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Educação
em prisões
exercício pleno da cidadania das pessoas analfabetas ou pouco
Cereja
Centro de Referência
em Educação de Jovens
e Adultos
Copyright: Alfabetização Solidária, 2010
Realização:
AlfaSol (Alfabetização Solidária)
Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos (Cereja)
Catalogação na fonte
Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos – CEREJA
Educação
em prisões
Organização
Aline Yamamoto
Ednéia Gonçalves
Mariângela Graciano
Natália Bouças do Lago
Raiane Assumpção
“Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e
solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo,
sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser
transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é
escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem
escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo
que, em certas condições, precise falar a ele.”
(Paulo Freire em: Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à
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dos subtemas é produto de oficina organizada no Fórum Social Mundial
2009; a indicação dos autores abrange pesquisadores, militantes dos direitos
humanos, educadores, profissionais, presos e egressos do sistema prisional
brasileiro; a organização dos relatos e costura das participações envolveu as
quatro instituições.
Ao somar vozes, pretendemos consolidar a defesa dos direitos huma-
nos desta população e expandir as ações direcionadas ao estabelecimento de
um fórum permanente de debate baseado na democracia e defesa da cidada-
nia de todos e todas.
Esta obra é fruto da dedicação de muitos atores: agradeço especial-
mente à Ação Educativa, Instituto Paulo Freire e Ilanud, que compartilharam
de forma igualmente intensa o compromisso assumido, aos autores que se
dispuseram a fortalecer a democracia com a veracidade de seus relatos, a Flá-
via Landgraf e à equipe de Avaliação da AlfaSol, que realizaram a transcrição
do áudio da oficina realizada no Fórum Social Mundial 2009, e a todos que
se envolveram direta ou indiretamente nas diferentes etapas de elaboração
deste mosaico.
Considerem aberto o debate!
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SUMÁRIO
9. INTRODUÇÃO
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Instituições organizadoras
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Ação Educativa
Fundada em 1994, a Ação Educativa tem por missão atuar pela ga-
rantia universal do direito à educação pública de qualidade, a afirmação dos
direitos da juventude e a promoção dos direitos de acesso e produção à cul-
tura. Sua atuação é orientada para a busca e fortalecimento da justiça social,
democracia participativa e o desenvolvimento sustentável no Brasil.
Para realizar essa missão, a Ação Educativa combina diferentes es-
tratégias: ação local e experimentação pedagógica; formação e capacitação
de jovens, educadores e outros agentes sociais; fomento a manifestações
artísticas e culturais de grupos, articulação e participação em redes e fó-
runs em âmbito local, nacional e internacional; promoção de campanhas de
sensibilização e mobilização; pesquisa e difusão de informações e conheci-
mentos; promoção de debates e intercâmbio, produção de materiais educa-
tivos, assessoria a órgãos públicos, exigibilidade social e jurídica de direitos
educativos e da juventude, lobby e advocacy junto aos poderes executivo,
legislativo e judiciário.
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RESPONSABILIDADE
SOBRE A EDUCAÇÃO EM PRISÕES
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A sociedade civil não pode deixar de debater sobre as formas de acesso aos
recursos públicos necessários para a construção das políticas públicas de qua-
lidade, inclusive para seu monitoramento e avaliação. As ONGs e movimentos
sociais em várias redes, como a Associação Brasileira de ONGs (Abong), têm
assumido uma postura de diálogo para que o Estado adote critérios transpa-
rentes na contratação de seus serviços; a criação de fundos públicos geridos
de modo paritário pela sociedade e Estado tem aparecido como uma possibi-
lidade. Há muitos editais abertos para repasse de recursos públicos. As ONGs
e movimentos assumem o desafio de realizar uma boa gestão dos contratos,
convênios e termos de parceria a eles confiados.
A sociedade civil caminha no fio da navalha, basicamente, por dois
motivos. Se age apenas no pontual, sem incorporar as estratégias dos su-
jeitos sociais e políticos com os quais se relaciona no fazer educativo, pode
legitimar violações de direitos. Se impõe a si o papel de realizadora da
educação escolar, não consegue implementar um sistema de educação com
a qualidade e escala necessárias de um sistema público de educação. Mas,
também, se recusa atuar nos espaços de privação de liberdade, temendo,
com sua ação, legitimar práticas institucionais de violação de direitos, ab-
dica da possibilidade transformar o conhecimento da realidade em subsídio
para a intervenção social.
Dada a especificidade do ambiente, ao pensar a educação no cárcere,
parece mais apropriado falar de educação política, no sentido de uma edu-
cação que vise a emancipação das pessoas, implementada pelo Estado e pela
sociedade civil.
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EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO
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Muitos políticos dizem que uma sala de aula cheia é uma cela no
presídio vazia. E muitos dizem que existe reeducação no presídio, mas só
existe mesmo para aqueles que batalham muito, pois incentivo à educação de
verdade neste lugar não existe.
Algo que me intriga muito é o fato de as aulas durarem uma hora ou
duas apenas, sem livros, sem apostilas, sem organização, sem respeito.
Sendo que existem muitas presas que desejam, sim, estudar, aprender
e crescer, mas em várias situações são criticadas e humilhadas. Digo isso por-
que eu mesma já fui motivo de risada de agentes da unidade que diziam não
acreditar que eu iria para a escola estudar, num tom bem irônico. Percebe-se
bem que ninguém tem levado a sério a educação no presídio. Como reintegrar
essas pessoas, como ajudá-las verdadeiramente? Tenho certeza de que ficar
durante 2 horas no máximo numa sala de aula, conversando sobre assuntos
pessoais e jogando conversa fora, não é a forma certa.
Quantas vezes fui à aula e nem abri o caderno, nem ouvi nada de útil,
somente “conversa fiada”. Esta está sendo a realidade atual.
Aqui onde me encontro hoje, no semi-aberto, pensava que seria dife-
rente, mas é a mesma coisa. Gostaria muito que tudo isso mudasse, mas teria
que mudar tudo, tenho certeza que iria valer a pena e que muitas pessoas
aproveitariam o incentivo real e não ilusório e precário.
Um curso que eu fiz foi o do CDI, onde não aprendi quase nada.
Não faltava às aulas, ficava perguntando tudo, mas não tinha respostas.
Tinha que fazer desenhos e pintá-los. Apenas digitei um texto. Só isso.
Aprendi computação sozinha trabalhando na unidade diante de um com-
putador e sendo “curiosa”, pois se eu dependesse das aulas para aprender,
seria em vão.
Apesar de todos esses relatos, eu posso dizer que se eu consegui apren-
der algo e manter a minha cabeça ocupada com aprendizado, foi porque eu
lutei muito, sozinha. Mas não quero ser ingrata, pois ao menos existem salas
de aulas e eu sou muita grata a isso, só o que falta são pessoas competentes e
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1 A íntegra do Relatório Educação nas Prisões Brasileiras está disponível nos sites
www.dhescbrasil.org.br e www.acaoeducativa.org.br
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ESPECIFICIDADE DE GÊNERO:
EDUCAÇÃO DE MULHERES PRESAS
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A educação fica como opção ao ócio. Só vai para a sala de aula quem
não tem material de artesanato ou aguarda vaga numa oficina, quase sempre
de costura ou de montagem de algum equipamento, que não terá qualquer
influência na vida delas a partir do resgate da liberdade.
Além disso, se lhes fosse dado optar, o trabalho estaria sempre em
primeiro lugar por ser mais vantajoso, não só pelo pagamento do serviço em
pecúnia, o que possibilita ajudar no sustento da família, como pelo desconto
previsto em lei dos dias remidos1, pois os critérios para a aplicação da Súmula
341 do STJ2 são menos estimulantes, tanto do ponto de vista da carga ho-
rária para a obtenção do benefício3, quanto pela precariedade do serviço de
educação oferecido, lembrando que há um grande número de mulheres que
cumprem pena em cadeias públicas, onde não há oferta de trabalho, nem de
qualquer forma de estudo.
Não à toa, a discussão sobre a garantia do direito à educação das
pessoas presas foi incluída no Fórum Social Mundial de 2009. As experiências
apresentadas demonstraram que as mulheres encarceradas são discriminadas
duplamente: primeiro, por serem mulheres; depois, por estarem presas, mas
mantêm em comum com os presos a expectativa de receber educação de
qualidade, com docentes comprometidos com a profissão, material didático
e reconhecimento.
Ficou claro que o modelo atual de educação nos presídios está longe
de ser o minimamente aceitável e que é preciso mudar e humanizar as rela-
ções entre o Estado e as pessoas presas, inclusive através do estímulo à prática
da educação não formal em favor do exercício da cidadania.
1 Desconto do tempo de pena privativa de liberdade, cumprido nos regimes fechado e semiaber-
to, pelo trabalho, na proporção de três dias trabalhados por um dia de pena (art. 126, §1º, LEP).
2 Súmula 341/STJ: A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo
de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto (v. Câmara dos Deputados, PLs 6254/2005
e 4230/2004).
3 Vite e quatro horas de frequência em curso de educação formal por um dia de pena.
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1 http://leimariadapenha.blogspot.com/2006/12/resumo-de-pontos-importantes-da-lei.html.
2 Angerami, V.A; Trucharte, F.A.R; Knijnik, R.B;Sebastiani, R.W. Psicologia Hospitalar — Teoria e
Prática. São Paulo: Pioneira, 1995.
3 Goffman, E. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
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2 SOARES. Bárbara Musumeci. “Retrato das Mulheres Presas no Estado do Rio de Janeiro”, in
Boletim Segurança e Cidadania, nº 1, julho de 2002.
3 Cf. www.mj.gov.br/depen.
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4 Em referência ao texto “As mulheres e a educação nas prisões”, que se encontra excerto
nesta obra, no que toca às representações atribuídas pelas presas ao ensino, nas situações em que
conseguem acessá-lo.
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não explica por quê, embora 70,5% dos estabelecimentos prisionais femininos
afirmem possuir espaços para sala de aula, apenas 25% das mulheres estu-
dem5. Do mesmo modo, não explica por quê, tal como afirmado no relatório
encaminhado pelo Grupo de Estudos e Mulheres Encarceradas e no CEJIL para
audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), em 2007,
“apesar de os números indicarem um enorme contingente de potenciais alunas
para a educação básica, apenas 1% das mulheres que estavam encarceradas, em
2002, tinha concluído o ensino fundamental na prisão”.6
A realidade desses interditos que povoam os regulamentos formais e
informais nas prisões femininas – a proibição de livros jurídicos em muitas
delas, o esvaziamento de funções destinadas às presas no setor da “judiciá-
ria” em marcante diferença do que ocorre com os presos, a coincidência de
horários das aulas com o trabalho, ou o jantar, dentre outras razões – ope-
ram no registro próprio das disciplinas, do contradireito na melhor acepção
foucaultiana7, como também dizem respeito ao universo de representações e
estereótipos que destituem e desqualificam a mulher presa.
O lugar por ela ocupado nesse diagrama de papéis é tanto o da
“louca”, “que não sabe se comportar”, “que arruma confusão” – insubmissa
assim ao código disciplinador da prisão que admite e incita a violência, mas
não tolera os protestos – como também o da “ignorante”, “que não conhe-
ce os direitos”, “desqualificada”. A prisão feminina é construída simbolica-
mente como um espaço onde não há organização, solidariedade, e embora
menos violento (as rebeliões femininas são raras), é frequentemente asso-
ciado a um tipo de desordem, atribuída à “incapacidade nata” das mulheres
de conviverem pacificamente e segundo o regulamento vigente das cadeias
(masculinas, diga-se de passagem). É a partir desse imaginário sistematica-
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8 Idem.
9 Um exemplo marcante é a enorme resistência até hoje vivenciada ao reconhecimento da remi-
ção pela educação, ou seja, a extensão do direito previsto em lei no que toca ao trabalho
(o resgate de um dia na pena a cada três trabalhados) para a educação.
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EDUCAÇÃO E SEGURANÇA
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Educação ou punição
Rowayne Soares Ramos
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mais saliente e imediata ao leitor. Maurílio Souza Firmino relata que, no dia
a dia das prisões, a segurança acaba sendo entendida como um atributo de
“pessoas de cara feia, truculentas e autoritárias”. E Marizangela Pereira dá o
exemplo da “retirada de alunas [da cela] para a sala de aula” como uma oca-
sião constantemente acompanhada por um “tratamento de reprovação, por
acharem que elas só querem ir passear, trocar informações”. “Passear” e “tro-
car informações” são comportamentos inerentes à condição humana que em
nada ameaçam a “segurança” dos estabelecimentos penais ou da sociedade.
Censurá-los e, com isso, restringir a possibilidade de processos de ensino-
aprendizagem nas prisões só pode representar uma tentativa de reafirmar a
perversa lógica disciplinadora de que falavam os estudos de Foucault.
A educação não está necessariamente fora disso. Como adverte Ma-
nuel Rodrigues Português, a escola pode ser “mais um dos instrumentos
de dominação, subjugando os indivíduos ao sistema social da prisão ou ao
mundo do crime”. Um dos argumentos mais utilizados para se reivindicar
a oferta de educação nas prisões está baseado na crença, ingênua ou mal
intencionada, de que a educação poderá “transformar” os indivíduos presos,
fazer com que se “arrependam de suas trajetórias criminosas” e aceitem um
“conjunto de valores sociais” supostamente compartilhados por uma maioria
não-delinquente. Nessa leitura, a educação corresponde a uma simples ferra-
menta para a readequação ética dos presos, tendo como base, obviamente, a
ética de quem se pretende “de bem” (Sá, 2005). Por isso é que é importante
o alerta de Rowayne Soares Ramos no sentido de que, nas prisões, “alguns
sujeitos utilizam o conhecimento adquirido ao longo da vida para impor
ideias autoritárias e punitivas” e de que um olhar atento para as dinâmicas
educativas nas prisões pode revelar padrões inusitados de opressão baseados
na definição de “quem pode falar, quando pode falar, o que pode falar e
como pode falar”.
No que diz respeito às formas pelas quais o embate entre segurança e
educação se reproduz nas prisões, os textos revelam um notável processo de
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en prisiones en latinoamérica: derechos, libertad y ciudadanía. Brasília, DF: UNESCO,
2008, p. 143-170.
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EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL
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Mão para trás, cabeça baixa. “Sim, senhor”, “Não, senhor”, “Doutor”,
“Professor”.
O processo de institucionalização no cárcere assume, formaliza e na-
turaliza desigualdades da sociedade brasileira que na rua, mesmo que apenas
retoricamente, são combatidas.
Objetivamente, o disciplinar da palavra falada e dos corpos que dizem
joga o ideal de respeito para um marcador de desigualdade muito evidente.
Se “sai de rua”, o estigma de preso não sai da mente, das relações
sociais diversas, de burocracias estatais e mesmo do corpo. Como me dizem:
“É física a parada.”
Parece ser contraditório, mas, mesmo para uma pretensa vanguarda,
até seria suportável a igualdade para os Kaigang, mulheres quebradoras de
coco e quilombolas...
Mas, e para pessoas que cometeram crimes?
É que tem gente que acha que quem cometeu crime veio para cá de
nave espacial.
Efetivamente não trabalhamos com a ideia de igualdade como valor,
seja do ponto de vista biológico, antropológico, marxista, liberal ou mesmo
religioso na lógica do “todos são filhos de Deus”.
A ideia de prisão especial talvez seja o mais tosco exemplo de que, na
luta pela sua derrubada, se via a manutenção do privilégio alargando-se o
leque de beneficiários.
O coração da resistência contra a educação no cárcere parece estar aí.
Para aqueles que já lidam com a ideia de igualdade, segue a ques-
tão do tipo de educação. Volta e meia confunde-se educação com ades-
tramento a partir de uma determinada visão sobre ressocialização e rein-
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Por outro lado, a educação escolar sempre está no limiar de ser o cár-
cere dentro do cárcere, reproduzindo a escola com grades físicas, curriculares
e outras grades da escola da rua.
Sempre há o risco de professores que não lidam com a ideia de nego-
ciação constante própria do espaço que estão e se fecham em copas. Há tam-
bém o risco daqueles que no processo de atuação em presídios naturalizam
o engolir sapos para construir jardins e perdem a consciência de que estão a
engolir sapos apenas em função de valores maiores e que os problemas estão
para além de um inspetor penitenciário. Aliás, tratar todos os inspetores como
sendo somente a repressão me parece um equívoco para que o professor seja
somente o bonzinho.
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Ensino médio 18 8 a 10 21
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No entanto, isto não é muito real. Se definirmos uma prática informal como
aquela que ocorre no cotidiano da nossa vida, a ação de uma mãe e de um
pai educando seus filhos poderia ser classificada nesta categoria. Mas, apesar
de ser uma ação pouco formal e assistemática, não podemos negar que ela é
intencional – como por exemplo, educar uma criança a não bater em outra
criança. Não se faz um curso para isto, é uma ação permanente e assistemá-
tica, mas não destituída de intencionalidade.
Se a ideia foi classificar e mostrar as fronteiras até agora entre os
diversos campos, isto não significa que não haja interações entre eles. Jau-
me Trilla identifica estas interações de diferentes sentidos1. As relações de
complementaridade que ocorrem em função da insuficiência de cada uma
delas atender igualmente a todos os aspectos e dimensões da educação. Uma
tem sua ênfase maior na formação para o conhecimento, outras com maior
ênfase na formação moral, ou ética, ou afetiva. Enfim, são ênfases que dão
a necessária complementaridade à formação do ser humano. As relações de
suplência ocorrem quando uma é insuficiente para completar os objetivos do
educando, como por exemplo é o caso de um aluno que aprende a se exerci-
tar na escola, mas não o suficiente para sua demanda de ser um atleta, o que
demandaria uma formação específica não escolar. Há ainda as interações de
substituição, como é o caso dos frequentes trabalhos realizados por organi-
zações não-governamentais e movimentos sociais que acabam substituindo o
papel do sistema público na escolarização da população. Ou o inverso, quan-
do se espera da escola uma educação que dê conta de todos os aspectos da
vida, como formar para o consumo consciente, educar sexualmente, ou fazer
catequese, ou código de trânsito. Há ainda as relações de colaboração, nas
quais as interações ocorrem como uma forma de reforço mútuo no cumpri-
mento da missão de cada um – caso, por exemplo, dos trabalhos das escolas
em museus, ou bibliotecas públicas.
1 Veja “La educación no formal” de Jaume Trilla Bernet, in: Aportes a las Prácticas de Educación
no Formal, desde la Investigación Educativa, Ministerio de la Educación y Cultura, Universidad de La
República, Montevideo, enero 2009.
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Sobre os autores
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Ednéia Gonçalves: Cientista social com especialização em educação.
Pesquisadora da área de EJA com atuação nas áreas de formação de docentes
e gestores educacionais e elaboração e avaliação de projetos socioeducativos.
Assessora técnica da AlfaSol.
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Manoel Rodrigues Português: Pesquisador do tema educação em prisões,
autor de Educação de adultos presos: possibilidade de contradições da inserção
da educação escolar nos programas de reabilitação do sistema penal de Estado
de São Paulo, obra de referência na área. Atuou por 16 anos na coordenação de
formação da Funap-SP.
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Moacir Gadotti: Professor titular da Universidade de São Paulo (USP),
diretor do Instituto Paulo Freire e autor de várias obras, dentre elas A educação
contra a educação; Convite à leitura de Paulo Freire; História das ideias pedagó-
gicas; Pedagogia das práxis; e Perspectivas atuais da educação.
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Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e
membro do conselho técnico e cientifico de educação básica da Capes.
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Este livro foi impresso sobre papel Alta Alvura 90g
pela Eskenazi Indústria Gráfica, em janeiro de 2009, São Paulo.
A série CEREJA discute, do Centro de Referência em Educação
Educação
em prisões
exercício pleno da cidadania das pessoas analfabetas ou pouco
Cereja
Centro de Referência
em Educação de Jovens
e Adultos