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CENTRO SOCIOECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Florianópolis
2023
Gabrielle Bonatto Linhares
Florianópolis
2023
Gabrielle Bonatto Linhares
Certifico que esta é a versão original e final do Trabalho de Conclusão de Curso que
foi julgado adequado para obtenção do título de Bacharel em [Economia / Relações
Internacionais] por mim e pelos demais membros da banca examinadora.
____________________________
Prof.(a) [xxxx], Dr.(a)
Orientador(a)
Agradeço primeiramente, aos meus pais, que desde nova me fizeram admirar a
pedagogia, os estudos, instigaram minha curiosidade pelo aprendizado. Agradeço por ter tido
a oportunidade de estudar em uma das melhores universidades do mundo, aos professores que
acreditam naquilo que fazem, e transmitiram valores e seus conhecimentos. Lecionar e
escolher essa profissão todo o dia, é uma forma de luta, sabe-se que todo o dia, em diversos
momentos tentam cada vez mais desvalorizar essa enriquecedora e fundamental profissão.
Foram tantos espaços, como: Centro Acadêmico, Encontro Regional de Relações
Internacionais, Model of United Nations UFSC, Siem, grupos de estudos, tenho um carinho
imenso pelos grupos que me fizeram e me incentivam a pesquisar, como o GESED e
GEPPIC, faltam dedos para contar a quantidade de experiência extracurricular que vivi.
Foram anos intensos, entrei uma adolescente e saí com uma tremenda dor nas costas e aprendi
a beber cerveja (talvez esse um dos maiores ensinamentos). Um ambiente onde me senti livre
sem preconceitos e pude me descobrir, agradeço aos meus veteranos e amigos, Henrique,
Davi, vejo a trajetória de vocês e sinto uma leveza imensa, vocês foram pessoas incrivelmente
acolhedoras, respeitosas e cuidadosas, daquela menina adolescente que recém entrava na
faculdade, hoje, verdadeiros amigos. Tenho um sentimento de amor e paixão pelas primeiras
pessoas que conheci na faculdade, que foram meus primeiros amigos, até hoje ocupam esse
posto na minha vida. Amo vocês, Arthur, Letícia, Belle, Sagaz, Duda, Leo, Viva Marcela.
Também, agradeço aos meus fiéis escudeiros, Arthur, Carol, Isis, Danuza, Luiza e Larissa.
Por fim, essa trajetória não teria sido tão boa sem vocês ao meu lado.
‘’No teatro da memória, as mulheres são uma leve sombra.’’(PERROT, Michele,
2005, p.33).
RESUMO
Keywords: Women; Armed forces; Peace Operations; Military staff; International Security;
Gender.
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 15
1.1 OBJETIVOS...................................................................................................... 18
2 CAPÍTULO 1 ................................................................................................... 20
2.1 ABORDAGENS DE GÊNERO NO CAMPO DE ESTUDOS DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS ............................................................................................................ 20
3 CAPÍTULO 2 ................................................................................................... 46
3.1 INCORPORAÇÃO DAS MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS E SUA
INSERÇÃO NA CARREIRA MILITAR DA ARGENTINA, BRASIL E CHILE ................ 46
3.1.1 Características da inserção das mulheres nas forças armadas nos casos
Argentina, Brasil e Chile ................................................................................................... 53
4 CAPÍTULO 3 ................................................................................................... 70
4.1 MISSÕES DE PAZ COM PARTICIPAÇÕES DE MULHERES/CORRELAÇÃO
ENTRE DIMINUIÇÃO DE CASOS DE VIOLÊNCIAS DE GÊNERO OU ATRIBUIÇÃO
DE MAIOR PAZ/MELHORES NEGOCIAÇÕES NA GUERRA ........................................ 70
5 CONCLUSÃO.................................................................................................. 91
REFERÊNCIAS............................................................................................... 94
15
1 INTRODUÇÃO
por sua vez, colocando em perspectiva as Operações de Paz. O estudo espera contribuir com a
compreensão do porquê o âmbito militar ainda é omissivo e apresenta uma representatividade
mínima de mulheres nas forças, questionando quais são os aspectos que precisam ser [NS8] Comentário: Mais perguntas
avaliados para que se obtenha a incorporação feminina de forma satisfatória. [NS9] Comentário: mais
A temática da mulher militar dos países em análise ainda mostra-se como algo novo
e carente de mudanças efetivas nas Forças Armadas. Mesmo sendo possível identificar que
existem políticas oficiais que incentivem a integração do corpo feminino nos três casos
analisados, sendo eles a Argentina, Brasil e Chile, também é perceptível que existe certa
inconsistência prática quando falamos do assunto em termos de aplicabilidade real.
O primeiro capítulo tem como objetivo trazer uma breve contextualização dos
estudos de gênero dentro do campo de estudos de relações internacionais, compreendendo
assim qual contribuição essa perspectiva traz para o trabalho como um todo, uma vez que as
questões de gênero formulam um lugar importante no cenário de segurança internacional - [NS10] Comentário: Será mesmo?
refletir
haja vista, seu histórico apagamento dentro da teoria, além disso, outro marco importante está
a implementação da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU.
Em seguida, trazemos uma breve explicação da definição de Segurança
Internacional, no qual se ancora teoricamente o trabalho, com uma revisão teórica breve da
conceituação atual de Segurança Internacional. Ainda no que tange a Segurança Internacional,
trazemos o clássico estudo sob a perspectiva de gênero para ancorar a pesquisa, o contexto se
dá no período Pós-Guerra Fria, onde novas perspectivas são inseridas e integradas ao estudo,
onde enquadram-se novos escopos de análise para a agenda global (COSTA, 2009, p. 205).
Tendo como finalidade contribuir para a perspectiva gender mainstream onde se
ancora o trabalho, trazemos uma breve conceituação da contribuição feminista no seu
arcabouço teórico, onde elucidamos a construção teórica e seu desenvolvimento, a fim de
compreender o ‘’gênero’’, como uma categoria de análise.
Como parte da construção argumentativa e de hipótese deste trabalho, traremos
também, com o propósito de contribuir teoricamente a hipótese levantada no trabalho, uma
breve elucidação do termo Operações de Paz, tendo em vista que o mesmo constitui parte
importante da contribuição do trabalho, nele veremos como se constitui tais Operações se
estabelecem teoricamente - como se dá constituição atual das operações de paz, a partir do
fim da Guerra Fria, no tocante do entendimento de que as Operações de Paz, tornaram-se
18
Nas seções abaixo estão descritos o objetivo geral e os objetivos específicos deste
TCC.
19
2 CAPÍTULO 1
Em questões de guerra e paz, as feministas perguntaram por que as guerras têm sido
predominantemente combatidas por homens e como as estruturas de gênero, masculinidade e
feminilidade legitimaram a guerra e o militarismo tanto para mulheres, como para homens;
também investigaram a problemática associação especializada das mulheres com a paz,
associação que, muitos acreditam, enfraquece tanto as mulheres quanto a paz (Sylvester 1987;
Tickner 2001: 59). O cerne maior da preocupação das feministas no campo de estudos das [NS12] Comentário: padronizar
Relações Internacionais, é o porquê, em quase todas as sociedades, as mulheres são [NS13] Comentário: Vão além
1
No original: ‘’International politics is a man’s world, a world of power and conflict in which warfare is
privileged activity’’
22
portanto cabe estruturar críticas a tais presunções, que novamente, demonstra como esse
campo é dominado por estruturas de gênero.
Preceitos, como ‘’Estado e Paz’’, se estruturam através da reprodução daquilo que
existe por natureza na sociedade. A forma com que se discute o Estado, advém de normas
masculinas, como se os homens cumprissem o papel do Estado, responsáveis pela
belicosidade, enquanto a mulher se torna responsável por resguardar a paz.2
Cabe salientar, de acordo com Scott (1986), que conflitos, mesmo que a nível local,
são comumente associados ao sexo masculino, sendo o ele o sujeito escolhido para ação e
representatividade, já as mulheres, acabam majoritariamente como vítimas de guerra. Isso
decorre, de acordo com a autora, pois as mulheres passaram por processos de marginalização
em assuntos à nível político, de resolução de conflitos e processos diplomáticos, sendo em sua
maioria, alvos de violações Direitos Humanos e abusos, além de veiculadas como armas de
guerra.
Tendo em vista as dinâmicas colocadas, o presente capítulo buscará refletir sobre as
dinâmicas de gênero dentro do campo de estudo das relações internacionais, tendo como
objetivo também, a integração das perspectivas de gênero nos contingentes militares no
âmbito das Operações de Manutenção da Paz. Para que, ao fim, compreenda-se a importância
do papel feminino na construção da paz em situações de guerra e conflitos, assim como, a
inserção feminina e o papel das mulheres nas forças armadas e eixo militar, tendo em vista os
estudos de segurança internacional, bem como de que forma, medidas que visam equidade de
gênero são responsáveis pela efetiva redução de estereótipos de gênero dentre as relações
sociais dentre a estrutura militar dentro de missões de paz.
2
Cockburn (2013), traz em seu texto o seguinte apontamento, “Women are sometimes hailed as more
‘peaceable’ than men, and indeed opinion polls do often find women to be less supportive of war policies.
23
tensão entre Estados, podendo trazer custos muito grandes a ambos: perdas econômicas,
instabilidade política interna e até a guerra.
Sabendo que cada Estado depende somente de si para existir, não existe certeza sobre
a ação dos outros atores no SI, sendo assim, o conflito e a iminente ausência de paz, remonta
um ambiente de incertezas e tensões. Assim, torna-se claro a ideia de que os conflitos e as
tensões são inerentes ao sistema, já que o uso da força é um meio tangível para a obtenção dos
objetivos dos atores. Em suma, a projeção das incertezas dos atores, gera consequências para
o ambiente coletivo, ou seja, toda ação individual de um ator tem uma causa sistêmica.
Para Waltz (2010, p. 125) o princípio ordenador anárquico e descentralizado
estabelece a lógica egoísta segundo a qual os Estados se relacionam. Isso involuntariamente
cria externalidades que, projetadas no âmbito do conjunto, engendram uma estrutura que
constrange os comportamentos, encoraja outros, e seleciona/privilegia os atores que se
ajustam mais às práticas que favorecem o sistema.
A escolha por armamentos em detrimento de alianças torna-se justificável aos
Estados pelos seguintes aspectos: a confiança de ter armas e forças próprias, a alta
dependência que uma aliança pode estabelecer, o risco de uma mudança de visão e postura do
Estado aliado perante a aliança no futuro e o principal fato de a anarquia internacional
incentivar em muitos casos a não cooperação. Tendo baixos riscos ou ganhos garantidos a
uma defecção por parte do Estado, a cooperação passa a se tornar inviável, mesmo sendo
reconhecida pelos Estados como a melhor solução em muitos casos para determinado
problema.
A falta de uma soberania internacional não apenas permite que as guerras ocorram,
mas também dificulta que os Estados que estão satisfeitos com o status quo cheguem
a objetivos que eles reconhecem como sendo de interesse comum. Como não há
instituições ou autoridades que possam fazer e fazer cumprir as leis internacionais,
as políticas de cooperação trarão recompensas mútuas se outros cooperarem podem
trazer desastre se não o fizerem (JERVIS, 1978, p.167).
gênero devem e são importantes como categorias de análise. Para tal, haverá uma breve
contextualização dos estudos de segurança, tendo como objetivo compreender onde a
categoria gênero se incorpora no campo como lente Ademais, é importante entender como se
insere a contribuição dos estudos de gênero dentro do campo de estudos de segurança. Em
seguida será possível discutir onde se insere a inclusão de mulheres dentro das Operações de
Paz da ONU, compreendendo assim, os avanços e lutas a serem vencidas quando se trata das
generificadas disparidades dentro das atividades militares.
A autora (SJOBERG, 2014), traz uma passagem acerca da construção cultural que
propõe o gênero feminino/masculino, onde tais caracterizações, não advém naturalmente
através da concepção ou diferenças biológicas, mas que sim o gênero, é socialmente
construído. A denominação ‘’gênero’’ (usualmente não acuradas), trata-se da constituição e
atribuição sociológica e construção social empregada ao determinado sexo, feminino ou
masculino, diferente da designação ‘’sexo’’, que constitui a divisão biológica entre homens e
mulheres - não exclui-se o fato de que existem claras e objetivas diferenciações biológicas
entre os sexos, cabe também, elucidar que elas existem, no entanto, não deveriam ser
determinantes e causadoras e divisões hierárquicas de poder - como se constitui na sociedade
atual. O termo sexo, constitui a dimensão biofisiológica entre homens e mulheres (JAYME,
MARIA e SAU, 1996).
Feminino e Masculino, são características atribuídas socialmente, impondo uma
divisão de classe social, nesse caso a predominante é a do sexo masculino, onde institui-se
uma categoria de poder vigente intitulada patriarcado 3. De acordo com (WEBER, 1947), o
patriarcado é um sistema governado por homens dentro da sociedade, Weber foi responsável
por desenvolver o conceito onde o elemento de dominação das mulheres, é feita pelos
homens, juntamente as teorias feministas foi designado por feministas, com a dualidade de
sistemas onde a teoria do patriarcado veio junto ao capitalismo (WALBY, 1989).
Com o Pós-Guerra Fria, outras questões para além do Estado, se inseriram no escopo
de análise, parte das mudanças ocorridas neste período, está o objeto de estudo, o próprio
conceito de segurança, que deixa de ser apenas analisada por uma perspectiva positivista e
passa por uma maior análise e discussão do conceito. Nessa nova ordem instaurada no
3
Para compreender sociologicamente o termo patriarcado, sugere-se a seguinte leitura. Disponível: Walby, S.
(1989). Theorising Patriarchy. Sociology, 23(2), 213–234.
28
contexto Pós-Guerra Fria, foi possível enquadrar novos itens na agenda política global
(COSTA, 2009, p. 205).
Sendo assim, a segurança passou a tratar outros aspectos além da clássica esfera
militar, diversas mudanças ocorreram acerca do conceito central de segurança, Buzan, relatou
que era necessário levar em consideração uma maior subjetividade do conceito de segurança.
A inserção da abordagem feminista dentro do campo de estudos das Relações
Internacionais, foi responsável por fornecer um aparato teórico mais integrado dentro das
ciências humanas. De acordo com Costa (2009), o feminismo se insere nas questões de
segurança, logo no início dos anos 80, onde surgem novas concepções e conceitos acerca da
clássica Segurança Internacional, devido a diminuição das clássicas concepções de conflitos, e
a emergência de novas formas de ameaças.
As contribuições da perspectiva feminista no campo de estudo de Segurança, se
estabelecem através de análises e reformulações dos conteúdos tradicionais dos estudos de
segurança, ao explorar e entender os papéis desempenhados pelas mulheres e relações de
gênero em combate e à nível de resolução de conflitos.
Ao analisar tal configuração, compreendeu-se os preconceitos de gênero nos
conceitos básicos de Segurança, como: Estado, violência, guerra, paz, e até mesmo, a própria
segurança, exigindo assim, sua redefinição à luz da perspectiva de gênero. Os estudos
feministas, obtiveram esforços ao elucidar questões acerca dos papéis das mulheres e do
gênero nos conflitos e nas resoluções de conflitos. Foi perceptível, como esse arcabouço
teórico advinha de uma linguagem baseada nas estruturas de gênero, a exemplo disso, estão:
aspectos acerca da militarização, estratégia nuclear e manutenção de paz, dentre outros. Além
de trazer à luz críticas aos tradicionais conceitos, também foi possível obter novos
conhecimentos empíricos acerca de violências sexuais na guerra e participação feminina em
conflitos armados (SJOBERG, 2010; TICKNER, 2006).
Sjoberg (2010), traz à luz em um trecho:
Dentro RI, ignorar gênero significa não reconhecer as maneiras pelas quais os
principais atores são definidos e diferenciados por sua relação com as normas de
masculinidade e feminilidade. Líderes, estados, organizações internacionais – todos
eles agem em acordo com as normas de gênero, embora de maneiras diferentes em
momentos diferentes’’ (SJOBERG, 2010, p. 39) (tradução nossa).
A autora Sjoberg (2010), também aponta a seguinte passagem: ''em nenhum lugar o
silêncio em relação ao gênero é mais ensurdecedor do que no campo da Segurança
29
4
Tradução livre da autora. No original: ‘’Nowhere is the silence toward gender more deafening than in the field
of International Security. The study of war, anarchy, alliances—all observably gendered processes—stands to
benefit the most from the recognition that the key actors do not act without, or outside of, gender. Yet, the field
has been slow to incorporate the study of gender, even though almost twenty years have passed since Ann
Tickner criticized its dominant paradigm for projecting the “values associated with hegemonic masculinity” onto
the international behavior of states. Within realism, she argued, the state has been conceptualized through an
historical worldview that privileges the experiences of men’’ (Sjoberg 2010: 39).
30
como casus belli)5. Ademais, a autora Laura Sjoberg juntamente a Caron Gentry, apresentam
em seu livro, Mothers, Monsters, Whores: Women´se Violence in Global Politics, o
contraponto a equação, elas trazem à luz a questão transcultural usual de que mulheres são
seres não-violentos. Sjoberg e Gentry, demonstram que as mulheres podem se envolver sim
em atividades consideradas violentas no campo das Relações Internacionais, para as autoras,
isso não faz das mulheres heroinas da ação - o ponto, é desestigmatizar as categorias na qual
são classicamente colocadas, e quebrar o paradigma de que são submissas, silenciosas.
Assim coloca, Laura Sjoberg na seguinte passagem em seu livro
No que tange às análises sobre segurança, a corrente feminista buscou tratar como
fundamental a questão militar, as dimensões dessa violência estrutural com a mesma
intensidade, bem como os aspectos econômicos - para além disso, questões como a
remuneração salarial, direitos trabalhistas, violência doméstica, estupor, subordinação de
gênero, foram consideradas e tratas para a corrente feminista (TICKER, SJOBERG, 2013).
Ademais, no ambiente militar, as mulheres também se mantiveram marginalizadas, o
argumento central para isso, seria de fraqueza e vulnerabilidade, de acordo com Cockburn
(2010), essa configuração se caracteriza como divisão sexual da guerra, que por sua vez,
determina papéis, e restringe a mulher nos mecanismos de agência de conflito.
Por fim, a construção da paz e prevenção de crimes associados ao gênero, serão
trabalhados na presente monografia sob a perspectiva de gênero, tendo como base os
trabalhos mencionados acima, que conjuntamente, buscarão analisar a hipótese e responder à
pergunta de pesquisa proposta. A fim de contribuir com a construção teórica onde o presente
trabalho é fundamentado, seguiremos com o tópico que discute de forma breve a construção
teórica feminista.
Cabe elucidar, que mesmo que gênero seja uma ferramenta de análise, é importante
entender como ele se constrói dentro de cada caso citado dentro desse trabalho, haja vista que
5
Tradução livre da autora. No original: ‘’First, gender can be a constitutive category which defines (and is
defined by) international actors’ understandings of their security as well as those left out of security analyses.
International security practice often relies on the invisibility of women (both as labor and as a casus belli)’’
(SJOBERG 2010, p. 5).
31
guerra/paz, forte/fraco, doméstico/internacional que por sua vez, são associados e dicotômicos
referentes à homem/mulher. Definir o gênero como marco pontual para análise, é importante
haja vista as desigualdades que são intrínsecas a essa dinâmica de poder (TICKNER, 1992).
A autora Sjoberg (2010), adiciona ao debate o seguinte apontamento:
Muitas vezes, as qualidades das normas de gênero são estruturadas como pares
dicotômicos. Como significantes de identidade, eles estabelecem hierarquia entre os
atores sobre os quais eles são descritos. Eles incluem, entre outras coisas:
racionalidade/irracionalidade, civilizado/bárbaro, autônomo/dependente,
ativo/passivo e poderoso/fracos – todos mapeados no par significante denominado
de masculino/feminino. O exame de dicotomias de gênero como essas tem sido útil
em explicar como as identidades relacionais desiguais têm sido mantidas e como
eles privilegiaram alguns atores e marginalizam outros. No entanto, há limites para
esse tipo de análise. Ao visualizar identidades de gênero relacionais em termos
dicotômicos, corre-se o risco de negligenciar a variação que existe dentro dessas
categorias’’ (SJOBERG, 2010, p. 49) (tradução nossa).
Nas palavras de Judith Hicks Stiehm, em “The Protected, the Protector, the
Defender’’ - ‘’Uma exposição da lógica de gênero acerca do papel masculino de protetor na
relação com mulheres e crianças traz à luz o significado e a eficácia apelo de um estado de
segurança que faz guerra no exterior e espera obediência e fidelidade em casa. Nessa lógica
patriarcal, o papel do masculino protetor coloca aqueles protegidos, paradigmaticamente,
mulheres e crianças, em uma posição subordinada de dependência e obediência. Na medida
em que cidadãos de um estado democrático permitem que seus líderes adotem uma postura de
protetores em relação a eles, esses cidadãos passam a ocupar um status como o das mulheres
no lar patriarcal. Devemos aceitar um poder estatal mais autoritário e paternalista, que recebe
seu apoio em parte da unidade que uma ameaça produz e nossa gratidão pela proteção’’.
À vista disso, a representação de mulheres na guerra e forças armadas constituem
parte importante, em decorrência da conexão entre guerra e masculinidade na composição do
Estado moderno. Mesmo assim, algumas autoras, como Helena Carreiras (2010, p. 427),
sustentam que essas instituições são marcadas justamente por generificação, o que implica na
não integração plena do acesso feminino a esses espaços.
Tendo isso em mente, a autora Enloe (2014), também busca por apontar onde
encontram-se as mulheres de uma base militar, como elas conseguiram chegar ali, quem se
beneficia por elas estarem nesses espaços, e o mais importante, o que cada mulher
pensa/pensaria sobre estar próxima ou até mesmo dentro de uma base militar (ENLOE, 2014).
34
Para a corrente feminista materialistas - que também podem ser denominadas como,
radicais, marxistas entre outras - consideram como mecanismo hierarquizador o patriarcado, e
por sua vez, discutem a síntese entre capitalismo e classe. Haja vista, que os homens possuem
poder sobre as mulheres no âmbito econômico. Existe aqui, uma clara designação sexual do
trabalho, onde as mulheres são responsáveis pelo lar, enquanto os homens se apropriam da
força de trabalho (TICKNER, 2013). À luz do exposto, os homens acabam sendo incluídos
em atividades remuneradas, enquanto as mulheres são responsáveis pela esfera do lar, sendo
assim, executando atividades não econômicas.
É no começo do século XIX, que surge o feminismo de primeira onda, onde surgem
assim as reivindicações do feminismo liberal, suas reivindicações vinham do pressuposto em
que as mulheres não poderiam ocupar espaços de poder, sendo assim, pontuaram as
desigualdades de gênero, sua teorização acaba por não se aprofundar sobre o real cerne dessa
desigualdade, e por fim visavam apenas pela inserção social feminina nos espaços.
Nesse momento, existe a crescente ideia do pensamento liberal, onde é inserida a
divisão sexual do trabalho, onde o papel de provedor do lar, estava com o homem, e a dona de
casa com a mulher, tal aspecto, foi definidor para estereótipos de masculinidade e
feminilidade (SJOBERG, TICKNER, 2013). O trabalho do feminismo liberal chama atenção
para a posição subordinada das mulheres na política global e argumenta que a opressão de
gênero pode ser remediada pela inclusão das mulheres nas estruturas da política global.
À luz das perspectivas feministas, Sjoberg (2010), elucida as correntes teóricas
existentes
‘’O trabalho feminista da perspectiva realista está interessado no papel do gênero em
estratégia e política de poder entre estados. O feminismo crítico explora as manifestações
materiais de identidade de gênero e poder de gênero no mundo político. O feminismo
construtivista se concentra nas maneiras pelas quais as ideias sobre gênero moldam e são
moldadas pela política global. O pós-estruturalismo feminista se concentra em como as
manifestações linguísticas e do significado de gênero, particularmente fortes/fracas,
dicotomias racional/emocional e público/privado servem para empoderar o masculino,
marginalizar o feminino e constituir a política global. As feministas, concentram-se nas
maneiras pelas quais as relações coloniais de dominação e subordinação estabelecidas sob o
imperialismo se refletem nas relações de gênero, e até relações entre feministas, na política
global e no trabalho acadêmicos feminismo, ou “ecofeminismo”, identifica conexões entre o
35
tratamento de mulheres e minorias, por um lado, e o ambiente não humano, por outro outros.’’
(SJOBERG, 2010, p. 3 traduções nossa).’’
Até que se insere o feminismo negro, trazendo ao debate que se dividia entre
marxistas e liberais, aquilo que por elas ainda não estava em debate - o debate não pode só ser
dividido entre classe e sexo, onde se insere a categoria racial nessa análise? A partir disso,
começa a discussão entre diferenças dentro da própria categoria mulheres (DA CONCEIÇÃO,
2009).
Como o presente trabalho pretende avaliar como estudo de caso Brasil, Argentina e
Chile, a seguinte seção irá trazer à luz como se deu a construção do feminismo na América
Latina, a fim de contribuir com a construção do presente trabalho.
A fim de compreender os espaços críticos transnacionais e como se deu a formulação
política na região da América Latina, irei remontar o cenário e inserção do movimento
feminista Latino-Americano, sua importância se dá, haja vista que os países analisados nessa
monografia estão inseridos no contexto Latino-Americano. Esse tópico cabe ser ressaltado, já
que em diversos momentos, as conferências ligadas à ONU, deixam passar elos transnacionais
alternativos, que acaba afetando por sua vez, movimentos de cunho local e nacional
(ALVAREZ, 2003).
Tal perspectiva é importante, ao analisar os processos feministas intrarregionais e ao
compreender sua inserção teórica e política na região, especialmente, trazendo a construção
teórica e política nos casos da Argentina, Brasil e Chile.
No que tange às narrativas Argentinas, foi a partir dos anos 70 quando houve uma
maior movimentação e criação de associações feministas, sendo uma delas, proveniente da
Declaração do Ano Internacional das Mulheres das Nações Unidas; a Frente de Lucha por la
Mujer (FLM), dentre outros. Com a ditadura, novos movimentos passaram a surgir, muitas
dessas feministas estiveram envolvidas com movimentos de luta armada (PEDRO et al.,
2010).
Já no Brasil, o feminismo surgiu durante a ditadura militar, e esteve intrinsecamente
envolvido com grupos de esquerda. Em sua maioria, as mulheres participavam de grupos de
resistência. Um fator importante que distingue o feminismo brasileiros dos demais no Cone
Sul, é a formação de mulheres no exterior no período da ditadura, formaram-se diversos
grupos de exílio (PEDRO et al., 2010).
36
gênero são, em suma, necessários, no entanto, insuficientes para lidar com a escassez de
mulheres uniformizadas em missões.
Cabe ressaltar, que a participação qualitativa e quantitativa; as mulheres podem
desempenhar qualquer função para a qual foram treinadas, desde que sejam compatíveis com
sua posição e experiência. À exemplo disso, está o Fundo de Iniciativa Elise da ONU
Mulheres, que oferece um prêmio para as T/PCCs (troops- and police-contributing countries),
para consideradas ‘’unidades fortes em termos de gênero’’. Essa premiação está disponível no
meio de batalhões militares nas FPUs (Formed police units), que além de incluir mulheres que
atuam em todas as funções, acabam por exceder ao menos cinco por cento das metas
quantitativas estabelecidas pela ONU.
De acordo com a ONU, tais considerações garantem que todos os membros recebam
treinamentos equiparados e que os considerados T/PCCs, tenham de fato, subsidiado
equipamentos adequados e materiais, que garantem a paridade das condições impostas, seja
para homens, como para mulheres em forças de paz.
Assim como em todas as esferas sociais, a maior representatividade feminina em
cargos comumente associados ao sexo masculino, como no exemplo, da esfera das forças de
operações de paz, forças armadas e exercito etc., corrobora com a maior participação das
mulheres.
A adição de militares femininos na questão das Operações de Paz transpassa pelas
mesmas dificuldades vivenciadas pelas mulheres nas Forças Armadas, por diversas razões, [NS16] Comentário: Para haver mais
mulheres nas ops é primeiro necessário
sendo uma delas a repetição e perpetuação de estereótipos de gênero e sua ligação entre as haver mais mulheres nas ffaa dos países.
8
A versão original da Resolução 1325 do Conselho de Segurança. Disponível em: <http://daccess-
ods.un.org/access.nsf/Get?Open&DS=S/RES/1325(2000)&Lang=E>. Acesso em 29 de set. 2022.
42
conflitos armados entre homens e mulheres, com base na resolução 1325, foi estabelecido a
maior inclusão de mulheres nas missões de paz, visando a integração de gênero.
Seu marco desde sua promulgação demonstra sua relevância e seu papel dentro do
ativismo de organizações da sociedade civil. O Working Group on Women, Peace and
Security, foi uma das organizações responsáveis pela elaboração e aprovação da resolução
1325.
Em seu Preâmbulo, a resolução 1325, elucida a necessidade de ‘’Reafirmar o papel
importante das mulheres na prevenção e resolução de conflitos e na construção da paz’’
(CSNU, 2000), impondo assim, como uma responsabilidade aos Estados-membros,
institucionalizar as demandas apontadas no documento (REBELO, T.R, 2012).
Nos trechos a seguir, vemos as ideias propostas pela resolução:
‘’Tendo em mente os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas Nações e a
responsabilidade primária do Conselho de Segurança sob a Carta para a manutenção da paz e
da segurança internacional (ONU, 2000b, preâmbulo, p.3)9;
Expressando preocupação de que os civis, especialmente mulheres e crianças, para
que prestem contas para a grande maioria das pessoas afetadas por conflitos armados,
inclusive refugiados e deslocados internos, e cada vez mais são alvo de combatentes e
elementos armados, e reconhecendo o consequente impacto que isso tem na paz duradoura e
reconciliação (ONU, 2000b, preâmbulo, p.4)10;
Reafirmando o importante papel das mulheres na prevenção e resolução de conflitos
e na construção da paz, e enfatizando a importância de sua igualdade participação e
envolvimento pleno em todos os esforços para a manutenção e promoção de paz e segurança,
e a necessidade de aumentar seu papel na tomada de decisões com em matéria de prevenção e
resolução de conflitos (ONU, 2000b, preâmbulo, p.5)11;
Reafirmando também a necessidade de implementar medidas humanitárias e leis de
direitos humanos que protejam os direitos de mulheres e meninas durante e após conflitos.
(ONU, 2000b, preâmbulo, p.6)12’’.
Uma das normativas propostas pela Resolução 1325, é a inclusão de perspectivas de
gênero nos treinamentos dos soldados da ONU, essa recomendação está intrinsecamente
9
Tradução livre da autora.
10
Tradução livre da autora.
11
Tradução livre da autora.
12
Tradução livre da autora.
43
Como parte latente para contribuição do presente trabalho, cabe trazer à luz os
conceitos que serão abordados no presente trabalho, haja vista que compõem parte importante
para a compreensão do tema.
Desde a multiplicação dos conflitos e a gerência das Nações Unidas como
mecanismo multilateral pacificador, agências multilaterais, missões internacionais entre
outros, o campo de estudos de Relações Internacionais acolheu uma extensa literatura acerca
do tema pacificação, manutenção da paz e construção da paz.
Tais termos, de maneira geral, buscam por explicar basicamente como se conflui o
processo de acabar com conflitos por meio pacíficos, a manutenção da paz, se situa no envio
de tropas armadas, a fim de impedir a retomada de violência em larga escala após um acordo
de paz, enquanto a construção da paz, se institui através de ações para o fortalecimento da paz
pós conflito (AUTESSERRE, 2017).
Os estudos de paz, por sua vez, constituem a área de pesquisa acadêmica que impõe
o compromisso explícito da não-violência e a instituição pacífica das relações sociais, à nível
local, nacional, internacional e regional. Para os clássicos estudiosos da área, os estudos de
paz não são apenas um ideal utópico, mas sim, um estado contingente que eventualmente
pode ser buscado no entre guerras, nesse sentido, os estudos de paz busca por acumular
esforços teóricos a fim de abastecer conceitos, teorias, análises empíricas, bem como
métodos, que quando em conjunto, fornecem causas relevantes para a compreensão dos
conflitos e condições de paz (OLIVEIRA, 2017).
De acordo com Galtung a paz, não pode ser definida meramente pela ausência de
violência explícita - ainda que sim, esse seja um fator indicativo da mesma. Os termos
peacekeeping, peacemaking e peacebuilding, são advindos das operações de paz das
Organizações das Nações Unidas (ONU), no entanto, tais conceitos não estão previstos
propriamente dito dentro da Carta das Nações Unidas. O termo peacekeeping (manutenção de
paz), se tornou notório no ano de 1956, quando o Secretário de Assuntos Externos do governo
45
canadense, Lester Pearson, definiu tais princípios básicos que foram responsáveis por guiar a
atuação das Forças de Emergência das Nações Unidas (UNEF I), portanto, o termo
peacekeeping tornou-se conhecido pelas práticas de intervenção realizadas sob o mandato da
ONU durante a Guerra Fria.
Em um pequeno trecho Galtung, ressalta sobre o termo ‘’paz’’
Talvez ‘paz’ seja como ‘felicidade’, ‘justiça’, ‘saúde’ entre outros ideais humanos,
algo que toda pessoa e cultura pretende desejar e venerar, mas que poucos ou
nenhum alcançam, pelo menos em uma base duradoura. Por que a paz, a justiça e a
felicidade são tão desejáveis, mas também tão intangíveis e enganosas? Mas talvez a
paz seja diferente da felicidade, pois parece exigir harmonia social e emancipação
política, enquanto a felicidade parece, pelo menos na cultura ocidental, ser em
grande parte uma questão individual (WEBEL, GALTUNG, 2007).
Faz-se assim, extremamente necessário uma maior participação feminina para que
exista uma efetiva redução de tais padrões onde a reprodução de aspectos e ações machistas se
perpetuem.
A autora Dharmapuri (2011), ainda reforça que mulheres apresentam taxas inferiores
quando se trata de denúncias acerca de ações inapropriadas, bem como abuso de poder,
assédio moral e físico, uso indevido de armamento e também são consideradas menos
autoritárias em suas relações.
Um dos países pioneiros a criar uma estrutura permanente e estável nas forças
armadas para as mulheres, foi o México no ano de 1938, criando a Escola Militar de
Enfermeiras (MARTÍNEZ, 2009).
Cabe ressaltar, que existe o debate acerca da contribuição feminina na indústria
bélica, algumas feministas argumentam que não é válido inserir mulheres em contextos
armados. Questiona-se e permeiam-se debates acerca da necessidade de incluir mulheres em
contextos de violência bélica.
Determinado debate, também é válido, no entanto, sabe-se que o Sistema
Internacional opera de acordo com o interesse do status quo, onde estabelece um contexto
onde a guerra determina quem domina esse espaço, vive-se em constante estado de guerra,
mesmo em momentos onde considera-se pacífico o Sistema Internacional.
O trecho a seguir, demonstra um pouco a percepção que se tem quando falamos de
mulheres em contextos bélicos. O seguinte trecho, quebra um pouco do paradigma empregado
com relação às mulheres e o claro estereótipo de pacifismo comumente associado.
recente, de acordo com o autor Goldstein (2001), em seu texto ‘’War and Gender: How
Gender Shapes the War System and Vice Versa’’.
A título de informação, foram em média cerca de 20 países que efetivaram medidas
para inserir mulheres no ambiente militar, de acordo com Cooper e Matthews, 2016, mesmo
que a tendência tenha começado há cerca de 40 anos, o progresso permanece lento, já que o
regimento tradicional é extremamente resistente contra a inserção de mulheres no ethos
militar. O ethos militar, designa a forma com que os militares se relacionam, seria como sua
forma, tradições e culturas enraizadas dentro desse contexto onde cria-se uma comunidade, o
conceito pode ser comparado ao conceito ‘’habitus’’, de (BOURDIEU, 2007)13.
A noção de ethos militar relaciona-se ao “modo de ser” dos militares e às suas
tradições culturais. Está relacionado a uma “maneira militar de agir”, que compreende a
aplicação de técnicas, a fim de se conseguir objetivos específicos. Esse conceito de ethos se
aproxima, também, do conceito de habitus (BOURDIEU, 2007),
Desde o princípio, as forças armadas estiveram correlacionadas a figura masculina,
reproduzindo assim aquilo que comumente vemos na nossa sociedade patriarcal. Dessa
maneira, as mulheres sempre estarão sob um olhar de subordinação dentro dessa instituição.
A autora Tickner (1992), reforça esse argumento ao trazer que toda a crença que obtivemos
até hoje nas relações internacionais, gira em torno do aspecto militar. E tais espaços, por sua
vez, não se adequaram a inserção feminina na sociedade, uma vez que o campo perdura
dominado pelo sexo masculino.
Entretanto, as políticas mundiais e os avanços feministas abdicam de uma mudança e
processo democratizador desse espaço, com a expansão da discussão acerca da equidade de
gênero, transformações políticas e sociais, existe a necessidade de abdicar desse espaço assim
como em outras esferas da sociedade o feminismo foi capaz de alcançar. Segundo D’Araújo
(2003), a figura feminina já abdica da vida em prol de suas carreiras, a dinâmica social que
era vigente e dependente de um ser masculino, já não se encaixa mais, a mulher já conquistou
mais liberdade a ponto de reivindicar essa realização.
Cabe salientar, que por se tratar de uma construção social, cada cultura tem suas
especificidades, sendo assim, nem todas as culturas irão atribuir esse mesmo método de
reprodução e valores. No entanto, atualmente essa é a lógica que impera nos casos que serão
13
Para compreender mais a fundo o conceito elaborado por Bourdieu, recomenda-se o artigo. Disponível:
Janowski, Daniele Andrea. "A teoria de Pierre Bourdieu: Habitus, campo social e capital cultural." VIII Jornadas
de Sociología de la UNLP 3 al 5 de diciembre de 2014 Ensenada, Argentina. Universidad Nacional de La Plata.
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Departamento de Sociología, 2014.
49
analisados posteriormente, mesmo que passado por mudanças e evoluções, podemos concluir
que a sociedade segue em grande dificuldade ao mover-se em direção a uma maior igualdade
de gênero. O quadro a seguir remonta como são postos e vistos os estereótipos sociais atuais,
esse binômio e dicotomia segue sendo perdurado, o que por sua vez reforça uma dinâmica de
Divisão Sexual do Trabalho.
No caso do Brasil, no ano de 1979, durante a sua transição democrática, foi proposto
um novo projeto para que houvesse o ingresso voluntário das mulheres nas escolas militares
de nível superior, nesse momento, a resposta em vista disso foi negativa, haja vista a estrutura
corporal feminina e considerando a função social das mulheres na época, sendo elas,
incompatíveis com as exigências das Forças Armadas (Almeida 2008).
O processo de feminização das Forças Armadas brasileiras teve por início a
incorporação de seus efetivos através da Marinha brasileira, em 1980, adjunto da criação do
Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha, no entanto, sua real integração apenas
ocorreu no final da década de 1990, quando houve a incorporação das primeiras mulheres
militares na estrutura oficial dos Corpos e Quadros da Marinha. Com o ingresso da primeira
turma feminina na Academia da Força Aérea, em 1996, e no Instituto Militar de Engenharia
do Exército, em 1997 (SCHWETHER; PAGLIARI, 2018).
A onda de democratização que ocorreu na região na década de 80, frente também ao
surgimento de movimentos sociais que buscavam pela reivindicação de direitos iguais, assim
como a aprovação de importantes acordos internacionais em favor das mulheres, resultou na
melhora da incorporação das mulheres como oficiais comissionados em toda região
(RESDAL 2010).
A seguir, apresentam-se dados acerca do marco institucional da inserção das
mulheres nas carreiras militares. Já no serviço militar a tabela abaixo demonstra como foi sua
inserção.
51
Atualmente, as mulheres representam cerca de 4% das forças militares brasileiras, [NS24] Comentário: Br?
Tabela 2 - Ano de ingresso da mulher na carreira militar (corpo de comando) (2010) [NS25] Comentário: Lapso temporal
muito grande
Forças
País Armadas Marinha Força Aérea
Chile 1995 1998 2000
Brasil -- -- 1992
Argentina 1997 2002 2001
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do RESDAL (Latin American Security and
Defense Network), 2010.
*No Brasil, a época de abertura das escolas militares em cada uma das forças é considerada o ano de
ingresso
3.1.1Características da inserção das mulheres nas forças armadas nos casos Argentina,
Brasil e Chile [NS27] Comentário: Não encontrei as
características
14
Para ver o projeto completo do RESDAL. Disponível: https://www.resdal.org/Gender---wps.html.
54
De acordo com Goldstein (2001), mesmo que sua integração tenha sido reivindicada
através da luta pela equidade, até mesmo servir como apoio à logística dentro das Forças, este
é um fenômeno categoricamente recente
posição de combate no Brasil foi Maria Quitéria de Jesus, no ano de 1823, sendo considerada
a primeira mulher a estar em posição de combate em uma unidade militar.
Porém, é somente durante a Segunda Guerra Mundial (1943), que as mulheres
puderam oficialmente compor parte do Exército Brasileiro (EXÉRCITO BRASILEIRO,
2017).
De acordo com o Plano Nacional de Ação sobre Mulheres Paz e Segurança, no
quesito Forças Armadas, como previamente elucidado, apenas na década de 1990, as
mulheres passaram a integrar as academias militares, e desde então as mesmas, vêm se
destacando profissionalmente em todas as atividades nas quais foram designadas.
No ano de 1992, o Exército brasileiro incluiu as mulheres na Escola de
Administração do Exército, fazendo com que assim, fosse integrado um maior Quadro
Complementar de Oficiais (QCO), contribuindo assim, para a fortificação da Força.
Mesmo assim, encontramos para além da disparidade numérica de sua inserção,
exclusões centrais no segmento militar devido a clara distinção e generificação da categoria,
mesmo que hoje as mesmas consigam já apesar do longo processo, ocupar tais espaços (de
certa forma ainda em percentuais menores do que o desejado), as mesmas, são excluídas de
diversas funções. Em especial, quando se trata de posições que garantem maiores prestígios e
possibilidades de ascensão, ainda são os homens que dominam tais espaços nesse segmento, a
possível causa disso se dá em como a cultura e ideologia, foram impostas a partir de preceitos
e concepções sociais que refletem a realidade da maioria das discrepâncias de gênero que
vemos na nossa sociedade (Carreiras 2010).
O Exército brasileiro foi a última das três forças a delimitar e definir suas antigas
estruturas, apenas no ano de 2012, por meio da imposição política dada pela ex presidenta
Dilma Rousseff, que aprovava a Lei 12.70515 - que permitia a entrada das mulheres no Corpo
de comando, através do artigo 7°16, que previa o ingresso na linha militar bélica de ensino,
permitindo também candidatos do sexo feminino.
Em diversos segmentos, como eventos de instituições governamentais, organizações
da sociedade civil e especialistas da academia, passaram a trazer o debate para campo em
torno da necessidade da elaboração de um plano de ação para o Brasil, acerca da agenda de
15
Para visualizar a Lei 12.705 completa. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12705.htm.
16
Texto original do Art. 7°: ‘’Art. 7° O ingresso na linha militar bélica de ensino permitido a candidatos do sexo
feminino deverá ser viabilizado em até 5 (cinco) anos a contar da data de publicação desta Lei.’’
56
‘’Mulheres, Paz e Segurança no Brasil’’ - constitui-se assim, a melhora e trabalho árduo para
superar tais de desafios. Organizado pelo Instituto Igarapé com o apoio do Ministério das
Relações Exteriores e do Instituto Pandiá Calógeras e da ONU-Mulheres - o workshop sobre a
‘’Proteção de Mulheres em Operações de Paz’’, em novembro de 2014.
Diversos eventos que congregam instituições governamentais, organizações da
sociedade civil e especialistas da academia contribuíram para amadurecer o debate em torno
da conveniência de elaboração de um plano de ação do Brasil sobre a agenda de MPS, tais
como o seminário “Mulheres, Paz e Segurança no Brasil – Construindo pontes e superando
desafios” (Brasília, 13 de março de 2014), organizado pelo Instituto Igarapé com apoio do
Ministério das Relações Exteriores, do Instituto Pandiá Calógeras e da ONU-
Mulheres; o workshop sobre “Proteção de Mulheres em Operações de Paz” (Itaipava, 24 a 28
de novembro de 2014), promovido pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
(CCOPAB), juntamente ao Ministério da Defesa, em decorrência a Resolução 1325 do
Conselho de Segurança das Nações Unidas (PNA 2017).
Pela primeira vez, equidade de gênero em ações relacionadas à paz e segurança,
vieram a tona, o que gerou por meio do reconhecimento de que mulheres podem e devem
desempenhar papel efetivo na busca pela paz - foi introduzido assim, perspectivas de gênero
no tratamento de conflitos armados, na prevenção de violência e consolidação da paz, ao
perceber que conflitos armados implicam de forma diferenciada na vida de mulheres e
meninas (BRASIL, 2017b, p. 23).
Em sequência, serão apresentados dados numéricos acerca dos efetivos nas Forças
Armadas, sem discriminá-los por força, tais dados elucidam a discrepância entre homens e
mulheres efetivos nas Forças Armadas.
57
Gráfico 1 - Evolução dos efetivos mulheres entre 2001-2014. [NS29] Comentário: Explicar o
grafico. Inserção de novas mulheres? 2007
não tem registro?
Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos pela Secretaria de Coordenação e Organização
Institucional do Ministério da Defesa, 2014.
Gráfico 2 - Percentual de mulheres nas Forças Armadas ao longo dos anos 2001-2014.
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados obtidos pela Secretaria de Coordenação e
Organização Institucional do Ministério da Defesa, 2014.
58
https://www.calameo.com/exercito-
brasileiro/read/00123820626dd46b27229
Quadro 2 - Posto máximo alcançado por mulheres no Corpo de Comando (2016).
[NS31] Comentário: até o momento a
patente máxima atingida por uma mulher na
Segun Brigad Tenen Aeronáutica foi a de Coronel: são oito
coronéis todas pertencentes ao quadro de
do eiro te saúde (2018)
Candi Tenent Primeiro Tenente Corone Gener General Gener Marechal
País dato e tenente Capitão Major Coronel l al Major al Força Aérea
Brasil X
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do A Comparative Atlas o f Defence in Latin
America and Caribbean, 2016.
Uma das razões que podem explicar uma maior inserção feminina na Marinha do que
no Exército, é o fato de que o Serviço Militar no Brasil só é obrigatório para homens, e por
sua vez, existe o maior incentivo para que os mesmos se insiram na carreira. De acordo com o [NS34] Comentário: Não entendi.
obrigatório independente do braço
Ministério da Defesa, desde 2003, o serviço militar obrigatório é destinado a todos os
cidadãos do sexo masculino entre 18 e 45 anos. Aos 17, os cidadãos do sexo masculino
17
Compreende-se que dentro da instituição militar existam dois grandes corpos: o Corpo Profissional, composto
pelos servidores militares com profissão adquirida no âmbito civil, e que são incorporados pelas Forças Armadas
para realizar serviços de apoio; e o Corpo Comando, composto por aqueles que seguem a carreira militar
tradicional, formados diretamente nas academias militares para exercer tarefas específicas relacionadas ao
combate e ao comando.
59
podem se apresentar para o serviço de forma voluntária. Enquanto as mulheres estão isentas
do serviço militar em tempos de paz - no entanto, elas podem se apresentar para o serviço
voluntário. Existe ainda um regime especial para candidatos que possuam licenciaturas e pós-
graduados, nas faculdades de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária.
O plano nacional brasileiro, por sua vez, quando trata-se de Operações de Paz, não
contempla cenários de crise ou conflitos que ocorrem dentro do país. Acaba sendo mais
voltado, fundamentalmente para as operações de paz e trabalhos de cunho diplomático. Têm-
se como exceção as linhas de atuação referentes aos asilos ou questões referentes à refúgio.
Quanto à promoção da participação das mulheres em cargos públicos, há uma forte limitação
quanto às instituições diplomáticas, militares e policiais, que estão associadas ao trabalho
diplomático e operações consideradas extraterritoriais. Acaba ocorrendo a exclusão de
medidas específicas destinadas a prevenir a violência dentro do território nacional
Dentre os objetivos estão, aumentar a participação efetiva das mulheres na segurança
internacional, como em cargos de lideranças em atividades relacionadas à paz e segurança
internacional, especialmente quando trata-se de situações de conflito e pós-conflito quando
latentes ao território nacional
Pretende-se ampliar e melhorar a contribuição do Brasil na luta contra a violência de
gênero e fortalecer a proteção dos direitos para todas as mulheres e meninas em situação de
pré-conflito, conflito e pós-conflito.
Também, fortalecer a perspectiva de gênero no desenvolvimento e implementação
das operações de consolidação da paz, bem como cooperação humanitária quando apoiadas
pelo Brasil.
Por fim, cabe ressaltar que dentre as três forças, a aeronáutica é a única força que
contempla de fato o acesso total e tradicional dentro da carreira militar, mesmo havendo suas
especificidades, é a única que pode oferecer patente máxima de oficial general para mulheres, [NS35] Comentário: posto máximo da
Aeronáutica (Tenente-Brigadeiro do Ar)
sendo esse um cargo considerado alto e de prestígio. O ambiente militar, por mais que venha a
se reestruturar e inserir estatisticamente as mulheres, ainda é um ambiente que não deixa suas
características clássicas e cria um ambiente inclusive para as mulheres - esse é um dos fatores,
que faz com que as mulheres deixem de procurar pela carreira militar.
60
sistema de cotas que limitava a proporção feminina em 15% de todos que ingressaram. No
entanto, a Marinha no ano de 2009, cancelou seu sistema de cotas e aumentou o percentual de
mulheres alistadas em 40% entre todos suboficiais.
Foi através da perspectiva dos direitos humanos que as autoridades civis do
ministério revogaram as regras que coibiram os direitos das mulheres de compor a esfera
militar, através de legislações nacionais e internacionais (FREDERIC, 2015).
A fim de desenvolver propostas para melhorar as condições de acesso, permanência e
progressão na carreira militar, visando desobstruir e promover ações que assegurem real
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres de acordo com os resultados do
Observatório sobre a Integração da Mulher nas Forças Armadas. (Resolução do Ministro da
Defesa 247/07) (FREDERIC, 2015).
Gradualmente as perspectivas acerca dos direitos humanos ascenderam nos anos
2000, como resultado disso, novos temas foram adicionados à agenda do Conselho, como por
exemplo: denúncias acerca de questões de gênero, foram classificadas como discriminação.
Com o avanço do movimento feminista e um conjunto de transformações no mundo,
que houve o aumento da demanda por mulheres nos serviços militares tipicamente vistos
como masculinos18.
Foi no ano de 2006, através do Decreto Presidencial, que houve de fato um avanço
significativo nesta questão, através de diversas Resoluções Ministeriais, que foi
institucionalizado e formalizado a integração das mulheres nas Forças Armadas na Argentina.
No ano de 2007, também foi criado o Conselho de Políticas de Gênero para a Defesa, que
reivindicou que militares grávidas e/ou lactantes em atividade de combate fossem colocadas
em risco e diversas restrições foram retiradas (Argentina 2010).
No ano de 2010, de acordo com o Informe sobre a integração das mulheres nas
Forças Armadas, do Ministério da Defesa, cerca de 9.335 mulheres integram as Forças
Armadas, bem como integram os Institutos de Formação Militar, representando 11,56% do
total de efetivos das Forças Armadas. De acordo com os dados encontrados, nesse mesmo
período as mulheres compõem 6,55% do total de Oficiais e 7,52% do total de Sargentos.
18
Segal, M. W. “Women’s military roles cross-nationally: past, present, and future”, Gender and Society,
9(6):757-775.
62
Argenti
na X
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do Comparative Atlas o f Defence in Latin
America and Caribbean, 2016.
não somente agentes de segurança, mas também toda parte referente a administração pública,
o sistema de administração da justiça e os processos formais e informais. À nível nacional, o
Plano não inclui linhas de ação contra violência sexual (OEA, 2022).
Dentre os objetivos do Plano, está: aumentar a presença e participação das mulheres
em missões de paz e assistência humanitária nos órgãos de decisão (OEA, 2022).
Além disso, aumentar efetivamente a participação política das mulheres nas áreas de
paz e segurança, bem como nas negociações de paz e gestão de conflitos, nos círculos de
tomada de decisão em cada uma dessas áreas.
Incluir uma perspectiva de gênero em todas as atividades de consolidação da paz e
missões de assistência humanitária, incluindo atividades de desarmamento, desmobilização e
integração.
Ao proteger os direitos humanos de mulheres e meninas em países de situação de
conflito e pós-conflito (inclui campos para refugiados deslocados), especialmente frente às
questões de gênero, violência e violência sexual, com o intuito de promover bem-estar e
segurança. Foi possível obter dados acerca de quais missões obtiveram a participação
feminina, nesse período a Missão Argentina no Chipre dispôs de 9 militares do sexo feminino,
19 .
já na MINUSTAH, durante as atividades houveram cerca de 31 compondo o quadro .
Cabe ressaltar, a Resolução Ministerial nº 274, do dia 2 de março de 2007, que declara
a criação do Conselho Diretor de Gênero para a Defesa, cujo objetivo, estava a elaboração de
propostas para o aperfeiçoamento das condições de acesso, permanência e progressão das
mulheres na carreira militar, visando erradicar os obstáculos e promover ações destinadas à
garantia da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, assegurando assim, a
participação de mulheres Oficiais e Suboficiais das Forças Armadas.
Por fim, apesar de não existir nenhum mecanismo legal que impede e compele a
participação feminina no âmbito militar, o quadro a seguir ajuda a elucidar como mesmo com
diversos marcos legais, existem limitações que resultam na divisão sexual da mulher no ofício
militar. Pode-se dizer, que a contribuição de uma mulher no âmbito da defesa proporcionou
maiores adoções de políticas de gênero, o que deu maior celeridade e efetivou às conquistas
aos direitos das mulheres.
19
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do ‘’Informe sobre la integración de la mujer en las Fuerzas
Armadas. Buenos Aires: Ministerio de Defensa’’ (2010)
64
A participação feminina nas Forças Armadas teve seu início formal há mais de três
décadas. A integração das mulheres no Exército se iniciou em sua fase preliminar com as
atividades do Serviço Militar de Linha, após esse período houve um aumento da sua
profissionalização e especialização dos Funcionários e Quadros Permanentes.
A introdução oficial do processo de integração das mulheres no Exército começou
em 1974. No ano de 2005, houve ainda um maior impulso abrindo espaços e funções que até
então eram exclusivas aos homens. Dessa maneira, pode-se dizer que a candidatura de
mulheres nesse aspecto como completamente integradas. Nesse aspecto, o Chile liderou o
caminho, ao criar o Exército Escola do Serviço Militar Feminino, em 1974, com o objetivo de
instruir mulheres como oficiais de serviço. Foi apenas no ano de 1995, que suas atividades
foram encerradas, após um plano de modernização, onde as mulheres foram incorporadas nas
escolas junto com os homens (RESDAL, 2010). Já na Marinha e Força Aérea, as mulheres
integraram papéis como médicas e staffs entre 1937 até 1955. A Força Aérea abriu sua
65
primeira Academia de Voo para mulheres cadentes nos anos 2000, com os mesmos direitos
que os homens obtinham. Enquanto a Marinha, por outro lado, admitiu mulheres somente em
2007.
Foi em 1991 também, considerando a importância da ação do Estado para atingir os
objetivos acordados, que foi criado o Serviço Nacional da Mulher, cujo o intuito era desenhar
e propor políticas públicas que permitissem o avanço na conquista das oportunidades entre
homens e mulheres.
Ainda no que tange a participação feminina, no ano de 1996, as Forças Aéreas do
Brasil e Honduras, deram seus primeiros passos na região do Cone Sul ao incorporar as
mulheres na carreira militar. Nos seguintes anos, as forças de outros países começaram a fazer
o mesmo. A abertura do Exército no Chile aconteceu em 1995, assim como na Argentina. Os
primeiros grupos de mulheres que ingressaram foram nos Exércitos do Uruguai e na Força
Aérea do Chile nos anos 2000. Nesse mesmo período, alguns países do Cone Sul começaram
suas incorporações. Apesar das mulheres representarem no Chile, mais de 50% da população
nacional, e devido a isso, existe a necessidade urgente de completa via de integração, a
participação das mulheres não se pode dizer estar em paridade (RESDAL 2010)
Foi durante a Guerra contra a Confederação Peru-Bolívia e o Pacífico, que as
mulheres passaram a integrar o Serviço militar - ainda que nesse período, sua função estava
na cantina do Exército. Após esse período, que de fato elas se estabeleceram e conseguiram
ingressar em diversos escalões (ROSS SILVA, 2008). Após isso, com a intenção de fortalecer
e aumentar a participação político feminina, a presidente Michelle Bachelet, frente ao
Ministério da Defesa, nos anos de 2002-2004, deu abertura a abordagem de gênero,
promovendo assim, a criação de uma Política de Integração e Participação da Mulher nas
Forças Armadas e de Ordem e Segurança, que refletiu na atualização do livro branco de
Defesa em março de 2005.
Para além disso, ainda durante o mandato de Bachelet, o Programa do Governo
conclui que a integração das mulheres nas Forças Armadas - Recentemente, houveram
grandes avanços na incorporação de mulheres em instituições forças armadas, mas ainda
existem áreas da carreira militar que não são permitidas às mulheres, sem existir uma base
para isso. Portanto, eliminamos essas discriminações e no ano de 2010 teremos plena
66
igualdade de direitos entre homens e mulheres nas Forças Armadas. Esta igualdade aplicar-se-
á ao acesso, permanência e reforma na carreira militar20.
Dentre os principais objetivos da Política de Integração estão os seguintes - Aplicar
os princípios da Igualdade de Direitos entre homens e mulheres no setor da Defesa,
garantindo assim o direito das mulheres de integrar e participar igualmente das oportunidades
na vida nacional, bem como estão expressas na Constituição (ROSS SILVA, 2008).
Apesar das demandas e tentativas por um impulso para o fim da disparidade de
gênero nesse âmbito, foi somente em 2008, que foi concebida a primeira mulher piloto no
Exército (ROSS SILVA, 2008). Em 1981, a Força Aérea permitiu que as mulheres
ingressassem no seu Serviço Militar, com o intuito de ministrar treinamento militar e técnico
básico, podendo assim, no final desse período de formação, obter o título de auxiliar de
enfermagem e administrativo. Por fim, o Serviço Militar Feminino vigorou por sua vez, por
completo, fechado em instância em 1991.
20
Gobierno de Chile, “Programa de Gobierno de Michelle Bachelet”,
http://www.gobiernodechile.cl/viewPreseidenta.aspx?idArticulo=22412.
67
No quadro abaixo podemos visualizar qual o posto máximo a ser alcançado por
mulheres no Corpo de comando. Os escalões abaixo correspondem ao Exército, por exemplo.
A patente é equivalente para Capitão e Capitão (Força Aérea), para Segundo Tenente e
Tenente Júnior Grau (Marinha). O corpo de Comando inclui oficiais formados em academias
militares desde o início de suas carreiras, diferentemente daqueles que desenvolvem uma
carreira na esfera civil e depois são incorporados às forças armadas.
Chile X
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir de dados do RESDAL, 2010.
mulher, Direitos humanos das mulheres entre outros. A conferência foi determinante para
compreender e mudar a estrutura de reprodução sexista da sociedade (ONU).
A inclusão do tema ‘’Mulheres e conflitos armados’’, compôs o reconhecimento de
forma institucionalizada de que forma o impacto dos conflitos armados, em especial, quando
tratado de mulheres e meninas, gerando assim organização na esfera civil, havendo promoção
e reafirmação de direitos humanos. Nesse âmbito, insere-se a condenação e uso de violência
sexual como tática utilizada em guerra (passa a configura-se assim, violências sexuais como
crime de guerra). Foi o tribunal de Tóquio, o relator e primeiro a constituir que violências
sexuais e prostituição forçada, deveriam constituir dentro do direito internacional como crime
de guerra (KIMURA, 2008)21. A partir disso, de acordo com Funag (2017), criou-se o cargo
intitulado Representante Especial do Secretário-Geral acerca de Violência Sexual em
Conflitos
21
Conferir a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher – Pequim, 1995.
Versão em português disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/wp-
content/uploads/2015/03/declaracao_pequim.pdf
70
4 CAPÍTULO 3
A seguir, tratarei do tema “Forças Armadas e Mulheres” à luz das Operações de Paz
da ONU destacando, por um lado, a persistência da problemática de sub-representação
feminina nos contingentes militares e, por outro, o papel fundamental que as mulheres - civis
e militares - exercem nas sociedades em reconstrução. Para isso, farei uso de pesquisas das
autoras Giannini (2014); Giannini, Folly & Lima (2017) e Rebelo (2012; 2013) e de dados da
Organização das Nações Unidas (2016) e do Governo brasileiro (2016), sendo os últimos,
fontes de informações sobre avanços na temática.
A equidade de gênero é uma meta tanto para a composição de missões de paz da
ONU como para o trabalho elaborado nas nações anfitriãs. Sendo assim, as políticas e
diretrizes da ONU a fim de executar o mandato sobre mulheres, paz e segurança atualmente
são focados externamente e internamente, a meta é aumentar esse número substantivamente,
na composição de militares de policiais em manutenção de paz da ONU, como meta de
igualdade de gênero tendo foco interno que visa a representação igualitária das mulheres
dentro das operações de paz da ONU. O maior objetivo é integrar uma perspectiva de gênero
no trabalho e nas missões, incluindo componentes militares de uma operação de manutenção
de paz da ONU, o objetivo de igualdade de gênero visa a promoção da equidade no estado
anfitrião onde a missão ocorre - na segurança, no processo eleitoral e no pós-conflito. Tal
inserção é chamada de ‘’perspectiva de gênero’’, a qual ilumina as experiências, necessidades,
status e prioridades de homens/rapazes, bem como mulheres conforme elas se relacionam com
o mandato da missão (ONU).
De acordo com a ONU, é difícil mapear com precisão as tendências no número de
mulheres que oficiam como pacificadoras em Operações de paz, foi apenas nos anos 2000 em
que a ONU passou a coletar dados desagregados por sexo em suas missões de paz, tais
estatísticas remontam apenas até o ano de 1994. Por sua vez, as fontes populares de dados
disponíveis sobre as forças armadas nacionais, incluindo o Equilíbrio Militar produzido pelo
Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, não passaram a incluir as estatísticas
desagregadas por sexo acerca das forças nacionais. Em terceiro lugar, muito poucos países
71
22
See UN Department of Peacekeeping Operations (DPKO), Mainstreaming a Gender Perspective in
Multidimensional Peace Operations (New York, 2000), Annex.
72
gênero - entre elas; abuso sexual, assédio moral entre outros (CARREIRAS, 2015)23.
Especificamente, observou-se uma crescente má conduta sexual dos soldados de paz e
envolvimento em tráfico de mulheres, crianças e até mesmo exploração laboral24.
Apesar das fortes denúncias acerca do abuso de poder, pode-se dizer que tais
acontecimentos se dão em detrimento a pouca participação efetiva feminina nesses contextos,
por outro lado, após os contextos de expansão e manutenção de paz nas chamadas ajudas
humanitárias25, assim também como maiores casos de refúgio, processos de reconstrução de
paz neste contexto, a mudança no papel e na necessidade de representatividade por parte
desses oficiais que eram responsáveis pelas Operações de Paz, mudou. Exigiu-se a presença
das mulheres nas forças armadas assim como, maiores oportunidades de representação, a fim
de coibir essas ações (CARREIRAS, 2015).
A falta de representação das mulheres não foi motivo de preocupação até início dos
anos 90. Somente a partir desse momento as mudanças começaram a surgir e intensificou-se,
ou melhor começou de fato a participação efetiva das mulheres nas operações.
Começou assim, uma maior consciência de integrar perspectivas de gênero nas
operações internacionais. Com a dimensão de gênero apontada como importante e latente
dentro da segurança internacional, com foco nas forças armadas, estabeleceu-se a aprovação
da resolução UNSCR 1335 sobre mulheres, paz e segurança26, no ano de 2000.
A partir disso, há uma revisão das políticas e instrumentos da Política Comum de
Segurança e Defesa da União Europeia, além disso, outras organizações e atores do sistema
internacional relevantes acerca de segurança internacional. Tudo isso precedeu como um
exame para compreender de que formas as políticas estavam sendo implementadas - bem
como entender onde e o que deveria se adequar, dado os elementos que dizem respeito à
participação das mulheres operando como força militar.
23
Significado de assédio moral e sexual de acordo com a Controladoria-Geral da União. Disponível
em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/campanhas/integridade-publica/assedio-moral-
esexual#:~:text=O%20ass%C3%A9dio%20pode%20ser%20configurado,degradar%20o%20ambiente
%20de%20trabalho.
24
Notícias oficiais acerca das denúncias de assédio. Disponível:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/onu-registra-69-casos-de-abuso-sexual-por-capacetes-
azuis-em-2015.html
25
O que significa ajuda humanitária.
Disponível:https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/humanitarian-
aid/#:~:text=A%20ajuda%20humanit%C3%A1ria%20consiste%20principalmente,de%20malnutri%C
3%A7%C3%A3o%20e%20de%20fome
26
Pode-se obter a resolução completa a seguir. Disponível:
https://www.un.org/womenwatch/osagi/wps/#resolution.
73
27
DRUMOND, Paula; REBELO, Tanya ; MENDES , Isa ; VELASCO, Ana . BPC Policy Brief:
Mapeando a agenda “Mulheres, Paz e Segurança” na América Latina: uma comparação dos Planos
Nacionais de Ação da ONU. 4. ed. Rio de Janeiro: BPC Policy Brief, 2022. 28 p. v. 12. ISBN ISSN:
2318-1818.
28
Ibidem.
74
manutenção de paz, uma vez que as mesmas não exercem funções como combatentes ou estão
em cargos altos de comando. Na maioria das vezes, sua função era ensinar os soldados como
lidar com a mídia local e internacional. Um exemplo também, eram vídeos de treinamento
advertindo os soldados sobre visitar prostitutas locais.
Perante aos documentos, a ONU comprometeu-se de alcançar o equilíbrio de 50/50,
incluindo todo tipo de posição profissionais, incluindo-as assim, em missões de paz. A
latência do assunto chamou atenção para que medidas de discriminações sexistas em seus
recrutamentos, fossem coibidas (REBELO 2013). De acordo com a ONU, no ano de 1993,
houve um aumento de 0,7% na participação feminina.
Foi relatado, por Angela King - assessora especial em questões de gênero da ONU,
que a presença feminina de mulheres militares, gera maior credibilidade às missões, além de
29
Para compreender melhor o termo Manutenção de Paz, a seguir a descrição detalhada da FUNAG
(Fundação Alexandre de Gusmão). Disponível: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-171-
operacoes_de_manutencao_da_paz_da_onu
75
servirem como modelo para as mulheres que se encontram naquela determinada situação de
conflito. Ainda se constatou que as mulheres locais, se sentem mais representadas e passam a
integrar socialmente frente a comitês e negociações, tal dado é considerado quando essa
representação é de no mínimo 30% da representação feminina atuando como militares (ONU).
Atualmente, essa meta se estabeleceu que ao menos, a participação feminina deveria atingir
19%, no entanto, os países que compõem as chamadas oficialmente como ‘’Troop-
Contributing Countries (TCCs)’’, consideradas tropas oficiais da ONU, no ano de 2022, a
meta alcançou apenas 9% do esperado30.
A exemplo de dados numéricos atuais, a seguir o infográfico oficial gerado pela
ONU.
Infográfico 1, dados referentes a dezembro de 2022.
O Infográfico oficial da ONU se refere à meta para o ano de 2022. E demonstra,
numericamente, quanto seria o ‘’ideal’’, para cada país.
30
A seguir,dados oficiais da ONU acerca da participação feminina em operações de paz. Disponível:
https://peacekeeping.un.org/sites/default/files/07_gender_statistics_57_december_2022.pdf.
76
percentual que pode ser considerado ‘’moderado’’, no entanto, a Argentina fica na média de
20.69%. Já o Chile, possui uma participação de 57,14%, atingindo o considerado ‘’top’’, 10%
de contribuição na ONU. Tais dados, são referentes considerando 1 e 250 pessoas.
31
Disponível:
https://peacekeeping.un.org/sites/default/files/operational_effect_and_women_peacekeepers_decembe
r_2022.pdf
78
Podemos notar, a partir das ilustrações construídas, que o Brasil lidera em questão de
percentual quando se trata das operações. A Argentina ocupa o segundo lugar, enquanto o
Chile fica por último nesse quesito.
Fonte: Elaborado pela própria autora a partir dos dados do Un Peacekeeping gender category, 2022
Tabela 6 - Especialistas Militares da ONU em Missão e Oficiais Staffs (Possui em média 50-
99 Observadores Militares e Oficiais de Estado-Maior)
País Homem Mulher Percentual Meta atingida
Argentina 23 6 20.7% *
79
Brasil 35 6 14% *
Chile 3 4 57.1% ? *
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados Un Peacekeeping gender category, 2022.
32
‘’As mulheres em conflito continuam a ser estereotipadas como vítimas e vulneráveis, apesar das
evidências documentadas do papel crítico que desempenham na paz e na segurança. Ao incorporar
uma perspectiva de gênero nas missões de manutenção da paz, o DPO continua a progredir na
tradução da promessa da Resolução 1325 em ações concretas.’’ (DPO Gender Unit report, p. 4,
traduzido pela autora).
81
33
Plano Nacional de Ação completo: Disponível: https://funag.gov.br/loja/download/1209-Plano-
Nacional-de-Acao-sobre-Mulheres-Paz-e-Seguranca.pdf
83
e Segurança, pertinente ao Conselho de Segurança. Que por sua vez, cada país determina seu
PNAs, haja vista, que o Plano Nacional de Ação, corrobora com o fortalecimento multilateral
dentro do Sistema Internacional, sendo assim, é importante que cada país determine suas
diretrizes e elabore seu próprio PNas, nesse âmbito em específico, os planos atuam como
instrumentos normativos elaborados pelos Estados, onde define-se estratégias e objetivos com
compromissos frente a Resolução 1325.
A América Latina, constitui como uma das regiões mais sub-representadas dentre os
PNAs (DRUMOND; REBELO. 2022, p.5). Ao total, foram 98 países que adotaram planos
nacionais de ação34. Atualmente, a América Latina é uma das regiões mais sub-representadas
no tocante aos PNAs. Dentre os 98 países que adotaram planos nacionais de ação para
promover a implementação da Resolução 1325 (2000), apenas 7% estão localizados na região
(DRUMOND et al, 2022)35.
De acordo com o documento intitulado como BPC Policy Brief - Mapeando a agenda
‘’Mulheres Paz e Segurança’’, na América Latina: Uma comparação dos Planos Nacionais de
Ação da ONU, documento encabeçado pelo BRICS Policy Center/Centro de Estudos e
Pesquisas, vinculado ao Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, iremos elucidar e
trazer para a construção deste trabalho, se houve de fato a implementação do PNAs, como se
deu sua elaboração, tendo em vista a importância.
À luz de compreender quais foram as conclusões advindas da Agenda MPS, cabe
explicar no que consiste, de acordo com a ONU, um bom Plano Nacional de Ação. Em
primeiro lugar, considera-se que a participação da sociedade civil, seja ela por ações
vinculadas a ONGs, ou por meio de ativismo sem estar necessariamente vinculado a alguma
esfera de organização - é de suma importância e deve constituir a agenda de um PNA (UN
WOMEN, 2015). A composição da sociedade civil dentro do PNA, é necessária pois não
somente os atores que compõem parte de uma instituição, devem determinar e delimitar
aquilo que é necessário para determinada sociedade local. A construção de boas políticas só
ocorre quando entidades civis, que vivem aquela realidade, podem opinar, determinar e
verificar as ações que estão sendo tomadas.
34
A lista completa e atualizada dos PNAs aprovados está disponível em:
https://1325naps.peacewomen.org/.
35
DRUMOND, Paula; REBELO, Tamya ; MENDES , Isa ; VELASCO, Ana . BPC Policy Brief: Mapeando a
agenda “Mulheres, Paz e Segurança” na América Latina: uma comparação dos Planos Nacionais de Ação da
ONU. 4. ed. Rio de Janeiro: BPC Policy Brief, 2022. 28 p. v. 12. ISBN ISSN: 2318-1818.
84
Nesse aspecto, pode-se considerar que a esfera pública não foi tão inclusiva. De
acordo com a autora Alessandra de Rossi, em seu artigo intitulado ‘’A agenda Mulheres, Paz
e Segurança no Brasil: Uma análise do Plano Nacional de Ação brasileiro 36’’, a Resolução de
2000, falha ao não indicar uma delimitação orçamentária para sua atuação. Principalmente,
quando tratamos de um assunto que até então, vinha sendo colocado como secundário,
terciário e na verdade, o assunto se não fossem diversas reivindicações, nunca seria tratado,
ainda mais, quando consideramos quão recente é a Resolução. Sendo assim, quando se trata
de um assunto colocado como secundário dentro de diversas outras discussões vistas como
mais importantes, o fator onde não se delimita e constitui-se firmemente um orçamento, acaba
colocando os Estados em uma posição de que, aquele determinado assunto, não é
imprescindível a ser tratado, logo faz com que aquele compromisso assumido, seja
marginalizado.
Em segundo, embora a Resolução (2000) não indique formalmente a necessidade de
uma designação orçamentária para a atuação bem-sucedida de um Plano Nacional de Ação
sobre Mulheres, Paz e Segurança, é necessário manter em mente que qualquer iniciativa
promovida pelo Estado depende diretamente do quanto está disposto a despender em pessoal e
tempo para seu sucesso (OLIVEIRA/PEREIRA, 2017, p. 185-186). Inserir um novo assunto,
até então marginalizado, como a temática de gênero, em um Estado sem incentivos
orçamentários para sustentar o debate e instigar a conscientização da sociedade civil local
sobre o tópico diminui a capacidade de realizar os compromissos assumidos.
Essa falta de instituição orçamentária, faz com que o assunto seja lidado de forma
marginalizada, e até mesmo corrobora com a não institucionalização dos PNAs. Além disso, o
assunto deve conter composição da sociedade civil, para que haja representatividade para
além dos representantes políticos, isso se deve, como sabemos, pela falta de
representatividade política dentro dos espaços institucionais, como congresso, senado etc.
Quando o assunto não obtém a contribuições e adesão da sociedade civil,
reproduzimos e constituímos políticas que são feitas por parte da sociedade, que não vive e
não compreende as reais necessidades daquela sociedade civil. E para além disso, recaídas na
problemática central do presente trabalho, faria sentido constituir, discutir PNAs, através da
ótica masculina?
36
Artigo completo. Disponível:
https://www.encontro2021.abri.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYTox
OntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjQ3ODciO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiYWFmZTcyNDlkZmFjZGQ
5ZmU3MDM4MDU1NzllZWNmN2IiO30%3D.
85
37
Matéria completa. Disponível: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-e-142-na-lista-
internacional-que-aponta-participacao-de-mulheres-na-politica/.
38
Ibidem.
39
SCHWETHER, Natália Diniz. A política de defesa brasileira e a questão de gênero: entre presenças
e ausências. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 2020.
86
região onde dentre os 98 países que adotaram os planos, somente 7% estão localizados na
região (DRUMOND, 2022).
Quando se trata de PNAs, na região da América Latina, e principalmente, quando
tratamos dos países estudados no presente trabalho, vemos um cenário muito específico, onde
pode-se considerar, países onde há ‘’paz’’, no entanto, paz não significa ausência de conflitos
internos regionais. Frente a isso, podemos considerar que são países que não estão em guerra.
No entanto, a região não enfrenta a falta de conflitos, a violência armada, organizações
criminosas, milícias, tráfico, cartéis, entre outros, constituem parte dessa considerada pacífica
região.
Durante o período da aprovação da Resolução 1325, o contexto histórico era de
redemocratização, os países da região acabavam de passar por períodos de ditaduras militares.
O momento político que estava instaurado era delicado e passava por diversas mudanças. Foi
assim também, instaurado marcos constitucionais importantes, por exemplo, diversas
reformas nesse contexto, sendo um deles o setor da Defesa, que passou a incluir e ampliar o
acesso feminino à carreira militar (GIANNINI; FOLLY; LIMA, 2017).
Neste momento, após trazer uma breve introdução acerca da importância do PNAs,
iremos dar seguimento falando um pouco como se dá, qual foi os processos de elaboração,
medidas adotadas e quais foram as estratégias adotadas por Argentina, Brasil, Chile, além
disso, iremos brevemente comparar suas diferenças ou até mesmo semelhanças.
De acordo com Paula Drummond et al, os casos Brasil, Chile e Argentina, que por
sua vez, estão historicamente envolvidos em manutenções de paz da ONU, desde o ano de
1940, estimou-se uma crescente quando se trata da representação feminina, na questão do
acesso à carreira militar, esse fato chamou atenção e culminou na necessidade de realinhar os
procedimentos internos dentro do Conselho de Segurança, uma vez que as demandas haviam
se reconfigurado.
O Chile, por exemplo, se tornou um país importante quando se tratava da
incorporação de perspectivas de gênero, o país foi responsável por trazer a discussão para suas
relações bilaterais, bem como trouxe a discussão para mecanismos multilaterais, incluindo o
Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) -
UNASUL, que atualmente deixou de existir (DRUMOND, 2022, p. 8)
Ainda no Chile, as discussões de gênero começam a ser fomentadas já no início dos
anos 2000, com a nomeação de Michelle Bachelet, comandando a Defesa, e além disso, foi o
marco introdutório para a criação de um plano onde as mulheres pudessem também, integrar
87
as forças armadas (MARCHETTI, 2017). O mandato de Bachelet foi fundamental para seu
destaque como pioneiro na região, após esse período Bachelet comandou como Subsecretária
Geral e Diretora Executiva da ONU Mulheres.
Enquanto isso, a Argentina obteve um papel ativo na aprovação da Resolução 1325,
mesmo como membro não permanente no Conselho de Segurança, no ano de 2008,
promulgou um plano de ação na área de Defesa, onde elaborava estratégias para a
implementação do MPS, sendo uma dessas ações a plena integração feminina nas forças
armadas.
Ademais, tendo a consolidação de seu PNA em 2015, se destacou ao elaborar uma
série de documentos e iniciativas com o intuito de institucionalizar igualdade de gênero no
que tange segurança internacional e paz. Cabe ressaltar, que o PNA Argentino foi o único que
contou com a adição de mais de um ministério, com intuito de formalizar políticas no
contexto doméstico. O plano argentino também aborda questões relativas inserção feminina
no mercado de trabalho formal, bem como programas de prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, além do combate à utilização de violência sexual como crime de guerra. O
país destacou-se ao abrir formalmente e liberar totalmente a participação feminina. No caso
argentino, pode-se dizer que a participação civil foi muito fomentada, no plano ‘’Importancia
de la participación e inclusión de la sociedad civil y la academia.’’40, (GOVERNO
ARGENTINA, 2022), existem diversas citações onde é reforçado e estimulado que exista a
participação da sociedade civil.
Com o intuito de demonstrar como sua atuação de fato é tratada junto a sociedade
civil, cabe um pequeno trecho retirado do Plano Nacional de Ação, compreendida na seção
onde é discutido a metodologia de ação e o processo de ação que será tomado:
40
‘’Importância da participação e inclusão da sociedade civil e da academia.’’ (Traduzido pela autora)
41
Para ter acesso ao decreto completo, enfatiza-se que o decreto utilizado se trata do segundo Plano de
Ação. DCTO-2022-658-APN-PTE - Segundo Plan Nacional de Acción de la República Argentina para
la Implementación de la Resolución N° 1325/2000 del Consejo de Seguridad de las Naciones Unidas
y Subsiguientes. Disponível: https://www.argentina.gob.ar/normativa/nacional/decreto-658-2022-
372043/texto
88
42
Os Planos Nacionais de Ação podem ser visualizados a seguir:
http://1325naps.peacewomen.org/index.php/nap-overview/.
43
Cabe elucidar, a preferência por utilizar o termo periferia. Para aprofundar acerca do termo:
https://iberoamericasocial.com/immanuel-wallerstein-e-o-sistema-mundo-uma-teoria-ainda-atual/.
89
países mais integracionistas são aqueles onde predomina o serviço militar voluntário”
(CARREIRAS, 2004, p. 85).
Os planos do Chile restringem o aumento da participação de mulheres em operações
de paz. De acordo com Drumond, os PNAs da América Latina, não mencionam a integração
feminina militar junto às forças nacionais. Seguem assim, os desafios para as mulheres
militares.
Os planos chileno e mexicano se restringem ao aumento a participação de mulheres
em operações de paz, não mencionando a questão da carreira militar para a mulher de modo
mais amplo. É interessante notar que os PNAs latino-americanos ignoram que as mulheres
militares precisam estar, primeiramente, integradas às forças nacionais para que se consiga
alcançar esse objetivo. Assim, os desafios para o envolvimento das mulheres nas instituições
militares e policiais não podem ser isolados daqueles relacionados ao aumento da sua
presença nas missões de paz da ONU (DRUMOND; REBELO, 2018).
Nesse sentido, a elaboração de um Plano Nacional de Ação (PNA) seria uma
oportunidade para o estabelecimento de ações estratégicas, a identificação de prioridades,
alocação de recursos e prazos de execução (FRITZ, 2010; ESCOBAR, 2011). A terceira
condição propõe a crescente profissionalização das forças armadas, processo que estaria
embasado, entre outros, na abertura de postos para as mulheres nas carreiras militares e no fim
da conscrição obrigatória, e que contribuiria a uma maior igualdade de gênero na instituição
militar. De acordo com um levantamento realizado por Carreiras (2004) “os países mais
integracionistas são aqueles onde predomina o serviço militar voluntário” (CARREIRAS,
2004, p. 85). Diante dessas três hipóteses, identificadas na literatura, um estudo comparativo
dos casos revelou que: não há entre elas uma condição necessária, tampouco uma expressão
lógica suficiente capaz de explicar a presença ou a ausência de políticas de gênero na defesa.
Destarte, a decisão metodológica mais recomendada para dar continuidade ao estudo é a
inclusão de uma quarta condição, a partir de estudos históricos aprofundados de cada um dos
casos para melhor compreensão do fenômeno (PEREZ-LIÑÁN, 2010). [NS41] Comentário: referência
Cabe também, compreender como a Organização das Nações Unidas, apesar dos
esforços com o intuito de equiparar a visível disparidade de gênero dentro das missões de paz,
ainda perpetua uma hierarquia de gênero. De acordo com a autora Cynthia Enloe, a divisão
sexual e perpetuação dessa estrutura de poder ainda vigora na instituição.
A autora, reflete acerca da instituição na seguinte passagem:
90
It is not men-on-top that makes something patriarchal. It’s men who are recognized
and claim a certain form of masculinity,for the sake of being more valued, more
“serious”, and “the protector of/and controllers of those people who are less
masculine” that makes any organization,any community, any society patriarchal 44
(ENLOE et al, 2003, p. 2)
Apesar da Resolução 1325 ser um marco importante para equidade de gênero dentro
da ONU, não podemos deixar de reconhecer que existe uma estrutura hierárquica que
prevalece na nossa sociedade. Os obstáculos vivenciados, seguem existindo enquanto o
patriarcado e a divisão sexual entre homens (dominador), e mulheres (dominada), permaneça.
Mesmo que a resolução seja relevante, não podemos deixar de considerar suas falhas. A
Resolução, por sua vez, ainda não é absorvida totalmente pelos membros das delegações e
pelos militares. A autora Ann Tickner, traz na seguinte passagem, sua contribuição acerca do
assunto ‘’em um contexto de sociedade dominada por homens, a associação de homens com a
guerra e mulheres com a paz também reforça as hierarquias de gênero e falsas dicotomias que
contribuem para a desvalorização tanto das mulheres quanto da paz... confiaram em imagens
maternas podem ter tido algum sucesso, mas não fazem nada para mudar as relações de
gênero existentes; isso permite que os homens permaneçam no controle e continuem a
dominar a agenda da política mundial’’.
44
Carol Cohn and Cynthia Enloe, ‘A Conversation with Cynthia Enloe: Feminist Look atMasculinity
and the Men Who Wage War’,SIGNS, Vol.28, 2003, pp.1190–2.
91
5 CONCLUSÃO
de incluir as mulheres de maneira mais forte quando comparado ao caso do Brasil. No ano de
2010, cerca de 9.335 mulheres integraram as Forças Armadas na Argentina, os avanços no
caso da Argentina podem ser considerados mais efetivos que no caso brasileiro. Quanto à sua
atuação em Operações de Paz, a Argentina possui um percentual de 20.69%. Em termos
comparativos na questão da atuação em Operações de Paz, o Brasil e a Argentina possuem
percentuais parecidos.
Enquanto no caso do Chile, efetivamente foi o país que obteve esforços para a
inserção feminina historicamente, verificamos que suas tentativas de inserção feminina se
deram há muito mais tempo, comparado entre os três países, o Chile liderou o caminho ao
criar o Exército Escola do Serviço Militar Feminino, em 1974. No que tange a inserção
feminina nas Operações de Paz, o país possui um percentual de 57,14%, sendo o país que
lidera em termos de inserção feminina em OPs.
No que tange a inserção feminina nas Operações de Paz, os três países obtiveram
esforços para impulsionar a participação feminina em OPs através da constituição de seus
respectivos Planos Nacionais de Ação, de fato demonstraram entusiasmo e esforços para
efetivar uma menor disparidade de gênero nesse âmbito.
Cabe ressaltar a importância como marco legal a Quarta Conferência Internacional
da Mulher, que fundamentou e deu base a diversos acordos políticos que foram alcançados até
o presente momento. Subsequente da conferência vieram os chamados Planos Nacionais de
Ação, como forma de cada Estado estabelecer metas a fim de coibir a disparidade de gênero,
pode se dizer que os planos na teoria são de suma importância, mas que na prática sua atuação
não é tão forte e resolutiva quanto poderia ser.
O tópico Missões de Paz e a participação de mulheres, elucida as tentativas e
esforços adjacentes da necessidade de uma maior inserção feminina nas OPs, trouxe à luz
perspectivas de gênero como assunto é latente e deve ser discutido dentro da ONU, onde
comprovadamente, a inserção feminina em OPs é capaz de coibir e más condutas, bem como
salienta a importância da participação feminina em todas as esferas sociais. Além de
confirmar que mulheres atuando como peacekeepers, atingem parâmetros como: cativar a
comunidade local para construção da paz pós conflito, compreender questões tangentes à
feminilidade, comprovadamente serem melhores conciliadoras e negociadoras, causar maior
segurança em termos de representatividade e por fim, mais mulheres no meio de atuação
corroborou na diminuição de assédios e perpetuação de crimes de guerra que estão atrelados
às hierarquias de gênero. [NS42] Comentário: Aqui está a
resposta da pergunta.
93
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