Você está na página 1de 10

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA


PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Uma abordagem pós-colonial das campanhas de gênero da ONU

Foz do Iguaçu
2023
INTRODUÇÃO
No presente projeto abordaremos a partir da perspectiva da teoria decolonial
e através do recorte Latino-americano, a problemática empregada acerca dos
discursos e tratados onusianos sobre as agendas de integração de gênero, bem
como investigaremos através de uma análise crítica, a forma de integração de
gênero proposta pela instituição. Tal análise crítica, se dá a partir das opressões
claras por mulheres e outras minorias da região Sul Americana, a partir da crítica
dos efeitos do clássico neoliberalismo e capitalismo (SEGATO, 2014; VERGÈS,
2020).
Ambos responsáveis por direcionar uma estrutura de poder e opressão sob a
qual mantém-se a conduta de marginalidade e violências sobre esses corpos. É
sem dúvidas um fato, de que a promoção de equidade de gênero difundida pela
ONU, diz respeito a apenas uma certa parcela social, a mesma que exclui de forma
sistemática social que sofrem opressões. (MIGNOLO, 2010).
Programas e resoluções que visam o fim da disparidade de gênero partem de
ideais neoliberais, que por sua vez reforçam estruturas de poder e hierarquização. O
gênero, por si só, é uma categoria de análise utilizada para delimitar uma análise
histórica (Scott, 1990, p. 86). Frente a isso, é necessário enfrentar essa
colonialidade histórica imposta, a partir dos saberes, do ser agir e reproduzir. A
partir da perspectiva do ‘’Feminismo Decolonial’’ e perspectivas teóricas
pós-coloniais, analisaremos a posição neoliberal e ocidental nas consideradas
agendas favoráveis a equidade de gênero dentro da instituição, bem como seus
documentos ou discursos limitados, que por sua vez partem de uma instituição que
reproduz imperialismo e colonialismo (LUGONES, 2008).
A problemática levantada, surge justamente a partir de como a ONU
permanece sendo uma instituição quase que ‘’autárquica’’ e autoritária, que delimita
e reproduz opressões de gênero (entre outras opressões) sob um discurso, de que,
por exemplo, a agenda acerca de gênero é eficiente e eficaz para o mundo, quando
sua agenda limita-se à raças, etnias, nacionalidades e também hierarquias
geopolíticas de dominação. Recentemente, a Tendayi Achiume1, relatora da ONU,
discursou a seguinte fala acerca da instituição ‘’fracos compromissos”, segundo a
relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial,
xenofobia e intolerância correlata’’, acerca da questão racial, também relatou
‘’pandemia serviu para desmontar redes de previdência no sul global aumentando a
dependência de “povos ex-colonizados”, além de pontuar que a instituição perpetua
e financia ‘’Hierarquias Internacionais’’.
A instituição ONU, encontra-se na posição de maior órgão de cooperação
intergovernamental, por ocupar um papel de órgão de cooperação supranacional de
extrema relevância, agrupando um número alto de países por toda parte do mundo.
Por esse motivo existe um impacto nas suas políticas de igualdade de gênero, por
ser capaz de projetar suas ações em um grande número de Estados, gera assim
influência em seus posicionamentos. A carta2 elaborada para a fundação da
organização, ressalta a proteção dos Direitos Humanos e garante proteção e
igualdade entre homens e mulheres (ÁLVAREZ, 1998).
Preceitos, como ‘’Estado e Paz’’, se estruturam através da reprodução
daquilo que existe por natureza na sociedade. A forma com que se discute o
Estado, advém de normas masculinas, como se os homens cumprissem o papel do
Estado, responsáveis pela belicosidade, enquanto a mulher se torna responsável
por resguardar a paz.3
Cabe salientar, de acordo com Scott (1986), que conflitos, mesmo que a nível
local, são comumente associados ao sexo masculino, já as mulheres, acabam
majoritariamente como vítimas de guerra. Pois as mulheres passam por processos
de marginalização e são alvos de violações de Direitos Humanos e abusos.
De acordo com (WEBEL, 1947), o patriarcado é um sistema governado por
homens dentro da sociedade, Weber foi responsável por desenvolver o conceito
onde o elemento de dominação das mulheres, as teorias feministas foi designado
por mulheres, com a dualidade de sistemas onde a teoria do patriarcado veio junto
ao capitalismo (Walby, 1989).

1
Para ver a entrevista na íntegra: https://news.un.org/pt/story/2022/07/1794622
2
Disponível em:
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/11/A-Carta-das-Na%C3%A7%C3%B5esUnidas.pd
f
3
Cockburn (2013), traz em seu texto o seguinte apontamento, “ Women are sometimes hailed as
more ‘peaceable’ than men, and indeed opinion polls do often find women to be less supportive of war
policies.
Compreender como se insere teoricamente os termos ‘’gênero’’ e
‘’patriarcado’’, é fundamental, já que são termos que fundamentam boa parte da
teorização e conceituação das teorias feministas. Primeiro, é importante frisar a
dicotômica e muitas vezes confusa diferenciação entre ‘gênero’ e ‘sexo’. O termo
sexo, se refere ao biológico - na própria biologia, diz respeito a identificação clássica
que serve para distinguir biologicamente a alteridade entre ‘’macho’’ e ‘’fêmea’’. A
socialização feminina que perdura, se baseia em estereótipos antigos, onde homens
são capazes de serem seres políticos, de guerra, heróis etc, enquanto mulheres são
responsáveis por toda terminologia que contraria tais adjetivos citados (SJOBERG,
TICKNER, 2013).
Para Goldstein (2001), o termo patriarcado, é uma organização que se
estabelece onde existe uma estrutura hierárquica onde homens dominam as
mulheres, existe a composição de uma ideologia onde homens são superiores às
mulheres, onde se estabelecem papéis de gênero que corroboram com essa
estrutura hierárquica de poder.
Kenkel, Kai Michael, et al (2012), elucida a seguinte passagem em seu livro:

A crescente atenção da Organização das Nações Unidas (ONU) aos


assuntos de gênero constitui outro palco da tensão entre inovação e
tradição. Com a adoção da Resolução no 1.325 do Conselho de
Segurança, a ONU formalizou seu desejo de ver maior importância
atribuída à participação das mulheres nos seus contingentes, assim como à
elaboração de políticas específicas para mulheres nos locais receptores
das operações de paz (o chamado gender mainstreaming). Porém, a
participação de mulheres nos seus contingentes das operações de paz das
Nações Unidas se mantém baixa, e as políticas de gênero enfrentam
resistências e dificuldades tanto nos países-membros quanto junto às
populações locais (KENKEL, KAI MICHAEL et al., 2012) .

Diante dos apontamentos levantados, o problema central é: Os mecanismos


e agendas delimitados pela ONU com o intuito de proteção e promoção dos direitos
humanos das mulheres, têm sido eficazes?
Parte-se das seguintes hipóteses:
Hipótese 1) A instituição perpetua ainda estruturas hierárquicas onde permanece a
opressão institucionalizada de grupos minoritários.
Hipótese 2) Existe a limitação acerca da eurocentralidade e ocidentalização da
instituição, que faz com que a aplicação de determinadas agendas sejam
completamente desconexas com as reivindicações acerca da descolonização e
opressões de gênero.
O objetivo geral é compreender e analisar suas limitações nos contextos das
agendas da ONU acerca da equidade de gênero, questionando onde estão suas
limitações ou efetividades e por fim as possibilidades da inserção a partir da
contribuição decolonial. Os objetivos específicos são os seguintes:
a) Compreender se a colonialidade do poder, questões de gênero, assim como
se direitos humanos básicos estão de fato sendo aplicados em suas agendas
b) Através da análise decolonial, compreender se existe a aplicação de
parâmetros e normativas que contemplem outros contextos políticos e sociais
para além dos clássicos ocidentais e eurocentricos.
c) Entender as limitações estruturais a partir da perspectiva decolonial
A relevância da temática para a instituição se dá justamente por possuir uma
linha de pesquisa que vai de encontro com o estudo das teorias pós-colonialistas,
decolonialista, pós-estruturalista onde pode-se abordar gênero e questões acerca
da instituição ONU de forma crítica. Cabe avaliar tais agendas acerca dos direitos
humanos de forma crítica e a partir de teorias e perspectivas que não são
tradicionalmente vistas, fugindo das tradicionais teorias como realistas,
construtivistas entre outras.
O presente projeto parte de uma abordagem qualitativa que assiste - dentre
outros fatores, capturar e desvendar o significado de certos assuntos (NEUMAN,
2014). Analisando, assim, se foi possível cumprir com uma agenda comprometida
com o diminuir as disparidades de gênero a partir da perspectiva decolonial.
Compreendendo o problema de pesquisa e as hipóteses apresentadas,
busca-se, através do método hipotético-dedutivo, verificar se tais hipóteses são
refutáveis ou não. Para tal, busca-se uma forma de interpretar tais fenômenos
sociais, a partir da observação de mudanças, e até mesmo, notar suas fragilidades,
com o intuito de avaliar a teoria preconcebida (RAGIN, 2014). Como forma de trazer
um enfoque que não tradicional utiliza-se de teorias, modelos e metodologias,
trazendo referenciais epistemológicos diversos com o intuito de enriquecer a
pesquisa.
Cabe elucidar, como o feminismo negro tomou frente ao movimento em
meados dos anos 80, através de autoras como Angela Davis, Lorde Audre e Bell
Hooks - tais autoras reivindicaram seu papel social e trouxeram a pauta de gênero
para discussão. A abordagem através do feminismo pós-colonial, respalda todas as
demais perspectivas teóricas na academia, através de uma abordagem de releitura
histórica diversos aspectos teorizados e discutidos dentro das teorias tradicionais
em Relações Internacionais.
Determinados esforços teóricos comprometem-se em reverter a lógica
colonial posta, e assim, recuperar a existência da marginalização desses corpos.
Através da colonialidade do poder, direitos humanos e gênero - que traremos como
conceitos basilares para a pesquisa, a decolonialidade permite verificar a
insuficiência e ineficácia das agendas internacionais, que partem de epistemologias
hegemônicas (LISBÔA, 2017).
Outro ponto, é saber que fazemos parte de uma sociedade patriarcal, como
ideia de tentar ressignificar essa dominação natural masculina, a autora Alda Facio
(1992), coloca que todo conhecimento produzido a partir de alguém, relaciona-se
com experiências identificáveis, a masculinidade produz historicamente
conhecimentos e ações sobre sua perspectiva, a perspectiva de gênero é um
fenômeno que tem por sua vez, o objetivo do pensar a partir das experiências
femininas sociais. Reconhecer a ótica de gênero também, traduz em reconhecer
que as mulheres não sofrem opressões apenas por serem mulheres, mas que
sofrem também a partir da classe, raça, etnia, sexualidade e identidade de gênero,
dentre outras discriminações, a fim de aprofundar a análise e compreender outras
formas de opressões vigentes na sociedade atual.
Através da busca por consolidar a fundamentação teórica literária do
presente pré-projeto, utilizaremos e revisitarmos através de um escopo bibliográfico:
pesquisas, documentos oficiais onusianos, dados exploratórios encontrados em
revistas acadêmicas, periódicos e livros, que corroboram para a análise a partir da
ótica e investigação epistemológica decolonial e feminista.
Buscando por autores consolidados da área para delimitar o referencial
teórico do presente pré-projeto, parte da análise teórica irá se centrar em autores
ademais dos supracitados, buscaremos por fontes primárias também, ao exemplo
de Françoise Vergès (2020), que de maneira provocativa explora elementos
políticos e teóricos acerca do feminismo decolonial. Também ancoramos a análise
através de outras fontes, como: Lélia Gonzalez (2019), María Lugones (2014), Rita
Segato (2012), Aníbal Quijano. Bem como a professora e especialista em relações
de gênero e direitos humanos Alda Facio (1992), que dentre outros para além dos
supracitados na introdução, constituem-se como intelectuais difundidos e
apresentam formas de questionar, discutir o sistema vigente e apontam para as
permanentes formas de desigualdades advindos do processo colonial, analisando a
transversalidade de forma multidimensional as opressões sociais; sendo elas de
gênero, raça/etnia e sexual como categorias classicamente excluídas.
Além de atentar ao olhar sob a perspectiva Latino-americana e subverter as
estruturas sociais impostas, propõe-se fomentar e investigar tais fenômenos
coloniais, para que assim, haja o afastamento dos aspectos eurocêntricos
hegemônicos, bem como apartar a (re)produção de tais estruturas sociais modernas
impostas. A partir do reconhecimento dos aspectos socioculturais da região, tais
reconhecimento clamam por uma reordenação e negação das matrizes dominantes
presentes. Negando assim, toda forma de subalternização e marginalização
modernas.
Além de por clássicos autores anticoloniais como Franz Fanon (autor de
‘’Pele Negras, Máscaras Brancas’’ de 1952), Aimé Césaire (autor de “Discurso sobre
o colonialismo” de 1950), através da compreensão entre dominadores e dominados,
a elucidada compreensão do outro a partir do ocidente, como elucida Edward W.
Said em sua obra ‘’Orientalismo’’, que compõem parte fundamental das teorias
pós-coloniais. Impossível também, deixar de reconhecer a clássica teoria da
dependência, por Immanuel Wallerstein4 que trouxe sua contribuição acerca de sua
análise sobre o sistema-mundo.

Meses/Ano (à exemplo de 2023) Atividades

Março - 2024 Revisão bibliográfica

Abril - 2024 Coleta e organização da estrutura


bibliográfica

Maio - 2024 Análise da revisão bibliográfica

Junho - 2024 Elaboração da justificativa

Agosto - 2024 Elaboração da metodologia

Março - 2025 Estruturação do pré-projeto

Abril - 2025 Fichamento e análise


das fontes/ Redação dos

4
Immanuel Wallerstein, foi um sociólogo, nascido nos Estados Unidos. Dentre suas contribuições
para a teoria decolonial, estão suas análises sobre o sistema-mundo que são as mais conhecidas
dentre sua contribuição (WALLERSTEIN, 2005).
capítulos 1 e 2

Maio - 2025 Revisão e correções

Junho - 2025 Redação capítulos 2 e 3

Agosto - 2025 Revisão dos capítulos 2


e 3/ Correções

Setembro - 2025 Banca de qualificação

Outubro - 2025 Apresentação e defesa da tese

Novembro - 2025 Entrega da versão final

REFERÊNCIAS
ÁLVAREZ, Sonia E. Feminismos latinoamericanos. Estudos feministas, p. 265-284,
1998.

FACIO, A. Cuando el género suena cambios trae (una metodología para el


análisis de género del fenómeno legal). San José: Programa Mujer, Justicia y
Género del ILANUD, 1992.

GOLDSTEIN, J. A. A puzzle: the cross-cultural consistency of gender roles in war.


Heroes: the making of militarized masculinity’, en ‘Male sexuality as a cause of
aggression’. War and Gender: How Gender Shapes the War System and Vice
Versa. Cambridge UP, p. 1-57, 2001.

KENKEL, Kai Michael et al. O Brasil e as Operações de Paz em um mundo


globalizado: entre a tradição e a inovação. 2012

LISBÔA, N. D. S. Justiça de transição, direitos humanos e epistemologias


dominantes: considerações para a América Latina. Tese de Doutorado -
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em
Direito. Belo Horizonte. 2017.

LUGONES, María. Colonialidade e gênero. Tabula rasa, n. 9, p. 73-102, 2008.


MIGNOLO, Walter. Desobediencia epistémica: retórica de la modernidad, lógica
de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Ediciones del signo, 2010.

NEUMAN, Delia. Qualitative research in educational communications and


technology: A brief introduction to principles and procedures. Journal of Computing
in Higher Education, v. 26, n. 1, p. 69-86, 2014.

RAGIN, Charles C. The comparative method. University of California Press, 2014.

SCOTT, Joan W. Gender: A useful category of historical analysis. The American


historical review, v. 91, n. 5, p. 1053-1075, 1986.

SEGATO, Rita Laura. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres.
Sociedade e estado, v. 29, p. 341-371, 2014.

TICKNER, J. Ann; SJOBERG, Laura (Ed.). Feminism and International Relations:


Conversations about the past, present and future. Routledge, 2013.

VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. Ubu Editora, 2020.

WALBY, Sylvia. Theorising patriarchy. Sociology, v. 23, n. 2, p. 213-234, 1989.

WEBEL, Charles; GALTUNG, Johan. Handbook of Peace and Conflict Studies.


[s.l.]: Routledge, 2007.

OUTROS REFERENCIAIS
FRANTZ, Fanon. Pele negra, máscaras brancas.

GONZALEZ, Lélia. A democracia racial: uma militância. Arte & Ensaios, n. 38,
2019.

LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos


Feministas, v. 22, p. 935-952, 2014.

WALLERSTEIN, Immanuel. World-systems analysis. Social theory today, v. 3, p.


310-313, 1987.

Você também pode gostar