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TEXTO POR BRUNO SANT’ANNA

O universo bizarro de Petter Baiestorf

Monstros, sangue, membros decepados, gosma, sexo, palavrões e muito humor


negro. Quem assiste os filmes de Petter Baiestorf pela primeira vez pode considerá-los
vazios e nojentos por causa de todas as características citadas, mas seu conteúdo vai
muito além do visual. Em suas obras, o cineasta faz críticas sociais pesadas, debochando
da hipocrisia das igrejas cristãs, do cenário político mundial e dos valores conservadores
enraizados na sociedade brasileira. Esse clima anarquista e rock and roll chamou a
atenção de cinéfilos e revistas especializadas, transformando o excêntrico diretor em um
ícone do cinema independente e respeitado nacional e internacionalmente.

Nascido em 1974 na cidade de Palmitos, em Santa Catarina, Petter teve seu


primeiro contato marcante com a sétima arte aos oito anos, quando convenceu sua avó a
levá-lo para ver o longa-metragem O último cão de guerra, de Tony Vieira. “Esse filme
com muita violência, muito sangue, muitas cenas com efeitos especiais, me marcou
muito, mas não no aspecto de ficar chocado”, revela Baiestorf, que desde pequeno tinha
noção de que obras cinematográficas se valem de artifícios falsos para passar a ideia de
realidade.

Como sua terra natal possui pouca tradição com o cinema e os poucos cineastas
locais realizavam obras mais “limpinhas” e “quadradas”, o catarinense colocou seu foco
em desenhar revistas em quadrinhos no começo dos anos 1980, já descobrindo sua
tendência por uma estética mais “suja”. Esse estilo se reflete nas suas influências
cinematográficas, como o diretor americano John Waters, cujos longas-metragens
possuem muito conteúdo escatológico, e o japonês Koji Wakamatsu, que incorporava
elementos eróticos nos seus filmes com pensamentos políticos e sociais.

Não demorou muito para Petter conhecer o movimento musical punk e o cenário
artístico independente, descobrindo que a arte não precisa ser unilateral e que ele
poderia juntar a música, sua experiência criando histórias em quadrinhos e sua vontade
de criar seus próprios filmes. Em 1992, Baiestorf fundou a Canibal Filmes, a produtora
independente nacional mais antiga a fazer obras cinematográficas com seu próprio
dinheiro e recursos. Seu reconhecimento nacional aconteceu em 1995, quando lançou o
longa-metragem O monstro legume do espaço. “Os grandes jornais e revistas
descobriram o Ed Wood, do Tim Burton, nessa mesma época e estavam interessados
pela cultura trash”, contextualiza o diretor, explicando a grande repercussão da sua obra
na imprensa, que logo conquistou a fama de cult.

O monstro legume do espaço foi feito de forma completamente independente:


pouquíssimo dinheiro, maquiagem e figurinos improvisados, amigos servindo como
atores e câmeras não profissionais. Esse estilo de produção influenciou muitos cineastas
brasileiros que desejavam ingressar no cinema, mas não possuíam um grande orçamento
e muito menos equipamentos de última geração. “Eu gravei o meu primeiro filme em
1998, chamado Soul Crusher 2: A vingança do homem coisa, e foi muito motivado por
causa do Monstro legume”, relata Cristian Verardi, cineasta e amigo de Petter. “Eu
pensei: se esse maluco consegue fazer essa merda, eu também posso”.

O longa-metragem foi um sucesso de vendas também. Petter aproveitou a


visibilidade na imprensa e começou a vender a obra em VHS pelos correios. Na época
foram vendidas mais de mil e duzentas cópias, cujo dinheiro obtido financiou quatro
outros filmes, dando mais liberdade para que o diretor continuasse seu processo criativo.
“Eu pude fazer um filme chamado Super Chacrinha e seu amigo Ultrashit em crise
versus Deus e o Diabo na terra de Glauber Rocha, que é uma homenagem a toda
estrutura do cinema marginal brasileiro”, conta Baiestorf. “Eu sabia que ninguém ia
gostar, mas eu queria fazer e o dinheiro era meu”.

Após alguns anos fazendo trabalhos pequenos e algumas aventuras dirigindo


pornôs, Petter lança a sua primeira história de zumbi: Zombio, em 1999. O média-
metragem foi o resultado de um projeto fracassado chamado Andy, em que os atores e a
equipe não estavam em sintonia e a maquiagem estava péssima. Depois de um mês das
gravações frustradas, ele aproveitou todo o material que tinha conseguido anteriormente
e gravou a história de um casal de turistas que são atacados por uma horda de zumbis. A
obra fez sucesso entre os jovens e vendeu uma boa quantidade de cópias, ganhando uma
sequência em 2013 chamada Zombio 2: Chimarrão zombies.

Entre todas as suas produções, a preferida de Petter foi Vadias do sexo


sangrento, de 2008. Acostumado com o baixo orçamento, durante o processo de
filmagem de algumas de suas obras o diretor tinha que parar e reescrever o roteiro do
projeto para não ficar muito caro, porém, isso não aconteceu com o Vadias. Baiestorf
conseguiu gravar o curta-metragem em quatro dias e o elenco estava em total sintonia,
resultando em 30 minutos cheios de sangue, sexo, violência e humor negro. “É um filme
que eu me divirto toda a vez que vou ver, pois é muito livre”, revela o diretor.

O estilo transgressor e criativo de Petter Baiestorf atraiu não só os fãs de filmes


trash, mas também diretores de cinema conceituados. Durante o Festival de Cinema do
Rio de Janeiro, em 2016, Cristian Verardi conheceu o cineasta Kleber Mendonça Filho,
responsável por obras como O som ao redor e Aquarius, que concorreu a Palma de
Ouro no Festival de Cannes do mesmo ano. Para a sua surpresa, Mendonça Filho
declarou ser fã da produtora Canibal Filmes e que até trocou cartas com Baiestorf na
década de 1990. “Eu ensinei a ele como não fazer filmes”, responde Petter com uma
risada após saber da informação.

Por mais insanas e difíceis de serem digeridas, as obras de Baiestorf possuem


uma extrema importância dentro do cenário cinematográfico atual: mostrar que a arte
não precisa ser uma linha reta, engessada e cheia de arquétipos elitistas. Com uma ideia
na cabeça e uma câmera na mão, se pode transmitir uma mensagem para o público,
mesmo ela vindo da forma mais bagunçada possível. “Numa sala de aula mesmo, se
todo mundo fosse santinho e quetinho, só iria aborrecer. As boas ideias vem dos caras
retardados”, ri e conclui Petter.

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