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ESQUERDA
PETISTA
R E V I STA E S Q U E R DA P E T I STA
PETISTA ENTREVISTA
30 anos em defesa de um
PT socialista, democrático
e revolucionário
E
sta edição da revista Esquerda Petista coincide com o
aniversário de 30 anos da tendência petista Articulação
de Esquerda. O plano original era produzir um dossiê
completo sobre a trajetória da tendência, mas dificuldades as
mais variadas nos levaram a produzir algo mais modesto, mas
que esperamos cumpra o objetivo de marcar o aniversário de
uma iniciativa que foi e segue válida.
Isso posto, nos compete em seção especial no site Página 13; a mos especialmente a quem con-
primeiro lugar informar que o gravação e disponibilização de um tribuiu na elaboração dos textos
companheiro Marcos Jakoby foi Arquivo Digital da AE; além desta que estão nas próximas páginas. É
responsável por coordenar, de edição da revista Esquerda Petista. o caso dos companheiros Leandro
forma militante, o conjunto de ati- Em cada uma destas ativida- Eliel, Marcos Jakoby, Mateus Laz-
vidades relativas ao aniversário de des, bem como em várias outras zaretti e Lício Lobo; e das compa-
trinta anos de fundação da AE, en- que não citamos, foi fundamental nheiras Fabiana Gonçalves, Guida
tre as quais citamos: a criação do a contribuição de um conjunto Calixto, Natália Sena, Iriny Lopes,
selo 30 Anos, para ser usado nos de companheiras e companhei- Sonia Hypólito, Pamela Kenne
materiais da tendência; a Agenda ros, entre os quais o Emílio Font e Elisa Guaraná. Além de Emílio
2023; a reedição dos livros Socia- (responsável pelo desenho gráfi- Font e das já citadas Rita Camacho
lismo ou Barbárie, Novos Rumos pa- co da quase totalidade de nossos e Adriana Miranda, contamos com
ra o Governo Lula e a A Esperança materiais), o Rodrigo César (or- a contribuição da Lena Azevedo.
é Vermelha -Resoluções da Décima ganizador e editor do livro sobre O plano original desta edição
Conferência da AE; a edição do livro movimento estudantil citado an- da revista Esquerda Petista pre-
O Brasil, a Universidade e o movi- teriormente), a Adriana Miranda e via a publicação de uma linha do
mento estudantil; a publicação, em a Rita Camacho (ambas na revisão tempo, de um caderno de imagens
formato digital, das resoluções de e edição de diversos textos). e de uma seção de homenagens
todas as conferências e congres- No caso específico desta edi- a militantes da AE que partiram
sos da AE; a organização de uma ção de Esquerda Petista, agradece- ao longo das três décadas passa-
das desde a fundação. Pela razão tores da esquerda - defendemos turavam sua estratégia – suposta-
exposta no início deste editorial, se tornem majoritárias na classe mente de esquerda - em torno do
estas intenções não chegaram ao trabalhadora, inclusive na direção objetivo de derrotar o PT. Igual-
papel, embora estejam sendo exe- nacional do PT. mente nunca nos furtamos de cri-
cutadas em nossa página digital Esta atitude, ao mesmo tem- ticar as posições de conciliação
(www.pagina13.org.br). po resiliente e insistente, tem estratégica com setores da classe
Para finalizar este editorial, seu preço. Basta dizer que, já em dominante brasileira, presentes e
queremos reafirmar que não so- 1993, a decisão de converter o hegemônicas em vários partidos,
mos nem queremos ser uma ten- movimento Hora da Verdade nu- algumas vezes combinadas com o
dência com um grande passado ma tendência organizada gerou o objetivo de derrotar o petismo.
pela frente. Não somos, porque inconformismo e depois a ruptura No caso do PT, a conciliação as-
temos a exata dimensão do que daqueles que, no fundo, preferiam sume diferentes formas. Exemplos
fomos, desde 1993: uma pequena manter vínculos orgânicos com a disso, no terreno programático:
organização militante, que buscou “direita da Articulação”. quando a reforma agrária perde
resistir ao movimento de domes- Desde então e até hoje, sofre- centralidade; quando o combate
ticação que se abateu sobre o PT mos inúmeras rupturas coletivas e ao capital financeiro se limita ao
desde o início dos anos 1990. Não individuais. Na maioria dos casos, tamanho da taxa de juros; quan-
fomos, nem somos, os únicos a fa- estas rupturas têm duas causas. do a reversão das privatizações
zer isso e, por óbvio, não tivemos Por um lado, os que buscam uma é substituída pela naturalização
pleno êxito em nossos objetivos. reaproximação teórica e orgânica das terceirizações; quando a rein-
Entretanto, o que fizemos contri- com o setor moderado do Partido. dustrialização é dependente do
buiu para que, nesses trinta anos De outro lado, os que desistem investimento privado, mormente
que se passaram desde 1993, o PT de disputar os rumos do Partido. estrangeiro; quando o socialismo
continuasse sendo uma solução, Evidentemente, há os que saíram sai da agenda, dando lugar a uma
aos olhos de parte expressiva da da Articulação de Esquerda por política de combate à exclusão.
classe trabalhadora brasileira; e, outros motivos, entre os quais Exemplos disso no terreno estra-
também, contribuímos para que se incluem nossas insuficiências, tégico: quando não se faz nada,
o PT continuasse sendo um pro- nossos erros e nossa linha políti- a sério, no sentido de derrotar o
blema, aos olhos da maior parte ca e métodos de funcionamento, oligopólio da comunicação, de de-
da classe dominante brasileira e, que obviamente não são os úni- mocratizar o sistema judiciário e o
também, do imperialismo. cos possíveis, do ponto de vista de parlamento, de reorganizar as for-
E não queremos ser uma ten- quem luta pelo socialismo. ças armadas e as polícias, de criar
dência com um grande passado Seja como for, um fato é: des- as condições para realizar uma As-
pela frente, porque embora ava- de que surgimos até hoje, nunca sembleia Nacional Constituinte.
liemos positivamente nossa mo- abrimos mão de disputar os rumos Sem falar, é claro, da hipertrofia
desta contribuição, entendemos do Partido. Somos uma tendên- do institucional frente ao trabalho
que o mais importante ainda es- cia petista. E, também por isso, ao de organização, conscientização e
tá por vir. Mesmo reconhecendo mesmo tempo em que sempre de- mobilização direta da classe tra-
nossa condição minoritária, se- fendemos a necessidade da unida- balhadora. E da desistência não
guimos lutando contra a domes- de da esquerda, dentro e fora do apenas da revolução, mas também
ticação, cuja derrota supõe que PT, nunca nos furtamos de criticar das reformas estruturais.
as posições que nós – e outros se- aquelas organizações que estru- A essas dimensões – programá-
tica e estratégica – da conciliação, é inevitável: não vivemos numa o que podemos dizer é que vamos
cabe adicionar uma outra, muito bolha, não somos uma seita. Em- seguir lutando e fazendo de tudo
visível a partir do nosso “lugar de bora, a bem da verdade, alguns para vencer, menos aquilo que o já
fala”, na condição de tendência pe- dos problemas citados, embora famoso causídico atribuiu ao “pe-
tista: a domesticação orgânica do também existam entre nós, exis- queno príncipe”.
Partido. Comecemos seguindo a tem em quantidade muito menor Venceremos? Só o tempo e a
pista do dinheiro: o Partido se tor- e sem afetar a conduta geral da luta dirão. Sendo importante lem-
nou quase que absolutamente de- tendência, como já se demonstrou brar: não há a menor chance de
pendente de fundos públicos, em em temas como a promiscuidade vitória, de nenhuma estratégia da
detrimento da contribuição mili- com a direita, a promiscuidade esquerda - da mais moderada até
tante, que desde 2015 deixou de com o empresariado, o oportunis- a mais radical-, se não houver uma
ser uma condição universalmen- mo no debate político-ideológico
crescente mobilização da classe
te necessária para participar dos e a violência de gênero” (trecho da
trabalhadora. Mobilização ainda
processos deliberativos internos. resolução do 8º Congresso da AE,
mais necessária, nesses tempos de
Depois, observemos o poder in- realizado em julho de 2023).
guerra que vivemos.
terno, cada vez mais concentrado Quando falamos estas coisas
Encerramos este editorial rei-
nas mãos dos que ocupam manda- como elas são, há quem conclua
terando algo que está na resolu-
tos executivos ou legislativos, em que o jogo está jogado, que a par-
detrimento das instâncias coleti- tida está perdida, que a meta- ção de nosso 8º Congresso: “mo-
vas do Partido. Por estes e outros morfose se concluiu. Não é esta mentos de crise profunda – como
caminhos, vão tentando converter a nossa opinião. Seguimos no PT, o que vivemos atualmente – são
o PT em parte do aparato de Esta- seguimos disputando os rumos do terríveis e perigosos, mas também
do, fazendo-o perder a condição PT, não por inexistir alternativa, são propícios para darmos passos
de rebeldia antisistêmica que foi mas por compreender que – nesta decisivos para a construção de um
decisiva na sua primeira década quadra histórica em que vivemos novo mundo, um mundo com bem-
de vida. – a vitória da classe trabalhadora -estar e liberdades, com soberania
Este fenômeno atinge o PT, depende do Partido dos Trabalha- e integração, um mundo desenvol-
mas atinge também suas tendên- dores. Não de um PT ou de uma vido e que preserve o meio am-
cias internas, muitas das quais se esquerda imaginária, mas do PT e biente, um mundo socialista”.
converteram em cooperativas de da esquerda realmente existentes,
parlamentares, em agências para com todas as suas contradições,
n Valter Pomar é editor da
revista Esquerda Petista e um
disputar empregos públicos, em com seus problemas, com suas li- dos presentes ao seminário de
instrumentos para ocupar espaços mitações. Pureza como caminho 1993, que fundou a Articulação de
nas direções, não mais para dispu- para redenção é uma máxima fas- Esquerda
tar os rumos políticos do Partido. cista. Ao contrário, quem tem algo
Todos estes fenômenos afetam de marxista sabe que a realidade
a Articulação de Esquerda. “Como é profundamente contraditória.
já dissemos e queremos repetir, E quem tem algo de leninista sa-
temos entre nós muitos dos pro- be que, se queremos mudar uma
blemas e defeitos que existem no realidade contraditória, como é o
interior do PT e da esquerda bra- caso do próprio PT, é preciso lutar.
sileira. Em alguma medida isso Portanto, aos 30 anos de vida,
A o lado de um grupo
de descontentes,
no início da década
de 90, Sônia assinou e colaborou
na construção do manifesto mais
conhecido como a “Hora da Ver-
dade” ou “HV”.
O texto do manifesto evidenciou
“
a cisão da Articulação dos 113, grupo que
A vida de Sônia Hipólito é hegemonizou o PT na sua primeira década,
impulsionou e deu origem à Articulação de
uma epopeia de resistência e Esquerda. “No início dos anos 90, os sinais já
luta coletiva em defesa do socialismo eram de um movimento muito institucional”,
e por igualdade social. Sua juventude afirma Sônia.
Aos 74 anos, Sônia, que dividiu cela com a
e a entrada na fase adulta foram ex-presidenta Dilma Rousseff no presídio
marcadas pela corajosa participação Tiradentes, em São Paulo, segue defendendo
na luta armada e na resistência contra a luta coletiva, a organização dos trabalha-
dores e do povo para movimentar as ruas em
a ditadura militar. Nesta entrevista à torno das demandas populares.
Revista Esquerda Petista, ela também “Estamos amarrados a uma tal de governa-
resgata o período de seu ingresso no bilidade, a uma disputa que só se dá dentro
do Parlamento. Lá, somos minoria, não tem
Partido, da atuação na Secretaria de jeito”, diz. Confira a entrevista:
Movimentos Populares, e conta como Revista Esquerda Petista: Antes de entrar
ajudou a disputar dentro do Partido os no assunto principal da nossa entrevista,
rumos do PT. os 30 anos da AE, gostaria que você falasse
sobre como foi sua filiação ao PT.
“
Sônia Hipólito – Eu me filiei ao assessora. O Perseu Abramo era Como nunca
PT depois que voltei de Moçam- de lá. À época, o Lula era o presi-
bique, onde fiquei exilada du- dente. Depois, o José Dirceu as- deixei de
rante cinco anos. A volta em si sumiu, o Luiz Gushiken, o Olívio militar na minha vida
não foi uma coisa tranquila, por- Dutra. Com todos eles, estive inteira, de lutar pelo
que antes estava na luta armada no Diretório Nacional e, duran-
e depois estava construindo o te um bom tempo, trabalhei na
socialismo, por um
socialismo na República Popular área de Movimentos Populares homem e uma mulher
de Moçambique. Quando retor- quando o secretário era o Eu- nova, me entreguei
nei ao Brasil, fui para São Paulo, rides Luiz Mescolotto, um dos
não conhecia praticamente mais de corpo e alma ao
fundadores do Partido, vindo
ninguém, foram anos fora da do movimento sindical, primei- PT. Acreditava nisso.
cidade. Por meio do Frei Betto ro candidato do PT ao governo Durante os meus
e do Luiz Eduardo Greenhalgh, de Santa Catarina, em 1982, e,
fui trabalhar no projeto Tortura primeiros quatro anos
infelizmente, já falecido. No Par-
Nunca Mais. Nesse processo, tido, fui juntando a minha mili- de filiação, em São
conheci pessoas e me filiei ao PT tância na luta pelo socialismo Bernardo do Campo,
por ser a alternativa existente, com a importância da participa-
naquele momento, mais coeren- atuei junto com o
ção dos movimentos populares
te, e que estava também orga- no processo de transformação
Djalma de Souza Bom
nizando, praticamente, muito social. Quem também assumiu no primeiro mandato
dos militantes da época da luta
armada. Como nunca deixei de
a Secretaria de Movimentos dele como deputado.
Populares — e assessorei — foi
militar na minha vida inteira, de
a Benedita da Silva. Isso foi no
Foi assim a minha
lutar pelo socialismo, por um chegada no PT.
início da fundação do partido.
homem e uma mulher nova, me
Nos primeiros anos do PT,
entreguei de corpo e alma ao
se formou um agrupamento
PT. Acreditava nisso. Durante
grande de dirigentes, chamado
os meus primeiros quatro anos
de Articulação dos 113. Com
de filiação, em São Bernardo do
o passar do tempo, dentro
Campo, atuei junto com o Djal-
da Articulação, começaram a
ma de Souza Bom no primeiro
aparecer críticas aos rumos que
mandato dele como deputado.
o Partido estava tomando. A
Foi assim a minha chegada no
PT. gente discordava da forma, da
condução. Quando me refiro “à
Entre sua filiação ao PT e o ra- gente”, é no sentido de várias
cha de 1993 no partido, qual foi pessoas criticando. Começamos,
sua trajetória como militante e a partir daí, a nos organizar para
dirigente? a disputa interna dentro da pró-
Depois da fase São Bernardo do pria Articulação. Naquela época,
Campo, acabei indo trabalhar no início dos anos 90, os sinais já
Diretório Nacional do PT como eram de um movimento muito
tendência?
Sim, 30 anos de muita luta. Infe-
lizmente não pude ir à comemo-
ração por motivos de saúde. A
Articulação de Esquerda teve e
tem um papel muito importante.
Em boa parte da sua história, foi
fundamental nas disputas das
posições políticas dentro do PT.
Sempre elaborou muito e pro-
duziu avaliações de conjuntura,
disputando palmo a palmo uma
linha que a gente considerava e
considera, até hoje, mais justa
institucional. O partido não se monizou o PT por uma década. dentro do PT. Com o passar do
dedicava como deveria à luta e O documento que lançamos tempo, a Articulação dos 113,
ao socialismo. Até se dizia isso, era bem amplo, agregou todos depois Articulação Unidade na
se escrevia coisas bonitas, mas a que tinham divergências com Luta, foi se transformando no
prática não era condizente com os métodos da direção. Depois Campo Majoritário, se amplian-
o que se falava ou se escrevia. O disso, “A Hora da Verdade” vai se do, e o partido foi ganhando
movimento sindical, o movimen- transformando na Articulação novos filiados, mas sem nenhum
to popular, presentes no parti- de Esquerda, que é fundada em critério. Exemplos: para se filiar
do, não tinham espaço, estavam setembro de 1993. Disputamos não tinha mais que estar de
sem poder para disputar o PT. a direção do PT e elegemos o Rui acordo com o Estatuto do PT,
Falcão vice-presidente nacional ninguém nem lia o programa,
Como foi aquele momento do
do Partido. Vários integrantes filiação em massa astronômica.
Manifesto “A Hora da Verdade”
da AE estiveram nessa Direção Isso, claro, foi desqualificando.
em 1993? Você acompanhou a
Entrou gente qualificada, mas
criação da AE? Nacional, eu, inclusive. Claro que
entrou muito oportunista, muita
desde as divergências, passando
Em 1993, antes do 8º Encontro gente que só queria status, po-
pelo manifesto até a fundação da
Nacional do PT, a gente lança der ou sei lá o que mais. Avalio
AE, é um processo, vai se depu-
um texto intitulado oficialmente que esse processo se estende
rando. No começo, se agregou
de Manifesto aos Petistas, mais até os dias de hoje. Com isso, as
todo mundo que tinha na disputa
conhecido como manifesto “A nossas vitórias, as vitórias do
política dentro do Partido, poste-
Hora da Verdade” ou simples- campo de esquerda do partido
riormente, mais tendências, mais
mente “HV”. A versão inicial foram minguando, inclusive,
à esquerda, menos à esquerda,
foi redigida pelo Rui Falcão. O porque algumas tendências de
foram se constituindo e sendo
manifesto foi lançado no dia 4 de esquerda resolveram, por um
criadas.
fevereiro e cristalizou o processo certo pragmatismo ou para não
de cisão que já vinha ocorrendo A Articulação de Esquerda ficar de fora do jogo, se alinhar
na Articulação dos 113, criada completou 30 anos. Que ba- pontualmente ao Campo Majo-
no ano de 1983, e que hege- lanço você faz da trajetória da ritário, às vezes em coisas táti-
“
Iriny Lopes foi uma das
fundadoras do PT do
Espírito Santo. Ficou cinco anos sob
proteção da Polícia Federal, por
determinação da OEA, por estar
ameaçada de morte pelo crime
organizado que dominava o estado
nos anos 1990. Foi eleita deputada
federal em 2002 e reeleita mais duas
vezes, sendo a primeira mulher a
presidir a Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara
dos Deputados. Foi ministra da
Secretaria de Políticas para Mulheres
no primeiro governo Dilma Rousseff
e assessora especial da presidência
no segundo mandato. Deputada estadual, Iriny foi
reeleita em 2022.
Nesta entrevista à Revista Esquerda Petista, Iriny fala
de suas impressões sobre o governo Vitor Buaiz;
discorre sobre a criação e a trajetória da Articulação
de Esquerda, da qual foi dirigente por 20 anos, e
afirma estar preocupada com o futuro do PT.
“
Acho que
cometemos
muitos equívocos no
caminho, que é natural,
ninguém acerta tudo,
mas do ponto de vista
das análises em relação
ao Brasil, em relação
ao que precisava ser
feito pelo Partido dos
Trabalhadores, em
relação às alianças,
acertamos mais do que
erramos. A Articulação
de Esquerda deu uma e ter dado prosseguimento às Como você acompanhou a
grande contribuição belas políticas sociais que conse- criação da Articulação de Es-
guimos implantar na época. querda?
para a construção de
Foi a divergência sobre o gover- Eu assinei, e eu acho que o Espí-
um partido classista no Victor Buaiz que fez a Arti- rito Santo foi o primeiro estado
e democrático. culação rachar em Articulação a rachar a “velha tia” (leia-se
Nos opusemos do A e Articulação do B? tendência interna Articulação),
corajosamente quando Não só. Foi também. A diver- e a nossa coragem de fazer o
gência maior estava na tática rompimento, de construir. Mes-
era necessário. mo que nacionalmente a gente
de construção partidária, por-
Conversamos quando tanto alianças e proximidades ainda estivesse junto, mas com
era necessário. com personalidades e partidos muitas divergências, nós fomos
da centro direita e muito sobre espelho para vários outros esta-
a construção do movimento dos irem dividindo a “velha tia” e,
sindical, um movimento sindical depois do “A Hora da Verdade”, a
distanciado da base, aparelhista. corajosa e consequente decisão
Essas questões eram mais fortes de construir a Articulação de
do que a questão das divergên- Esquerda, da qual fiz parte da
cias com o governo. As com o direção nacional por 20 anos.
governo vieram depois do racha. A Articulação de Esquerda
Você assinou o manifesto “A completou 30 anos. Que balan-
Hora da Verdade”, em 1993? ço você faz de sua trajetória?
O
n Leandro Eliel Pereira de Moraes
surgimento da Articu-
lação de Esquerda, em
“
1993, pessoalmente,
vivi como militante do movimento
Para tratar dos estudantil. Eram um jovem, com 20
antecedentes anos de idade, no segundo ano do
da Articulação curso de História na PUC Campinas,
com atuação no Centro Acadêmico
de Esquerda, de Ciências Humanas e nas ativida-
deve-se levar em des do DCE (Diretório Central dos
consideração, como Estudantes), que foi conquistado
pelos petistas numa disputa com o
ponto de partida, MR8 dois anos antes, em 1991. Na
a fundação do PT, condição de militante petista “inde-
em 1980, resultado pendente”, compreendendo superfi-
cialmente as disputas internas do PT,
da conf luência dos ainda é viva na memória o racha que
sindicalistas – o houve no DCE em 1993. Para com-
“novo sindicalismo”, preender o que estava ocorrendo,
não me lembro quem foi, mas tive a
especialmente os metalúrgicos, bancários e orientação de procurar o Arilson Fa-
petroleiros; de militantes de organizações de vareto, hoje professor da UFABC, e o
esquerda atuantes na oposição contra a ditadura; Juliano Maurício, hoje professor da
UNESP, pois eram os principais ex-
lideranças populares formadas pelas pastorais e poentes daquela cisão na PUC Cam-
comunidades da Igreja Católica, especialmente pinas. Hoje, ao que parece, ambos
do setor progressista; parlamentares e lideranças estão afastados da militância parti-
dária. O surgimento da Articulação
atuantes no Movimento Democrático Brasileiro, de Esquerda, para mim, apareceu
atual PMDB (durante muitos anos, o único partido dessa forma, o que me incentivou a
de oposição legalizado no país). buscar as causas daquelas divergên-
cias que vivíamos no movimento es-
“
tudantil, a compreender um pou- tavam frente ao Partido. Desde o início,
co mais sobre a história do PT e de De 1983 a 1993, por exemplo,
suas tendências. existia uma tendência hegemôni- o PT abrigou
Para tratar dos antecedentes ca e majoritária em âmbito nacio- diferentes correntes de
da Articulação de Esquerda, deve- nal: a Articulação, cujas posições opinião, geralmente
-se levar em consideração, como se refletiam nas resoluções parti-
ponto de partida, a fundação do dárias.
denominadas de
PT, em 1980, resultado da con- Competindo com a Articula- tendências. A primeira
fluência dos sindicalistas – o “no- ção, havia algumas lideranças e tentativa de disciplinar
vo sindicalismo”, especialmente agrupamentos informais com po-
a existência de
os metalúrgicos, bancários e pe- sições mais moderadas (exemplo
troleiros; de militantes de organi- disso são os parlamentares que tendências no interior
zações de esquerda atuantes na defenderam votar em Tancredo do Partido ocorreu no
oposição contra a ditadura (alguns Neves no Colégio Eleitoral). E ha- 5º Encontro Nacional
entraram em caráter individual no via, também, lideranças e agrupa-
PT, outros entraram por decisão mentos com posições mais radica- do PT, em 1987. A
de suas respectivas organizações); lizadas. segunda tentativa
lideranças populares formadas A maioria destes agrupamen- ocorreu no Primeiro
pelas pastorais e comunidades da tos tivera origem anterior ou ex-
Igreja Católica, especialmente do terior ao PT. É o caso da Demo-
Congresso do PT, em
setor progressista; parlamenta- cracia Socialista (Organização 1991.
res e lideranças atuantes no Mo- Revolucionária Marxista/Demo-
vimento Democrático Brasilei- cracia Socialista), do Partido Re-
ro, atual PMDB (durante muitos volucionário Comunista (PRC),
anos, o único partido de oposição do Partido Comunista Brasileiro
legalizado no país). Revolucionário, da Organização
Desde o início, o PT abrigou Socialista Internacionalista (O
diferentes correntes de opinião, Trabalho), da Ala Vermelha, da
geralmente denominadas de ten- Convergência Socialista, entre
dências. A primeira tentativa de outros.
disciplinar a existência de tendên- Entre 1991 e 1995, em de-
cias no interior do Partido ocor- corrência dos acontecimentos e
reu no 5º Encontro Nacional do debates descritos, ocorrem pro-
PT, em 1987. A segunda tentativa fundas alterações na vida interna
ocorreu no Primeiro Congresso do PT. Em primeiro lugar, todas as
do PT, em 1991. tendências passam a se conside-
Uma compreensão do papel jo- rar como “tendências internas” de
gado pelas tendências no interior um “partido estratégico”. Em se-
do PT deve levar em conta pelo gundo lugar, a Convergência So-
menos duas variáveis: as posições cialista e outros grupos saem do
políticas defendidas por estes PT, criando o PSTU. Em terceiro
grupos e a atitude geral que ado- lugar, a tendência majoritária pas-
“
de 1989, ou, sendo mais preciso, convertermos num partido da or-
do balanço daquela derrota. Nes- dem. Em alguns momentos pare-
No dia 4 de se debate, um setor defendia que cem estar esmaecendo os traços
fevereiro, o nossa derrota foi fruto do radica- que nos distinguiram dos partidos
texto Manifesto aos lismo da campanha e do progra- do sistema, como na campanha
ma, que afastou setores médios, das diretas, no episódio do Colégio
Petistas (a hora da
que deveríamos ampliar o diálogo Eleitoral, na recusa aos sucessivos
verdade) foi circulado, com setores ao centro, flexibilizar pactos das elites: a contingência
e marca o surgimento nosso programa político e eleito- de estabelecer alianças, em tor-
da Articulação de ral, adotar uma postura mais prag- no de programas ou de propostas
mática, adotar uma moderação pontuais, transforma-se em ob-
Esquerda, formalizada política. Outros setores defen- jetivo a qualquer custo; a interlo-
no Seminário Nacional diam que a quase vitória de Lula cução necessária com a sociedade
realizado nos dias 18 nas eleições de 1989 foi fruto de cede frequentemente à tentação
sua nitidez política, de seu radica- do senso comum, ao nadar-a-fa-
e 19 de setembro de lismo, que os processos eleitorais vor-da-corrente, num processo
1993. Esse texto ficou eram parte de uma luta pela trans- de hegemonia às avessas em que
conhecimento também formação social, pela construção o discurso dominante nos iguala,
de uma sociedade socialista, por- tornando-nos, portanto, mais pa-
como o “Manifesto
tanto, a defesa de um partido radi- latáveis. (POMAR, 2022, p. 17).
hora da verdade”, cal era necessário para enfrentar O Manifesto alertava sobre o
assim como os seus as elites que sempre produziram processo de moderação que a Ar-
signatários foram transições conservadoras. ticulação (Articulação Unidade na
Essas divergências se arrasta- Luta, após a cisão) defendia, que
tratados como HV, ram até o início de 1993. No dia descaracterizava o PT como um
nesse momento inicial. 4 de fevereiro, o texto Manifesto partido de combate ao sistema,
burocratizando-o, afastando sua baixo”. Veja-se o exemplo da Abo- lo de forças, de conquistas e lutas
militância e que enfraquecia sua lição da Escravatura e das leis tra- e de ruptura com o atual modelo
democracia interna. O que estava balhistas de Getúlio, para ficar em de desenvolvimento capitalista. O
em curso era o abandono da es- apenas dois casos. Nada indica que texto dialogava com as posições
tratégia democrático e popular e a este comportamento tenha mu- do PT diante do governo Itamar
adoção de uma estratégia de cen- dado. Portanto, é ilusório sonhar e de sua abdicação de enfrentá-lo
tro-esquerda, a substituição da com uma sociedade de consen- com radicalidade, diante do avan-
disputa pelo poder por uma dispu- sos, sem disputas, um capitalismo ço da burocratização partidária,
ta apenas pelo governo. O docu- sem conflitos sociais, bem geren do afastamento das lutas das clas-
mento também criticava a posição ciado por governos de coalizão, ses trabalhadoras. O Manifesto
ambígua do PT em relação ao go- em que acordos setoriais e ações conclui com a defesa da constru-
verno Itamar, que se transformou parlamentares pluripartidárias di- ção de um programa de governo
numa colaboração disfarçada. tem o ritmo, a forma e o conteúdo para 1994 que recupere a estraté-
Os rumos do PT pareciam ca- das reformas. Não é função do PT gia de caráter democrático popu-
minhar para um processo de con- agradar as elites: nossa aspiração lar, apontando a necessidade de
ciliação de classes, criticado pelo é estar ao lado das maiorias, dos reformas estruturais articuladas
Manifesto nos seguintes termos: trabalhadores, dos deserdados, com o socialismo.
Historicamente violentas e ex contra os de cima, contra os pode- No 8º Encontro Nacional do
cludentes, as classes dominantes rosos, os exploradores. (POMAR, PT, em agosto de 1993, os signatá-
brasileiras resistem secularmen- 2022, p.19). rios do Manifesto “A hora da ver-
te a transformações estruturais. Os signatários da Articulação dade” integraram a chapa “Opção
As mudanças que se impuseram de Esquerda defendiam que a de Esquerda”, que obteve 36,48%
foram conquistadas a ferro e fo- construção de uma sociedade so- dos votos e, junto com a chapa “Na
go, frequentemente após as elites cialista seria obra de milhões de luta PT”, que obteve 19,11%, con-
terem infligido derrotas aos “de pessoas, num processo de acúmu- quistaram maioria na Direção Na-
cional do PT. A cisão da AE permi- governo, uma política de alianças com posturas mais radicais diante
tiu que os setores mais à esquerda e uma linha de campanha à altura da conjuntura. Os desafios para
conquistassem 56% do novo Dire- dos desafios nacionais; e uma pos- consolidar essa nova hegemonia
tório Nacional. Logo após, no Se- tura mais ofensiva e socialista na passavam por (1) consolidar um
minário da AE, foi produzido um luta político-ideológica. núcleo dirigente no PT a partir da
balanço desse Encontro, que está Desse ponto de vista, o 8º chapa Opção de Esquerda, Na luta
no texto “O melhor está por vir”, Encontro Nacional foi extrema- PT e aliados, (2) pela ampliação da
cujas expectativas apontavam pa- mente positivo, na medida que elaboração estratégica, envolven-
ra vários desafios. aprovou resoluções e elegeu uma do o conjunto da militância petis-
A nova direção nacional do direção comprometidas com o ta, (3) enfrentar os enormes pro-
PT tem sob sua responsabilidade equacionamento, pela esquerda, blemas operacionais e políticos
conduzir o partido nas disputas de cada um destes elementos. En- decorrentes de centros autôno-
deste e do próximo ano, dirigir a tretanto, o 8o Encontro deve ser mos de poder em detrimento das
campanha Lula 94 e enfrentar o considerado como um primeiro instâncias e (4) lidar com a grande
quadro pós-eleitoral, que será, passo de um processo de resgate visibilidade institucional e a expe-
em qualquer caso, extremamente dos princípios partidários, que es- riência dos expoentes dos setores
complexo. tá longe de se concluir. moderados, que foram derrotados
O sucesso no cumprimento O texto apontava para a im- pelo giro à direita.
destas tarefas dependerá de uma portante tarefa de transformar O surgimento da Articulação
série de fatores, entre os quais as posições à esquerda em hege- de Esquerda impediu que a Arti-
destacam-se: a reorganização mônicas no PT num quadro de culação e o Projeto para o Brasil
partidária e a reconstrução de enormes dificuldades: maioria das (corrente ainda mais moderada e
nossa capacidade dirigente; um direções estaduais dirigidas por que propôs o abandono da pers-
salto de qualidade nos movimen- posições moderadas, com enorme pectiva socialista para o PT) se
tos sociais; a sincronia entre nossa influência sobre a militância petis- aliassem em posições ainda mais
tática política e a ação das prefei- ta, mas que perdeu força à medi- recuadas e a tentativa de unidade
turas e bancadas; um programa de da em que não soube responder entre a Articulação Unidade na
“
Luta e a AE, o que colocaria em se- mos ter abertura para estreitar la- O surgimento
gundo plano as divergências exis- ços, nos estados e nacionalmente,
tentes na velha Articulação, que com setores da Opção de Esquer- da Articulação
foi buscada por setores da Unida- da ou não. (POMAR, 2022, p. 27). de Esquerda impediu
de na Luta que afirmavam a ine- Ao enfrentar esses desafios que a Articulação e o
xistência de diferenças políticas internos, a AE apontava para o
entre as duas correntes. alerta de que as forças que empur- Projeto para o Brasil
Além dessas divergências com raram o PT para a direita conti- (corrente ainda mais
a Unidade da Luta com o Projeto nuavam atuando: a crise do socia- moderada e que
para o Brasil, havia também um lismo, que, com a queda da União
Soviética, permitiu ao capitalismo propôs o abandono da
desafio interno.
É evidente que a própria Arti- livrar-se das concessões que havia perspectiva socialista
culação/Hora da Verdade possui feito diante do campo socialista, para o PT) se aliassem
diferenças políticas internas, ex- das organizações trabalhistas e
social-democratas, ampliando o
em posições ainda
pressas, por exemplo, no timing
com que cada setor se integrou grau de exploração sobre a clas- mais recuadas e a
ao nosso movimento, na maior ou se trabalhadora tanto nos países tentativa de unidade
menor tolerância ante a Unidade centrais quanto nos periféricos
por meio do avanço de medidas
entre a Articulação
na Luta e Na Luta PT. Até por isso,
a nossa consolidação como ten- neoliberais, além da “[…] adver- Unidade na Luta e a
dência supõe um debate político tência sobre o risco de uma onda AE, o que colocaria
neofascista não deve ser descar-
sobre as propostas para o próxi-
tada como o mesmo otimismo que
em segundo plano as
mo Encontro Nacional etc. Será o
grau de unidade política em rela- levou tantos acreditar que após divergências existentes
ção às tarefas futuras do Partido a queda do Muro, viria uma era na velha Articulação,
de paz e prosperidade mundiais.”
que determinará o grau de orga-
(POMAR, 2022, p.36).
que foi buscada por
nicidade que poderemos assumir.
Outros alertas são apontados: setores da Unidade na
De toda forma, devemos evi-
tar a inorganicidade e a falta de
as dificuldades de atuação dos Luta que afirmavam
movimentos sociais, a cooptação
solidariedade que marcaram a
institucional, as experiências dos
a inexistência de
experiência da Articulação, espe- diferenças políticas
partidos que abandonaram o so-
cialmente em sua última fase. Im-
portante também é entender que
cialismo e a revolução. “Por isso, entre as duas
como dizia o apóstolo, é preciso
a nova fase da vida interna impõe
orar e vigiar. Porque o melhor (e o
correntesl.
a construção de campos políticos,
pior) ainda está por vir.” (POMAR,
mais do que tendências no sentido
2022, p. 28). Foi diante desses
estrito da palavra. Até porque não
desafios que a Articulação de Es-
há terceira via: ou bem a Opção de
querda surgiu.
Esquerda materializa as aspira-
ções que nos possibilitaram ven- n Leandro Eliel Pereira de
cer o 8º Encontro, ou será total o Moraes é militante do PT
nosso descrédito. Por isso, deve- Campinas.
“
n Marcos Jakoby
Os companheiros que agem assim
esqueceram que ser governo não
é ser poder. Esqueceram também que
nossa força maior, para além das urnas,
está no povo organizado. Esqueceram que
as grandes transformações não se dão
apenas conquistando espaços institucionais.
Esqueceram que lutamos por outra
sociedade, o que está acima das carreiras
pessoais.”
A
Esquerda, tratado em outro artigo, Collor. O PT não somente aceitou
história do Brasil, do é, em certa medida, consequência a posse de Itamar, como uma par-
PT e da AE tem no da maneira como o PT de conjun- te do PT passou a cogitar a ideia de
período de 1993 a to respondeu a essas mudanças na apoiar e integrar o governo, com o
2002 um capítulo muito impor- conjuntura brasileira. argumento apresentado à época
tante. Trata-se de etapa de mui- de que este seria uma espécie de
Governo Itamar Franco e a transição para a chegada do PT ao
tas transformações no Brasil e no
mundo, como a crise do socialismo, oposição de baixo perfil governo em 1994. Luiza Erundina
a ofensiva neoliberal e hegemonia A opção cada vez mais modera- chegou a ser ministra do governo,
do imperialismo estadunidense. da e institucionalista verificada em embora tenha sido suspensa do
Esses fatores estruturais encon- setores do PT refletiu-se também Partido em razão da sua adesão.
traram no partido diferentes com- frente ao Governo Itamar Fran- Portanto, o governo Itamar
portamentos e respostas políticas. co, que teve início em dezembro Franco não recebeu da esquerda
O surgimento da Articulação de de 1992, após o impeachment de a devida oposição combativa, de
tro Nacional, em 1993 – e assim, que continuavam a ver o PSDB pe- pelo PT, foi derrotada na principal
consequentemente, não teria a ca- lo seu “passado democrático” e co- batalha do período: a campanha
pacidade de construir uma unidade mo um “campo em disputa” e fize- presidencial, que foi hegemoniza-
das principais forças econômicas e ram alianças com os tucanos. Por da pelo setor moderado do Partido.
políticas das classes dominantes; fim, a derrota de 1994 possibilitou O 5° Seminário Nacional da AE,
e em relação a isso ocorreu justa- que “o equilíbrio instável de forças, realizado em 1996, fez uma balan-
mente o oposto, dada a vitória de que até então impedia a implemen- ço dessa derrota da esquerda pe-
FHC ainda no primeiro turno. tação do novo projeto de moderni- tista e a apontou entre as “causas
Importante sublinhar que a zação conservadora, parece defini- imediatas”: “a) o impacto da derrota
derrota de 1994 não foi somen- tivamente rompido.”1 de Lula, debitado em grande medi-
te eleitoral, mas foi também uma da na conta dos que, formalmente,
derrota política. Isso se traduziu no A esquerda petista e uma dirigiram o partido e a campanha
fato de que, em um primeiro mo- breve maioria partidária presidencial; b) os erros cometidos
mento, setores do PT chegaram a pela esquerda durante o período
A Articulação de Esquerda sur-
avaliar que o governo de FHC era 1993-1995; c) a cooptação, pela
giu em 1993, a partir de uma “bata-
um governo de centro-esquerda e Unidade na Luta, de várias lideran-
lha travada dentro e fora da velha
figuras importantes do PT aproxi- ças vinculadas à esquerda petista;
Articulação, em defesa de um PT
mam-se do governo tucano, como d) o inchaço de diversos encontros
democrático, socialista e revolu-
Francisco Weffort, que aceitou ser municipais, beneficiando a centro-
cionário”.2
ministro da Cultura do governo tu- -direita partidária; e) a cassação
Durante certo período, em con-
cano. Detalhe: Weffort havia sido o dos delegados eleitos pelo encon-
coordenador da campanha do Lula dições muito precárias, e por um
tro da Paraíba, majoritariamente
em 1994. breve período, a AE e a esquerda
vinculados à esquerda”3
Essa derrota política também petista conseguiram ser maioria na
O Seminário também identi-
se verificou na transigência de se- direção do PT. Em 1993, no 8° En-
ficava causas “estruturais” e des-
tores do partido com pautas so- contro Nacional do PT, a esquerda tacava que não se tratava de uma
ciais-liberais, ou mesmo tipicamen- petista conquistou maioria no di- derrota passageira, mas sim uma
te neoliberais, a exemplo da ideia retório. Contudo, em agosto 1995, “derrota profunda no interior do
de que certas estatais deveriam no 10° Encontro Nacional do PT, PT”. E o pano de fundo dessa der-
mesmo ser privatizadas e quando realizado em Guarapari/ES, a ala rota “profunda” era marcado pela
concordavam com o pressupos- moderada recuperou a maioria no crise do socialismo, pela ofensiva
to de que a Constituição de 1988 diretório nacional e que se mantém neoliberal e pela acelerada desca-
apresentava excessos estatistas. até os dias de hoje. Foram dois vo- racterização do PT. O Seminário
Algumas prefeituras petistas ado- tos de diferença na tese guia, por conclui que “a esquerda, quando
taram certas medidas neoliberais, 4% nas chapas que compõem o di- maioria partidária, foi incapaz de
a privatização de importantes em- retório nacional e por 36 votos na ter políticas que se contrapuses-
presas públicas, como ocorreu em disputa da presidência do partido, sem eficazmente a este quadro”.
Ribeirão Preto, com a gestão de elegendo José Dirceu.
Antonio Palocci. Contribuiu para esse resultado, Governo FHC e a resistência
Ademais, havia aqueles setores o fato de que a esquerda, liderada ao neoliberalismo
1 Wladimir Pomar. Introdução Resoluções de Encontros e Congressos 1979-1998. Editora Fundação Perseu Abramo, 1998.
2 Apresentação do livro Novos Rumos para o Governo Lula: documentos da Articulação de Esquerda (2003-2006). Editora Página 13, 2004.
3 Socialismo ou Barbárie. p. 62.
gem de manobra para o governo a eleição. O conjunto, ou a maio- em 2002 e não acelerar o processo
(“trégua” durante a crise asiática ria do PT, admite essa situação de ou se desgastar em outra tática.
de 1997), atraso em lançar a can- “estelionato” no II Congresso (no- A segunda grande divergência
didatura de Lula, comportamento vembro de 1999), quando afirma dizia respeito sobre qual política
frente às demissões da Volks, re- que “parte dos eleitores de FHC de alianças que deveria se cons-
cuo na polêmica sobre a privatiza- se sentem desde janeiro vítimas de truir visando as eleições de 2002.
ção da Telebrás”. Ou seja, PT não estelionato eleitoral. O candidato- Prevalece no PT a ideia de adotar
deu o enfrentamento necessário -presidente usou em 1998 todos uma política mais ampla de alian-
ao governo e à direita, moderando os instrumentos para mascarar a ças do que a de então. E isso se tra-
sua atuação em muitas situações e crise em que se encontrava mergu- duz, por exemplo, na incorporação
subestimando a capacidade de ree- lhada a economia brasileira.”5 do vice-presidente José Alencar,
leição de FHC e do governo tucano. No entanto, no mesmo con- do PL, na chapa de Lula. Empre-
Encerrada as eleições, em no- gresso, embora se reconhecesse sário do ramo têxtil – foi também
vembro de 1998, o governo fecha a “legitimidade da consigna FORA dirigente da Confederação Nacio-
um empréstimo gigantesco com o FHC”, não adotara a palavra de or- nal das indústrias –, representaria
FMI de 41,5 bilhões de dólares. O dem e a linha política que ela repre- uma tentativa de aliança com os
país estava quebrado e, dada a po- sentava, ainda que a maioria dos “setores produtivos” da burguesia
lítica econômica de FHC e dos tu- congressos estaduais do Partido a brasileira.
canos, ficava evidente a tendência tivessem aprovado. A terceira grande divergência
de que o segundo mandato de FHC Na avaliação da coordenação dizia respeito ao programa que
seria de uma longa e agonizante nacional da AE, “o II Congresso do apresentaríamos nas eleições. Em
crise econômica e social; “vem aí PT ficou aquém também das ne- 2001, o PT realiza o seu XII En-
o muito pior”, como intitulava uma cessidades do povo e das possibi- contro Nacional em Recife, onde
resolução da AE. lidades da conjuntura. Diante da uma comissão apresenta uma pro-
brutal crise do capitalismo, o Con- posta de diretrizes do programa
Fora FHC, PT e a disputa da gresso não elaborou uma estraté- de governo a ser apresentado nas
linha política gia socialista, preferindo acreditar eleições presidenciais de 2002. O
Frente a esse cenário político, na “inserção soberana” na atual companheiro Celso Daniel, prefei-
houve uma forte disputa dentro do ordem mundial e num programa to em Santo André (SP), foi nomea-
PT sobre a linha política frente ao reformista de “centro-esquerda”. do por unanimidade pelo PT para
segundo governo FHC. Um setor Ressalta ainda que “frente a um ser seu coordenador do progra-
do Partido, incluindo a Articulação enorme desgaste do governo FHC, ma. Embora o sentido programá-
de Esquerda, defendia uma tática e às alternativas da burguesia, o tico não estivesse no bojo de uma
em torno da palavra de ordem “Fo- congresso preferiu depositar suas estratégia democrática, popular e
ra FHC”, uma vez que FHC e seu esperanças no calendário eleitoral socialista, como no final dos anos
governo haviam mentido sobre a e nas amplas alianças municipais.”6. 1980, o programa de governo era
real situação econômica do país, o Um dos principais argumentos era muito claro: o governo Lula deveria
que ficou comprovado na opera- de que o PT deveria aguardar e se superar o neoliberalismo no Brasil,
ção com o FMI poucos dias após preparar para vencer as eleições deveria haver uma “ruptura neces-
sária” com “o modelo neoliberal”, o que ficasse claro que esse sentido
que “envolve mudanças estruturais
no país”7.
político.
Palocci e os defensores da reo-
Publicações
rientação programática utilizavam, Citadas
Carta aos Brasileiros e a entre outros argumentos, o de que
inflexão à direita o programa de ruptura com o neo-
O brutal assassinato do compa- liberalismo estava sendo utilizado
nheiro Celso Daniel em janeiro de pela direita para responsabilizar o
2002, obriga o partido a indicar um PT e a nossa candidatura, e a pos-
novo coordenador do programa de sibilidade de vitória, pela fuga de
governo. E o partido indica Anto- capitais do país.
nio Palocci. Alguns meses depois, A V Conferência Nacional da
Palocci convence a coordenação AE, realizada ainda em 2001, lo-
da campanha, e depois leva a voto go após as eleições, caracterizou
no diretório nacional, e aprova, por assim a orientação política predo-
maioria no diretório nacional, um minante no PT, na campanha, e no
Novos rumos para o
novo programa consubstanciado governo que se desenhava: a defe- governo Lula
na Carta aos Brasileiros. Enquan- sa de um “capitalismo popular”; na Documentos da Articulação de
to o programa do Partido em 2001 defesa de “programa de transição” Esquerda (2000-2004), 2. Ed.
falava em ruptura, a Carta aos Bra- – lenta, segura e gradual – do mo- Reimpressão
Associação de Estudos Página 13
sileiros deixava claro que haveria delo neoliberal em direção a um 2022
continuidade em aspectos funda- novo modelo; de uma política de ISBN 978-65-88850-12-1
mentais da política econômica em alianças com setores do empresa-
curso no país. riado; do apoio dos movimentos
Isso se traduzia na posição no sociais e dos partidos de esquer-
trecho da carta que dizia manter da à mal denominada “política de
estável a relação dívida/PIB, de ma- governabilidade”. E afirma que
neira a honrar o pagamento da dí- “evidentemente, será um governo
O Brasil, o PT e a AE
durante os governos petistas
(2003-2016)
n Mateus Lazzaretti
rica história da atuação da Arti- Europa e as experiências socialis- “A candidatura Lula recebeu
culação de Esquerda e todos os tas lideradas pela União Soviética. forte apoio, em 2002, tanto de
embates e pontos importantes No início dos anos 1990, tal setores médios quanto de impor-
que marcaram o período de 2003 ofensiva já havia obtido importan- tantes lideranças da burguesia. Al-
a 2016, parte da análise de reso- tes vitórias. Uma delas também guns setores apoiaram e outros te-
luções, teses e outros documen- teve especial impacto sobre o PT e meram menos a candidatura Lula,
tos produzidos pela tendência no o conjunto da esquerda no Brasil e seja por sua adesão programática
período, bem como de entrevistas no mundo: o fim da União Soviéti- à defesa de um capitalismo popu-
de dirigentes, além de memórias e ca. Com isso, se propagou a supos- lar (“mercado interno de massas”),
– inevitavelmente – leituras e opi- ta falência do “socialismo real”, fa- no qual o setor financeiro teria sua
niões do próprio autor. zendo com que diversos partidos participação controlada e redu-
de orientação socialista inicias- zida; e/ou, ainda, por confiar nos
Chegando lá (2003-2005) sem um processo de revisão pro- compromissos assumidos por Lula
A “onda neoliberal” que ante- gramática. No PT, esse elemento, e setores do PT com os chamados
cedeu o período analisado, e que conjugado com derrotas eleitorais “mercados”; e/ou por acreditar
teve início globalmente na década em 1989 e 1994, contribuiu para o que a social-democratização do
de 1970, mas atingiu o Brasil com fortalecimento de uma estratégia PT chegara a um ponto irreversí-
mais força na década de 1990, moderada, de centro-esquerda. vel; e/ou, também, por acreditar
pode ser compreendida como um Essa estratégia deixou em segun- que um governo de esquerda po-
contra-ataque do capital contra do plano o socialismo, buscando deria ter mais legitimidade para
ao menos quatro dimensões que compor alianças contra o neolibe- conter as reivindicações das ca-
haviam lhe colocado na defensiva: ralismo, não mais pela superação madas populares” (Articulação de
a libertação de colônias no “ter- do capitalismo, mas pela criação Esquerda, 2008, p. 63).
ceiro mundo”, o processo de de- de um “capitalismo popular”, o que A chegada do PT ao governo fe-
senvolvimento de países periféri- suscitou o apoio inclusive de parte deral em 2003 foi uma janela his-
cos, a “social-democratização” da da burguesia: tórica aberta no país dos acordos
Capa do jornal Página 13 no27, Capa do jornal Página 13 no49, Capa do jornal Página 13 no51,
julho de 2003 julho de 2006 novembro de 2006
“
pelo alto, da criminalização e re- gar uma “transição gradual”. Ao O rebaixamento
pressão das forças populares, que mesmo tempo, houve forte inves-
pode ser explicado por um proces- timento em políticas sociais a par- ideológico
so de acúmulo de forças por parte tir de recursos até então desper- e programático
da classe trabalhadora que vinha diçados em casos de corrupção, promovido pela
ocorrendo desde o fim da Dita- por exemplo. As medidas, porém,
dura Civil-Militar. Nesse sentido, acabaram por dividir e dispersar
estratégia moderada
porém, a década de 1990 criou nossa base social, num momen- e de conciliação de
certas contradições que possuem to em que sua unidade teria sido classes buscou uma
influência sobre a vitória em 2003 fundamental para a realização de
coexistência pacífica
e os nossos governos: enquanto transformações mais profundas.
os movimentos sociais tiveram um Essa visão predominante no com a hegemonia
refluxo, o PT foi crescendo na ins- Partido, no Governo e em boa liberal, ao passo em
titucionalidade, com conquistas parte da população é o que as que prometia combatê-
nas eleições municipais, estaduais resoluções da AE denominaram
e federais, fazendo com que parte de “melhorismo”, processo lento, la. Porém, ao não
da direção partidária deixasse de gradual e sem radicalizações. Tal conseguir se livrar das
acreditar que para ter mudanças estratégia, porém, fez com que armadilhas neoliberais
profundas é preciso luta social e não se rompesse efetivamen-
movimentos sociais organizados. te com os marcos da hegemonia
herdadas dos
O rebaixamento ideológico e neoliberal. Não foram realizadas governos anteriores,
programático promovido pela es- reformas estruturais e, portan- parte dos ideais do
tratégia moderada e de concilia- to, o poder continuou essencial-
ção de classes buscou uma coexis- mente nas mesmas mãos em que
neoliberalismo passou
tência pacífica com a hegemonia sempre estiveram, e a burguesia a ser internalizado
liberal, ao passo em que prometia seguiu dispondo de uma ampla e adotado pela
combatê-la. Porém, ao não conse- gama de possibilidades frente ao
esquerda moderada.
guir se livrar das armadilhas neo- PT e ao governo. Nesse sentido,
liberais herdadas dos governos conforme apontam resoluções da Na campanha, isso se
anteriores, parte dos ideais do Articulação de Esquerda (2008), traduziu na chamada
neoliberalismo passou a ser inter- a oposição política e social se di- “Carta aos Brasileiros”,
nalizado e adotado pela esquerda vidiu em três alternativas funda-
moderada. Na campanha, isso se mentais: influenciar a política do de forte caráter
traduziu na chamada “Carta aos governo Lula, às vezes tornando- social-liberal e que
Brasileiros”, de forte caráter so- -se parte da sua base de apoio (op- fazia concessões ao
cial-liberal e que fazia concessões ção adotada preferencialmente
ao capital financeiro e transnacio- pelo grande capital); realizar uma
capital financeiro e
nal, assumindo compromisso com oposição firme visando derrotá-lo transnacional.
o superávit primário necessário nas eleições de 2006 (alternativa
para “manter a economia saudá- preferencial dos partidos políticos
vel”. Ao invés de ruptura com o burgueses); e estimular a desesta-
neoliberalismo, começa a se pre- bilização do governo, visando seu
afastamento a qualquer tempo e realizado em 2017, esse processo joritário também enfrentou con-
hora em que fosse possível (adota- resultou de um duplo movimento: tradições frente às opções feitas
da principalmente pelos grandes “por um lado, da ação combinada pelo governo na conciliação com
meios de comunicação). dos partidos de direita, do oligo- o neoliberalismo. Nesse proces-
No bojo da estratégia predo- pólio da mídia e de seus tentácu- so, o campo majoritário operou a
minante no PT a partir de 1995, los no aparato judicial-policial; expulsão de parlamentares que
o Partido passou a adotar formas por outro lado, de um conjunto de fizeram críticas abertas às posi-
de financiamento privado simila- ações, opções, omissões e erros ções do governo, e estes vieram
res aos partidos tradicionais e, em cometidos pelo PT e aliados de a fundar o PSOL. No interior da
alguma medida, também utiliza- esquerda” (2016, p. 24). Frente a Articulação de Esquerda, duran-
do para as disputas internas, am- essa ofensiva, o PT nem defendeu, te sua VII Conferência em 2004,
pliando a hegemonia do chamado nem puniu adequadamente os en- uma parcela da tendência rompe
campo majoritário. Os problemas volvidos, deixando tal tarefa pa- e sai do PT, com destino principal-
decorrentes desta prática foram ra a Justiça que, já àquela altura, mente ao PCB e PSOL. A principal
minando o forte discurso de ética demonstrava não ser exatamente divergência era por não concorda-
na política atribuído ao PT. Soma- neutra. rem que o governo Lula estava em
do a isso, em 2005, a estratégia No cenário da disputa inter- disputa. A AE manteve firme sua
de manter a governabilidade por na do PT, onde a AE vem travan- posição: ao mesmo tempo em que
meio da construção de maiorias do seus embates contra o campo se distanciou daqueles que faziam
congressuais gerou a primeira majoritário, a vitória de 2002 foi oposição ao governo, também se
grande crise do novo governo, ca- utilizada para justificar o acerto colocou em oposição à estratégia
rinhosamente denominada pela da estratégia de centro-esquer- e política econômica implementa-
grande mídia de “mensalão”. Como da, reforçando o poder das ten- das até então, apontando que es-
aponta retrospectivamente uma dências dirigentes. As correntes tas pavimentaram o caminho para
contribuição da Articulação de Es- de esquerda passaram por lutas o fortalecimento da oposição de
querda para o 6º Congresso do PT internas, assim como o campo ma- direita.
Capa do jornal Página 13 no91, Capa do jornal Página 13 no92, Capa do jornal Página 13 no93,
setembro de 2010 novembro de 2010 dezembro de 2010
Viemos para ficar (2006-2013) emplacar seu terceiro mandato Construindo um Novo Brasil no
Depois da crise em 2005, o PT consecutivo, novamente com uma campo majoritário, permitiram a
realizou algumas mudanças em marca histórica: pela primeira vez este campo mais uma vez blindar a
suas políticas que representaram na História do Brasil, uma mulher estratégia do PT, respaldada pelas
uma inflexão à esquerda. Esse mo- se tornava presidenta da repúbli- vitórias eleitorais. Em 2011, o 1º
vimento, por um lado, contribuiu ca, através da também valorosa Congresso da AE termina com a ci-
para a vitória nas eleições de 2006 companheira Dilma Rousseff, que são da tendência, num movimento
e 2010, mas também para reforçar já havia ocupado os ministérios onde a parte que veio a cindir bus-
a estratégia dominante no PT e le- de Minas e Energia e, posterior- cava uma aproximação maior com
var alguns setores a compreende- mente, da Casa Civil nos governos o campo majoritário. Em seguida,
rem não ser necessário mudar de Lula. Durante seu governo, pros- em 2013, o campo majoritário lo-
estratégia. No âmbito do gover- seguiram as políticas de desenvol- gra construir uma “supermaioria”
no, o lançamento do Programa de vimento, com investimentos em no Processo de Eleições Diretas.
Aceleração do Crescimento, com infraestrutura, mobilidade, cultu- Em junho daquele mesmo ano,
grandes investimentos em infraes- ra e outras áreas, sendo mantidos eclodiu um amplo movimento de
trutura, deu uma feição “desenvol- também os ganhos reais de salário rua, composto inicialmente pe-
vimentista” e parecia representar no setor privado. Ao final de seu la juventude trabalhadora e uni-
finalmente a “transição gradual” primeiro mandato, cabe relem- versitária, que levantava pautas
do neoliberalismo para um “novo brar, o Brasil terminou 2014 com como o passe-livre e temas como
modelo”. O aquecimento da eco- a menor taxa de desemprego de o fim da violência policial e a de-
nomia nacional e a adoção de uma sua história, cerca de 4,8%. manda por reforma política. O go-
política anticíclica permitiram ao O terceiro mandato petista, verno Dilma enfrentava naquele
Brasil enfrentar a crise econômica contudo, foi marcado também por momento uma batalha com o mer-
mundial de 2008, impulsionando alguns problemas. Em primeiro lu- cado financeiro pelas taxas de ju-
a abertura de postos de trabalho, gar, o papel do PT foi secundário ros, porém, no contexto geral, ca-
sobretudo com carteira assinada na escolha do nome que sucederia da vez mais se via obrigado a fazer
(num país historicamente marca- a Lula, reforçando uma tendência concessões ao grande capital e a
do pela informalidade). Os efeitos de tornar o Partido uma correia setores da direita que mantinham
gerais da crise, no entanto, não de transmissão do governo, num o controle sobre o Congresso. Na
estavam totalmente resolvidos e processo maior de progressiva avaliação feita pela Articulação de
não deveriam ser ignorados, pois institucionalização e estatização Esquerda na época, já se apontava
acabaram acelerando o esgota- do PT, transferindo seu poder pa- para a necessidade de uma análise
mento da estratégia majoritária, ra os governos e mandatos. No concreta do movimento de junho:
uma vez que se tratou de uma interior do Partido, a AE teve um “Em primeiro lugar, é preciso
das grandes crises do capitalismo, momento de importante influên- atentar para a heterogeneidade
com alcance global, e que impul- cia no Diretório Nacional entre do processo. Não apenas a exis-
sionou importantes mudanças no 2005 e 2007, porém a dispersão tência de múltiplos movimentos,
comportamento das classes domi- da esquerda socialista em diver- setores sociais e políticos envolvi-
nantes. sas chapas e a saída de uma parte dos, disputando e sendo disputa-
Esse enfrentamento relativa- dela para outros partidos, aliado dos. Mas também a existência de
mente exitoso pavimentou o ca- ao movimento de ampliação das etapas distintas no processo, cada
minho para que o PT conseguisse alianças da tendência majoritária qual com um sentido e hegemonia
“
As massivas manifestações de 2013 levaram
a presidenta Dilma a defender a necessidade
de uma profunda reforma política. Essa pauta foi
levada adiante também pelos movimentos sociais,
inclusive pela militância da AE, com a campanha
pela realização de um plebiscito popular e uma
Constituinte soberana e popular que pudesse
reformar as formas de financiamento das campanhas
eleitorais, as regras eleitorais e os mecanismos de
interlocução com a sociedade e os movimentos
sociais.
distintas. Está claro, por exemplo, tidárias” que promoviam ataques to e a defesa da bandeira do PT e
que o movimento começou em à política, aos partidos e organi- do Socialismo, aquele fenômeno
torno da luta contra as tarifas do zações que buscavam disputar as deveria contribuir para uma ava-
transporte urbano; cresceu como ruas. A direita avançou com a ban- liação e revisão da estratégia no
movimento de solidariedade con- deira “anticorrupção”, vinculando interior do Partido.
tra a repressão policial; depois en- às críticas – algumas justas, outras
trou numa terceira fase, onde a di- nem tanto – ao fato de que o Brasil Não vai ter bolo para todo
reita passou a disputar com força iria sediar, naquele ano e em 2014, mundo (2014-2016)
a condução do movimento; houve importantes eventos esportivos.
As massivas manifestações de
então uma reação do governo e As respostas do PT e do governo
2013 levaram a presidenta Dilma
das esquerdas, em torno princi- foram insuficientes. Frente ao pú-
a defender a necessidade de uma
palmente da proposta de Plebisci- blico jovem, um dos que mais vi-
profunda reforma política. Essa
to [...]” (2013, s.p.) nha apresentando distanciamento
pauta foi levada adiante também
Nesse período, a atuação da em relação ao Partido, revelou-se
AE, principalmente na Juventu- a conversão de muitos dirigentes pelos movimentos sociais, inclu-
de do PT e no movimento estu- à tecnocracia, que trata o povo sive pela militância da AE, com a
dantil, permitiu realizar a disputa como “objeto” e não sujeito da po- campanha pela realização de um
dos rumos daquele movimento de lítica. Frente à direita, seguiu em plebiscito popular e uma Cons-
rua em diversos locais onde está- vigência a crença de que se mode- tituinte soberana e popular que
vamos inseridos. De modo geral, rássemos de cá, o lado de lá tam- pudesse reformar as formas de
porém, a direita, com maciços in- bém moderaria. Nossa tendência financiamento das campanhas
vestimentos, conseguiu capitali- defendeu que se tratava de “Um eleitorais, as regras eleitorais e os
zar uma parte bastante expressiva novo tempo, apesar dos perigos”: mecanismos de interlocução com a
desse movimento, criando think ao mesmo tempo em que devía- sociedade e os movimentos sociais.
tanks e outras organizações “apar- mos fazer a disputa do movimen- Por outro lado, a pressão contrária
da direita no Congresso aumen- grande capital. No novo contexto, verno Dilma, logo após reeleito em
tou. No início de 2014, o “partido porém, marcado pelos efeitos es- 2014, passasse a adotar o progra-
judicial” deflagrou a chamada Ope- tendidos da crise de 2008, tal es- ma dos vencidos naquelas eleições,
ração Lava-Jato, à época saudada tratégia implicaria em restrições com a implementação de um ajuste
até por lideranças de esquerda, aos lucros do grande capital e for- fiscal recessivo e maiores conces-
mas que logo se converteu em um taleceria o papel do Estado frente sões no intento de “acalmar” o mer-
aparelho de perseguição política e ao setor privado. Nesse sentido, o cado financeiro e desarmar a ofen-
destruição da indústria brasileira, enfrentamento à taxa de juros e à siva da direita. É nesse contexto
mancomunada com órgãos de Es- lei de partilha do pré-sal foram di- que, em 2015, a Articulação de Es-
tado estadunidenses. visores de água para que a classe querda faz sua defesa da necessi-
Este ano marcou a mudança de dominante decidisse dar um basta dade de construirmos Um Partido
postura de grande parte da bur- à experiência governamental pe- Para Tempos de Guerra: a burgue-
guesia local e de setores da classe tista. sia estava fechando o cerco, com
média, com vistas a flexibilização Na batalha pela reeleição de todo seu aparato político, econô-
do trabalho, redução dos níveis sa- Dilma, em 2014, já num contexto mico, militar, judicial e ideológico.
lariais e aumento de suas taxas de de enorme pressão da direita, a mi- Para resistir a essa ofensiva, já não
lucro (POMAR, 2016), numa men- litância de esquerda desempenhou bastava um partido “pragmático
sagem explícita: acabou a história papel decisivo no segundo turno, e sem sal”, a receita deveria ser
de “crescer o bolo para dividir com que garantiu uma vitória muito ex- mobilização e luta. Mais uma vez,
todos”. A estratégia anterior, de pressiva, ainda que com resultado porém, prevaleceu a tentativa de
melhorar a vida do povo através de apertado. Porém, a situação par- resolução institucional e crença
políticas públicas que ampliassem tidária enquanto correia de trans- no republicanismo da direita, sem
o consumo foi aceita pela classe missão governamental, um gover- convocação explícita e enérgica
dominante porque os contextos no fragilizado, com pressão interna para defender o governo daquilo
nacional e internacional propicia- e cerco externo, e uma estratégia que realmente estava em curso:
vam um grande enriquecimento do ultrapassada levaram a que o go- um golpe de Estado.
Capa do jornal Página 13 no135, Capa do jornal Página 13 no137, Capa do jornal Página 13 no138,
outubro de 2014 novembro de 2014 dezembro de 2014
“
A AE, durante Considerações finais extremamente desigual do país,
A luta de classes cobra os va- não enfrentamos ou desconcen-
toda sua tramos o poder das elites, e não
cilantes. Embora os movimentos
existência, travou – e sociais, sindical, estudantil e a “mi- mantivemos a base social mobili-
segue travando – uma litância vietnamita” aguerrida te- zada para a reação que certamen-
nham travado a batalha das ruas, te viria, em algum momento, como
ferrenha luta contra mostraram outras experiências la-
muitas vezes “apesar” das direções,
a domesticação do a vacilação do Partido, do governo tino-americanas.
PT. Ora com mais e de parcela da esquerda fora do A AE, durante toda sua existên-
cia, travou – e segue travando –
força, ora com menos, PT teve um alto preço, culminan-
uma ferrenha luta contra a domes-
do com a destituição da presidenta
sempre preferimos Dilma na metade de seu segundo ticação do PT. Ora com mais força,
as boas lutas e não mandato, em 2016, dando início ora com menos, sempre preferimos
as boas lutas e não os maus acor-
os maus acordos. a um processo que, em menos de
8 anos, reverteu boa parte do que dos. Objetivamente, nem sempre
Objetivamente, nem com muito suor conquistamos em conseguimos realizar as mudanças
sempre conseguimos 13 anos de governos petistas. Car- necessárias. Como boa organiza-
realizar as mudanças regando diversas novidades em re- ção socialista e militante, é funda-
lação à sua forma, o Golpe de 2016 mental sempre e a todo momento
necessárias. Como boa realizarmos balanços e avaliações
não teve nada de novo em seu con-
organização socialista e teúdo e objetivos. A classe domi- sobre nossa atuação, estrutura e
militante, é fundamental nante, uma vez mais na História do planejar o futuro. Análise concreta
Brasil, voltava suas armas contra a da realidade concreta. Em que me-
sempre e a todo dida, nesse período, a AE moldou
classe trabalhadora.
momento realizarmos Como foi frequente nas ela- sua atuação dentro da forma de lu-
balanços e avaliações borações da AE e de seus e suas ta dominante na esquerda (institu-
dirigentes após 2016, fomos gol- cional, sobretudo)? Em que medida
sobre nossa atuação,
peados sobretudo pelos nossos os problemas que identificamos no
estrutura e planejar o acertos. Melhoramos a vida de mi- PT afetaram a AE e como lidamos
futuro. lhões de brasileiros, alcançamos com isso? Qual foi nossa relação
um patamar que nunca a esquerda com nossos mandatos e, principal-
brasileira sonhou ser possível. É mente, qual foi a relação deles com
preciso compreender, porém, que a AE? Em que diretrizes balizamos
fomos golpeados também por nos- sua atuação e como eles contribuí-
sos erros. Moderação estratégica, ram com nosso objetivo socialista?
aposta na institucionalidade em E nossa atuação no interior dos
detrimento da mobilização popu- movimentos sociais? Enfim, são al-
lar, crença no “republicanismo” da guns elementos sob os quais a AE
direita e das classes dominantes, sempre buscou se debruçar e que
melhorismo em lugar de reformas são encontrados em suas resolu-
estruturais. Com isso, não altera- ções e teses, e que devem seguir
mos o fundamental da estrutura sendo elementos de constante re-
“
flexão. Página 13, 2008.
O surgimento
Concluo reproduzindo e adap- __________. Um novo tempo, apesar dos
tando um trecho contido nas reso- perigos: resolução da Direção Nacional da Ar- da AE, nossa
luções da Sexta Conferência Na- ticulação de Esquerda. Disponível em: <http://
história e os dilemas
valterpomar.blogspot.com/2013/06/um-no-
cional da Articulação de Esquerda, que enfrentamos hoje
vo-tempo-apesar-dos-perigos_2478.html>. 30
realizada em Campinas (SP) em
setembro de 2003: O surgimento
jun. 2013. Acesso em 30 mai. 2023.
têm relação direta com
__________. Um Partido para Tempos de
da AE, nossa história e os dilemas Guerra: Resoluções do segundo congresso e os dilemas do PT. O
que enfrentamos hoje têm rela- oitava conferência sindical da tendência petis- principal dilema do
ção direta com os dilemas do PT. O ta Articulação de Esquerda. São Paulo:
principal dilema do PT pode ser re- Editora Página 13, 2015. PT pode ser resumido
sumido assim: por um lado, nosso __________. Defender os direitos e derrotar assim: por um lado,
Partido constitui a síntese do que o golpismo: em luta por um Brasil democráti-
co-popular e socialista. Resoluções do 3º Con-
nosso Partido constitui
a classe trabalhadora e os socialis-
tas conseguiram construir de mais
gresso da AE. São Paulo: Editora Página 13, a síntese do que a
2016.
avançado, ao longo dos últimos 23 classe trabalhadora
__________. Novos rumos para o governo
[agora 43] anos da história brasi- Lula: documentos da Articulação de Esquerda e os socialistas
leira; por outro lado, nosso Partido
está aquém, ideológica, política e
(2000-2004). 2a ed. São Paulo: Editora Página
conseguiram construir
13, 2022.
organizativamente, do que é ne- POMAR, Valter. Entrevista ao site Con- de mais avançado,
cessário para derrotar o capitalis- gresso em Foco: “Temos de ter uma atuação ao longo dos últimos
mo e construir o socialismo. Se o independente”. Disponível em: <https://con-
PT estivesse à altura destas tarefas gressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/repor- 23 [agora 43] anos
históricas, a AE seria desneces- tagem/pomar-temos-de-ter-uma-atuacao-in- da história brasileira;
dependente/>. 30 nov. 2007. Acesso em 28
sária. Se o PT não fosse a síntese
mai. 2023. por outro lado, nosso
histórica de 23 [43] anos de luta,
nós não precisaríamos disputá-lo
__________. Entrevista ao site IHU On-Line Partido está aquém,
- Instituto Humanitas Unisinos: 10 anos de PT
(2022, p. 206). no governo e o desafio de uma esquerda socia-
ideológica, política e
A classe trabalhadora vale a luta. lista de massas. Entrevista especial com Val- organizativamente, do
O Brasil vale a luta. O socialismo vale ter Pomar. Disponível em: <https://www.ihu.
a luta. unisinos.br/entrevistas/518837-10-anos-de-
que é necessário para
Vida longa à Articulação de Es- -pt-no-governo-e-uma-esquerda-socialista- derrotar o capitalismo e
-de-massas-entrevista-especial-com-valter-
querda!
-pomar>. 29 mar. 2013. Acesso em 28 mai.
construir o socialismo.
Viva o Partido das Trabalhadoras
e dos Trabalhadores!
2023. Se o PT estivesse à
__________. A metamorfose: Programa e es-
tratégia petista 1980-2016. 2a ed. São Paulo:
altura destas tarefas
n Mateus Lazzaretti é historiador Editora Página 13, 2016. históricas, a AE seria
e militante da AE e do PT.
__________. Entrevista ao programa 20 Mi- desnecessária..
nutos entrevista - Canal Opera Mundi: PT,
Referências
43 anos de história. Disponível em: <https://
ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA. Resolu- www.youtube.com/watch?v=pefEKZt68BE&-
ções da Décima Conferência Nacional da Ar- t=3703s>. 10 fev. 2023. Acesso em 27 mai.
ticulação de Esquerda. Espírito Santo: Editora 2023.
“
O início do
segundo n Natália Sena
governo Dilma (2015) foi
marcado pelo pedido
de recontagem dos
votos, pedido feito pelo
PSDB, então liderado
por Aécio Neves,
recém derrotado nas
urnas; e, também, foi
marcado pelo início
da articulação do
golpe, através da via
do impeachment, cuja
U
ameaça pairou sobre o
jornal Página 13, editado pela
nosso governo desde tendência petista Articulação de
ma análise sobre o
o primeiro dia e no período 2016-2023 Esquerda, estampou a manchete
qual desempenhou precisa começar an- “Não basta ganhar, é preciso le-
var”. O contexto era a disputa já
papel fundamental o tes, mais precisamente em 2014,
com a segunda vitória eleitoral aberta, mesmo antes do início do
presidente da Câmara, da presidenta Dilma. Quem vi- governo, em torno da política do
Eduardo Cunha (MDB). veu lembra o quão foi uma vitória segundo governo Dilma, especial-
. apertada e o quanto a nossa linha mente a política econômica. Vale
de campanha foi pela esquerda, lembrar, também, que em março
especialmente no segundo tur- de 2014 teve início oficialmente
no. Naquele momento, a capa do a famigerada Operação Lava Jato.
“
dente da Câmara, Eduardo Cunha Guerra”1 e afirmávamos que “de-
(MDB). fender a democracia é mudar a po- Os anos de 2015
Os anos de 2015 e 2016 foram lítica econômica”. A tarefa era fa- e 2016 foram
marcados pela luta de resistên- zer a luta contra o golpismo que se
cia contra o golpe. A formação da marcados pela luta de
articulava para derrubar o gover-
Frente Brasil Popular foi funda-
no e, ao mesmo tempo, atuar para
resistência contra o
mental para articular as entidades golpe. A formação da
convencer o governo e o partido
populares em defesa da sustenta-
ção do governo Dilma e contra a
de que era preciso alterar a linha Frente Brasil Popular
política que estava sendo imple-
farsa disfarçada de impeachment,
mentada. Era preciso um giro es-
foi fundamental para
mas é preciso reconhecer que não articular as entidades
tratégico e um partido muito mais
havia um ambiente de mobilização
social e de organização popular à
militante, dedicado à luta social, populares em defesa
que fizesse a disputa ideológica.
altura do que precisávamos. Ao da sustentação do
mesmo tempo, também há de se Aliás, essa segue sendo uma ne-
cessidade cada vez mais urgente. governo Dilma e contra
reconhecer que as organizações
de esquerda deram seus melho- Em 2015 o PT realizou o seu a farsa disfarçada
res esforços para que a resistência 5º congresso, que não renovou de impeachment,
tivesse êxito. Arrisco dizer que, direções (eleitas no PED de 2013)
e concentrou-se em fazer o deba-
mas é preciso
se o ambiente fosse de menos ilu-
sões, se mais gente tivesse se da- te político, especialmente sobre reconhecer que não
do conta do que estava em curso e a política econômica que estava havia um ambiente
acreditado que o golpe de fato se sendo implementada pelo gover-
no Dilma. Naquela ocasião defen-
de mobilização social
concretizaria, talvez o resultado
tivesse sido outro. Mas talvez não, demos que a política econômica e de organização
pois a classe dominante parecia - fosse alterada: nossa posição te- popular à altura do que
e o que aconteceu depois reforça ve 45% dos votos do Congresso
precisávamos.
isso - muito determinada em se do PT. Lamentavelmente, 55%
livrar da pedra no sapato que era dos delegados e delegadas do 5º
1 https://pagina13.org.br/download/um-partido-para-tempos-de-guerra-resolucoes-2-congresso-da-
-ae-2015/
congresso partidário de 2015 vo- no impeachment se concretizar, Nesse momento, Michel Temer
taram, na prática, por referendar muita gente da alta cúpula do PT e estava governando o país com o
a política econômica que colocou da esquerda achava que as nego- seu programa “Uma ponte para o
o banqueiro Joaquim Levy no mi- ciações com a antiga “base”, leia-se futuro”2, implementando uma ace-
nistério da Fazenda e iniciou um com o Centrão, iriam ter êxito e lerada operação para aprovação
ajuste fiscal e uma série de retira- que não haveria maioria para abrir de desmontes de direitos em vá-
da de direitos, o que se configurou o processo e afastar Dilma. Como rias áreas, com destaque para a lei
em um estelionato eleitoral em re- sabemos, a maioria existia e era que ampliou as possibilidades de
lação à política que havia sido de- folgada (367 x 137). No Senado, terceirização nas relações de tra-
fendida na campanha eleitoral do que analisou o mérito, o placar foi balho, para a reforma trabalhista e
ano anterior. de 61 a favor do impeachment e para a emenda constitucional que
Hoje, muitos colocam na com- 20 contrários. instituiu o chamado “teto de gas-
panheira Dilma a responsabilida- O julgamento do mérito, que tos”. Os anos de 2016 e 2017 fo-
de quase total pelo que aconteceu, deu caráter definitivo ao afasta- ram de luta em torno da bandeira
e preferem esquecer do papel que mento de Dilma da presidência, “Fora Temer” e de enfrentamento
cumpriram ao referendar aquela ocorreu no meio da campanha às contrarreformas trabalhista e
política equivocada. Vale ressal- eleitoral de 2016, eleições muni- previdenciária. No que diz respei-
tar, também, que houve bastante cipais nas quais o PT entrou para to à trabalhista, não tivemos êxito
desdém em relação a tese do “Par- a disputa muito fragilizado. O pe- e ela foi aprovada, enquanto a pre-
tido para tempos de guerra”, espe- ríodo foi marcado por oportunis- videnciária não avançou no gover-
cificamente dos que não acredita- mos de diversos tipos, como gente no Temer, mas sim no primeiro ano
vam que o golpe se consolidaria e que saiu do partido e diminuição do governo Bolsonaro, em 2019.
que achavam um exagero falar em no número de candidaturas se co- Além disso, há que se destacar
“guerra”, mesmo em sentido figu- locando para disputar as eleições o avanço da operação Lava Jato
rado. Olhando de hoje, setembro nas cidades. Para se ter uma ideia, nesse período, com a condução
de 2023, fica evidente o tamanho em 2012, na eleição municipal an- coercitiva de Lula em março de
do erro de quem minimizou tu- terior, o PT registrou 1.829 candi- 2016, ainda sob o governo Dilma
do que estava por vir, inclusive a daturas a prefeito, enquanto em (!) e os processos, especialmente
guerra - sem sentido figurado - co- 2016 foram apenas 992, uma que- o que ficou conhecido como “ca-
mo um fator central da conjuntura da de 45,76%. Em relação a verea- so do Triplex”, tramitando rumo
mundial. dores, em 2012 tivemos 40.960 a condenação ilegal que, mais na
O ano de 2016 foi o ano da candidaturas, e em 2016 tivemos frente, tirou Lula da eleição presi-
efetivação do golpe contra Dil- 21.629, o que consiste numa que- dencial de 2018.
ma. Formalmente a consolidação da de 47,19%. Como consequên- Foi nesse contexto que acon-
do impeachment se deu em 31 de cia de tudo isso, o PT que tinha teceu o 6º congresso nacional do
agosto de 2016, mas na prática 630 prefeituras e 5.067 manda- PT, em junho de 2017, em Brasí-
a presidenta foi afastada desde tos de vereador, passou a ter 256 lia. A convocação, a realização e
abril, quando a Câmara dos Depu- prefeituras e 2.795 mandatos principalmente o conteúdo do 6º
tados votou a admissibilidade do parlamentares municipais, após a congresso foi uma condução feita
impeachment. Até a formação da eleição de 2016. Não governamos pela direção eleita em 2013, que
maioria de deputados que votou nenhuma capital desde então. tinha como presidente o compa-
2 https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf.
7° CONGRESSO DO PT
golpe”. E é bom ressaltar que não (bem como nas seguintes: 2020, disso, muita gente também acre-
se tratava apenas da questão em 2022) prevaleceu a moderação ditava em advogados que diziam
si da presidência desta ou daquela nas campanhas, um “frente-am- que não existia a possibilidade de
casa legislativa, mas de um debate plismo” exagerado e o rebaixa- ser negado o registro da candi-
maior sobre a tática e a estratégia mento programático. datura de Lula, mesmo com ele já
de luta política no período que se Esse período também é mar- preso, em 2018. O que aconteceu
iniciou com o golpe. cado pelo acirramento da perse- a gente sabe: registro indeferido,
Havia ainda um ambiente de guição judicial contra Lula e o PT e inviabilizado de estar na disputa
imenso desgaste de Temer em pelo início do enfrentamento con- presidencial, mais de 500 dias pre-
2017: diálogos criminosos sendo tra a extrema-direita. Foi no curso so, uma fraude jurídica e política
divulgados, debates sobre renún- do mandato desta direção eleita das maiores da história do país.
cia, clima de queda iminente, pala- no 6º congresso, sob a presidência Diante de tudo isto, a disputa
vra de ordem por eleições diretas. de Gleisi Hoffmann, que aconte- presidencial de 2018 se deu entre
Foi nesse contexto que aconteceu ceu a prisão de Lula, em 7 de abril Fernando Haddad e Jair Bolsona-
o 6º Congresso Nacional do PT e de 2018, e a eleição de Bolsonaro, ro. O processo de escolha de Ha-
o que podemos chamar de um en- no segundo turno de 2018. ddad como candidato foi bastante
saio de mudança de linha políti- A condução coercitiva de Lu- confuso, assim como foi confusa
ca3, provocado por esse ambiente la foi em março de 2016, ainda a consagração de Manuela Dávi-
externo e interno já relatado: de- durante o governo Dilma, o que la como vice de Haddad. Durante
fensiva, derrota no golpe, nas elei- evidencia que o ambiente de per- boa parte do ano de 2018, o PT
ções, mobilização, radicalização seguição contra ele já estava ins- afirmou que eleição sem Lula era
contra programa de destruição de taurado com processos, investi- fraude, tese que a Articulação de
Temer, governo Temer desgasta- gações e arbitrariedades antes do Esquerda encampou fortemente.
do. golpe; mas só veio a se consolidar Mas, mesmo assim, era imperati-
Vale ressaltar que, mesmo com na prisão em abril de 2018, quan- vo disputar a eleição, sob pena de
esse ensaio de mudança de linha do ele era candidato a presidente deixar o eleitorado petista e anti-
política, prevaleceu na eleição da da República e aparecia como fa- golpista nas mãos da candidatura
direção a mesma maioria de antes; vorito nas pesquisas. Por incrível Ciro Gomes, que já na época nós
e, na prática, entre 2017 e 2019, que possa parecer, nesse momen- da AE dizíamos ser inimiga. Por
até o início do governo Bolsonaro, to, o da prisão, no PT ainda rei- outro lado, durante boa parte de
o que aconteceu foi que não foram naram as ilusões nas instituições. 2018, havia quem acreditasse que
implementadas as mudanças que Por exemplo, foi decisiva para a Lula poderia disputar as eleições.
o 6º congresso indicou ao Partido: atitude tomada no sindicato dos E havia várias alternativas cogi-
a tática definida pelo 6º congres- metalúrgicos, quando da decreta- tadas para o caso dele não poder
so não foi implementada nos es- ção da prisão em 2018, a crença disputar, entre elas Jaques Wag-
tados, aconteceram alianças com de que Lula se entregar garantiria ner, Gleisi Hoffmann e Fernando
golpistas e o tal “giro a esquerda” que não seria decretada prisão Haddad. Finalmente, numa carta
não se materializou na prática. preventiva; se entregar, portanto, enviada de Curitiba, Haddad foi
Na verdade, ficou evidente a tornaria mais fácil reverter a pri- escolhido por Lula. A reunião em
manutenção da estratégia eleito- são, pois um habeas corpus seria que isto foi formalizado foi cheia
ralista. Na tática eleitoral de 2018 deferido em poucos dias. Além de lances que algum dia merece-
3 https://pt.org.br/wp-content/uploads/2017/07/6-congresso-pt.pdf
F RA
Portanto, a prisão de Lula, a um texto final. Isso pode parecer
campanha e a derrota eleitoral de um mero detalhe, mas não é. Tra-
2018, a luta por “Lula livre”, o avan- ta-se de um fato revelador do grau
ço das “fake news” e a oposição no de desorganização e da desimpor-
primeiro ano de governo Bolsona-
ro são as principais questões que a
tância que o grupo atualmente
majoritário no Diretório Nacio-
BOLSONARO
Nº 227 JUNHO 2021
de Esquerda apresentou a candi-
datura de Valter Pomar, que teve
as resoluções nunca foram publi-
cadas, o conteúdo da tese guia que
RACISMO!
apoio de dois ex-presidentes do foi aprovada é mais ou menos no
partido: Rui Falcão e José Genoí- sentido de buscar o centro, ganhar X
X
educação. A reforma da previdên- de isolamento e da baixa intensi- ra, com Lula livre e pré-candidato,
cia foi aprovada em 2019, prati- dade de mobilização social. praticamente todos os esforços se
camente sem luta social. O con- Com a concretização da liber- concentraram na disputa que seria
sórcio Nordeste e a articulação dade de Lula no final do ano de travada em outubro de 2022, e se
dos governadores petistas neste 2019, seguiu em curso a campa- abandonou na prática a perspecti-
espaço teve um papel importan- nha pela recuperação dos seus di- va de acabar antes com o governo
te, mas localizado. Com o início da reitos políticos. O que era a cam- Bolsonaro, apesar de sobrarem
pandemia, foi agravada a crise po- panha “Lula livre”, se converteu motivos para isto. E, em 2022, as
lítica, econômica e social que já as- em “Lula livre e presidente”, com principais polêmicas giraram em
solava o país. Nesse ambiente, se direitos políticos. Desde a prisão, torno da escolha do vice e do de-
instaurou no PT uma falsa polêmi- a Articulação de Esquerda se en- bate de diretrizes programáticas.
ca entre “defender a vida” x “fazer gajou na campanha e priorizou a No que diz respeito ao vice, como
disputa política”. atuação em defesa da liberdade sabemos, Lula escolheu Geraldo
Ou seja: prevaleceu, por um de Lula e da denúncia da fraude Alckmin, ex-tucano agora filiado
período, na direção nacional do que era a Operação Lava Jato. Ho- ao PSB. O debate sobre isso não
PT, a ideia de que deveríamos de- je em dia essa constatação é qua- foi feito adequadamente dentro do
fender a vida e os empregos, não se uma unanimidade, mas alguns PT, com o assunto ocupando pou-
fazer disputa política contra o go- anos atrás não era bem assim. quíssimo espaço em reuniões vir-
verno Bolsonaro. A Articulação de O início do ano de 2021 foi tuais, inclusive no próprio encon-
Esquerda defendeu desde o prin- marcado pela decisão do STF que tro de tática nacional. No encontro,
cípio, aliás desde o congresso em devolveu a Lula os direitos po- nós da Articulação de Esquerda fi-
2019, que era preciso colocar na líticos, através da anulação dos zemos parte do pequeno grupo de
rua uma campanha pelo “Fora Bol- processos contra ele e do reco- delegadas e delegados que vota-
sonaro”, e que defender a vida do nhecimento da parcialidade do ram contra a indicação de Alckmin
povo brasileiro passava necessa- ex-juiz Moro. Há muita controvér- para a vice.
riamente por derrubar o governo sia sobre os motivos que levaram No debate sobre as diretrizes
Bolsonaro. Não foi essa a posição o STF a reconhecer tardiamente programáticas a serem inscritas
que prevaleceu, mesmo quando o o que já era alegado nos proces- como programa de campanha, fi-
PT passou a adotar formalmente sos e denunciado na sociedade cou evidente que o rebaixamento
o “Fora Bolsonaro”, a assinar pe- há anos, mas acredito que tanto era parte da tática, e temas funda-
didos de impeachment e a convo- a mobilização e pressão em torno mentais como Forças Armadas, fim
car mobilizações. Mesmo assim, do assunto, quanto a perspectiva da autonomia do Banco Central
prevaleceu na prática a oposição de Bolsonaro concorrer à reelei- e revogação das contrarreformas
institucional, com a maioria se ção sem ter um adversário com trabalhista e previdenciária fica-
conformando com o objetivo de capacidade de derrotá-lo, foram ram de fora, contra a posição da
derrotar Bolsonaro nas urnas em fatores que pesaram para que o Articulação de Esquerda, que de-
2022. Ressalte-se que em 2020 STF finalmente tomasse a decisão fendeu que esses e outros temas
também aconteceu a eleição mu- correta e anulasse a farsa que era o precisam ser enfrentados e defen-
nicipal, que foi marcada por mais processo do “triplex”. didos. O que aconteceu no dia 8 de
uma derrota da esquerda e do PT. Após a recuperação dos direi- janeiro, após a nossa posse, reforça
Não ganhamos nenhuma capital, tos políticos de Lula, o “giro eleito- o acerto da insistência que foi pra-
sofremos os impactos dos meses ral” no PT foi quase absoluto. Ago- ticada pela Articulação de Esquer-
“
A importância da vitória eleitoral
obtida em 2022, com a vitória
Nº 248 NOV /2022
VOLTAMOS!
sociedade de forma geral – para que
Foto: Ricardo Stuckert
da ao longo dos últimos anos, pelo extrema direita. danças estratégicas consistentes,
menos desde 2020, em que o PT Por fim, é necessário lembrar ainda mais após a recuperação do
deva debater e aprofundar uma que em todo esse período, de 2019 governo federal e a vitória eleito-
posição em relação ao papel das até hoje, o PT foi conduzido pela di- ral que obtivemos em 2022. Passar
Forças Armadas. Não o fizemos, e reção eleita no 7º congresso. E o fa- por 4 anos de governo Bolsonaro,
o preço que está sendo pago é alto. to é que este foi o último congresso uma pandemia e toda a guerra que
A importância da vitória eleito- realizado pelo PT. Em 2023 deveria foi conseguir vencer a eleição em
ral obtida em 2022, com a vitória ter acontecido o PED (Processo de 2022 com Lula parece que não fo-
de Lula e a derrota de Bolsonaro, é Eleições Diretas) para renovar as ram situações suficientes para co-
muito grande. Foi uma vitória que direções em todos os níveis, mas locar o partido para pensar o médio
comemoramos muito, devemos foi aprovado por maioria no dire- e o longo prazo de forma consis-
comemorar, mas principalmente tório nacional prorrogar os manda- tente. Portanto, a disputa pelos
que precisa ser muito analisada e tos das direções eleitas em 2019, rumos do PT, qual linha política e
trabalhada – pelo governo, partido, que ficarão no comando do partido quais transformações organizati-
vas devem ser implantadas, e prin-
movimentos, sociedade de forma até 2025.
cipalmente, como conseguiremos
geral – para que se converta em al- Nós da Articulação de Esquer-
realizar transformações efetivas e
go a mais que uma “simples” vitória da defendemos que o PED deveria
duradouras e implementar um pro-
eleitoral para a presidência, e seja ter acontecido neste ano de 2023,
jeto de longo prazo em defesa dos
uma virada de chave no patamar e que isso ajudaria o partido a se
interesses da classe trabalhadora
político, organizativo, ideológico, organizar melhor para enfrentar
brasileira e que acumule em dire-
da esquerda e da classe trabalha- os desafios de voltar ao governo
ção ao socialismo, passa por cons-
dora brasileira. Uma vitória que em um país destruído pela extre- truir outra maioria dirigente para o
seja um pontapé para outras, não ma-direita e pela direita neolibe- Partido dos Trabalhadores.
apenas eleitorais, mas de disputa ral. Não vislumbro na atual maioria
de rumos de um país massacrado que dirige o partido muitos sinais n Natália Sena é integrante da
pelos desmandos da direita e da de disposição para realizar mu- executiva nacional do PT.
Reconectar-se
com a classe
N
n Jandyra Uehara dos trabalhadores e das trabalha-
ós da AE fizemos, doras, deve unificar lutas e man-
recentemente, uma ter conexão sólida e permanente
conferência sindi- com o cotidiano da vida da classe.
cal. E está para ser publicado um Isso incluiu vincular a organização
livro com as resoluções que pro- e mobilização a pautas que se co-
duzimos desde a criação nectem, a exemplo das lutas por
do setorial sindical salários mais justos, recuperação
da AE. Assim, para de direitos trabalhistas, condições
quem quiser co- de trabalho seguras, igualdade de
nhecer o que gênero, equidade racial e acesso a
pensamos serviços públicos de qualidade.
a respeito Mas a luta sindical, assim como
da CUT e a luta da esquerda em geral, não
do movi- é uma soma de objetivos parciais.
mento sin- Se a classe trabalhadora e a maio-
dical, recomendo a leitura destes ria da sociedade não tiverem uma
documentos. utopia, não tiverem um projeto
Aqui, nesta revista comemo- coletivo, de nada serviram os sin-
rativa dos 30 anos da AE, vou dicatos, os movimentos, os parti-
me limitar a uma questão: se nos dos, as organizações coletivas.
perguntarem qual o principal de- Portanto, a reconexão com a
safio do PT, dos sindicatos, dos classe é um movimento comple-
movimentos, da esquerda como xo. Envolve os temas cotidianos e
um todo, nossa resposta deve ser: envolve temas mais amplos, como
reconectar-se com a classe traba- a luta pela redução da jornada de
lhadora e suas lutas cotidianas. trabalho sem redução de salários,
E para dar conta deste desafio, uma demanda histórica que per-
os sindicatos seguem tendo um manece relevante e encontra-se
papel fundamental. fora da pauta atual dos sindica-
O movimento sindical, tos, especialmente diante das jor-
se quer reconquis- nadas excessivas e das precárias
tar a con- condições de trabalho enfrenta-
fiança
das.
“
Outro ponto fundamental é da classe trabalhadora. No movimento
uma reforma sindical que permita Pesquisas recentes mostram
formas de financiamento e organi- que os sindicatos estão no final sindical e em
zação dos sindicatos que comba- da lista de instituições em que as outras frentes, a disputa
tam a fragmentação, sejam apro- pessoas confiam, os níveis de sin- político-ideológica
vadas democraticamente pela dicalização nunca estiveram tão
classe trabalhadora e que não es- baixos. Isso mostra a urgência de
está sendo relegada
teja atrelada ao Estado e propor- uma reestruturação significativa, a segundo plano,
cione independência de governos para reocupar o terreno perdido resultando em uma
e dos patrões. para ultradireita.
perda da identidade
A reconstrução do movimento Lamentavelmente, no movi-
é essencial não apenas para a de- mento sindical e em outras fren- anticapitalista do
fesa dos direitos dos trabalhado- tes, a disputa político-ideológica movimento. As
res e das trabalhadoras, mas para está sendo relegada a segundo políticas de conciliação
garantir a construção de uma so- plano, resultando em uma perda
ciedade mais justa, que melhore a da identidade anticapitalista do de classe são um
perspectiva de bem-estar social, movimento. As políticas de con- dos fatores que
econômico e sustentável. E expli- ciliação de classe são um dos fa- contribuíram para esse
citar este objetivo de médio e lon- tores que contribuíram para esse
go prazo é decisivo também para desvio, que reduz a capacidade de
desvio, que reduz a
construir vitórias no curto prazo. luta do movimento sindical. capacidade de luta do
Hoje nossa classe vive o mas- Daí a necessidade do movi- movimento sindical. .
sacre imposto pelo capitalismo mento sindical ter a educação,
neoliberal ao mundo do trabalho. a cultura e a comunicação como
Sendo assim, é essencial dispu- instrumentos fundamentais, que
tar o campo das ideias e deixar sejam capazes de oferecer uma
claro, por exemplo, os malefícios visão de futuro e um projeto co-
da pejotização, terceirização, da letivo capazes de inspirar a classe
uberização e o que o chamado em- trabalhadora e coloca-la em movi-
preendedorismo significa para os mento.
trabalhadores brasileiros. Em resumo, muita presença no
Além disso, é fundamental cotidiano da classe, em suas lu-
abordar questões como o home tas, e muito esforço para elevar o
office sob a perspectiva da classe nosso horizonte de possibilidades.
trabalhadora, considerando o im- Quanto mais socialista for a clas-
pacto desse modelo de trabalho se, mais êxito teremos nas lutas
nas vidas das pessoas. imediatas.
É crucial melhorar a comunica-
ção sobre as realidades cotidianas, n Jandyra Uehara é secretária
abordar questões como assédio e de Políticas Sociais e Direitos
sobrecarga de trabalho de forma Humanos da Central Única dos
eficaz, para recuperar a confiança Trabalhadores (CUT)
Feminismo da classe
trabalhadora e
Economia do Cuidado:
contribuições para a
Agenda Feminista
da Articulação de
Esquerda
n Fabiana Gonçalves
MULHERES DA
n Guida Calixto
E
de feminismos coexiste e está em vel uma certa popularização das
constante disputa. Nossa contri- pautas feministas em todos os
buição no âmbito da atuação das estratos da sociedade. No entan-
mulheres da AE se concentra em to, é crucial evitar ilusões de que
m um cenário essa popularidade implica na su-
dois eixos cruciais: a luta externa e
permeado por peração, ainda que parcial, das
a interna. Nossa abordagem inicial
raízes patriar- opressões enfrentadas pelas mu-
visa explorar a luta interna, come-
cais e escravocratas profunda- lheres. Melhor dizendo, não indica
çando por dentro do feminismo,
mente arraigadas, as lutas feminis- a superação, mesmo que parcial,
não por idealismos, mas por en-
tas no Brasil sempre encontraram das opressões enfrentadas pelas
tender que as pautas do movimen-
obstáculos desafiadores. Esses mulheres da classe trabalhadora.
desafios não se limitam apenas às to são, concretamente, os objetos
São precisamente essas mulheres
pautas externas, ou seja, as mais de disputa que influenciam a luta
e seus interesses que devem guiar
popularmente reconhecidas, co- externa.
nossa ação dentro do movimento
mo a violência e a desigualdade feminista. Veja bem, acreditamos
Superando o óbvio, rumo ao
enfrentadas por todas as mulhe- que a maioria das pessoas que es-
res. Eles também se estendem às concreto
tá lendo este texto concorda com
pautas internas do movimento Apesar da ascensão de agen- essa afirmação e, eventualmente,
feminista em si. É por isso que nos das conservadoras nos últimos pensando que estamos falando
referimos às “lutas feministas” anos (sobre as quais abordare- obviedades. Admitimos que es-
no plural, pois uma pluralidade mos posteriormente), é perceptí- tamos mesmo. O problema resi-
nossas lutas. Para abordar as di- “Pioneiro na luta pela orga- superexploração da mulher negra
mensões de gênero, raça e classe, nização das mulheres da classe de Claudia Jones:
apresentamos Claudia Jones. Ela trabalhadora, nosso partido “Jones argumentou que se
desempenhou um papel fundamen- foi o primeiro a demonstrar às toda a classe trabalhadora é ex-
tal na luta antirracista nos Estados mulheres brancas e à classe tra- plorada por causa da usurpação
Unidos durante a era Jim Crow, um balhadora que a condição de do mais-valor de seu trabalho,
período marcado pela nefasta se- triplamente oprimida das mu- então as mulheres negras - des-
gregação racial no país. Claudia lheres negras é um termômetro providas de qualquer mecanis-
Jones foi uma militante e dirigente da condição de todas as mu- mo institucional para vencer
do CPUSA (Partido Comunista dos lheres, e que a luta pela plena essa exploração e sendo natu-
Estados Unidos). Apesar de suas igualdade econômica, política ralmente assumido que elas tra-
contribuições significativas para es- e social da mulher negra balham horas incontáveis sem
sa área, é curioso notar como sua é do interesse vital da recompensa - vivem uma vida
presença é negligenciada pela tra- classe trabalhadora de superexploração além do que
dição marxista, inclusive no Brasil. branca, do interes- Marx identificou nos trabalha-
Retomando, Claudia Jones declara: se vital da luta para dores”. (Tradução nossa. Davies,
realizar a igualdade 2007, p. 2)
para todas as mu-
lheres.” (Tradução Aqui apresentamos outro tre-
nossa. Grifo nosso. cho de Claudia Jones, onde ela
Disponível em: ht- aborda essa questão de maneira
tps://viewpointmag. mais crítica:
com/2015/02/21/ “O chauvinismo de par-
we-seek-full-equality- te das mulheres brancas pro-
-for-women/) gressistas é frequentemente
Claudia Jones nos evidencia expressa na incapacidade de
que essa abordagem sobre as mu- manter laços estreitos de ami-
lheres negras transcende ques- zade com mulheres negras e de
tões meramente “identitárias”. A não perceberem que a luta por
condição das mulheres negras igualdade das mulheres negras
dentro do contexto capitalista é é de seu próprio interesse, na
um ponto de referência crucial medida em que a superexplo-
para compreender a situação de ração e opressão das mulheres
todas as mulheres da classe tra- negras tendem a enfraquecer os
balhadora, visto que nelas se en- padrões de todas as mulheres”.
contra o que Jones denominou (Tradução nossa. Grifo nosso.
como “superexploração da mulher Disponível em: https://www.
negra”, fundamentada nas inter- marxists.org/history/usa/pubs/
secções de gênero, raça e classe. political-affairs/1949-06v28n-
Carole Boyce Davies, estudiosa 6-political-affairs.pdf).
desta temática, oferece este bre- Não é difícil reconhecer a su-
ve comentário sobre o conceito de perexploração que as mulheres
kollontai/ano/mes/familia.htm).
Não coincidentemente, o ônus
do cuidado como trabalho não re-
munerado no ambiente doméstico
mente conectado às vantagens Observe que aliança maldita recai de forma mais acentuada e
masculinas ligadas à naturaliza- para as mulheres entre o conser- dolorosa sobre as mulheres ne-
ção dos papéis de gênero que vi- vadorismo reacionário e o capi- gras. Essa situação é agravada pelo
nham, justamente, sendo colo- talismo ultraliberal busca, dentre fato de que essas mulheres estão
cadas em questão por décadas outras pautas nefastas, agravar e frequentemente em uma condição
de movimento feminista.” (Dis- regredir um fenômeno que sem- de maior vulnerabilidade financei-
ponível em: https://pagina13. pre permeou a vida das mulheres, ra, o que as impede de subsidiar
org.br/sete-ideias-feministas- especialmente aquelas que são outras pessoas (geralmente outras
-para-avancarmos-em-2022/). negras e periféricas: o acúmulo do mulheres negras) para executa-
trabalho doméstico, o qual é natu- rem as tarefas domésticas. Além
E lista outras dimensões dessa
ralizado através dos papéis de gê- disso, é importante destacar que
ideologia machista, que vale a pe-
nero. Aqui, não há qualquer traço elas constituem a maioria entre
na conferir.
de inovação por parte dessa alian- as mulheres que criam seus filhos
As consequências para as mu-
sozinhas, representando um alar-
lheres são fatais: ça maldita para as mulheres. No
mante índice de 90% das mães
início do século passado, Alexan-
“A questão que se coloca é solo que são negras. Dentre esse
dra Kollontai definiu o capitalismo
simples: a destruição de serviços grupo, 72,4% não possuem aces-
como um “verdadeiro cárcere” pa-
públicos como saúde, educa- so a uma rede de apoio. (Disponí-
ra as mulheres e complementou,
ção e seguridade social pressu- vel em https://mundonegro.inf.br/
dizendo:
põe a privatização do cuidado. pesquisa-aponta-que-90-das-mu-
Quem vai assumir isso? As mu- “A mulher, a mãe operária, lheres-que-se-tornaram-maes-
lheres, claro! Remuneradas ou sua sangue para cumprir três -solo-no-brasil-nos-ultimos-dez-
não.” (Disponível em: https:// tarefas ao mesmo tempo: traba- -anos-sao-negras/). Vale notar que
pagina13.org.br/sete-ideias- lhar durante oito horas num es- essas mulheres, além de cuidarem
-feministas-para-avancarmos- tabelecimento, o mesmo que seu de crianças, frequentemente as-
-em-2022/). marido; depois, ocupar-se da ca- sumem também a responsabili-
dade pelo cuidado de adultos ou mulheres da classe trabalhadora, perativo que nos comprometamos
idosos com autonomia limitada ou em torno da luta contra o conser- a elaborar e aprofundar todos os
ausente. vadorismo reacionário e o capi- aspectos das vidas das mulheres
Com base nisso, gostaríamos talismo ultraliberal. De tal ponto neste próximo período.
de trazer à tona uma pauta que de vista, é imperativo que nossas Nesse sentido, trouxemos à
verdadeiramente reflete uma lu- reivindicações se concentrem na tona uma proposta concreta: a
ta concreta das mulheres da clas- criação de políticas públicas que: luta por políticas públicas que re-
se trabalhadora: a valorização e - Garantam uma renda às mu- conheçam e remunerem o traba-
remuneração do cuidado como lheres que realizam o trabalho de lho de cuidado não remunerado.
um trabalho essencial e a sua in- cuidado não remunerado. Essa ação não apenas confronta
clusão como parte integrante das - Reduzam a carga horária do
o avanço da aliança maldita para
políticas públicas! trabalho convencional, visando
as mulheres, mas também abre
A temática do cuidado como diminuir a sobrecarga total de tra-
caminho para a consecução de ou-
um trabalho não remunerado se balho das mulheres.
tras pautas essenciais para as mu-
encaixa dentro de um conceito - Promovam o reconhecimento
do trabalho do cuidado como uma lheres da classe trabalhadora. Em
mais amplo denominado “Eco-
nomia do Cuidado”, que engloba categoria passível de participar e/ suma, esta proposta não é somen-
tanto os trabalhos de cuidado ou criar sindicatos. te um chamado à ação, mas uma
remunerados quanto os não re- - Inclusão da economia do cui- verdadeira estratégia para trazer
munerados. Quando o cuidado é dado no sistema de contas nacio- mudanças efetivas e significati-
remunerado, sua natureza labo- nais. vas para as vidas das mulheres da
ral é prontamente reconhecida. classe trabalhadora brasileira.
Então, por que não estender esse Conclusão
reconhecimento aos cuidados não Em um panorama mais amplo, n Fabiana Gonçalves e Guida
remunerados? E não sendo remu- as lutas feministas no Brasil se Calixto são militantes da tendência
petista Articulação de Esquerda em
nerados, por que não reivindica- manifestam de maneira comple-
Campinas.
mos remuneração deste trabalho? xa, indo além das pautas óbvias e
Afinal, em ambos os casos, esta- incorporando as discussões inter- Referências:
mos tratando de “serviços que nas dentro do próprio movimento
promovem bem-estar, crescimen- feminista. É essencial considerar DAVIES, Carole Boyce. Left of Karl
to e sustentação da sociedade, as diversas vertentes do feminis- Marx: The political life of black commu-
nist Claudia Jones. Durham e London:
prestando-se no âmbito privado” mo e como direcionar as pautas
Duke University Press, 2007.
(Muller & Moser, 2002, p. 5). para contemplar as mulheres da
MULLER, Eliane Fransieli e MO-
A conquista da remuneração classe trabalhadora. A utilização
SER, Liliane. Economia do cuidado:
dos trabalhos de cuidado que da superexploração das mulheres
um debate conceitual. IV Seminário
atualmente não são remunerados negras como referência é crucial, Nacional: Serviço Social, Trabalho e
significa um duro golpe à aliança pois isso não apenas eleva a situa- Política Social – SENASS, 2022. Dis-
maldita para as mulheres, unindo ção de todas as mulheres da classe ponível em:
dignidade e condições materiais trabalhadora, mas também forta- https://repositorio.
de subsistência. Ademais, isso lece a luta contra a aliança maldi- ufsc.br/bitstream/hand-
pode mobilizar as mulheres ne- ta para as mulheres. E reiteramos le/123456789/242785/44%20
gras, e, por consequência, todas as que, como mulheres da AE, é im- 1095.pdf?sequence=1
Seguimos no Furacão!
Junho de 2013, por
um balanço com as
juventudes
Manifestantes, em sua maioria jovens, tomam as ruas do Recife, em junho de 2013| Foto: Reprodução
n Elisa Guaraná de Castro moços de família, as conversas cias políticas que movimentaram
de bar, o encontro no ônibus, na a cena pública. O segundo turno
J
igreja, nas escolas, e ainda nas re- para a reeleição da presidenta Dil-
des... O que era considerado um ma, em 2014; a recusa em aceitar
unho de 2023, dez anos após fenômeno do tempo da política o resultado das eleições por parte
as Jornadas de Junho, o movi-
(Palmeira, 1998), isto é, períodos de Aécio Neves e do PSDB; a cam-
mento hoje é de balanço. Dez
eleitorais em que se amplia o de- panha pelo impeachment de 2015
anos em que o Brasil experimen-
bate sobre a política no país e, em a 2016; a ocupação das escolas; o
tou inúmeras mudanças e uma
disputa intensa e ampla sobre os especial, nos pequenos e médios movimento contra a PEC 241 do
rumos para o país. Intensa, pois municípios com suas disputas par- Teto de Gastos; a Lava Jato e sua
vivenciamos o enfrentamento di- ticulares, passou a fazer parte de ação política e midiática; o golpe
reto às políticas propostas pelos um dia a dia de conversas, tensões construído nas ruas, na mídia, por
governos petistas de Lula e Dilma; e conflitos. dentro do governo e no congresso;
ampla porque, de diversas formas, Do segundo semestre de 2014 Temer e o desmonte das políticas
a política passou a fazer parte do ao 8 de janeiro de 2023, vivemos e da estrutura de estado; a prisão
cotidiano, movimentando os al- um ritmo acelerado de experiên- de Lula; a ascensão da extrema-di-
“
reita e a eleição de Bolsonaro; os dança de linguagens, especialmen- A escolha de
assassinatos de Marielle Franco te o uso das redes, mas principal-
e Anderson Gomes; a eleição do mente na comunicação, aparece fatos, dentre
presidente Lula em uma vitória como uma ruptura importante do tantos que ocorreram
apertada, a tentativa de golpe de controle da narrativa pelas gran- nesses dez anos é
8 de janeiro de 2023. des mídias, como a atuação do Mí-
A escolha de fatos, dentre dia Ninja. Outros temas centrais
parte de como tratar
tantos que ocorreram nesses são os sujeitos, em especial novos um possível balanço
dez anos é parte de como tratar atores mobilizados, e as novas de Junho de 2013 e
um possível balanço de Junho de agendas. Como ponto de polêmica
seus impactos sobre a
2013 e seus impactos sobre a ce- no campo da análise progressista:
na política brasileira. Observamos qual o papel das Jornadas na orga- cena política brasileira.
uma disputa de narrativas que se nização da direita e da extrema- Observamos uma
estende de uma leitura que atribui -direita no Brasil. disputa de narrativas
a 2013 os ataques ao campo de- Em linhas mais gerais, é incon-
mocrático e popular e a ascensão testável a ampliação e ruptura de que se estende de
da extrema-direita àquelas que linguagens e meios de comunica- uma leitura que atribui
leem como criadora de uma nova ção que se viveu nas Jornadas. E a 2013 os ataques ao
política e novos atores. (Altman os desafios, ainda não superados,
e Carlotto, 2023; Perez, 2021). para os partidos e movimentos
campo democrático e
A presidenta Dilma Rousseff sin- sociais de dialogarem com essas popular e a ascensão
tetiza no Prólogo ao livro Junho novas formas de mobilização e da extrema-direita
a Rebelião Fantasma (Altman e comunicação. Gostaria de me con-
Carlotto, 2014), a disputa política centrar nos temas agendas e su-
àquelas que leem
nacional e internacional em curso, jeitos, que estão intrinsecamente como criadora de uma
no que define como dois grandes relacionados a essas novas formas nova política e novos
blocos. Sem, contudo, diminuir a de comunicação e linguagens. O
atores.
relevância multidimensional das sentimento de que todas as agen-
Jornadas, que incluiu a manifesta- das identitárias, ambientais, por
ção do sentimento de exclusão do mais direitos e políticas públicas
sistema político democrático. emergiram ou ganharam projeção
Dos incontáveis eventos e es- no processo das Jornadas de Ju-
paços de balanço realizados em nho, recorrente em algumas nar-
junho de 2023 chama atenção os rativas sobre seu legado, descon-
organizados por juventudes. E sidera a trajetória histórica e mais
considero ser essa uma perspecti- recente na formação de identida-
va central para debater legados e des políticas, em especial na dis-
principalmente, possibilidades de puta por reconhecimento a partir
contribuição para os desafios po- da Constituição Cidadã. Mas esse
líticos de hoje. Em falas de jovens sentimento pode estar relaciona-
e pesquisadores que viveram e do à visibilidade de uma enorme
acompanharam as Jornadas a mu- diversidade de agendas e atores
“
passa “dos que que gritavam ´sem uma leitura que dialogue com Em um
violência´” para aderir aos BB. agendas das juventudes.
As autoras recuperam seu relato mapeamento
sobre como ele, jovem de uma fa- As Jornadas de Junho - realizado sobre as
vela do Rio de Janeiro, encontrou 10 anos após a entrada
políticas públicas de
nessa forma de atuar o espaço da juventude na agenda
para mobilizar pautas anticapita- governamental juventude do governo
listas, contra a violência política e As Jornadas acontecem em FHC a Bolsonaro
a segregação que o estado causa. um marco de 10 anos após o iní- (Castro, Oliveira e Rico,
“Eu não sei quem são os ou- cio de um ciclo reconhecidamen-
tros. Eu sei o que eu sou e o que te de avanços para a institucio-
2022), observamos
o Black Bloc significa para mim. A nalização de direitos e políticas que de fato foram nos
compreensão dessa tática é que públicas para as juventudes no
me fez, como morador da fave-
governos Lula e Dilma
país. No Brasil, os governos Lula
la, participar de um movimento. (2003-2006/2007-2010) e Dil- a grande presença
Participar desta tática é poder ma (2011-2014/2015-) deram da juventude na
extravasar o sentimento de apri- visibilidade ao tema juventude
sionamento, de segregação que agenda do governo
com a criação de marcos regula-
o Estado causa, mas também co- tórios, políticas públicas e institu- federal. Ainda que
mo resistência para mostrar para cionalizando sua representação e com limitações e
quem está do outro lado – os oli- órgãos de execução de políticas
gopólios, os detentores do capital públicas no governo federal, nos
contradições, a
– que há uma população que está governos estaduais e municipais. presença nos Planos
consciente”. (p. 294) O período marcado pela institu- Plurianuais (PPAs),
Essas duas falas apresentam a cionalização das políticas públi-
enorme diversidade presente nas cas de juventude, que ganha cor- as modalidades e
Jornadas, e que mobilizou agen- po a partir de 2005 com a criação formas de participação
das caras às juventudes, desde o da SNJ e do Conjuve1, é um pro-
transporte público e direito à ci-
na proposição de
cesso de reconhecimento com a
dade ao sentimento antissistema. definição de agendas e disputa de políticas são de fato
A disputa da direita das Jornadas, recursos e direitos (Fraser, 2001, muito superiores ao
em especial com o tema da cor- 2007) por parte de movimentos
rupção, vai ganhar novos contor- juvenis diversos.
que existiu antes, e ao
nos no ano seguinte. Mas ainda Em um mapeamento reali- que vai ocorrer após
vale somar mais elementos para zado sobre as políticas públicas o Golpe, no período
1 A construção de uma institucionalidade implantada pela Lei no 11.129, de 30 de junho de 2005, que
criou a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e instituiu Temer-Bolsonaro.
que o Programa Nacional de Inclusão de Jovens, o Projovem. As conferências nacionais da juventude
(2008/ 2011 e 2016). A Emenda Constitucional Nº 65 de 13 de julho de 2010, que “Altera a denominação
do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal e modifica o seu art. 227”, inserindo o termo jovem,
até então ausente da carta magna. E no ano de 2013, após 10 anos de tramitação foi aprovado pelo Con-
gresso Nacional e sancionado pela Presidência da República o Estatuto da Juventude, por meio da Lei Nº
12.852 de 5 de agosto de 2013, que “Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens,
os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude – SINAJU-
VE.”
apresentados são muito interes- lação políticas públicas e direi- memória de um momento de mo-
santes para o debate em curso. tos, concordavam que a sua vida bilização ainda diverso, sentido
Apenas 2,9% responderam con- melhorou em relação a de seus como de liberdade por alguns, co-
siderar as políticas de governo o pais, mas entendiam que a me- mo espaço de formação e apren-
fator mais importante para sua lhora ou mudança na sua vida era dizado, para muitos, incluindo a
vida. Em primeiro lugar, o esforço fruto seu esforço pessoal. Reco- direita e extrema-direita, e inten-
pessoal (42,4%) e, em segundo, a nheciam a existência das políticas so possivelmente para a maioria
família (39,2%). Ao responder so- públicas, mas que quanto aos jo- também foi carregada de sofri-
bre qual o fator mais importante vens o governo ainda não fazia o mento. A violência aparece como
para a garantia de seus direitos, suficiente. (Ribeiro, 2016) Se as uma marca constante nas falas,
a resposta com maior alcance condições de estabilidade econô- seja pela ação do aparato policial,
foi políticas de governo (31%). E mica foram apontadas como posi- que em 13 de junho toma propor-
ainda em resposta à pergunta “o tivas, o desemprego seguia como ções que ampliaram as mobiliza-
que existe de mais positivo hoje uma questão importante para as ções em todo o país, seja entre
no Brasil”, em primeiro lugar, as juventudes. Essa construção de os participantes nas disputas que
políticas sociais (35%) e, em se- um olhar que separa a condição foram se avolumando quanto aos
gundo, a estabilidade econômica juvenil da população como um sentidos e agendas. Uma lem-
(20%). Os temas (até três respos- todo dialoga diretamente com a brança recorrente é a queima
tas) a serem priorizados pelas po- persistente precariedade do tra- de bandeiras de partidos de es-
líticas públicas do governo foram: balho das juventudes no Brasil querda e de movimentos sociais,
melhorar a saúde da população (SNJ/IPEA, 2014; Corseuil, Fran- sempre lembrados por jovens do
(99%), a educação (98%) e reduzir ca, Poloponsky, 2014) campo progressista. Paula Nunes
o desemprego (95,5%). A maioria Se a relação causa e efeito relata em “Sobre Junho de 2013
considerava a sua vida melhor pouco contribui para uma análise e o movimento negro brasileiro
que a de seus pais, e, apesar de do que pode ter mobilizado uma contemporâneo” (Altman e Car-
reconhecerem a importância das parcela importante de jovens nas lotto, 2023): do dia 20 de junho
políticas públicas, não conheciam Jornadas que demandava políti- – data em que um milhão de pes-
muitas das políticas da época. E, cas públicas, podemos reforçar soas tomou as ruas em todo o país
ainda, quanto à pergunta sobre o as muitas camadas e a multidi- –, enquanto sujeitos enrolados
tipo de preocupação dos gover- mensionalidade que envolvia as em bandeiras do Brasil cantavam
nos com as questões da juven- juventudes que viviam de forma o hino nacional, bandeiras de par-
tude, a maioria respondeu que desigual a relação com o Estado, tidos políticos de esquerda e da
conhecem as necessidades dos tanto no acesso às políticas pú- organização do movimento negro
jovens, mas não fazem nada a res- blicas quanto na sua outra face: Uneafro Brasil foram queimadas.
peito (52,8%). a violência institucional, princi- (p. 40).
Ou seja, temos percepções palmente de órgãos da segurança Sem dúvida, uma das agen-
que parecem contraditórias, mas pública. das que não avançou nesses 10
que podem ser lidas como reflexo Os sentimentos que mobi- anos foi quanto a violência ins-
de políticas que avançaram, mas lizam os balanços de Junho de titucional direta do aparato de
ainda eram insuficientes na opi- 2013 ainda hoje podem ser li- segurança pública e a violência
nião do público jovem. A maioria dos, também, à luz do que temos da exclusão de jovens negros e
dos entrevistados percebia a re- vivido nesses últimos 10 anos. A negras, rurais, urbanos, das pe-
“
Percebe-se ao riferias, trans e tantos e tantas Jornadas de Junho. Qual o legado
invisibilizados. Junho em 2023 para formas organizativas? Um
longo desses segue marcado pela violência nas intenso debate à época era sobre
dez anos uma prática periferias como o assassinato de as formas “tradicionais” e “novas”
política que quebra Naël, 17 anos, entregador. formas de participação em uma
oposição entre coletivos hori-
dicotomias entre Talvez 2014 tenha sido o ano zontais e formas estruturadas
“novo” e “velho”. que não terminou.... verticalizadas como partidos, sin-
Se uma das marcas As questões pensadas para dicatos e alguns movimentos so-
colocar em diálogo nessa con- ciais. Percebe-se ao longo desses
de organizações
tribuição, agendas e sujeitos se- dez anos uma prática política que
juvenis brasileiras guem em pauta. O que mobiliza e quebra dicotomias entre “novo” e
são as juventudes como se mobilizam as juventudes “velho”. Se uma das marcas de or-
partidárias e dos 10 anos após 2013? Sem sombra ganizações juvenis brasileiras são
de dúvida o tema direitos e aces- as juventudes partidárias e dos
movimentos sociais, a so ao Estado foi uma marca das movimentos sociais, a partir dos
partir dos anos 2000 Jornadas de Junho. No entan- anos 2000 temos os múltiplos
temos os múltiplos to, para duas entrevistadas em pertencimentos, e a interseccio-
2018, na pesquisa Juventude no nalidade de pautas que expres-
pertencimentos, e a Olho do Furacão, o segundo se- sam a imensa diversidade das ju-
interseccionalidade de mestre do ano de 2014 marcou ventudes. Se não se pode atribuir
pautas que expressam mais que as Jornadas de Junho. A às Jornadas essa múltipla inser-
percepção é de que ali foi preciso ção e agendas, coletivos foram
a imensa diversidade criados ampliando o acesso à par-
abandonar as pautas das juven-
das juventudes. Se não tudes e lutar por direitos básicos ticipação, e sua descentralização
se pode atribuir às de sobrevivência. Não por acaso, das capitais e dos movimentos
em novembro de 2014 o MBL é nacionais. Essa inserção também
Jornadas essa múltipla
formalizado. Os embates que se se alarga a partir da ampliação de
inserção e agendas, aprofundam e que desembocam coletivos e organizações ultrali-
coletivos foram criados no Golpe, e demais fatos que já berais, de direita e da extrema-di-
ampliando o acesso conhecemos bem, marcam tam- reita. Um resultado a ser destaca-
bém as agendas das juventudes. A do é a filiação partidária de jovens
à participação, e relação direta entre as Jornadas que participaram das Jornadas de
sua descentralização de Junho e 2014, e tudo o que vai Junho e/ou de coletivos e organi-
das capitais e dos ocorrer a partir daí, desconsidera zações que surgiram durante ou
muitas possibilidades abertas um depois, tanto no campo demo-
movimentos nacionais. ano antes, e se restringe à leitura crático quanto à direita, como o
sobre a organização da direita e próprio MBL, alguns com vitórias
extrema-direita. importantes nas eleições que se-
A forma é outro importan- guiram. Um caso emblemático é
te debate sobre os sujeitos que a supervotação de Kim Kataguiri.
surgem ou ganham evidência nas (Castro e Dulci, 2023). Portanto,
Topo do Congresso Nacional, em Brasília, ocupado por manifestantes no dia 17 de junho de 2013. Mídia Ninja
se temos uma ampliação de sujei- formas de lutas, com elemen- ta: segue a urgência em promover
tos nas Jornadas, a imagem forte tos importantes catalisados por mudanças radicalizadas no aces-
da oposição entre coletivos e or- aquelas juventudes, que legiti- so dos e das jovens a direitos, par-
ganizações como partidos toma mamente manifestaram suas vi- ticipação política, condições de
outras inflexões. vências excluídas ou ainda pou- vida dignas e contra a persistente
Talvez uma das perguntas co ouvidas nas Jornadas? Como violência genocida que aniquila
mais importantes seja como tra- promover o avanço concreto pa- jovens no Brasil e no mundo.
tamos o cenário que se aprofun- ra trabalhadores e trabalhado-
dou no Brasil e no mundo com a ras jovens no Brasil, que seguem n Elisa Guaraná de Castro é
ascensão da extrema-direita à luz vivendo o Estado em suas faces antropóloga e professora da
de experiências e vivências desde mais desiguais e violentas? Como UFRRJ.
2013? Mas essa se desdobra em promover o diálogo e a unidade
tantas outras... necessárias contra a direita e ex- Referências
Como promover consensos trema-direita e o neoliberalismo? ALTMAN, Breno e CARLOTTO, Maria
que potencializem as históricas Dez anos depois, uma coisa é cer- (orgs.) Junho de 2013 – a rebelião fantasma.
“
O debate sobre o imperialismo e as vias de desenvolvimento do Brasil
ocupou um espaço importante na trajetória de construção do Partido dos
Trabalhadores ao longo da sua história.Desde 1980 até os dias de hoje, diferentes
perspectivas acerca desta questão se colocaram no debate interno do Partido e
inf luenciaram as políticas adotadas, tanto no campo das relações internacionais
do PT e da política externa dos nossos governos como no terreno da estratégia,
o que inclui políticas de alianças e concepções de desenvolvimento econômico e
social.
“
lista de 2008, a ideia de “globaliza- primeiras décadas do século XXI.
É estabelecido ção” parecia deslocar o “imperia- Quanto às revoluções, estas po-
lismo” no terreno das formulações dem voltar à ordem do dia se às
pela condições objetivas se juntarem as
de amplos setores da esquerda.
historiografia que a Enquanto grassava a confusão condições subjetivas constituídas
primeira tentativa de conceitual, a toupeira da história pelo (re)fortalecimento do prole-
tariado e constituição de forças
formulação teórica fazia o seu trabalho e acabou por
políticas dispostas e capazes de
recolocar o debate nos eixos.
sobre o tema no Diante da crise econômica e dirigir processos revolucionários.
interior do PCB foi da escalada belicista atual, com a Em certo sentido, é a respeito
deste desafio que nos debruçamos
o livro Agrarismo e agressividade crescente dos Esta-
dos Unidos em seu propósito de ao analisar a história do PT, inclusi-
Industrialismo, obra de confrontar a China como potência ve suas disputas internas em torno
Otávio Brandão escrita econômica mundial concorrente, da luta anti-imperialista e das vias
em 1924 e publicada tornou-se novamente incontorná- de desenvolvimento do país.
vel recorrer ao conceito clássico
clandestinamente no Antecedentes do debate na
do imperialismo como uma época
Rio de Janeiro em 1926. de crises, guerras e revoluções, esquerda brasileira
imagem cunhada por Lênin na sua Para compreender as posições
obra “Imperialismo, fase superior do PT em torno destas questões,
do Capitalismo”, publicada no ca- é importante que as situemos em
lor das jornadas revolucionárias relação às trajetórias das forças
na Rússia de 1917. de esquerda que o antecederam,
Desde a escrita de Lênin, o sé- em especial as teses formuladas
culo XX foi marcado por muitas pelo PCB e pelas forças que a elas
crises, guerras e revoluções, sendo se contrapuseram no plano teóri-
que as revoluções se concentra- co e prático.
“
minado pelo agrarismo” aliado ao desenvolvimento X Relações se-
imperialismo inglês, sendo a luta mifeudais na agricultura. Em 1958, o
pelo “industrialismo” protagoniza- A principal decorrência políti- PCB lançaria a
da pela pequena burguesia urbana ca destas formulações seria a afir-
aliada ao imperialismo norte-ame- mação de que “... o desenvolvimento chamada “Declaração
ricano. capitalista corresponde aos interes- de Março”,... A
Ao longo das décadas seguin- ses do proletariado e do povo, e, por principal decorrência
tes este esquema explicativo so- isso, a contradição proletariado x
freria alterações ao sabor das burguesia, embora existente, [...] não
política destas
distintas conjunturas da luta de exige uma solução radical na atual formulações seria a
classes nas arenas nacional e in- etapa.” afirmação de que “...
ternacional. Como sabemos, o desenvolvi-
No seu programa de 1954, mento da luta de classes naquela
o desenvolvimento
após o suicídio de Getúlio Vargas, conjuntura situada entre os go- capitalista corresponde
ao qual o PCB opôs forte oposi- vernos JK e João Goulart levou a aos interesses do
ção, desconsiderando os aspectos uma polarização crescente que
proletariado e do
anti-imperialistas do seu mandato desembocou no golpe militar de
iniciado em 1950, o Partido for- 1964, na qual os pretensos aliados povo, e, por isso,
mula a tese de que haveria duas da burguesia nacional se uniram a contradição
variantes na burguesia brasilei- ao latifúndio e aos imperialismos proletariado x
ra, sendo uma vinculada ao im- de todas as bandeiras, em especial
perialismo norte-americano e ao o estadunidense, numa frente úni- burguesia, embora
latifúndio e outra, chamada de ca contra as classes trabalhadoras. existente, [...] não
“burguesia nacional”, vinculada à Já desde o início dos anos 60, exige uma solução
luta pela industrialização do país marcado pela vitória da Revolu-
e pelo fortalecimento do mercado ção Cubana, avolumavam-se na
radical na atual etapa.”
interno, à qual o proletariado de- esquerda brasileira as críticas à
veria se aliar para efetuar uma Re- política do PCB. Do ponto de vista
O PT na luta anti-imperialista
O surgimento do PT liga-se
indissoluvelmente à crise da dita-
dura militar e à entrada em cena
Militantes no Ato do Primeiro de maio, Estádio da Vila Euclides (São Bernardo do Campo – de um novo protagonista, a jovem
SP, 1979). Crédito/Acervo: Ennio Brauns/Foto&Grafia
classe operária concentrada nos
“
da elaboração teórica alternativa, grandes centros urbanos que a
O surgimento aceleração da industrialização vi-
destacam-se aqui as formulações
do PT liga-se da Polop – Organização Revolu- nha fortalecendo.
indissoluvelmente à cionária Marxista Política Operá- Amadurecida politicamente
ria, fundada em 1961. durante os anos da ditadura e sen-
crise da ditadura militar do submetida a duras condições de
Num esforço de (re)interpre-
e à entrada em cena de tação marxista da realidade bra- trabalho, foi numa demonstração
um novo protagonista, sileira, a Polop analisava que o de independência de classe que os
Brasil era já uma sociedade capi- sindicalistas que dirigiram as gre-
a jovem classe ves operárias a partir de 1978 se
talista industrial, com um Estado
operária concentrada que tinha em sua composição uma colocaram a tarefa de construir o
nos grandes centros burguesia associada ao capital in- PT.
ternacional e também ao tradicio- Desde o início, o PT se apresen-
urbanos que a
nal latifúndio. Combatendo mitos tou como um Partido socialista e
aceleração da como o “feudalismo” e a “burgue- se forjou na luta contra a ditadu-
industrialização vinha sia nacional”, concluía que a única ra militar, impulsionando lutas de
fortalecendo. transformação social real possível massas pelas reivindicações so-
seria de caráter socialista. ciais dos trabalhadores por terra,
De qualquer forma, o golpe mi- emprego e salários combinadas
litar de 1964 veio cortar abrupta- com a luta democrática.
“
Este período seria marcado pe- frentamento político do imperia-
la chamada “crise da dívida exter- lismo, com o questionamento do As citações das
na”, manifestação importante das pagamento regular da dívida. resoluções do
pressões imperialistas sobre os Paralelamente a este desen-
5º Encontro Nacional
países da periferia, numa conjun- volvimento político, e como parte
tura de estagnação econômica e inseparável dele, observa-se na não deixam margem
alta inflacionária, com crescimen- década de 80 uma intensa acelera- à dúvida, o PT vinha
to acentuado do desemprego e da ção da movimentação grevista nas se construindo como
miséria. mais diversas categorias assalaria-
A dívida externa já crescera das do país. partido de massas
enormemente no governo Geisel No plano da construção da es- numa perspectiva
e avoluma-se ainda mais no gover- tratégia, este ambiente de luta po- anticapitalista e de
no Figueiredo, chegando a repre- lítica e social vai ensejar um salto
sentar em 1984 a cifra de 48,2% qualitativo na elaboração teórica
ruptura com a ordem,
do PIB. Num cenário de recessão do partido que vai se expressar combinando a ação nos
mundial que dificultava nossas nos debates do 5º Encontro Nacio- movimentos sociais
exportações, opera-se aí uma mu- nal do PT, realizado em 1987, que
com ação institucional
dança na forma principal com que formula nos seguintes termos a
o imperialismo drenava os recur- questão dos objetivos estratégicos nos parlamentos e
sos do país, o pagamento da dívida e dos processos de luta: governos.
assumindo o lugar da remessa de 26. A conquista do socialismo e a
lucros. construção de uma sociedade socia-
Neste contexto, o PT integra lista no Brasil são os principais obje-
uma série de iniciativas que colo- tivos estratégicos do PT....
cam no centro da sua plataforma 40. O desenvolvimento desigual
de lutas uma política anti-imperia- e desequilibrado do capitalismo no
Plano Real em 1994, ponta de lan- mente a partir de uma perspectiva políticas, denunciando a sua su-
ça para a eleição de FHC, então anticapitalista, mas tão somente bordinação aos centros de coman-
ministro da fazenda e responsável antineoliberal. do do imperialismo.
pela implantação do plano, basea- Estas transformações inter- Dentre estas ações, destacam
do em aumento dos juros, arrocho nas no PT tiveram múltiplas de- importantes iniciativas interna-
fiscal e salarial, contenção dos in- terminações, mas dentre estas, cionalistas de questionamento da
vestimentos, câmbio valorizado, fundamentalmente, se destacam ordem neoliberal, como a criação
desregulamentação financeira o impacto ideológico e político da do Foro de São Paulo, a partir de
e privatização de estatais, o que derrota da tentativa de constru- uma convocatória de Lula e Fidel
produziu um expressivo aumento ção do socialismo ocorrida na UR- Castro a partidos, movimentos e
do afluxo de capitais estrangeiros SS em 1991 e as consequências da organizações em julho de 1990,
para o país. implantação do neoliberalismo no que estabeleceu como objetivos:
Parte destes capitais era de Brasil, com o aumento brutal do “Avançar com propostas de uni-
curto prazo, ligado à especulação desemprego e consequente dimi- dade de ação consensuais na luta an-
financeira e com commodities e nuição da capacidade ofensiva da ti-imperialista e popular.
outra parte para a compra de em- classe trabalhadoras nas suas lutas “Promover intercâmbios especia-
presas estatais e privadas. A pri- econômicas e sociais. lizados em torno dos problemas eco-
vatização da Companhia Vale do Acompanhando esses pro- nômicos, políticos, sociais e culturais
Rio Doce, do sistema Telebrás, de cessos, uma regressão no caráter “[…] em contraposição com a pro-
parte expressiva do setor elétrico democrático do Partido, com um posta de integração sob o domínio
são produtos desta política, bem crescimento desproporcional de imperialista, definir as bases de um
como a desnacionalização de pra- “centros de comando paralelos” novo conceito de unidade e integra-
ticamente toda indústria privada ligados a mandatos e executivos e ção continental.
de autopeças, o mesmo ocorren- uma exacerbação do papel da ins- Durante os anos seguintes,
do em outros setores. A chamada titucionalidade na estratégia do o Foro de São Paulo vai assumir
“reestruturação produtiva” impli- Partido. uma importância cada vez maior
cava em aumento substancial do Em 1993, reagindo ao proces- na articulação das lutas anti-im-
desemprego. so de rebaixamento ideológico, perialistas, com mais força a partir
Em 1997, foi extinto o mono- estratégico e programático e aos de 1998, com a eleição de Hugo
pólio estatal do petróleo, transfor- sinais de adaptação à instituciona- Chávez na Venezuela e o processo
mando a Petrobrás numa empresa lidade burguesa, a Articulação de eleitoral no Brasil indicando uma
de capital misto. Sob vários pontos Esquerda surgiu com o propósito conjuntura de dificuldades políti-
de vista e de maneira avassalado- de resgatar na nova conjuntura os cas crescentes para a sustentação
ra, aprofunda-se a subordinação mesmos pressupostos estratégi- da ofensiva neoliberal.
do país aos centros de comando cos presentes nas resoluções do 5º Com efeito, o segundo man-
imperialista, em especial os Esta- Encontro Nacional do PT. dato de FHC iniciado em 1998
dos Unidos. Não obstante o rebaixamento aumentou ainda mais as medidas
O PT não foi imune a todo es- programático, na prática, o PT se- concentradoras de renda, apro-
se processo. Durante os anos 90, guiu como referência política para fundando a crise social e o desem-
o Partido vai manter uma postura amplos setores da classe trabalha- prego. Com altos juros para atrair
de combate e oposição à ofensiva dora e protagonizou uma oposição capitais externos e tentar evitar
neoliberal, mas já não majoritaria- aos governos neoliberais e suas sua saída do país, o resultado foi
O imperialismo na ofensiva, o
que fazer?
Estas limitações pesaram seria-
mente no governo que se seguiu,
liderado pela companheira Dilma,
eleita em 2010 com uma votação
expressiva.
“
Com efeito, a terceira vitória
2013, capturadas em seu desenro-
do PT na eleição para o governo Com o governo
acendeu o sinal de alerta nas clas- lar pela manipulação da direita, as
forças de esquerda e o governo fo- Temer, as
ses dominantes brasileiras e no im-
perialismo, que passaram a atuar ram colocadas na defensiva. classes dominantes
ativamente para desgastar e fusti- Mesmo com as dificuldades brasileiras associadas
gar o PT e o governo. políticas crescentes, o PT logrou
vencer as eleições de 2014, o que ao imperialismo
Para o imperialismo norte-a-
mericano, com a crise de 2008 e poderia abrir a via da retomada do promoveram um radical
seus efeitos, era fundamental re- projeto de esquerda numa situa- ataque às condições de
tomar sua influência na América ção polarizada, que exigia maior
apoio popular e um salto de quali-
vida dos trabalhadores
Latina, desafiada pelo conjunto de
governos de esquerda da região. dade na unidade e organização do e à soberania nacional.
A formação dos BRICS consolida- PT e partidos e movimentos alia- Medidas como a
da em 2011 apresentava-se então dos agrupados nas frentes Brasil “reforma trabalhista”
como mais um elemento a desafiar Popular e Povo Sem Medo.
a hegemonia norte-americana no Mas o fato é que a política eco- e a implantação do
continente. nômica equivocada do segundo chamado “Teto de
O desenvolvimento das explo- governo Dilma abriu a via para a Gastos” resultam em
rações do pré-sal colocava tam- retomada da ofensiva da direita
que resultou no impeachment em
crescimento brutal
bém a Petrobrás como alvo do im-
perialismo norte-americano, como 2016. do desemprego e
demonstra a comprovada espio- Com o governo Temer, as clas- precarização das
nagem da presidente Dilma, as- ses dominantes brasileiras associa- condições de trabalho
sessores, ministros e diretores da das ao imperialismo promoveram
Petrobrás divulgada por Edward um radical ataque às condições e cortes brutais nos
Snowden. de vida dos trabalhadores e à so- gastos públicos.
Com as manifestações de berania nacional. Medidas como a
“
ça do enraizamento do PT e da es-
“reforma trabalhista” e a implanta- querda social na sociedade e sua
A ofensiva capacidade de resistir, como as
ção do chamado “Teto de Gastos”
imperialista resultam em crescimento brutal contradições no campo das clas-
atingiu também a do desemprego e precarização ses dominantes. Cabe ressaltar, no
das condições de trabalho e cortes entanto, que tanto a direita neo-
Petrobrás em 2016, fascista como os setores da direita
brutais nos gastos públicos.
com a aprovação de A ofensiva imperialista atin- neoliberal que romperam com Bol-
um projeto de autoria giu também a Petrobrás em 2016, sonaro são duas faces da mesma
política do imperialismo, cada vez
de José Serra (PSDB), com a aprovação de um projeto
mais agressiva e belicista.
de autoria de José Serra (PSDB),
que decretou o fim da que decretou o fim da participação Para o PT e as forças populares,
participação obrigatória obrigatória da Petrobrás na explo- os desafios de voltar a governar o
Brasil neste mundo cada vez mais
da Petrobrás na ração de petróleo nas camadas do
conturbado são imensos. Neste
exploração de petróleo pré-sal. A seguir, operaram-se lei-
momento, é fundamental tirar as
lões de campos petrolíferos para
nas camadas do pré- empresas estrangeiras, seguidas
lições da história e reatar com a es-
tratégia democrático-popular que
sal. A seguir, operaram- de decretos que abateram impos-
deu impulso e força para o PT nos
se leilões de campos tos para estas mesmas compa-
momentos decisivos da sua histó-
nhias.
petrolíferos para Com o desgaste do governo Te-
ria.
Certamente não é o caminho
empresas estrangeiras, mer, o golpe das classes dominan- mais fácil nem o de menor resis-
seguidas de decretos tes associadas ao imperialismo dá tência, mas é o único que poderá
mais um passo e opera a prisão de
que abateram impostos envolver e mobilizar milhões de
Lula com o concurso de todas as trabalhadoras e trabalhadoras na
para estas mesmas “instituições” passando pela gran- luta pela transformação do Brasil
companhias. de mídia comercial, Forças Arma- num país justo e soberano, num
das e STF. país socialista.
Medida extrema para evitar a
vitória eleitoral da esquerda em n Licio Lobo é militante do PT.
70 ESQUERDA PETISTA #15 - SETEMBRO 2023
INTERNACIONAL
INTERNACIONAL
Os Estados capitalistas e os
seus limites democráticos:
uma discussão teórica
n Pamela Kenne
C om a crise de 2008,
foi possível expor
as contradições das
teorias dos Estados econômicos
liberais. Um dos princípios dessas
concepções trata-se de compreen-
der a economia, ou melhor, “os
mercados1”, como organizações
que tendem à autorregulação e ao
equilíbrio. Assim, a ação estatal –
sem passar pelo juízo dos “merca-
dos” – poderia prejudicar esse pro-
cesso quase natural de superação
de crises. Ou seja, aos “mercados”
deveria ser garantida a autono-
mia diante de governos e de insti-
tuições estatais. No entanto, em
cepções de Estado. Ao se deparar seria esse? E, afinal, o que é o Esta-
2008 evidenciou-se o que há por
com um Estado mínimo ilusório do?
trás dessa mágica do equilíbrio.
Os “mercados” não conseguiram – em que os mercados dependem Parte-se do pressuposto geral
regular a crise que construíram, das intervenções estatais, e opor- que o Estado é uma estrutura ins-
alargando-a, como de práxis, para tunista – que intervém sempre em titucional (político-administrativa)
a sociedade. E as saídas para re- benefícios de poucos capitalistas, que controla e organiza juridica-
solver os prejuízos dos capitalistas deixando a população trabalhado- mente uma população de um de-
passaram necessariamente por in- ra sofrer as consequências das cri- terminado território. Sendo sus-
tervenções de Estados. ses, retoma-se as reivindicações de tentada por um conglomerado de
Abre-se, então, de forma mais um Estado que seja intervencionis- instituições e aparatos. Assim, essa
ampla, a discussão acerca das con- ta para todos/as. Mas que Estado estrutura institucional, a partir de
1 Importante salientar que quando se fala em “mercados” nesse contexto, fala-se de uma rede de agentes e organizações financeiras que atuam nas operações de
comercialização monetária, de crédito e de capitais.
“
seus agentes e espaços legitimados
(ou não) de atuação política, conso- Se, por definição, o capitalismo é a
lida as leis e a sua execução. Além propagação necessariamente expansiva de
disso, regula os direitos sociais, os
direitos sobre a natureza, os servi-
capital sob a lógica da propriedade privada, incorre
ços públicos, organiza as relações em uma contradição quando o seu desenvolvimento
de mercado etc. Entretanto, apesar está imbricado ao desenvolvimento da própria
dos anseios contratualistas, a his-
democracia – “governo em que o povo exerce
tória mostrou que o centro da sua
contradição é o fato de que são as soberania”. A tendência de acumulação capitalista
classes dominantes que possuem requer distanciamento dos/as trabalhadores/as do
o maior poder de determinação processo produtivo e do mais-produto produzido
sobre o funcionamento do Estado.
Sobretudo, e o que está por trás de pelos/as mesmo/as, mas que a eles/as não
tudo isso, o Estado de um sistema pertencem.
capitalista tem como função pri-
mordial organizar a distribuição e da sociedade em era de globaliza- aponta uma síntese sobre dinâmi-
o controle da propriedade privada. ção e acumulação intensiva de ca- cas de desenvolvimento dos welfa-
O conceito de Estado poderia pital. re states realizada por Fiori (1997).
ser abordado a partir de diversas Para isso, pretende-se abordar Então, aqui somente parte-se da
perspectivas, por exemplo: descri- as noções mais gerais de Estado, ideia de que o choque entre o libe-
ção histórica; apanhado filosófico partindo dos conceitos de Esta- ralismo econômico e o welfare sta-
e epistemológico sobre as noções do de modelo liberal econômico e te auxilia a explicitar mais do que
de Estado; tipologias/categoriza- Estado de bem-estar social. Não contradições de modelos estatais,
ções de formas institucionais de sendo conceitos ou formações ins- mas as lutas de classes no centro
Estados; variações de desenvol- titucionais opostas entre si, nem da contradição do desenvolvimen-
vimentos de Estados no capitalis- agregando nelas todas as formas to das sociedades capitalistas.
mo etc. Entretanto, optou-se por de Estado constituídas ou ideali- Os limites de ideias que partem
abordar o tema a partir de um fio zadas, muito menos resumindo o de princípios liberais-econômi-
condutor: a contradição que resi- que se entende por essas próprias cos foram sendo expostos diante
de no processo imbricado de de- duas categorias. Compreende-se das sucessivas crises capitalistas.
senvolvimento do capitalismo e da que as variações de formas de Es- Em um primeiro sentido, porque
democracia como a contradição do tados expandem-se aos processos o Estado tem sido ao longo de to-
atual Estado capitalista. O objetivo históricos particulares dos terri- do período historicizado neces-
é a reflexão sobre as atuais crises tórios e às formas específicas com sário para garantir a propriedade
capitalistas e seus impactos nos Es- que se relacionaram com o desen- privada, seja pelo monopólio do
tados e suas concepções, tendo co- volvimento global do capitalismo. uso da força, seja pela estabiliza-
mo instrumento os estudos sociais Ou seja, mesmo os Estados liberais ção das regras do jogo liberal. Em
econômicos sobre esse tema que e de bem-estar social apresentam- um segundo sentido, porque não
emergiram após a crise de 2008, -se como casos particulares nos há racionalidade direcionada à
dando seguimento a importantes países e períodos determinados estabilização econômica nas ló-
questionamentos sobre os rumos em que se desenvolveram, como gicas da livre concorrência entre
trabalho para lógicas capitalistas consolida-se paradigmaticamente cipação social na política é retraí-
teve que ser acompanhada por por volta dos anos 1950, com prin- da de forma concomitante, o que
instituições que ordenariam es- cípios de atingir o pleno emprego ocorre junto às mudanças nas rela-
sas relações. Sendo parte delas, as e realizar redistribuição de renda ções e no mercado de trabalho. As
inserções de noções contratuais, a partir de uma economia regula- reformas neoliberais são acompa-
de justiça, de cidadania e direitos mentada pelo Estado. Entretanto, nhadas por um período de diminui-
limitados – concedidos pelas clas- ao longo das crises posteriores, a ção do poder sindical e de partidos
ses dominantes – para parcelas retomada das instituições (neo) políticos. As mudanças nas rela-
das classes trabalhadoras. A par- liberais significou desresponsa- ções de trabalho, além de distan-
bilizar o Estado da garantia dos ciar trabalhadores/as do processo
tir do artigo citado, percebe-se
direitos sociais e da distribuição produtivo, tornam os espaços de
certa evolução dessas políticas de
dos recursos. Passando tal respon- atuação cada vez mais dispersos
proteção social ao longo do tem-
sabilidade ao “livre mercado” e à e abstratos. Sobretudo, as elites
po, junto ao desenvolvimento do
lógica da eficiência. Sendo, então, econômicas passam a constituir
próprio capitalismo. Evolução, no respostas de Estados às crises,
caso, não linear e que assume for- novas estratégias, de âmbito insti-
com viés das classes dominantes. tucional e ideológico, para apartar
mas distintas em cada caso/Esta- A atual crise fiscal é abordada os/as trabalhadores/as do proces-
do analisado. como um seguimento do mesmo so democrático.
O Estado de Bem-Estar Social processo, assim como as crises Como Marx descreve, em o
sociais que impactam as de-
processo de circulação de capital,
mocracias. Após um período
uma crise no sistema capitalista
“dourado”, com a terceira
ocorre quando há diminuição na
revolução tecnológica, que
capacidade de realizar as opera-
permitiu a acumulação
ções comerciais que arrecadam
capitalista ocorrer jun-
capital. Ou seja, redução da capa-
to à distribuição social
cidade de obter os rendimentos
de uma parcela desses
esperados com as operações, não
recursos, sucedeu a
necessariamente por uma diminui-
retração do capital. A
parti- ção do consumo ou da oferta, mas
pelo não cumprimento da expecta-
tiva sobre a demanda de pagamen-
tos e de preços no mercado. Assim,
algumas empresas e bancos po-
dem “quebrar” no final de um ciclo
de acumulação de dinheiro. O que
pode ocorrer principalmente em
momentos de grandes expansões
dos mercados, como no caso finan-
ceiro citado inicialmente. Dessa
forma, conclui-se também que não
há uma racionalidade direciona-
da ao equilíbrio econômico nesse
“
A democracia, a organização social e a distribuição dos recursos
encontram os seus limites nos Estados capitalistas. Sob a lógica
liberal, de justiça de mercado, não há contratos possíveis entre as classes
que não sejam aqueles que submeterão a classe trabalhadora aos interesses
expansivos dos capitalistas, com alguns direitos concedidos e limitados ao
crescimento econômico situacional.
modo de funcionamento, mas um a redução dos salários, a redução recursos impedir a acumulação
pensamento com sentido ao lucro dos serviços públicos e o desman- capitalista, cada vez mais inten-
e à expansão do próprio negócio telamento das políticas públicas. siva. E o Estado se vê endividado
que tende a recair em crises cícli- Questões que permanecem mes- e limitado para estabilizar a crise
cas e na sobrevivência daqueles mo quando as classes dominantes e as disputas por recursos entre
que possuem a maior quantidade de capitalistas conseguem equi- as classes sociais, garantindo, ao
do capital para recomeçar o pro- librar novamente as suas contas. mesmo tempo, os privilégios e as
cesso de acumulação. Inclusive, que permanecem para recompensas financeiras de al-
Esse processo pode explicar os capitalistas se recuperarem às guns (por exemplo, os pagamentos
a tendência de acumulação dos custas desses recursos dos/as tra- de títulos das dívidas públicas) e
recursos econômicos em alguns balhadores/as. os direitos conquistados pelos/as
capitalistas, que, ao passar pelas Então, retorna-se a discussão trabalhadores/as. Assim, a demo-
crises, podem aumentar os seus do papel do Estado. Foi diante de cracia também se vê em crise, pois
negócios a partir dos setores que crises capitalistas que emergiu o a participação social na política
“quebraram”. No entanto, está em paradigma neoliberal, com suas possibilita a organização das clas-
perspectiva também a situação da reformas e decomposições do Es- ses trabalhadoras para reivindicar
população trabalhadora em tem- tado de Bem-Estar Social, que já os recursos. E temas como “justiça
pos de crise, o seu endividamento, não poderia conviver com a lógica social” passam a ser abordados co-
os processos inflacionários, o au- dos mercados devido ao fato sim- mo empecilhos para os mercados e
mento de índices de desemprego, ples de a distribuição social dos para uma economia “equilibrada”.
“
O mercado financeiro integra-se em nível
globalizado, os investidores relacionam-
se entre si e com os Estados muito além de
suas cidadanias, e não existe regulamentação
das regras desse jogo. Como credores, eles
A ideia de garantir o equilíbrio
para os “mercados” – a partir das mantêm contratos com os Estados sobre os
intervenções estatais – fica no cen- seus títulos, que podem vender caso estimem
tro dessa discussão sob a lógica de que não irão recuperar seus investimentos ou
que, para resolver as crises, a socie-
dade precisa de “mercados eficien-
obter os rendimentos de acordo com as suas
tes”. Sendo que toda intervenção expectativas.
por justiça social, ou redistribuição
dos recursos na forma de políticas
de proteção social, é tratada pelas cias a manter em alta as taxas de te tributações das menores rendas,
classes dominantes como “desre- juros das dívidas públicas, a reduzir do consumo e para a seguridade
guladoras”, que podem gerar “dese- arrecadações tributárias de gran- social. Ou seja, é ampliada, em nível
quilíbrio econômico” em Estados já des empresas e ampliar as isenções global, a estratégia de cortar gastos
tão endividados – pelo excesso de fiscais. Mesmo tendo como resul- públicos da maior parte da popula-
intervenções que têm como obje- tado taxas de crescimento a longo ção para honrar com a dívida públi-
tivo realizar a “justiça de mercado”. prazo decaindo. As consequências ca e estabelecer relações de con-
Nesse sentido, Streeck (2018) são formações de sistemas tributá- fiança com os seus credores. Não
aborda o tema do endividamento rios cada vez mais regressivos: em é nada revelador ressaltar como
crescente de Estados, com tendên- que se aumenta proporcionalmen- esse modelo se aplica no caso bra-
sileiro. Trata-se de entender agora ideológicos para expandir discur- Estados capitalistas. Sob a lógica
as formações estatais em uma fase sos que manipulam a verdade da liberal, de justiça de mercado, não
de globalização capitalista. situação, muitas vezes, metonimi- há contratos possíveis entre as
O mercado financeiro integra- camente, transferindo os significa- classes que não sejam aqueles que
-se em nível globalizado, os investi- dos de lugar. As crises podem ser submeterão a classe trabalhado-
dores relacionam-se entre si e com apreendidas por parte expressiva ra aos interesses expansivos dos
os Estados muito além de suas ci- da população a partir de discursos capitalistas, com alguns direitos
dadanias, e não existe regulamen- fundamentalistas religiosos; de di- concedidos e limitados ao cresci-
tação das regras desse jogo. Como visões sociais e negações do outro, mento econômico situacional. A
credores, eles mantêm contratos e de desesperança na participa- intensificação e complexificação
com os Estados sobre os seus títu- ção política como instrumento de do processo de acúmulo do capi-
los, que podem vender caso esti- transformação da realidade. tal em fase de globalização exige
mem que não irão recuperar seus Por fim, torna-se necessário de organizações políticas e de Es-
investimentos ou obter os ren- pensar o Estado em um contexto tados posturas estratégicas para
dimentos de acordo com as suas de capitalismo globalizado. O que
consolidar processos de desen-
expectativas. Aos Estados, que repercute em limitações e duros
volvimento que auxiliem na cons-
ampliam as suas dívidas e passam desafios para ação dos Estados e
trução de soberanias nacionais e
a manter taxas de juros exorbitan- da classe trabalhadora diante da
regionais, ou que reduzam as rela-
tes, precisam pagá-las para manter economia global. Castells (2020)
ções de dependência constituídas.
a confiança do mercado. realiza importante contribuição
Mas para a democracia plena e a
A crise democrática apresenta- acerca das influências da atual
justiça social ainda parece que é
-se a partir do desafio das classes transformação tecnológica na cri-
dominantes em controlar as arti- preciso manter em vista que será
se financeira e econômica que es-
culações e lutas sociais que orga- tá sendo enfrentada. Os reflexos necessária a superação do modelo
nizam as pautas dos/as trabalha- dessa transformação nas desre- econômico capitalista.
dores/as. Mesmo quando Estados gulamentações e flexibilizações
são governados por partidos de es- tornaram o fluxo de capital quase n Pamela Kenne é doutoranda
no Programa de Pós-Graduação
querda, ainda precisam solucionar livre em todo o mundo. As novas em Sociologia da UFRGS.
suas dívidas com um mercado fi- tecnologias permitiram a comple-
nanceiro globalizado, e traçar seus xificação, a interligação e a virtua- Referências
projetos de desenvolvimento em lização de capitais, impedindo a
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. Rio
um cenário cada vez mais intenso transparência desses processos.
De Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 21ª ed.,
na disputa pelos recursos. Em um Os processos de desenvolvimento 2020.
processo democrático, cidadãos capitalista de países periféricos e
FIORI, J. L. Estado de Bem-Estar Social:
podem articular e ampliar formas emergentes foram conduzidos pe- Padrões e Crises. PHYSIS: Rev. Saúde Coleti-
de fazer o controle dos recursos, los sistemas financeiros centrais, va, Rio de Janeiro, 7(2), 1997.
e organizar as reivindicações em repercutindo no endividamento e MARX, K. O Capital II. O Processo de
lutas pela sua distribuição. Mas na ampliação da dependência dos Circulação do Capital. São Paulo: Boitempo,
a democracia, em momentos de primeiros para com os últimos. 2014.
crises capitalistas, tem sido inter- A democracia, a organização STREECK, W. Tempo Comprado: a crise
rompida com ações violentas de social e a distribuição dos recur- adiada do capitalismo. São Paulo: Boitempo,
Estados ou com o uso de aparatos sos encontram os seus limites nos 2018.
Marco Tulio
27 DE JULHO DE 1966
Presente!19 DE SETEMBRO DE 2023
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