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O "TRAVELLING"DE KAPO"

SergeDaney

Oïü4 ío*nt^- ':t!,:::,::",,^ il


Àr^1""*vfroi,6',"{':?*
/ o €ìy'-.e,t^.e- 71/, k-ú^- lQ
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hQz3 / K-Qro^ : â , à*^*,

Entre os filmes que nunca vi, não estãoapenasOutubro,Le Jow se


LéqteouBanbi, há também esseobscuroKapo. Filme sobre os camposde
concentração,rodado em 1960 pelo italiano de esquerdaGillo Ponte-
corvo, Kapo náo deixou marcasna história do cinema.Sereieu o único a
nunca o ter esquecido,apesarde nunca o ter visto?É q.," nunca vi
"u
Kapo mas,ao mesmotempo, vi-o. Vi-o porque alguém- atravésdas pa-
lavras - mo mostrou. Este filme, cujo título, como uma senha, acompa^
nhou toda a minha vida de cinema, só o conheço atravésde um curto
texto: a crítica que fezJacquesRivette em Junho de 1961 nos Cahiersdu
Cinérna.Era o número 120, o artigo chamava-se"Da abjecção>,Rivette
tinha trinta anos e eu dezassete.Acho que até aí nunca tinha sequerpro-
nunciado a palavra uabjecção" em toda a minha vida.
No seuartigo, Rivette não contava o filme; contentava-se,numa frase,
em descreverum plano. Essafrasegravou-se-mena memória e dizia o se-
guinte:"Vejam em Kapo,o planoem que Riva sesuicida,atirando-sesobre
o aramefarpadoelecrificado: o homem que decidefazeçnessemomento,
umnavellingpara reenquadraro cadáverem contra-picado,tendo o cuida-
do de colocar a mão erguida num ângulo preciso do seu enquadramento
final, estehomem só tem direito ao mais profundo dos desprezos".Assim
um simplesmovimento de câmarapodia também sero movimento que não
sedevia fazer.Aquele que deveria- demodnevi.dÊnte - serabjectofazer.Ma[
tinha lido estaslinhas, soubeque o seuautor tinha absolutamenterazão.
Abrupto e luminoso,o texto de Rivette permitia-medescreveresse
rosto da abjecção.A minha revolta tinha encontradopor fim palavras
para sedizer.Mas havia mais. É q.r" .rt" revolh era acompanhadapor um
sentimento menos claro e, sem dúvida, menos puroi o reconhecimento
aliviado de ser esta a minha primeira certezade futuro crítico. Ao longo

a Iniciahnente publicado na revista Tì,aírc,(Outono de 1992), foi posteriormente incluído no


Paris, P.O.L., 1994.
volume Persáq.rerance,

RCL(1996)73:705-71
Y s ! r v r

206
pesa'
*o,travellingde Kapo,seriao meudogmaportátil, estarjá constituído' com uma história
L::^Tr:::1efeito, o Por outro, tinha a vantagemde - insuficiente
que nuncase discutia,o ponro final de q""rqr..'à"úi". t"'"p"ças do Sadoul essaBíblia
1l_1.ï1 d; da, valores reconhecido'*,u' de ideiase revistasem gueÍÏa'
:P:::.f::"i.::l::*imediâ;am;;;"düã"aã-",ìïï"ìr*ïã:?Ë:: forte Àú, tenazls,-baralhas
eu nio reria, definitivamenre, nada a ,r"d" p"ailh"r.
;ãr"*a " e nós chegávamoslá um pouco
As guenas.rr"u"* nt"ü;;;;;;"t*inadas de nos
Este género de recusaestava,aliás".ç,o .rprri,ãì;;;;p..
" alimentaÍnos o prolecto tácito
do À vista tarde, mas.ao o "'titËìË'ffinao século'
eexcessivo
do arrigo
a" Ái".,i.,,""rtil;""l.o;;ffi;: história' que não tinha ainda um
ïï,!^r:rl,:d:
ant reapropriarmo,d" 'ao "qt'ela ao programa do
igose furiosos
debates
;;;:il; Ëü' ü:lïili Ã::J:a caxa Ser cinéfilo era simpiesmentedevorar' fartlelamente que tinha
de ressonânciaprivilegiada à. tod", .rr", "polemicas. áLtult"do do primeiro' mas
tinha acabadocom a crença de quem - por^não
AË;áï Argéria liceu, um ort, p'"g'ï'{""ã'iãììi *passadoreso adultos
em alguns
ter sido filmada - estivesse
.üLl vgòJ( a sua fronteira nos C;;;;*"i"lo' "conspirãttï:1t::1*:1"^* o*
.m r.laçâo q,r"lq.r.,represenração
da História. que, com a discrição ãã' ut'd"d"iros
lL:1191::confiaq: " tulut"""smo' um mundo a habitar'
por ali havia um gt"'aïï i;;;#"'
tJdg, .to cinema - tàbúr,
[{À,iAget-e-r.'ià;t';;ã;""']::lJ;i1ï:;.*ïi:ïï"nï;
Paranos poupar- a no
sadores,singulares'
ou passaruma hora às,voltascom
de latim, .o[o.ruu-rr* u r.g*rirrtt.opção:
SS*t Eunão,.- d;ãlq*;Ë A tt"'n"' que'votava pelos fiÌmes'
um texto de ïto #;;;ãhi"'t'
e orasteirada' daquele vetusto'cineclube'
saía, normalmente, pensativa Agel
. -Esseartigo rinha sido publicado ncr:carriers ducinéma, úês anosanres dúvida' fo'qut possuíaas cópias'
do fim do nperíodo Por sadismo,,nu' '""JüË;: ià o' Era
adolescentes' o
da revista.,Tèriaeu ,iao rËr,r"ião que ere proiectavan"otlt^;ïti;;t iãt"it puradt'embu"â'
não poderia rer sido"n'ur.lo' em maig"-{1çnh;;;.;;"ã"" Nzir er Br de
ouittard Resnais'
ele perrencia a esse"nubJicldg
lïr,.,o", qu" #il,'b, ;;lã; fi,';; :ï ï,,*tlãiïÌe,.'re,
fundo-cahierr." qïk€.,, *"r, i".a",-àü; eu descobrique a condì:1"^1:*""" " "
perren- Foi assimque, atravésdo cinema' tudo tinha
ceria?ïnha enconrradouma família,ìogo qr"
,ã.;;"*^ãáru" ti'h" incompatíveis e que o pior de
"u mamnça industrial;;;-.;"*
mimerismo ,r,ob q,i., a"rà. La aãir*Jlü.o-pr"u" *"t3$;#iïffiïff:ïr:ì:
ld:^_\l:r: 11,Ro'os meuscomentários
os \-.nrerse partrlhava assombrados
comletra
paraquemo Malseescrevia
- claude D' - do liceu com um.ãr"g" 28 os
Voltaire. Não era apenaspor puro capricho que, no rosto.dosadolescentesda rurma
maiúscula,gostavade espreitar nessa
no início de cadamês,ia corar o nariz à *oni.u
a" .r*"'*od"stãìirr.ariu d" Devia existir um lado ovoyeurístico>
efeitosdessasingulai;";;ú" imparável
avenue.dela République.Bastavaque, debaixo
da faixa .irr.*a r* saber macabro e
a foto a forma brutal a. *"rrrrnitir,'pelo pouco prosélito' militante'
dosCohiers ti,u"rr.mudado,.*"il.;_"" "-"r.i",
coração que não éramos
Cristao
i::::":
batesseïiT: t.pa Mas não queria
mais depressa. "t;#iË;l"t:;á* mosffava'Ele tinha talento'
esse Mos-
que fosseo ìi'oriro a dizer-mese o antesde tudo, elitisia,Agel também
númerojá tinha saídoou não. no liceu'
eulria, eu próprio, a"r.oüJto, pur" a.poi, o po'q"".a. cultura cinematográfica
ffava porque era precisã' E entre
comprarfriamente' òom a voz cIara,como ,e^forse
u,,'u r.t.írã. À ia"i" a. ;*Ë;;,;""'uu à*bem Dor essedivisão silenciosa
me tomar assinantenunca me passoupela cabeça: Ë*';i:ì; todos os outros' Eu
eu gostavaera daquela aquelesque não d;;fi; Áais Nuit eïBrouillarde
esperaexasperada. Querfosseparaos comprar o,r, maisiarde, paraos escre-
ver ou' por fim, para os fabricar,os carrieri foram não Pertenciaaos "outrost''
sempreu -i.rhu ."r".
Eramosum punhadodeles,no liceu Voltaire, os caprichos
. lJma, duas,três vezes,consoante
ciamenre,na cinefilia. Há uma dam: 1959.N"rrr ";;;;;r,_^ub-repti-
rltur", ;;;il;" cinefiIin
d,::{,i":""*i*t::; Í:
d"t"Ïfrï;Ïli lïl "** .Àpirn"*"I'à?
*,*:l:^"::ïï'i:tÏ:
era ainda nova, mas tinha já uma.conotação
doentia ru.rçor"
que' pouco a pouco' a iria desacreditar. "'"rr" "ìrì
Quanto a mim, estava condenaáoa
desprezar,à primeira, todos aquele, qu.l
"""Ãrì""ì. >t goza-
vam já com os <ratosde cinemateca, em"ãrr."do, que nos tomaríamosdentro de
poucosanos,acusadosde viver o cinema por paixão - só ele?- era capaz retratar os
e a vida por procura- õffi*"
ção. Na aurorados anossessenta,o cinema era ainda um mundo
encanta-
do' Por um lado, possuíatodo, o, ..,."rrro, de
uma.orr,."."iirl paratera.
eo8
1955, as únicas possíveis. vivido em comum sucedea calma
cai, uma faca que seagita' Ao assombro pro-
funciona como um aparelho de
euquemnuncafarábema difeiençiËnËffiíïã'ËlËïï E scË de uma solidão r.rig""àãt o té"b'o filme e o mundo
a imagem' deixando o
sequer <distinto>, mas oue foi ."-nr. nem ieciao duploque deixa prosseguir
'."ïffiruÃ*"f",Naó do cinemasema exrs-
^ -o,', Í^^^ ;- r_^tj .orrrigoimaginaro amor
Sugado
p.lo.i.t.*ãffiiï mim"'
tência desta ocontinuidade sem
::::"$t*.:ffiË:lü;.,ïïffi
ï:',:',:ïn;:i:""ïiilï:;*
criança' não vi nenhumfilÀe de walt
Disney. Da mesm" roÃ" que fui Estados Ç ü L Ç ü 1 quem
destes,
ESfa(lUò u Y*"'^' não
^'-- - - viveu?
os gt'*Eea@*iSP-JÏlT
. -:- -^ -^
retlna'
directamenteparaa escoraoficial, u"À"ãrri.n
a,cerreza
de serpoupadoao ^a" ï-.."t eceu?'lmagens não identificadas inscrevem-sena
berreirodasmãesnasmatinésinfantis. pior:
semprepara mim uma coisadiferente
os desenhosanimãdosseriam ãiìì""e"i"i'tT'1'"ttln:li"i:::'.tï*:: Esses
acontecimen,ora"r.oÏf,
do,cinema.pior ainda:o, d.r.rrh* sab"r sõbrenós mesmos'
i*po,rru.t
ï:nï:'Ëï'j;ì"'rïr";ã;;;
animadosseriamsempr€Ìrm.poucoo inimigo
do cinema.Nenhuma obela *não;;;;" sãoa cenaprimitiva do amador
imagem",afortiori desenhadã,me suscirava"qoutqu", momentosde "n"u"aia"" del'e'
l'd ainda que nãa
tremor - como ascoisasregistndas.
lÀoçao -lr.rç" ou de cinema, a4uela""i; ;;:'ã; estuua 1e i!:::^só
experiência do
E tudo isto, que sendoassimtão simpres da literatura como uma
melevou anosa formular, No sentido em que fuL P"ttlh"' que falta no seu
deverer..Ã"i"aá il;;;;il, e Lacan como oaquilo
e o texro de Rivette.Nascido em1944 iì n.r.,"i, rnundo .quando lá nao estamos" que não
doi, di", unr",ao a.ïã*üìq.r" lugar'. O cinéfilo?d;tlt;"; encarquilha-emvão os olhos mas
do, eu tinha a idadecertap"." d.r.oú., prepara para
"ti"-e ver'nada' Aqueleque se
_"r_o tempo,o meucinema dirá a ninguém que "ao to""guiu
aminhn história. História curiosaque, dudante

muito tempo, pensavaser História de fabricar um atraso' de
a história dos outros, antesde po..t.rlìem uma vida d. "obr.,u"ã;;;;?i;1"nal'
- rarde _ que era, afinal, a ;':;;f"Je de sefazer'omais lentamentepossível' ,- ^^^..-r
minha história. r.u pottto zero,umf&Êslgjgjlliil-
ii r, Foi assimque a minha vida teve o
.trhg",,. A dãia é conheci-
como.tal e imediatamentecoÍrÌemorado' *Tü n'asrien
criança?
E.essa lgg$&vivido -.o ano do célebre
3::,:?!. "*a o criança,Serge,D.,
qu. queriasabertudo da, e serásempre,tt6"í- tútide"cia?
othava?
a de Hiroshimamon Arnow' minha mãe e
::I: :::t:_que d"si-"s"r,r
","c.,.ã-;;';*i;';:ítffi:ï::ff; vu à Hiroshima' de ó;;t' õ;í*(]t
.,*:*tl fll'.i:1 do-;*ri"ï C" .iëïh:ff;::;ri: eu, siderados.r* . o*'o
-
- não éramosos únicos p:rque nuÏra tínhamos
pressõestão belascomo aquelade odaquilo"' E na estaçãodo metro'
pensadoque o cinema pudesse::: t"p.u'

:ïi:ï:.:
car, T:ïg:,
de resro, ?"rhar
<

osfilm;;;;;ï;ffi;ïH;ïï:.*,;#;; ã;';"u*,1"'ï:â:ï*i+:lïïl;",ïiïï*ïït"
*.ffi? -
que é que tu vals Ïazerna Lua vtud:" "-v-:'"1 - ,^-^...-^ seria .o crnema'
quesãoelesquenosolÀu-#;;;";:;;Jr1'J.:::ï: oMais tarde', de uma maneira ou de outra' "I.,.
Ë;;;;t;;sta.
essa cine'nascença' mesmo
,.rrr.u fui avaro em detalhes sobre
;; *"rr,^'ïi ï.,iï ,n*,u,,".
ThJã
*:,:.ï: H:S'* tu13.ja metl,l minha mãe' a desaparecidasala
9n1ba3çad; para mim. Hiroshima,a paragem do
O TúmuloÍ"an", pickpocket,
iio nrauo, suas cadeiras club seriam mais de uma vez
!:2!O*:,Vitn, Anatomia
de de cinema dos Agricultores e as
da boa origem' aquela que se escolhe'
Kf #:"?I:r:)*::qu,l*t"*.'i;ry;;;;ií;triilà';;::^:;";#
mim filmes como os outros. evocados como o ü,*-l"rrda'io
-$e*sdçs-qsç,^Lu3, que liga estacena primitiva em
Resnaisé, agoravejo'o bem' o nome
*os,-.grgoi"-dç.-M*8":çui44-e,.dpisa.nssdepois,os.c_o_{pl}q.dççpri-
dois anos . trê, u.to''".'È ;()*" foi pottiu"l Ndt et Brouillnrdque Kapo
mei rosj[a nos f e .ffi rp-qtlna ^: o seu artigo' Contudo' antes
rãaç9is.asqu ruç.othegilÃmarç do nasceuatrasado qt" niJtitt pod".titteveÌ
";M"*
Erren'rt.in;il; "
produzirimagens " áo tì""""u o*od""o''Resnais foi para mim mais um
W dessas,masfoi il;";.-;;;;ripo
Hitchcock quem lá chegou.como - e isto enrão,a "linguagemcine-
- esquecero primeiro não émais do que um exempro s. a" ,.uãirJo.,o,r, .o*o sedizia
encontro com psicol rínhamos ."g"""ào ";;#;. em levar o seute?nda sérioe porque
teiros do Paramountopéra e o filme aterrorizava-nos os por- matogrática>'tol porque secontentou os ou-
tanto como qualquer teve a intuição,q,,"'"ìã", àt-ttto"htcer essetema entre todos
outro' E depois,Iá pata o fim, há uma tnl como saiu dos camposnazis
desliza,
u-" .nontugem
cena na quar a .irrÀ"-p"r."pçao ffos: nada menos q* ã "'petie humana qual'
do ,ip" "r"ì, q""rr. a.irl a.
ffi;lls emer- e do trauma atómico: uüi'-"ïuaut desfigurada'
Tâmbém.houve^sempre
gem acessórios
grorescos:um roupão á" qu"rto ..uirt", tornei' em seguida' num
,lïi.ï.,.u q.r. ;;"r:;ì;; d" .rtru,'ho na maneira como me
z/o
;jï:::ï*:,ï*:'ï::"?,:,:"9j,:':T:ï:!mesdeResnais.parecia-mequea$ inocàrciadoolhar sobreas coisas.A iustezaé o fardqdaprlqle,gpçveUr
::::ïffiï:::ixyS::::T:-11:rd.o""i;;;;;";;;'"ffi
do, a tempo, a doenca
Á^^:_ _= .
'^rqrruv'
, estavamvotadasaproduzi
rr
uv tt
apenas
&ï:,i
mal-estar. "dspgl*:;ãmsçÊ-*çjg, @-pú$ensuç.skstu*Ao
* g.stoi elementaresdo cinema.
pri'
Foi
Assim, não foi
". ,,ËË*úË **dilì*pi.*"."r.,
precisoèh.gu, aosmeadosdos anossetentapara reconhecerno Sal0de Pa-
,olirri ou *ãr*o no Hítler de Syberbergum outro sentido da palavra ino-
effierËï.ï,rËffi
çqd*d i;Ìf:iï:k:ffi cente.Seráentão menos o não'culpado do que aquele que' ao filmar o
retlectiramem voz alta, e porque,
pelo contrário, a image*;;**ogr* Mal, não pensano mal. Em 1959,estavajá preso,rígido nessadescoberta,
estátuade comendador,transidt
,,o, ,.u, ì*permeáveis e exiginão _ à partilha da culpa de todos. Mas em 1945' bastavatalvez ser americanoe
jus- asiistir, .o*o G.o.ge Srevens ou o cabo Samuel Fuller em Falkenau,
fiii*ï "ïXïiilï; lï,ï ï -"f:,1a1i1 il#H
r,"1,J. se
r um à aberturadasverdaáeirasportas da noite, de câmarana mão. Era preciso
;ffi;,Jã:,ffi-Ëüffi
vida?Resnaisfoi o cineasra
ffi #;.;:::'m:1,,:i:i"r,nï seramericano- isto é, crer na inocênciaconsumadado espectáculo para
-
fazer desfilar a população alemã frente às valas abertas,para lhe mostïar
q"Jme Íè;;.rd", inftncia
fezde mim,e por *ês a..e"iár,
,r*;fir" "
ou que,melhor, aquilo ao lado do qual tinha vivido, tão bem e tão mal. Era precisoque se
,éril.Eera jusramenreaque- à frente da sua mesade
le com quem,em adulto,
*ri"ì"ãl', pumilh"r.n"áãra"ã. furrurr.* d., unos para que Resnaisse sentasse
finaldeumaentrevisra "a.
_ na queno montageme qulnze para que Pontecorvo adicionasseeSSe pequeno movi'
utru."a" .ìir.ü..,.3 ,d"ï;;;;;ce _, pen-
a' 'r'ãq.ol"n*,nn* mento a mais,que nos revoltou, a Rivette e a mim. A necrofilia era então
)iilïï: ï1"3',":''F À;;Á;;;,';,aminha o preçodesse.átraso' e o forro eróticodo olhar <justo>,o olhar da Europa
ai.f.-ãï;,rïilïïïï:ffi#,"+'rËÍ:r:ï:1ru;#*,::;f*ï culpada,
^ o olhar de Resnais:e' por consequência,o meu'
lição:
es.qlrrçq-Ís* ;;;;;;,#ÀJi":ï;:ii::":,ït1: Foi essaa ferida da minha história. O espaçoabertqpela frasede Rivet-
nem
_*ffmEiïïHmL;*;-;::-;,ï--.yïï.***r_._."91"*l)F-,ã""e**ãS."A*fï.*k:ç!el re era o meu, como era já minha a família intelectual dos Calriersdu Ciné''
mA.Mas eSSe espaçoera,devia ter issoem conta, menosum vasto campodo
urna vez fechadaestahistória, que uma porta ertieita. Do lado nobre,com essegozoda distânciajusta e do
tendo eu mais do que a minha
do "nadà" que havia a ver em
Êì;il;;,
parte ,.., ,"rr..ro necrofílico sublime ou sublimado.E do lado não nobre, com a
.olo.o-À" áìãr.""*
tão: poderia ter sido de ouffo
-raãi^ri"reria, face aos campos
a ques- possibilidadede um gozocompleramentediferentee in-sublimável.Foi Go-
centração,uma out de con- à".d q.ra*, ao mostrar-meumasquantascassetesde "pomo concentracio'
jï,1',ãËHï1'ïï:H,*:lt:*:ru,:i
r,rui,uin,o,iË;ïffi nário" metidasnum canto da suavideotecade Rolle, se espantouum dia
rio de GeorgeSrevens,realüado
;.fi;;, que, a propósitode tais filmes, nenhum discursotenha sido proferido, ne-
depois
recentemenre
mosffado inierdiçao pronunciada.Como se a baixezadas intençõesdos seus
"r,"Ë.,iã3f,ïï::f ïïfi:m:ffi : "tt"-u
fabricantese airivialidade dos fantasmasdos seusconsumidoresos
<prote-
a abertura
do""-po' emqu: assuaspróprias
l"Ï:tri:ï;:;|:ïï " cores gessem>,de alguma forma, da censurae da indignação' Prova que do lado
"p"rd.rrurr"
enrreascorese"*J{!.trï?:i,#;::ffi ïl;:"".ïïïi:lï*$J"ür ãa s,rbc,rlt,rr", a surdareivindicaçãode um entrelaçamentoobri'
venseResnais?
Aquiloqu"é mug.,Ìil;;f,h"; gatório entre oS caÍïascose aSsuasvítimas. Efectivamente' a existência
aindade uma narràtivud" il è;ffi:;oï. r" ,rur, -
ãestesfilmes nunca me perturbou. Tinha sobreeles como sobre todo o
oïá*ïrrro quotidianar";; peque, - quase polida que se tem
"i"g.iì''"
no grupode soldadosa filmar
ã f" .i".urïu, purr.ur"m pela cinema abertamentepornográfico a tolerância
truída, de saint-Lô arrasada ". que
;;t;^Ã;.ï-,witz
Europa des- sobre a expressãode um fantama, quando este é tão nu que só consegue
" nada nem ninguém reivindicar a triste monotonia da necessáriarepetição'
e que ,.ub" po,,r*i;;,
i?*_o::r,t:to a equipa.E depois,diz-me
os empilhamenrosde cadáveres a Era a outra pornografia- aquela' *artística'' de Kapo' como mais
ï:i1:Tna' têm ali uma berezaestra- -
nagrande pinturadesre tarde a de O PorieírodaNoite e outros produtos rérro dos anos setenta
século.
co;",iãËJ;, sytvie
fiïjtï'3ï:"'ur que sempreme revoltou. À estetizaçãoconsensualfora de tempo, preferi'
O que compreendohoje, é-que
a belezado filme de Stevens ,ìu o ,"rãrno obstinadodasnão-imagensde Nuit etqrouillnrd,ou mesmoo
o resurtadoda justeza no .rt"bË1..i**i. é menos rebenramentopulsionalde um qualquerLouuechezlesS.S.que, aliás,não
a" ,*u aìrra.,.i"'ïï q". a"
cheguei u.r. brr., filmes tinham ao menosa honestidadede actualizar
"
e/z
uma mesmaimpossibilidade de narrat um mesmoacto de suspensão
desenrolarda hìstória,quando ,ru.ruairru no sala Bertrand. Porque Mizoguchi filmou a morte como se ela fosseuma
vácuo'Gmbém não é dó amnésia "
se condensaou se encaixano vaga fatalidade, a qual se oia bem que tanto podia ter acontecido como
ou de r.carc;;. q*,iï.,r.ri" naã. Recordo a cena: na planície japonesa,os viajantes são atacadospor
mas de forclusãa.-Forclusãoo,cuia fur*
definição lacanianaaprenderia bandidosesfomeados e um delestrespassa Miyagi com um golpede lança.
tarde:o rerorno alucinatóriono réal mais
daquilosobre.oquar,rao for possíver
rer' a tempo,um Mas fá-lo quasepor inadvertência, titubeando, movido por um resto de
de rearidaàe,.
"julgamento
que os cineasrasnão filmaram,
oi. á. J""; f.;", uma vez violência ou por um reflexo idioa. Esseacontecimento posa tão pouco
no seu tempo, a política J. Vi.hy,
deveç cinquenta anosmais tarde, o ,.u para a câmaraque estáa dois dedosde "passarao lado", e estouconvenci-
não ó remir-sedisso,imaginariamente,
atravésde filmes .o-? ão qu" qualquer especradordos ConrosdaLuaVaga é então assaltadopor
4*1,11 RapaTesmas rirar o reffaro actual dessebom
u-" -.r-u id"i" lò.r.u e quasesupersticiosa:se o movimento da câmara
eue, de t94Oa is+i, iì"vacilou. Sendoo cinema
lï:*I::lÇ-a
oo presente,os remorsosperdeminteresse. a afte não tivessesido assimtão lento, o acontecimentoter-se'iapassado"fora
Por issoo espectador, que fui, i. ú"it et Brouillmde o de campouou - quem sabe?* não se teria passadode todo'
atravésdessefilme, tentou mostrar cineasraque, Erro de câmaia?Dissociandoestadasgesticulações dosactores,Mizo-
o irrepresentáver, estávamor-ligudo,
uma srmerriacúmplice.Seja porque po. guchi procedia exactamente ao contrário de Kapo. Em vez do piscar de
o Ëspectado,á.;d;; *sai
lugar>e sesuspende'enquanto o do seu ãlho a-*ais, embelezador, um olhar que *finge não ver nada', que prefe'
fi-r-", esse,continua. seja porqueo
em vezde filme, riria não ter visto nada e que, por isso,mostrao acontecimentoprestesa
"conrinu21o,sevolta sobre,i ,n.r*o sobreu*" lúãg.m> pro-
visoriamentedefinitiva que p.ermite 9
uo*r;.i,o-érpectador continuar a produzir-secomoacontecimento,quer dizer, inelutavelmentee de viés.
no cinema e ao sujeito-cidadãocontinuar crer Ú- ^.orrt..imento absurdo e nulo, absurdocomo todo o fait'diuers que
a viver a sua vida. suspensão
sobre o espectador,suspensãosobre
a i.çug*, acabamal, e nulo como a guerra,calamidadeque Mizoguchinunca amou.
.r"".ì" #;;" na idade
adulta.A esfera do visívera.ir., ã. ,!oi*ft, i"*i."Ã.*à
" Um acontecimentoque não nos diz respeitoporque não se atravessano
ausênciase os buracos,ascavidader iïï*"r, nu nossocaminho,vergonhoso.Porqueé quasecerto que' nesseinstantepre-
rr"..rrá.i", e os cheiossupérfluos, ",
gensque faltam e olharesdesfalecenter. ima- ciso, qualquer especmdordos Contos sabeabsolutamente aquilo que é o
Érp".ta.uro e especradordeixam de
sereenviaqmutuamente,todasas absurdt du g,.r.tr". Que importa que o espectador seja ocidental, o filme
balas.É assimque tendo escolhido
nema' reputada o ci- japonêse a guerramedieval:bastapassardo acto de apontar com o dedo
"arte da imagemem movimento)r,comeceia minha vida
de cinéfagosob a égidepur"dã*"I i à.t. d. designarcom o olhar para que estesaber,tão furtivo quanto uni'
ã"-"--"'p.i. eí1aparagemda iwtgem.
paragemproregeu-meda estritaïecrofilia.
Não vi nenhum dos versal, o único de que o cinema é capaz,nos sejadado'
-^
raros^t:,:"
filmesou documentários*sobreos
camposde concentrução,qr" r" Ao optar tão cedo pela panorâmicados Contoscontra o trattellingde
seguiramaKapo. paramim, o assunro Kapo,fíz uma escolhade que só percebia gravidadedez anos,depois,no
e no artigo de Rivette. Fui, durante "rruu"á."nuã.ã* úï,;J, n rouillard fogo, tão radical quanro mrdio, da politização pós-soixante-hu.itotd dos
muito tempo, como as autoridades
francesasque, ainda aì Cãhiurr.Ainda que Ponrecorvo,futuro auror d'A banlha de '\rge|, seja um
catasrroficamenre |oje, iace "ã.' Jìàt"att,ers anri-semita,difundem políticas, Mizo'
o firme de Resnais .ãiro ," ere fizesseparte de um ar- cineastacorajosocom quem partilho, em geral,ascrenças
senalsecreroque, à recorrênci,d" guchi parece-meter vivido só para a suaarte, apesarde ter sido,politica-
ú"1;;;d.r." irrJ;i;ij;.-ri. ooo,
suasporencialidades exorcistas.Mas serràoupliqu"i o axioma
do *ff2ys1- ", *"rr,", um oportunista.Onde está a diferença,então?Na "crença e no
ltlt d"_K"!?" apenasaosfilmes
*" ,.*ï.staria directamenreexpostoà temor>,justamente.Mizoguchi tem medo da guerraporque' ao contrário
abjecção,foi porquefi.ritentado
ãpti.a-to rodosos fih;;.-.,Uá .n do seu cadeteKurosawa,os homenzinhosque se estripammutuamente
gt " " o**
a.'morte sobreum fundo de virilidade feudalo oprimem.

ffi: . ;;;; ":'-n1,Ç?1,l3


ë como raros são
49lt{ÌÌJãg_gÌ5gg_tg:3Ì".
Eu concoidaua.
os filmes .m qúË""uoìlï.,orre, p;.;;;
É d.tt. medo,dessavontade de vomitar e de fugir, que vem a pano'
numerosasforam as ocasiõesde crer muiro, râmica enfadada.É essemedo que faz dessemomento um momento justo'
e de temer.Alguns cineastas,com quer dizer,parrilhável. Pqngglp[gp"nqq"te#s.êçlsggÇ:aÃ-çgfgP9#Sá9*;
efeito' não eram ippostores.Foi
assimque, sempreem ig5g, a morte F nor i sso qrrsç.[gl$lcJ,e."Y,.e#;eJF
Mivagi nos conrosa"uovtgt*;-;;;J;;. de **g[gg?g-gg,"gtrM
dilacerou,numa cadeirada
Y.9llt38,I*9*l!g
epsnúçs*d*s"s"es..a*s&"*ffi
lJalìey: \-/ ( Lf av€tltlrBD uç ^41lu

z/q
o cinema - dei-me conta - oscilavahabituarmenteentre esses
dois
pó[os. E aos cineastas rão consistentes quanto
rpngç-cptys censurava l
invisível.
teJável,-tnY.uiyç
maisuma vezessaforma contrabandista- uma " isto" erq.incómodo. intolerável.
rls:órugdq,iqto
ãffiica osanra- Totqüè esterealismp tinha duas faces.Se foi pelo realismoque os mo-
'imaculada" e generalizadado piscarde olho- "rpe.i.
@ dernos mostraramum mundo resgatado, por um outro realismo - ou
foi
Ie9.l!q-au-umainqfq.?çg.o*c-ttnglics,?.-ç*e"n*s"-*u**_q.e_qp"êdmkian06, melhor uma .realísticao - que as propagandasfilmadasdos anosquarenta
issoque a rajada de venro q"é ãgitã, c.il .,À; -r.t"rh",
b""ncura de tinham colaboradocom a mentira, prefigurandoa morte. Por issoerajusto,
um páraquedassobre um soldado morro do Mernll,s Mmauders "
de Fuller
me incomodouduranteanos.Menos,contudo,do que assaiaslevantadas
sobreo cadáverde Anna Magnani, varrida po, u-ì rajadade Contrariamente ao
riros num loe
episódio de Roma città Apertta.Rosse[ini, tambem ele, batia .abaixo
da
cinturao masde uma máneiratão nova que foram precisosanospara
com- tinha intimamente a ver com o horror do qual provinha. Eu herdava,
preender para que abismo ela nos tr"rrrfort"u" Or}*cH$ç*b,*-g,*__",*gçf-
assim,de um convalescenteculpado, de uma criança envelhecida,de uma
IlgsrÌlg?OnS-S$esrsgldade?Ondgc,om_e ç?, obr.à nffi ãffi ãde acaba hipoteseténue.Envelheceríamos juntos, masnão eternamente.
,
Sentia,que
eramessaqasqìlë!!Õej]ËjrÌenr*ãr,
I 3*g,o-r"*ggmÍial
t,ni1nÌq cisesg-fi:dsgoç dq'.?*pp"" crÃeôãï;ilüË-p#,ruS_d"!-
sópara Herdeiro consciente,ciné-filho modelo, com o "travelling de Kapo"
'mlm,
e porquetinha a sua idade,aclramar de como .grigri, protector,os anospassaramcom uma surdaapreensão:e seo
**-ïfi**;*-"Ã*;ffi;;;*.."rne4.rrr;;;'.*.--'
E-r^ ^:_^*^ _-J .. | -
gmggnglga_Saf âcteríôtica : era cruel;nós t ínha. *grigri, perdessea suaeficácial Recordo-me,então professorexploradoem
tlq4"ouffn: aceitávamoses|acruelda4g A crueldadeeítaua Ceruier-Parii III, d" ter fotocopiadoo texto de Rivette, de o ter distribuído
Fs "ãõ
bom". Era ela
uL'rrr>).
Era ela que
que orzra
dizianao ,,ïÍustruça-,.
nao a <rlustração>r{q$adémica e que desffuía o sen- aos meus alunos e de lhes ter perguntadoo que sentiam. Era ainda uma
timento de um
"humanismo, falso .o.'o
jïdur, qu. .rr",n", então, muito época .vermelha, em que alguns alunos tentavam apanhar,atravésdos
na moda. A crueldadede Mizoguchi,por exempio,consiriia em
monrar professores,um pouco da radicalidadepolítica de 68. Pareceu'meque' por
dois movimenrosirreconciliáveis,produzindoum sentimentodilacerante consideraçãoa mim, os mais motivados de entre eles consentiamver em
de *não-assistência à pessoaem perigo,. sentimento moderno,por exce- .Da abjecção>um documento histórico interessante,mas já damdo.Não
Iência,que precede'em somentequinzeanos,os grandeswaverlings
impá- lhes quis mal por isso,como sei que, se tivesserepetido a experiênciacom
vidos de week'End.sentimento arcaico,tambérI, já que essa alunos de hoie, não me inquietaria saberse era sobreo Wauelling que eles
crueldade
era tão velha quanto o próprio cinema,como um indicadordo que, ã6u;*, *^ iria até ao fundo, para saberseexistiaparaelesum índlcequal-
logo
no ínicio, erajá fundamentalmentemoderno,do último plano das quer de abjecção.Paradizermelhor, teria medoque não houvesse.Seriaum
LaxesL
cidnÁeao The unknown de Browning, passandopelo fini d. N;;. a tinham a ver com masque o
como tals questoes.
esquecero lento trauellingvacilante que projecta o jovem Renoir oróorio cinema estava
sobre
Nana, deitadana suacama,agonizantee sifilrticarcontra a nossa É qu., trinta anosdepoisdasprojecçõesrepetidasde
opinião
de ratosde cinemateca,.como tinha siilo possívelver em Renoir q.r"lq,r., no liceu Voltaire, os camposde concentração- que me serviram de cena
gestode beatice,quando ele foi um dos raros cineastascapazes primitiva - deixaramde estarfixadosno respeitosagradoonde foram man-
de criar
uma personagemà custa de trantellipgs! iidos por Resnais,Cayrol e muitos outros.Abandonadaaoshistoriadorese
com efeito, a crueldade.r" iógi." do meu percursode combatente aoscuriosos,a questãodos campospassava de agoraem diante,pelosseus
dos cahiers.André Bazin,que já"lhe tinha feito a reoria, imaginou-a trabalhos,as suasdivergênciase assuasloucuras.O desejo"forcluso" que
tão regressa.de forma alucinatóriano real' é, evidentemente,aqueleque
estreitamenteligadaà essênciado cinemaque quasefezdela u ,iru"
colsa>. nunca deveria regressar. Desejode que não tivessemnunca existido câma-
DgãLn,essesanro laico, amqva LouisLqIr.oSfpn-perque aí se via um
I -
o p" rasde gás,nem soluçãofinal e, no limite, nem campos:revisionismo,fau-
| {gn io r*sn:ed ile,e-{rr- ppumúniç' pi
glsps-{-.el
I ein:ne*unsgffilltplgtdtta. Escolher
""iìffiõ_iffi t.
oscahieis i"riì'*o
rissonismo,negacionismo, sinistrose últimos-ismos.Não é só o "travelling
"á;ilÍË;ï
como a;3ba1igpor descobrir,um cerro desprezo de Kapo, que um estudantede cinema herdaria hoje, mas também uma
Ie, pela imaginação. Ao um tabu mal retirado,em resumo'um novo
l<í,<lueres transmissãomal assegurada,
olharl Então, vê lá isto!" de Lacan respondia,porã,urrrço,u*
lançar de carras na história nula da tribalizaçãodo mesmoe da fobia do
Daney: O "travelling> de Kapo

2/6
outro.
.rscs3e?r: $\rsss.s-sl acontecimentoà ficção,seriaretirar-lhea suaunicidade,porquea ficção
é essaliberdadeque esmigalhae que se abre,adiantada,ao infinito da va-
sinromas
deque,fazendo
o rerorno
sobre aqui-
,^ que
lo .j)r,ï.rl?l?
lhe foi l"^r"lrjllá
dado para viver como História, qualquer riante e à seduçãodo mentir-verdadeiro.
geraçãopossatomar consciênciada paisagem ;ï;1ffi Em 1989, passeando-me, para o Libération,em Phnom Penh e na
"," paisagem
em que cresceu.
trágicae' ao mesmotempo, confortáver. campanhacambodjana,entrevi aquilo com que se opareciaoum genocí-
úi, ,o.rho, porrticos- o ameri- dio - e mesmoum autogenocídio- gue, no entanto, ficou sem imagens
cano e o comunisra- o-alizados por yarta. Atrás de
-retomo moral simbolizadopor pár,to de não- e quasenão deixou traços.A prova que o cinema não estavamais inti-
"or, "À
Àuschwitz e o novo conceito de ,.crimecon- mamente ligado à história dos homens, mesmo que sobre o seu aspecto
tra a humanidadeu.À no*" frente: essa
coisa impensáver,quaseffanqui-
lizante, que é o,apocalipsenuclear.o desumano,tive-a eu, ironicamente, no facto de, à diferença dos cârrascos
l,r"-"."bou de findar durou mais de nazisque filmaram assuasvítimas, os Khmers vermelhossó deixarematrás
quarenraanos' PerrenÇo] eÍèiro, à'primeirageraçãa;;;;
mo e o anti-semitismotinham1om õ; o racis- deles fotos e pilhas de ossos.Ora, é na medida que um outro genocídio,
definitivamenteiaijo.",
tória". A primeira- e a únical_A única, "r"rj."ã, da his- como este,cambodjano,ficou simultaneamentesem imagense impune
de qualquera", A*i"r, que não querpor um efeito de contágio rerroactivo, a Shoahfoi ela mesmaremetida
acreditariatão facilmenteno lobo do fur.ir-o _
- porquepareciacoisado passado, "ã f"r.ir_o-.,âãprrr"rat" paraa suarelatividade.Retorno da metáforabloqueadaà metonímiaacti-
nulo e, de uma vezpor todas,acabado.
Erro, seguramente. Eno que não me impediude viver bem os va, da paragemde imagem à viralidade analógica.Tüdo isto se passou
gloriososo,mascomo enrre aspas.Ingenuidadef meus.trinta muito depressa:desde1990, "a revoluçãoromena>)inculpava assassinos
rd;;;ü. iü".,uiar- indiscutíveiscom acusações tão frívolas como a de "detenção ilegal de
de tambémde fazercomo.se'ro.u*po dito
estético,a necrofiliaeregante
de Resnaistivessecolocado.r"*"..'r,i" armasde fogo e genocídio".Estariatudo a refazer-se? Sim, tudo, masdesta
"ìaçqp.iá" ;ã;;;;lquer rn_ vez semo cinema.Daí. o luto.
delicadaintrusão. rr,,oi".
. Não tr3-pgsiadepo_is,d Porque nós, é indubitável, acreditirmos no cinema. O que quer dizer,
reveressa6rrnula c m-o,para depois também,que fizemostudo para não acreditarnele. E esta a história dos
v ç:tt5*c*L
dito=em
F.ï:it
*l eco, qegg9+laodonar,. e_U-glfu essa ll".psdsrfu Cahierspós-68e da suajlgpggÍvekeiçIÇ4+do baãinia Certamente não
i*: ia errççii iv a. ;põ
tegidos"pelaondade,choqueprodurãffi" ie, se tratava aí só de "seguiros mesmospassos> ou de desolarBarthes,con-
a"rãïãã-ããËr-pos de fundindo o real com o representado.Sabíamosde mais,para não inscrever
concentração,acredirámosque a humaniàade
teria ."i,d;: Jma unica o lugar do espectadorna concatenaçãosignificante,ou para não reparar
vez- masque não regressaríamos, nunca mais,ao não-humanolrbríamos
verdadeiramenteaceite a apostaqu", poì na ideologia tenaz, que trabalha sob a falsa neutralidadeda técnica. Era-
uma vez, .o pior tinha sido mos mesmocorajosos,PascalB. e eu, já que, face a um anfiteatro cheio de
aquilo"?Tèríamosa esreponro que aquilo qu".rao.hamáva-
"rpÈrudà
mos ainda a shoahera o acontecimenro " esquerdistas trocistas,gritámoscom voz roucaque um filme .não se vôr,
hìstórico único ugraças,ao qual que um filme "se Ìê". Louváveisesforçospara estardo lado dos que não
a humanidadeinteira.saía, da história puru
desviarum instanree re- sedeixamenganar.Louváveise, paramim, vãos.Chegasempreo momen-
conhecernele o pior rosrodo seupossívél "
a*ri"Àl p"r;'il;i.
Mas, adjectivos como único e inteiro eram to em que se deve,apesarde tudo, pagaro tributo à crença ingénuagg
. ainda demais e se a deve rousÈf,Ê{&r,nquilo-due se vê.
humanidadenão herdassea Shoah," ã
^ *"à1o;ã"qúb;;eh
contrnuaa ser capaz,a exterminaçio foi e É obvio qu"ïao rããõ6iig"do a crer no que sevê - é mesmoperigos!
do, Judeuscontinuariaã ,., up".", - mastambémnão seé obrigadoa ficar agarradoà representação pelo ci-j
uma história judia, depois- por oid.,,' d".r.r.".rt"
de culpabilidacle,por nema. Deve haver algum risco e virtude * em resumo,algum valor- nQ
metonímia- uma história muito alemã,
um pouco frurr..rl, arub" ,o po.
ricochete,muiro pouco dinamarquesa facto de mostrarqualquercoisaa alguém,çap??ds.yçr çç
e quasenada búrgarr.É rr" possibi-
lìdadeda metáforàque respond.,'nocin.Àa, naoqilp*que.[e.lhm,osF*]..Para que serviriaaprendera .ler, o visual e
o imperarivoomoderno, de as mensagensse não persistisse,minimalmente, a mais en-
defesada paragemdã imrgàm o "descodificar>
ã" fi.çao, rr"rãr"-rãì. apren- raizadadas convicções:gu-çt,gLçLApSSAI-dç-çX4gr*Wç;ng
der a narrar de outraformauma " outra
"*b"rgo q *ggtry'E o
hisìória na qual a .espéciehumana,
seriaa única personagem que não se viu *a tempo>,nunca maisserávisto, verdadeiramente. O ci-
e a primeira anti-estrela.n"rr""-r"ìã ã.rp"r.",
um ouffo cinema,um cinema ,.quesaberia,que nema é a arte do presente.
E sea nostalgiade pouco lhe convém,é porque
renderdemasíadocedo o a melancoliaa duplicainstantaneamente.
Daney: O "travelling> de Kapo z19
2tE
Recordo-meda veemênciacom que proferi estediscursopela primei-
ra e última vez. Foi em Tèerão,.t.r*" .t.ãr" de cinema. Faceàos-jornalis- história americana. Holocaustoseria assim a história azarenta de uma
família judia, que é dividida e anulada:com figuranresdemasiadogordos,
tas convidados, Khemaïs K. e eu, havia bancos e bancos corridos
cheim performnnce.s de actor, um humanismo exaltado, cenasde acção e melo-
de rapazescom barbasrasase bancoscorridos cheiosJ; ,;;;;;io, - r"*
dúvida raparigas.os rapazesà esqúerdae as raparigasa direita,ïegundo dramáticas.E compadecer-nos-ia.
'raparigaso só soba forma do docu-dramaà americanaestahistória pôde sairdos
apartheid"aí em vigor. As questõesmais inrereir"rri., - as das -
apareciam'nossob a forma de pequenospapéisfurtivos. E foi ao ,rc-Iu", cineclubese, via televisão,tocar essaversãosubjugadada *humanidade
,ao inteira" que é o público da mundovisão.seguramenre,a simulação-Holo-
atentas e tão estupidamenteveladasque me deixei arrebatarpor
uma causto deixou de construir-se sobre a estranhezade uma humanidade
cólerasemobjecto,que asvisava-.rroi a elas,do que aàotÀ, poaerosos
paraquem o visível era aquilo que devia serlido, quir dizer, qo. capazde um crime conüa ela mesma,para permanecerobstinadamenre,
o ,ur. incapazde fazerressurgirdessahistória os seressingularesque foram um a
peito de traição e esmagadópor um rchnàoro,, poi um polícia
àos"r,
signos. um, cadaum com uma história,um rostoe um nome,osJudeusextermina.
Animado-pela estranhezado momento e do lugar,
u- ,".- dos.Foi, de resto,atravésdo desenho- o de Spiegelmande Mazs - que
mão em favor do visual para um público veladã que "rrtr.gr"i--" "
tinira as opiniões do seousaria,mais tarde, esseacto sâlutarde re-singularízação.
Através do ãe-
seuchefe.
senho,e não do cinema,já que é verdadeque o cinema americanodetesta
cólera tardia. cólera terminal. porque a era da desconfiançaestájá
enterrada.só sedesconfiaquando u*" ..it" ideia de verdade a singularidade.com Holocausto,Marvin chomsky retomou, modestae
yogo. triunfalmente, o meu inimigo estéticode sempre:o bom e grandeposüerso-
Já não há nada assimhoje, senãonos integri$tase nos beatos,,"qu.l",
"rri.- qï"
procuramdiscutir o cristo de scorseseeã Maria de Godaú. ciológico,com o seucasúing bem estudadode espécimes rohedoreie o som
4, ì+ug*r" e luz de retratos-robot animados.o ciclo fechou-se,e nós perdemosmui-
-do "*õr>, etas tíssimo.A prova?É por volta destaaltura que começamâ cirb.rlar- e a
indignar-nos- os escritosfaurrisonianos.

Foram-meentão necessários vinte anospara passardo mea *travelling


povo no escuro' incendiavam o seu imaginário para aquecer de Kapo" a esteirrepreensívelHolocausto.Levei o meu tempo. r{ .questão>
o seu real - dos campos,a questãoda minha pré-história, ser-me-ia.olocada, uma e
era o cinema mudo. E como elesacabarampor deixar que a chamu
seapa- outra vez, mnsmaisuerdnÀeirmnente atravésda cirwma.Porquefoi pelo cine-
gasseao ritmo das conquistassociais,contentando-r. .o-
entreténsde ma que compreendiem que é que estahistória me dizia respeito,por que
poucofogo- e é o cinemafalado,com a televisãonum canto
da casar.No gonta me tinha e sobque/orm.a- um ligeiro uavellingamais- me apareceu.
momento em que fixou esteprograma- foi ontem, em lggg - o historia-
dor Godardpoderiajuntar: .Enfim só!,. E precisoser-sefiel em relaçãoàquilo que, um dia, nos deixou perplexos.E
qualquer*forma' é um rosto que nos olha. E por estarazãoque nunca acre-
Quanto a mim, recordo-medo momento precisoem que soubeque o
axioma "travelling de Kapo" deveriaserrevisto,e revisto,iambém, ditei - mesmotemendo-os- nos que, desdeo cineclubedo liceu, troçavam,
o con- com uma voz cheia de condescendência, dospobresloucos- e loucas- *for-
ceito-chavede
"cinema moderno'. Em 1979,a televisãofr"rr..o difrrrrdiu malistas>>rculpadosde preferiremao <conteúdoodos filmes o gozointimo
a sérieamericanade Marvin chomsky Holocausto.Fechava-seum
ciclo, e da sua.forma'. só quemcriticou demasiado cedoa viohncìafo.nryJacabará
eu era colocado,de novo, nos lugaresodepartida. porque, se os americanos por saber- maspara issoé precisatoda uma vida, a própria - em q,reé que
permitirain a Georgesstevensrealizar,em 1g45,o .rp"rrtoro
documentá- gg-Y"Lo-lê*cil,.qambép,
rio citado anteriomente,não permitiram,por causada guerrafria, -rc* yn-fup5$ E o momentochegará sempre
a suadi- dffiãlffi-ceffi paã.ËffiiËËffiït"cado o enigma
d", fig.,r",singu-
fusão.Incapazesde <<tratar> essahistória qu., tudo, não era a
"p.r"rãe Iaresda suahistóriapelasbanalidadesdo .cinema-reflexo-da-sãciedade"
e
deles,os empresáriosde espectáculos ameiicanos tinham-na provisoria- por outrasgravesquesrões,necessariamente sem resposra.A.hmq é dSpç-
mente abandonadoaosartistaseuropeus.Mas tinham sobreela, como
sobre
nda ahistória,um direito de preensãàe, mais cedo ou -ui, t"rd.,
máqui,
n,e$-M*rah"d"*.sxe*amhqu*+d.p.J*l*n*e"çsgar[q*-
na_tele-hollywoodianaousariacontar a <<nossa)> Era isto que me dizia ao ver, dias atrás,üm péqü".tò ffiae televisão
"
história. Fá-Ío-ia com que entrelaçava,langorosamente,imagensde cantorescompletamente
todosos cuidadosdo mundo, masnunca a poderiavendercomo mais
uma famosose de criançasafricanascompletamentefamintas.Os cantoresricos
220 g
- misturavam em troca. Bam,gs"-,pgsnÊ,i
me adoptasse)
- arç tbe çhild-fç+'ys.*qlg.qhS*y-q.Il4l" a suaimagem
"Vç ç
d$e*sl3-{glgm-*ffi s'a-knuff
com a dos esfomeados.De facto, o que eles tomavam era os lugaresdos ou'
Estahistóriu, ào*tçu e acabacom os camposde concen-
tros, substituíam-nos, apagavam-noó.Fundindo e encadeando estrelase es- "nffiãâ-", princípio da
,rrá;;;;;ã^.ì"" ro.u,,, o caso-limiteque me esperavano
queletos num pestanejar figurativo no qual duas imagens se tentavam - foi precisouma vida para
;ã; ,,o fi- d" i.fá".iu.-A minha infância - que irei' por fim'
fazernuma só, o clip executava com elegânciaessacomunhão electrónica e po, ì"o - -""'ugem a Jean-LouisS'
a reconquisrur.
entreo Norte e o Sul.!Lt, diaff"I., e-,fragtç
?çt#el-4*ghi*çãgsÂf.oqla
amado- ver Bunbi.
nnçkg[Ld*dg"rLqrxg Uiae,J['..K4âg.À. queenojassem
Gostaria
iã;centãï;hoje; ou pelo menos que o fizessemenuergonhar.Que não só o
envergonhassemde se saberbem alimentado e cuidado, mas que o enver-
gonhassem de ser considerado como alguém que podia ser esteticannente
seduzidopor aquilo.'
Toda a minha história estavaali. Em 1961, um-movimento de câmara
estetizavaum cadáver e, ttinta anos mais tarde, um fundido encadeado
fazi4 dançar os que morrem e os que enfardam. Nada mudou: nem eu) con'
denado a não ver mais do que o carnaval de uma dança de morte ao mesmo
tempo medieval e ultra-moderna' nem as concepçõesdominantes do cro'
mático bem-pensante da "beleza> cor^Npnsual.A forma, essa,mudou um
pouco. Em Kapo, era ainda possível a Pontecorvo abolir ligeiramente uma
distância que devia ter "guardado". O ing era imoral pela boa razão
que nos colocava, a ele cineastae a . onde não estávamos.
Lá, onde eu, em qualquer dos casos, não podia estar nem queria estar.Por'
que ele me ,.deportava', da minha situação real de espectador-testemunha
para me incluir à força no seu enquadramento. Ora, que sentido poderia
ter a Íbrmula de Godard senão
WS. ngJalar no.Iwor doi' puit;rrr-.
Imaginando os gestosde Pontecorvo ao decidir o nawelling,miman-
do-o com as suasmãos, quero-lhe bem mais do que em 1961, já que um
travelling representa ainda os rails, os moquinisÚ4s,em resumo, um certo
esforço físico. Mas imagino menos facilmente os gestosdo responsáveldo
fundido encadeadode "\le are the children". Imagino-o a premir os botões
da sua consola, a imagem na ponta dos dedos,definitivamente desligado
daquilo que - e daquelesque - ela representa,incapazde desconfiar que
não é mais do que um escravodos gestosautomáticos.E que ele pertence
a um mundo - a televisão- de onde a alteridade desapareceuaos poucos'
e onde já não há nem bons nem maus procedimentos quanto à manipu-
lação da imagem.Estajá não é mais ..imagemdo outror, mas uma imagem
entreoutras'nomercadodasimagensdemarca.M
+e reJglta,!*An, que já não me provoca mais do que lassidãoe inquietute,
.*è*#.amç*qg"qI+uI]#JttçgIçi$Rmm.O quequerdizerqueé um mundo Tiaduçãode Célia Quico
sem o sentimenro de pertença à humanidade através de uln país suplemen- e Mário Grilo
revistapor CláudiaGonçalves,JorgeRosa João
tcw,charnadocinema. E o cinema, percebo agora que o adoptei, para que ele

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