Você está na página 1de 4

Saudações!

Tobias 4,7-12
Não é fácil, nem cómodo falar para uma pléade cabuqueira de intelectuais,
com diferentes individualidades presentes neste lugar. Mas como soi dizer-se
não existe conhecimento a mais nem a menos, existe sim perspectivas diferentes
de vislubrar o horizonte da mesma montanha, sob o mesmo prisma de
visibilidade.
Por isso, uma vez mais agradeço o convite que me foi formulado para
juntos reflectirmos sobre “A Esmola nos dias de hoje”, tendo como substrato a
perícope do livro de Tobias 4,7-12.
O livro de Tobias, situado na secção bíblica dos livros históricos, retrata
sobre a importância da família e do matrimônio dentro do contexto histórico
próprio do Antigo Testamento. Mas é possível uma reflexão desse texto,
trazendo-o para a realidade dos dias actuais, tanto para os namorados e noivos
quanto para simples jovens que decidam se entranhar na sensibilidade da
realidade bíblica. Essa história é para todos os que querem aprender sobre um
belíssimo ensinamento de como se deve caminhar na vida até atingir uma
maturidade feliz.
No livro de Tobias, vê-se a importância da obediência de um filho em
relação aos conselhos de um pai, pois a resposta do filho ao pai colabora na
realização dos desígnios e da Providência de Deus, como se vê na vida de
Tobias.
A obediência não se opõe à liberdade, pelo contrário, “Deus não somente
dá às suas criaturas o existir, mas também a dignidade de agirem elas mesmas,
de serem causas e princípios umas das outras e de assim cooperarem no
cumprimento de seu desígnio” (CIC 306), ou seja, somos livres e não marionetes
nas mãos de Deus, ou seja, é por amor que caminhamos no Amor.
Diante da situação específica de enfermidade que Tobit estava a passar, e
percebendo ser seus últimos dias de vida, chama o seu filho Tobias e pede um
favor a ele; em seguida, orienta-o com vários conselhos. Direciona o seu filho
em pontos importantes na vida de qualquer pessoa que quer fazer a vontade de
Deus, principalmente, no seio de sua família.
Entre estes pontos temos uma apresentação extraordinária da prática da
esmola: "Dá esmola dos teus bens e não te desvies de nenhum pobre, pois, assim
fazendo, Deus tampouco se desviará de ti. Sê misericordioso segundo as tuas
posses. Se tiveres muito, dá abundantemente; se tiveres pouco, dá desse pouco
de bom coração. Assim acumularás uma boa recompensa para o dia da
necessidade. Porque a esmola livra do pecado e da morte e preserva a alma de
cair nas trevas. A esmola será para todos os que a praticam um motivo de
grande confiança diante do Deus Altíssimo. Como vemos há aqui uma
orientação de um pai ao filho sobre a necessidade de se praticar esmola para
manter a comunhão com Deus.
A palavra “esmola” assumiu conotações negativas, a serem superadas por
uma correcta compreensão bíblica desse antiquíssimo acto de piedade,
considerado pela religião como gesto de misericórdia e expressão de fé.
Mas uma questão se impõem: o que é que tem primazia, Justiça ou
caridade, como esmola?1
A visão distorcida pensa em quem dá e em quem recebe a esmola numa
relação de assimétrica. Quem a dá, é superior a quem a recebe. Quem a pede ou
dela necessita, é um pobre coitado, dependente da boa-vontade e do humor
alheios..
Assim pensada, a esmola mantém a desigualdade socioeconômica e
despoja o necessitado de sua dignidade, pela incapacidade de estabelecer
vínculos de verdadeira humanidade entre quem a dá e quem a recebe. Isso é
tanto mais verdade, quando a esmola é dada para se livrar do outro “importuno”
que, contente com os tostões recebidos, vai-se, deixando em paz quem lhe deu
alguns trocados.
A fé cristã considera a esmola sob outro viés. A palavra
grega eleemosyne, donde vem o vocábulo latino eleemosyna e o
português esmola, significa compaixão. A mesma compaixão que os fiéis, na
liturgia, imploram a Deus, ao dizerem: Kyrie, eleison! Portanto, a esmola é
verdadeiro acto de piedade quando expressa misericórdia por parte de quem se
deixou tocar pelo sofrimento alheio e se dispôs a abrir o coração para repartir os
bens recebidos de Deus. Em outras palavras, quando o doador age como Deus,
em sua imensa ternura pela humanidade.
Por conseguinte, o simples facto de dar dinheiro a um pedinte não se
configura como esmola, no sentido cristão. O termo usado por Mateus na bem-
aventurança da misericórdia é eleemones, ou seja, ser misericordioso (eleemon)
é abrir o coração para repartir (Mt 5,7). Citando duas vezes o profeta Oseias –
“Quero misericórdia e não sacrifício” – (Os 6,6; Mt 9,13; 12,7), o evangelista

1
Leão XIII na Rerum Novarum “ó ricos o que tendes a mais roubaste-o aos probres”
Por causa da ganância vemos o mundo numa situação de grande injustiça e miséria para muitos. Como
disse o Papa Paulo VI, os ricos cada vez mais ricos, à custa dos pobres cada vez mais pobres. O nosso Catecismo
da Igreja Católica diz: “Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é
moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de produzir seus efeitos perversos. Ele é
uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social. (GS. 63,3)
usa o vocábulo eleos, para sublinhar que Deus se compraz com a solidariedade
do próximo necessitado e não com as liturgias sofisticadas.
Dois elementos importantes servem de pano de fundo da vida virtuosa, na
sabedoria bíblica: a liberdade e o desapego diante dos bens que se possui,
superando a tentação de absolutizá-los e torná-los verdadeiros ídolos. No
evangelho, Jesus ensinou a dar esmola de maneira discreta, sem alardes, (Mt
6,3). Para combater o materialismo crasso, Jesus exortava os discípulos
apegados ao dinheiro a tomarem uma decisão radical: “Vendei vossos bens e dai
esmolas. Fazei bolsas que não fiquem velhas, um tesouro inesgotável nos céus,
aonde o ladrão não chega nem a traça rói” (Lc 12,33).
Destarte, podemos deprender que a compreensão cristã de esmola vai
muito além do simples acto material de dar algo a um necessitado. Tudo
depende da atitude que a reveste. O outro é um irmão, em quem reconheço o
rosto interpelante de Jesus (Mt 25,40.45), e a quem me doo, com gratuidade e
generosidade, no gesto de partilhar, não apenas o dinheiro, mas o que possuo e o
irmão necessita para reconstruir sua dignidade. Então, a “esmola” poderá ser um
sorriso, um ombro amigo, uma palavra de consolo, um ouvido para escutar, uma
companhia solidária ou uma acção para defender o outro aviltado em sua
dignidade. Em última análise, para o cristão, dar esmola é doar-se, nos passos de
Jesus de Nazaré, cuja vida foi inteiramente doada.
A Esmola entendida assim é aparesentada pela Igreja como um dos
“remédios contra o pecado”, além do jejum e da oração, por serem actos de
mortificação e essas práticas espirituais são propostas de combate ao pecado, o
egoísmo e todas as paixões desordenadas que agitam nossa alma. Há ervas
daninhas que crescem no jardim de nossa alma, cujas raízes são profundas, por
isso são difíceis de ser arrancadas. A esmola é uma das formas de eliminá-las.
Um dos piores pecados é a ganância ou avareza; é o apego desordenado
ao dinheiro e aos bens deste mundo. O avarento está pronto a deixar até a
própria vida, mas não os seus bens.2
Desde o princípio Jesus alertou os discípulos sobre este perigo, como no
Sermão da Montanha: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a
um e amará o outro, ou dedica-se a um e desprezará o outro. Não podeis servir a
Deus e a riqueza” (Mt 6,24).
O que importa é a pessoa não ser escrava do dinheiro e dos bens. É claro
que todos nós precisamos deles [dinheiro e dos bens] para viver; o próprio Jesus
tinha um “tesoureiro” no grupo dos apóstolos; e é importante notar que foi
2
História do Senhor que queria levar o seu dinheiro no caixão e a mulher enganou...
exactamente Judas quem se perdeu. Isso não quer dizer que foi só por causa do
dinheiro, mas o Evangelho não deixa de dizer que ele era ganancioso.
Portanto, o remédio contra a avareza é o “abrir as mãos”, não para
receber, mas para dar. Quanto mais apegado você for ao dinheiro, tanto mais
deve fazer o exercício de “dar” boas e generosas esmolas… até que as suas mãos
aprendam a se abrir sem que o seu coração sofra.
São Leão Magno dizia que “a mão do pobre é o banco de Deus”. O
importante é que se dê com alegria e liberdade, certo de estar a ajudar o irmão
“Dê cada um conforme o impulso do seu coração sem tristeza, nem
constrangimento. Deus ama a quem dá com alegria” (II Cor 9,7). Mas, dar
esmola não é tomar aquela moedinha sem valor e colocar nas mãos do pobre, é
muito mais que isso, é ajudar a sua promoção. Mas, só terá mérito diante de
Deus a esmola dada em silêncio (Mt 6,2-4).
Como dizia São Leão Magno “deposita no céu o seu tesouro quem
alimenta a Cristo no pobre”, pois as esmola “apagam qualquer culpa contraída
nesta morada terrena”, já que a “caridade encobre uma multidão de pecados”. (1
Pe 4,8) Muitos se tornam apegados aos bens e ao dinheiro por insegurança
diante do futuro. A melhor maneira de vencer este medo é confiar na
Providência Divina que cuida de todos.

Muito Obrigado!

Você também pode gostar