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Rio de Janeiro
2018
Douglas de Toledo Vaz
Rio de Janeiro
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
es CDU 374(815.3)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
___________________________________ _______________
Assinatura Data
Douglas de Toledo Vaz
Banca Examinadora:
_________________________________________
Profª. Dra. Jane Paiva (Orientadora)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
_____________________________________________
Profª. Dra. Ana Karina Brenner
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
_____________________________________________
Profª. Dra. Eliane Ribeiro Andrade
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro — UNIRIO
Rio de Janeiro
2018
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a todos os trabalhadores pioneiros dessa cidade que formaram a
base de Volta Redonda, em especial aos meus entrevistados (Antônio Amaro Pierramatei,
Francisco Augusto da Silva, Cícero Baptista Teixeira e Nelita Maria da Silva Teixeira e Naim
Dibb) que colaboraram com suas trajetórias e nos permitiram, por meio de suas memórias,
vislumbrar os processos de educação de adultos da usina Presidente Vargas.
AGRADECIMENTOS
À Deus pois é por Ele e para Ele que eu faço todas as coisas.
À minha magnífica, linda e paciente esposa que me apoia e vive com minha ausência
para que eu possa realizar meus sonhos, e esse foi mais um.
Aos meus familiares que me apoiam e acreditam que eu chegarei onde eu sonho
chegar.
A todos que, de forma direta (muitas vezes fazendo o meu serviço para que eu pudesse
estudar) e de forma indireta (incentivando, motivando e muitas vezes me desafiando a ser
mais).
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si mediatizados pelo mundo.
Paulo Freire
RESUMO
VAZ, Douglas de Toledo. Youth and Adult Education in Volta Redonda: Trails forged in
steel. 2018. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
This research has delved into primary sources, in collections and documentary records
of the Companhia Siderúrgica Nacional – CSN (National Steelworks Company), ranging from
1940-1960, and the memory of ex-workers from the industry, as oral sources, as a means of
getting to know the actions in education and formation of working adults, aiming to answer
the following question: how did the schooling and professional qualification processes get
done in the early days of the Usina Presidente Vargas (President Vargas Plant). To that end, it
has researched the process of formation in the city of Volta Redonda, born to supply the needs
of the basic industry, and how the adults (almost always illiterate) that worked at the plant
since its building, as construction workers, and then after, as industry laborers in the various
jobs required, got to it. The theoretical framework was based on the education law of the time,
and on national and international concepts of adult education in order to comprehend the
meanings developed in that place; A number of authors that have also studied the history of
the city’s development and the industry’s implantation were also precious historical sources.
The analysis of the documentary sources was born from this reference frame, complemented
by the memories of deponents that contributed elements to the understanding of the
documentation, almost always validating it. The subjects of the research were ex-laborers of
the Companhia Siderúrgica Nacional, from 1940 to 1970, in the municipality of Volta
Redonda. The study was justified in the need of unraveling memories and rebuilding, as much
as possible, the history of education of adults in Rio de Janeiro, specifically in the Médio
Paraíba area. In the end, what can be said is related to how professional formation processes
were intensified by the CSN, and the schooling ones were not, almost always being done by
the workers themselves, outside the factories’ doors, even when in a situation of scarce
schooling or lack thereof of the ones who worked at the most diverse posts, demanding of
formal knowledge supposedly acquired in regular schooling. Relating to the workers, the
professional stimulus was linked to the continued formation for the exercise of labor, what
meant formation, qualification and perfectioning. Success in the offered courses was
contemplated with better wages and even change in posts. However, the company’s long-term
plan was to educate the worker’s children in order to make them future employees, to such
end that, not few times, the company supported and endorsed Volta Redonda’s municipal
education network.
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 12
1 EDUCAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E MEMÓRIAS......................................... 18
1.1 Educação popular ....................................................................................................... 18
1.2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ................................................................ 20
1.3 Educação ao longo da vida ......................................................................................... 23
1.4 As Conferências de Educação de Adultos ................................................................ 25
1.5 Educação de Adultos pré-industrialização ............................................................... 28
1.6 Inicia-se a industrialização de base no Brasil – a mudança da sociedade ............. 30
1.7 Campanhas de alfabetização de adultos ................................................................... 34
1.8 Após as Campanhas .................................................................................................... 35
1.9 Escolarização na Companhia Siderúrgica Nacional ............................................... 37
1.10 Memórias orais............................................................................................................ 39
2 A FORMAÇÃO DE VOLTA REDONDA ............................................................... 42
2.1 Histórico Pré Volta Redonda ..................................................................................... 45
3 EDUCAÇãO DE JOVENS E ADULTOS À SOMBRA DA CSN........................... 60
3.1 As primeiras referências ............................................................................................ 60
3.2 Atores do processo e suas vivências .......................................................................... 62
3.2.1 Antônio Amaro Pierramatei .......................................................................................... 62
3.2.2 Francisco Augusto da Silva .......................................................................................... 64
3.2.3 Cícero Baptista Teixeira e Nelita Maria da Silva Teixeira ........................................... 67
3.2.4 Naim Dibb .................................................................................................................... 70
3.3 A trajetória da educação na CSN: O Lingote ........................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 88
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 93
ANEXO A – Volta Redonda: cidade do aço ................................................................ 99
ANEXO B - A construção de uma usina/cidade ........................................................ 104
ANEXO C – A educação de adultos e "O Lingote"................................................... 111
12
INTRODUÇÃO
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que
não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições
de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
[...]
Art. 38. [...] § 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por
meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. (BRASIL, 1996,
Art. 37 e §1º.; Art. 38 § 2 º.)
Além disso, no inciso III, Art. 27 ("Os conteúdos curriculares da educação básica
observarão, ainda, as seguintes diretrizes:"), a mesma Lei declara que esses conteúdos devem
conter "orientação para o trabalho", o que não se pode confundir com formação para o
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mercado de trabalho, pois esse artigo trata, além da orientação para o trabalho, no inciso I
―[...] de difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos
cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;‖ ou seja, apontando que a
educação não se reduz a uma formação estreita, mas à formação humana e cidadã.
Na atualidade, vem-se resgatando a necessidade de formar trabalhadores cujos
processos pautem-se na ciência, na técnica e na tecnologia, o que está corroborado pelo texto
da LDBEN. Mas não se pode desconsiderar que esta concepção se faz em tensão e disputa
com o sistema capitalista, que acentua a divisão ―[...] entre trabalho intelectual e manual como
estratégia de subordinação, tendo em vista a valorização do capital‖ (KUENZER, 2010, p.
861).
Os registros sobre educação de jovens e adultos nas concepções que se discutem na
atualidade são muito recentes. Por muito tempo as escolas noturnas eram a única forma de
alfabetizar adultos que, após um dia árduo de trabalho, se encaminhavam a uma classe que,
em muitos casos, eram informais, nas quais os que ―sabiam um pouco mais‖ transmitiam ―aos
que nada sabiam‖. Somente com o processo de industrialização é que se pode perceber
algumas melhorias no processo.
Na pesquisa aqui apresentada, pude observar que a construção da Usina Presidente
Vargas, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), foi um marco histórico na região
conhecida como Médio Paraíba, e principalmente para a cidade que nasceria ao seu entorno,
Volta Redonda. Fundada em 9 de abril de 1941 por Decreto do então presidente Getúlio
Vargas, tinha como objetivo fornecer aço aos aliados, durante a Segunda Guerra Mundial e,
em tempos de paz, ajudar o desenvolvimento do Brasil.
Com o advento dessa indústria, muitos foram os migrantes que chegaram à cidade,
vindos de vários cantos do país, mas principalmente do Rio de Janeiro, de São Paulo, de
Minas Gerais, do Espírito Santo e de vários estados da região Nordeste.
Em um país que até este momento vivia muito mais voltado para o campo, isto é, para
o trabalho agrário, e não tinha mão de obra especializada, a chegada da indústria a Volta
Redonda exigia trabalhadores com perfil diferente. Os que chegavam, em maioria agricultores
e analfabetos, não tinham experiência de trabalho na construção civil para pôr de pé a planta
industrial, nem nos processos de produção de uma indústria cuja tecnologia e conhecimentos
exigiam mão de obra qualificada. Eram esses os trabalhadores que teriam de atuar na
construção de uma faraônica indústria, com tecnologia de ponta e requerimentos de
conhecimentos que os migrantes não apresentavam. A implantação da indústria teve de se
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fazer junto à formação de trabalhadores que, além de não qualificados para as funções, em
larga escala eram, em considerável parte, não alfabetizados.
Assim, essa pesquisa justificou-se no âmbito da compreensão de como se deu a
formação inicial desses trabalhadores, cujas condições desafiavam a indústria que recém se
implantava, não apenas no tocante às especificidades do que exigia a produção do aço, mas
também quanto à compreensão de que esta formação específica dependia de escolaridade e do
saber ler e escrever. Além disso, a empresa nascia sob um projeto nacional de transformação
da sociedade que se instalaria em seu entorno A pesquisa, por isso, investigou que instituições
foram responsáveis pela alfabetização e/ou formação e capacitação dos trabalhadores e como
se davam as formações para o serviço da indústria de produção do aço. De modo secundário,
penso que apontei pistas de como foram sendo cumpridos os objetivos de criar uma sociedade
que serviria ao propósito da indústria na região.
Entendendo os fenômenos alcançados, de alguma forma compreendi aspectos da
formação política que os trabalhadores entrevistados demonstraram em suas narrativas e o
modo como a cidade passou a lidar com a educação de adultos, essencial para a formação dos
trabalhadores, além das iniciativas culturais que foram sendo instaladas na sociedade
voltarredondense, que surgia ao redor dessa indústria.
Como objetivo geral da pesquisa, enunciei a ideia de construir um histórico das
experiências de educação de jovens e adultos e educação ao longo da vida na cidade de Volta
Redonda, estado do Rio de Janeiro, após o ano de 1940 até 1970, período que marcou o início
das obras da Companhia Siderúrgica Nacional, início do funcionamento, e emancipação da
cidade.
Como objetivos específicos, defini: construir um histórico dos acontecimentos que
levaram à formação e emancipação da cidade de Volta Redonda; desenvolver um aporte
teórico sobre a educação popular e a educação de jovens e adultos, educação ao longo da vida
pré-industrialização e após os anos de 1940 que deram sustentação às experiências
vivenciadas em torno da usina da CSN; analisar documentos e registros históricos para a
criação de uma cronologia de como e quais ações ocorreram na cidade; realizar entrevistas
para evocar memórias de processos educacionais voltados para jovens e adultos no período
pós CSN; registrar em áudio e transcrever as entrevistas coletadas; estabelecer paralelos entre
práticas e discursos da época enfocada com a atualidade, no que se refere à educação de
jovens e adultos, educação popular e educação ao longo da vida.
Os objetivos supracitados, bastante ambiciosos, não foram em muito atendidos, por
diversos fatores que se interpuseram no caminho do curso de mestrado, tanto no que respeita à
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minha inserção profissional, não sendo bolsista, o que determinou maiores restrições nos
tempos de busca sistemática de instituições e atores que me franqueassem acesso à
documentação e a dados. Com isso, quero informar que a presente dissertação não contempla
uma realidade mais ampla da educação e adultos no período definido, mas aproxima leitores e
futuros pesquisadores de um tema ainda por desvendar, cujos indícios e primeiras sinalizações
foram aqui contempladas.
Minha metodologia de pesquisa, pelos limites apontados ficou restrita, quase
exclusivamente, a um levantamento documental que procurei sistematizar e organizar,
apresentando-o nos principais aspectos relacionados aos objetivos traçados e a quatro
entrevistas realizadas.
Assim, de acordo com Gil (2008), esta pesquisa pode ser classificada como básica, por
ter aportado elementos novos e úteis para o crescimento e desenvolvimento da ciência, sem
aplicação prática prevista e, ainda, com análises bastante incipientes. Considera-se ser esta
uma pesquisa exploratória, que permitiu maior familiaridade entre o objeto de pesquisa e o
pesquisador. Sua riqueza consistiu no desvendamento de fontes documentais e algumas fontes
orais que não imaginava mais possível de acessar, face ao distanciamento temporal em que as
ações iniciais ocorreram.
Em relação aos procedimentos metodológicos, segundo os critérios indicados por
Gerhardt e Silveira (2009), a pesquisa foi dividida em três fases: a) num primeiro momento,
bibliográfica, quando tratei os registros históricos sobre a formação da cidade de Volta
Redonda, sobre alfabetização e formação de jovens e adultos no Brasil a partir de 1930; b) em
seguida, conformou-se a pesquisa documental, principalmente sobre registros qualitativos,
apontamentos quanto à metodologia e práticas de educação executadas a partir da chegada da
CSN, e no acervo do periódico O Lingote, que constituiu a maior surpresa como fonte
documental achada nos arquivos da empresa; c) por fim, a terceira fase tratou das entrevistas,
quando captei informações de fontes orais, completando lacunas e corroborando informações
das fontes documentais.
As entrevistas realizadas com ex-funcionários que viveram e trabalharam na Usina
naquela época reforçaram o que Zanella (2009) destaca, de que as entrevistas possibilitam que
o respondente exponha suas ideias — e nesse caso, memórias —, evitando respostas fixas,
próprias de questionários fechados. As memórias dos depoentes, olhadas a partir de alguns
aportes teóricos, ajudaram a compreender o que envolveu a instalação e o desenvolvimento da
Usina, pela ótica dos que vivenciaram aquele tempo. Compreender como a memória permite
entender pessoas e grupos de pessoas e suas estruturas significa, para Alberti (2006, p. 165),
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De acordo com Pereira e Pereira (2010), educação popular seria sinônimo de conflito,
por não ter nascido dentro de estruturas escolares fechadas como as conhecemos ainda hoje;
ao contrário, afirmam que ela nasceu na busca de emancipação, pelo desejo de participar e ser
ouvido, em associações de moradores, movimentos populares organizados, de igrejas, em
assembleias sindicais etc. Essas organizações populares tomam como base a liberdade —
requerimento de seres humanos para a emancipação social. A força desses movimentos, em
muitos casos, adentrou salas de aulas e espaços formais de educação como possibilidade de
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Por essa perspectiva os objetivos da educação popular podem ser analisados, porque
também podem ser difusos e, por isso, se anularem; se por um lado eles podem servir para a
libertação do indivíduo, por outro podem aprisioná-lo, a depender dos objetivos de quem
controlará os processos educativos.
Educação ao longo da vida nos remete ao ideal de ―eterno aprendiz‖, como bem
metaforiza o poeta (GONZAGUINHA, 1982). A ideia é a de estarmos aprendendo sempre e
que seja um aprendizado fluido. Kastrup (2001, p. 107) relata a importância dessa fluidez e do
quanto se precisa descristalizar o aprendizado, num looping permanente de aprendizagens e
desaprendizagens:
Na América Latina não houve ênfase no conceito, porque os países, regra geral, não
haviam conseguido universalizar a educação para todos, especialmente para as jovens
gerações. Dar acesso não significa oferecer educação, na perspectiva neoliberal em que se
valoriza o conhecimento útil em que emergem questões competitivas e individualistas.
(GADOTTI, 2009)
A I Conferência recebeu muitas críticas, entre elas, de que não se caracterizava como
um evento internacional, visto que a maioria das nações presentes eram da Europa; que a
educação de adultos ainda não se estabelecera como modalidade, mas tratada na perspectiva
de educação nacional; que sua importância para a redução de problemas de um país não
estava definida; e que ainda tinha o título de ser uma educação utilitária, como no modelo
americano.
Além dessas, outra crítica feita era de que os presentes não representavam as
demandas de educação de adultos, sendo muitos dos convidados presentes já esquecidos em
seus feitos.
Mesmo com esses problemas, a Conferência de Elsinore foi um divisor de águas na
educação de adultos, por representar um grande passo na cooperação e consulta no que tange
a educação de jovens e adultos. (HELY, 1962apud KNOLL, 2005).
A Conferência objetivava uma análise crítica da educação de adultos na maior parte
dos países, quase sempre secundária e distante do protagonismo dos sujeitos. Os delegados
eram céticos em relação à educação de adultos e outros delegados tinham histórico de lutas
em seus países de origem. Os grupos de trabalho voltavam-se para pontos chave da educação
de adultos, como: objetivos, dificuldades de organização, metodologia, colaboração
internacional etc. Nas discussões surgiam desdobramentos como, por exemplo, no grupo de
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De acordo com Friedrich, Benite et al., (2010) a educação de adultos nasceu a partir
do momento em que houve falhas no processo de escolarização formal, e compreende um
arcabouço de processos e práticas formais e/ou informais, que estão ligados à aquisição ou
ampliação de conhecimentos básicos, de habilidades técnicas, profissionais e socioculturais.
Haddad, Di Pierro (2000) afirmam que estes processos nascem de modo mais ou
menos sistemático, em ambientes diversos como igrejas, família, associações trabalho,
espaços de lazer ou socioculturais e, mais recentemente, se reafirmam em cursos de
modalidade a distância (EaD).
Por ser modalidade plural e que se consolida em diversos espaços, tratar da EJA pode
ser crítico, pois muitas vezes as abordagens se tornam amplas e se perdem em múltiplas
observações.
Segundo Friedich, Benite et al. (2010) em toda a proposta de educação de adultos há
uma plataforma política voltada, principalmente, para recuperar a escolarização do indivíduo
que não usufruiu do direito de acesso à escola e, finalmente, tornando-se um modo de
suplementar ou complementar a vida escolar.
Em Gadotti e Romão (2006 apud FRIEDICH, BENITE et al., 2010, p. 393), os termos
―educação de adultos, educação popular, educação não formal e educação comunitária são
usados como sinônimos, mas não o são‖. A modalidade de educação de jovens e adultos
caracteriza-se pela postura da United Nations Education Social and Cultural Organization
(UNESCO) que denota ser ela uma área específica da educação. A educação não formal,
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como concebida nos Estados Unidos, faz referência à educação de adultos dos países de
terceiro mundo, à qual se reserva o uso do termo educação de adultos.
No Brasil, a educação não formal será compreendida como uma educação realizada
em locais onde o governo não conseguiu ou se omitiu de participar, apresentando-se de forma
não parceira com as entidades governamentais. A educação popular tem concepção diversa da
educação de adultos concebida pelos organismos oficiais: aparece nos espaços em que as
necessidades surgem ou em que o Estado não tem vontade política ou força para atuar. Com
os ensinamentos de Paulo Freire, a educação popular nasce com respeito aos saberes
populares. (GADOTTI; ROMÃO, 2006 apud FRIEDICH, BENITE et al., 2010).
A alfabetização de adultos, de acordo com Paiva (1973), data da chegada dos
portugueses no Brasil, quando houve necessidade de catequizar os índios e, assim, preparar os
habitantes que aqui moravam para atuarem como serviçais da nobreza e do clero, utilizando a
alfabetização em língua portuguesa como instrumento de aculturação da população indígena.
Introduzir o adulto em processos de alfabetização não é apenas um ato de ensino, mas
de ter perspectiva de mudança. No período colonial, existiam poucas escolas e estas eram
destinadas às classes média e alta. O ensino não tinha como meta apenas os conhecimentos
científicos mas, principalmente, propagar a crença católica. Como as crianças estudavam, não
havia necessidade de alfabetizar adultos. As classes baixas não tinham acesso à educação e,
quando o tinham, era de forma indireta e assistemática, sem iniciativas das lideranças do país.
A educação escolar no período colonial teve três fases: a de predomínio dos jesuítas;
a das reformas do Marquês de Pombal, principalmente a partir da expulsão dos
jesuítas do Brasil e de Portugal em 1759; e a do período em que D. João VI, então
rei de Portugal, trouxe a corte para o Brasil (1808-1821) (GHIRALDELLI JR.,
2008, p. 24)
De acordo com Paiva (1973) a primeira escola noturna no país surgiu em 1854 e
objetivava alfabetizar trabalhadores. A expansão foi veloz, pois 20 anos depois já existiam
cerca de 110 escolas espalhadas pelo Brasil com fins bem específicos, como por exemplo, no
Maranhão, em que era voltada para dar clareza aos colonos de seus direitos e deveres, isto é,
noções de cidadania; no estado do Pará, servia como ferramenta de aculturação, alfabetizando
indígenas.
Com a expulsão dos jesuítas no século XVIII, o ensino de adultos desestruturou-se e
tal perspectiva só voltou aos meios de discussão quando o Brasil se tornou Império. Com a
promulgação do Decreto n. 3.029, de 9 de janeiro de 1881 (Lei Saraiva) criou-se a primeira
reforma eleitoral no país. Nesse momento, o título de eleitor foi instituído e, com ele, ficavam
os analfabetos proibidos de votar, pois havia o entendimento de que a educação era uma
forma de ascensão social e, o contrário, o analfabetismo, uma forma de inabilidade social.
Durante a transição Império-República, a escolarização era tida como redentora de todos os
problemas que o país enfrentava, por isso ocorreu intensa expansão da rede escolar,
juntamente com as ―Ligas contra o analfabetismo‖ que visavam pôr fim ao problema de não
escolarização, para que o analfabeto galgasse o direito de voto (PAIVA, 1973).
Ainda nos anos de 1910, de acordo com Friedrich, Benite et al. (2010), a escolarização
— e junto a ela a educação voltada para adultos — teve melhoria no que tange à qualidade e
ao avanço dos processos didáticos e pedagógicos. O que assumia protagonismo nas
discussões e conversas sobre educação era o papel do protagonismo do Estado diante da
educação. Esses debates adentraram as décadas de 1920-1930 e, diante das mudanças
econômicas e políticas do processo de industrialização iniciadas na década de 1930, a
educação de adultos inicia sensíveis marcas no cenário brasileiro, enquanto as reformas dos
anos 1920 vão tratar da educação em âmbito geral, e causar afetação na educação de adultos.
As discussões realizadas em 1928 no Distrito Federal põem a educação de adultos em
destaque, trazendo vigor ao ensino de adultos nos primeiros anos da década de 1930 (PAIVA,
1973).
[...] a educação de adultos que inicia a sua evolução no país, nos meados da década
de 1940, não mais se confunde com as práticas que a precederam na fase anterior.
[...] Uma legislação fragmentária, que não caracterizava um compromisso das
administrações regionais para com a extensão de serviços às populações adultas, e
um pequeno número de escolas mantidas pelas iniciativas estaduais, municipais e
particulares, e abertas aos reduzidos contingentes de adultos [...] cedem lugar, nessa
nova fase, a um empreendimento global do governo da União. Postula-se, agora,
uma necessidade de educação de todos os habitantes adultos. (BEISIEGEL, 1982, p.
10).
De acordo com Fávero (1984), a Unesco definia que educação de base era considerado
mínimo, o mais basal dos conhecimentos, de acordo com necessidades do indivíduo, mas não
deixava de considerar as problemáticas do coletivo em que estava inserido, para intervir em
busca de soluções. Esta concepção ganha grande impulso, corroborando os projetos de
desenvolvimento que se iniciavam no Brasil. Mesmo que as campanhas de massa tenham
fracassado em boa parte do mundo, o Brasil continuava a investir em tal empreitada.
Nesse contexto, a preocupação que outrora era com os abandonados e aqueles que não
estavam originalmente inseridos na sociedade (como indígenas, negros etc.) passa para a
preparação do trabalhador para que venha a atuar no meio urbano e nas indústrias, formado
como profissional para atuar na prestação de serviços e nas fábricas. A educação permanece
com o viés assistencialista, mas também ganha a preocupação de formação profissional.
A educação de adultos institucionalizou-se a partir de 1942, com o Decreto n. 19.513,
que criou o Fundo Nacional do Ensino Primário, cabendo à União a tarefa de regulamentar e
programar a educação de adultos. Ao mesmo tempo, o pensamento industrial no Brasil vai-se
consolidando e também trazendo para si a organização científica do trabalho, visando à maior
produtividade e à melhor eficácia. Objetivava-se, nessa configuração industrial, educar jovens
e adultos trabalhadores tanto nas normas de aquisição do sistema de leitura e escrita (em que
se destacam as campanhas de alfabetização) quanto no que tange à qualificação, formação e
treinamento do trabalhador. Nesse contexto, cria-se no dia 6 de janeiro de 1942, pelo Decreto-
Lei n. 4.048 o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Colbari (1995) afirma
que o desafio mais difícil era difundir uma nova concepção de mundo que recebesse as novas
exigências de produção e produzisse condições básicas, materiais e ideológicas, para a
acumulação do capital.
O Decreto-Lei n. 4.073 de 30 de janeiro de 1942 (a Lei Orgânica do Ensino Industrial)
estabeleceu as bases da organização e do regime do ensino profissional em todo país, o que
outrora não existia. Tal Decreto traduzia o ensino técnico nas áreas de economia (indústria,
comércio e agrícola) o que demonstrava a tendência de levar o ensino técnico para os
empresários e tirá-lo do Estado, o que se configura até hoje, em maioria dos casos.
34
1
A CLT foi recentemente modificada no governo de Michel Temer, em acordo com o Congresso nacional, em
flagrante prejuízo à classe trabalhadora.
35
sistema educacional compatível, pensamento este corroborado mais tarde pela teoria do
capital humano.
Segundo Cardoso (1978), ter mão de obra qualificada passava a fazer parte da pauta
das discussões das políticas educacionais, sempre visando ao mercado de trabalho como
referência básica para planos e políticas. A preocupação era de tornar o trabalhador
qualificado e especialista para a necessidade momentânea do desenvolvimento da nação. Se
fosse siderurgia, formavam-se operários em especialidades dessa área, se fosse para o
comércio, formavam-se comerciantes etc. Assim, a educação coadunava-se com as
necessidades que surgiam e as complementava e dava base para a estruturação social.
Proponho, por isso mesmo, tratar a educação como um investimento e tratar suas
consequências como uma forma de capital. Dado que a educação se torna parte da
pessoa que a recebe, referir-me-ei a ela como capital humano e que aumentos
importantes na renda nacional são uma consequência de adições a esta forma de
capital. (SCHULTZ, 1973, p. 79)
A CSN ao ser instalada no Distrito de Santo Antônio de Volta Redonda trouxe com ela
trabalhadores de diversas localidades do Brasil e sendo esses trabalhadores da área agrária,
em maioria não haviam frequentado escola e não dominavam o emprego de construção civil e
muito menos o ofício da siderurgia que viria anos depois. Assim, com o objetivo de ser para
todo o Brasil um exemplo de sucesso em formação de trabalhadores, a CSN inicia em 1943 o
funcionamento da Escola Profissional que, mais tarde, se tornaria a Escola Técnica Pandiá
Calógeras, o maior formador de mão de obra para siderurgia dentro da cidade de Volta
Redonda.
Nessa perspectiva, a escola cumpriria duas funções primordiais: a primeira, de formar
mão de obra ―sob medida‖ para operacionalizar os equipamentos que funcionariam dentro da
empresa e, por outro lado, demonstrar a disciplina necessária que esses trabalhadores
precisavam desenvolver para se adaptarem ao cotidiano da empresa, além de difundir o
―espírito de colaboração‖ entre os integrantes da grande ―família siderúrgica‖. Toda a
metodologia era pautada em técnicas de psicologia social, para que todos pudessem agir com
senso de responsabilidade no coletivo, e com iniciativa pessoal (MOREL, 1989).
No momento inicial, os trabalhadores vinham para aprender o oficio da construção
civil nos canteiros de obras e havia pouquíssimas ofertas de educação de adultos, visto que
não seriam todos os trabalhadores que permaneceriam na empresa, pois não haveria vagas
para todos.
De acordo com relatos de trabalhadores, especificamente em entrevista com o Sr.
Antônio Pierramatei, os mais velhos, quando chegaram a Volta Redonda, poderiam estudar,
38
mas tinham de buscar cursos e escolas particulares, por conta própria. Não havia iniciativa da
empresa para tal e a única forma de aprendizado era a prática nos próprios canteiros de obras.
Os técnicos e experientes que vieram trabalhar ensinavam o ofício para os agricultores que
chegavam. Somente depois de 1943 é que algumas iniciativas de educação começaram a
surgir.
Assim, a primeira iniciativa de escolarização para além do processo de alfabetização e
de formação para o trabalho, após a abertura da Escola Profissional, foi o chamado Círculo
Operário, criado por iniciativa da Igreja Católica, fundado em 1946 com financiamento direto
da CSN. O Círculo funcionava como forma de controle, e respondia à diretoria da CSN.
Segundo o presidente do Círculo, em depoimento encontrado em jornal da empresa publicado
em março de 1960:
Nas últimas décadas, a discussão teórica sobre memória oral tomou algum
protagonismo nas discussões da pesquisa, principalmente, segundo Frochtengarten (2005), a
partir de acontecimentos posteriores aos anos vividos por Walter Benjamin e Simone Weil. O
holocausto e a bomba nuclear foram eventos que ameaçaram suas vítimas, relegando-as ao
esquecimento, e fizeram com que uma experiência do passado e seu relato se vinculasse de
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nenhum constrangimento, sem colocar em dúvida o que outrora se pensava ou falava; pelo
contrário, corrobora-se, reafirma-se e reforça-se o que está posto como verdade. Ao contrário,
o que o autor chamará de memória subterrânea, esta diverge em pontos ou em tudo o que está
posto, causando constrangimento; muitas vezes sem registro; e quando é posta desafia o
socialmente aceito; tem igual valor, porque só existe nesse registro oral, até que alguém surja
e faça com que a oralidade seja registrada.
Em caso contado no texto Memória, esquecimento, silêncio, Michael Pollak (1989)
relata o caso de uma deportada residente em Berlim e suas memórias, quando a mudez, o
silêncio sobre os fatos é muito mais fruto de gestão da memória do que do esquecimento
delas. O autor registra que, durante a entrevista, a pessoa dava dois significados diferentes
para os temos ―alemã‖ e ―judia‖, de acordo com o que aparecia em seu relato. Ora ela se
excluía dos termos, ora ela se incluía. Esse fato corrobora a ideia de que as memórias orais
são indissociáveis da vida particular do relator, e que muitas vezes essas memórias virão
carregadas de emoção, quanto mais se aproximarem ou se afastarem do socialmente relatado
em documentos e registros, podendo serem vistas como memórias coletivas ou subterrâneas.
Remetendo-nos à memória oral, Weill (1943 apud FROCHTENGARTEN, 2005) trata
os termos ―enraizamento‖ e ―desenraizamento‖ como aqueles entendidos de acordo com a
imersão e com o envolvimento do indivíduo nas memórias narradas. O homem enraizado
participa coletivamente de seu grupo e nele se sustenta, não perdendo seus costumes e
conseguindo, por meio de suas narrativas, repassar seus ideais e pensamentos para frente, pois
a coletividade ao redor dá força para a ação.
O desenraizamento trata de um indivíduo que é retirado de sua coletividade costumeira
e forçado a entrar em outra circunstância, o que o faz pouco a pouco perder suas narrativas,
não na perspectiva do esquecimento, mas, como relata Pollak (1989), pela gestão de suas
memórias que agora se confrontam e confundem com novas formas e narrativas. A exemplo
disso, podem ser colocados em voga os movimentos migratórios que aconteceram em
inúmeros lugares do mundo e também no Brasil, em especial (na perspectiva desse estudo) na
cidade de Volta Redonda. Nesse caso, segundo Frochtengarten (2005) o pensamento e as
habilidades aprendidas nos locais de onde se vem, perdem-se no local onde se instalam. O
personagem que outrora tinha uma forma de autogestão, mergulha em uma realidade de
subordinação à qual ele é submetido pelo trabalho e pelo medo de se tornar um
desempregado. Nesse momento, as tradições acabam por se atrofiarem diante da indústria
cultural.
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No Brasil, a partir da década de 1930, o Estado do Rio de Janeiro passou por diversas
transformações por causa da nova forma de produção que começava, e em seu interior, numa
cidade que pouco se destacava, Barra Mansa, daria origem a cidade de Volta Redonda que se
destacaria por receber a maior siderúrgica da América Latina. Sua localização numa região
chamada de Médio Paraíba no interior do Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: skyscrapercity.com
muita ocupação humana, a paisagem sofreu mais degradação, o que aumentou os processos
erosivos.
O Produto Interno Bruto (PIB) per capita do município é de R$40.174,38, deixando
Volta Redonda em 25º lugar no estado do Rio de Janeiro (RJ).
A cidade apresenta 96,1% de domicílios com esgotamento sanitário adequado; 63,4%
de domicílios urbanos em vias públicas com arborização; e 75,1% de domicílios urbanos em
vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiros, calçadas, pavimentação e
meio-fio). Quando comparados estes itens com outros municípios do estado, fica na posição
3/ 92; 43/92; e 3/92, respectivamente (IBGE, 2017).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município em 2010 estava em 0,771,
o que denota crescimento pequeno, mas progressivo, visto que em 1991 tinha 0,58 e em 2000
subira para 0,682.
A população no último Censo era de 257.803 pessoas e estimada para o ano de 2017
em 265.201 habitantes. A densidade demográfica está em 1.412,75 hab./km2.Com uma
população avaliada como jovem, de 20% de crianças de 0 a 14 anos, 65% entre 15 e 59 anos e
15% acima de 60 anos de idade, tem maioria da população declarada como católica apostólica
romana. A renda média é de 2,6 salários mínimos e a taxa de desemprego gira em torno de
18%.
O município é quase 100% urbano, não possuindo áreas significativas classificados
como rural o que caracteriza que a maior parte das ocupações trabalhistas estão na prestação
de serviços e em segundo lugar na indústria contradizendo em primeira instância os fatores
nascentes da cidade, fato esse, explicado pelo processo de privatização da empresa nos anos
de 1990.
A CSN ocupa uma grande área do município. Uma área significativa do centro da
cidade com a fábrica em si e mais diversos terrenos pela cidade que pertencem a CSN e que
durante a privatização foi vendida igualmente deixando a cidade com um gargalo de espaço
físico, fazendo a CSN, privatizada, a maior detentora de terrenos ociosos em Volta Redonda.
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Fonte: Googlemaps
Volta Redonda é uma cidade conhecida em todo o país pela existência da Companhia
Siderúrgica Nacional, criada em 9 de abril de 1941, nascida como empresa pública estatal e
estratégica para o desenvolvimento do país e privatizada em 1993 no governo de Fernando
Henrique Cardoso. Sua história, entretanto, não começa como município e, portanto, merece
ser minimamente contada.
Para compreender todo o processo que levou à construção da Usina Presidente Vargas
(CSN) e a criação do município de Volta Redonda, faz-se necessário viajar um pouco mais
além na história, para compreensão dos motivos pelos quais esse território geográfico foi
escolhido para abrigar a maior indústria siderúrgica da América Latina.
Era por volta do ano de 1727, e os jesuítas, depois de delimitarem o que seria a
Fazenda Santa Cruz, na Baixada, e que ainda hoje guarda este nome, transpassaram a Serra do
Mar e abriram um caminho para o início da colonização do Vale do Paraíba, na região medial.
Posteriormente, foi aberta a estrada ligando Rio de Janeiro a São Paulo, o que futuramente
receberia o nome de rodovia Presidente Dutra. Somente em 1744, no entanto, os primeiros
desbravadores nomearam a curva do Rio Paraíba do Sul, de Volta Redonda, quando a região
já estava sendo explorada por garimpeiros em busca de ouro e pedras preciosas. Muitas
fazendas se instalaram na região, com alguns nomes que ficaram até hoje, como Três Poços,
Belmonte, Santa Cecília, Retiro e Santa Rita — hoje nomes de bairros do município.
Logo no ano seguinte, 1728, Luís Vaía Monteiro, governador do Rio de Janeiro,
determinou que se abrisse uma estrada para São Paulo no sentido da Serra do Mar, vencendo
dessa forma a distância geográfica entre o centro paulista e a cidade do Rio de Janeiro, assim
nascendo a região do Médio Paraíba, habitada pelos índios Puris e Coroados.(ARIGÓ, 1989)
Em 1779, em nome do progresso da região recém descoberta, o sargento-mor Joaquim
Xavier Curado com ajuda do governante da capitania e do vice-rei, iniciou uma verdadeira
guerra que rechaçou os indígenas não adaptados ao trabalho servil. (ARIGÓ, 1989)
Depois de 22 anos, em 1801, as terras que futuramente formariam o município de
Volta Redonda são anexadas à Vila de Resende. (ARIGÓ, 1989). Em 1820, essas terras
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passam a ser subordinadas às Vilas de São João Príncipe e de Nossa Senhora da Glória de
Valença. (ARIGÓ, 1989)
Em3 de outubro de 1832, nasceu a Vila de São Sebastião de Barra, pelo ofício
encaminhado à Assembleia Legislativa do Império. Essa Vila, aproximadamente 100 anos
depois iniciaria um processo de industrialização, graças a reflexos oriundos da Grande
Depressão de 1929 e de sua posição geográfica que, aglutinados a uma manobra política,
veria parte de suas terras se emancipando, ficando ao lado do que seria conhecido como a
cidade mais desenvolvida da Região do Médio Paraíba, com a maior siderúrgica da América
Latina. Voltando no tempo, ainda, entre 1860 e 1870 a navegação pelo rio Paraíba do Sul
viveu seu período áureo entre Resende e Barra do Piraí. Ao mesmo tempo, os trilhos da
Estrada de Ferro D. Pedro II chegaram na Barra do Piraí e a Barra Mansa.
A Princesa Isabel e seu esposo inauguraram, em 16 de setembro de 1871, o trecho
ferroviário até Barra Mansa, que criava uma estação em Volta Redonda. Este fato,
futuramente, seria preponderante para a escolha de Volta Redonda como sede da Companhia
Siderúrgica Nacional. Também nesse tempo era inaugurada a primeira agência dos Correios.
(ARIGÓ, 1989)
De acordo com Athayde (1965) logo após a abolição da escravatura Santo Antônio de
Volta Redonda acentuou seu declínio. Com a Proclamação da República, alguns fazendeiros,
incentivados pelo Governo Estadual, ainda procuraram substituir a mão de obra que até há
pouco, era escava, pelo trabalhador livre.
No mês de dezembro do ano de 1890, imediatamente após a Proclamação da
República, o primeiro governador do estado do Rio de Janeiro criava o distrito de Paz de
Volta Redonda, formado por fazendas desmembradas de São Sebastião de Barra Mansa e de
Nossa Senhora do Amparo.
Dois anos depois, o território do Rio de Janeiro é reorganizado pelo Decreto n. 01 de 8
de maio e pelo n. 1-A de 3 de junho, quando o distrito de Paz de Volta Redonda foi extinto.
Em 1893, buscaram atrair imigrantes para suas terras, todavia, uma praga de
gafanhotos, e a ―peste do gado‖ em 1907 e 1914 respectivamente provocariam a destruição
das propriedades agrícolas. Em apenas duas décadas, o preço do alqueire de terra baixou de
vertiginosamente. A partir desta época, inúmeros fazendeiros provindos de Minas Gerais e
estimulados pela inauguração de um trecho ferroviário da antiga Estrada de Ferro Oeste de
Minas, iniciaram a compra de velhas fazendas de café em Santo Antônio de Volta Redonda,
algumas decadentes ou abandonadas. Nesse período, desenvolveu-se a pecuária na região. Até
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o final da década de 30, Santo Antônio de Volta Redonda passou por inúmeros ciclos de
produção agrícola, desencadeando em oscilação da população. (ATHAYDE, 1965)
Já na década de 1910, chegam os primeiros trabalhadores mineiros para a região. Com
a abolição da escravatura e a decadência da agricultura, a região do Médio Paraíba atraiu
muitos trabalhadores por conta das atividades agropecuárias. (ARIGÓ, 1989)
Em 1922, Volta Redonda novamente passa a ser um distrito, de acordo com o Decreto
n. 1.820 de 4 de dezembro. Trinta e sete dias depois Volta Redonda deixa novamente de ser
distrito, pelo Decreto n. 15.923 de 10 de janeiro de 1923. (ARIGÓ, 1989)
Três anos depois, em 1926, a Lei n. 2.028, de 23 de outubro, sancionada pelo
presidente Feliciano Pires de Abreu Sodré, restabelece de forma definitiva a categoria de
distrito para Volta Redonda, desmembrando-a territorialmente de Barra Mansa e de São
Joaquim. (ARIGÓ, 1989)
Em plena II Guerra Mundial, no ano de 1941, teve início o ciclo de industrialização
brasileiro. Gradativamente as atividades agrícolas foram diminuindo, dando espaço ao
processo industrial estimulado pelo Estado Novo, cujo auge na década de 1930 é seguido pelo
declínio nos anos de 1940, resultado das condições dos conflitos gerados pela Guerra
Mundial. O processo de industrialização nacional iniciado por volta da década de 1930,
aumentou os investimentos em indústria e diminuiu as taxas de agricultura.
escravos, barqueiros e agricultores. Cedia lugar, agora, aos operários vindos das mais diversas
regiões. Seus novos moradores perceberam a desvantagem da dependência do distrito para
com o município-sede em 1954. Após uma série de marchas políticas, Volta Redonda
conquistou sua emancipação em 17 de julho, marcando um novo ciclo no desenvolvimento de
sua história.
Até chegar à sua municipalização, o local, denominado de Santo Antônio de Volta
Redonda pertenceu aos termos da cidade do Rio de Janeiro (1565-1801),da Vila de Rezende
(1801-1813), da Vila de São João Príncipe (1813-1820),das Vilas de São João Príncipe e da
Nossa Senhora de Valença (1820-1832) e da Vila de São Sebastião da Barra Mansa (1832-
1854). (CALIFE, 2005)
A implantação das indústrias, na década de 1930, atraiu vários trabalhadores rurais que
estavam desacampados, visto que após a quebra da política do ―café com leite‖ em 1929 pelo
Presidente Washington Luís — quando apoiou politicamente o Presidente do Estado de São
Paulo, Júlio Prestes, para candidatura à Presidência da República —, que afrontou políticos
mineiros, gaúchos e também paraibanos, que não aceitavam o rompimento com a política
estabelecida até então. Este fato, entre outros, levou ao golpe de Estado que depôs
Washington Luís em 1930, a menos de um mês para o término de seu mandato. A intensa
motivação política diante da indústria fez com que os políticos da época almejassem esse
passo no processo de desenvolvimento do Brasil, o que no Sul do estado do Rio de Janeiro
não aconteceu diferente.
Trabalhadores que outrora tinham destreza em instrumentos da terra se viram diante de
um passo a ser dado pelo crescimento econômico. Chegavam de várias fazendas e de vários
lugares do Brasil com a expectativa do trabalho industrial.
O processo industrial, juntamente com a oferta de águas pelo rio Paraíba do Sul,
associada à facilidade do transporte pelas ferrovias existentes, somaram-se como fatores que
fizeram com que Barra Mansa despontasse como principal região econômica do país.
Os caminhos ferroviários foram essenciais para atrair novos empreendimentos e,
mesmo a cidade, ainda com economia forte no setor agropastoril, por vocação, era indicada
por Cincinato Braga, desde 1919, como região ideal para o estabelecimento de indústrias
siderúrgicas, pela facilidade do transporte do minério pelos trilhos, vindos de regiões
mineiras, e da partida do aço para diversas regiões do Brasil por estes mesmos caminhos.Com
a quebra da política do ―café com leite‖, a também política ruralista perde força e a cidade,
formada por fazendas e atividades agropastoris, apesar de ponto de convergência de muitos
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Carvalho (1995) apresenta outros motivos, além dos políticos, pelos quais Volta
Redonda foi escolhida: motivos econômicos e estratégicos. Os econômicos estariam definidos
pelos baixos salários decorrentes da decadência do café no Vale do Paraíba; pela fartura de
água doce de fácil acesso, necessária às máquinas da usina; pelos serviços da Estrada de Ferro
Central do Brasil; e pela proximidade estratégica com o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas
Gerais. O motivo estratégico era a localização afastada da costa, o que, em tempos de guerra,
a colocaria distante do alcance de submarinos.
No Natal de 1941, 18 dias após o ataque japonês em Pearl Harbour, no Havaí,
topógrafos e agrimensores construíram um acampamento nos laranjais da fazenda Santa
Cecília, sobre as colinas onde se esquadrinhavam os terrenos à margem do rio Paraíba do Sul.
Ali seria erguida a maior usina produtora de aço do hemisfério Sul, que faria o Brasil entrar
na era da indústria pesada (BEDÊ, 2004; SOUZA, 2016).
Iniciando a década de 1940, Santo Antônio de Volta Redonda possuía cerca de 3.000
habitantes. Era um típico arraial, cumprindo funções de entreposto, pouco diferindo de anos
anteriores. Segundo Leonor Barreira Cravo citada por Calife (2005), o arraial possuía uma
igreja que era voltada a Santo Antônio, uma escola, um bar, uma Agência dos Correios, uma
padaria, uma cadeia e alguns armazéns que serviam de depósito para as mercadorias que
vinham das fazendas até seu embarque para outras cidades, além de umas poucas casas
residenciais.
Com tudo pronto para o início das obras, com financiamento negociado, local e
gerência definidos pelo coronel Macedo Soares, restava uma questão ainda sem resposta: com
qual mão de obra uma usina de tal porte seria construída? E depois de pronta? Quem
trabalharia na indústria? ―Uma classe é constituída através da história; não existe portanto, um
modelo de classe operária, porque ela se forma ao longo do tempo, no processo social ao qual
é partícipe". (VEIGA e FONSECA, 1989, p.16)
Para o início das obras, de acordo com Carvalho (1995), vieram 127 técnicos
brasileiros, 55 norte-americanos e 7.000 operários brasileiros.
O plano siderúrgico para o município tinha objetivos muito claros e podiam ser vistos
na fala de seus idealizadores, quando arguiam sobre as características civilizatórias que eram
empreendidas nas propostas da siderúrgica no que tange à necessidade de educar um
trabalhador de um novo tipo. Ao mesmo tempo possuía um caráter bem claro estadonovista
que defendia a intervenção do Estado no mercado por meio de leis trabalhistas e
previdenciárias, sendo uma estratégia que levaria o trabalhador ao papel de cidadão pelo
trabalho. Diziam os intelectuais do Estado Novo:
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Esse caminhão saía e ia buscar homens, recebendo por cabeça, como se dizia
naquele tempo... O caminhão chegava cheio de homem, tudo sentado, chegava e ia
lá no hospital central, no prédio antigo, quase na entrada da usina e descia por um
caminhão, e dava o nome. Quem não sabia o nome eles batizavam. Muitos não
sabiam seus endereços, não sabiam nem o nome do pai nem da mãe, o agenciador é
que dava o nome.
nova forma de organização, traduzida por um urbanista modernista que colocasse ordem
urbana e social no povoado.
A Lei Estadual n. 2185, de 17 de julho de 1954, então, desmembra de Barra Mansa o
Povoado de Santo Antônio de Volta Redonda, que se instala como município em 6 de
fevereiro de 1955.
No início das obras havia dois grandes acampamentos — o acampamento principal,
situado onde hoje se encontra a Vila Santa Cecília com casas coletivas e familiares
construídas basicamente de madeira e que tinham luz elétrica, rede de água e esgoto que eram
ligadas a fossas sépticas; e, no outro lado, não distante, havia o acampamento rústico, nome
dado futuramente ao bairro que nasceria nessa região, onde as casas eram feitas de madeira e
barro e não possuíam as ―comodidades‖ que havia no outro acampamento, deixando claro a
estratificação social na sociedade nascente.
Existia casas para todo escalão de funcionários. Segundo relatos de ex-funcionários,
existia a moradia coletiva de madeira, que era a pior, e para mudar para as moradias de
alvenaria precisava passar um ano no que eles chamavam de ―inferno‖. Nessas moradias, não
havia banheiros internos, que se localizavam no exterior, e eram de uso coletivo. As
necessidades fisiológicas eram feitas em penicos e as crianças eram responsáveis por arear
esses recipientes no córrego Secades, que ficava atrás do núcleo residencial provisório. Essa
ação não era em nada diferente do que faziam os moradores das fazendas do 8º Distrito. A
diferença era a quantidade de pessoas que se aglomeravam e poluíam o córrego com seus
dejetos, contaminando a água e o solo, disseminando verminoses e tifo, que matou muitos dos
novos habitantes da cidade (BEDÊ, 2004).
De acordo com Moura (2016 apud SOUZA, 2016), o projeto da cidade que
futuramente seria apelidada como cidade do aço era baseado na utópica cidade socialista La
Cité Industrielle, de Tony Garnier, em que havia zoneamentos e estruturas para indústria,
habitação, lazer. Seria uma cidade sustentável: captaria seu lixo e o trataria; seria capaz de
produzir parte de seus alimentos; ofereceria tratamento de saúde para funcionários e
familiares; políticas públicas assistencialistas; seria laica, sem espaços para construção de
templos religiosos. Não haveria cadeias. A cultura seria amplamente difundida por teatros,
bibliotecas e museus com o objetivo de formar uma sociedade culta e pensante. Havia todo
um planejamento para a construção da cidade que nasceria ao redor da indústria. Segundo
Graciolli (1997), esse modelo de cidade industrial assumiu a forma típica de uma
companytown, entendidas como cidades criadas em regiões de controle de uma empresa, com
duplicidade em seus objetivos. Inicialmente, desejaria munir com determinado grau de
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garantias o que a força de trabalho necessita, oferecendo desde moradia até saúde e lazer; por
outro lado, estenderia o domínio da organização empresarial para o domínio privado, por
meio de ações disciplinantes.
Para a construção da cidade, o arquiteto que elaborou o projeto, Atílio Correia Lima,
nascera em Roma em 8 de abril de 1901, e se formara na Escola de Belas Artes, no Rio de
Janeiro, recebendo diploma de engenheiro-arquiteto (SOUZA, 2016). Calife (2005) coloca
que a tarefa recebida por Atílio era planejar e criar uma cidade moderna, para
aproximadamente 4.000 habitações individuais, infraestrutura adequada e equipamentos
urbanos variados. O urbanismo seria associado à arquitetura, e deveria compor ―a imagem de
progresso a ser refletida para o país‖ (CALIFE, 2005, p. 6). O projeto original não foi
utilizado, mas serviu de inspiração para que o autor atingisse vários pontos da expectativa do
Presidente. Em diálogo com o Presidente Getúlio Vargas, ambos expõem suas visões e
idealizações sobre a cidade. Observe-se:
Getúlio: Eis o lugar que eu mesmo imaginava, o ambiente próprio para abrigar
famílias que terão como primeiro objetivo suprir o país de aço para desenvolvimento
dessa nação que estou tirando das oligarquias. Esta cidade é uma prioridade para
mim. O que o senhor imaginou será executado com todo material humano possível e
com todo dinheiro necessário. Sem ostentação, mas com tudo que dignifique o
trabalhador brasileiro.
Atílio: Senhor Presidente, conforme as diretrizes que recebi, procurei criar uma
cidade modelo de bem viver.
Getúlio: Não lhe deve ter escapado que vamos arregimentar homens, com suas
famílias de todas as partes do Brasil. E meu país tem sido mantido no atraso. Não
quero que esses trabalhadores permaneçam deixando o couro no serviço e não
recebendo nada em troca. Quero lhes dar a oportunidade de ascenderem socialmente.
Atílio: Cursei urbanismo na Sorbonne, Presidente, e lá aprendi uma orientação que
diz numa linguagem acadêmica exatamente o seu desejo. É assim: ―enfim, há
sempre uma primeira natureza prestes a se transformar; uma natureza segunda não
se realiza sem as condições da natureza primeira que é sempre incompleta e a
mudança não se produz sem que a natureza segunda se realize‖. Este é o princípio da
dialética do espaço, Presidente. Busquei isso mesmo em meu projeto: levar o
homem acostumado a uma vida sem perspectiva a viver num ambiente que o faça
querer ser melhor.
Getúlio: Sim. É isto que persigo para meu povo, mas acredito que não pode ser
conseguido sem lutas e esforços, e com muita autoridade. Por isto, deve ser mantida
a hierarquia de mando.
Atílio: O espaço organiza-se segundo a estrutura de classes do lugar e a correlação
de forças que entre elas se estabelecem. Em Volta Redonda, cada classe social
definirá seu espaço próprio de existência. A corriqueira expressão ―Ponha-se no seu
lugar‖ com que o dominante se refere ao dominado terá aí clara significação
espacial. As casas foram planejadas segundo sete tipos diferentes variando a
localização, tamanho e comodidades, destinadas a engenheiros, mestres,
contramestres e operários.
Getúlio: Vou mandar levá-lo a algumas pessoas que estão lhe esperando para quem
o senhor explicará detalhadamente o projeto. Desejo-lhe boa sorte. (SOUZA, 2016,
p. 12-14)
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Os trabalhadores que vieram para a construção eram homens que largavam as lavouras
e o trabalho na pecuária. ―Analfabetos e sem qualquer qualificação profissional que os
habilitasse para o serviço na indústria, eram encaminhados para o trabalho braçal da
construção civil‖ (BEDÊ, 2004, p. 38). No cotidiano do novo ofício iam sendo apresentados a
novas ferramentas de trabalho. As mãos que outrora usavam enxadas e foices agora se
acostumavam com as picaretas que aprendiam a manipular com extrema velocidade e que
deixavam surpresos os mestres de obra.
Mais do que aprender a manipular instrumentos, esses trabalhadores, nas palavras de
Waldyr Bedê (2004, p. 38), aprendiam a ―fazer fazendo‖, e aprendiam o sistema inglês de
medidas usadas nas máquinas e em equipamentos importados pela CSN, como a polegada.
Pelas ―capacitações‖ em serviço, alguns se tornaram pintores, outros pedreiros e
alguns motoristas, todos aprendendo os ofícios, no fazer do dia a dia. O professor Ernane
Fernandes Moura (apud SOUZA, 2016, p. 8) registra em sua monografia: ―Ressaltamos
também que boa parte dos trabalhadores que migraram para Volta Redonda no momento da
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construção da usina, não tinham profissão e foram treinados e tiveram sua mão de obra
reaproveitada a fim de serem operários da usina‖.
Percebe-se que os trabalhadores tiveram uma segunda fase de formação profissional,
posto que a primeira foi quando da migração do conhecimento agropecuário para o
conhecimento da construção industrial, desenvolvida no trabalho de construção da própria
usina; a segunda, ao necessitarem ser qualificados para atuar no processo de produção do aço,
como operários.
Para essa qualificação para o trabalho, muitos desses trabalhadores, analfabetos, foram
alfabetizados durante o processo de industrialização.
Durante anos a empresa trabalhou com a ideia de homem do campo atrasado e que
precisava se ajustar para poder viver no espaço urbano. O suporte assistencialista e repressivo,
como relatado por muitos funcionários mais antigos da empresa, tinha caráter muito violento.
Muitas vezes a empresa mantinha policiamento nos canteiros de obras e os conflitos com as
chefias chegavam a situações extremas, como a morte de trabalhadores.
Os policiais internos da empresa realizavam verdadeiras seções de espancamento com
os funcionários com a pretensão de ―dar o exemplo‖ do que aconteceria a todos se não
seguissem as diretrizes da empresa. Muitos desses espancamentos aconteciam nas filas do
refeitório, pois diferente do que a empresa apregoava, a comida era de baixíssima qualidade.
Evidente que isso não é encontrado nos registros oficiais, mas nos relatos informais de
dezenas de funcionários, assim como também nos registros judiciais. A realidade da vida
operária estava muito distante do que imaginou o Presidente Getúlio Vargas, durante a
conversa mantida com o arquiteto Atílio, na apresentação do projeto de construção da cidade
em torno da indústria.
O próprio sindicato diversas vezes usava de subterfúgios para manipular a verdade e
apresentar os fatos mais atenuados do que verdadeiramente havia acontecido.
No contexto em que se fizeram os trabalhadores da Usina Presidente Vargas, podem-
se observar traços da identidade retratada por Monteiro Lobato, já em 1918, na obra Urupês.
Ali, o autor caracteriza o trabalhador brasileiro a partir de dois fatores condicionantes: a) a
imagem racista que se vivia na época; e b) a necessidade de atualização das formas de
dominação sobre estes trabalhadores. No livro, o personagem caipira criado se torna
conhecido com jeca-tatu. Esse caipira era apresentado com diversas características
estereotipadas como a passividade, a preguiça, a incapacidade de compreensão do sentimento
pátrio, a ignorância diante da coisa pública, a mentalidade supersticiosa, a incapacidade para
produção de qualquer tipo de iniciativa que fosse de ordem econômica: não produzia nada,
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apenas colheria e receberia o que a natureza lhe oferecesse; ou de ordem política: esperava de
cócoras o que aconteceria depois de votar em seu governante.
Na obra de Monteiro Lobato (1918) essa perspectiva vai-se alterando com o passar da
narrativa, visto que o jeca vai construindo um discurso de progresso que tinha o trabalho
como eixo principal. Esse progresso e as novas relações sociais aos quais ele é submetido o
torna mais eficiente e produtivo. Para o desenvolvimento, Lobato acredita que o saneamento e
a higiene eram de essencial enfrentamento, pois ao contrário não haveria possibilidade de ele
se adequar a uma sociedade moderna e civilizada. Entrelaça o saneamento com o bem-estar
social, juntamente com a disciplina no trabalho, com objetivo de produtividade eficiente. A
disciplina seria traduzida com a adaptação do homem ao maquinismo.
O General Edmundo Macedo Soares esteve presente desde a formulação do projeto de
construção da Usina até sua realização, e expressou preocupação com aspectos diversos das
pessoas que iriam trabalhar e às formas como eram submetidos os trabalhadores que
chegavam à CSN. A chegada dos trabalhadores ao local de construção da Usina, muitas vezes
acompanhados das famílias, era similar a um ritual de passagem. O processo de contratação
seguia a ordem de: a) desembarque do trem ou caminhão que trazia os ―arigós‖; b) ida ao
hospital central para fazer exame de saúde; c) registro de documentos (que a maior parte não
tinha) pelo departamento de serviço de pessoal. Em seguida, os trabalhadores recebiam
uniformes, eram encaminhados ao alojamento, era feita verificação de experiência anterior, o
levantamento de habilidades, um teste de alfabetização e, depois, a distribuição de tarefas e
turmas.
No ano de 1943 havia 544 casas construídas, e a partir desse ano foram feitos planos
anuais de construção que, muitas vezes, não conseguiram ser cumpridos. Em dez anos, de
1943 a 1953, houve crescimento de cerca de 500% no número de habitações, mas a cada ano a
defasagem ficava em torno de 70% e 60%, isto é, não eram construídas casas suficientes para
atender as demandas de habitação dos trabalhadores.
Juntando-se a escassez de moradias para os empregados da Usina ao fato de haver uma
população grande e em expansão, tem-se uma equação que dá início a habitações
precarizadas, o que mais adiante se transformaria em aglomerados subnormais. Tais casas não
eram concebidas como no projeto inicial de Atílio Corrêa Lima, mas serviam para diminuir a
tensão criada pela falta de moradias. Na construção dessas casas a CSN ainda mantinha
caráter paternalista, porque vendia a preços muito baixos madeiras e outras matérias primas
para a construção das habitações. ―[...] a gente tinha liberdade de chegar e pedi, eles ajudava
[...] tauba de madeira pra fazê barraco, concreto, qualquer coisa a gente ia lá tinha a
autoridade de comprá o que eles não usavam, tinha muita facilidade.‖ (Arquivo Público do
Rio de Janeiro, Fundo DPS apud BEDÊ, 2007, p. 99).
Esses muitos trabalhadores, suas histórias, as famílias, costumes, ideias, culturas iam
se entrelaçando de forma natural ou impositiva, fosse durante o trabalho, ou na rua, ou nas
áreas de lazer ou descanso. Waldir Bedê (2004), em suas memórias de infância vivida no
processo de construção da cidade, comenta que as refeições nordestinas, mineiras e capixabas
se misturavam nos fogões das casas e eram partilhadas entre vizinhos de regionalidades
diferentes. Até mesmo a rede, de costume indígena e amplamente utilizada por gaúchos e
nordestinos, passa a ser usada pelos mineiros, substituindo a cama, principalmente pelas
péssimas condições de higiene.
Volta Redonda se dividiu em duas partes, uma para quem trabalhava na indústria e a
outra para quem não era admitido, geralmente comerciantes e trabalhadores que atendiam a
CSN.
59
região. Além disso, fez indicações sobre o Sindicato dos Metalúrgicos e o arquivo pequeno
que guardava, mas que poderia conter informações pertinentes à minha pesquisa.
Para iniciar esta pesquisa, entrei em contato com a Sra. Teresa Falcão que,
prontamente, me atendeu e disse que poderia me ajudar, mas que estava em viagem e que eu
voltasse a contatá-la quando voltasse. No seu regresso, ela se aposentou e me colocou em
contato com a coordenação pedagógica central do Serviço Social da Indústria, localizado na
sede da Federação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), por meio de um
número telefônico disponibilizado. Depois de várias tentativas consegui falar com a
coordenadora de assuntos pedagógicos (de quem omito o nome por questão de ética da
pesquisa), que me solicitou um e-mail com a descrição de todos os elementos da pesquisa e de
que precisava em relação à atuação do SESI. Passadas duas semanas, um novo contato
quando a coordenadora adiou o atendimento por mais um mês. Isto feito, quando restabeleci o
contato foi-me solicitada uma carta da orientadora, especificando as informações requeridas,
para atender a exigências do setor de documentação. Somava-se a isto, uma declaração da
pós-graduação de que eu era aluno regularmente matriculado. Providenciados os documentos,
mais alguns dias se passaram. Ao retomar o contato, informou-me as férias iminentes, o que
me obrigava a esperá-la. Não admitiu substituição de pessoa para me atender e, mais uma vez,
esperei.
Passados os 30 dias de férias, a coordenadora relatou que não estava mais na função e
um novo contato foi requerido, com o reenvio do e-mail com toda a proposta, carta de
apresentação, declaração. Desde então haviam se passado seis meses. A resposta da
coordenação não foi acolhedora, sob a alegação de que o setor realizava um projeto e que
demandas externas não poderiam ser atendidas. Expus a situação, argumentei, aleguei o
tempo que se excedia, a necessidade de franqueamento às informações e a resposta foi de que
cumpria ordens, o que me fez solicitar o contato dos superiores para pleitear acesso e, a partir
daí, nunca mais responderam meus e-mail. Este relato importa nesta dissertação por
demonstrar o quanto pode ser árduo o caminho do pesquisador, quando as instituições não são
sensíveis ao significado do que seja produzir conhecimento e nem se entendem com
transparência para que a memória de suas ações possa constituir história. No caso do SESI
isto é bastante grave, por se tratar de um sistema com financiamento público, o que requer
total transparência não apenas das ações realizadas, mas também do uso dos recursos.
Assim, fiquei sem dados do SESI referentes a relatórios de alfabetização realizada na
CSN; quantos foram os trabalhadores atendidos nas classes; se efetivamente elas aconteciam
dentro da Usina, como apontado em vários relatos etc. Para um programa de mestrado de, no
62
A situação estava difícil lá e onde eu morava não tinha como ganhar nem meio
salário mínimo, vim ganhar meu primeiro salário foi com 27 anos na CSN, meu
sonho era trabalhar na CSN, eu não posso reclamar que eu não melhorei mais, pois
eu não quis estudar, quem veio naquela época e quisesse melhorar, podia melhorar.
Questionado se havia algum incentivo para estudar como trabalhador da empresa, ele
relatou:
[...] o incentivo que tinha era só as baterias mesmo, tinha incentivo, tinha sim, mas
como eu nunca gostei desse negócio de estudar, eu me conformei com isso que
estava aí, entendeu? Tinha uns peão que falava que quando começaram a trabalhar
não tinha nada e que só depois de alguns anos que começou a aparecer cursos. Aí
surgiu as baterias para fazer: A e B. Era A e B, eu fiz a B, A, B e C, eu só me lembro
da A e da B. A bateria A era pra cargo maior, quem queria um cargo mais alto e a B
era pra um cargo mais intermediário. Pra fazer as provas era praticamente o primário
mesmo que precisava saber, um primário mais forte, mais caprichado, tinha que
saber ler e escrever. Eu calculo que eu fiz por volta de 1981, que 1982 eu passei e
tinha uma promessa: o seguinte, quem fizesse a bateria B podia pegar o cargo de
maquinista e no mesmo ano surgiu o curso de maquinista e quando fiz a prova tirei
em terceiro lugar nas duas. O curso era dentro da empresa, a gente chegava duas
horas antes, uma ou duas horas e fazia o curso, não me lembro se eu recebia pelo
curso. Ele durava uns seis meses. Só depois de concluir o curso eu podia pegar o
cargo. Eu fazia o curso de bateria e o curso de maquinista juntos, eu pegava um e
falhava no outro e vice-versa e eu passei em terceiro lugar nos dois. Os dois me
colocavam como maquinista, mas um era mais teórico para o tipo de trabalho e a
bateria era pra ver nosso conhecimento. Eu fazia um curso para me preparar pra
bateria e não ia no outro e já tinha uma promessa de emprego, os cinco primeiros, e
eu passei em terceiro lugar. Eu aposentei nessa função. Mais pra frente surgiu uma
prova para supervisor e eu fiz, mas depois acabou o cargo de supervisor e eu voltei
pra maquinista outra vez.
Questionei o que ―caía‖ na prova, o que era cobrado nessa prova de bateria e ele me
disse que, principalmente, matemática, pouca coisa de português. Então perguntei se todos
tinham oportunidades, se qualquer um que chegasse e desejasse crescer na empresa poderia
crescer, e como era esse estímulo, se eram estimulados a estudar fora da empresa.
2
A CSN deixou de ser propriedade do governo no dia 5 de abril de 1993, data da sua privatização, quando foi
comprada por um consórcio privado, na onda de privatizações que se iniciaram no governo de Itamar Franco.
Neste mesmo mês de abril ocorreu um plebiscito para saber qual a forma de governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) o Brasil deveria adotar. A consulta popular e o resultado das urnas confirmaram a
64
O Sr. Francisco foi mais um dos personagens que eu conheci por intermédio do Sr.
Evaldo. Nasceu no dia 27 de abril de 1940, na região Norte do estado do Rio de Janeiro, na
cidade de Santo Antônio de Pádua. Veio para Volta Redonda com 23 anos para buscar
trabalho e estudar, pois segundo ele gostava muito de estudar. Era necessário estudar para
realizar a prova de admissão da CSN, entrar na empresa e melhorar de vida. Os irmãos mais
velhos vieram na frente para conseguir trabalho e, quando conseguiram, o Sr. Francisco veio,
deixando os pais e outros irmãos para trás. Anos depois conseguiram trazer de Santo Antônio
de Pádua o restante dos irmãos e os pais.
Cheguei dia 27 de maio de 1963, conhecia as letras e sabia escrever meu nome e ler
poucas coisas; onde eu morei eu comecei a estudar quando criança, mas rapidinho
meu pai me tirou da escola para que eu pudesse trabalhar na lavoura da nossa
família. Tínhamos umas plantações e animais para sobreviver. Bom, voltando, na
semana seguinte, meu irmão — que já faleceu — me levou na escola do professor
Raimundo, bom professor, bom em português e fiquei estudando três anos com esse
professor Raimundo aqui em Niterói. Era pago, naquela época eu não lembro quanto
pagava, pois era cruzeiro, rsrsrs. Mas eu pagava com os bicos que eu arranjava, pois
eu não trabalhava, mas eu mesmo pagava. Eu tinha vindo pra arranjar dinheiro pra
casar e não casei com quem eu queria, casei com outra que conheci aqui. Tive duas
filhas, uma natural e uma adotiva.
Não, eu estudei para me preparar para a CSN, estudei, me senti preparado, fiz prova
e passei e fiquei aguardando. Na prova cobrava português, matemática e desenho. A
vaga veio semanas depois e quando chegou minha vez eu entrei na CSN sem o
primário, aí lá dentro eu entrei numa função que eles chamavam de trabalhador, eu
preferência da população pela permanência da república presidencialista. Em maio, assumia o quarto Ministro
da Fazenda do governo Itamar, Fernando Henrique Cardoso, que coordenou a implementação do Plano Real.
65
Perguntei, então, sobre o que era ensinado nesse curso e de que forma era possível
melhorar de função e se o curso certificava:
A bateria era um curso que a gente fazia e se preparava para crescer dentro da
empresa. Era um curso para qualificar, que tinha mais ou menos a duração de um
ano e a gente estudava no horário do serviço. Era uma qualificação dos funcionários
e eu aprendi mais a matemática e em português eu aprendi mais, e continuei
aprendendo o que eu tinha aprendido com o professor Raimundo. Aí no final do
curso você era observado e, no fim do curso, se tivesse vagas, a gente fazia uma
prova e mudava de função.
Curioso com a ideia de ―baterias‖, insisti para que me explicasse melhor como
funcionavam as ―baterias‖.
A bateria mais baixa era a C, para quem era analfabeto, daí ele aprendia a ler e
escrever e aprendia coisas das funções da empresa, e quando surgia oportunidade
eles faziam as provas. Quem já sabia um pouco mais, já sabia ler e escrever, fazia a
bateria B, que foi a que eu fiz, e a bateria A era para buscar cargo de chefia. Eu fiz a
B, mas a A eu não fiz, pois eu tinha um amigo, um verdadeiro Espírito Santo de
Deus, que me disse que eu ia estudar e fazer prova para a Escola Técnica; ele me
disse que eu ia passar e daí eu disse a ele: ―como eu vou passar se eu não sei
desenho e não sei matemática ainda?‖ Ele me disse que eu ia aprender com ele, ele
ia me ensinar e eu ia passar. Eu ia sábado, domingo, feriado... eu estava na casa dele
e um ano depois eu fiz a prova e passei. Os professores que davam aula dentro do
curso eram profissionais mais antigos e que tinham estudo.
Sr. Francisco entrou na escola técnica sem ter, formalmente, concluído o ensino
primário. Quis então saber como ele se ―virava‖. Como era cursar a escola técnica dessa
forma?
O curso não certificava a conclusão do primário, e Sr. Francisco diz que ―pra CSN não
precisava ter primário, precisava saber ler, escrever e ter capacidade para passar.‖
Voltei à questão de que, dentro da CSN, havia muito estímulo para quem quisesse
estudar, fazer os cursos de ―baterias‖. Os cursos, entretanto, eram sempre voltados para a
66
Era sempre formação para o trabalhador, quem não sabia ler e escrever não era
assistido. A gente se sentia sempre estimulado pela promessa de melhora de salário e
cargo. Via uns colegas progredindo e eu continuava a estudar e os colegas
estimulavam também. Eu tinha um companheiro, nem sei se ele está vivo ainda, Zoé
o nome dele, e ele sempre me dizia: Chiquinho — ele me chamava de Chiquinho —
estuda, pois você tem muito que crescer aqui dentro.
Com todo este estímulo, quis saber se a CSN ajudava financeiramente as pessoas a
estudarem. Sr. Francisco respondeu:
Não. A recompensa viria depois, se estudasse iria melhorar e se não estudasse não
melhoraria, só se fosse ―peixe‖ do chefe, rsrsrs. Mas todo mundo tinha sua chance.
Bastasse ter vontade e muita força de vontade. Lá dentro tinha toda estrutura para
crescer profissionalmente. Às vezes não precisava nem saber ler e escrever,
acontecia dos instrutores ensinarem para fazer os exames. Meu irmão, por exemplo,
não sabia ler nem escrever, não teve muito estudo, mas tinha muita força de vontade
e se qualificou, viajou até pra fora do país. A CSN investia na pessoa, ensinava a ler
e escrever e qualificava.
Por causa dessas coisas de pessoas escolhidas, eu não subi de nível logo depois, eu
esperei um pouco e teve briga entre dois gerentes para que eu pudesse melhorar de
nível. Daí eu fui de nível 1 para nível 5. O trabalho melhorou e o salário também.
Sr. Francisco foi, então, instigado a contar como terminou essa história:
67
Depois disso tudo, desse crescimento, eu fui demitido. Era o início da privatização e
muitos postos de trabalho foram cortados e eu fui um deles. Mas tem outras coisas,
porque eu sempre fui da Igreja Católica, muito atuante, fui presidente de Associação
de Moradores, fui do Partido dos Trabalhadores e eu acabava ajudando os outros
trabalhadores a pensar sobre isso. Fui muito atuante no Sindicato dos Metalúrgicos.
Nas duas greves tive destaque, e eu acho que eu fiquei marcado por isso. Me viam
como um agitador, e eu fui demitido. Aí estava fazendo um tratamento de glaucoma
e o médico disse que eu não poderia ser demitido, fui para INSS e ainda tive
leucopenia. Continuei correndo atrás e um perito do INSS me ajudou e eu aposentei.
Eu fiquei em choque, eu com 51 anos pensei: como vou arrumar emprego? Mas
graças a Deus, com ajuda de médicos eu continuei minha vida, dos grupos, das
pastorais, continuei participando de tudo. Continuo estudando e aprendendo. Eu me
sinto hoje orgulhoso de ter passado por isso tudo e estar aqui recordando, e também
fico triste, pois tem muitas pessoas que não têm esses incentivos que eu tive, pois
doaram nossas estatais todas para o capital estrangeiro e nós estamos aí passando
essa crise. Volta Redonda está jogada aos trapos e Volta Redonda morrendo com
tanta poluição. Volta Redonda era arborizada e hoje a cidade é quente, destruíram
nossa cidade.
O casal Nelita e Cícero, dois personagens desse tempo e que encontrei tardiamente,
fez relato que se mistura fortemente com a história da cidade e, por isso mesmo, é muito
valioso o diálogo que com eles estabeleci. Ele, nascido em Lambari, Minas Gerais, em 13 de
setembro de 1931, veio para Volta Redonda no ano de 1942, por intermédio de um primo,
técnico da CSN. Trabalhou tanto na construção como na siderurgia. Veio com os pais e os
seis irmãos (três mulheres e três homens) para Volta Redonda, no intuito de conseguir
melhorar de vida. Na cidade de Lambari estudou pelo SENAI, por solicitação do emprego que
mantinha na mesma cidade, um frigorífico, e conseguiu certificação em nível de 1º grau. Em
sua cidade só se falava da enorme empresa que estava sendo construída no estado do Rio de
Janeiro, na cidade de Barra Mansa (Volta Redonda ainda era distrito de Barra Mansa), e ele
começou a sonhar com a perspectiva de vir para o Sul do estado do Rio de Janeiro tentar uma
nova vida. Quando chegou em Volta Redonda conseguiu trabalhar na CSN e assim que
completa 17 anos assume o cargo de Mecânico Ajustador, graças ao curso que fez no SENAI.
68
Nelita, nascida na cidade de Cabo Frio, na Região dos Lagos, no estado do Rio de
Janeiro, vem para Volta Redonda e se torna professora formada pelo Instituto de Educação
Trajano de Medeiros, e logo começa a lecionar em escolas da rede estadual. Anos mais tarde
dedica-se a duas grandes paixões: a literatura, e escreve diversos livros sobre a história de
Volta Redonda, ou de poesias, em que grande parte delas trata do amor que tem por Volta
Redonda, uma paixão pela cidade que lhe deu condições de criar e educar os sete filhos. Em
1991, recebeu o título de cidadã voltarredondense, o que lhe conferiu uma placa com seu
nome e a poesia chamada ―A chaminé‖, num marco histórico da cidade, o chamado ―grande
chaminé‖; e as turmas de supletivo, em que deu aula até 70 anos, quando se aposenta, em
2011, compulsoriamente Gostaria de ter ficado pelo menos mais cinco anos.
Em um momento de nossa conversa perguntei ao Sr. Cícero como havia sido sua
trajetória na CSN, se ele havia estudado, se havia mudado de função na empresa e, caso
houvesse mudado, se os motivos teriam sido os estudos.
Entrei na CSN já com um cargo bacana, de mecânico ajustador e foi por indicação
de um primo meu. Como eu já tinha um curso do SENAI fui logo estimulado a fazer
alguns cursos pela CSN. Logo que entrei fiz a bateria B, tinha a ―A‖, ―B‖ e ―C‖; eu
fiz a B, pois já tinha estudo e o 1º grau completo, daí fiz, mas fiz poucas semanas do
curso, logo fiz a prova e a entrevista e subi para o cargo de mestre de manutenção.
Nelita o interrompe dizendo: ―Foi nessa época que eu o conheci, ele tinha quebrado o
pé e ele passava mancando. Chamava ele de Pepé. Ele passava e eu via ele pela janela e, aí, a
gente começou a namorar‖.
Cícero continua sua história:
Eu sou das águas minerais e ela das águas salgadas, daí a gente misturou. (Risos).
Daí eu continuei fazendo cursos lá dentro e estudando, seis filhos meus têm
faculdade, só um que não quis fazer, pois passou em um concurso público e se
acomodou.
Estudar é muito importante, todos os nossos filhos estudaram para que tivessem
oportunidades na vida. É enriquecimento. Eu gostava muito de estudar.
O estudo é muito importante e quisemos dar esse incentivo para nossos filhos para
que eles tivessem a melhor chance. Por mim todos estudavam, mas um não quis.
Voltei a indagar sobre a trajetória profissional de Cícero, depois que se tornou mestre
de setor, e acrescentando à pergunta a curiosidade de saber se outras pessoas teriam ido tão
bem como ele, na carreira profissional.
69
Você era o que sua ficha de trabalho dizia que você era. A sua experiência é que
fazia diferença. Eles não queriam saber se você sabia ler ou escrever, eles queriam
saber se você sabia trabalhar, queria aprender e, se quisesse, eles estariam dispostos
a ensinar. A alfabetização era uma consequência de sua formação. Acredito que, na
maioria das vezes, a pessoa até se alfabetizava, mas não era o foco.
Isso, era o que estava na minha ficha. A CSN não dava muita proteção ao estudo de
escola. Quando eu cheguei com um curso do SENAI num lugar onde a maioria era
analfabeto de pai e mãe, eu logo cresci, pois me viam como um potencial pra
compartilhar o que eu sabia e foi assim, não posso reclamar, pois eu cresci cedo,
cedo, lembro que quando fui aposentar eles me seguraram mais seis meses e me
deram seis rapazes recém saídos da escola técnica para que eu pudesse treinar para
que um assumisse minha vaga e os outro cinco assumissem outras áreas. As más
línguas falavam que eu era queridinho, mas eu sabia ser chefe. Eu agradava meu
serventuário. Nunca tive problemas com minhas equipes. Eu confiava neles e eles
em mim.
Cícero conta que se aposentou como ―encarregado de turno, ganhava muito mais que
na primeira função que eu entrei, mas isso graças a ter feito muitos cursos e subido de nível‖.
Para Nelita dirigi a pergunta sobre se havia oferta de educação de jovens e adultos pela
Prefeitura ou pelo governo do estado, ao que ela respondeu:
Eu estudei no Getúlio Vargas e fiz Normal, para ser professora. Dei aula em várias
escolas do estado e no início dos anos de 1980 eu dei aula no supletivo. Tinha um
monte de alunos da CSN; dei aula no Trajano; no Rio Grande do Sul; do Norte. Eles
trabalhavam o dia todo, merendavam e depois iam beijar na boca na porta da escola.
Nelita, em seu relato, parecia fazer crítica aos trabalhadores estudantes que, em vez de
irem assistir aulas, apenas iam para a porta da escola para namorar.
Ao final da entrevista, a Sra. Nelita presenteou-me com um de seus livros, e um de
seus poemas transcrevo, ao finalizar esse relato, pela relevância de seu discurso para esse
70
trabalho, porque a cidadã voltarredondense de 1991 fez, pela poesia, a narrativa de um dos
principais marcos históricos de Volta Redonda:
A CHAMINÉ
Região de muita terra!
Um rio, montanhas e prados;
Aqui viviam dois povos
Os puris e os coroados
Nesta imensa região,
Outrora ―sertão bravio‖,
Depois mui ricas fazendas
De café era o plantio.
O gado e as plantações
O progresso ia chegando.
O engenho de açúcar
A minha gente empregando.
Quando eu fui construída
Em 1903
Fui orgulho do meu povo,
Como hoje, de vocês.
Assisti a toda mudança.
As ruas sendo calçadas,
Luz elétrica chegando,
Nas casas, água encanada.
E o movimento aumentando.
Máquinas pra todo lado,
Mineiros e nordestinos,
Trabalho tinha um bocado!
Perguntei: que será isso?
Que reboliço! Afinal!
O progresso ali estava:
Siderúrgica nacional.
Tudo foi sendo mudado.
Nem gado e nem café.
Muita coisa derrubada,
Só eu continuo em pé!
E o povo participando
Com muita animação
Por causa da CSN
Veio a emancipação!
Quem mais marcou seu progresso
Foram os trabalhadores
Operários conscientes
De direitos e deveres.
Eles fizeram a história.
Sou testemunha e dou fé.
Quem lhes fala esta verdade.
É o marco histórico:
A chaminé!
Nelita Teixeira
Em 1942, mudou-se para Petrópolis, onde estudou até o final do Científico (atual Ensino
Médio). Trabalhava em banco, o Banco do Comércio e Indústria, e foi transferido para Volta
Redonda. Veio sozinho, o pai até tinha recebido oferta para vir para Volta Redonda, mas não
quis. Dizia seu Naim que o pai era um empreendedor, teve bar, restaurante, comércio e
terminou a vida trabalhando no Quitandinha, em Petrópolis. Sr. Naim entrou para a CSN
como operário e foi a observador industrial em 1961. Seu trabalho consistia em observar as
reações químicas e físicas no processo de produção do aço. Os minérios se fundiam e o aço
saía em forma de gusa, e o gusa entrava na lingoteira, depois era cortado e, em outra forma,
sairia a lâmina de aço. O que em 1960 demorava 8h para fazer, hoje, com tecnologia que
demorou mais de 100 anos para ficar perfeita, se faz em 25 minutos, com economia
gigantesca para a CSN.
Sr. Naim Dibb conta porque saiu de Petrópolis, onde tinha uma vida estabilizada, com
emprego, para vir para Volta Redonda:
Eu queria estudar, quando o banco me transferiu eu gostei muito pois aqui tinha
curso técnico, tinha faculdade e eu queria muito estudar, por isso saí do banco e
entrei na CSN, pois ela ajudava as pessoas a estudarem e no banco não dava. Eu fiz
o curso Técnico em Metalurgia, eu estava com 28 anos, eu comecei tarde, fui fazer
engenharia tinha mais de 40 anos, trabalhava de dia e estudava à noite, pois quem
tinha mais de 18 anos estudava à noite na Escola Técnica, uma média de 15 alunos
por turma. Volta Redonda era pequena, tinha elétrica, mecânica e metalurgia. Eu
terminei e melhorei de cargo depois do Técnico. Eu entrei na CSN como operário e
saí como Engenheiro.
Em seguida, o Sr. Naim Dibb narra como foi parar na engenharia industrial:
Abriu uma vaga na linha de engenharia industrial (LEI) daí abriram uma seleção e
tinha sete vagas e mais de 50 candidatos. Foi uma semana de prova, psicotécnico,
72
Em seguida, Sr. Naim Dibb busca explicar de onde veio sua vontade de estudar:
Não sei, do sacrifício da vida, via meu pai que não tinha estudo e via como era
sacrificante pra ele. E eu queria casar e ter família, então eu quis deixar janelas
abertas pra mim. Dei aula na Escola Técnica, dei aula na UGB, dei aula na Fundação
Oswaldo Aranha (FOA), dei aula na Prefeitura de Barra Mansa e hoje eu quero
viver, mas tenho que agradecer muito à minha mulher, pois ela deixou de estudar
para educar nossos filhos; quando eu passei em engenharia eu já tinha 2 filhos, e
[era] quando eu ia sempre para o Rio, e ela deixou de estudar para ficar com as
crianças.
Depois que eu aposentei eu fiz uma Pós-graduação em Engenharia Ambiental
Urbana, voltei para a CSN e fiquei lá mais 8 anos, depois mais 2 anos na Light e,
por último, na loja Correta, mas o deles eu não terminei pois tive um câncer e não
consegui mais, fechei a firma e parei com tudo.
Ela dava curso, no início não, não ligava pra isso, mas depois ela começou a se
preocupar. Tinha a ―bateria‖ A, B e C. As pessoas pagavam particular para fazer o
curso e depois ela dava as provas. Depois de alguns anos ela começou a dar esse
curso também e depois a prova. Eu não me lembro se ela dava certificação, mas
acho que não. O cara vinha fazer a prova, entrava na área, tomava conhecimento e
depois fazia o curso. O cara pra aprender aquilo, ele via a prática e depois aprendia a
teoria. Na escola profissional tinha aula de tudo e quando eles aprendiam o ofício ele
acabava aprendendo a ler também, ou fazia ao mesmo tempo.
Fiz uma trajetória bonita, estudei, cheguei aqui só com o Científico e terminei com
três faculdades e uma pós-graduação. Aposentei, dei faculdade pra todos os meus
filhos, um deles é doutor em engenharia química e estou feliz. Já dei palestras, já
abri congresso. Peço a Deus forças para viver agora com saúde. Foi assim...
acima de seu ponto de derretimento, e ao ser derramado em uma forma, assume um formato
que facilita seu manuseio, melhorando o armazenamento, transporte e uso final. O lingote tem
pouquíssima impureza, pois só é derretido e colocado dentro do molde. (FARIA, 2016)
O lingote é tão relevante na produção do aço, que foi o nome dado, suponho, para um
jornal de comunicação interna da indústria, que teve, como pude observar, papel relevante na
―missão civilizadora‖ da empresa. Minha tarefa de pesquisador o alcançou quando consegui
— por um breve tempo — ter acesso aos arquivos da CSN.
Esse acesso aos arquivos não foi muito simples. Em um primeiro momento, foi-me
franqueada a documentação que solicitei. Iniciei as leituras de atas da diretoria desde a
fundação da CSN e os estagiários do Centro de Documentação Corporativa (CDC) ainda
separaram algumas caixas de documentos e também arquivos d’O Lingote, supondo que me
interessariam para a pesquisa. Essa foi a grande descoberta porque, até então, não tinha
notícia prévia da existência desse jornal e foi por meio dele que pude melhor perceber o papel
educativo que a CSN exercia sobre os trabalhadores.
Quando o trabalho já ia bastante avançado, as leituras sendo feitas, uma contraordem
impediu que eu continuasse a realizá-lo. Como já havia fotografado e me apropriado de
algumas informações, pude trazer para a pesquisa um conjunto pequeno de documentos e
informações, sabendo que muitos outros documentos e materiais ficariam encobertos, porque
indisponíveis ao meu acesso, pela contraordem da coordenadora do Centro. Dessa forma,
precisei organizar fragmentos do que havia conseguido e alinhá-los com as memórias, mesmo
sabendo que muitas lacunas ainda permaneceriam.
O Lingote foi o nome da produção impressa que correu pela cidade entre os
trabalhadores, desde o ano de 1953 até 1977. Esse pequeno informativo, com padrão de 12
páginas inicialmente, produzido pelo setor de comunicação e jornalismo da CSN tinha
diversas utilidades. O periódico apresentava as seguintes características: formato standart;
papel tipo jornal; e no expediente constava o serviço de relações públicas da Companhia
Siderúrgica Nacional); não havia informação sobre a tiragem impressa. Era distribuído a todos
os setores da CSN para que os funcionários os retirassem e o lessem. Suas edições eram
numeradas sequencialmente.
74
Na primeira página, como todo jornal, havia a manchete, isto é, a principal notícia
tratada naquela edição, além de outras colunas fixas. Dentro, havia uma seção separada, que
dava espaço para ―personalidades anônimas‖ da empresa, nomeada: ―Conheça seu colega de
trabalho‖. Nesta seção sempre surgia a história de um trabalhador; o setor em que atuava; o
que fazia e como vivia na sociedade voltarredondense.
Em outra seção fixa do jornal, havia passatempo e uma página separada para
mulheres. Nessa página se tratava da forma como as mulheres deveriam se comportar na
sociedade.
75
Sempre havia uma ou duas páginas sobre esporte e lazer no âmbito estadual (os
campeonatos) e municipal (os torneios), assim como atividades de lazer de que os
trabalhadores e familiares poderiam desfrutar.
No espaço restante do jornal, havia notícias da sociedade voltarredonsense; do interior
da empresa; balanços; novidades da empresa e, no que tange à importância destacada na
pesquisa, informações sobre cursos que se iniciavam, finalizavam, deixando perceber como
foi se desenvolvendo progressivamente a educação de trabalhadores adultos em Volta
Redonda.
Pela relevância deste periódico, publicado quinzenalmente nos primeiros anos com um
quantitativo de 24 exemplares por ano; depois mensalmente com um total de 12 por ano; e
bimestralmente nas últimas edições, com seis exemplares por ano, utilizei-o como fonte
principal, porque por meio dele percebia como se davam as ofertas de cursos para
trabalhadores, identificando a relação com a formação profissional e/ou com a escolarização
e, até mesmo, com a alfabetização, observando, ainda, se havia parceiros para essas ações
institucionais.
Para a organização metodológica dessa análise da oferta de cursos, recolhi na própria
CSN, na ocasião, os números publicados d’O Lingote. Utilizei a letra ―A‖ para artigos e
numeração sequencial, de modo que se possa ver, sem dificuldades, a matéria na íntegra, no
Anexo 3. Dessa forma, apresento neste item um panorama descrevendo as relevâncias
presentes em cada um dos artigos encontrados, remetendo à leitura completa, no Anexo,
sempre que de interesse do leitor.
A primeira notícia que se tem referência n’O Lingote ocorreu no ano de 1953, em
abril, primeiro ano da publicação. Abriam-se inscrições para operários que só tinham o curso
primário, oferecendo o curso ginasial (atual 6º ao 9º anos do ensino fundamental). A
oportunidade era somente para operários que faziam turnos, de modo a que se conseguisse
organizar os horários das turmas que os atenderiam. (cf. A1). Nesse ano, o que observei foi a
necessidade de a indústria promover o aumento da escolaridade de seus trabalhadores, em
clara relação com compromissos da educação de adultos.
Em A2, de junho de 1953, lê-se sobre uma palestra que professores da escola
profissional assistiram, quanto aos passos do Método Marrison (método que trabalha por
unidades didáticas), método este que estava sendo utilizado em Nova Friburgo, para que os
professores dali também pudessem utilizá-lo na escola profissional. Como observado, ainda
no mesmo ano o interesse da CSN passa a se voltar à educação profissional, incluindo a
formação de professores.
76
3
Associações civis de trabalhadores, de inspiração católica, surgidas no Brasil na década de 1930. A primeira
dessas associações foi o Círculo Operário Pelotense, fundado na cidade de Pelotas (RS) em 15 de março de
1932. Na década de 1920, surgiu no Brasil um movimento leigo empenhado na discussão dos problemas
sociais à luz de pensadores católicos como Jacques Maritain. Na década seguinte, organizaram-se no país
vários grupos inspirados pela Igreja, como a Liga Eleitoral Católica, a Associação de Universitários Católicos e
a Ação Católica Brasileira. Nesse quadro surgiu também um movimento operário católico, que iria resultar na
criação dos círculos operários, e, mais tarde, na Confederação Brasileira dos Trabalhadores Cristãos. Os
círculos operários tinham como objetivo coordenar a atividade de seus sócios a fim de alcançar uma real
elevação econômica, cultural e social das classes trabalhadoras, constituindo-se, assim, como uma organização
de caráter econômico-social e de direito civil, não sendo, portanto, associação de direito eclesiástico, como a
Juventude Operária Católica (JOC). Faziam parte do círculo operário, como sócios efetivos, operários manuais,
empregados do comércio, pequenos funcionários públicos, trabalhadores por conta própria, pequenos
proprietários rurais e, em geral, todos os assalariados de ambos os sexos e de qualquer profissão. Os círculos
operários não tinham nenhuma dependência, direito ou outra relação de ordem jurídica com o Ministério do
Trabalho. Não são, ainda, associações religiosas, nem dependem diretamente da hierarquia eclesiástica em
assuntos de sua finalidade imediata, embora inspirados em encíclicas católicas. Julgavam-se, ainda, ―fora e
acima da política partidária‖, não podendo os dirigentes servir-se do nome dos círculos que representavam para
apoiar partidos políticos ou entrar em compromisso com eles. Sua função residia em promover a assistência e o
auxílio mútuo ao operário, aspirando ―a uma ordem social de perfeita justiça, caridade e harmonia‖. Em 1937,
na tentativa de organizar um movimento nacional unificado, o padre Brentano promoveu no Rio de Janeiro o
primeiro congresso nacional circulista. Nessa ocasião foi constituída formalmente a Confederação Nacional
dos Operários Católicos (CNOC), composta de 34 círculos, com 31 mil membros espalhados em cinco estados.
No período do Estado Novo, o movimento operário católico cresceu bastante. Os círculos receberam o
reconhecimento oficial do governo e foram beneficiados por favores, na medida em que ajudavam a
administrar a legislação de bem-estar social instituída por Vargas. Ao fim desse período, existiam duzentos
77
que poderia ter assumido, junto com a CSN, a tarefa de ministrar os cursos supletivos. (cf.
A6)
No recorte A7 leio a menção sobre a Superintendência de Assistência Social da
empresa, cujo Departamento de Assistência Educacional exercia o controle da parceria com o
SENAI, no desenvolvimento dos cursos de qualificação. A educação municipal e os
supletivos eram assistidos pela CSN. Em 1954, mais de 1.500 crianças estudavam na região,
graças a escolas mantidas pela CSN. O que observo é o empenho crescente da indústria em
promover a escolarização mais diretamente dos filhos de trabalhadores que constituiriam a
mão de obra futura da CSN, embora nessa década ainda se verifique a oferta de escolarização
de trabalhadores.
Em A8, de 25 de janeiro de 1954, um artigo informa que os estudantes, tanto crianças
como jovens e adultos dos cursos supletivos estavam usufruindo das férias escolares,
enquanto o Departamento de Orientação Educacional da CSN iniciava estudos para formular
planos educacionais, cursos e oferecer mais turmas de supletivo para toda a população
voltarredondense.
No mês de abril de 1954, o artigo trata dos quantitativos que a escola profissional
formou. Lê-se que foram 247 alunos no turno do dia e 429 jovens e adultos qualificados e
capacitados para atuarem na CSN. Ainda trata da pretensão da escola profissional pedir
permissão ao Ministério da Educação e Saúde (à época) para ministrar o ensino técnico. (cf.
A9). Observa-se que a ação da CSN no campo educacional ia bem além da possível ideia de
cursos livres, sem regularização legal, para assumir condição de legalidade, como requerido
pelo Ministério da pasta.
Em A10, pode-se ler sobre uma aula teórica sobre a operação da usina ministrada
dentro da empresa, demonstrando a importância que a CSN dava à educação de trabalhadores,
colocando seus técnicos em nível dos altos padrões do setor industrial brasileiro.
A inauguração do Grupo Escolar Presidente Roosevelt é noticiada em A11, um marco
para o ensino em Volta Redonda. Inicialmente oferecia 6 mil novas vagas e, mais tarde, a
círculos e duzentos mil associados em todo o país. Com a queda de Vargas, o movimento católico entrou em
declínio, devido em parte ao descrédito que começavam a ter os princípios do corporativismo com a derrota do
fascismo na Segunda Guerra Mundial. No meio da década de 1950, a Igreja tratou de modernizar os círculos,
reorientando seu programa e suas atividades com vistas ao trabalhador brasileiro. A partir do VII Congresso
Nacional dos Círculos Operários, foram incrementadas as escolas de líderes operários, a primeira das quais foi
fundada no Rio de Janeiro pelo padre Belisário Veloso, então assistente eclesiástico da CNOC. Nesse
momento, registrava-se um esforço no sentido de orientar o movimento fundamentalmente para os problemas
trabalhistas. (Adaptado de Mônica Kornis, com fonte BRANDÃO, B. Movimento; CÍRCULO OPERÁRIO.
Anual; WIARDA, H. Movimento). Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/circulos-operarios . Acesso em 1 nov. 2018.
78
escola se torna um grande referencial no ensino supletivo, até chegar ao ensino por módulos,
que acaba por torná-lo obsoleto, já no fim dos anos de 1990.
Em janeiro de 1955, pode-se ler a comemoração do fim dos anos letivos de todos os
educandários de Volta Redonda, além de mais uma menção à escola profissional e à escola do
Círculo de Operários que, além do supletivo, buscava oferecer formação política e social aos
alunos. (cf. A12)
O artigo em A13 destaca um prêmio — pondo a meritocracia em cena — aos alunos
que se destacaram na escola profissional. O objetivo era valorizar os estudantes e estimular os
demais a terem boa produtividade e frequência satisfatória. Os 22 alunos premiados ganharam
uma viagem para São Paulo, paga pela CSN.
Em abril de 1955 ocorria um marco na história da cidade: era oficialmente instalado o
Curso Industrial Básico, com o objetivo de formar a geração vindoura que deveria assumir o
trabalho na CSN. O curso visava preparar os indivíduos para o curso técnico e dar um passo a
mais em direção a um curso superior na área de metalurgia ou em qualquer outra similar,
podendo ser absorvido pela empresa. Os estudantes menores realizavam o curso durante o dia
e havia poucas turmas à noite, para os maiores de idade. (cf. A14). Como se pode observar a
CSN não apenas se projetava a um futuro tecnológico que exigiria novas formações
especializadas, como também ―preparava‖ os estudantes que poderiam vir a ser a nova
geração de trabalhadores requerida pela indústria em franco desenvolvimento.
O artigo de A15 (maio de 1955) trata do sucesso dos cursos oferecidos na escola
industrial e a melhoria gradativa que se observava com o contínuo aperfeiçoamento dos
professores e dos equipamentos que, ao chegarem à CSN, eram instalados com a participação
de professores e alunos.
Já no ano de 1955 a escola industrial recebeu oficialmente reconhecimento legal para
funcionar como escola, podendo emitir cartas de ofício e certificações. Esse reconhecimento
foi feito pelo chefe do governo Café Filho. (cf. A16)
Em meados de 1955, com proposição da CSN por meio do Departamento de
Assistência Educacional, foi criado o Centro de Extensão Cultural, que objetivava oferecer
cultura geral e formação cultural para os operários e seus familiares, em cursos nos quais
poderiam se inscrever opcionalmente. (cf. A17)
Na perspectiva de formação continuada e ao longo da vida, pode-se assim considerar,
tendo em vista concepções vigentes à época, foi convidado a Volta Redonda um renomado
cientista, professor da École Mines de Saint Étienne, da França, uma das maiores autoridades
em Metalurgia e Siderurgia. O curso foi realizado com técnicos e engenheiros superiores,
79
tanto da CSN como de convidados de outras partes do Brasil. O objetivo era de formação e
aprimoramento, ajudando a fortalecer a indústria siderúrgica no Brasil. (cf. A18)
Outra oportunidade de curso para adultos ocorreu em agosto de 1955, ofertado pela
rádio Zyp-264. O curso aconteceu em duas modalidades: para radiouvintes e de forma
presencial (com a nomenclatura de ―normais‖). Ambos tiveram acesso ao auditório da rádio e
ao material, na primeira meia hora de aulas. Depois, na segunda parte, somente os alunos da
modalidade presencial teriam o direito de debaterem e tirarem dúvidas, podendo os demais
acompanhar pelo rádio. Todo o curso era transmitido pelo rádio. Somente os alunos inscritos
teriam direito ao certificado. Os cursos oferecidos eram de Português, Inglês, Geografia,
Introdução à metalurgia, Administração de pessoal e Elementos de psicotécnico. (cf. A19)
No artigo A20, noticia-se que um engenheiro e quatro técnicos receberam uma bolsa
de estudos para realizar curso especial de metalurgia no Centro de Estudos da Indústria
Metalúrgica, em Mertz, na França. O curso e a viagem foram todos custeados pela CSN,
visando à formação e especialização de seus funcionários.
Em A21, a matéria trata de investimentos que a CSN realizou voltados à educação
municipal primária. A fala da diretoria da empresa considerava importante que a cidade
tivesse investimento no ensino primário, pois quando adulto, há mais dificuldade para
aprender, sendo papel da empresa propiciar à população jovem a escolarização, para não ter
de fazê-la quando adulto. Cita ainda os cursos de aprendizagem industrial, e a possibilidade
de abrir o curso científico voltado para a indústria. Nesta matéria, claramente se observa a
função que a indústria dispensa à formação básica escolar: preparar a mão de obra
trabalhadora, para que venha a favorecer e facilitar a admissão de trabalhadores já
escolarizados, de modo a desempenharem produtivamente o trabalho na indústria metalúrgica.
O artigo A22 trata de incentivo à continuidade da escolarização dos funcionários, para
o que a CSN custeou um curso de aperfeiçoamento na Escola Brasileira de Administração da
Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A preocupação com a formação qualificada de trabalhadores para a indústria nascente
e que se afirma, nesse período histórico, é visível, já que se tratava de um campo novo no
país, para o qual se voltavam expectativas e no qual se aprendia fazendo, no mais das vezes.
Com o passar do tempo, são percebidas necessidades de formação, e a empresa investe para
garantir a continuidade das operações industriais, formando quadros e assegura a
4
O rádio foi relevante nas iniciativas de formação de trabalhadores e de escolarização nos movimentos de
educação popular, em todo o país, pela penetração que alcançava. Não me ocupei dessa discussão aqui pelo
fato de as únicas fontes obtidas terem sido restritas aos jornais. Certamente que o uso das rádios podem ser
objeto de novas investigações por pesquisadores.
80
edital que apresentava os passos que o pai ou responsável deveria seguir para pleitear a bolsa.
(cf. A32)
Mais um crescimento da empresa era noticiado: a metodologia TWI de gestão,
proposta para treinamento de todos os funcionários em cargo de liderança. Na edição 100 de
O Lingote a notícia sobre a formação dos líderes teve início, demonstrando a constante
preocupação da empresa de não estagnar, mas crescer e se desenvolver, balizada na formação
continuada. (cf. A33)
O artigo da edição 104, de agosto de 1957, corrobora mais uma vez a preocupação da
cidade junto com a CSN pela educação dos munícipes. No artigo intitulado Junto com a usina
construíram-se escolas demonstrava-se o envolvimento da CSN com as questões
educacionais da cidade: em primeira instância, no pensamento de curto e médio prazo, com os
adultos; e, a longo prazo, com as crianças. (cf. A34)
Mais um artigo sobre os cursos da rádio Zyp-26. Em outubro de 1957 (edição 106) a
rádio diplomou 108 alunos que terminaram com êxito os cursos oferecidos, isto é, tiveram
presença e aproveitamentos satisfatórios. (cf. A35)
Em março de 1958, na edição 111, mais uma notícia sobre formação —
aperfeiçoamento e especialização. Doze funcionários da CSN foram para São José dos
Campos durante dois meses, fazer um curso no Instituto Tecnológico da Aeronáutica,
confirmando o interesse da CSN com o desenvolvimento profissional de seus funcionários.
(cf. A36)
Em A37 (junho de 1956, edição 114) há a notícia do término da primeira turma do
curso de aperfeiçoamento de Auxiliares Técnicos para funcionários da CSN.
Enquanto as capacitações e fases do TWI prosseguiam, as notícias sobre os cursos de
formação e aperfeiçoamento em metalurgia e siderurgia continuavam circulando. (cf. A38)
O artigo de outubro de 1958 (edição 118) tratava de mais um passo na ideia de
educação que se buscava desenvolver em Volta Redonda: a inauguração de um laboratório de
física e química para o desenvolvimento de estudos e análises do aço produzido. (cf. A39)
O artigo A40, edição 129, trata de uma formatura de conclusão do ginásio na Escola
Getúlio Vargas. Mas O Lingote cobria essa formatura, pois havia inúmeros operários da CSN
diplomados nessa cerimônia, comprovando haver, já em 1958, oferta de escolarização de
adultos no município.
Um processo de seleção para serventes atraiu 440 candidatos para realização da prova,
demonstrando o interesse da população para trabalhar na empresa, certamente apostando nas
promessas de crescimento e aperfeiçoamento profissional. (cf. A41)
82
trazendo pela prática de formação profissional, esses temas para a realidade do público que
tanto aspirava entrar nessa empresa como trabalhador.
Ao fomentar motivações para o estudo como forma de crescimento na empresa e para
a qualificação, de modo a que o trabalhador expanda sua prática, a CSN também incentiva a
formação cultural por meio de parcerias, principalmente com a rádio que, na época, era o
meio de informação popular.
3.4 Alinhando histórias
As quatro histórias que consegui colher, entrevistando personagens envolvidos com a
CSN, são exemplos vivos de uma memória pouco evocada ou não contada, mas de imensa
relevância na história brasileira. Cheias de vida, emoção, em muitas vezes com dificuldade de
fala para que pudesse ser registrada e narrada. Pouco se conhece desse ângulo da ação da CSN
no cenário da educação de adultos no país, e o que representou na educação em geral, na
região do Médio Paraíba. Minha pesquisa fez uma pequena aproximação, sinalizando um
campo fértil que poderá ser aprofundado, por novas investigações.
Os personagens destacados puderam contemplar meu objetivo de que suas histórias se
entrecruzassem entre elas e às fontes documentais a que tive acesso. Registros históricos
frequentemente aportam uma única voz (a voz oficial) sobre fatos que, quando narrados, pela
ação ativa das memórias de pessoas, despertam maiores compreensões, trazendo a memória
coletiva que pode (ou não) corroborar e descortinar processos vividos que atravessaram a
formação escolar e profissional dos sujeitos, em torno e mesmo no interior da Usina
Presidente Vargas, durante os primeiros anos de sua criação.
Percebem-se muitos discursos cruzados na fala de nossos personagens, o que segundo
Pollak (1989) traduziria a memória coletiva, o que dá às falas sustentação, tornando-as
institucionais e dando maior credibilidade a essas memórias.
Dos nossos quatro personagens, todos vieram para Volta redonda na perspectiva de
melhoria de vida ou de melhor qualidade de vida, e apenas um chegou a Volta Redonda
analfabeto. Um deles chegou com o curso primário completo (5º ano de escolaridade); outro
chegou com o ginásio, o atual 9º ano do ensino fundamental, realizado na escola do SENAI
na cidade em que nasceu; outro chegou com o científico completo (atual ensino médio). Das
quatro trajetórias, dois chegaram até o ensino superior e, em seus relatos, são enfáticos em
afirmar que isso somente foi possível com as facilidades e incentivos que a CSN oferecia. Os
outros dois personagens que não chegaram a estudar mais, ainda assim alcançaram cargos
mais altos na empresa, demonstrando o apreço da empresa pelo desenvolvimento e
qualificação profissional, interessada no domínio de técnicas e tecnologias, deixando em
85
segundo plano a formação escolar. A formação de trabalhadores para o capital norteava, sem
sombra de dúvida, as ações da empresa aqui elencadas.
Três dos nossos personagens realizaram, para seu desenvolvimento profissional,
provas ou cursos da chamada ―bateria‖. Todos fizeram a ―bateria‖ B, no nível do final do
primário, mas suficiente para abrir portas dentro da empresa e melhorar condições de
trabalho. De acordo com vagas que iam aparecendo, os trabalhadores eram informados da
prova e, em muitos casos, a vaga não era imediata, mas o aprovado era alocado para aprender
no novo setor, podendo alguns meses depois trabalhar na ocupação para a qual realizara a
―bateria‖.
No que tange a processos de alfabetização formal, encontrei em dois relatos a presença
de oferta privada, com professores que recebiam para preparar os trabalhadores para
realizarem as provas, e que também os alfabetizava. No ano de 1947 encontrei menção a
algumas classes de alfabetização de adultos que funcionavam na Escola Estadual Trajano de
Medeiros. A busca de documentação na escola foi frustrada por inúmeras negativas, pois nem
a escola e tampouco a coordenadoria do Médio Paraíba sabiam onde se encontrava a
documentação que eu buscava. Ainda, a escola profissional que passou a exercer suas
atividades a partir do ano de 1943, ao ofertar seus cursos, oferecia um curso de Aprendizagem
Industrial básico, relatado diversas vezes pelo O Lingote e realizado pelo Sr. Francisco
Augusto da Silva, um de nossos entrevistados. Tais cursos não certificavam formalmente a
escolarização, servindo para preparar, qualificar, formar para atuação dentro da empresa.
A escolarização formal, segundo alguns relatos de entrevistados, e de acordo com os
achados da pesquisa, nunca foi prioridade da empresa. Os cursos da empresa não
certificavam, embora apoiasse e promovesse, diretamente, ou em parcerias a preparação do
trabalhador para exercer sua função dentro da empresa. Nas entrevistas, os trabalhadores
relataram que não tinham conhecimento de nenhuma iniciativa formal de alfabetização dentro
da empresa, o que não significava que a empresa não se interessasse pela situação de
analfabetismo entre trabalhadores. Nos relatos do Sr. Francisco, principalmente, observa-se
como se sentia motivado em aprender, para que pudesse crescer na empresa, o que exigiu
fazer cursos e, para isso, como base, saber ler e escrever. Muitas vezes o interesse do
trabalhador em avançar em uma carreira/profissão motivava-o a buscar classes de
alfabetização, para que pudesse aprender a ler e a escrever e, desse modo, estar apto a realizar
os cursos (―baterias‖) que lhe permitiriam crescer na empresa.
As iniciativas existiam, pude encontrar em, pelo menos, dois artigos n’O Lingote
noticiando cursos de alfabetização que ocorreram, ora oferecidos pela empresa, ora em
86
parceria com o município, mas custeados pela empresa. No documento Ata de 1946, em
anexo, lê-se a menção a um curso de alfabetização de adultos que funcionava em uma escola
estadual, o grupo escolar Trajano de Medeiros. Por esse documento verifica-se que
professores voluntários pediram ajuda à CSN, pois, segundo eles, a Inspetoria de Ensino
interditaria o curso de alfabetização de adultos que não tinha autorização para funcionar
naquele prédio. Diante do fato, os professores voluntários solicitavam à diretoria da CSN um
local para que o curso de alfabetização de adultos pudesse funcionar e não fosse interrompido.
O interesse pela escolarização voltada ao trabalho, principalmente para a educação de
adultos, era uma prerrogativa da Constituição de 1934, preceituando uma educação para
todos. Em 1935, o Ministério da Educação e Saúde Pública iniciava a ter uma visão mais
orgânica do ensino profissional e levantava a hipótese de eliminar diferenças entre trabalho
manual, industrial e agrícola, pela obrigatoriedade do ensino profissional. (GHIRALDELLI
JÚNIOR, 2008).
A tendência no momento de construção da CSN em Volta Redonda era a da
industrialização. Assim, ter claras todas as diferenças e focar os aprendizados compunham
uma decisão acertada. Mais tarde, isso seria corroborado pelas orientações dos fóruns e de
conferências internacionais tiveram lugar. Nesse quesito, a CSN realizou uma ação que pode
ser interpretada pelo menos de duas formas distintas. Uma primeira interpretação de que ela
se orientava por uma ideia comercial e capitalista, pouco se importando com o crescimento
das pessoas, mas com o foco no crescimento da empresa. Capacitava-os e os qualificava para
exercerem um trabalho, sem pensar na formação política e cidadã. Uma segunda interpretação
situa-se no campo do capital e do crescimento comunitário, sem negar que a empresa
objetivava o crescimento do capital (objetivo de toda empresa) mas que, além disso,
valorizava o desenvolvimento profissional dos trabalhadores na empresa e em visão de largo
prazo, projetava o futuro, apoiando a educação e até mesmo a cultura no município, como
garantia de trabalhadores mais bem formados/escolarizados para as sequentes gerações. Sr.
Francisco e o Sr. Naim são evidências dessas possibilidades iniciais em relação a eles
próprios, assim como pelas trajetórias já construídas por seus filhos.
O ideal de construção da cidade ao redor da indústria, uma ideia de Getúlio Vargas de
criar uma cidade cuja sociedade se consolidaria pelo valor do trabalho parece ter sido posta
em curso, durante o período investigado. Getúlio Vargas, segundo Souza (2016, p. 12-14),
projetava assim a vida de todo trabalhador: ―Quero dar-lhes a oportunidade de ascenderem
socialmente‖. O ideal de construção deste modelo de cidade figuraria como exemplo a ser
seguido em todo o país, saindo do atraso da submissão às oligarquias e adentrando no avanço
87
da industrialização. As contradições permeando este modelo podem ser apontadas nas ações
da igreja católica que, mesmo a serviço, nos Círculos Operários da CSN, desenvolviam
formação política e cidadã, mescladas com interesses partidários que sempre se fizeram
presentes nos sindicatos de trabalhadores.
Ainda que o pensamento do engenheiro chefe, responsável pela construção da cidade,
fosse de estimular o cidadão que nela morasse para uma vida regulada pela nova indústria,
Atílio, o engenheiro não poderia imaginar o que os sujeitos fariam com a liberdade e a
autonomia conquistadas no mesmo espaço de trabalho que pensava controlar. Assim, sua
máxima de que esse espaço seria posto para ―[...] levar o homem acostumado a uma vida sem
perspectiva a viver num ambiente que o faça querer ser melhor‖ (SOUZA, 2016, p. 12-14) foi
criativa e inventivamente recriado pelos sujeitos que adotaram Volta Redonda como lugar de
pertencimento e território de vida.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
reconstrução europeia, mas que se espalhavam pelos demais continentes. Esses pactos
ratificavam os textos legais que definiam a importância da formação para o trabalho e
abordagens diversas requeridas para um público que se tornava sujeito de processos
educacionais. A condição de sujeito de direito à educação só se faria real a partir da
Constituição Federal de 1988.
No município de Volta Redonda, esses processos educacionais de adultos se iniciam
com a chegada da CSN e sua construção, pela necessidade de atender trabalhadores vindos de
vários lugares do Brasil, em maioria analfabetos, para trabalhar na construção da indústria.
Iniciava-se, assim, um processo de escolarização e formação profissional para a qualificação
da mão de obra.
Todo empenho da CSN nessa empreitada era apenas um recorte de toda a
movimentação que ocorria no Brasil com políticas populistas do governo do Estado Novo,
que tinha como foco estímulo à indústria nacional para o desenvolvimento do país.
Durante a pesquisa realizada no Centro de Documentação da CSN busquei por
qualquer documento que comprovasse a ocorrência desses cursos de alfabetização, de
escolarização e de formação de mão de obra, mas o acesso inicial concedido foi bloqueado e
somente alguns tipos de documentos me foram autorizados. Os contratempos e complicações
gerados pela contraordem da chefe do Centro colocaram-se como empecilhos à ampliação das
informações em fontes primárias documentais.
Um dos materiais franqueados foi a publicação impressa que ocorreu na época, O
Lingote, que trouxe muitas contribuições à minha investigação, mas limitadas porque, em
geral, noticiavam e davam popularidade às ações de interesse da indústria.
O processo de escolarização, regra geral, não era ofertado na empresa, inicialmente,
como eu pressupunha, mas esta, prioritariamente oferecia a formação para o trabalho. Pela
cidade aconteciam iniciativas privadas de escolarização para adultos, e na Escola Trajano de
Medeiros havia aulas com professores voluntários.
No momento em que a construção entra na fase final a CSN, percebendo a necessidade
de escolarização de adultos para a mudança no perfil da mão de obra, em 1943 cria a Escola
Profissional. Nela havia cursos de alfabetização e de aprendizagem industrial, possibilitando
alguma escolarização dos trabalhadores e a qualificação para atuação na siderurgia.
Os incentivos profissionais para quem se alfabetizasse eram poucos e, por isso, muitas
pessoas preferiam ter aulas apenas em preparação às provas de ingresso à CSN e às chamadas
―baterias‖, provas internas que permitiam ao trabalhador subir de nível salarial e de carreira
na empresa.
90
O que ficou muito evidente nessa pesquisa foi o quanto a educação profissional — e
não simplesmente a educação de adultos — assumiu o protagonismo na empresa. Ainda que o
entendimento de educação de adultos à época expressasse esta vertente, tanto em marcos
legais como por recomendações de organismos internacionais para os quais a escolarização
era indispensável à realidade da educação de adultos, a CSN continuou com forte empenho na
formação e qualificação profissional de seus trabalhadores.
A pesquisa teve inúmeras limitações: a primeira, de tempo do pesquisador, muito
reduzido, pelo fato de, não sendo bolsista, manter seus vínculos profissionais nas duas redes
públicas a que pertence. Agregaram-se a isso as muitas negativas de órgãos que não
concederam acesso à documentação, o que poderia favorecer novas análises das ofertas
educativas durante os anos retratados na cidade de Volta Redonda.
Como principal resultado, cumprindo um dos objetivos previstos, retirei da
obscuridade a história com a educação de adultos da maior siderúrgica da América Latina e os
processos de formação de trabalhadores que permearam a chegada e o desenvolvimento da
indústria de base na cidade de Volta Redonda.
A história da CSN foi marcada por greves, por intervenção militar que não chegaram a
ser por mim abordadas, pelo bloqueio às informações e ao acesso moroso. O interesse de
pesquisadores no tema pode ser ainda buscado em registros guardados em, pelo menos, quatro
lugares diferentes no Brasil, como o Arquivo Municipal de Volta Redonda; o Arquivo
Nacional; a Biblioteca Nacional; e o escritório central da empresa em duas grandes capitais:
Rio de Janeiro e São Paulo.
Lacunas no arquivamento e nos sentidos históricos de preservação da memória
documental contribuíram para que eu não encontrasse muitos materiais que deveriam existir,
mas não nos locais em que busquei.
O município da Volta Redonda, com seus 64 anos e a CSN com 77 anos forjaram uma
história diferente das outras cidades do Médio Paraíba. Graças à presença dessa indústria que
realizou um trabalho motivacional na cidade, elucidando a importância da qualificação
profissional e do apoio à escolarização, segundo uma ótica de pensar a cidade naquele tempo,
hoje se tem um sistema de ensino amplo e mais estruturado, tanto com escolas públicas como
privadas.
As trajetórias educacionais que aqui se formaram foram forjadas em aço, pois são
fortes e, mesmo eu, sendo filho de um operário que não terminou os estudos, sempre tive todo
apoio e incentivo para que pudesse estudar e buscar perspectivas de futuro. Tudo isso dá a
92
certeza de que, mesmo com muitos questionamentos sobre as práticas adotadas, a CSN forjou
um modo de educação no aço da história dessa cidade.
Esse trabalho abre algumas proposições que podem ser objeto de pesquisas futuras.
Uma proposição inicial seria a de análise das metodologias usadas em classes de alfabetização
nos anos de 1940 em comparação a propostas freireanas de alfabetização de adultos que
ocorreram em parte, simultaneamente.
Outra perspectiva de trabalho futuro poderia ser quanto à abordagem de concepções e
metodologias das formações profissionais e dos cursos de aperfeiçoamento; como eram
trabalhadas as propostas de formação profissional junto aos trabalhadores, que, em muitos
casos, se alfabetizavam em meio aos cursos de aperfeiçoamento e qualificação.
93
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Foto3 : Visão ao cai da tarde na Vila Santa Cecília, bairro central de Volta Redonda.
Fonte: https://www.skyscrapercity.com
Foto 4: Visão rotineira de Volta Redonda, chaminés eliminando gases, vapores e poluição.
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Foto 5: Passarela sobre a BR 393, toda construída em aço produzido na indústria marcando a
cidade com trações de ferro e aço, fazendo jus ao seu apelido: Cidade do Aço.
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Foto 8: Praça Brasil. Um obelisco no meio da cidade de Volta Redonda com entalhes
dos trabalhadores e 4 estátuas ao seu redor, uma de Getúlio Vargas diante do
Escritório Central, centro antigo administrativo da CSN, dias mulheres com
engrenagens que significavam a era da tecnologia e modernidade que a cidade
entrava e atrás o operário.
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Foto 9: Visão da Praça Brasil, com um prédio da CSN/CBS, Um cenro de lojas e escritórios que tem
uma estrutura metálica enaltecendo a CSN e ao fundo, o Majestoso Escritório Central, antiga sede
administrativa da CSN e hoje um prédio sem uso.
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Foto 10: Visão da CSN com destaque a empresa White Martins dentro da CSN.
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Foto 3: Galpão de madeira utilizado como depósito e centro de operação para construção
Fonte: Centro de Documentação Coorporativo
Foto 9: Acampamento dos primeiros técnicos para início da análise topográfica para planejamento da
CSN e acampamentos dos operários.
Fonte: Centro de Documentação Coorporativo
Foto 10: Funcionários da CSN com faixas de suas turmas de qualificação (Década de 1940)
Fonte: Centro de Documentação Coorporativo
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