de três
décadas. A integração das mulheres no Exército se iniciou em sua fase preliminar com as
atividades do Serviço Militar de Linha, após esse período houve um aumento da sua
profissionalização e especialização dos Funcionários e Quadros Permanentes.
A introdução oficial do processo de integração das mulheres no Exército começou
em 1974. No ano de 2005, houve ainda um maior impulso abrindo espaços e funções que até
então eram exclusivas aos homens. Dessa maneira, pode-se dizer que a candidatura de
mulheres nesse aspecto como completamente integradas. Nesse aspecto, o Chile liderou o
caminho, ao criar o Exército Escola do Serviço Militar Feminino, em 1974, com o objetivo de
instruir mulheres como oficiais de serviço. Foi apenas no ano de 1995, que suas atividades
foram encerradas, após um plano de modernização, onde as mulheres foram incorporadas nas
escolas junto com os homens (RESDAL, 2010). Já na Marinha e Força Aérea, as mulheres
integraram papéis como médicas e staffs entre 1937 até 1955. A Força Aérea abriu sua
65

primeira Academia de Voo para mulheres cadentes nos anos 2000, com os mesmos direitos
que os homens obtinham. Enquanto a Marinha, por outro lado, admitiu mulheres somente em
2007.
Foi em 1991 também, considerando a importância da ação do Estado para atingir os
objetivos acordados, que foi criado o Serviço Nacional da Mulher, cujo o intuito era desenhar
e propor políticas públicas que permitissem o avanço na conquista das oportunidades entre
homens e mulheres.
Ainda no que tange a participação feminina, no ano de 1996, as Forças Aéreas do
Brasil e Honduras, deram seus primeiros passos na região do Cone Sul ao incorporar as
mulheres na carreira militar. Nos seguintes anos, as forças de outros países começaram a fazer
o mesmo. A abertura do Exército no Chile aconteceu em 1995, assim como na Argentina. Os
primeiros grupos de mulheres que ingressaram foram nos Exércitos do Uruguai e na Força
Aérea do Chile nos anos 2000. Nesse mesmo período, alguns países do Cone Sul começaram
suas incorporações. Apesar das mulheres representarem no Chile, mais de 50% da população
nacional, e devido a isso, existe a necessidade urgente de completa via de integração, a
participação das mulheres não se pode dizer estar em paridade (RESDAL 2010)
Foi durante a Guerra contra a Confederação Peru-Bolívia e o Pacífico, que as
mulheres passaram a integrar o Serviço militar - ainda que nesse período, sua função estava
na cantina do Exército. Após esse período, que de fato elas se estabeleceram e conseguiram
ingressar em diversos escalões (ROSS SILVA, 2008). Após isso, com a intenção de fortalecer
e aumentar a participação político feminina, a presidente Michelle Bachelet, frente ao
Ministério da Defesa, nos anos de 2002-2004, deu abertura a abordagem de gênero,
promovendo assim, a criação de uma Política de Integração e Participação da Mulher nas
Forças Armadas e de Ordem e Segurança, que refletiu na atualização do livro branco de
Defesa em março de 2005.
Para além disso, ainda durante o mandato de Bachelet, o Programa do Governo
conclui que a integração das mulheres nas Forças Armadas - Recentemente, houveram
grandes avanços na incorporação de mulheres em instituições forças armadas, mas ainda
existem áreas da carreira militar que não são permitidas às mulheres, sem existir uma base
para isso. Portanto, eliminamos essas discriminações e no ano de 2010 teremos plena
66

igualdade de direitos entre homens e mulheres nas Forças Armadas. Esta igualdade aplicar-se-
á ao acesso, permanência e reforma na carreira militar20.
Dentre os principais objetivos da Política de Integração estão os seguintes - Aplicar
os princípios da Igualdade de Direitos entre homens e mulheres no setor da Defesa,
garantindo assim o direito das mulheres de integrar e participar igualmente das oportunidades
na vida nacional, bem como estão expressas na Constituição (ROSS SILVA, 2008).
Apesar das demandas e tentativas por um impulso para o fim da disparidade de
gênero nesse âmbito, foi somente em 2008, que foi concebida a primeira mulher piloto no
Exército (ROSS SILVA, 2008). Em 1981, a Força Aérea permitiu que as mulheres
ingressassem no seu Serviço Militar, com o intuito de ministrar treinamento militar e técnico
básico, podendo assim, no final desse período de formação, obter o título de auxiliar de
enfermagem e administrativo. Por fim, o Serviço Militar Feminino vigorou por sua vez, por
completo, fechado em instância em 1991.

Tabela 3 - Admissão ao serviço militar nas três forças (2016)


Forças
Gênero Armadas Marinha Força Aérea
Homem 36,446 17,372 7,693
Mulher 4 2 600
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do Ministério da Defesa, 2016.

A disparidade demonstrada na tabela acima demonstra como apesar dos avanços, as


mulheres ainda permanecem como uma forte minoria. Entre as três forças a que possui maior
quantidade de mulheres é a Força Aérea.

Tabela 4 - Porcentagens de efetivos do Exército diferenciadas por sexo (2008)


Homens Mulheres
Oficiais 92% 8%
Suboficiais 96% 4%
Serviço
militar 92% 8%
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados da Direção de Pessoal do Exército do Chile, 2008.

20
Gobierno de Chile, “Programa de Gobierno de Michelle Bachelet”,
http://www.gobiernodechile.cl/viewPreseidenta.aspx?idArticulo=22412.
67

No quadro abaixo podemos visualizar qual o posto máximo a ser alcançado por
mulheres no Corpo de comando. Os escalões abaixo correspondem ao Exército, por exemplo.
A patente é equivalente para Capitão e Capitão (Força Aérea), para Segundo Tenente e
Tenente Júnior Grau (Marinha). O corpo de Comando inclui oficiais formados em academias
militares desde o início de suas carreiras, diferentemente daqueles que desenvolvem uma
carreira na esfera civil e depois são incorporados às forças armadas.

Quadro 3 - Posto máximo alcançado por mulheres no Corpo de Comando (2010)


Tenent
e
Segundo Primeiro Tenente General Gener
País tenente Tenente tenente Capitão Major Coronel Coronel Brigadeiro Major al

Chile X
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do RESDAL, 2010.

É possível notar, que assim como no caso do Brasil e Argentina, a perspectiva de


ascensão na carreira militar por mulheres é considerada baixa. Isso se dá devido as baixas
perspectivas de entrada e incentivo para que elas ingressem na carreira.
No caso da Argentina, as mulheres não possuem acesso a infantaria ou cavalaria nas
forças terrestres, no caso do Brasil, não existe acesso a infantaria e ‘’first class technician’’,
por sim no Chile, elas não possuem acesso à infantaria, cavalaria blindada quando se trata de
força terrestre; à infantaria de fuzileiros navais e especialidades em material, submarinos,
mergulho tático, mergulho de resgate e faróis na força naval.
A participação do Chile em Missões de Paz se sucedeu após 1835 por meio de um
grupo de observadores militares, que contribuíram para a supervisão de acordos no final da
Guerra entre Paraguai e Bolívia. Notável que tal participação tenha começado antes mesmo da
criação das Nações Unidas, demonstra como o país sempre se manteve instigado pela
promoção da paz.
68

Enquanto a participação de mulheres em operações de paz como parte do contingente


militar e força policial chilena começa em 1987, a Força Aérea destacou a comandante Nancy
Stevenson Oteiza. Em seguida, entre 1997 e 1999 representantes do Exército faziam parte das
fileiras de Cuidados de Saúde, na mesma data o Chile enviou quatro representantes à Missão
das Nações Unidas na Bósnia e Herzegovina (UNMIBH) e Kosovo (KFOR).
A integração mais forte do efetivo feminino foi durante a MINUSTAH, entre 2004 e
2008, quando o país enviou 49 mulheres Oficiais e Quadro Permanentes das Forças Armadas
e Ordem e Segurança.
De acordo com o Ministério da Defesa, tais intervenções femininas representam
cerca de 2% das OPs. Isso se dá principalmente porque as escolas matrizes foram abertas há
pouco tempo, por sua vez, as mulheres ainda não cumprem os requisitos de experiência das
Nações Unidas.
De acordo com o documento intitulado ‘’Inter-American Commission of Women.
Caminos hacia la paz y la seguridad, forjados por las mujeres: Una agenda para las
Américas’’, da OEA, lançado em 2022.
O Plano de Ação do Chile desconsidera cenários de crise e conflitos internos, por
sua vez, se exclui a ser definido no contexto da política externa do país e sua participação na
manutenção de paz, operações e negociações diplomáticas. A promoção da participação
efetiva de mulheres em cargos públicos, ainda é limitada a operações de manutenção de paz e
esforços internacionais associados a paz e resolução de conflitos, à nível nacional o plano não
trata de ações acerca da violência sexual (OEA, 2022).
Promoção e apoio da participação ativa e significativa das mulheres em todos os
processos de paz e sua representação em todos os níveis de tomada de decisão, aqueles
relacionados a prevenir, gerir e resolver conflitos. Além de, considerar o fortalecimento de
parcerias e contatos com organizações nacionais e internacionais que defendem os direitos das
mulheres (OEA, 2022).
Garantir o fortalecimento, e ampliação de medidas que visem a garantia e segurança,
integridade física e psicológica, saúde reprodutiva, bem-estar e autonomia econômica, bem
como a dignidade de mulheres e meninas; respeitar e zelar o pleno exercício de direitos
humanos de mulheres e meninas, incorporando sempre, perspectivas de gênero nas
instituições que desempenham algum papel em operações de paz, conflito e pós- conflito
(OEA, 2022).
69

Promoção do acesso das mulheres em igualdade de condições aos mecanismos e


serviços de distribuição de ajuda, em específico no que diz respeito às necessidades tangentes
às mulheres e meninas, em todos os esforços de recuperação e socorro e na justiça de
transição (OEA, 2022).
Enquanto isso, no que tange às mulheres, sua participação em operações de paz como
parte do contingente militar e força policial chilena, começa em 1987: quando a Força Aérea
destaca a oficial de Serviços de Escalação de Saúde, para desempenhar suas funções
associadas ao seu cargo.
Concluindo, existe um percurso de desafios a serem implementados, é necessário
romper com a participação secundária das mulheres - atualmente, sua atuação se dá em áreas
como Serviços, saúde ou parte administrativa. Cabe de fato inserir as mulheres em atividades
distantes daquelas tradicionalmente atribuídas e consideradas atividades ‘’femininas’’. Até
pouco tempo, as três forças estabeleciam limitações para o sexo feminino, através de uma
reestruturação as mulheres passaram a integrar e ascender aos cargos militares.
3.2 QUARTA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DA MULHER: MULHERES EM
CONTEXTOS [NS36] Comentário: Pensar melhor
sobre a pertinencia da seção

A quarta Conferência Mundial sobre Mulheres em Pequim, China é considerada a


mais importante das quatro conferências sobre mulheres, desde as conferências realizadas
entre 1975 e 1995. Sua importância é devido a como ela fundamentou base para acordos
políticos que foram alcançados nas três conferências globais que antecederam, a conferência
foi responsável por cinco décadas de avanços jurídicos acerca da equidade entre homens e
mulheres. Foram mais de 17.000 participantes, tendo a participação de 6.000 delegados de
governos nas negociações, mais de 4.000 representantes de ONGs, além disso, corroborou
para construção de um fórum paralelo de ONGs, em Huairou, que obteve também mais de
30.000 participantes (ONU). Foi de forma significante que essa conferência global foi
considerada um marco para a agenda de equidade de gênero. A declaração de Beijing foi
adotada por cerca de 189 países, atualmente considerada documento chave para o fim da
disparidade de gênero. A conferência delimitou objetivos e ações em 12 áreas consideradas
críticas, sendo elas: Mulheres e pobreza, Educação e treinamento de mulheres, Mulheres e
saúde, Violência contra a mulher, Mulheres e conflitos armados, Mulheres e a economia,
Mulheres no poder e na tomada de decisões, Mecanismo institucional para o avanço da
70

mulher, Direitos humanos das mulheres entre outros. A conferência foi determinante para
compreender e mudar a estrutura de reprodução sexista da sociedade (ONU).
A inclusão do tema ‘’Mulheres e conflitos armados’’, compôs o reconhecimento de
forma institucionalizada de que forma o impacto dos conflitos armados, em especial, quando
tratado de mulheres e meninas, gerando assim organização na esfera civil, havendo promoção
e reafirmação de direitos humanos. Nesse âmbito, insere-se a condenação e uso de violência
sexual como tática utilizada em guerra (passa a configura-se assim, violências sexuais como
crime de guerra). Foi o tribunal de Tóquio, o relator e primeiro a constituir que violências
sexuais e prostituição forçada, deveriam constituir dentro do direito internacional como crime
de guerra (KIMURA, 2008)21. A partir disso, de acordo com Funag (2017), criou-se o cargo
intitulado Representante Especial do Secretário-Geral acerca de Violência Sexual em
Conflitos

21
Conferir a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher – Pequim, 1995.
Versão em português disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/wp-
content/uploads/2015/03/declaracao_pequim.pdf
70

4 CAPÍTULO 3

4.1MISSÕES DE PAZ COM PARTICIPAÇÕES DE MULHERES/CORRELAÇÃO ENTRE


DIMINUIÇÃO DE CASOS DE VIOLÊNCIAS DE GÊNERO OU ATRIBUIÇÃO DE
MAIOR PAZ/MELHORES NEGOCIAÇÕES NA GUERRA

A seguir, tratarei do tema “Forças Armadas e Mulheres” à luz das Operações de Paz
da ONU destacando, por um lado, a persistência da problemática de sub-representação
feminina nos contingentes militares e, por outro, o papel fundamental que as mulheres - civis
e militares - exercem nas sociedades em reconstrução. Para isso, farei uso de pesquisas das
autoras Giannini (2014); Giannini, Folly & Lima (2017) e Rebelo (2012; 2013) e de dados da
Organização das Nações Unidas (2016) e do Governo brasileiro (2016), sendo os últimos,
fontes de informações sobre avanços na temática.
A equidade de gênero é uma meta tanto para a composição de missões de paz da
ONU como para o trabalho elaborado nas nações anfitriãs. Sendo assim, as políticas e
diretrizes da ONU a fim de executar o mandato sobre mulheres, paz e segurança atualmente
são focados externamente e internamente, a meta é aumentar esse número substantivamente,
na composição de militares de policiais em manutenção de paz da ONU, como meta de
igualdade de gênero tendo foco interno que visa a representação igualitária das mulheres
dentro das operações de paz da ONU. O maior objetivo é integrar uma perspectiva de gênero
no trabalho e nas missões, incluindo componentes militares de uma operação de manutenção
de paz da ONU, o objetivo de igualdade de gênero visa a promoção da equidade no estado
anfitrião onde a missão ocorre - na segurança, no processo eleitoral e no pós-conflito. Tal
inserção é chamada de ‘’perspectiva de gênero’’, a qual ilumina as experiências, necessidades,
status e prioridades de homens/rapazes, bem como mulheres conforme elas se relacionam com
o mandato da missão (ONU).
De acordo com a ONU, é difícil mapear com precisão as tendências no número de
mulheres que oficiam como pacificadoras em Operações de paz, foi apenas nos anos 2000 em
que a ONU passou a coletar dados desagregados por sexo em suas missões de paz, tais
estatísticas remontam apenas até o ano de 1994. Por sua vez, as fontes populares de dados
disponíveis sobre as forças armadas nacionais, incluindo o Equilíbrio Militar produzido pelo
Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, não passaram a incluir as estatísticas
desagregadas por sexo acerca das forças nacionais. Em terceiro lugar, muito poucos países
71

produzem avaliações acerca da participação feminina em suas forças nacionais em


contribuição para a ONU, de acordo com o relatório “Not Just a Numbers Game: Increasing
Women’s Participation in UN Peacekeeping’’, de Sahana Dharmapuri (2013)22.
A equidade de gênero é uma meta a ser alcançada tanto para a composição de
missões de paz da ONU quanto para o efetivo trabalho que as missões exercem na nação
anfitriã. Sendo assim, as políticas e diretrizes da ONU com o intuito de executar o mandato
sobre mulheres, paz e segurança, são focadas de forma interna e externa. A meta seria
aumentar os números de mulheres na composição dos contingentes militares e policiais nas
manutenções de paz da ONU, essa é uma meta de igualdade de gênero cujo foco é interno
pois visa a representação igualitária das mulheres dentro das operações de paz da ONU. As
operações de paz da ONU, possuem características e o objetivo de igualdade de gênero no
estado anfitrião onde a missão se insere - na segurança, no processo eleitoral e no pós-conflito
e reconstrução, por exemplo (DHARMAPURI, 2013).
Os grupamentos militares femininos das Operações de Paz recaem sob as mesmas
dificuldades vivenciadas por mulheres nas Forças Armadas de seus respectivos países
primordialmente por duas razões: a repetição do modus operandi de preconceito e estereótipos
de gênero, vistos anteriormente; e a ligação entre as Forças de Paz da ONU e as FFAA dos
países participantes. A título de exemplificação, enquanto homens desempenhavam funções
de combate, mulheres eram encarregadas da enfermaria, cozinha, transporte de água, dentre
outros – meras extensões de afazeres domésticos (Rebelo, 2012, p. 54). Para além disso, no
contexto de Operações de Paz, mulheres e meninas locais também sofrem dos mesmos
tratamentos diferenciados e da visão de suposta fragilidade.
Passada a última década, as questões de gênero se tornaram cada vez mais
pertinentes, na qual seu aspecto repercutiu até mesmo na implementação e avaliação de
operações de apoio à paz. Mesmo que essa consciência tenha crescido e se tornado um tópico
discutido, a consciência de gênero dentro da dimensão onde se insere nos conflitos armados -
junto a necessidade de integração de políticas de gênero nas operações de paz, veio como uma
agenda recente e importante para as políticas das Organizações Internacionais de defesa, bem
como segurança internacional. É evidente e bárbaro as evidências de casos de violências de

22
See UN Department of Peacekeeping Operations (DPKO), Mainstreaming a Gender Perspective in
Multidimensional Peace Operations (New York, 2000), Annex.
72

gênero - entre elas; abuso sexual, assédio moral entre outros (CARREIRAS, 2015)23.
Especificamente, observou-se uma crescente má conduta sexual dos soldados de paz e
envolvimento em tráfico de mulheres, crianças e até mesmo exploração laboral24.
Apesar das fortes denúncias acerca do abuso de poder, pode-se dizer que tais
acontecimentos se dão em detrimento a pouca participação efetiva feminina nesses contextos,
por outro lado, após os contextos de expansão e manutenção de paz nas chamadas ajudas
humanitárias25, assim também como maiores casos de refúgio, processos de reconstrução de
paz neste contexto, a mudança no papel e na necessidade de representatividade por parte
desses oficiais que eram responsáveis pelas Operações de Paz, mudou. Exigiu-se a presença
das mulheres nas forças armadas assim como, maiores oportunidades de representação, a fim
de coibir essas ações (CARREIRAS, 2015).
A falta de representação das mulheres não foi motivo de preocupação até início dos
anos 90. Somente a partir desse momento as mudanças começaram a surgir e intensificou-se,
ou melhor começou de fato a participação efetiva das mulheres nas operações.
Começou assim, uma maior consciência de integrar perspectivas de gênero nas
operações internacionais. Com a dimensão de gênero apontada como importante e latente
dentro da segurança internacional, com foco nas forças armadas, estabeleceu-se a aprovação
da resolução UNSCR 1335 sobre mulheres, paz e segurança26, no ano de 2000.
A partir disso, há uma revisão das políticas e instrumentos da Política Comum de
Segurança e Defesa da União Europeia, além disso, outras organizações e atores do sistema
internacional relevantes acerca de segurança internacional. Tudo isso precedeu como um
exame para compreender de que formas as políticas estavam sendo implementadas - bem
como entender onde e o que deveria se adequar, dado os elementos que dizem respeito à
participação das mulheres operando como força militar.

23
Significado de assédio moral e sexual de acordo com a Controladoria-Geral da União. Disponível
em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/campanhas/integridade-publica/assedio-moral-
esexual#:~:text=O%20ass%C3%A9dio%20pode%20ser%20configurado,degradar%20o%20ambiente
%20de%20trabalho.
24
Notícias oficiais acerca das denúncias de assédio. Disponível:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/onu-registra-69-casos-de-abuso-sexual-por-capacetes-
azuis-em-2015.html
25
O que significa ajuda humanitária.
Disponível:https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/humanitarian-
aid/#:~:text=A%20ajuda%20humanit%C3%A1ria%20consiste%20principalmente,de%20malnutri%C
3%A7%C3%A3o%20e%20de%20fome
26
Pode-se obter a resolução completa a seguir. Disponível:
https://www.un.org/womenwatch/osagi/wps/#resolution.
73

Havendo ainda paradoxos a serem superados, houveram preocupações acerca dessa


inserção, ainda ecoam debates acerca da participação feminina como força militar, no entanto,
como demonstrado no capítulo que precede - as mulheres ocuparam e ocupam de forma quase
todas as esferas da vida pública e privada, no entanto, quando se trata do ambiente militar, é
possível notar que o percentual é tão baixo, que não é possível dizer que existe de fato uma
inserção feminina nessa esfera.
De acordo com o artigo de Tamya Rocha Rebelo et al 27, acerca do assunto, dentre os
documentos onusianos, onde se estabelece que todos os indivíduos devem ser tratados de
forma ‘’equitativa’’, trouxe e assegurou que direitos e oportunidades não fossem negados
mediante ao gênero. Um dos fundamentos propostos nesse aspecto se refere a falta de
representação equilibrada entre homens e mulheres dentre os cargos presentes nas Nações
Unidas - atualmente, postulado ao documento, utiliza-se a expressão chamada de ‘’gender
mainstreaming’’ - que por sua vez, trata-se da integração de perspectivas de gênero dentro das
Nações Unidas. Havendo essa perspectiva de integração de gênero, foi proposto que mulheres
fossem mais incluídas nas missões de paz28 (DRUMOND, 2022).
Enquanto isso, a autora SION 2008, argumenta que dentro das missões de paz, as
soldadas mulheres são vistas pelos soldados do sexo masculino com o objetivo de ‘’manter a
paz’’, ou seja, elas cumprem o papel de apaziguadoras, mais uma vez, entrando em conflito
com as generificados papéis sociais. Através disso, surge e domina o espaço uma forte
rejeição para que haja a participação efetiva das mesmas, um exemplo claro dado pela autora,
pode se resumir na frase da mesma ‘’se até uma mulher pode fazer isso’’ (SION, 2008), sendo
assim, o valor daquela missão de paz, passa a ser questionado e reavaliado quando a
masculinidade é colocada a prova, haja vista que aquele espaço é tido como um ambiente
masculino, já que não se trata de uma cozinha, não é mesmo?
A partir daqui, iremos retratar como se dá, quais as dificuldades e se existe de fato,
uma inserção que pode ser considerada equiparada, principalmente quando temos exemplos
de diversos outros dados que demonstram como a inserção feminina, apesar do tempo, passou
a se equiparar aos homens - o mercado de trabalho, é um exemplo disso, hoje em dia as

27
DRUMOND, Paula; REBELO, Tanya ; MENDES , Isa ; VELASCO, Ana . BPC Policy Brief:
Mapeando a agenda “Mulheres, Paz e Segurança” na América Latina: uma comparação dos Planos
Nacionais de Ação da ONU. 4. ed. Rio de Janeiro: BPC Policy Brief, 2022. 28 p. v. 12. ISBN ISSN:
2318-1818.
28
Ibidem.
74

mulheres passaram a ocupar e obter oportunidades em quase todas esferas sociais,


salvaguarda suas óbvias dificuldades e lutas diárias - já nesse âmbito, seu escopo de ocupação
contínua drasticamente limitado.
Desde a década de 90 as manutenções de paz 29 se tornaram cada vez maiores e mais
expansivas, atualmente representam cerca de maior parte das despesas das Nações Unidas, o
conceito evoluiu e tornou-se complexo e capaz de servir para diversos casos, desde
intervenções militares de um estado para o outro com o intuito de auxiliar um conflito
violento, tentando trazer assim, uma paz estável, ou como uma ampla variedade de operações
lideradas pela OTAN, conduzidas por fortes armamento, e até mesmo casos onde a guerra
instaurou-se a fim de promover paz (SION, 2008).
Apesar da dicotomia clássica trazida anteriormente entre mulher ‘’pacificadora’’,
enquanto homem ‘’guerreiro’’, existem contra argumentos que acreditam que em sociedades
onde as mulheres constituem maior parte da população, isso corrobora ao ter maiores números
e mais funções paras as mulheres na manutenção de paz, isso deriva do argumento que de que
é mais acessível paras as forças de paz do sexo feminino, designar um diálogo maior com a
sociedade civil. Além disso, a participação efetiva feminina pode ser um fator que coíbe e
reduz assédio sexual (ENLOE, 2001).
Um caso dado como exemplo por SION, foi o caso das peacekeepers na Alemanha e
na Bósnia, que serve como exemplo para elucidar essa área não muito explorada - a autora [NS37] Comentário: Exemplos de
casos a serem explorados para responder a
traz, que essas mulheres tiveram um papel reduzido dentro desses treinamentos de pergunta de pesquisa

manutenção de paz, uma vez que as mesmas não exercem funções como combatentes ou estão
em cargos altos de comando. Na maioria das vezes, sua função era ensinar os soldados como
lidar com a mídia local e internacional. Um exemplo também, eram vídeos de treinamento
advertindo os soldados sobre visitar prostitutas locais.
Perante aos documentos, a ONU comprometeu-se de alcançar o equilíbrio de 50/50,
incluindo todo tipo de posição profissionais, incluindo-as assim, em missões de paz. A
latência do assunto chamou atenção para que medidas de discriminações sexistas em seus
recrutamentos, fossem coibidas (REBELO 2013). De acordo com a ONU, no ano de 1993,
houve um aumento de 0,7% na participação feminina.
Foi relatado, por Angela King - assessora especial em questões de gênero da ONU,
que a presença feminina de mulheres militares, gera maior credibilidade às missões, além de

29
Para compreender melhor o termo Manutenção de Paz, a seguir a descrição detalhada da FUNAG
(Fundação Alexandre de Gusmão). Disponível: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-171-
operacoes_de_manutencao_da_paz_da_onu
75

servirem como modelo para as mulheres que se encontram naquela determinada situação de
conflito. Ainda se constatou que as mulheres locais, se sentem mais representadas e passam a
integrar socialmente frente a comitês e negociações, tal dado é considerado quando essa
representação é de no mínimo 30% da representação feminina atuando como militares (ONU).
Atualmente, essa meta se estabeleceu que ao menos, a participação feminina deveria atingir
19%, no entanto, os países que compõem as chamadas oficialmente como ‘’Troop-
Contributing Countries (TCCs)’’, consideradas tropas oficiais da ONU, no ano de 2022, a
meta alcançou apenas 9% do esperado30.
A exemplo de dados numéricos atuais, a seguir o infográfico oficial gerado pela
ONU.
Infográfico 1, dados referentes a dezembro de 2022.
O Infográfico oficial da ONU se refere à meta para o ano de 2022. E demonstra,
numericamente, quanto seria o ‘’ideal’’, para cada país.

Infográfico 1 - Quantidade de mulheres em missões de paz no ano de 2022 (estimado


quantitativamente pela média de 100 oficiais participando)

Fonte: Nações Unidas, 2022.

O Brasil, por exemplo, um dos casos em análise no presente trabalho, o país


demonstra um percentual de 20.97%, considerando a média entre os países representa um

30
A seguir,dados oficiais da ONU acerca da participação feminina em operações de paz. Disponível:
https://peacekeeping.un.org/sites/default/files/07_gender_statistics_57_december_2022.pdf.
76

percentual que pode ser considerado ‘’moderado’’, no entanto, a Argentina fica na média de
20.69%. Já o Chile, possui uma participação de 57,14%, atingindo o considerado ‘’top’’, 10%
de contribuição na ONU. Tais dados, são referentes considerando 1 e 250 pessoas.

Infográfico 2 - Quantidade de mulheres em missões de paz no ano de 2022 (estimado


quantitativamente pela média de 10 oficiais participando)

A estatística demonstrada parece promissora, no entanto, trata-se de um recorte onde


apenas 250 soldados são utilizados na estatística, quando partimos para o macro, utilizando
cerca de 5000 soldados para o cálculo, essa média diminuiu para 9%, sendo 10% a menos do
que o esperado para aquele ano.
O Infográfico 3 a seguir, demonstra como de fato, utilizando-se de números maiores
de soldados, a média real dos países.
77

Infográfico 3 - Quantidade de mulheres em missões de paz no ano de 2022 (estimado


quantitativamente pela média de 1000 oficiais participando)

Fonte: Nações Unidas, 2022.


Através de dados obtidos com um recorte maior em percentual de soldados, pode se
dizer que a Argentina possui a maior quantidade em percentual, o Brasil e O Chile, quando
considerado dados utilizando a média de 5000 soldados, acaba sem aparecer na lista do
Infográfico, pode se dizer que os mesmos não atingem a média percentual, ou que tais dados
não foram obtidos ou contabilizados. Importante salientar, que os dados se referem às
consideradas ‘’Especialistas Militares da ONU em Oficiais de Missão e Estado-Maior
(UNMEMs + SOs)31.
O gráfico e a tabela a seguir, demonstra a participação de homens e mulheres em
Operações de Paz, no ano de 2022, o quadro compõe a participação de Militares Especialistas
da ONU em Missões de Paz e Oficiais Staffs.

31
Disponível:
https://peacekeeping.un.org/sites/default/files/operational_effect_and_women_peacekeepers_decembe
r_2022.pdf
78

Tabela 5 - Especialistas Militares da ONU em Oficiais de Missão e Estado-Maior (UNMEMs


+ SOs)
Combined
UNMEM
País UNMEM SO and SO
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
Argentina 13 2 9 4 22 6
Brasil 14 7 35 5 49 12
Chile 3 4 0 0 3 4
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir dos dados do Un Peacekeeping gender category, 2022.

Podemos notar, a partir das ilustrações construídas, que o Brasil lidera em questão de
percentual quando se trata das operações. A Argentina ocupa o segundo lugar, enquanto o
Chile fica por último nesse quesito.

Gráfico 3 - Total entre homens e mulheres peacekeepers

Fonte: Elaborado pela própria autora a partir dos dados do Un Peacekeeping gender category, 2022

Através do Gráfico 3, podemos perceber a forte atuação da Argentina e do Brasil,


enquanto o Chile demonstra um percentual bem abaixo da média considerando a moderada
participação da Argentina e do Brasil.

Tabela 6 - Especialistas Militares da ONU em Missão e Oficiais Staffs (Possui em média 50-
99 Observadores Militares e Oficiais de Estado-Maior)
País Homem Mulher Percentual Meta atingida
Argentina 23 6 20.7% *
79

Brasil 35 6 14% *
Chile 3 4 57.1% ? *
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados Un Peacekeeping gender category, 2022.

Na tabela acima, conseguimos visualizar que os três países conseguiram atingir a


meta estimada pela ONU de possuir ao menos 9% de mulheres, em termos percentuais todos
os países excederam sua meta de contribuição. O Chile lidera em termos percentuais, no
entanto, comparado aos outros dois países, a quantidade de especialistas militares e staffs é
um número bem abaixo da média. [NS38] Comentário: Não teria relação
com o efetivo do país?
É interessante, externar as resoluções referentes à paz, segurança e mulheres, haja
vista que cada resolução obteve papel imprescindível para a construção de uma agenda
voltada para questões de gênero, que por sua vez, foram responsáveis para o avanço efetivo
em termos políticos, para além impulsionar a discussão dentro da Organização. Sabe-se que o
assunto foi de fato impulsionado e discutido recentemente - dentro e fora da ONU, no
momento, existem cerca de 16 resoluções que firmam o tema como demanda que devem ser
altamente fomentadas e institucionalizadas;
A seguir, estão dispostas cada resolução tomada acerca do tema:
1. Resolução do Conselho de Segurança 1325 (2000) Mulheres, Paz e
2. Segurança
3. Resolução do Conselho de Segurança 1820 (2008) Violência Sexual
4. Resolução do Conselho de Segurança 1888 (2009) Protegendo as mulheres e
5. meninas da violência sexual
6. Resolução 1889 (2009) do Conselho de Segurança Melhoria na
7. A participação das mulheres nos processos de paz
8. Resolução 1960 (2010) do Conselho de Segurança reitera o apelo
9. acabar com a violência sexual
10. Resolução 2106 (2013) do Conselho de Segurança Operacionalizando a atual
11. obrigações
12. Resolução 2122 (2013) do Conselho de Segurança Afirma um “sistema integrado
13. abordagem” para a paz sustentável
14. Resolução do Conselho de Segurança 2242 (2015) Estratégias e recursos
15. sobre a implementação da Agenda WPS
80

16. Resolução 2467 (2019) do Conselho de Segurança que reforça o apoio a


sobreviventes e sociedade civil
Citando Hon. Rachal Nyadak Pau, ‘’Os 35% não devem ser considerados como
privilegiados. Mas sim como algo pelo o que lutamos’’. Além disso, a própria ONU
reconhece:

Women in conflict continue to be stereotyped as ‘vulnerable victims’ despite


documented evidence of the critical role they play in peace and security. By
incorporating a gender perspective within peacekeeping missions, DPO continues to
make progress in translating the promise of Resolution 1325 into concrete action’’
32
(DPO Gender Unit report, p. 4) [NS39] Comentário: Citações
desconexas

Dando seguimento, trataremos do tema como já ressaltado, acerca das ‘’Forças


Armadas e mulheres, tendo em vista as Operações de Paz da ONU, salientando, que a mesma
advém de forma sub-representada nos contingentes militares, e também - salientando a sua
importância nessa categoria e o poder que mesmo que quantitativamente baixos, conseguem
exercer na função. Através de dados obtidos através das Nações Unidas e dos Governos dos
casos em que estamos trabalhando. É importante notar, que a questão feminina dentro das
Operações de Paz recai sob o mesmo problema acerca da sua representatividade nas Forças
Armadas, haja vista a correlação entre as Forças de Paz da ONU e as FFAA (RESENDE,
2017).
A resolução 1325, sobre Mulheres Paz e Segurança, aprovada pelo Conselho de
Segurança das Nações Unidas em 2000, trouxe pela primeira vez em um documento a
correlação entre o desenvolvimento, paz, segurança e direitos humanos, atrelados às questões
de gênero (KLOT, 2007).
Além disso, as mulheres em situações de Operações de Paz, sofrem de maneiras
distintas devido às questões de disparidade de gênero. As fragilidades do gênero feminino
foram percebidas pelo Departamento de Operações de peacekeeping da ONU, que em uma de
suas diretrizes, lançou “Integrando uma Perspectiva de Gênero ao Trabalho dos Militares das
Nações Unidas nas Operações de Paz”, que veio a ser integrada em 2010. Tal vulnerabilidade

32
‘’As mulheres em conflito continuam a ser estereotipadas como vítimas e vulneráveis, apesar das
evidências documentadas do papel crítico que desempenham na paz e na segurança. Ao incorporar
uma perspectiva de gênero nas missões de manutenção da paz, o DPO continua a progredir na
tradução da promessa da Resolução 1325 em ações concretas.’’ (DPO Gender Unit report, p. 4,
traduzido pela autora).
81

acaba sendo evidenciada quando vemos os alarmantes números de casos de estupros e


violência sexual dentro das operações.
Cabe contribuir para a questão e dar visibilidade, a participação das mulheres nos
âmbitos de peacekeeping, peacemaking e peacebuilding, que só foram possíveis através da
abordagem feminista como escopo de analise dentro das questões de paz, segurança e
resolução de conflitos - inserindo assim, as mulheres nos debates e processos de manutenção
de paz (PACHECO 2018).
Como elucidado por Cynthia Enloe (1989). se a ideia é obter um mundo mais
igualitário, onde os processos e em diversas esferas vemos mulheres sendo a passos lentos
sendo incluídas, a autora indaga - Onde estão essas mulheres? basta adotar grupos de
trabalhos e documentos sendo que as mesmas permanecem como minoria nas tropas
internacionais?
Pela história, o papel das mulheres nas forças armadas tem sido camuflado por
estereótipos de gênero, como fracas física e emocionalmente, e como seres que não pertencem
ao ambiente bélico, é necessário confrontar tais barreiras para que haja uma efetiva integração
das mulheres nesses espaços tipicamente tidos como masculinos. Essa polarização dos papéis
sexuais da guerra, implica na exclusão efetiva delas nesses espaços.
Entretanto, Carreiras 2010, elucida ‘’o número de mulheres integrantes das forças
armadas norte-americanas cresceu significativamente de 1973 a 2008, indo de 2% a
aproximadamente 20%’’. A presença feminina também recebe destaque nas seguintes forças
insurgentes: os Tigres de Liberação do Tamil Eelam, as forças de secessão no Sri Lanka, as
forças sandinistas em Nicarágua, as Forças Populares de Libertação Farabundo Martí, em El
Salvador, e a Frente da Libertação da Eritreia, durante os 30 anos de guerra de independência
contra a Etiópia. [NS40] Comentário: Fuga do tópico da
seção
Como parte da sociedade, é o direito das mulheres compor parte em todas as esferas
que configuram o mundo, sendo assim, devem ter direito de participar dos processos de
participação de paz assim como os homens. É importante sua participação na construção e
prevenção de conflitos, como militares, atuando na construção e reconstrução da paz de forma
direta no âmbito internacional e local. Sendo assim, não estando representadas nessas esferas,
e sem ter seu devido reconhecimento como protagonistas na condução de guerras, se reforça a
falta de representatividade delas nesses âmbitos, como se elas não fizessem parte ou até
mesmo não existam nessas esferas.
82

Portanto, a ausência de mulheres nos processos de paz, acaba por excluir do


conhecimento popular, a sua importância e benefícios nos processos de construção,
manutenção e reconstrução da paz (THE KVINNA TILL KVINNA FOUNDATION, 2012).
Excluí-las desses processos é como apagar a existência, experiências e até mesmo as
vivências daquelas que compõem parte desses processos (PACHECO, 2018).
Mediante a tais desafios acerca da inserção e incorporação das mulheres nos
processos de resolução, e elaboração de documentos que passaram a inserir pautas de gênero
nos processos de paz, foi de suma importância como as abordagens feministas trouxeram
essas pautas à luz. Atrelado à Resolução 1325 sobre Mulheres, Paz e Segurança, analisaremos
como se deu às questões de gênero, atreladas à paz e à segurança.
A partir dos anos 2000, com o Mulheres, Paz e Segurança (MPS), do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, a Resolução foi responsável por buscar equidade de gênero
através do reconhecimento de que mulheres podem e devem desempenhar papéis ativos na
busca pela paz, além de reforçar a falta de representatividade feminina nos contextos de
peacebuilding e peacekeeping (REZENDE, 2017).
Uma das demandas da Resolução estava: a importância da igualdade de participação
de mulheres e homens em todos os esforços de manutenção e promoção da paz e segurança; a
necessidade de aumentar o papel feminino na tomada de decisões em matéria de prevenção e
resolução de conflitos; o imperativo de expansão do papel e participação das mulheres nas
operações de campo das Nações Unidas, integrando os observadores militares, a polícia civil,
os direitos humanos e o pessoal humanitário; a necessidade de incorporar uma perspectiva de
gênero nas operações de peacekeeping e medidas especiais para proteger mulheres e meninas
de violências baseadas em gênero (S/RES/1325, 2000).
A Resolução 1325, constitui um conjunto de arcabouço teórico para medidas e
mecanismos com o intuito de promover políticas, sendo um deles os chamados Planos
Nacionais de Ação (PNA), nessa parte, iremos contextualizar sua importância e demonstrar
como atua esse importante mecanismo.
Os Planos Nacionais de Ação (PNAs), são documentos e estruturas normativas, que
definem objetivos e metas a serem operacionalizadas, de acordo com os compromissos
assumidos através da Resolução 1325. De acordo com o documento oficial da FUNAG 33, por
exemplo, adotar o Plano Nacional de Ação constitui o comprimento da agenda Mulheres, Paz

33
Plano Nacional de Ação completo: Disponível: https://funag.gov.br/loja/download/1209-Plano-
Nacional-de-Acao-sobre-Mulheres-Paz-e-Seguranca.pdf
83

e Segurança, pertinente ao Conselho de Segurança. Que por sua vez, cada país determina seu
PNAs, haja vista, que o Plano Nacional de Ação, corrobora com o fortalecimento multilateral
dentro do Sistema Internacional, sendo assim, é importante que cada país determine suas
diretrizes e elabore seu próprio PNas, nesse âmbito em específico, os planos atuam como
instrumentos normativos elaborados pelos Estados, onde define-se estratégias e objetivos com
compromissos frente a Resolução 1325.
A América Latina, constitui como uma das regiões mais sub-representadas dentre os
PNAs (DRUMOND; REBELO. 2022, p.5). Ao total, foram 98 países que adotaram planos
nacionais de ação34. Atualmente, a América Latina é uma das regiões mais sub-representadas
no tocante aos PNAs. Dentre os 98 países que adotaram planos nacionais de ação para
promover a implementação da Resolução 1325 (2000), apenas 7% estão localizados na região
(DRUMOND et al, 2022)35.
De acordo com o documento intitulado como BPC Policy Brief - Mapeando a agenda
‘’Mulheres Paz e Segurança’’, na América Latina: Uma comparação dos Planos Nacionais de
Ação da ONU, documento encabeçado pelo BRICS Policy Center/Centro de Estudos e
Pesquisas, vinculado ao Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, iremos elucidar e
trazer para a construção deste trabalho, se houve de fato a implementação do PNAs, como se
deu sua elaboração, tendo em vista a importância.
À luz de compreender quais foram as conclusões advindas da Agenda MPS, cabe
explicar no que consiste, de acordo com a ONU, um bom Plano Nacional de Ação. Em
primeiro lugar, considera-se que a participação da sociedade civil, seja ela por ações
vinculadas a ONGs, ou por meio de ativismo sem estar necessariamente vinculado a alguma
esfera de organização - é de suma importância e deve constituir a agenda de um PNA (UN
WOMEN, 2015). A composição da sociedade civil dentro do PNA, é necessária pois não
somente os atores que compõem parte de uma instituição, devem determinar e delimitar
aquilo que é necessário para determinada sociedade local. A construção de boas políticas só
ocorre quando entidades civis, que vivem aquela realidade, podem opinar, determinar e
verificar as ações que estão sendo tomadas.

34
A lista completa e atualizada dos PNAs aprovados está disponível em:
https://1325naps.peacewomen.org/.
35
DRUMOND, Paula; REBELO, Tamya ; MENDES , Isa ; VELASCO, Ana . BPC Policy Brief: Mapeando a
agenda “Mulheres, Paz e Segurança” na América Latina: uma comparação dos Planos Nacionais de Ação da
ONU. 4. ed. Rio de Janeiro: BPC Policy Brief, 2022. 28 p. v. 12. ISBN ISSN: 2318-1818.
84

Nesse aspecto, pode-se considerar que a esfera pública não foi tão inclusiva. De
acordo com a autora Alessandra de Rossi, em seu artigo intitulado ‘’A agenda Mulheres, Paz
e Segurança no Brasil: Uma análise do Plano Nacional de Ação brasileiro 36’’, a Resolução de
2000, falha ao não indicar uma delimitação orçamentária para sua atuação. Principalmente,
quando tratamos de um assunto que até então, vinha sendo colocado como secundário,
terciário e na verdade, o assunto se não fossem diversas reivindicações, nunca seria tratado,
ainda mais, quando consideramos quão recente é a Resolução. Sendo assim, quando se trata
de um assunto colocado como secundário dentro de diversas outras discussões vistas como
mais importantes, o fator onde não se delimita e constitui-se firmemente um orçamento, acaba
colocando os Estados em uma posição de que, aquele determinado assunto, não é
imprescindível a ser tratado, logo faz com que aquele compromisso assumido, seja
marginalizado.
Em segundo, embora a Resolução (2000) não indique formalmente a necessidade de
uma designação orçamentária para a atuação bem-sucedida de um Plano Nacional de Ação
sobre Mulheres, Paz e Segurança, é necessário manter em mente que qualquer iniciativa
promovida pelo Estado depende diretamente do quanto está disposto a despender em pessoal e
tempo para seu sucesso (OLIVEIRA/PEREIRA, 2017, p. 185-186). Inserir um novo assunto,
até então marginalizado, como a temática de gênero, em um Estado sem incentivos
orçamentários para sustentar o debate e instigar a conscientização da sociedade civil local
sobre o tópico diminui a capacidade de realizar os compromissos assumidos.
Essa falta de instituição orçamentária, faz com que o assunto seja lidado de forma
marginalizada, e até mesmo corrobora com a não institucionalização dos PNAs. Além disso, o
assunto deve conter composição da sociedade civil, para que haja representatividade para
além dos representantes políticos, isso se deve, como sabemos, pela falta de
representatividade política dentro dos espaços institucionais, como congresso, senado etc.
Quando o assunto não obtém a contribuições e adesão da sociedade civil,
reproduzimos e constituímos políticas que são feitas por parte da sociedade, que não vive e
não compreende as reais necessidades daquela sociedade civil. E para além disso, recaídas na
problemática central do presente trabalho, faria sentido constituir, discutir PNAs, através da
ótica masculina?

36
Artigo completo. Disponível:
https://www.encontro2021.abri.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYTox
OntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjQ3ODciO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiYWFmZTcyNDlkZmFjZGQ
5ZmU3MDM4MDU1NzllZWNmN2IiO30%3D.
85

Para dar legitimidade ao assunto, é necessário conter a existência e discussão


juntamente à sociedade civil, assim como, deveria ser a realidade de todas as discussões em
espaços políticos.
Um dos pontos a serem questionados frente aos PNAs, está na representatividade, os
aspectos que tornam os PNAs importantes para a sociedade civil, é justamente como são
discutidos e quem toma frente nessa discussão. E sabemos, que a esfera política, é uma das
esferas da sociedade que ainda reproduz falta de representatividade feminina. De acordo com
a matéria do jornal CNN Brasil, o estudo foi realizado pela União Interparlamentar,
responsável por analisar os parlamentos mundiais atualmente o Brasil ocupa a posição de
142° na lista de participação política, no ranking, dentre 192 países37.
Compreender as necessidades locais e agir frente a elas, é um dos quesitos cobrados
para a aplicação da Agenda MPS UN WOMEN em 2015. Como supracitado, a representação
feminina e ocupação dos espaços sociais tidos como masculinos, reverbera na construção da
paz, desenvolvimento, e prevenção de conflitos, tais fatos são reconhecidos pelo próprio
Conselho de Segurança.
De acordo com, uma das autoras do Policy Brief, o Chile até o ano de 2015, era o
único país da América Latina que havia adotado seu PNA. Em seguida, após 15 anos desde a
Resolução 1325, houve um movimento maior na região, que fez com que a Argentina, em
2015, adotasse seu próprio PNA, e o Brasil adotou seu PNA somente no ano de 2017
(DRUMOND, 2022, p. 6)38.
A participação do Chile na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), foi um dos pilares precursores para que o país fosse pioneiro em
elaborar seu PNA (SCHWETHER, 2020)39. O contexto político no qual estava o país,
facilitou que a decisão fosse almejada e que o país se tornasse pioneiro - mesmo assim, ainda
existem percalços no caminho.
Os Planos Nacionais de Ação (PNAs), servem como arcabouço normativo, elaborado
por cada país, com o intuito de delimitar estratégias de operacionalização daqueles
compromissos firmados perante a Resolução. No atual momento, a América Latina é uma

37
Matéria completa. Disponível: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-e-142-na-lista-
internacional-que-aponta-participacao-de-mulheres-na-politica/.
38
Ibidem.
39
SCHWETHER, Natália Diniz. A política de defesa brasileira e a questão de gênero: entre presenças
e ausências. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 2020.
86

região onde dentre os 98 países que adotaram os planos, somente 7% estão localizados na
região (DRUMOND, 2022).
Quando se trata de PNAs, na região da América Latina, e principalmente, quando
tratamos dos países estudados no presente trabalho, vemos um cenário muito específico, onde
pode-se considerar, países onde há ‘’paz’’, no entanto, paz não significa ausência de conflitos
internos regionais. Frente a isso, podemos considerar que são países que não estão em guerra.
No entanto, a região não enfrenta a falta de conflitos, a violência armada, organizações
criminosas, milícias, tráfico, cartéis, entre outros, constituem parte dessa considerada pacífica
região.
Durante o período da aprovação da Resolução 1325, o contexto histórico era de
redemocratização, os países da região acabavam de passar por períodos de ditaduras militares.
O momento político que estava instaurado era delicado e passava por diversas mudanças. Foi
assim também, instaurado marcos constitucionais importantes, por exemplo, diversas
reformas nesse contexto, sendo um deles o setor da Defesa, que passou a incluir e ampliar o
acesso feminino à carreira militar (GIANNINI; FOLLY; LIMA, 2017).
Neste momento, após trazer uma breve introdução acerca da importância do PNAs,
iremos dar seguimento falando um pouco como se dá, qual foi os processos de elaboração,
medidas adotadas e quais foram as estratégias adotadas por Argentina, Brasil, Chile, além
disso, iremos brevemente comparar suas diferenças ou até mesmo semelhanças.
De acordo com Paula Drummond et al, os casos Brasil, Chile e Argentina, que por
sua vez, estão historicamente envolvidos em manutenções de paz da ONU, desde o ano de
1940, estimou-se uma crescente quando se trata da representação feminina, na questão do
acesso à carreira militar, esse fato chamou atenção e culminou na necessidade de realinhar os
procedimentos internos dentro do Conselho de Segurança, uma vez que as demandas haviam
se reconfigurado.
O Chile, por exemplo, se tornou um país importante quando se tratava da
incorporação de perspectivas de gênero, o país foi responsável por trazer a discussão para suas
relações bilaterais, bem como trouxe a discussão para mecanismos multilaterais, incluindo o
Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) -
UNASUL, que atualmente deixou de existir (DRUMOND, 2022, p. 8)
Ainda no Chile, as discussões de gênero começam a ser fomentadas já no início dos
anos 2000, com a nomeação de Michelle Bachelet, comandando a Defesa, e além disso, foi o
marco introdutório para a criação de um plano onde as mulheres pudessem também, integrar
87

as forças armadas (MARCHETTI, 2017). O mandato de Bachelet foi fundamental para seu
destaque como pioneiro na região, após esse período Bachelet comandou como Subsecretária
Geral e Diretora Executiva da ONU Mulheres.
Enquanto isso, a Argentina obteve um papel ativo na aprovação da Resolução 1325,
mesmo como membro não permanente no Conselho de Segurança, no ano de 2008,
promulgou um plano de ação na área de Defesa, onde elaborava estratégias para a
implementação do MPS, sendo uma dessas ações a plena integração feminina nas forças
armadas.
Ademais, tendo a consolidação de seu PNA em 2015, se destacou ao elaborar uma
série de documentos e iniciativas com o intuito de institucionalizar igualdade de gênero no
que tange segurança internacional e paz. Cabe ressaltar, que o PNA Argentino foi o único que
contou com a adição de mais de um ministério, com intuito de formalizar políticas no
contexto doméstico. O plano argentino também aborda questões relativas inserção feminina
no mercado de trabalho formal, bem como programas de prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, além do combate à utilização de violência sexual como crime de guerra. O
país destacou-se ao abrir formalmente e liberar totalmente a participação feminina. No caso
argentino, pode-se dizer que a participação civil foi muito fomentada, no plano ‘’Importancia
de la participación e inclusión de la sociedad civil y la academia.’’40, (GOVERNO
ARGENTINA, 2022), existem diversas citações onde é reforçado e estimulado que exista a
participação da sociedade civil.
Com o intuito de demonstrar como sua atuação de fato é tratada junto a sociedade
civil, cabe um pequeno trecho retirado do Plano Nacional de Ação, compreendida na seção
onde é discutido a metodologia de ação e o processo de ação que será tomado:

[...] Nesse processo aberto, inclusivo e transparente, também participaram


representantes da sociedade civil e do setor acadêmico convidados a fazer
comentários, sugestões e propostas para a elaboração do Segundo Plano de Ação
Nacional e a participar do Segundo Diálogo Interministerial. (Decreto 658/2022,
GOVERNO ARGENTINO, 2022, traduzido pela autora).41

40
‘’Importância da participação e inclusão da sociedade civil e da academia.’’ (Traduzido pela autora)
41
Para ter acesso ao decreto completo, enfatiza-se que o decreto utilizado se trata do segundo Plano de
Ação. DCTO-2022-658-APN-PTE - Segundo Plan Nacional de Acción de la República Argentina para
la Implementación de la Resolución N° 1325/2000 del Consejo de Seguridad de las Naciones Unidas
y Subsiguientes. Disponível: https://www.argentina.gob.ar/normativa/nacional/decreto-658-2022-
372043/texto
88

Por fim, o caso brasileiro, se deparava com um contexto de crise política e


econômica. O processo ocorreu através do Comitê Nacional para a Implementação da
Resolução 1325, formou-se um grupo de trabalho, em 2014, em conjunto ao país de El
Salvador. O comitê foi liderado pelo Instituto Salvadorenho para o Desenvolvimento da
Mulher (ISDEMU), à frente do Ministério das Relações Exteriores. O comitê concentrou-se
em formular, organizar, fiscalizar e executar políticas públicas, com o intuito de promover a
equidade das mulheres, incluindo também, a elaboração da Política Nacional da Mulher.
Outros atores também fizeram parte do Comitê de Implementação, todos com o compromisso
de executar o PNA (DRUMOND, et al, 2022).
Na Argentina, o PNA, lançado em 2015, consolidou em um documento uma série de
iniciativas que distintos órgãos já vinham implementando individualmente em prol da
igualdade de gênero no âmbito da paz e da segurança internacional. Além disso, o PNA
argentino é o único na região que conta com a participação de diversos ministérios dedicados
à formulação de políticas de cunho doméstico, como o Ministério do Trabalho, o Ministério
da Saúde e o Ministério da Educação. Por consequência, o Plano argentino chega a abordar
questões relacionadas à inserção de mulheres no mercado de trabalho formal, à importância
de programas educativos para prevenção de conflitos e medidas voltadas à prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis e ao combate de violência sexual em situações de
conflitos.
Quando comparado à Argentina e ao Chile, o PNA brasileiro foi importante para
disseminar a agenda, no entanto, o contexto político nacional brasileiro doméstico estava atrás
quando comparado aos dois casos42.
Outrossim, os Planos Nacionais de Ação, compõe inequívoco prestígio quando
avaliamos sua atuação no sentido macro de estratégias, alocação/ou não de recursos,
execução, tendo em vista seu marco legal e suas atribuições para os países, principalmente
quando vemos o caso do Argentina, Chile e Brasil, onde concebe-se direitos como inserção
das mulheres nas forças armadas em um período, esse direito e discussões acerca da mesma,
não passavam por pautas de diversos países considerados, ‘’desenvolvidos’’, como no caso
dos Estados Unidos, que foi o último país a adotar um plano nacional de ação. Países
considerados como da periferia do mundo43. De acordo com a autora Carreiras (2004) “os

42
Os Planos Nacionais de Ação podem ser visualizados a seguir:
http://1325naps.peacewomen.org/index.php/nap-overview/.
43
Cabe elucidar, a preferência por utilizar o termo periferia. Para aprofundar acerca do termo:
https://iberoamericasocial.com/immanuel-wallerstein-e-o-sistema-mundo-uma-teoria-ainda-atual/.
89

países mais integracionistas são aqueles onde predomina o serviço militar voluntário”
(CARREIRAS, 2004, p. 85).
Os planos do Chile restringem o aumento da participação de mulheres em operações
de paz. De acordo com Drumond, os PNAs da América Latina, não mencionam a integração
feminina militar junto às forças nacionais. Seguem assim, os desafios para as mulheres
militares.
Os planos chileno e mexicano se restringem ao aumento a participação de mulheres
em operações de paz, não mencionando a questão da carreira militar para a mulher de modo
mais amplo. É interessante notar que os PNAs latino-americanos ignoram que as mulheres
militares precisam estar, primeiramente, integradas às forças nacionais para que se consiga
alcançar esse objetivo. Assim, os desafios para o envolvimento das mulheres nas instituições
militares e policiais não podem ser isolados daqueles relacionados ao aumento da sua
presença nas missões de paz da ONU (DRUMOND; REBELO, 2018).
Nesse sentido, a elaboração de um Plano Nacional de Ação (PNA) seria uma
oportunidade para o estabelecimento de ações estratégicas, a identificação de prioridades,
alocação de recursos e prazos de execução (FRITZ, 2010; ESCOBAR, 2011). A terceira
condição propõe a crescente profissionalização das forças armadas, processo que estaria
embasado, entre outros, na abertura de postos para as mulheres nas carreiras militares e no fim
da conscrição obrigatória, e que contribuiria a uma maior igualdade de gênero na instituição
militar. De acordo com um levantamento realizado por Carreiras (2004) “os países mais
integracionistas são aqueles onde predomina o serviço militar voluntário” (CARREIRAS,
2004, p. 85). Diante dessas três hipóteses, identificadas na literatura, um estudo comparativo
dos casos revelou que: não há entre elas uma condição necessária, tampouco uma expressão
lógica suficiente capaz de explicar a presença ou a ausência de políticas de gênero na defesa.
Destarte, a decisão metodológica mais recomendada para dar continuidade ao estudo é a
inclusão de uma quarta condição, a partir de estudos históricos aprofundados de cada um dos
casos para melhor compreensão do fenômeno (PEREZ-LIÑÁN, 2010). [NS41] Comentário: referência

Cabe também, compreender como a Organização das Nações Unidas, apesar dos
esforços com o intuito de equiparar a visível disparidade de gênero dentro das missões de paz,
ainda perpetua uma hierarquia de gênero. De acordo com a autora Cynthia Enloe, a divisão
sexual e perpetuação dessa estrutura de poder ainda vigora na instituição.
A autora, reflete acerca da instituição na seguinte passagem:
90

It is not men-on-top that makes something patriarchal. It’s men who are recognized
and claim a certain form of masculinity,for the sake of being more valued, more
“serious”, and “the protector of/and controllers of those people who are less
masculine” that makes any organization,any community, any society patriarchal 44
(ENLOE et al, 2003, p. 2)

Apesar da Resolução 1325 ser um marco importante para equidade de gênero dentro
da ONU, não podemos deixar de reconhecer que existe uma estrutura hierárquica que
prevalece na nossa sociedade. Os obstáculos vivenciados, seguem existindo enquanto o
patriarcado e a divisão sexual entre homens (dominador), e mulheres (dominada), permaneça.
Mesmo que a resolução seja relevante, não podemos deixar de considerar suas falhas. A
Resolução, por sua vez, ainda não é absorvida totalmente pelos membros das delegações e
pelos militares. A autora Ann Tickner, traz na seguinte passagem, sua contribuição acerca do
assunto ‘’em um contexto de sociedade dominada por homens, a associação de homens com a
guerra e mulheres com a paz também reforça as hierarquias de gênero e falsas dicotomias que
contribuem para a desvalorização tanto das mulheres quanto da paz... confiaram em imagens
maternas podem ter tido algum sucesso, mas não fazem nada para mudar as relações de
gênero existentes; isso permite que os homens permaneçam no controle e continuem a
dominar a agenda da política mundial’’.

44
Carol Cohn and Cynthia Enloe, ‘A Conversation with Cynthia Enloe: Feminist Look atMasculinity
and the Men Who Wage War’,SIGNS, Vol.28, 2003, pp.1190–2.
91

5 CONCLUSÃO

A primeira seção do trabalho buscou introduzir a partir da abordagem conhecida


como “gender mainstream”, para que o leitor pudesse compreender teoricamente sob qual
perspectiva teórica buscou-se ancorar as bases do presente trabalho. Compreendeu-se que
como consequência da reconfiguração do Sistema Internacional, houve o desafio teórico para
os tradicionais estudos de segurança, trazendo ao debate o feminismo.
Conforme Costa (2009), a emergência desta nova temática surge em meados dos
anos 1980, momento em que novas concepções sobre segurança internacional entram no
campo de estudos. Criamos e delimitamos o arcabouço teórico de onde partiu toda concepção
e construção dos seguintes assuntos que seriam tratados no trabalho. Ao buscar por
pensamentos e pensadoras que teorizaram os estudos de segurança sob a perspectiva de
gênero, construímos e delimitamos quais conceitos, pressupostos, problemáticas discutira-se
aqui. Com a contribuição de autoras como Sjoberg e Tickner, clássicas e precursoras que
construíram parte das Teorias Contemporâneas de Segurança Internacional - as quais
reivindicam e impulsionam o papel das mulheres dentro dos estudos de segurança.
Confirmou-se que a inserção feminina em hierarquias de poder ainda é dada de
forma a coexistir com estereótipos de gênero, reverberando ainda diversas problemáticas no
âmbito militar e da defesa. Também buscou-se elucidar a estrutura social tipicamente marcada
pela exclusão social e divisão sexual do trabalho, onde verificamos que de fato, na esfera
militar perpetua-se ainda a exclusão feminina nesses espaços.
Após isso, buscamos compreender como se constitui o papel feminino nas forças
armadas no caso da Argentina, Brasil e Chile, partindo do pressuposto que a instituição
militar é tradicionalmente um lugar onde a predominância é masculina. Ao avaliar cada caso
especificamente, pode-se notar que o caso do Brasil por exemplo, a entrada feminina no corpo
de atuação das forças armadas, ainda é considerada como moderada, os dados apontam uma
crescente considerando desde os primeiros anos de inserção feminina, no entanto, ainda existe
muito a percorrer para que seja possível considerar a entrada em termos estatísticos como
pareada. Já no que tange a atuação do Brasil em Operações de Paz, verificamos que sua
atuação em percentual de 20.97%.
Já no caso da Argentina, o país se mostrou mais aberto em termos históricos e
houveram avanços significativos durante o passar dos anos. Houveram aberturas e tentativas
92

de incluir as mulheres de maneira mais forte quando comparado ao caso do Brasil. No ano de
2010, cerca de 9.335 mulheres integraram as Forças Armadas na Argentina, os avanços no
caso da Argentina podem ser considerados mais efetivos que no caso brasileiro. Quanto à sua
atuação em Operações de Paz, a Argentina possui um percentual de 20.69%. Em termos
comparativos na questão da atuação em Operações de Paz, o Brasil e a Argentina possuem
percentuais parecidos.
Enquanto no caso do Chile, efetivamente foi o país que obteve esforços para a
inserção feminina historicamente, verificamos que suas tentativas de inserção feminina se
deram há muito mais tempo, comparado entre os três países, o Chile liderou o caminho ao
criar o Exército Escola do Serviço Militar Feminino, em 1974. No que tange a inserção
feminina nas Operações de Paz, o país possui um percentual de 57,14%, sendo o país que
lidera em termos de inserção feminina em OPs.
No que tange a inserção feminina nas Operações de Paz, os três países obtiveram
esforços para impulsionar a participação feminina em OPs através da constituição de seus
respectivos Planos Nacionais de Ação, de fato demonstraram entusiasmo e esforços para
efetivar uma menor disparidade de gênero nesse âmbito.
Cabe ressaltar a importância como marco legal a Quarta Conferência Internacional
da Mulher, que fundamentou e deu base a diversos acordos políticos que foram alcançados até
o presente momento. Subsequente da conferência vieram os chamados Planos Nacionais de
Ação, como forma de cada Estado estabelecer metas a fim de coibir a disparidade de gênero,
pode se dizer que os planos na teoria são de suma importância, mas que na prática sua atuação
não é tão forte e resolutiva quanto poderia ser.
O tópico Missões de Paz e a participação de mulheres, elucida as tentativas e
esforços adjacentes da necessidade de uma maior inserção feminina nas OPs, trouxe à luz
perspectivas de gênero como assunto é latente e deve ser discutido dentro da ONU, onde
comprovadamente, a inserção feminina em OPs é capaz de coibir e más condutas, bem como
salienta a importância da participação feminina em todas as esferas sociais. Além de
confirmar que mulheres atuando como peacekeepers, atingem parâmetros como: cativar a
comunidade local para construção da paz pós conflito, compreender questões tangentes à
feminilidade, comprovadamente serem melhores conciliadoras e negociadoras, causar maior
segurança em termos de representatividade e por fim, mais mulheres no meio de atuação
corroborou na diminuição de assédios e perpetuação de crimes de guerra que estão atrelados
às hierarquias de gênero. [NS42] Comentário: Aqui está a
resposta da pergunta.
93

Ocupar e compor parte de todas as esferas sociais é a luta histórica feminina, é


evidente que diversos avanços históricos ocorreram, e por sua vez, hoje as mulheres
conseguem ocupar e participar de diversas esferas sociais onde, até pouco tempo, também
eram lugares onde a mulher não deveria ocupar; o voto feminino, por exemplo, o fato de que
no Brasil só houve até hoje uma única presidenta mulher. Historicamente, a mulher tenta a
passos lentos ocupar e existir como indivíduo, ainda assim, a reprodução de estereótipos de
gênero existem devido à sociedade patriarcal na qual vivemos.
O ambiente militar e bélico ainda perpetua estereótipos de gênero hierárquicos e
patriarcais, através dos dados, percebemos que a presença feminina constitui-se de forma
muito baixa em termos percentuais, e quando ocupam tais espaços, ainda assim, se dá através
de papéis que são parte de uma construção social. Apesar dos esforços válidos e a
consolidação de uma maior inserção feminina neste aspecto em termos quantitativos, não se
pode negar os desafios enfrentados pelas mulheres que se inserem nesses contextos que ainda
perpetuam relações e opressões de gênero.
No que diz respeito a marcos legais como construção de um PNA e a Resolução
1325, ambos atuaram como forma de institucionalizar o assunto e trazê-lo para além das
discussões acadêmicas tornaram o assunto para termos políticos, havendo essa perspectiva de
integração de gênero, foi proposto que mulheres fossem mais incluídas em missões de paz.
Por fim, ainda existem muitos desafios a serem enfrentados, não apenas no que diz
respeito às estatísticas, o ambiente ainda se constitui reproduzindo diversos estereótipos de
gênero, que por sua vez faz com que a esfera militar/bélica, não seja o ambiente adequado
para as mulheres, é necessário considerar uma reforma no que tange às Forças Armadas e as
Operações de Paz, para que além de uma maior equidade em termos percentuais, esse
ambiente deixe de reproduzir opressões de gênero.
94

REFERÊNCIAS [NS43] Comentário: Ajustar. Suprimir


referencias das notas de rodapé.

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