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Fernando Filgueiras
Universidade Federal de Goiás
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Editora UFMG
Diretor: Flavio de Lemos Carsalade
Vice-Diretora: Camila Figueiredo
Conselho Editorial
Flavio de Lemos Carsalade (presidente)
Camila Figueiredo
Eduardo de Campos Valadares
Élder Antônio Sousa Paiva
Fausto Borém
Lira Córdova
Maria Cristina Soares de Gouvêa
INTRODUÇÃO
À TEORIA
DEMOCRÁTICA
Conceitos, histórias,
instituições e questões
transversais
© 2018, Os organizadores
© 2018, Editora UFMG
I61
Introdução à teoria democrática : conceitos, histórias, instituições e questões
transversais / Ricardo Fabrino Mendonça, Eleonora Schettini Martins Cunha (organizadores).
– Belo Horizonte : Editora UFMG, 2018.
CDD: 321.8
CDU: 321.7
Editora UFMG
Av. Antônio Carlos, 6.627 – CAD II / Bloco III
Campus Pampulha – 31270-901 – Belo Horizonte/MG
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Quanto aos direitos políticos, portanto, a participação eleitoral era bastante desi-
gual, em função da adoção desse modelo censitário, isto é, baseado na exigência de
certo nível de renda, para exercício do direito de voto. Mulheres, escravos e pessoas
com renda menor que 100 mil réis, que eram a grande maioria da sociedade, eram
excluídos do processo de construção da representação política. Esse modelo de
eleição indireta foi reformado apenas em 1881, com a Lei Saraiva, que instituiu a
1 Isonomia é o princípio segundo o qual os cidadãos são iguais perante a lei, independentemente da posição
de prestígio social ou riqueza do indivíduo. Como tal, é um princípio fundamental da democracia.
2 Uma vez que a religião católica era oficial do Império brasileiro, os párocos tinham o status de servidores
públicos. Além disso, uma vez que o processo eleitoral presumia imparcialidade para se chegar à verdade
eleitoral, estabeleceu-se que as eleições ocorreriam dentro das paróquias, tendo em vista a autoridade da
Igreja.
Na lógica dessa lei, os escravos não poderiam ser eleitores pelos simples fato
de serem escravos. As mulheres seriam suscetíveis ao domínio masculino e não
poderiam exercer o direito de voto livremente. Por fim, justificava-se o critério
de renda especulando-se que essa divisão permitiria que os eleitores não fossem
submetidos ao domínio de alguém. A exclusão dos direitos políticos era, pois,
baseada na tese da capacidade do eleitor de fazer as suas escolhas.
O voto de cabresto era uma prática de acordo com a qual as elites estabeleciam
controle político por meio do abuso de autoridade, utilização da máquina pública
e compra de votos. Especialmente no que tange ao abuso de autoridade, capangas
e demais cupinchas dos coronéis coagiam os eleitores a escolherem seus candida-
tos. Muitas vezes, a coação era exercida com uso da própria força policial presente
nos municípios. A figura do coronel, nesse sentido, fazia-se presente no âmbito do
poder local, controlando o exercício do voto pelo uso abusivo do poder. A patente
de coronel era estabelecida pelo poder dos governadores, no âmbito da Guarda
Nacional, e dava ao mandão local o poder de controlar a força policial.
O debate constituinte que se seguiu à Revolução de 1930 foi marcado por forte
instabilidade institucional. A Revolução Constitucionalista de 1932, que repre-
sentou uma experiência de guerra civil no Brasil, levou a uma defesa do governo
representativo e da legalidade. A Constituição de 1934 trouxe algumas inovações
nessa matéria. O artigo 2° afirmava o princípio da soberania popular, ao postu-
lar que “todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos”. A
Constituição de 1934 delegou às autoridades judiciais o controle das eleições e
criou a Justiça Eleitoral, a quem caberia assegurar a imparcialidade e a legalidade
dos pleitos. Ela também instituiu o voto obrigatório para os maiores de 18 anos
e o voto feminino, com a limitação de que as mulheres deveriam exercer uma
função pública remunerada. A referida Constituição manteve a restrição ao voto
dos mendigos, dos analfabetos e de alguns setores militares.
3 Olga Benário foi uma militante comunista alemã, de origem judia, que se estabeleceu no Brasil. Foi companheira
de Luís Carlos Prestes e militou no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foi extraditada para a Alemanha
nazista, onde foi mandada para um campo de concentração em Lichtenburg e mais tarde transferida para
o campo de concentração em Ravensbrück, onde foi submetida a trabalho escravo e experiências médicas.
Morreu no campo de extermínio em Bernburg, em 1942.
4 A política trabalhista de Vargas excluiu o campesinato da ordem política, visando não romper com o domínio
oligárquico sobre a terra e as formas de trabalho no campo. A esse respeito, conferir Werneck Vianna (1999).
5 Termo referente ao discurso fúnebre proclamado pelo coronel Bizarria Mamede, por ocasião da morte do
presidente do Clube Militar, general Canrobert Pereira da Costa (FAUSTO, 2001, p. 421).
6 Até hoje, não há consenso entre os historiadores sobre o episódio da renúncia de Jânio, uma vez que não há
fontes históricas coesas que atestem o fato.
Surge um novo dilema sucessório, uma vez que João Goulart visitava a China
comunista, propiciando o protesto da UDN e o descontentamento dos setores mais
conservadores da sociedade brasileira, da Igreja e das Forças Armadas. A continui-
dade do regime apenas foi possível com uma solução de compromisso entre as forças
partidárias no Congresso, fazendo com que o Brasil passasse de uma organização
presidencialista para uma organização parlamentarista, reduzindo os poderes do
novo presidente da República. Com a adoção de um governo parlamentarista, o presi-
dente da República dependeria mais do Congresso para governar.
O governo João Goulart foi marcado por fortes mobilizações e pressões sociais,
advindas dos setores conservadores e dos novos movimentos sociais que entra-
ram na arena política. Mesmo que ainda se mantivessem traços do coronelismo e
elementos arcaicos de organização política, a modernização da sociedade brasi-
leira permitiu a inovação da representação política pela maior participação de
movimentos da sociedade, tais como sindicatos, movimentos campesinos, o movi-
mento estudantil e a classe média (FAUSTO, 2001, p. 447).
A crise de 1964, antes de qualquer coisa, foi, assim, uma crise política e insti-
tucional do regime democrático inaugurado em 1945. O acirramento do conflito
entre os partidos políticos, representantes das classes sociais, e o esvaecimento
dos mecanismos democráticos de resolução de conflitos promoveram um contexto
de desordem latente, rompendo com o compromisso instaurado em 1945 pelas
elites políticas (SANTOS, 1986, p. 97). As ocupações no campo e a posição dos
setores conservadores e operários do mundo urbano promoveram um contexto
social em que não seria possível a estabilidade por via democrática. A via autori-
tária passa a ser vista como a única capaz de promover a ordem social, cabendo
às Forças Armadas liderar esse processo em face dos princípios da paz social,
do respeito à hierarquia e do controle ao comunismo. Em 31 de março de 1964,
foi desferido o golpe derradeiro na legalidade democrática, vindo a público o
golpe de Estado patrocinado pela elite militar e pela elite conservadora, mobi-
lizando tropas sediadas em Juiz de Fora, Minas Gerais, para tomar as ruas do
Rio de Janeiro. A manutenção da democracia não encontrou nenhum esforço de
preservação por parte das elites.
O AI-1 deu poderes excepcionais às Forças Armadas, mas teria sua vigência
até janeiro de 1966, quando, em tese, as forças militares devolveriam o poder
aos civis. Porém, por uma manobra política dos setores mais conservadores da
instituição militar, o presidente Castelo Branco decretou o AI-2, que reforçou
os poderes do presidente, que passaria a poder baixar atos adicionais aos atos
institucionais. A principal novidade do AI-2 era a indeterminação do conceito de
segurança nacional, propiciando uma ampliação indiscriminada de sua prática
e a extinção dos partidos políticos existentes, criando um sistema bipartidário
artificial, dividido entre a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). O governo Castelo Branco promoveu amplas alte-
rações no plano institucional do Estado, fazendo aprovar, em 1967, uma nova
Constituição.
A universalização dos direitos políticos não ficou restrita à inclusão dos analfa-
betos. A modernização política no Brasil proporcionou a incorporação de elemen-
tos críticos à representação política, a qual é realizada por instituições como os
partidos e pela institucionalização de elementos inovadores de participação, que
ampliaram a densidade da vida democrática no Brasil (AVRITZER, 2002). A criação
de novos formatos de participação política possibilitou que a sociedade civil se
tornasse presente no cenário político-institucional. Esses espaços implicaram novas
modalidades de representação política que não são derivadas do processo eleitoral,
mas de um processo de defesa dos interesses de setores ou grupos da sociedade.
Tais formatos institucionais de participação política permitem a inclusão de grupos
minoritários na cena política, tendo em vista uma demanda clara de direitos e
justiça social. Exemplos desses novos formatos participativos seriam os conselhos
de políticas públicas, que agregam a participação da sociedade de forma muitas
vezes paritária com o governo no processo de decisão e controle das políticas públi-
cas; as audiências públicas no âmbito das instituições formais como o Congresso e
o Judiciário; os orçamentos participativos e as conferências de políticas públicas.
inclusão de atores sociais, antes excluídos, no jogo político. Da mesma forma, amplia-
ram-se as demandas por justiça social, carregando uma semântica de participação
mais efetiva e deliberada. Nota-se, assim, a adesão da sociedade ao regime da demo-
cracia, apesar da crítica às instituições representativas tradicionais, como os partidos,
o Congresso e o governo. A crescente mobilização da sociedade civil, a inclusão de
novos atores na cena política e a renovação e reforma das instituições possibilitaram
constituir uma cultura e uma institucionalização política genuinamente democrática,
mesmo que ainda persistam elementos de ambivalência em relação a uma cultura
política autoritária.
Para pensar…
1. O que foi o Poder Moderador no Império e quais suas consequências?
2. Qual foi o papel do coronelismo durante o período da República Velha?
3. Quais transformações políticas e institucionais a Revolução de 30 possibilitou no
Brasil?
4. Quais fatores justificam a afirmação de que o Estado Novo propiciou uma moderni-
zação conservadora no país?
5. Quais fatores influenciaram a instabilidade política de 1964, que culminou no golpe
militar?
6. Quais foram os principais Atos Institucionais durante a Ditadura Militar e as principais
medidas adotadas através deles?
7. A redemocratização, consagrada pela promulgação da Constituição em 1988, permi-
tiu a concretização de várias inovações democráticas. Quais foram essas inovações?
8. O autor conclui que, apesar da conquista democrática do último período, alguns
desafios permanecem no contexto democrático. Você seria capaz de pensar outros
desafios, além daqueles citados pelo autor? Quais seriam as consequências desses
desafios para a consolidação dos objetivos da democracia?
Referências
book_introducao_a_teoria_democratica.indb
View publication stats 89 24/04/2018 14:35