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TÍtulo original: LES FILMS DE MA VIE


@ Flammarion, I975

Dirriros dc ediçào em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela


EDITORA NOVA FRONTEIRA S/A
Rua Banrbina, 25 - CEP ZZZ5I' Bctrafogo - Tàl.; 28ó'?822
Endcreço relegráíico: NEOFRONT - Telex: J4695 ENFS BR
Rio de Janeiro, RJ

Reviaáo tipográfica
HEnnreue TenrapoLsrv
Dclt'rtcro Altt-rNtcl txts Saunls
Árveno TrvanEs
Com o que sonham os críticos?

Num dia de 1942, muito ansioso por assistir ao filme de


Marcel Carng Os visitantes da noite (l"es visiteurs du soir), qüe
finalmente passava em meu bairro, no Cinema Pigalle, resolvi
faltar à escola. Gostei muito do filme e nessa mesma noite mi-
nha tia, que estudava violino no Conservatório, passou em mi-
nha casa para lwar-me ao cinema; ela iá escolhera: Os Visi-
tontes da Noite. Como estava fora de cogitação confessar que
já o tinha visto, tive que revê-lo fingindo descobri-lo. Foi exa-
tamente naquele dia que percebi como era cativante penetrar
cadavezmais intimamente em uma obra admirada, ao ponto
de poder proporcionar-nos a ilusão de reviver sua criação.
CIP-Brasil. Caralogaçâcna-fonte
Um ano depois foi a vez de O como (Le corbeou), de Clou-
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Rl
zot, que me deixou ainda mais satisfeito; devo tê-lo visto umas
cinco ou seis vezes entre o dia do lançamento (maio de 1943)
Tiuffaut, François, 1932-
e a Liberação, que o proibiu. Mais tardg quando foi novamente
T78óf Os filmes de minha vida / François Jiuffaut; traduçâo Vera Adami. -
Rio deJaneiro : Nova Fronteira, 1989.
permitido, eu o revi diversas vezes a cada ano até saber o diá-
logo de cor, um diálogo bastante adulto comparado com o dos
Tiaduçâo de ; Les íilirns dc nra vie. outros filmes e contendo uma centena de palavras fort€s cujo
sentido eu ia adivinhando progressivamente; como toda a tra-
l. C)rÍrica cinenratográíica, 2. Cinema . Crítica e intcrpreraçáo- I' TÍtulo,
ma de O corvo gira em torno de uma epidemia de cartas anô-
cDD - 791.41.015 nimas que denunciavam abortos, adultérios e corrupções di-
u9-02 r l cDU -791.43.072 versas, o filme fornecia umá ilustração muito parecida com

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terceiro em rever freqüeutcrlrcnlc os mesmos filmes e em de-
aquilo que eu via a meu redor naquela época de guerra e pós-
terminar minha escolha enrf'unçào do diretor. Naquela época
gú.rra, com o colaboracioni§mo, a delação, o mercado negro,
de minha vida, porém, o ciueura agia como uma droga, ao pon-
aespertezaeoclnlsmo. to do Cineclube que Í'undei en 1947 ostentar o nome preten-
Assisti a meus duzentos primeiros filmes na clandestini-
sioso mas revelador de Cercle Cinémane (Círculo Cinemanía-
dade, fazendo gazeta, entrando no cinema sem pagar - pela
co). Acontecia-me assistir ao mesÍÍio filme cinco ou seis vezes
saícta de emergéncia ou pelas janelas dos banheiros - ou ain-
no mesmo mês e ser incapaz de contar corretamente o roteiro
cla, à noite, vãlendo-me da ausência de meus pais e tendo de
porque, nesse ou naquele rnomento, uma música que se eleva-
estar novamente na cama, fingindo dormir, quando voltavam'
va, uma perseguição na noite, o choro de uma atriz me entu-
Assim, pagava esse grande praze;Í com fortes dores de barri-
siasmavam, me faziam decolar e me levav4m.para-Eaiqlg.Uge
ga, estômago embrulhado e eterno medo, invadido por uma
qç"§*-q pró"prio filme.
iensação de çglgr que só se acrescentava às emoções propor- .

Em agosto de 1951, doente e prisioneiro no Setor dos De-


cionadas pelo espetáculo.
tentos de um hospital militar nos algemavam até para to-
Eu sentia uma grande necessidade de entror nos filmes e
mar banho ou simplesnrente urinar
- eu me irritava no fun-
o conseguia aproximando-me cada vez mais da tela para do da minha cama ao ler em um
-
jornal que Orson Welles fora
abstrair-me da plateia; rejeitava os filmes de época, de guerra
obrigado a retirar seu Othello da competição em Veneza por
e faroestes, que tornavam a l&ÚÍiggção mais difícil; por eli-
não poder se pennitrr, diaute de seus comanditários, a perder
minação, restavam os policiaís e os filmés de amor; ao contrá-
para o Hamlet de Lawrence Olivier, superprodução britânica.
rio dós espectadores de minha idade, eu não me identificava
Feliz época, feliz vida essas que nos vêem mais preocupados
com os heróis heróicos e sim com os personagens em situação
com a sorte das pessoas que admiramos do que com a nossa!
de inferioridade e, mais sistematicamente, com aqueles que es-
Vinte anos mais tarde continuo a gostar de cinema mas ne-
tavam errados. Cornpreender-se-á que a ohge-de;!!f1ed Hitch-
nhum filme consegue ocupar mais o meu espírito que aquele
inteiramente consagrada ao medo,;;ãIà sãcluzido
-Sr,
ãésde o início, depois da de Jean Renoir, toda ela voltada para
que estou escrevendo, preparando, filmando ou montando...
Para mim, está acabada a generosidade do cinéfilo, soberba
a compreensão: "O terrível neste mundo é que.todos têm suas
e perturbadora ao ponto de às vezes encher de embaraço e con-
razões.,, (A regra do joTo) (to ràgle du jeu) Apotta estava aber-
fusão seu beneficiário.
ta, eu estava pronto para receber as idéias e as imagens de Jean
Perdi a pista do meu primeiro artigo, publicado em 1950
Vigo, Jean Cocteau, Sacha Guitry, Orson Welles, Marcel Pa-
no Bo_letim-{g_C-.!"11eclubc dr9 Qggrtiel !flin, mas lembro-me
gnol, Lubitsch, Charles Chaplin, evidentementq todos aque-
que?ra sobre,4 regru do jogo, do qual acabavam de encontrar
les que, sem serem imorais "duvldam da moral dos outros"
(Hiroxima, meu amor) (Hiroshima, mon amour)- uma versão integral acrescida de quatorze cenas ou planos que
nunca havíamos visto. Eu enumerava minuciosamente as di-
ferenças entre as duas versões e, provavelmente, foi esse artigo
que fez com que André Bazin me propusesse ajudá-lo na cole-
Sempre me perguntam em que momento da minha cine-
ta de material para seu livro sobre Renoir, que já estava em
filia desejei tornar-me diretor ou crítico e para falat a verdade
projeto.
não sei; sei apenas que queria aproximar-me cada vez mais do
Encorajando-rnc a escrever, a partir de 1953, André Ba-
cinema.
***um primeiro estágio consistiu em Jer. muiloq:filqes' um zin me prestou uur graude lavor, pois a necessidade de anal!-
ao sair do cinema, um .ar o pióprio prazer e descrevê-ló, se não nos faz puffiffi
segundo em rylar gjg*9,9g$f-qt§t
t5
t4
amadorismo ao profissionalismo em urn passe de mágica, n«rs Poderia citar ainda o exernplo de Ludrões de bicicletns
leva ao concreto e, portanto, nos situa em alguml parte, esse (Ladri di bicíclerti), de Vittorio de Sica, do qual sempre se fa'-
lugar mal definido onde o crítico está situado. E óbvio que, lará como de uma tragédia sobre o desemprego na Itália do
nesse momento, corre-se o risco de perder o entusiamo, mas pós-guerra, quando o problcura do desenrprego não era real-
felizmente não foi esse o caso. Expliquei mente enfocado nesse belo t'illne que nos mostrava somente
a Cidadao Kane (Citizen Kune) - no texto dedicadoé
como..uqmes4g»f,[me em um conto árabe, observara Cocteau urn ho-
visto4e maneira diferente quando - se é cinéfilb, ioÍnalis-th ou -memcomo
que tem absoluta necessidade de recuperar sua - bicicleta,
-qiíeastà e isso foi igualmenie verdadeirb$a"ra tocÍâ a-o-bra de exatamente como a mulher mundana de Desejos proibidos,
Rêiiôii'"à o grande cinema americano. (Madame de...) precisa encontrar os brincos. Refuto, portan-
Fui um bom crítico? Não sei, mas tenho ceÍteza de sem- to, a concepção de qus{Íorytg_da donzelo e l-adrões de bici-
pre ter estado do lado dos vaiados contra os apupadores e de cletas seriam filmes.noblçb, gravQ§, ao pesso que Psicose e De
que meu prazer geralmente começava onde o de meus confra- sejos proibidos seriam filmes déa'diversãoY'. Os quatro são no-
des parava: nas mudanças de tom de Renoir, nos excessos de bres e graves, os quatro sào diversão.
C)rson Welles, nas negligências de Pagnol ou Cuitry, nos ana- Quando era crítico, achava que para ser bem-sucedido um
cronismos de Cocteau, na nudez de Bresson. Acho que não filme precisava expressar simultaneamente uma visão de mundo
havia esuobisuro em minhas predileções e aprovava a frase de e uma-wido -!e*g!r1eflu; A regra do jogo ou L'iüffiTaíà éor-
Aucliberti: "O mais obscuro poema dirige-se ao mundo intei- responãiam bem'âêita definiçào. Hoje, peço de um filme que
ro"; eu sabia que, comerciais_-o-g_n_ãq, todos os filmes eram co- expresse ou a sgllsl-uç.tio de fazer cinema ou a angústia de fa-
rygrcia!-i7^iiv-q1s, ou ffi4 cortsrituem crhiç!e.-d§-q9mp.rp e venda. zer cinema e me desinteress<-r por tudo que t'iea uo rrruiô, ôu
'-Via
cliferenças de grau entre eles mas não de natureza e tinha seja, por todos os filnres que não vibram.
tanta admiraçào por Cuntundo na chuvo (Singin' in the ruin),
de Kelly-Donen quanto por Ordet, de Carl Dreyer.
Continuo considerando absurda e execrável a hierarquia Chegou o momento de admitir que acho muito mais clifí-
de gêneros. Quando Hitchcock filma Pstcose iPsycho) cil ser crítico de cinenra hoje que em minha época, na medida
- a his-
rória de unra ladra ocasional, em fuga, morta a facadas no chu- em que rlm jovem como fui, aprendendo a escrever escreven-
veiro pelo proprietário de um motel que empalhara o cadáver do, funcionando mais por instinto que baseado em uma cul-
tura real, hoje talvez r)crlr conseguisse publicar seus primeiro"
da màe morta
- quase rorlns os críticos (na época) concor-
dam enr julga( rlà llilpJ) No mesmo ano, influenciado artigos.
por Kurosawa, Tiignrar Éãigman filma exatamente o mesmo Hoje, André Bazin não poderia mais escrever "todos os
I"ema (A Fonte da Donzela) (Junglrukàllarr), rrras situado na filmes nascem livres e iguais" pois a produçào clc filures, à se-
Suécia do seculo XIV; todos ficam cxtasiados e lhe concedem melhança da edição de livros, diversificou-se completamenie
o Oscar de melhor filme estrangeiro. Longe de mim querer su- e é quase especializada. Duraute a guerra, Clouzot, Carné, De-
bestimar tal recompensa, insisto apenas no fato de tratar-se lannoy, Christian-Jaque, Henri Decoin, Cocteau e Bressori
do mesmo tema (na realidade, uma transposição mais ou me- dirigiam-se a um mesnlo ptiblico; isto nâo acontece mais e ho-
iü-íõõisciêritãdo famoso conto de Charles Perrault: Chapeu- je poucos filmes são concebidos para o "grande" público, aque-
zinho Vermelho). A verdade é que através desses dois filmes le que entra no cinema ao acaso depois de ter sirnplesmente
Bergman e Hitchcock expressaranr aduriravclurcnte e Iiberaram olhado as fotografias pregadas na entrada.
parte da violência que existe neles- Na America tàzenr-se nruitos Íilmes dcstinados às mino-

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rias negras, irlandcsas, e também filmes de caratê, filmes de manecia tão atrasado em relaÇão aos livros de Henry Miller
surfe, filmes para crianças e depois filmes para adolescentes. e, portanto, em relação à vida como ela é. Infelizmente ainda
Uma grande diferença da produção de antigamente é que Jack não posso citar um filme erótico que seria o equivalente de
Warner, Darryl l*. Zarruck, l-,ouis B. Mayer, Carl Laerrrmle e Henry Miller (os melhores, de Bergman a Bertolggçiifo&lm
Harry Cohu gostavarrr dos I'ilntes que produziam e tinham or- filmes pessimistas) mas, aÍinal, essa conquista dÁ[berdaÇb é
gulho tleles, ao passo que hoje os chefes das majors compo- bem recente para o cinema e devemos lwar igualmenle-effion-
rirE.r- ilruitas vezes s9*§ix:sç;-e-pug,nadgs, com os filmes de sexo sideração que a crueza das imagens coloca problemas mais ár-
c violência que laillãin no méicãdo para não serem ultrapas- duos que a das palavras.
sados pelos cor)correnl.es. No entanto, como a produção mundial de filmes não pá-
Na época em que fui crítico, os filmes geralmente eram ra de diversificar-se, a crítica, por sua vez, tettde a especializar-
mais vivos porém llrenos "intcligentes" e "pessoais" que os se: determinado crítico só entende e aualisa benl filmes políti-
de hoje. Coloquei essas duas palavras entre aspas porque, pa- cos, outro apenas tilmes literários, outro aitrda somente filmes
ra ser exato, diria que não faltavam diretores inteligentes mas marginais, etc. A qualidade dos tilmes tambéut progrediu, mas
eles glaqr l,e_vq.S-o!'.* lllS!çt1r, sua per:sonalidadq a fim dç p1e- às vezes menos rapidamente que o nível de sua artibiçào, o que
servar a universaliclade clos t.ilnres que realizavam. A inteligência quase sempre ocasiona um grande desvio elltre as intenÇões
pil'niânce'ia ati'ás cla cânrera, ilào procurava tôrnar-se eviden- de um filme e a sua execução; se o critico e sensivel somenie
te lra tela. Ao rnesmr tentpo, e preciso reconhecer que, na vi- às intenções, colocará esse tilme nas nuvens, se tem conscGn-
ila, clizianr-sc (rii !'olta cla nresa de jantar coisas mais profun- cia da fórma e e exiseJrte qua4le.-AslgguE{g, criticaããfiIffie
- --':-''"-.-
*fiãlroporção "
clas do que aquilo que se expressava sobre ela nos diálogos dos da ambiçàõ, que chamará então d. Plqqgt"t"S-g
l'ilnres, e qLrü lrus quattos ou cilr qualquer outro lugar Antigamente, portanto, era muito mais fácil obter-se-Ul-r4-
Íãziarn-se coisas nruito nrais - audaeiosas do que nas cenas de- nimidade de critica e público em torlro de um filme. Em dez
amor do ciuenra. Qucnr só tivesse conhecido a vida atlavcs du -filmes, apenas um tinha pretensões artísticas e era aclamado
cinema poderia acreditar sincelanrente que as crianças naseiaur por todos (mas nem selnpre pelo público). Os nove outros eram
de beijtls na boca, e rnais: de bocas fechadas. filmes de pura diversâo e, dentre eles, a crítica elogiava um ou
Tlrdo isso rrrudou uruito hojc cnr dia; em quinze anos o dois, pois ajpqry (C.ç.prer-.1 .- qqlalidade) era maior q.u9 a
cineina nào sonicnle recupelou seu atraso em relação à vida oferta. Hojí quase todos os filmes são, a princípio, ambicio-
corno às vezes nos dá a inrprcssão de havê-la ultrapassado; os sos e quase sempre desinteressados, utna vez que os produto-
filrnes se tornaraltr nrais intcligentes * digamos mais intelec- res que visavam apenas o lucro (Íalo da situação da Europa)
%
tucts- do que aqucles que os assistem e muitas-ÍüêíGffiõs voltaram-se para outros setores (o imobiliário, por exemplo)'
defler
. Ç-"\--/' a bulàpara sabel se as imagens que acabam de nos pro- Em suma, a função do crítico hoje é bem delicada e, fran-
3etar sào ãf;resentadas corno reais ou imaginárias, passadas ou camente, não estou contrariado por ter passado para o ôutro
futuras, §e se trata de uma ação ou de imagens mentais. lado da trincheira, para entre os que são julgados. {l1g-gge
Quauto aos l'ilmes pornográficos, sem ser um espectador é um_-qli1içg_]
assÍduo acho que constituem uma expiação ou, no mínimo,
uma dívida que pagamos por sessenta anos de mentira cine-
i'Cu,lu u,,
matográfica sobre as coisas do amor. Faço parte dos milhares Em Hollywood ouve-se muito esta fórnrulo,
de leitores no muudo que a obra de Henry Miller não somente tem duas profissões, a sua e a de crítico de cinema." Isso é uma
seduziu mas ajudou a viver e sofria ao ver que o cinema per- verdade e, dependendo da vontade, pode-se achála engraça-

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da ou nào. Há muito optei por divertir-me, preferindo esse es- son. Eu observara, por exemplo, que as cestas de flores colo-
tado ile coisas ao isolamento em que vivem e trabalham os mú- cadas na frente da tela no "Festival de Cannes" para dar urrr
sicos e principalrr"rente os pintores. ar festivo ao ambiente, faziam um belo et'eito para íJs csl)ccti-r
9ualquer pgssoa pode se tornar critico de cinema; não será dores oficiais do balcão mas, para «ls verdadeiros anrarrtcs clo
exigiáoão= póstulantê nem urn décimo do conhecimento que cinema, que sempre lotavam as dez prirneiras t'ileilas da pla-
se exige de um crítico literário, de música ou de arte. Um dire- téia, essa Uêíoração floraX,atrapalhâva a leitura clas legenclas
tor de hoje deve aceitar o Íato de que seu trabalho será even- dos filmes-ãíiiãngeiros. Nào precisei de muit«,r para chanrar cle
tualmente julgado por alguem que talvez nunca tenha assisti- racistas os diretores do F-estival que, cartsados dc nreus ilcus
do a um filme de Murnau. santes ataques acabaram pedindo a meu cheÍ'e de redação pa-
A contrapartida dessa tolerância está em que cada um, ra mandar outro jornalista no ano seguinte. Ora, no ano se-
em urlra redaçâo de jornal, sentir-se-á autorizado a contestar guinte, em 1959, eu estava em Cannes, no Festival, mas senta-
a opiniâo do titular da coluna de cinema. O chet'e de redação do no ffiõ-õirrante a exibição de Os incontpreendidos (Les
maniÍêsta o mais profundo respeito por seu crítico de música quatre cents coups) e, lá de cima, pude apreciar o belg efeito
mas interpela o crítico de cinema no corredor: "Sabe, meu ve- dos cestos de flores na liente da tefà]..
"
*"**Üma
lho, você desancou o último Louis Malle, mas minha mulher véz diretor, esÍbrcei-me para nunca ficar nruito tempo
não é da sua opiniào, ela adorou o filme." sem escrever sobre o cinema e e a prática desse jogo dulrli-i,
Ao contrário do americano, o crítico francês se quer um de critico-cineasta, que ure propicia a audácia de, hoje, exarrii-
justiceiro; como f)eus oq-como Znrro, se for laico, rebaixará nar a situação um pouco de cima, à maneira de um Fabricc
o porlcroso e clevarr@Iãà). Em primeiro lugar, há o fenôme- que tivesse a oportunidade de sobrevoar Waterloo de heli-
rro bcnr europeu Ua descoírtiança diante do sucesso, mas é pre- cóptero.
ciso tar.nbérn levar enr conta que o crítico francês, sempre preo-
cupaclo ern justil'icar sua função enrlgleiramente para si
mesrno
-
senle um inrenso desejo de ser\ritit;Vs vezes consegue. O crÍUçqju,r-ericap.tr nle parece melhor que o europeu mas,
-,
Hoje, depois da rutuvelle vugue e de sua expansão, os bons ao mesmo tempo em que Í'ormulo esta hipótese, convido-os
filmes deixaram de chegar apenas de cinco ou seis países para a me impedir de cair em rná fé. Uma lei da vida, com eÍ'eito,
provirem de todas as partes do mundo e o crítico tem que lu- reza que adotamos corn nrais simpatia as idéias que nos são
tar para conseguir urna melhor difusâo de todos os filmes que convenientes e e sabido que a cfltica anrericana é mais favorá-
são realizados. Um filme é lançado em Paris em vinte cinemas .'r§ geus filmes que a de meus conlpatriotas. Logo, descon-
4
de circuito exclusivo, outro em um cinema de 90lugares, ou- fiem! Nào obstante, prossigo. O crítico americano geralmente
tro dispÕe de uma verba para publicidade de quinhentos mil sai de uma faculdade de jornalisnro, e visivelmente mais pro-
I'rancos. E;sa ú'nção€em€rqldes injustiças e é compreensí- fissional que o francês e a prova disso é a maneira metóclica
vel que oEsllllqgs ss preocuperfl, com o risco de irritar o pes- como faz uma entrevista; o crítico americano, devido à enor-
soal da indústria. me difusão dos jornais em seu país, é muito bem pago e este
Esse crítico fiancês contestador, que investe contra os moi- é um ponto importante. Ele nào tern a impressão de viver de
nhos de vento do circuito Gaumont, esse eterno resmungão, expedientes e mesmo que nào publique livros, mesmo que não
esse desmancha-prazeres, eu o conheço bem e com bons moti- exerça uma segunda atividade, tem condições de manter-se e
vos: entre 1954 e 1958 ele era eu, em todo caso eu era um de- não se sente socialmente isolado da indústria cinematográfi-
Ies, sempre pronto a defender a viúva Dovjenko e o órfão tsres- ca; assim, ele não sofie a tentaçào de repudiar uma superpro-

20 2t
dução conro O poderaso chefdo (The godfather) nem de las tem talento. Só apreciam os letrados que nâo pertencem
iclentit'icar-se auÍomaticamente com o autor marginal que lu- à alta sociedade", escrevia Marcel Proust a Mme. Straus.
til contra o desdem das grandes companhias de Hollywood. Isso signífica dizer que se julga com mais simpatia aqui-
lo que um artista/az do que'ô ciüáéle e
Rclata corn razoável serenidade tudo que vê. Enquanto na Fran- -Té,
o que é e o que se sabe sobre ele
- ou mais exatamen-
interpõe-se de ma-
çftomoú-se rotineiro ver o diretor ássistir à projeção de seu
- - trabalho e aquelcs
filme para a imprensa e postar-se impEflUrbavelmente à p_orta neira desfavorável entre a projeçâo de seu
rle saída após a palavrzfTiin. Tais procedimentos seriam im- que terão de julgá-lo. A isso é preciso acrescentar que na pro-
pensáveis em Nova Ytrrk, sob pena de criarem escândalo. dução de um país um tilme raramente chega sozinho, elc Íaz
0 que o lressoal de Hollyw«lod geralmente censura nos crí- parte de toda uma atmosf'era e às vezes até mesmo de um rnri-
tiuu,s dc l\ova York e o tat<"1 de prel'erirem, à produção nacio- dulo ou uma série. Se em um só mês são lançados em Paris
rrul, I'ilnrezinhos vitrdos da Europa que, ent sua versào origi- três filmes passados em uma mesma época, a da ocupaçào,
rual com legendas, atingiriam somente o público intelectuali- por exemplo, ou no mesmo local, Saintrlropez, por exemplo,
zado das grandes cidades e os estudantes universitários. coitado daquele que e lançado depois dos outros dois, mesmo
Há unr fundo de verdade nessa censura mas trata-se de que seja o melhor!
urn Íêuômeno bastante cornpreensível e muitos cineastas ame- Em compensação, precisei viver um pouco na América pir-
ricarros dele se beneficiam em seutido inverso, ou seja, quan- ra entender por que Alfied Hitchcock foi por tanto tempo su-
dcl chegam à Eurclpa, como procurei demonstrar em algum lu- bestimado nesse paÍs. De rnanhã à noite, nos oito canais da
gar deste livro at-r evocar nosso fanatismo, o dos cineÍ'ilos fran- televisão americana, só se vêem assassinatos, bru-talidade, -sus-
icses, l)or ocasiào da chegada dos filmes americanos depois pense, espionagem, revólveres d*sãn-güe. É ôlaro que esse ma-
da LiLre rÍação. lsso ainda acontece hoje e considero-o uma rea- terial grosseiramente manipulado não chega nem a urn déci-
çào normal. ,$,12rçcia-sc muito mais o que vem de longe não mo da beleza de uni Íilme do autor de Psicose (Psycho), nas
ap-q[ês em l'unçào do exotismo mas tambérn porque a ausên- trata-se do mesmo material e, por causa disso, posso entender
cia dc leÍêrências pessoais reÍorça o prestígio dc urna obra. Um o sopro de ar fresco que uma comédia italiana, uma história
lÍtr"üb l'ilnre de Claude Chabrol não será visto da nlesnta ma- de amor francesa e um filme intimista tchecoslovaco trazelrl
neira em Paris ou em Nova York. Em Paris, impressÕes exte- para essa America violenta.
riores ao pr-óprio filme extraídas, por exemplo, de duas ou três
aparições do cineasta na televisão, entrarão no julgarnento do
filme; serão igualmente levados em conta o sucesso <tu o insu- Nenhum artista consegue, no fundo, aceitar a função oe
cesso de crítica ou cr-rnrercial de seu filme anterior, sent esque- crítico. Em um primeiro momeÍlto ele evita pensar no fato, pro-
cer algumas intbnrraçÕes sobre sua vida particular e talvez o vavelmente porque a crítica e ao mesmo ten-rpo mais útil e niais
eco dc uma posição política. Seis meses depois o t'illtre de Cha- indulgente parzr-com osiniciantéil:Depois, com o tempo, ar-
brol chegará a Nova York completamente despojado e desti- tista e crítico consolidam-se em seus respectivos papéis, são
tuído do contexto que descrevi e e esse filme, e nada mais que às vezes levados a se conhecerem pessoalmente e logo se enca-
esse filme, que os crÍticos americanos irào julgar. Nàcl é preci- ram, senão como adversários todo caso, essa imagem
so procurar mais adiante os motivr-ls por que nos sentimos sem- simplista se impõe - er-n
como câo e gato.
pre mais bem compreendidos fora de nosso país.
-,
Uma vez reconhecido õôilo tal,b ârtista recusa-se secre-
'As pessoas da elite encontram-se tão impregnadas da tamente a admitir que a crítica tenha um papel a cumprir. Ca-
própria estupidez que são incapazes de acreditar que uma de- so o admita, ele a desejaria sempre mais próxima, ele a dese-

22 23
Í ---:
jar ia iutiltárial, rnas cstá errado. O artista acusa a crítica de má
riria arriscar-se a ver a crítica jamais falar de você, e o seu tra-
lú rnãil íânibéur ele, nào e muitas vcles dc má fé? Considerei
balho nunca ser tema de uma linha impressa, sinq_q9,,não?
bastante lanrentáveis os repetidos ataqucs à imprensa feitos pelo
Não devemos exigir demais da crítica e, principalmente,
Cencral dc Caulle e rnais tardc por Ceorges Pompidou, para
que ela funcione como uma ciência exata; uma vez que a arte
nào csl.cuder essa liçào à crítica de arte. A atitude mais lamen-
não é científica, por que a crítica deveria sê-lo?
tável dc um homem público consiste em bater nestas duas te-
clas: I i') Despre«t u c'ríticu; 2?) Nem mesmo o leio.
A principal censura que se pode fazer a alguns críticos
A este poltto de detratação percebe-se claramente quc o - ou algumas
preciso saber
críticas
que - é raramente falarem de cinema. E
o roteiro de um filme não é o filme; é preci-
homem susceptÍvel e movido por um egoísmo que provavcl- so igualmente admitir que nem todos os filmes são psicológi-
mente o leva a declarar-se insatisfeito com uma crítica favorá- cos. O crítico deve meditar sobre esta afirmação de Jean Re-
vel cuja indulgência estenda-se a outros além dele! Não existc noir: "Toda grande arte é abstrata", deve tomar consciência
um só arlista que, um dia ou outro, não tenha cedido à tenta- da forma e perceber que certos artistas, como Dreyer ou Von
çào de investir contra a critica mas, sinceramente, acho que Sternberg, por exemplo, não procuram oporentar.
isso deve ser enearado como uma falta, uma liaqueza, mesmo
quaudo se trata de Flaubert: "Nào há uura útrica crítica boa
depois de Í'eita" oü, ãifrffiid".!gettjt_.1*Tgllgên, que esbofe-
Quando estive com Julien Duvivier, pouco antes de sua
teou um crítico dc Estocolnro-
Sainte-Beuvc, evidentenrente, precisava ser muito audacio-
morte, procurei fazer com que admitisse
va resmungão
- poisvariada
que tivera uma bela carreira,
ele continua-
e coü1-
so para escrever o que nos lembra Sacha Guitry: '.Ao que tudo
- de contas, tivera uma vida bem-sucedicia
pleta e que, afinal
indica, o Senhor de tsalzac parccc ocupado em acabar como e devia ficar feliz. Ele respondeu: "Claro que eu teria ficado
começou: por cern volumes que ninguém lerá." Mas vimos que feliz... se a crítica não houvesse existido." Para mim, que aca-
o tempo encarregou-se de apartar Sainte-Beuve e Balzac. bara de fazer meu primeiro filme, esta crítica de indiscutível
Eu chamaria deqorajôs\ um artista que, sem insultar a crí- sinceridade era chocante. Disse a Julien Duvivier que quanclo
tica, a contestasse no à-omeiito em que ela lhe fosse mais favo- era crítico e insultava Yves Allégret, Jean Delannoy, André Ca-
riív_el: seria uma oposiçào de princípios bern declarada que cria- yatte ou eventualmente o próprio Julien Duvivier, no fundo
' ria uma situaçào bastaute del'inida; depois ele poderia esperar de mim mesmo eu j?IJrais esquecera que minha posição era se-
impassível os ataques ou continuar a respondê-los. Ao invés melhante à de um Éuardà que organiza o trânsito na Place de
disso vemos Í'reqüerrtemente a lameutável situação de artistas l'Opéra enquanto as bómbas caêú iõbre Verdun!
gg.e só considerarn necessário gerar polêntica uo dia em que Se esta imagem me ocorreu ao invés de outra qualquer
1ãô c_ontellados; a má fé éxiste má te é que a expressão pass-ar pela pro-yy"8,g"-["g.go aplica-se perfeita-
um dos lados e quando um - se - cstá apenar êm
cineasta francês, muito talentoso mente a todos os ãi[iêtâ§'ãõ éxíio diã êdi que seu trabalho,
por sinal, apresenta cada u,:vo filme como scu primeiro filme executado subterraneamente, é entregue ao julgamento público.
de verclude, quereudo dizer que os anteriores não passavam de Para o artista, é a ocasião de produzir-se, tornar-se inte-
exercícios balbuciantes que o envergonham, o que pode sentir ressante e se exibir; este é um privilégio fabuloso com a condi-
o crítico que apoiou sinceramente sua obra desde o início? ção de aceitar-se sua contrapartida: o risco de ser estudado,
analisado, notado, julgado, criticado, contestado.
A única pergunta possível de formular a todos os que se Aqueles que julgam
revoltam contra críticas desfavoráveis é a seguinte: você prefe- - e sou testemunha disso - estão
conscientes da enormidade do privilégio da criação, do risco
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2s
incorrido por aquele que se expoe e, por isso, dedicam-lhe se- tào importante quarlto Cltarles Chaplin e já que eles são iguais
clctatrrer)te urna adrniraçàcl c unr respeito que bastava aos ar- perantà Deus, que o sejam cliante cla crítica; o tempo irá orde-
tistas adivirrharcnt pal'a se tl'anqúilizarem: "Não se pode fa- nar tudo isso e iambem o público do Museu dc Ar te lVlode r tta
ze| urrl ar"tigr-r l'olllridávcl sobre o que um outro eIiUu; lcsta a de Nova York, o da cinemateca de Paris, o dos tttilhat'cs de
pelo
cr'ítica", disse Boris Vian. "Cinemas de Arte c Experimetttação" que proliferam
mundo. Logo, está tudo bem, e completaria minha defesa cla
Nas rclaçoes artista-crítico tudo se passa crn conl'routos todos os
crítica obseivando que elogios em e-xcgs-fg., vindos de
de força c, curiosanlcntc, cnr rrerrhunr lllonlellto o úi'ítico dci que
"Ía de iêr em mellte que este contionto lhe e deslavorável -- lados, são muito mais cffiAíe§tdiflirir"um a{ista.do
mesrno que se esl'orce para dissimulá-lo pelo vigor do tom a ducha escocesa, qu. . à imagem'da vi'dâ"Jean Paulhan de-
ao passo que o artista perde constantemente dc vista sua su-
- vià pêiisãi-iSso ao êr.r.u"r, "Urna diatribe conserva melhor
premacia ontológica. Essa perda de lucidez do artista pode ser um autor do que o álcool o Íaz a um fruto'"
atribuída à sua emotividade, sensibilidade (ou susceptibilida-
de) e, seguramente, à maior ou menor dose de paranóia que
parecc ser o seu quinhào. Um artista cluvida profundamente de si mesmo até a mor ie'
Um artista selupre acha que a crÍtica está cr.rntla ele mesmo que seus contemporâneos o cubram de louvores' Quart'
do procúra proteger-se àos ataques ou simplesmente-da irrtii-
e sobretudo qüe esteve contra ele
- porquc sua ureurória scle-
tiva normalmente lavorece seu complexo de perseguição. ferença, setá queãstá se deÍ'endendo ou ao seu trabalho, visto
comouma criànça ameaçada? Marcel Proust também respor]-
Quando fui ao Japão apresentar um de meus filmes, mui-
tos jornalistas me falaranr de Julien Duvivier, pois Poll de cu- de esta petgut ta, 'â impressão de que uma obra vale mais do
rolte, através dos anos, contilruava sendo um de seus filntcs que nós ett botu tenha saído de nós mesmos é tão intensa que
favoritos e, quand<l estive em Los Augeles o ano passado, uma ácho natural bater-me por ela, co,ro u*l pai por seu filho. h'las
grande atriz de Hollywood disse-rne que daria qualquer coisa essa concepção não pôde l.uar-ute a d.izcr aos outros aquilo
para ter gravada em cassete a urúsica de Um corne de buile (Un oue infelizmente só iltteressa a nliI11."
'--Ãüerdade e que ficarnos tão vulneráveis tto tuot,cttto cle
curnel de bul). Gostaria de pocler dizer isso pessoalutcutc a J u
lien Duvivier. divulgar o resultado de um ano de trabalho, que precisaría-
Portanto, existe outro qt-euglrto que o artista deveria lc mos Ier\netvos de. aç-O para receber imperturbavelmente u'ra
var ern consideraçào! u rgputo-çflalNão se deve confundir a crí- chuva dãtiiti.ur negativas, mesmo que em dois ou três atros
O diStanCiamentg los apttlxitlte de seu veredittl e llos
collsclcll-
tica recebida por um filme no momento de seu lançamento com Utilizei a pala-
tize do fato de tcr utos clcsitrrclado a maionese.
a reputação {esse Í'ilme através dos anos. Com exceção de Ci- tinlta
vra maionese com a itttençào de servir-me dcla' Quando
dadão Kane, todos os Í'ilmes de Orson Welles foram conside- os Íllmes co-
vinte anos, censurava Anclre Bazinpor considerar
rados demasiado pobres, demasiado barrocos ou demasiado ele: "você rtào
mo maioneses que desanclavanr ou uào. Dizia a
tolos, demasiadanrentc shakespearianos ou nào o bastante, e
está vendo que todos os filmes de Hawks sào bons e todos
os
no entanto a rcpuLaçào mundial de Orson Welles e, ern última que t,ais tarde, quan-
de Huston são ruins?", Íórmula brutal
análise, cLlusiclerável. Dá-se o mesmo com a de Bergman e a pa-
de Buriuel, que foram muitas vezes injustamente criticados em do por minha vez tornei-me crítico de l'ilmes, esforcei-me
seus países e fora deles. ,u rãfinu, um pouco: "O pior t'ilrne cle Hawks e tttais irltercs-
A crítica cotidiana ou hebdomadária é igualitária e, afi- iãnt" que o *"ihor filme dê Huston." Ter-se-á reconhecido rris-
nal e normal que o seja; ela finge considerar Anatole Litvak so a eisência de Lu politique tles uuleurs, editacl. peltls C'rr-
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O exorcista (Th.e exorcisf/ é um bom exernplo
hiers du Cinéma, hoje esquecida na França mas freqüentemente - ele costLrrlrit
proclamar, conig se se dirigisse aos críticos: "Senhores, li v<ls-
debatida por movie's Juns em jornais americanos.
Hoje, muitos hawksianos e hustonianos tornaram-se di- sos artigos esta manhà e chotattdtl por todo o caminho fui iltr
retores de cinerna. Não sei o que uns e outros pensam de Lt banco retirar minha porcenlagettt'"
politiqut des auteurs mas tenho ceÍLeza que todos nós acaba- A vontade d.{s pessoas etn ver ou nào um filme - clra-
rnos adolando a política de Bazin sobre a maionese, pois a prá- memos a isso oggriõf-G@pQ:. é m.ais forte que o poder
tica do cinenra nos ensinou um certo número de coisas: de incitação daãíliõa- Ãpesãi"dé unanimemente elogiosa, a
Sofre-se talto para Íazqr um mau filme quanto um bom. crítica nào Íbi capaz de levar o público aos cinemas onde era
Nosso Íllme mais sincero pode parecer uma mistificação. exibido Nuit et brouillard, de Alain Resnais (sobre a deporta-
AQuele qué liàzemos com mais descaso pode vir a dar a ção), Vidas secos, de Nélson Pereira (sobre a fome e a seca no
volta áo mundo. Brasil), Johnny vui à guerr,r (Johnny got his gun)' de Dalton
Ürn filrirô idiota mas enérgico pode sqr ryelhol cinerua q-ue Tiumbo (sobre urn soldado que'perdeu as pernas' os braços,
um iilnrê inteligente e I'rouxo. a visão e a fala). Estes exemplos de recusa categórica podcnt
' O reSúltado e raranrente proporcional ao esforço sugerir duas interpretaÇões: o citteasta está enganado quando
dcspcndiclo. pensa que seu inimigo e o produtor, o dotro do cinema ou cr
O sucesso ua tela nào será tbrçosamente o resultado do órítico pois çada um*{.lql {gl"j1 sincerametrte o sucesso do
bom Íuncionanlento de nosso cérebro mas sim da harmonia filme; nesse õã3õ,61ãiaãàeiio inimigo do l'ilnre seria qp-tibli-
elrire elementos preexisl"entes dos quais nem mesmo tínhamos Sb,*õuja passividade e tào difícil de vetrcet'. Esta
teoria tem o
consciência: a teliz fusão do tema escolhido com nossa cons- ãérito de não ser demagógica, uma vez que é setnpre Íácil ba-
ciência prol'unda, a imprevisivel coincidência entre nossas preo- jular o público, esse público misterioso que llunca nittguétu
cupações naquele morncnto de nossa vida e as do público na- viu, capaz de arruinar os ricos que gostam de produzir, distii-
quele monrento da atualidade. buir e õomercializar todos os filmes dc que se ocupam, inclu-
Poderíanros continuar a enumeraçát-r. sive os que citei.
Acha-se que a crítica deveria desempenhar o papel de_.t-f- A segunda interpretaçào é a seguinte: na própria conc:cp-
I#
lermedidrio etltre o artista e o público e às vezes isso acontece; ção de espetáculo eslá corlti.da*ug.d prglne-!s4.Ç9. OLger, unia
pcrlsa-se quc a crÍtica deve clesenrpenhar um papel cotpplemery- iaeia a. exaltação quq cont;adii!..hroümeriiõ ilã vidá, ou se-
tar e às vezes isso acontece. Na maior parte do tempo, porém, j a, o declínio : degradàlão;eírvél hec i nren t o, t tt orte. Resu m i It -
"õÉapel
cla crítica fica deslocado, é apenas um entre outros ele- do: o espetáculo é uma coisa que sobe, a vida uma coisa que
mentos: a afixação de cartazes, as condições atmosféricas, a desce e, se aceitarmos esta visão das coisas poderemos clize r'
colcorrência, o t iming. qug ao contrário do jornalismo, o espetáculo cumpre uma tttis-
Ao atingir um determinado grau de sucesso um filmc são de mentira mas que os maiolqlLqry=e-p-q*de-eppçfáculo-stir-r
transforma-se num acontecimento sociológico e a questào de o-§.que çe1t§-eg-Ugm evitar a[í-ntira, flzendo o p.]rbligo aceitar'
sua qualidade passa a ser realmente secundária ao ponto de s-u-ái y-Çr.dááãtêrn".contiãi i ar-"á te i a; ô e-n-d f n-te d o- e s p etá c u I,'
um crítico americano ter podido escrever, com a lógica e o hu- Éiies impoem sua verdade mas também sua loucura, pois não
mor a seu favor: "Crit.icar Lctve story seria criticar o sorvete podemos esquecer que um artista deve impor sua loucura par-
de baunilha." Urna vez que as urelhores piadas sobre cinema ticular a plateias menos loucas que ele, ou de loucura
vêm de Hollywood, quândo um realizador americano acaba diversificada.
de fazer um grande sucesso com um filme muito criticado
\' Serei mais bem compreendido citando o exemplo de um fil-
-
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me de Ingmar Bergrnan, Gritos e sussurros (Viskningar och que alguns dos deuses eram verdadeiros e não mereciam ser
Rr-tp), que Íbi um sucesso mundial embora apresentasse todas destruídos."
as características de um fl:[õãõql. a lenia agonia de uma Assim, preferi publicar artigos Íavoráveis ou entusiastas,
mulher roida pelo câncer, tudo o que o público se recusa a ver. mesmo que não tão bons, simplesmente porque se relêrem a
Ora, rio caso de Gritos e sussurros, parece-me que a perfeição filmes que ainda são exibidos e a grandes diretores.
Íbrmal do filme e sobretudo a utilização da cor vermelha na Alguns desses artigos são inéditos porque, felizmentq con-
decoraçà<-r da casa constituíram o elemento exaltador, ouso dizer serveiolrábito_dg-gsçLe"]:e1.pgg--qe_qpt-A7çr.pç-sso-al_o*u.pa14
o elernento de prazer, graças ao qual o público imediatamente
9ryl.afeÇãr;t§"-m outros são sínteses de diferentes rexros so-
percebeu estar diante de uma_ob_$-Ir.iga e decidiu vê-la com bre um mesmo filme pois durante determinado período eu es-
uma ggpgl§i{g[_e_?JlÍ"*i"-c"re" e uma admiração que equilibra- crevia regularmente para muitos jornais semanários colnit
ram ê compensaram o efeito traumatizante dos gritos e es- -
Arts, Rodio-Cinéma, lc Bulletin de Paris; publicações rnen-
gares de Harriet Andersson. Outros filmes de Bergman, não sais como Cohiers du Cinémtt e Ln Parisienne; vm cotidiano
menos belos, foram banidos pelo que se chama de grande pú- efêmero: It Têmps de Puris usando meu próprio nome ou
blico
- talvez só taltassem as paredes vermelhas - mas, para sob diferentes pseudônimos.-Foi o primeiro período feliz de
urn artista eonlo Bergman, sernpre haverá um núcleo de espec- minha vida porque finalmente estava fazendo o que gostava:
tadoles fieis enr cada graude cidade do mundo, logo, um en- j$lq!g=4Ulme.s, falava dqleq e mais, sendo pago por isso! Esta-
corajameuto para que prossiga em seu trabalho. va Ílnalmente ganhando dinheiro suficiente para tazer o que
gostava de manhã à noite e gostava disso ainda mais porqire
acabara de passar sete ou oito anos tentando diariamente con-
Agora devo voltar ao conteúdo deste livro. Ele é composl seguir dinheiro para comida ou aluguel.
to por um certo núnrero de artigos que escrevi a partir de l95a ) Eu era um crítico feliz.
para diferentes jornais e revistas. De 1954 a 1958 sào arhgos-
de jornalista e depois, artigos cle diretor. A dit'erença é impor- Eis como elaborei este livro.
tante pois uma vez diretor é cvidente que eu não ia criticar meus
corrfrades e sinr cscrever sobre eles quando tinlra vontade ou
opurtunidade.
Este livro [etu ucrca de cem mil palavras e representa ape-
nas unla sexta parte do que escrevi. Poderão criticar a esco-
lha, ela Íbi minha. As críticas violentas são poucas embora,
na época, me l.ivessem construído a reputação d" "SgggliC_qf,
*egg*Spg.Jpnçês". Para que publicar hoje diatriEéíde fil-
mes esquecidos? Eu poderia, por sinal, tornar minhas as pa-
lavras de Jean Renoir: "Eu achava que o mundo, e principal-
mente o cinema, estava infestado de Íalsos deuses. Minha mis-
são era derrubá-los. Com a Flamberge desembainhada eu es-
tava pronto para consagrar minha vida a essa tareÍà. Durante
meio século de cinema minha perseveranÇa Í"alvez tenha aju-
dado a destruir alguns. Ela ajudou-me igualmente a descobrir

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