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Coleção

TEATRO HOJE
Direção de DIAS GOMES Alfred J arry
Série Autores Estrangeiros
Volume 20
.
VOLUMES PUBLICADOS:
Série Autores Nacionais:

Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar - SE CoRRER


o BICHO PEGA, SE FICAR o BICHO COME
I UBU REI
Flávio Range l e Millôr Fernandes - LIBERDADE, LIBER-
DADE (2 ~ edição) ou
J orge Andrade - SENHORA NA BÔCA DO LIXO
Série A uto1·es Estrangeiros: ~
I OS PO LONESES
Bertolt Brecht - SR. P UNTILLA E SEU CRIADO MATTI
Sófocles - ÉDIPO REI
Sófocles - ANTÍGONA
Jean Genet - O BALcÃo
Drama em cmco atos
Joahn Strindberg - SENHORITA J ÚLIA e 0 PAI
William Shakespeare - MACBETH .
CCdnor Cruise O'Brien - ANJOS AssASSINos
Tradução de .
Série Teoria e História: FERREIRA G ULLARi
Paolo Chiarini - BERTOLT BRECHT
Bertolt Brec ht - TEATRO DIALÉTICO
Erwin Pi.scator ~ TEATRO POLÍTICO
Constantin Stanislavski - A PREPARAÇÃo DO ATOR
(2?- edição) ,
Constantin Stanislavski - A CONSTRUÇÃO DA PERSO-
NAGEM
J erzy Grotowsky- EM BuscA DE UM T EATRO POBRE
Próximo Lançamento:
J
Constantin Stanislavski A CRIAÇÃO DE UM PAPEL
civili zação
brasileira
Coleção
I Eudinyr Fraga
",
Título do original francês: n
UBU ROI ou Les Polonais !
Publicad o em língua portugu êsa
mediant e acôrdo firmado com
La Societé des Éditions Grasset e Fasquell e.
61, Rue des Saints-P êres,
Paris, VIe

Montage m de capa:
DOUNÊ I
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LÉA CAULLIRA UX ~
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Direitos universa is para a língua portugu êsa


adquirid os pela
EDITOR A CIVILIZ AÇÃO BRASIL EIRA S. A.
Rua da Lapa, 120 - 12Q andar
RIO DE JANEIRO,
que se reserva a propríed ad·e desta tradução .

1972

Impresso no Brasil
Printed in Brazil ALFRED ]ARRY na época em que escreveu Ubu Rei.

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\..l ·.r.- .,t ._.. . . . ... _
..,. ...~ 1 .~


Happening Ubu

ÜTTO MARIA CARPEA ux

Ü DIA 10 de dezembro de 1896 é uma grande data


pa história do teatro francês - com algum exagêro
dir-se-ia que é mesmo uma data histórica. Lugné-Poe, o
grande renovador do teatro parisiense, já tinha surpre-
. endido a gente com representações de Pelléas et Méli-
sande, de Maeterlinck, de Rosmersholm, de Ibsen, da
Salomé, de Wilde, obras que passavam então por exces-
sos de modernidade. Naqu ele 10 de dezembro convidou
a crítica hostil e o público desconcertado para o Théâtre
de l'Oeuvre, prometendo uma peça inédita de autor des-
conhecido: Ubu-ROi, de um certo Alfred Jarry. O título,
lembrando vagamente o Oedipe-Roi, de Sófocles, pare-
cia anunciar uma tragédia clássica. Realmente, ao le-
vantar-se o pano, os espectadores viram as colunas de
um templo grego, embora com a palavra École na ar-

ix
quit rave , e um côro de com pars as prov idos
ras. Aco stum ados ao estil o decl ama de más ca- ram ente excê ntri ca (out ros dizem:
tório Foi hom em baix inho , vigoroso como for~ emente louc a).
,I
Fran çais , espe rava m ver o ator prin cipa l do Thé âtre
avan çar para seus
pate rnos cicli sta apai xon ado, esgr imid or ante pass ados
a riba lta, pron unci ando versos raci nian os
com o - dor à li~ha - apen as os olhos prof undos hábi l, pesc a-
a apa rên cia de um desp ortis ta desp reoc upad desm enti ram
pTa ctica l jokes, zom bav a de todos e
o. Dado a
((
Cet espr it d'imp1·udence et d'e1·reuT, cula riza do por todo s, leva ndo uma exis acab ou send o ridi-
Com o todo s os gran des hum oris tas, com otênc ia burl esca .
Swi ft, como Gogol, foi hom em trist e. O fato Moliêre, como
De la chut e des rois fune ste avant-cou1·eu
r", quee1·, no dizer de .Joyce, con~ribuiu para torn de ter sido
tími do. Viveu em pob reza abje cta. Rec usou á-lo isolado,
tuni dad es, por inca paci dad e inat a de faze tôda s as opor -
háb itos da vida burg ·ues a e às conv ençõ es r con cessões aos
mas em vez disso, o gran de ator Firm in da vida lite-
çou para a riba lta, dirig indo -se à plat éia,Gém ier avan - rári a pari sien se. A tôda s as suas tribu laçõ
es junt ou-se
do a pala vra que nun ca até entã o se tinh a pron unci an- doen ça tortu rant e. Enc ontr ou o únic o cons
ôlo no álcool.
ouvi do num Pod e-se afirm ar que .Jarr y se suic idou , bebe
palc o: ndo siste -
({Me rde! " màt icam ente . Mor reu em 1907 , com apen as
tro ano s de idad e, na mes ma solidão em trin ta e qua-
Foi o escâ ndal o. vive ra. que sem pre
Mas nem todos os pres ente s vaia ram a aud Os prim eiro s que reco nhec eram
ácia iné-
dita . Esta va pres ente Mal larm é, o grav e Mal larm é, e Jarr y, fora m Apo llina ire e Max Jacoab: imp ortâ ncia de
seu com entá rio foi uma surp rêsa : "Jar ry em 1903 um núm ero espe cial de uma revi dedi cara m-lh e
é poet a"1 dis-
se, "e com êste Ubu -Roi com eça uma nov
a époc a". Foi que ning uém leu. Dep ois, muit o depois, viersta liter ária
uma fras e prof ética . Mas a prof ecia ficou dura real istas , cain do n o outr o extremo: dese nter am os sur-
temp o inco mpr eend ida, ' e aind a hoje mui tos nte mui to qua se esquecido Jarr y. para colocá-lo nos rara m o já
perg unta m:
- Que m foi Ubu? Que m foi Jarry ? · dos pont ífice s do mov ime nto cheg ou a altar es; um
Que resp onda Jam es Joyce. Em Finn ega ns Ubu -Roi vale mai s que as obras com
decl arar que
obra na qual cada fras e ence rra Wak e, plet as
pear e. Mas não foi mod a efêmera. É indi de Shak es-
são crip togr afad a, Sha un diz sôbre pelo men os uma alu-
Shem : "He has nove l fluê ncia prof und a que Jarr y exerceu sôbr scut ível a in-
idea s I k1WW am:l he's a Jarr y quee gua rda fran cesa : sôbr e a poesia das grane tôda a van-
quee r é alus ão men os deli cada aos hr ábit
fish~'. O adje tivo
os da vida quot idia na, de Léo n-Pa ul Farg ue; des cidades e
suje ito da frase, mas · trata -se, sem dúvi da, sexu ais do sia de hum our noir de Aud iber ti; sôbr e sôbr e a poe-
cret a hom enag em a êsse hom em de nove _de uma se- expe riên cias ling üíst icas de Michaux; sôbras auda cios as
l zdeas: a Al- e
fred Jarr y. drar s, que tran smi tiu uma cent elha de irrev Blai se Cen -
rini ana ao mod erni smo paul ista; sôbr e erên cia jar-
Não se descreve com fras es convencionai F erna
fish. No enta nto, uma intro duçã o - com s um quee r que d edic ou a J arry um estudo notá vel, nd Lot,
pode disp ensa r cert os elem ento s info rmao esta - não depo is, pela mon ogra fia da escr itora suíç só supe rado ,
Jarr y nasc eu em 1873 em Lavai, filho de tivo s. Alfred dion -Wa lcke r, que foi ami ga de Joyc e a Caro la Gie-
cam pon eses robu stos da Bre tanh a e de umagera ções de Des de entã o, o anti liter ato Alfred Jarr y tem e Apo llina ire.
mãe ligei- men te, gara ntid o seu luga r na hist ória , para doxa l-
da liter atur a
X

xi
moderna. Ubu é rei coroado e ungido de uma vanguar- do século e do mundo. Jarry também virou simbolista e
da que já deixou de ser vanguarda. decadentista. Mas suas lam entações n ão se referiram
Jarry começara ridicularizando Ubu, caricatura do ao passado e, sim, ao futuro, e seus versos não eram
repugnante e tirânico pro!essor sec~n?ário que lhe harmoniosos, mas deliberadamente ásperos ou, como se
amargurara os dias de garoto no Coleg10 em Rennes. dizia então "barrocos" (é, aliás, surpreendente a se-
Tornando-se famoso por essa caricatura demolidora, melhança dêsses seus vers<:s com. os do maneiri~mo e
Jarry acabou identificando-se com sua vítima, andando barroco inglês, que J arry nao podia conhecer ~ nao co-
como Ubu e falando como Ubu. Foi sua máscara para nhecia). De fato, as poesias do volume Les Mznutes de
defender contra amigos e inimigos íntimos sua pTiv-acy Sable Mémo1ial são as primeiras poesias realmente van-
vulnerável e vulnerada. Criou-se um equívoco: Jarry guardistas da literatura . francesa : influ enci a~as por
teria sido o próprio Ubu e Ubu-Roi sua única obra no- Lautréamont, antecipam muitas vêzes o surrealismo de
tável ou pelo menos decisiva . Mas não é tanto assim. Breton . ,
'
Alfred Jarry '
não é homem de um livro só. Sua Obra e, É claro que em 1895 ninguém entendeu essa espe-
volumosa e multiforme e s uas obras, embora em parte cie de poesia . Mas achou alguns admiradores ,o .roman-
dificilmente acessíveis, s'empre são importantes e, às ce Messaline, porque cheio de erudição arqueolog~c:=t; e a
vêzes, de surpreendente atualidade. obra teria talvez encontrado reconhecimento oflc1al, se
Quando J arry, jovem estudante, ainda vivia na a imperat~iz ro~ãna fôsse um pouco menos ostensiva-
Bretanha, a grande moda literária da época era o na- mente ninfomaníaca.
turalismo à maneira de Zola. Sacrificando a êsse estilo, Os interêsses científicos de J arry eram muitos e
Jarry aproveitou as experiências dos seus dois anos de não se limitaram à erudição clássica. Em Le Surmâle,
serviço militar obrigatório em Lavai para escr ever o ro- o personagem principal é um técnico, um especi.alista
mance Les Jow·s et L es Nuits, quadro repugnante de em eletrônioa avant la lettre. O romance antecipa a
gente brutalizada, dir-se~ia bestializada e estupidificada science-fiction e prediz muito exatamente os horrores
pelo treinamento militar. Logicamente, o personagem que a técnica é capaz de desenfrear quando a~usam
"heróico" do romance é Sengle, o desertor. Se, naquel~ dela os tecnocratas-ditadores; também vale ,mencwnar,
época, círculos oficiais se tivessem dignado de ler êsse neste contexto, o poema "Chanson Du De?ervelag_e",
romance, estariam patrioticamente indignados. Mas que prediz a mistificação tias massas pelo bram-washzng
cinqüenta anos mais tarde, os militares de Lavai e ou- da propaganda política. .
tras localidades, derrotados por um inimigo estrangei- Nem todos os estudos de Jarry podem ser levados
ro ainda mais reacionário que êles próprios, deixaram a sério. Dos seus tempos de poeta simbolista tinha êle
de ser a honra 'e a esperança da Pátria Francesa, e An- guardado certo interêsse pelas ciêz:cias oAcult~s e . por
dré Gide escreveu, em 11 de ·maio de 1941, em seu Jour- brincadeiras cabalísticas; da sua mae excentnca tmha
nal as palavras seguinte-5, que esprimiram a honra e a herdado uma forte veia de misticismo. Durante anos
esperança da verdadeira Pátria Francesa: uJe ne compte ocupava-o um esfôrço sério, embora involuntàrian:ente
(ou voluntàriamente?)_ humorístico. de- "de~cobnr as
plus que sur les déserteurs". O desertor Sengle estava leis que regem as exceçoes, para explicar o Umverso Su-
vindicado. :
plementar". Monumento dêsses estudos é o ro~~nce Les
Em Paris, naqueles anos de 1895, o naturalismo já Oest es et O pinions du Dr. Faustroll, especialista em
era vieux j eu. A gente trajava, então, simbolismo e ·d e- .í "Patàfísica". Há quem goste dessas coisas. O _poe~a Que.-
cadentismo, lamentando em versos harmoniosos o fim neau chegou mesmo a fundar (e manter ate hoJe) um
xii xiii

I
I
Coll ege de Pata phys ique . Mas o fato
de que um dos fre-
qüe ntad ores mais assí duo s dess a soci edad em part idár ios do com unis mo. Abs trai
cad ores é o dram atur go do absu rdo ou e de mistifi- esq uisi tas e (par a dize r a verd ade) impndo -se das idéias
dra mat urg o ab- tafí sica ", Jarr y nun ca che gou a apre sen rest áve is da "Pa-
surd o Ione sco, êsse fato bas ta para des tar qua lque r es-
góci o inte iro. mor aliz ar o ne- péci e de prog ram a liter ário ou mes mo anti
Os :verdadeiros títu los de glór de Jarr quis . Seu espírito e sua açã o fora m tota liter ário . Nem
tros . Fo1, em tudo, o prim eiro . Jáiaem y são ou- rad ame nte nega tivos . Com o mes tre da lme nte e delibe-
Hen ri Rou ssea u, ao qua l con feri u o títu 189 4 desc obri u siva , Jarr y está men os per to do surr eali neg ação agre s-
dov anie r (ma is tard e rein ven tado lo de pein tre- um out ro mov ime nto, ecli psad o por êste smo do que de
Rou ssea u, agra dece ndo , retr atou -o: por Apo llina ire) .; e
- em com pan hia não nas cera em solo fran cês: Jarr y , talvez porq ue
Gra nde Prec urso r de Dada. é, na verdade, o
de un: pap aga io e de ~m cam aleã o. Jarr
tas cois as, um prec urso r. E o cam aleã o y foi, em mui- Dad a nasc eu na Suíça,. dura nte
seau lhe deu como com pan heir o é bem que Hen ri Rous-
' - o sím bolo com o prot esto con tra a viol ênci a ea cor gue rra, em 1916,
mul tifo rmi dad e das sua s idéi as ~ntecipa da mu, ndo que mer ecia só um qua lific ativ rup ção de um
Pre curs or êle foi, em prim eira linh a, das. pala vra de Ubu-Roi. Já ante s, em temo: o da primeira
da poé tica , e é just o, por tant o, que a da van gua r- ilus ória , tinh a Jarr y reco nhe cido essa pos de uma paz
ção de Ubu -Ro i tenh a sido con pres ente trad u-
fiad a a Fer reir a. Gul lar um mun do acad êmi co-b urgu ês-m ilita r.anti qua lidade de
um dos mai ores poetas de van gua rda com pree ndid o: com o infa ntil ism o agre Dad a foi mal
tor de um livro origin?-1 e indi spensávebras ilei ra e au~ pou co foi ente ndid o. Ain da na ediç ão ssiv o. Jarr y tam -
de 1938 do Ma-
das van gua rdas em pa1s subd esen volv idol sôb re o pape l nua l Did átic o Ofic ial de Hist ória
Lite rári a, de Mar eei
com o o nosso. Bra uns chv iq, Ubu -Ro i é cita do com o exe
Já alud i à influ ênci a exe rcid a por Jarr mpl o de "Te a-
y
c?m o Cei?-drars, Aud iber ti, Mic hau x e Fer sôb re poetas tro Côm ico" , ao lado de um fabr ican te
nan d Lot. Po- de peç as de bou -
rem , .m~1to antes, essa infl uên cia já leva rd com o Fey deau . Hoj e, a pers
pec tiva já é diferen-
foi sens ível em
Ap?llm~Ir~ ~ M~x Jaco b. ~ mai te: Jar ry pare ce-n os o prec urso r do Tea
s imp orta nte· que êsses
efei tos Indi vidu ais da poe sia de Jarr Ubu -Ro i é, em tudo , a primeira peçtro do Absurdo.
bre um mov~mento liter ário inte iro: sôb y é seu imp acto sô- Abs urdo . Mas essa veri fica ção perm ite a do Tea tro do
Os surr eali stas fora m os prim eiro sréque o surr eali smo . faze r as disti nçõe s indi spen sáve is. Jarr ime diat ame nte
ram a imp ortâ ncia de Jarr y com o mes reco nhe ce- que ver com o pess imis mo met afis y não tem nad a
ico de Sam uel Bec kett
(ou anti lite ratu ra) e com o mes tre de tre de liter atur a e mui to men os com a friv olid ade pré-
acad êmi ca de Io-
estil o de v1da. Deve-se aos surr eali stasum dete rmi nad o nesc o. Seu hum or não deix a de ser cart
de Jarr y com o prec urso r da van gua rda a in tron izaç ão mon stra ção rigo rosa men te lógi ca de umesia no: é a de-
Rea lme nte, cert as pág inas de J arry , oscido sécu lo XX. esta seja absu rda. Sain do do deca den a tese , emb ora
humor-n~gro e a mís tica do
land o entr e o
absu rdo, entr e o real e o sua moc idad e, Jarr y reco nhe ce e adm tis mo poético da
em seu redo r está dec ade nte. Por que neg ite que o mun do
irre al, lêem -se hoje com o se tive ssem á-lo ? Mas a rea-
Bre ton ou Tza ra, por Arp ou Crevel. sido escr itos por ção de Jarr y não é cho rosa o a de um Sa~ain ou
o dire ito de anex ar tota lme nte a mem ória Mas tinh am êles l ·Mo réas . É, exat ame nte, a mescom ma reaç ão - num a fam o-
de Jarr y, como
de um surr eali sta ava nt la · Zettre? Não
se
Jarr y nad a de escr ita auto mát ica e truq enc ont ra em
ues pare cido s,
I sa pág ina do Ulysses, de Joy ce- dos jude
Bab ilôn ia: ". . . and the r sit dow n by us exilad'os na
the wat ers of ba-
nem nad a daquilo que tran sfor mar ia,
gun s surr eali stas er:Q. ade ptos da psic
mai s tard e, al- I balo ng and laug h". As lágr ima s
dêst e
dem oral iza- as, dem ons tran do que são mun do, J arry
anál ise e outr os lem a pod eria ser: ({A un Absurd~, Abs absu rdas . Seu
urde et Dem i". E
xiv
XV ·
a denún cia dêsse absur do é a prime ira palav ra de
Ubu-R oi. dos s~us ~esgraçados súdit os,. 1:epresentados no palco
É uma mani festa ção delib erada ment e
pelos mfeli zes aluno s. Ubu-R oz e peça profé tica: ante-
antili
Por isso mesm o não se limit a à revol ta contr a a terár ia.
litera
cipa· a revol ta da mocid ade.
tura, oficia l ou outra . É expre ssão de uma revol ta geral- _Essa r~lação entre a peça de 1896 e sua repre sen-
que Ja. ' come çou com ta~ao na. ~Ida, na .se_gunda meta de do século
a revol ta antim ilitar ista de Les' mite deflm r a posiçao histó rica de Ubu-Roi. XX, per-
Jours et les Nuits e con tinua com a revolt a
anti-e scola r de Ubu-R oi. digam os . D~rante ~uito tempo , a hi storio grafia literá ria ofi-
· c~al nao se digno u de toma r conhe cimen to
Taf!l~ém a êsse respe ito é Jarry um da exist ên-
precu rsor. Cia d~ ~lfred J::rry . Seu nome não aparece nem seque
Ubu-R m e de 1896. O decên io segui nte assist r
e
movim ento literá rio (emb ora até hoje ainda não aregis um ~as úl.t!ma_s edi.çoes ~o L~nson . Mas depois
do surre a-
trado nem perce bido pelos histo riado res da litera tura)- lismo Ja nao fOI possivel Ignor á-lo. Para
de revol ta contr a a escola. Bast a citar o roma nce coisa, procu ravam -se casos parec idos na desin toxic ar a
histó ria li te-
A.M. D.G. (1910 ), de Pérez d e Aya la, com sua rária da Fran ça. Os mestr es-es cola lembr avam -se ent
cia contr a a educ ação nos colég ios jesuít icos da Espa
tendê n- da fam.osa e ~urbulenta ~epresentação, em 1S30, ão d~
nha, e A Portr ait of the Artis t as a Youn g Man (1916 - · Herna m, de V1ctor Hugo consi derad a como
. ' data do
) nas~Imento do ro.mantism o. E dizia m
de Joyce. São varia ntes trágic as do tema . Uma varia n- que a repre
te tragic ômica é o roma nce Profe ssor Unrat (1905 ), de taçao de Ubu- Rm no Théâ tre de L'Oeuvre, em 10sen- de
Heinr ich Mann , cujo enrêd o todo mund o conhe ce pelo dezembro de 1896, teria sido a " B ataill e D'Her nani da
filme O Anjo Azul : Unra t é o professor tirâni co, que Vang uarda ". Essa comp araçã o me parec e estúp ida, dig-
perse gue impla càvel ment e os aluno s, descobrindo nêles na de uma aula de litera tura do Prof. Ubu. Pens ando
a perversão mora l de que êle própr io se torna vítim nas conse qüênc ias e efeitos, proponho outra defin ição:
O Prof. Unra t é o irmão mais nôvo de Ubu-Rrá oi.
a. - a repre senta ção de Ubu- Roi em 10 de dezem bro de
1896 foi o prim eiro happ ening .
Alfred J arry escre veu a peça em 1888, com quinz
anos de idade , quan do aluno do Liceu de Renn es, ·parae Que vem a ser um happ ening ? Não é mera bade r-
na jocosa. Um verda deiro happ ening é um ato apare n-
ridicu lariza r um profe ssor de Mate mátic a, Hébe r, que temen te absur do pelo qual se prete nde pertu rbar um
os garotos costu mava m cham ar d e Pere Hébé. Ubu ato sério e cerim onios o de outro s para torná-lo tam-
como Unra t, um mons tro em senti do moral. Tamb ém é, bém absur do, desm ascar ando- o e denun ciand o-o. Um
um mons tro em senti do físico: uma barrig a gigan tescaé exemplo: na Unive rsidad e de Muni que,·o ano letivo cos- ·
que se movi ment a por meio de duas perna s fráge is; tuma ser inaug urado por uma espéc ie de proci ssão dos
cabeç a é pequ ena, mas a denta dura é a de um tubar a
ão. professôres cated rático s que, vestid os com suas togas
A essa mons truos idade física corre spond e o comp pretas, anda m lenta ment e pÇtra a sessã o solene na Rei-
ment o: ~ criat ura é burle sca, cruel , covarde, estúporta- toria; em 1969, os estud antes acom panh aram es~a "Pro-
infern al. Tiran iza os aluno s, assim como é tirânida, ico cissão", usand o máxi- vestid os prêto s e sarac otean do em
qualq uer peque no-bu rguês , quan do dispõ e de poder sô- ritmo de valsa : o prestí gio dos cated rático s sofre u ir-
bre outros. Ubu é mais que um tiran o de colégio secun remed iável abalo .
-
dário. É um símb olo socia l e uma profe cia políti ca. Ubu
é o arqué tipo dos ditad ores cruéi s e estúp idos do sécul Cada repre senta ção, passa da, prese nte ou futur a de
XX. E Ubu é rei : perso nifica o pode r totali tário do Estad o Ubu-R oi é um happ ening . Assim , é um protes to
dos alu-
Fasci sta. Cont ra sua tirani a só adian ta a revol ta tota"' o nos e ex-al unos de Ubu contr a todos os Ubus dêste mun-
do. O métod o do prote sto parec e extra vagan te: que pode
xvi
xvii
uma peça burlesca contra instituições sagradas, defen-
didas por todos os podêres? Um pensador alemão con-
temporâneo, Guenther Anders, explica: ((Happenings .
J•

são encenados por aquêles que não têm poder nenhum


e não possuem ou ainda não possuem fôrça para. mo-
dificar radicalmente ou abolir instituicões execráveis.
São sucedâneos de ação verdadeira, às vêzes atos de de-
sespêro, embora parecendo humorísticos. Os que pos-
suem ou r epresentam o poder nunca encenam happe-
nings (embora suas cerimônias, desfiles, procissões e
recepções se apres.entem tão absurdas como happenings).
Não precisam. Mas tampouco podem. Pois o exercício
I
4I
UBU. REI
ou
do poder torna tão lamentàvelmente sérios os podero- I OS POLONESES
sos que ficam incapazes de compreender o humor desta I
coisa ou de qualquer coisa" - e, para citar outra vez 1
os versos de Racine: insistem em cometer atos de "im-
prudência e êrro, precedentes funestos da caída dos
reis". A resposta de Jarry só podia ser esta: " Merde!"
Ubu-..R oi é uma "coisa" humorística daquela cate- 1
goria. Seu valor literário pode ser discutido e até con-
testado. Mas fica acima de qualquer dúvida a atuali-
dade de UBu-Ror.

I
I

xvili

I
l
I
.i

Ce Livre=-

est dé.d ié

MARCEL SCHWOB

Adonc le Pére Ubu


hoscha la poire, dont
fut depuis nommé
par les Anglois
Shakespeare, et avez
de lui sous ce nom
maintes belles tragoe-
dies par escript.

I
~
:./ .
l

Retrato fiel do Sr. Ubu.

I
' * Reprodução em francês da dedicatória do autor.

---- .
J
·''
Reprodução da capa do lançamento de Ubu R ei.
Personagens

PAI UBu
MÃE UBu
CAPITÃO BORDADURA
REI VENCESLAu
RAINHA ROSAMUNDA
BOLESLAU
LADISLAU
BUGRELAU
GENERAL LASCY
STA:NISLAU SOBIESKI
IMPERADOR ALEXIS
G TRÃo
PILA
COTICA
CONJURADOS E SOLDADOS
Povo
MIGUEL FEDEBOVITCH
NOBRES
MAGISTRADOS
Outro retrato do Sr. Ubu.
CONSELREI~OS.
FINANCISTAS
r .
GUARDAS DE FINANÇAS
CAMPONESES
EXÉRCITO Russo
EXÉRCITO POLONÊS
Os GUARDAS DE MÃE UBU
UM CAPITÃO

7
UM URSO
0 CAVALO DE FINANÇAS
A MÁQUINA DE DECAPITAR
A EQUIPAGEM
0 COMANDANTE

.,
I

ALFREL JARRY em 1906. Desenho de F.-A. Cazals.

8
9
Primeiro Ato

Cena I

Pai Ubu, Mãe Ubu.

PAI UBU
Merdra!

MÃE UBu

Que coisa mais engraçada, Pai Ubu. Tu és um


grosso!

PAI Usu

Mãe Ubu, Mãe Ubu, ainda te mato de pancada!


MÃE UBu
. h.
Não é a mim que deves matar, mas a outra pessoa ..

11:

l
ão- de- coz inh a?
PA r UB u zen as de lac aio s arm ado s de facd~ cyc a, depois
Iss o qua ndo pode.r ia s pôr em cim a
on1 a!
..Juro pel os me us chi fres * que nao
est ou ent en- da cor oa de Ara gão, a cor oa da Pol
den do!
PAr Us u
MÃE Us u
Nã o sei aon de pre ten des che gar .
era s um hom em
Va is me diz er, ago ra, que te con sid MÃ E Us u
-realizado.
De bur ro que és!
PA r Us u
PA r Us u
e, cla ro que me
.Por me us chi fre s, me rdr a, ma dam I
o rei Ve ncesla u
con sid ero . Ou pel o 1nenos, pod eria
me con sid era r: ·'· Ma s por me us chi fre s, Mã e Ub u, me sm o que mo r-
a! E,
ain da est á aí viv inh o da silvde
fia nça do rei
.cap itão de Dra gões, ofi cia l ele con r a , tem filh os, urn a leg iã o filh os.
em d a Ag uia
Ve nce sla u, con dec ora do com a Ord
de Arag_ão, que
Ve rm elh a da Pol ôni a e an tig o rei MÃE Us u
.q uer es ma is?
a a fam ília e
E que m te impede de tru cid ar tôd
usu rpa r o tro no?
MÃ E Us u

PA r Us u
de Ara gão , te dás
- O quê ? 1 De poi s de ter es sid o rei
ins uit o dês ses e
. :ag ora por satisfei~o em pas sar em
rev ista cin co de- Esc uta aqu i, Mã e Ub u: ma is um
te vis to um pij am a de ma dei ra.
expr essão de Jarry , intra duzi vel,
De par ma chan delle verte é a MÃ E U su
ê le quan do estu dant e. E ssa ex-
·referência a u ma peça escri ta por - !
peça , com o uma esp écie de idios ma dei ra, que m
·pressão aparecer á vária s vêze s na
sincr asia de Ubu . Pode-Se adm itir
outr as intenções de Jarr y, com o J Inf eliz , se me ves tes um pij am a de
tenir la clum de/le , agir com o côm o man so. ~t é que vai rem end ar teu s fun dilh os?
referência a

.1,2 13
I
(.

PAr UBu MÃE UBU

Ih, é mesmo ! Mas e daí? Minha bunda não é me- Isso sim, Pai Ubu, · agora falas como um homem:
lhor que a dos outros. de verdade!

PAI UBU
MÃE UBU
Não, não dá pé! Eu, capitão de Dragões, matar o
Pois se essa bunda fôsse minha, t rataria de sentá- rei da Polônia ? Antes a morte!
la n um trono. Poderia s aumen tar infdnita mente
tuas posses, comer lingüiça quando te desse von- MÃE UBU
tade e passear de côche pelas ruas ...
(A parte.) Que merdra! (Alto.) Dêsse jeito vais
P Ar UBu continu ar miseráv el como uni rato.

Se eu fôsse rei de nôvo, mandar ia fazer pra mim PAI UBU


uma enorme capelin a igual àquela que tinha em
Aragão e que os vigarist as dos espanhó is me rou- Pela pança de Deus, por meus chifres, prefiro ser
baram descara dament e. um miseráv el rato, magro mas bonzinho, do que
ser rico como um rato gordo e malvado.
MÃE UBU MÃE UBU
P oderias compra r um guarda- chuva e uma japona
E a capelina , Pai Ubu? e o guarda- chuva? e a ja-
comprid a até os calcanh ares. pona?
PAI Usu
PAr UBu
Ora, não enche,. Mãe Ubu! ( Sai batendo a porta.)
Entrego os pontos, não resisto à tentação . Aquêle
velhaco :de merdra , merdra de velhaco , se o pegas- MÃE UBU
se sozinho num bosque, ah, êle passaria um mau
quarto de hora! Vôtre, merdra , não está fácil .dobrá-lo, merdra, mas

14

-
------- ------ ------ -
tenho certeza que o conseguir ei. Graças a Deus e
a mim mesma, dentro talvez de uns oito dias, se.r;ei
rainha da Polônia.

Cena I1

A c.e na se passa numa sala da casa de Pai Ubu


o nde a mesa está posta para um banquete.
Pai Ubu, Mãe Ubu.

MÃE Usu

Nossos convidad os estão demorand o muito.

PAr Usu

É mesmo, por meus chifres! Morro de fome. Estás


horrenda , Mãe Ubu. Será que é por que vamos re-
ceber visitas hoje?

MÃE Usu
1
,1 (Dando de ombros.) Merdra!

16 I
;
.'1 17
PAI UBU
PAr UBu
(Pegando um frango assado.) Puxa, que fome! Vou
Eu? Na da, um pedacinh o de vi tela.
dar uma dentada nesse bicho. Parece frango. Não
está mal.
MÃE UBU

MÃE UBu Meu Deus, a vitela! a vitela! Êle comeu a vitela!


Socorro!
Que estás fazendo, desgraçad o? Que é que os con-
vidados vão comer?
PAr UBu

PAr UBu Juro por meus chüres, que vou · te arrancar os ·


olhos!
Sobrará bastante pra êles. Não to"carei em mais (Abre-se a porta.)
nada. Mãe Ubu, dá uma espiada pela janela, vê
se já estão chegando .

MÃE UBU

(Chegand o à janela.) Nem sinal. (Enquan to isso,


Pai Ubu rouba um pedaço de vitela.)

MÃEUnu . ·

Enfim, o capitão Bordadu ra* e seus co~panheiros!


Que estás ·comendo aí, Pai Ubu? ·

* Bordadura, Bordu re. Têrmo de Herál<lica: faix a estreita que con-


torna o escudo . · ··

18 19
i. BoRDAD URA

Bom dia, Pai Ubu. Sentem -se, rapaze s. ( Sentam -se


todos.)

PAr Uau

Êta, um pouco mais e a cadeira se desma nchava .


Cena IH
BORDAD URA
Pai Ubu, Mãe Ubu, Capitão Bordad ura
e seus companheiros. 1\.fas, Mãe Ubu, o que é que você tem de bom pra
nós?

MÃE Uau

Ouçam o menu.
MÃE Uau
PAr Uau
Bom dia, senhor es, já estáva mos impàci entes. Sen-
tem-se por favor. ôba,. isso me in ter essa.

BoRDAD URA MÃE Uau

Bom dia, madam e. Mas onde está Pai Ubu? Sopa polonesa, costela s de ratrão *, vitela, frango ,
pâté de cachor ro, sobrec u de peru, compo ta rus-
sa ...
PAI. Uau

Aqui mesmo , meu caro: Credo em cruz, por meus * C6tes de rastron. Nossa tradução é arbitrária em sua referência

I
a rato. A expressão .de Jarry alude possivelmente a um colega de
chifres , até que não sou tão magro assim. ginásio.

20 21

PA11JBU BORDADURA

, te. Ou ainda há máis? ·Realmente, não está bom.


: . o ba5 t"'11
Suponho que seJa
. lJÃE 1JBU MÃE UBu

tas carne cozida, topinambor, Cambada de ju.deus, que qu~rem mais?


Bomba, salada, fru '
couve-flor a, 1a merdra. PAr Usu
. PAI l]BU (Batendo na testa.) Tenho uma idéia. Volto já ..
(Sai.)
. · u .um paxá pra arcar com
. e eu so
·Ei· você pensa qu
MÃE UBU
'
tamanha despesa·? !·

i
MÂ~ tJBU
.I

:! Senhores, vamos à vitela.


Ii ;,:,., pecil.
A , urn .u•· BORDADURA
Não liguem, ele e .

I ,
Espera a1 que e
PAI
·ar
u vou afl
tJ.su

.
rneus dentes nas tuas
Deliciosa, já terminei.

MÃE UBU

canelas. Agora, aos sobrecus.


1vfÃE l].BU BORDADURA

. ,.rhu É a sopa. Um sabor requintado! Viva Mãe Ubu!


· Pal u"
Coii?-e primeuo, . ·
PAI l].sU . TODOS

;,.,I
ftlJJ.••· Viva Mãe Ubu!
Ai, velhaca! Que troço
23
22

- - .
• .
,
PAr UBu
Os OUTROS
(De volta.) Daqui a pouco, estarão gritando viva
Pai Ubu. (Traz uma enorme vassoura que sacode Mas ainda não comemos.
sôbre a mesa do banquete.)
PAr UBu
MÃE UBu
Como não comeram?! Pra fora todos! Bordadura.
Que estás fazendo, miserável? você fica (Ninguém se move.)

PAI UBU PAr Usu

Provem, provem. (Vários provam e caem envene- Não vão embora, é? Juro por meus chifres que vou
nados.) rebentá-los a golpes .de costeleta de ratrão. (Co-
meça a jogar costeletas nêles.)
PAr UBu
Tonos ·
Mãe Ubu, pass~-me as costeletas de ratrão, que eu
mesmo sirvo. Pára com isso! Socorro! Ajudem-nos! Desgraça!
Êle me mata!
MÃE UBU
PAr Usu
Toma.
Merdra, merdra, merdra. Rua! Estou no meu papel.
PAr Usu
Tonos
Pra fora, todo mundo! Capitão Bordadura, quero
falar com você. Salve-se quem puder! Pai Ubu miserável! tarado!
traidor! tratante!
24
. 25
PAr UBu

Enfim, se foram! Agora posso respirar, mas comi


muito mal. Vem cá, Bordadura. (Saem os dois com
Mãe Ubu.)

Cena IV ' .

Pai Ubu, M ãe Ubu, Capitão Bordadura. . . l

PAI UBu .

E entã.o, capitão, comeu bem?

BoRDADURA

Sim, bem, menos a merdra. ~·


.'
j

PAI UBU

Ué, -até que. a .. mer_d ra .não . estava .r.uim.

BORDADURA

.Gôsto não se discute.


26 27
PAr Uau
PAr Uau
Capitão Bordadura, estou disposto a fazê-lo Duque
(Jogando-se sôbre êle para abraçá-lo.) Ah, como
de Lituânia. gosto de você, Bordadura!

BORDADURA
BoRDADURA

Mas como? Julgava que o senhor estivesse na ... Não, Pai Ubu, você fede demais. Nossa mãe! Nun-
merdra, Pai Ubu. ca toma banho?

PAr Uau PAr Uau

Modéstia à parte, capitão, .dentro de alguns dias Raramente.


reinarei sôbre a Polônia.
MÃE Uau
BORDADURA Nunca.
Vai matar Venceslau? PAr Uau

PAr Uau
Piso teu pé, ouviu?

Até que êsse velhaco não é de todo burro, adivi- MÃE Uau
nhou.
Merdralhão!
BORDADURA
PAr UBu
Se se trata de matar. Venceslau, pode contar·- co-
migo. Sou seu inimigo mortal e respondo por meus B~m. Bordadura, estamos acertados. Pode ir. Juro
homens. por meus chifres, pela Mãe Ubu, que farei de você
Duque .de Lituânia.
28
29

--~- -~~ --

MÃE UBU

Mas ...·

P AI UBU

Cala essa bôca, meu anjo ...

(Saem.) Cena V

Pai Ubu, Mãe Ubu, um mensageiro.

PAI UBu

Que deseja o senhor? Vá-se embora e não cha teie.

MENSAGEIRO

Senhor, o rei ~da chamá-lo.

( O mensageiro sai. )

PAI UBu

Que merdra! jarnicotonbleu* , por meus chifres,

* Jarnicotonhleu - jarni, espécie de jurnme nto que os autores cô-


micos franceses punham na bôca dos camponeses, corruptela da ex-
pressão je rénie (eu renego) acrescida da palavra bleu por dieu. Hen-

30 .' . .:
: ~·· ' ,
I
31

~
- -
fui descoberto, vou ser decapitado, ai m eu Deus,
coitado de mim! PAr UBu

(Fora de cena.) Vai à merdra! Não vais mais botar


MÃE Usu banca eomigo, .sua lingüiça!
Que homem frouxo! e o tempo urge.

PAI Usu
Ah, já sei: vou dizer que foi coisa de Mãe Ubu e
de BOJ."dadura.

MÃE Usu
Ah, seu grande PU, se tu te atraveres ...

PAr Usu
Se me atrevo? E vou agora mesmo.
(Sai.)

MÃE Usu
(Correndo atrás dêle.) Pai Ubu, Pai Ubu, vem cá!
Te dou lingüiça, Pai Ubu.
(Ela sai.)
riqu.c IV tinha a mania de exclamar a todo momento jarnidieu (re-
nego Deus). Seu confessor, o' Padre Coton, mostrou-lhe a inconve-
niência da expressão, pedindo-lhe que passasse a exclamar jarnicoton.
(renego Coton). Jarry coloca ao final a p;ilavra bleu - jar!licoton-
bleu - reafirmando a heresia que o padre Coton quis evitar e fazen-
do a lusão a Cordon Bleu, célebre ordem da Cavalaria.

32
33
I

I REI

Como eu, esta manhã.

PAI UBU

Ê, estou um pouco tonto, abusei do vinho francês.


Cena VI
REI

Palácio do Rei.
Pai Ubu, quero recompensar-te pelos incontáveis
Rei V ences lau, rodeado de oficiais, Bordadura, os filhos serviços que prestaste como capitão de Dragões,
do rei: Boleslau, Ladislau e Bugrelau. Depois, Pai Ubu. fazendo-te hoje mesmo condé de. Sendomir.

\
PAr UBu

Majestade, nao sei como agradecer-vos.


PAI UBU
REI
(Entrando.) Sabeis muito bem que não tenho nada
a ver com isso. Foi Mãe Ubu e Bordadura. Nada tens que agradecer, Pai Ubu, e estejas ama-
nhã .de manhã na solenidade de revista às tropas.
REI

PAI UBu
Que há contigo, Pai Ubu?
\
Lá estaTei, mas ~.ceite, por favor, esta flautinha de
BoRDADURA presente.

Bebeu demais. (Mostra ao rei uma flauta)

34 35

- - - ----- -
.. )
REI PAI Uau
au,
Que vou faze r com uma flau ta, Pai Ubu ? Dare
i f
i Sois a bond ade em pess oa. (Sai .) É, rei Vencesl
a Bug rela u. mas nem por isso esca pará s da n1or te.

JOV EM BUGR ELAU

Êsse Pai Ubu é um boboca.

PAr Ua.u
ai!
E ago ra me arra nco . . . (Cai , ao se volt ar.) Ui,
in-
Soco rro! Por meu s chif res! Acho que rom pi os
test inos e queb rei a bun da!

REI

(Lev anta ndo -o.) Está s mac huca do, Pai Ubu
?

PAr Uau

a.
Crei o que sim, maj esta de, vou mor rer na cert
Que vai ser de Mãe Ubu ?

REI

-
Não se preo cupe , o sust ento dela esta rá asse gura
do, Pai Ubu.

36 37

sênico na comida. Quando se empanturra r, cairá
morto, e eu me tornarei rei da Polônia.

Tonos

Assim também não, é muita sordidez!


Cena VI l
PAI UBu
Casa de Pai Ubu.
Girão, Pila, Cotica, Pai Ubu, Mãe Ubu, conspiradore s e Ué, não gostaram? Então que opine o Bordadura.
soldados, capitão Bordadura.

BoRDADURA

Na minha opinião, devemos matá-lo com um golpe


de espada que o abra ao meio, da cabeça à cintura.
PAr UBu

Caros amigos, já é tempo de estabelecer mos o pla- Tonos


no da conspiração . Cada um deve dar sua opinião.
Darei a minha primeiro, se os senhores permiti- Muito bem! Isso é agir com nobreza e bravura.
rem.
PAI UBu
BORDADURA
E ·se êle cair de pontapés em vocês? ·E stou melem-
Fale, Pai Ubu. brando agora que para passar em revista as tro-
pas, êle usa uns sapatos de ferro que podem fazer
PAr UBu estrago na canela dum. Eu devia era denunciar
vocês todos para me safar .dêsse negócio sujo, e
Pois bem, meus amigos, sou de opinião que se deve
I
.... estou certo de que o rei ainda me daria dinheiro
simplesmen te envenenar o rei, misturando -lhe ar- por isso.
38 39
MÃE UBU MÃE UBu
o
Trai dor, cova rde, vilã o, sórdido inte ress eiro ! Sim , e logo que êle este ja mor to, peg arás o cetr
e a coroa.
Tonos
BoRD ADU RA
Vam os cusp ir nêle , pessoa:!! -
E eu entã o sair ei com meu s hom ens em pers egui
ção à fam ília real .
PAr UBu
vi- PAr UBu
Ca lma , senh ores , mui ta calm a, se não quer em
r
sita r meu papo *. Está bem, cons into em me expo Bu-
a to.dos os riscos por vocês. Sen do assi m, Bord a- Cer to, e te rec0 1nen do especialm en te o jovem
grel au.
dura , tu te enca rregas de abri r o rei ao meio.
(Sae tn.)
BORD ADUR A

PAr UBu
Não seria mel har nos jogarmos ·todos ao mesmo-
tem po em· cim a d êle-, berr ando e lhe dand o .den (Co rren do atrás dêles e f azendo-os volt ar.)
Sen ho-
sco
tada s? Assi m, seri a m a is fácil de arr asta r cono res, esquecemos uma cerim ônia indi spen sáve l.
Te-
as trop as. rem os com des-
mos de jura r que todo s nós luta
pren dim ento .
PAI UBU
BoRD ADU RA
.
Está bem . Eu me enca rrego de pisa r n o pé dêle- pa-
Vai ach ar ruim e então· eu lhe resp ond erei : MER Com o vam os faze r o jura men to se não há um
DRA - e ·essa será a -sen ha para que vocês ata- dre aqu i?
que m . .
A palav ra poclte (bôlso,
de Ybex , morcêgo, e de Hibou , môch o). signif icação já que Ubu
* Tradu zimos m es poches por meu papo, que é uma da~ ac7pções' ~a papo) guard a na língua origin a l sua dupla
palav ra. ~ precis o ter semp re em mente que Pai Ubu nao e prôpn a- rraz semp re seu "bastã o de física " metido
no bôlso , confo rme as in-
mente um homem , m as um ser monst ruoso , pré-h uman o (Ubu vem dicaçõ es e os desen hos de Jarry.

40 41

PAI UBU

Mãe Ubu fará as vêzes .do padre.


Segundo Ato
Tonos

Bem, vá lá.

PAI UBU Cena I


Juram que matarão o rei? .
Palácio do Rei.
Venceslau, a rainha Rosamunda, Ladt.slau e Bugrelau.
Tonos

Juramos. Vi v a Pai Ubu!

REI

Senhor Bugrelau, foi muito impertinente a ma-


neira como vos comportastes esta manhã com o
Sr. Ubu, cavaieiro de minhas Ordens e conde de
Sendomir. Por essa razão, proíbo-vos de compare-
cer, hoje, à cerimônia de revista às tropas.

RA.!NHA

Em compensação, Venceslau, não tereis lá bastante


gente de vossa familia para vos defender.

4Z .43
REI RE I

atr ás em mi nha pal avr a. o mu ito .digno


Sen hor a, jam ais voltorrec em. Qu e lou cur a! O Sr. Ub u é um fid alg ordens.
Vossas tolices me abo · que ·obedéce · ceg am ent e às mi nh as

BUG REL AU RAI NH A E BUG REL AU


sas ord ens .
Sen hor me u pai , sub me to- me às vos Qu ant o equívoco!
RAI NHA
RE I
o disposto .a
Qu er dizer, Sen hor ,? que est ais me sm
ir a ess a cer imô nia ant o à sen ho-
Ca la ess a bôca, jov em por cal hão . Qu
o o Sr. Ub u,
ra, par a vos mo str ar quã o pou co tem
aqui, sem ar-
REI ire i à rev ista das tro pas como est ou
ma s e sem esp ada ..
Po r que não ?
RAI NHA
RAI NHA
vê-lo vivo .
Nã o vos con tei o out ro sonho que tiv
e em que ére is Fat al imp rud ênc ia, não tor nar ei a
um a águ ia
tru cid ado e jog ado no Vís tula ? E que a colocava
igu al à que fig ura nas arm as da Pol ôni · RE I
a ·c oro a na cab eça dêl e?
Lad isla u, Bo les lau , vin de comigo.
REI
até a janela. )
Dêle quem? (Saem. A rai nh a e Bu gre lau vão

RAI NHA RA INH A E BUG REL AU

Nicolau.
Pai Ubu. Qu e De us os gua rde e o gra nde São
44 45

I
RAINHA

Bugrelau, vem comigo à capela. Vamos rezar por


teu pai e teus irmãos.

Cena II

Pátio de revistas.
Exército polonês, Rei, Boleslau, Ladislau, Pai Ubu,
Capitão Bordadura e
seus homens, Girão,
Pila, Cotica*.

REI

Nobre Pai Ubu, acompanhai-me com vossa comi-


tiva para ingpecionarmos as tropas.

PAr UBu

(Aos seus. ) Atenção, vocês aí. (Ao 1·ei.) Vamos,


majestade, vamos. (Os homens de Ubu cercam o
rei.)

* Giron, Pile, Cotice são têrmos de Heráldica.

46 47

--- -
- - - - - -- - ---
REI . •
REI
Êste é o regimento de guardas mon tados de Dan t-
zick. Uma tropa exemplar, na minha opinião. Ai, Socorro! Santa Virgem, estou morrendo.
PAr Uau
BOLESLAU
O Senhor acha? Pois me parecem mendigos. Olhe
aquêle ali. (Ao soldado.) Seu tratante, há quanto (A Ladislau. ) Que se passa? Lutemos.
tempo não fazes a barba?
PAI UBU
REI
É minha, a coroa! Agora, os outros!
Mas êsse soldado está impecável. Que há com o
senhor, Pai Ubu?
BORDADURA

PAr Uau
Abaixo os traidores ! (Os filhos fogem) todos os pe7·-
seguem.)
I sto! (Pisa-lhe o pé.)

REI

Miserável!
PAr UBu

MERDRA! Soldados, comigo!


BORDADURA

Hurrah! Avançar! (Todos atacam o .r ei, um Palha-,


dino* se exalta,.)
* Palotin. Montagem jarriniana da palava palatin (paladino) com
palot (boçal).

48
49

RAINHA

Deus do Céu! Virgem Santa, vão alcançá-los !

BUGRELAU

O exército inteiro acompanha Pai Ubu. O rei não


está mais lá. Que .desgraça! Socorro!
Cena III
RAINHA
A. rainha e Bugrelau.
Mataram Boleslau! Uma bala o atingiu.

BUGRELAU

Ladislau! (Êle se volta.) Coragem, defende-te!


RAINHA

RAINHA
Vejo que meus temores eram infundados.
Oh! Êle está cercado.
BUGRELAU
BUGRELAU
Claro. A senhora não tinha motivo algum para
preocupar-se. Veja! Bordadura acaba .de cortá-lo em dois feito
uma salsicha.
(Vem de fora uma zoada assustadora.)
RAIJ:ofHA
BUGRELAU
Pobre de mim! Os rebeldes invadem o palácio, so-
Veja! Pai Ubu e seus homens perseguem meus dois bem as escadas.
irmãos.
(O tumulto aumenta.)
5()
51

-- -
..
RAINHA E BUGRELAU

Deus do céu, defendei-nos!

BUGRELAU

Arre, Pai Ubu! Se eu pegasse êsse miserável. ..


Cena · IV

Os mesmos. A porta é arrombada. Pai Ubu entra


seguido dos sublevados.

PAr UBu

Bugrelau, que pretendes fazer a.gora?

- BUGRELAU

Juro que defenderei minha mãe até à morte! O


primeiro que der um passo à frente morrerá!
·,

PAI UBu
Bordadura, Bordadura, estou com ~êdo! Quero ir
embora.

UM SOLDADO

(Avança.) Entrega-te, Bugrelau!


52
53"

-~ -- -
BuGRELAU
BUGRELAU

Toma, atrevido! Ê o que mereces! (Parte-lhe o crâ- Irei já.


nio.)

PAI Unu
RAINHA
Peguem a rainha, ela está fugindo. ·Q uanto ·a ti,
Boa, Bugrelau, isso mesmo! miserável!

V Á RIOS AVANÇAM (Avança para Bugrelau. )

Bugrelau, prometemos poupar-te a vida.


BUGRELAU

BUGRELAU Deus é grande! Agora me vingo! (Descose-lhe a


barriga com terrível golpe de espada.) Estou indo,
Bandidos, beberrões, mercenários sórdidos ! mãe! (Desaparece pela escada secreta.)
( G ira a espada em tôrno, provocando um
massacre.)

PAI Unu

Nossa !Vou me arrancar daqui de qualquer jeito.

BUGRELAU

Foge, m·ã e, sai pela escada secreta.

RAINHA

E "tu, meu filho, e tu?


54 • ! .
55
t

RAINHA

Estou muito doente. Não terei mais que duas horas


de vida.
'

B UGRELAU

Que estás sentindo, mãe? · Terá sido o frio?


Cena V
RAINHA
Uma caverna nas montanhas.
Bugrelau entra seguido da rainha. Como queres que eu resista a. tantos golpes? O
rei assassinado, nossa família destruída, e tu, re-
presentante da mais nobre raça que já empunhou
uma espada, forçado a se esconder nas montanhas
como um banclido.

BUGRELAU
BUGRELAU
E por culpa de quem, meu Deus? de quem? Dêsse
Aqui estaremos seguros. abjeto Pai Ubu, aventureiro saído não se sabe de
onde, crápula dos mais vis, mísero vagabundo !
E quando penso que meu pai o condecorou e fêz

I
RAINHA
dêle conde e que, no dia seguinte, êsse bandido não
Creio que sim. Bugrelau, ajuda-me. (Ela cai na teve pejo de erguer o braço contra êle:
neve.)
RAINHA
BUGRELAU
Oh, Bugrelau! Quando me lembro o quanto éra-
M ãe; ·estás· te sentindo mal? mos felizes antes da chegada de Pai Ubu! Mas ago-
ra, ai de mim, tudo mudou !
56 .
,57

BUGRELAU 'SOMBRA

Calma. Tenhamos esperança e nao renunciemos B:zgrelau, quando vivo fui o Sr. Mathias de Ko-
jamais aos nossos direitos. rugsberg, o primeiro rei e o fundador de noS6a
Casa. Confio-te a missão de nos vingar. (Entrega-
lhe U17'ta enor_me espada.) E que esta espada que.
RAINHA
te entrego nao tenha repouso enquanto viver ()l
usurpador.
É o que deves fazer, meu caro filho, mas para mim
está tudo terminado, não .verei um nôvo dia de (Todos desaparecem e Bugrelau fica só em ati-
felicidade. tude de transe.)

BUGRELAU

Mãe, que tens? Ela empalidece, desmaia, socorro!


Mas estou num deserto! Oh, meu Deus, o coração
dela parou de bater. Está morta. .Será possível?
Mais uma vítima de Pai Ubu. ( Esconde o rosto nas
mãos e chora.) Oh, Deus, como é terrível se ver
sõzinh9 aos quatorze anos e tendo s·ô bre os ombros
o encargo de uma terrível vingança!

( Cai em profu nda prostração. Enquanto iss·o,


as almas de V encesla-zl, Boleslau, Ladislau e
Rosamunda, seguidas de seus ancestrais, e11r
tram na caverna. O mais velho se aproxima de
Bugrelau e o chama docemente.)

BUGRELAU

Que vejo? Minha família inteira, meus ances-


trais. . . É um milagre! ll
58 59

- - - ~
• PAr UBu

Carn e, sim! ouro não! Abat am três caval os velhos,


e êsses berda s-me rdras que se dêem por muito sa-
tisfei tos.

MÃE UBu

O princ ipal berda -mer. dra aqui és tu mesmo. Co-


Cen a VI ~o pode existir, meu Deus , seme lhant e bêsta ?

PAr UBu
Palác io do Rei. · ·
P ai Ubu, Mãe Ubu e
Capit ão Borda dura Escu tem mais uma vez: quero ficar rico, enten de-
ram? Não soltar ei um vinté m.

MÃE UBU

Isso quan do temo s nas mãos todos os tesou ràs da


Polôn ia.
PAI UBU

BORDADURA
.N ão, nem um tostã o! Quer es me arrui nar por cau-
.sa dêsse s idiota s? É verda de. 'Sei de um imen so tesou ro que há na
capel a. Vamos distri buí-l o ao povo.
BORDA DURA
PAr UBu
Ente nda, Pai Ubu, o povo esper a algo. de bom, um
.gesto gener osó. Ah, miser ável, se fizere s isso!
MÃE UBU BORDA DURA

•Ou mand as dar carne e ouro a o povo, agora , ou Mas, Pai Ubu, se não dás nada ao povo, êle não
paga rá os iip.postos.
·estar ás deposto em meno s de duas horas .
1
.60 ~ 61
~~\'
i:,\

l
.' I

-i

PAI UBU

Isso é verdade?

MÃE UBU

Mas claro!

PAr UBu Cena VII


Neste caso, topo tudo. Tragam quatro :nilhões er;n
moeda cozinhem cento e cinqüenta bors, e carnel- Pátio do palácio cheio de gente do povo~
'
ros. Quanto
.
mais comida melhor, sobrara pra m1m P âi Ubu coroado, f'1ãe Ubu, Bordadura,
também. criados carregados de carne.

(Saem.)

Povo

Olha Iá o rei! Viva o rei! Vivaaa!

PAr UBu

( Jogando ouro..) Tomem, é pra todos. Não acho ne-


nhuma graça em dar meu ouro a vocês mas, sa-
bem. como é, Mãe Ubu quis dar. Prometam, pelo
menos, .que pagarão os .impostos.

Tonos
Pagaremos! Pagaremos!
62
63

d~ ouro. Quanto aos demais, terão como consola-
BORDADURA

Mãe Ubu, veja como êles .disputam o ouro. É uma çao esta outra caixa que será dividida entre todos.
verdadeira batalha.
TODOS
MÃE UBU
Viva Pai Ubu! R~ bom está aí! No tempo d~ Ven-
Coisa horrível. Veja aquêle lá com o crânio partido. ceslau, a gente nao ganhava tanto dinheiro. ·

PAI UBU
PAr UBu
Que espetáculo maravilhoso! Tragam mais .caixas
de ouro, trag·am. (A ~ãe Ubu, entusias.mado.) Ouve o .que êles di-
z~m. (Todo o povo vaz se colocar no fundo "do. pá-
tw.)
BORDADURA

E se promovêssemos uma dispu ta? PAr UBu

Um, dois, três. Todos a postos?


PAI UBU
TODOS
Boa idéia. Uma corrida.
Sim, sim!
(Ao povo. )

PAI UBU PAr UBu

Amigos, aqui está uma . caixa cheia de ouro. Ela Já l (Partem uns tentando derrubar os ~utros. Gri-
contém trezentos mil nobres-da-rosa em ouro, moe- tos e tumulto.)
da polonesa de bom quilate. Os q~e desejarem par-
ticipar da disputa coloquem-se n ofim do pátio. BORDAúURA
Quando eu der o sinal com o lenço, comecem a
correr, e quem chegar primeiro ganhará a caixa Estão chegando!" Estão chegando!
64
65

PAI UBU PAI UBU

Ei! o primeiro está perdendo terreno. E agora, meus amigos, vamos comer! Abro-lhes as
portas do palácio, façam o favor de ocupar seus
MÃE UBU lugares à minha mesa!

Não, êle reage agora.


Povo
BORDADURA Entra, pessoal, entra! Viva Pai Ubu! Viva o mais
nobre dos soberanos!
Ih, vai perder, vai perder! Pronto, venceu o ou-
tro! (O que estava em segundo lugar vence a cor- \

(E.ntram em palácio. Ouve-se o barulho da


rida.) ·
·o rgia que se prolonga até o dia seguinte. Cai
o pano.)
ToDos
Viva Miguel Fe.deróvitch! Viva Miguel Federóvitch!

MIGUEL

SenhoT, não sei como agradecer a Vossa Majesta-


de ...

PAI UBU

Ora meu amigo, não tem de que. L eva tua caixa


de o~ro pra casa, Miguel. ·E vocês, dividam esta ou~
tra cada um tira uma moeda de cada vez, ate
'
acabar.

TODOS

Viva Miguel Feder6vitch! Viva Pai Ubu!

66 67
Te rce iro A to

Ce na I

No Palá cio.
Pai Ubu, Mãe Ubu .

PAI UBU

r ei
Pelo meu s chif res, assi m com o me vês, sou o u
dêste país! Já me perm iti uma indi gest ão e esto
esperand o che gar min ha gran de capelina.

MÃE UBU

,
De que man das te fazê -la? Não é por serm os reis
que vam os a g ora esba njar dinh eiro.

PAI UBu
em
Minha. carSt senh ora, man dei faze r a cape lina

68 69

- - -
------ - -- -

PAI UBU PAr UBu

Ei! o primeiro está perdendo terreno. E agora, meus amigos, vamos comer l Abro-lhes as
portas do palácio, façam o favor de ocupar seus
MÃÉ UBU lugares à minha mesa!

Não, êle reage agora.


Povo
BORDADURA Entra, pessoal, entra! Viva Pai Ubu! Viva o mais
nobre dos soberanos!
Ih, vai perder, vai perder! Pronto, venceu o ou-
tro! (O que estava em segundo lugar vence a cor- \

(Entram em palácio. Ouve-se o barulho da


rida.) · orgia que se p1·olonga até o dia seguinte. Cai
o pano.)
Tonos
Viva Miguel Federóvitch! Viva Miguel Federóvitch!

MIGUEL

Senhor, não sei como agradecer a Vossa Majesta-


de ...

PAI UBU

Ora meu amigo, não tem de que. Leva tua caixa


de o~ro pra casa, Miguel. E vocês, dividam esta ou~
tra cada um tira uma moeda de cada vez, ate
'
acabar.

Tonos
Viva Miguel Federóvitch! Viva Pai Ubu!

66 67
couro de carneiro com presilha e bridas em couro MÃE Usu
de cão.
Cometes um êrro, Pai Ubu. Êle se voltará contra ti.
MÃE UBU
P Ar Usu
Deve ficar bonito, m a s nada é mais bonito do que
a gente ser rei! E eu vou chorar por isso! Êsse pobre diabo me
preocupa tan to quanto Bugrelau.
P Ar Usu
MÃE UBU
Tinha.s tôda razão. Mãe Ubu. E pensas que já liquidast e Bugrelau ?

MÃE Usu PAI Usu

Temos u ma .d ívidà de gratidão para com o Duque Claro que sim, espada-d e-finança s! Que poderá
de Lituânia . fazer contra mim um bostinha de quatorze anos?

P Ar Usu MÃE UBU

Com quem? Ouve o que te digo. T rata de atrair Bugrelau para


o teu lado.
MÃE Usu PAr Usu
Ué, com o capitão Bordadur a. Dar mais dinheiro ainda? Essa não. Bastam os vin-
te e dois milhões que me fizeste esperdiça r.
PAr Usu
MÃE Usu
Por favo~, Mãe Ubu, não me fales dêsse idiota. Já
não preciso dêle pra nada, vai ficar chupand o o Bem, faz o que te der na veneta, mas êle acabará
dedo, não lhe darei ducado algum. · te jantando, P ai Ubu.

70 71

\
\

-------~
- ~
PAr Usu

ótimo, estarás comigo na mesma panela.

MÃE UBU

Escuta uma vez mais: estou convencida de que


Bugrelau vai terminar ganhando a parada, pois
tem de seu lado o direito legítimo. Cena II
PAI UBU
I ..
I Salão do palácio.
Pai Ubu, Mãe Ubu, oficiais e soldados, Girão, Cotica~
Ah, vigarice ! E o direito ilegítimo não vale o legí- nobres algemados, financistas, magistrados, tabeliões.
timo? Tu 1ne insultas, Mãe Ubu, vou te fazer em "I
pedaços. (Mãe Ubu foge perseguida por Pai Ubu.)

PAr UBu

Tragam o tambor-dos-nobres e o gancho-dos-no-


bres e o cutelo-dos-nobres e o livro-dos-nobres!:;:.
Em seguida, façam entrar os nobres.

MÃE UBu
Moderação, Pai Ubu, por favor.

* Uma das "violências" do universo verbal de Jarry é essa sarcás-


tica atribuição de especialidade a cada instrumento. Assim, se o tam-
bor que anuncia os nobres é o tambor-dos-nobres, o gancho que Paí
Ubu usará para arrastá-los até o alçapão é o gancho-dos-nobres e o
cutelo que os decapitará é o cutelo-dos-nobres. Adiante teremos a
cspada..<Je-cortar-merdra,
cara, etc. a tcsoura-de-cortar-orrclbas, a faca-de-cortar-

72
73

PAI UBU PAr UBu

Tenho a honra de vos anunciar que, para enrique- Condenado!


cer o reino, vou mandar liqui.dar todos os nobres
e confiscar-lhes os bens. (Prende-o no gancho e puxa-o para o alçapão.)

NOBRES i MÃE Usu


I
Horror! Povo, soldados, sublevemo-nos! ! Que ferocidade bestial!

PAI UBU

Tragam o primeiro nobre e me passem aqui o gan-


II PAI UBU

Segundo nobre, quem és tu? (O nobre 11-ão respon-


i
cho-dos7nobres. Os que forem condenados à morte de.) Não vais responder, idiotra?
serão jogados no aJçapão, cairão no subsolo do
Chucha-Porco e do Tribunal dos Vinténs, onde se
NOBRE
lhes rebentarão os miolos. (Ao nobre.) Quem és
tu, idiotra? Grão-Duque de Posen . .

NOBRE
PAI UBU
Conde de Vitepsk.
Excelep.te! Excel~nte! Não percamos tempo. Alça-
PAI .UBU

A quanto montam tua_s rendas?

NoBRE
II pão com êle. Terceiro nobre, quem és? Tens uma
cara desonesta.

NOBRE

Duque de Courlande, ·das cidades de Riga, Revel


Três milhões de rixdales. e Mitau.

74 75

- - -
PAI UBU
PAI UBU
Muito bem! muito bem! Possuis mais alguma
.coisa? É muito pouco. Não tens mais . n a da'?

NOBRE NOBR E

Nada. Isso me bastava.

PAI UBU PAI UBU


Para o alçapão, então. Quarto nobre, quem és? Claro, antes pouco do que nada. Alçapão! Estás .
querendo tirar uma casquinha, Mãe Ubu?
NOBRE

Príncipe .de Podolia. MÃE UBu

PAr UBu És cruel demais, Pai Ubu.


·Quais são tuas rendas?
PAr Usu
NOBRE
ôba!· Estou rico. Vou mandar ler a lista de Meus
Estou arruinado. bens. Tabelião, a lista de Meus bens.

PAI UBU

Por causa dessa frase desagradável irás para o al-


•Çapão, vá! Quinto noqre, .quem és tu?
I Condado de Sen.domir.
TABELIÃO

NOBRE PAI UBU

Marg.rave de Thorn, paladino de Polock. Comece pelos principados, seu estúpido!


'7 6
77

TABELIÃO
PAr UBu
Principado de Podolia, grão-ducado de Posen, du-
cado de Courlande, condado de Sendomir, conda- Vou primeiro reformar a Justiça, após o que cuida-
remos das finanças.
do de Vite'psk, palatina.do de Polock, margraviato
de Thorn.
VÁRIOS JUÍZES

PAr UBu Somos contra qualquer modificação.


E que mais?
PAr UBu

TAi3ELIÃO
Merdra. Primeiro ponto: os juízes não receberão
mais nenhum provento.
Acabou.

JUÍZES'
PAI UBU
E de que vamos viver? Somos pobres.
Como acabou?! Bem, então, avancem os nobres, e
como não vou mesmo parar de enriquecer, manda-
rei executar todos os nobres, e assim ficarei com PAr UBu
seus bens. Vamos, joguem os nobres no alçapão.
( Os nobres são empilhados no alçapão.)
Recebereis as multas que impuserdes e nerdareis
os bens dos condenados à morte.

PAI UBU UM Jurz


Depressa, que eu agora quero legislar. . Ignomínia!

VÂRIOS
SEGUNDO Jurz
Vamos ver· isso. Infâmia!
78
79

~
.,
TERCEIRO JUIZ
PAr UBu
Escândalo!
Vamos, cala-te, idiotra. Agora, senhores, tratare-
mos das finanças.
QUARTO JUIZ

Indignidade! FINANCISTAS

Não há o que mudar.


Tonos
PAr UBu
Recusamo-nos a julgar em semelhantes condições.
Como não há, se eu quero mudar tudo? De saída,
PAI UBU reservarei para mim a metade dos impostos.

Joguem os juízes no alçapão. (Êles se debatem FINANCISTAS


inutilmente.)
Ora, não se acanhe!

MÃE UBU
PAr UBu
Que diabo estás fazendo, Pai Ubu? Quem vai agora Senhores, estabeleceremos um impôsto de dez por
ministrar a justiça? cento sôbre a propriedade, outro sôbre o comércio
um ter~e~ro sôbre os casamentos e um quarto sô~
PAI UBU bre os ob1tos, de quinze francos cada um.

Ora, quem! Eu. E verás como tudo caminhará PRIMEIRO FINANCISTA


bem.
Mas isso não faz sentido, Pai Ubu.
MÃE UBU
SEGUNDO FINANCISTA
Sim, com isenção total! É um absurdo.
80
81
i

.

TERCEIRO FINANCISTA

Não tem pé nem cabeça.

PAI UBU

Vocês estão querendo me gozar. Ao alçapão, todos


os financistas! ( Agarram os financistas.)
Cena III
MÃE UBU
Casa de camponeses nas ·cercanias de Varsóvia.
Afinal de contas, que espécie de rei és tu, Pai Ubu, Vários campofi:eses reunidos.
que só sabes matar todo mundo!

PAI UBV

A merdra! UM CAMPONÊS

MÃE UBU Ouçam o que aconteceu. O rei está morto, os du-


ques também e o jovem Bugrelau fugiu com a
Quanto mais justiça, mais dinheiro. mãe para as montanhas. Pai Ubu se apossou do
trono.
PAI UBU

Ü UTRO CAMPONÊS
Não te preocupes, meu anjo, que eu mesmo irei re.:.
. .
colher os impostos,
.
.de povoado em povoado. .. Tenho mais notícias. Venho de Cracovia, onde .vi
transportarem os.corpos de trezentos nobres e qui-
nhentos juíZ€s _que foram · executados. Parece que
vão dobrar os imp.o stqs e que Pai Ubu virá recolhê-
los pessoalmente.

8?,. 83

Tonos

Deus do céu! que vai ser de nós? Pai Ubu é um


crápula e dizem que sua mulher é realmente abo-
minável.

UM CAMPONÊS
Cena IV
Escu'tem: parece que estão batendo.

UMA Voz

(De fora.) Cornupapança! * Abram em nome de


PAr UBu
minha. merdra, por São João, São Pedro e São Ni-
colau! Abram, pela espada das finanças, côrnotu- Qual é o mais velho de vocês? (Um camponês se
tu , venho arrecadar os impostos! (A poTta é ar-
rombada, Ubu entTa seguiào de uma legiao de co-
- apTesenta.) Como te chamas?

letores de impostos.)
CAMPONÊS

Stanislau Leczinski.

PAr UBu

Pois bem, cornupapança, presta atenção ao que


vou dizer, senão êstes senhores aqui te cortarão
as orrelhas. Mas, afinal de contas, vais ou não vais
me escutar?
* Cornegidouil/e, palavra cunhada por Jarry para expressar as três
partes do poder de Ubu: cabeça, coração e ventre, sendo que, nêle,
STANISLAU
só o ventre não se encontra em estado embrionário. Gidoui/le, deno-
minação do ventre monstruoso de Ubu: "o poder' dos apetites infe-
riores". Mas Vossa Excelência ainda não disse nada.
84 85

.
,.

.,
PAI UBU
CAMPÓNESES
Como não disse nada! falo há mais de uma hora.
Ou pensas que vim aqui para pregar no deserto? Senhor Ubu, tenha piedade de nós. Somos gente
pobre.

STANISLAU
PAr UBu
Longe de mim tal pensamento.
. E daí? Paguem.
PAI UBU .
CAMPONESES
Pois muito que bem, estou aqui para te dizer, te
ordenar e t e intimar a declarar e pagar imedia- Não temos com que pa.gar, Pai Ubu, já pagamos.
mente teu impôsto de renda, sob pena de sêres
trucidado. Vamos, senhores porcalhinos das finan- PAr U Bu
ças, carrocem para cá a carroça-das-finanças.
(Trazem a carroça.) Pa~uem! ou ponho vocês no papo, depois de tor-
tura-los, com degolação do pescoço e da cabeça!
STANISLAU Cornupapança, parece que o rei aqui sou eu!
Sire, nossa inscrição no registro .n os obriga a pa-
gar apenas cento e cinqüenta e dois rixdales, que Tonos
já pagamos faz seis semanas em Saint Mathieu.
Ah, ~ assim? Às armas, pessoal! Viva Bugrelau,
pela graça de Deus rei da Polônia e da Lituânia!
PAr UBu

É bém possível, mas mudei o regime e avisei pelo PAI UBU


jornal que todos os impostos serão pagos dua.s vê-
zes, e três vêzes a.quêles que assim determinarmos Senhores das finanças, atacar, cumpri com o vos-.
posteriormente. Com· êsse sistema de arrecadação, so . dever! (Lutam entTe si, a casa é destruídd e o
ficarei rico ràpidamente, matarei em seguida todo .
I• velho Stanislau foge pelo campo. Ubu fica a re-
mundo e irei embora. colher o dinheiro.) ·
86'
87

- - - -

PAI UBU

Meu bom rapaz, até que és um cara bem falante.


Não tenho dúvida que se consegu es escapar daqui
me criarás muitas dificuld ades. Mas n ã o sei de nin-
guém que tenha burlado a vigilância das casama -
tas de Thorn. Por isso, boa-noi te, e trata de dor-
mir o melhor que possas pois os ratos fazem aqui
Cena V uma saraban da inferna l a noite tôda. .

(Sai. Os guardas vêm trancar a porta.)


Uma casamat a das fortificaç ões de Thorn.
Bordadu ra prêso, Pai Ubu.

PAI UBU

Patriota , eis o que é um patriota : querias que eu


te pagasse o que te promete ra. Como não quis pa-
gar, te revoltas te, conspir aste e termina ste engaio-
lado. Bem feito, cornufi nança, e deves .reconhecer
que o golpe que te dei foi de mestre.

BORDADURA

Toma cuidado, P a i Ubu. És rei há cinco dias e já


mataste mais gente do _que seria necessá rio para
conden ar ao inferno todos os santos do paraíso.
O sangue do rei e dos nobres clama por vinganç a
e êsse clamor será ouvido.
88 89
,.
"
conspiração. Consegui fugir e, durante cinco dias
~ cinco noites, corri através das estepes pa;ra vi.r
Implorar vossa graça misericordiosa.

Ar.Exrs
Cena VI Que trazes como garantia de tua lealdade?

Palácio de Mosc01J... BORDADURA


O Impercuior Alexis e sua côrte; Bordadura.

Minha espada de aventureiro e um mapa da ci-


daqe de Thorn.

CZAR ALExrs ALE XIS

Aventureiro infame, participaste do massacre de Aceito a espada mas, po~ São Jorge~ queima êsse
nosso primo Venceslau? n1apa. Não quero dever minha vitória a uma trai-
ção.
BORDADURA
BORDADURA
Perdoai-me, Senhor, Pai Ubu me arrastou a isso
contra a minha vontade. Um filho de Venceslau, o jovem Bugrelau, continua
_vivo, e eu tudo farei para reconduzi-lo ao trono.
ALE XIS
ALE XIS
És um sórdido mentiroso ! Mas, afinal de contas,
que desejas? Qual era teu pôsto no Exército polonês?
BoRDADURA
BoRDADURA

Pai Ubu mandou-me prender acusando-me de Eu comandava o 5. 0 Regimento dos Dragões de


90
91
.,
serv iço
Wil na e um a com pan hia de volu ntár ios a
de Pai Ubu.
ALE XIS

ime n-
Mu ito bem nom eio- te sub tene nte do 10. Reg
0

to de Coss~cos, e ai de ti se me traí res. Se fore s


brav o, será s reco mpe nsad o.
Ce na · vrr
BOR DAD URA
Sala do Con selh o de Ubu .
Cor age m não me falt a, Sen hor . Pai Ubu , Mãe Ubu ,
Con selh eiro s de Fina nça s.

ALE XIS

Est á bem, som e de min ha vist a.


(Sa i Bor dad ura .)
PAr UBu

aten tos
S enh ores, está abe rta ·a sess ão. Este jam
qüil os.
para . o que vou dize r e man ten ham -se tran
nça s e
Primeiro, trat arem os do cap ítul o das fina
que
em segu ida fala rem os dum peq uen o sist ema
o bom
bole i par a evi tar as chu vas e pres erva r
tem po.

UM CON SEL HEIR O

Mu ito bem, Sr. Ubu ~


93
92
.,
MÃE UBU Mas, côrno de Ubu! (Entra um mensagei1·o.) Bem,
vamos, que quer aquêle ali? Vai-te embora, porca-
Que idiota! lhão, ou te bato, te degolo e te torço as pernas.

PAr UBu MÃE UBU


Senhora merdra minha~ tome cuidado porque não Bem, já se foi, mas deixou uma carta.
tolerarei mais suas tolices. Dizia eu, senhor.es, que
as finanças vão mais ou menos. Um consideráv~~ PAr UBu
número·de cães miseráveis se espalha tôda manha
pelas ruas e os porcalhinhos fazem maravilhas. Por Lê. Até parece que estou perdendo o juízo ou que
todos os lados há casas incendiadas e gente do- não sei ler. Vamos, idiotra, lê, deve ser de Borda~
brando-se ao pêso de nossos impostos. dura.

CoNSELHEIRo MÃE UBu

E os novos impostos, Sr. Ubu, estão dando resul- É dêle mesmo. Diz que o czar o acolheu muito bem,
tado? que vai invadir teus domínios para restaurar o
podet de Bugrelau e que serás executado.
MÃE UBU
PAr UBu
Vão de mal a pior. O impôsto sôbre casamentos
rendeu até agora apenas onze sous, e assin: mesmo Não! Tenho mêdo! Tenho mêdo! Acho que vou.
porque Pai Ubu persegue as pessoas por toda par- morrer. Coitadinho de mim! Que vai me acontecer,
te para obrigá-las a se casarem. meu Deus? Êsse homem malvado vai me matar.
Santo Antônio e todos os santos, protegei-me, pro-
PAI UBU
meto dar esmolas e acender velas a todos vós. Se-
nhor, o que me espera ainda? (Chora e 80luça.)
Espada . das finanças, corna de minha pança, se-
nhora financista eu tenho or.relhas para falar e MÃE
tu t ens bôca para' escutar. (RtSos.)
. Allas, -
. , nao e,
UBU

isso! Tu me atrapalhas e me fazes parecer idiotra. Só há um caminho a seguir, Pai Ubu.

95
PAI UBu •
PAI UBU
Qual é, meu amor?
Ah, isso é que não! Eu te mato! Não vou dar di~
MÃE UBU nheiro algum. Tomem de outro! A guerra já está
paga e ninguém vai guerrear às minhas custãs.
A guerra! Pelos meus chifres, façam a guerra mas porque
vocês estão com raiva. Nada de gastar dinheiro.
Tonos Viva a guerra!
Graças a Deus! Eis uma atitude digna!

PAI UBU

É, e quem vai levar novas estocadas sou eu.

PRIMEIRO CONSELHEIR O

Apressemo-nos, vamos organizar o exército.

SEGUNDo CoNsELHEIR o

E estocar víveres.

TERCEIRO CONSELHEIR O

E preparar a artilharia. e as fortalezas.

QUARTO CONSELHEIR O

E arranjar dipheiro para as tropas.


96

97
11'

PAI U BU

Onde estão a espada-d e-cor tar mer.dra e o gancho-


das-finan ças que eu não acho?! Nunca vou me
aprontar, e os russos avançam e vão me matar.

UM SOLDADO

C ena VIII
Senhor Ubu, a tesoura-d e-cortar- orrelhas vai cair.

C ampo d e batalha, exército de Varsóvia. · PAI UBU

Ti mato com o gancho-d e-puxar- merdra e a faca-


de-cortar -cara .

M ÃE UBU
SOLDADOS E P ALHADINO S
Como êle está bonito de capacete e coura.ça, pa-
Viva a Polônia! Viva Pai Ubu! rece uma abóbora blindada .

PAr · UBu
PAI UBU

Bem .. agora vou montar no cavalo. Senhores , tra-


Mãe Ubu, me dá aqui a couraça e meu bastão. :rou gam-m·e o cavalo-de -fina nças.
ficar tão pesado que não vai dar pra correr se eles
me perseguir em.
MÃE UBU

MÃE U BU Pai Ubu, êsse cavalo n ã o tem fôrças para te agüen-


tar, faz cinco dias que êle não come nada, está
Covard ão! quase morto.
98 99

PAI UBU
PAI UBU
Que ótima babá ela é! Então gasto doze sous por
dia com êsse animal e êle não tem fôrças para me Esqueci de te dizer que te confio o govêrno. Mas
carregar? Será que te enganaram, corna d'Ubu, levo comigo o livro de Finanças. Se me roubares
ou estás me roubando? (Mãe Ubu enrubesce e pagarás caro. O Palhadino Girão fica aqui _para te
baixa os olhos.) Me tragam, então, outro cavalo. ajudar. Adeus, Mãe Ubu. ·
A pé_é que não vou, cornupapança! ·
MÃE UBu
(Trazem-lhe um enorme cavalo.)
Adeus, Pai Ubu. Não deixa de mátar o Czar.
PAI UBU
PAI UBU
Vou montar nêle. Oh! Aliás, acho que vou cair. (O ·
cavalo anda.) Pára, pára êsse bicho, meu Deus, Não te preocupes. Torção do nariz e dos dentes,
I 11.
• vou morrer ..
vou cair, extração da língua, e introdução do bastão erre-
lhas a dentro.
MÃE U:Bu
(O exército se afasta ao som das fanfarras.)
É um imbecil, sem dúvida alguma. Ah, conseguiu
montar. Mas já caiu no chão. MÃE UBu

( Sàzinha.) Agora que êsse bonecão de engonço foi


PAI UBU
embora, tratemos de nossos interêsses: matar Bu-
Cornofísico estou meio morto! Mas não faz dife- grelau e nos apossar do tesouro.
.reriÇa, vou 'pra guerra e matarei todo mundo. Ai
de quem não marchar direito! Será rebentado de
pancada com torção do nariz e dos dentes e ex-
tração da língua.

MÃE UBU

Boa sorte, Sr. Uou.

·... .

10'1

· -

Quarto Ato

Cena I

Cripta dos antigos reis da Polônia na


catedral de Varsóvia.

MÃE UBu
, , -'-
'
I
\

'
c:~/

'

/
'
'
Mas onde está o tesouro? Pelo som, nenhuma des-
sas lousas parece ôca. No entanto, contei treze
pedras a partir do túmulo ,de Ladisla.u, o Grande,
ao longo da parede, e nada. Devo ter me enganado.
Não, aqui parece ôco. Mãos à obra, Mãe Ubu. Co-
ragem, vamos arrancar esta pedra. Está muito prê-
sa. A ponta .do gancho-de-finanças cumprirá sua
finalidade. Achei! Aqui está o ouro misturado aos
ossos dos reis. Vamos, tudo dentro do saco! ... Que
barulho é êsse? Quem poderia estar aqui, sob estas
velhas cúpulas? Não, não é ninguém, apressemo-
nos. Levemos tudo. Esta riqueza tôda é mais útil
102
103

à luz .do dia do que enterrada no túmulo de ve-
lhos príncipes. Recoloquemos a pedra. Ei, o ba-
rulho de nôvo. l!:sses lugares sempre me causa-
ram pavor. Depois venho buscar 9 resto do ouro,
volto amanhã.

UMA Voz

(Saindo do túmulo de J•oão Sigismundo.) Jamais, Cena li


Mãe Ubu!

(Mãe Ubu foge apavorada, pela p01·ta secreta, Praça de Varsóvia.


Bugrelau e seus guerrilheiros.
levando o ouro roubado.) Povo e ·Soldados.

BUGRELAU

Para frente, amigos! Viva Venceslau e a Polônia!


O patife do Pai Ubu partiu. Só ficou a bruxa da
Mãe Ubu com o seu Palhadino. Estou disposto a
marchar à frente de vocês e a restaurar no trono
a estirpe de meus pais.

Tooos
I
I Viva Bugrelau!

I BUGRELAU

Derrubaremos todos os impostos decretados pelo


abominável Pai Ubu.
104
105

- - - -
- -----------------
TODOS BUGRELAU

Bravos! Avante! Ataquemos o palácio e acabemos Pedra nêles, pessoal.


com essa canalha!
GmÃo
BUGRELAU

Pessoal, Mãe Ubu está saindo com seus guardas Ah, é assim!? (Desembainha a espada e avança
pela escadaria. provocando verdadeira ·carnificina.)

MÃE UBU BUGRELAU

Que querem comigo? Oh, é Bugrelau. Deixem por minha conta. (A Girão. ) Defende-te,
covarde!
(A multidão joga pedras.)
(Lutam os dois.)
PRIMEIRO GUARDA
GrRÃo
Todos os carros estão quebrados.
Vou morrer!

SEGUNDO GuARDA
BUGRELAU
Vão acabar comigo, meu São Jorge.
Vencemos, companheiros! Abaixo Mãe Ubu! Avan-
te!
TERCEIRO . GUARDA
(Ouvem-se clarins.)
Cornão-bleu vou morrer *
BUGRELAU
* Cornebleu, palavra cunhada por Jarry partindo da exl?ressão ve!t-
trebleu (ventredieu, ventre de deus). Come, co~ne plzyszque, alusao Estão chegando os nobres. Vamos, pessoal, agar-
ao "bastão de Física" do prof. Hébert; alude amda a Cordon Bleu remos essa maldita harpia!
e a côrno. traído.

106 107
Tonos

A vez daquele velho bandido também chegará!


(Mãe Ub"u escapa perseguida por todos os po-
loneses. Tiros de fuzil e chuva de pedras.) .

Cena III

O exército polonês em marcha na Ucrtlnia.

PAI UBu
Cornão-bleu, vôte, cabeça de vaca! A sêde e o can-
saço vão nos matar. Senhor soldado, tenha a gen-
tileza de segurar nosso capacete-de-finanças e, tu
aí, senhor lanceiTo, cuida da tesoura-de,..cortar-or-
relhas e do bastão-de-física, pra me dar um pouco
de folga. Repito que estamos muito cansados. (Os
soldados obedecem.)

PILA

Ei, Senhore! É supriendente que os russos não


apaireçam.
108
109

PAI · UBU
RENSKY
Lamentável é que a situação financeira não nos De Varsóvia, senhor.
permita possuir uma viatura digna de nós; com
mêdo de demolir nossa montaria, fizemos todo o
caminho a pé, puxando o cavalo pela brida. Mas PAr UBu
quando voltarmos à PolÇmia, inventaremos, graças
aos nossos conhecimentos de física. e às luzes de Rapazola de meTdra, se acredito no que dizes terei
nossos conselheiros, uma viatura movida a vento de ordenar o retôrno de todo o Exército. Mas, se,..
para transportar todo o Exército. nhor rapazola, como vejo que tens acima dos oro.,
bros mais plumas que miolos, creio que imaginaste
COTICA bobagens. Vai para a linha de frente, os russos
estão perto e teremos de usar contra êles tôdas as
Nicolau Rensky acaba de chegar e parece aflito.
nossas armas, tanto as de merdra, como as de fi-
nanças e as de física.·
PAI UBU

GENERAL LASCY
Que é que tem êsse rapaz?
Pai Ubu, não estais vendo os russos na planície?
RENSKY

·PAI UBU
Está tudo perdido, Senhor, ~s poloneses. se revolta-
ram. Mataram Girão, e Mae Ubu fugiu para as
É verdade, os russos! Estou metido em boa. Se ao
montanhas.
menos houvesse um jeito· de me arrancar, mas não
dá pé: es~amos numa colina e ficaríamos expostos
PAI UBU
ao fogo inimigo.
Ave agoureira, coruja de polainas, donde" tiras
tantas asneiras? E ma:is essa agora! Quem fez tu- EXÉRCITO
do isso? Aposto que foi Bugrelau. Donde estás
vindo? Os russos! O inimigo!
110 111

PAr UBu
PAr U Bu
Vamos, senhores, preparemo-nos para a batalha.
Ficaremos nesta colina e não cometeremos a bes-
teira de descer daqui. Vou ficar no centro como
l,lma cidadela viva e vocês à minha volta. Reco-
I Vamos, então, almoçar porque os russos não ata-
carão antes do meio-dia. General, diga aos solda-
dos que façam suas necessidades e entoem a Can-
ção das Finanças.
mendo-lhes carregar os fuzis com o máximÓ de
balas, pois oito balas podem matar oito russos e
s~:rão menos oito a me atacar. Mandaremos a in- SOLDADO E P ALHADINOS
fantaria lá . para baixo a fim de que recebam os
~ussos e matem alguns dêles; a cavalá.ria irá logo Viva Pai Ubu, nosso grande Financista! Ting, ting,
atrás para entrar na confusão e a artilharia fica- ting; ting, ting, ting; ting, ting, ting, tating !
rá em tôrno do moinho aqui presente para atirar
em cima. do bôlo. Quanto a nós, ficaremos dentro PAi
do moinho .e atiraremos com a pistola-de-finanças
UBU

pela janela, colocaremos de través na porta o bas- Ah, gente boa, adoro vocês todos. (Um petardo
tão-de-física, e se alguém tenta entrar, gancho-de- russo atinge e quebra a pá do moinho.) Estou com
merdra nêle!!! mêdo, senhor Deus, estou morrendo! Ah, não es-
tou, não é nada.
OFICIAIS

Sr. Ubu, Vossas ordens serão executadas.

PAr UBu

ótimo. Tudo· corre bem, venceremos. Que horas


são?

GENERAL LASCY

Onze horas da manhã:

112
113

PAI U BU

Não fico mais aqui. Chove chumbo e ferro em


cima da gente e podemos até prejudicar nossa pre-
ciosa pessoa. Desçamos. (Descem todos correndo.
A batalha começou. Êles desaparecem em meio à
fumaça ao pé da colina.)
Cena IV
UM Russo
Os mesmos, um capitão. (Atacando.) Por Deus e pelo Czar!
DepOis o exército russo.

RENSKY

Ai, eu morro l

CAPITÃO PAI U BU

(Chegando.) Senhor Ubu, os russos atacam. Avante, camaradas! Ah, tu me machucaste, vou
acabar contigo, seu bêbado, contigo e com essa tua
espingarda que ~ão atira.
PAr UBu

E daí, que é que você quer que eu faça? Não fui U.M R usso
eu quem os mandou atacar.. Mas, senhores (das
Experimenta isso! ( Dá-lhe um tiro de revólver.)
Finanças, preparemo-nos para o combate.
PAI UBU
GENERAL LASCY
Ai, ui! Estou baleado, estou furado, perfurado,
Outro p r ojétil. encomendado, enterrado. Oh, mas ainda assim!
Vou pegá-lo. Toma! Me provoca de nôvo !
114
115
GENERAL LASCY
que mereces, Jean Sobiesky. (Bordadura o abate.)
Avancemos, todo vigor, pessoal, atravessemos o A15ora, os outros! (Mata uma porção de polonese~..)
fôsso. A vitória é nossa!
PAI UBU
PAr UBu
Avante, camaradas. Peguem êsse biltre! Compota
Acha mesmo, general? Até o momento, sinto na de moscovitas! A vitória é nossa. Viva a águia ver-
fronte mais "galos" que lauréis. melha! .
CAVALEIROS Russos
Too os
Afaste·m-se !. Abram passagem para o Czar!
Avançar! Hurra! Caspité! Peguemos o safadão!
(Chega o Czar acompanhado de Bordadura,
disfarçado.)
BORDADURA

UM POLONÊS Meu São Jorge, caí no chão.


Nossa mãe! Chegou o Czar, salve-se quem puder!
PAr UBu
ÜUTRO POLONÊS
(Reconhecendo -o. ) Ah, és tu, Bordadura! Estamos
Deus do céu! Êle transpôs o fôsso. todos felizes de te rever, meu caro amigo. Vou te
cozinhar em fogo lento. Senhores das Finanças,
TERCEIRO POLONÊS
acendam o fogo! Oh! Ai! Ui! Estou morto. Devo
ter recebido pelo menos um tiro de canhão. Oh;
Pif! Paf! O velhaco do tenente já desancou qua- meu Deus, perdoai meus pecados. É, foi mesmo um
tro. tiro de canhão.

BORDADURA
BORDADURA
Ah, ainda não acabaram com vocês?! Pois toma o
Foi um tiro de pistola com pólvora sêca.
116
117.

PAI UBU . P Ar U su

Ah, e ainda me gozan do ! Estás no papo! (Joga-se Toma ! Oh! Ah! Deu em nada. Ui, perdã o, senho r,
sôbre êle e o àilace ra.)
deixe-m e em paz. Ai, inas n ão fiz por querer! (Es-
capa, o Czar o perse gue.)
GENE RAL LASCY

Pai Ubu, estam os avanç ando em tôda a linha·. P AI UBU

PAr Usu Santa Virgem, êsse danad o lfle perseg ue! Que fiz
eu, meu Deus! Felizm ente, êle ainda tem de trans-
Estou vendo, não agüen to mais, crivar am-m e de por de volta o fôsso. Ih, sinto- o atrás de mim e
ponta pés. Gosta ria de me senta r um pouco , mes- à minh a frente o burac o. Corag em, fechem os os
olhos!
mo no chão. E meu cantil ?

GENE RAL LASCY CZAR

Toma o do Czar, Pai Ubu. Nossa ! Caí no fôsso!

P AI U BU POLON ÊS

É pra já . Vamos! Sabre -de-co rtar-m erdra , cump re ôba! O Czar caiu lá emba ixo!
tua funçã o, e tu, ganch o-de-f inanç as, não fiques
atrás. Que o bastão -de-física trabal he com gene-
rosa emula ção e divida com o bastão zinho a: h onra
PAI UBU

de massa crar, varar e reben tar o Imper ador mos-


Nem ouso -olhar pra trás! :Êle está lá dentr o. ótimo ,
covita . 1\.van te, senho r nosso cavalo -de-fi nança s !
(Atira -se sôbre o Czar:) pau nêle! Vamos polonês, com tôda fôrça, êle tem
costas largas, o J:l?.iser ável! ·Nem quero ver. E en-
quant o isso noss.a prediç ão se realiz ou plena men-
UM OFICI AL Russo te: .o bastão -de-fí sica fêz marav ilhas e não resta
dúvid a algum a de que .eu estall"ia m.Orto a esta
Cuida do, Majes tade! hora se um inexp licáve l terror não tivess e com-
118 119

batido e anulado em nós os efeitos de nossa bra-
vura. Mas tivemos que, subit~mente, virar casa- multidão, como vou sair dêste lodaçal? (É empur-
ca, e .devemos nossa salvação à nossa habilidez de ·rado.) Ah, mas és tu! Presta atenção se não que-
cavaleiro assim como à solidez das pernas de nos- res experimentar o ardente valor do Mestre das
so cavalo-de-finanças, cuja rapidez só se iguala Finanças. Bem, foi-se embora, vamos nos arran-
àquela solidez e à sua já famosa ligerez assim car daqui enquanto Lascy não está vendo: (Sai.
como à profundez do fôsso que se abriu muito c~r­ Em seguida, vê-se passar o Czar com o exército
tês sob os passos do inimigo soez do aqui presen- russo perseguindo os poloneses.)
te Mestre das Finanças, como o veis. É, tudo isso
é muito bonito 'mas ninguém me escuta~. Vamos, a
guerra continua!

(Os dragões russos dão uma carga e salvam o


Czar.)

GENERAL LASCY

Desta vez é a debandada.

PAr UBu
Chegou a hora de baixar o cacête. Portanto, se-
nhores poloneses, avançar, ou melhor, botar o ga-
lho dentro.

POLONESES

Salve-se quem puder!

PAr UBu
Vamos, em marcha! Que cambada, que fuga, que
120
121
PAr Usu

Ei, Sr. Cotica, como vai sua orrelha?

COTICA

Vai tão bem como pode, indo mal como vai. Em


conseqüência de que o chumbo faz ela pender para
Cena V o chão e não posso extrair a bala.

PAr UBu
Uma caverna na Lituân~. Neva.
Pai Ubu, PiLa, Cotwa.
Bem feito. Não estavas a fim de bater nos outros?
Dei prova tota l de bravura, e sem me expor ma-
PAI UBU tei quatro inimigos com minha própria mão, sem
contar todos aquêles que já estavam mortos e que
Que tempo maldito, faz um frio ~e rachar e a pes- acabamos de matar .
soa do Mestre das Finanças esta bastante estro-
piada.
COTICA

PILA Pila, sabes que fim levou o pequeno Rensky?


Como é, Senhoire Ubu, já se recuperou do mêdo e
da fuga? PILA ''

PAI UBU
Recebeu uma bala na cabeça.

Claro! Do mêdo já, mas a fuga continua. PAr UBu

COTICA
Assim como a papoula e o taraxaco, que à flor da
idade são ceifados pelo ferro e pelo êrro de arrado,
nosso pequeno Rerisky foi ceifado p ela guerra e
( A parte.) Porco!

122 12.'3

- - - - - - - -- - - - - - - -
assim foi-se, emborra tenha lutado bravamente.
Mas havia russos demais!

PILA E COTICA

Uh! Senhoire!

UM Eco
Cena VI
.R homrrr! ··
Os m esmos. Entra um urso.
PILA

Que será isso? Nossos binóculos!

PAI UBU COTICA

Essa não! Aposto que são os russos outra vez! Já Ai, senhoire das Finanças!
é demais! e depois a coisa é simples, se êles me
pegam, estarão no papo. .

I
PAI UBU

Ora veja, o totôzinho. Que gracinha!

PILA

Cuidado! Nossa, que urso enorme.' C "


cartucheira? ade minha

PAI UBU

Um urso! Ui! que fera! p 0 b re d e mim, vou ser co-


124

mido. Deus que me proteja. Êle vem me pegar. PILA
Não, vai pegar Cotica. Ainda bem! (O urso agar-
ra Cotica. Pila ataca-o a golpes de punhal. Ubu! Ai, êle está me mordendo! Meu Deus, salvai-me,
se refugia em cima de uma pedra.) vou morrer.

COTICA PAI UBU

Me ajuda, Pila! me ajuda! Socorro, Senhoire Ubul Fiat voluntas tua !

PAI UBU COTICA

Aqui oh! Te safa, meu caro, agora estou rezando Consegui feri-lo.
o Padre Nosso. Cada um tem sua vez .de ser co-
mido. PILA

PILA Bravos! Êle está sangrando. (Em meio ao.s: gritos


dos Palhadinos, o urso berra de dor e U'bu conti.._
Peguei, está seguro! nua a resmungar.)

COTICA COTICA

Agüenta, Pila, êle começa a me soltar. Agarra firme, enquanto pego meu sôco explosivo.

PAr. U:Bu · pAI Usu .

Santificatur nomen tuum Pahem nostrum quotidianum ·da no bis hodie.

CoTICA PILA

Velhaco covarde! Conseguiste? Não posso segurá-lo mais.


126 127

PAI UBU
plosivo do aqui presente Palhadino Cotica. Tão
Sicut .et :nos: , dimittimus debitoribus nostris. longe levamos nosso devotamento, que não hesi-
tamos em subir numa pedra bem alta para que
1nais depressa nossas preces chegassem ao céu.
COTICA

Consegui! (Uma explosão e o urso cai morto.) PILA

Asno asqueroso!
PILA E COTICA

Vitória! PAr UBu

PAI UBU
Aqui está um enorme animal. Graças a mim vocês
terão o que comer. Que barriga tem o bicho, gen-
. Sed libera nos a maio. Amen. Enfim, morreu mes- te ! Os gregos aí teriam ficado bem mais à von ta,de
·m o?.· Já::posso descer daqui? do que no ventre do cavalo de Tróia, e por pouco,
caros amigos, íamos ter a oportunidade de veri-
ficar pessoalmente a ·capacidade interior dessa
PILA
pança.

(Com desprêzo.) Quando. quiser.


PILA

PAI UBU Morro de fome . Que .vamos comer?

(Descendo.) Podem se orgulhar de que, se ainda


COTICA
estão vivos e ainda pisam a neve da Lituânia, de-
vem -isso à virtude magnânima do M-estre das Fi~ O urso!
nanças, que se esforçou, largou a pele, se matou a
recitar padres-nossos por vossa salvação, e com
tanta coragem empunhou a espada espiritual dé~­
prece quanto vocês manejaram,o temporal sôco ex-
:1:28
I PAr UBq

Mas, seus bobocas, como é que vão comê-lo cru?


Não temos com que acender uma fogueira.

i-29

PILA
PAI UBU

E as espolêtas ?
Isso é ruim, seria melhor cbmê ~ io quente. O Mes-
tre das Finanças vai ter· uma indigestã o.
PAI UBU

Isso mesmo! Parece que há aqui por perto· um, p e- PILA


queno bosque onde podemos achar alguns galhos
secos. Vá buscá-los , Sr. Cotica. (Cotica se afasta (A parte.) É revoltant e. (Alto.) Me ajude um pou-
pela neve.) co, Sr. Ubu, não posso fazer tudo sozinho.

PAI UBU
PILA

E, enquanto isso, Sr. Ubu, vá esfolando o bicho. Não, não quero fazer nada! Estou muito cansado!

COTICA
PAI UBU

(Voltand o.) Que frio, amigos, parece até Castilha


Eu não! Pode ser que êle ainda não esteja morto. ou o Pólo Norte. Começa a anoitecer . Numa hora
É melhor te encarreg ares disso, uma vez que já estará escuro. Vamos nos apressar enquanto ainda
estás meio comido e mordido por êle. Eu fico acen- há claridade.
dendo a foguffira enquanto Cotica vai buscar a
lenha. (P ila começa a · esfolar o '!1-rso.) PAI UBU

PAI UBU Correto. Ouviste, Pila, apressa-t e. Andem vocês


dois! Metam o bicho no espêto e tratem de assá-
ôi, cuidado! êle se mexeu. lo, que eu estou .com fome!

PILA
PILA
Ah, isso já é demais! Vem trabalhar , guloso, do
Mas, Sr. Ubu, êle já está gelado. contrário não vais comer coisa a1gumal ·
130
131

-------- --- - - -

PAI ·usu.
bom que nos inteirássem os da veracidade dessas
Pra mim dá na mesma.. Como cru. Pior pra vocês. notícias.
Além do mais estou com muito sono ! ·
PILA
COTICA
Tens razão. Devemos abandonar Pai Ubu ou ficar
Que achas, Pila? Comemos tudo sozinhos. Nãó da- com êle aqui '?
mos nada a êle, tá? Ou lhe damos os ossos.
COTICA
PILA

Certo. O fogo está acendendo. A noite é boa conselheira . Durmamos . Amanhã a


geÍ'lte vê o que se deve .fazer.
PAI UBU
PILA
Que bom, já começa a esquentar. Mas vejo rus-sos
por tôda parte. Como corremos, meu Deus ! Ah ... Acho melhor aproveitar a noite pra nos mandar-
(Adormece. ) mos.

COTICA COTICA
Gostaria de saber se é verdade o que disse Rensky, Vamos, então.
se Mãe Ubu foi deposta ·realmente. Não me parece i·
difícil. .
::
(Partem:) :
':.·.
PILA

Vamos terminar de fazer a comida. '.

C OTICA

Não, temos de . falar de coisas importante s. Seria


132
133
sov1a perto de Vladislau , o Grande, também em
Cracovia perto de João Sigismun do, e também em
Thorn na casamata com Borda dura! Ei-lo de nôvo.
Vai-te embora, urso maldito! Tu te pareces com
Bordadur a. Escutou, demônio ? Não, êle não es-
cuta. Os porcalhin os* cortara m-lhe as orrelhas.
Rebentai s o cérebro, matrai** , cortai as orrelhas,
arrancai a finánça e bebei até morrer, é a vida dos
porcalhin os, é a alegria do Mestre de Finanças .
Cena VII
(Cala-se e dorme.)

PAI UBU

(Fala dormindo .) Ah, Senhor Dragão russo, presta


atenção, não venha pra cá, tem gente. Ah! lá está
Bordadu ra, êle é malvado, parece um urso. Bugre-
lau avança contra mim! O urso, o urso! Ai! Olha
êle lá! Êle é duro de roer, meu Deus! Não quero
fazer nada, nada! Vai embora, Bugrelau ! Estás
ouvindo, palhaço? Agora é Rensky e o Czar! Oh!
êles vão me bater. E Donabu? Onde achaste tanto
ouro? Ficaste com meu ouro, miseráve l, fôste re-
mexer no : meu túmulo na catedral de Varsqvia , * Salopin (salop, sujo), alusão a palotin, que traduzimos por pa-
p erto da Lua . Já m orri faz mufto tempo, foi Bu- lhaditlo.
grelau quem me matou e fui enterrado em Var- *"' Tuder: palavra cunhada possivelment e com a montagem d a ex-
pressão tudieu - excla mação de comédia antiga """"7 e teur, matar.

134 135

- -- - -
···-------- -------- --------
- - - - - - -- - - - -- -
Quinto Ato

I
• I
f Cena I
I
\ Noite. Pai Ubu dorme. Entra Mãe Ubu.
A escuridão é total.
,

I
I

MÃE UBU

Até que enfim um refúgio. Aqui estarei sõziril;la, o


que não é mau, mas que corrida desenfreada: atra-
; vessar tôda a Polônia em quatro dias! Tôdas as
i desgraças caíram sôbre inim de uma só vez. Assim
que aquela bêsta partiu, fui à cripta apanhax- o

I tesouro. Logo ·depois, ·Bu'g relau e seu grupo enfu-


recido quase me matam a pedradas. Perco meu
cavaleiro, o Palhadino Girão, que era tão fascinado
por meus encantos que desmaiava só de me ver e,
segundo alguns, me-smo sem me ver, o que é o
J cúmulo da ternura. Por minha causa, seria capaz
136 l de se deixar cortax-- ao meio, o pobre rapaz. A pro-

137

-
-- --- -----
.,
va disso é que foi cortado em quatro por Bugrelau. Graças a Deus entrevejo
.Pif paf pan! Puxa, pensei que ia morrer! Em se- Senhor Pai Ubu que dorme perto de mim.
guida, fugi perseguida pela multidão enfurecida.
Deixo o palácio, chego ao Vístula, tôdas as pontes
vigiadas. Atravesso o rio a nado, na esperança de
.fazer meus perseguidores desistirem. Dissim~lada
entre poloneses dispostos a acabar comigo, ~stive PAr .UBu
mil vêzes a um passo da morte. Mas terminei es-
capando-lhes à fúria, e depois de quatro dias de Muito mal! Êsse danado dêsse urso não é molef
caminhadas pela neve do que fôra meu reino, con- Combate dos v:Ç>rácios càm os curiácios, mas os vo-
.sigo me esconder aqui. Não bebi nem comi na.da rácios comeram e devoraram os curiácios ' como
,
.durante todos êsses dias. Bugrelau, no meu rasto, veras ao amanhecer. Entendestes, nobres palha-
o tempo todo ... Enfim, estou salva. Ai, estou qua- dinos?
se morta de frio e de cansaço. Mas gostaria de
.s aber que fim levou meu gordo polichinelo, isto é,
meu respeitável espôso. Tomei muito dinheiro dêle.
:Roubei-lhe rixdales. Enganei-o com mentiras. E Quem é que êle está gozando assim? Ficou mais
seu cavalo de finanças morreu de fome: não via i.diota do que era antes de partir. Que será que êle
comida com muita freqüência. A história de sem- tem?
'Pre! Mas coitada de mim que perdi meu tesouro.
Ficou em Varsóvia, e quem se arriscaria a ir bus-
cá-lo? PAr UBu

Cotica, Pila, respondam, sacos de merdra! Onde


PAI UBU estão vocês? Ai, tenho mêdo. Mas ouvi alguém fa-
lar aí. Que f o!? O urso não pode ser. Merdra! Meus
( Começando a acordar.) .Agarrem a Mãe Ubu, cor- fósforoS, onde estão? Ah, perdi-os na guerra.
tem-lhe as orrelhas!
MÃE UBU
MÃE UBU
(A parte.) Aproveitemos a situação e a noite, si-
Deus do céu! Onde estou? Enlouqueço. Ah, nao, mulemos uma aparição sobrenatural e façamos
Senhor! com que êle nos perdoe os furtos.

138 139

. ·. ____________ - .
PAr UBu
PAI Usu
Meu Santo Antônio, quem fala aí? Cruz credo! Vã o
me enforcar! Muito família, não resta dúvida.

MÃE U~u MÃE UBu

(Engrossando a voz.) Sim, Sr. Ubu, alguém real- Calai-vos, por Deus!
men:t~ ~stá falando aqui, e a trombeta do arcanjo
qu.e ergue os mortos da. cinza e do pó final não PAI UBU
fS:laria· çie outra maneira! Escutai esta voz grave.
E a voz de São Gàbriel que só dá bons conselhos.
Uai, nunca vi anjo se exaltar.
PAr Usu:
MÃE Usu
Só faltava essa!
Merdra! ( Continuando.) Sois casado, Sr. Ubu?
MÃE UBU
PAr UBu
Não me interrompei, Pai Ub.u, ou eu me calo e será
pior para você! Exato, com a última das megeras.

PAr UBtr MÃE UBU


. Ai, minha p<:~._nça! ·Não .digo mais uma palavr a. Con-
tinue, senhora aparição! Quereis dizer com uma mulher encantadora .

MÃE Usu PAi. Usu

Dizían.ws, ·.·Sr:-Ubü,. que ·éreis. um pateta. tamanho Um monstro. Tem esporões pqr todp o corpo, não
família! , :. ~ .. .:~: : ·. ·. ·• :···. :. · . ·· · ·· há por onde pegá-la.
140
141

MÃE UBU
MÃE UBU
Pela doçura, Sr. Ubu. Se fôrdes carinhoso, vereis
que, na pior das hipóteses, ela é igual à Vênus de Ela não bebe!
Cápua.

PAr UBu
PAr UBu
Sim, depois que lhe tomei a · chave da adega. An-
Caspa? Quem tem caspa? tigamente, à~ sete da manhã já estava bêbeda, re-
cendendo a cachaça. Agora que se perfuma com
MÃE UBU heliotropo, não cheira mal. Pra mim tanto faz.
Quem se embebeda agora sou eu.
Não me escutastes bem, Sr. Ubu. Prestai melhor
atenção. (A pm·te.) Tenho de me apressar pois já MÃE UBu
amanhece. (Alto.) Sr. Ubu, vossa mulher é adorá-
vel e deliciosa, ela não tem ·um só defeito. Homem tolo! Vossa mulher não toca em vosso ouro.

PAr UBu PAr U Bu

Estais enganada, não há um só defeito que ela não Não me diga! Isso é piada!
tenha.
MÃE UBu
:MÃE UBU
Ela não desvia um único centavo!
Silêncio! Vossa mulher é fiel!
PAr UBu
PAr UBu
Que sirva de testemunha meu nobre e desgraçado
cavalo-de-finanças que, tendo passado três meses
Seria difícil aquela gralha me trair.· Não ia achar sem comer, teve de fazer tôda a campanha puxado
com quem. pelas rédeas através da Ucrânia. Também fizeram
142
tudo para acabar com êle, pobre animal!

143

-- - -- -
···-~------------
MÃE UBU PAI UBU

Tudo isso é mentir a. Possuis um modêlo de mulhe r Azar dêles! Queria m me bater.
e fazeis dela ·um monstr o!
MÃE UBU
PAI UBU
Não cumpr iste a prome ssa ;feita a Bordad ura e mais
Tudo isso é verdad e. Minha mulhe r é uma liberti na tarde ainda o assassi na$te . .
e falas como se ela fôsse atraen te feito uma lin-
güiça! -
PAr UBu
MÃE UBU
Prefiro que seja eu e não êle o rei da Lituân ia. A tu-.
Cuidad o, Pai Ubu. almente~ não é nenhu m de nós dois. I sso prova que
não fui eu quem o matou.
PAI UBU
MÃE UBU
Ah, sim, esquec i com quem estou faland o. Não, não
quis dizer isso!
Só há .um meio de conseg uirdes perdão para vossas
faltas.
MÃE U~u

Matas te Venceslau. PAr UBu

PAr UBu Qual é? Estou dispos to a me tornar um santo ho-


mem, quero ser padre e ver meu nome como santo
A culpa não foi minha , podeis crer. Foi idéia de do dia na folhin ha.
Mãe Ubu.
MÃE UBu
~UBU

Matas te Bulela u e Ladisla u. Terás de perdoa r os pequen os furtos de Mãe Ubu:

144 145

. )

~
------

- --~------~

• PAr UBu . PAI UBU

Essa não! Perdôo depois que ela me devolve r tudo Ah, carniça !
o que roubou , depois de ser açoitad a e depois que
ressusc itar meu cavalo- de-finan ças.
MÃE UBU

MÃE UBU Que sacrilégio!

Essa do cavalo ficou-lh e na gargant a. Já amanhe - PAr UBu


ce, estou perdida !
Essa não! Sei muito bem que era você, sua rabu-
PAI UBU genta ! Que diabo fazes .aqui?

No final de tudo, estou muito satisfeit o por ter MÃE UBU


agora a certeza de que minha querida espôsa me
roubava dinheiro . Agora eu o sei de fonte limpa. Mat~ram ·a irão e os polones es me expulsa ram.
Omnis a De o scientia. O que quer dizer: Omnt;:;,
tôda; a Deo scientia , ciência vem de Deus. Tô.da PAr UBu
ciência vem de Deus. Eis a explicaç ão do fenôme - Quanto a mim, foram os russos que me expulsa -
no. Mas Dona Apariçã o parou de falar. Que é que ram: duas boas almas se encontr am.
f:lU posso fazer para elá se. animar de nôvo? Até que
falava coisas engraça das. Ih, já está amanhe cen- MÃE UBU
do ... Nossa Mãe, por meu cavalo-de-fina nças, era
Mãe Ubu! Neste caso, eu diria que uma boa alml?, encontr a
um asno!
MÃE UBu
PAr UBu

(Descar adame nte.) Não é verdade , vou te exco- É assim? P ois a boa alma vai encontr ar agora um
mungar . palmípe de. (Joga o urso em .cima dela.)
146 . 147

• . - ~~~~-
-----
.
.'


MÃE UBU MÃE UBU
? Pel as
(Ca indo sob o pêso do urso .) Que horr or, m eu Pila , Cot ica, Pat er Nos ter. Que sign ific a isso
Deu s! Vou mor rer! Esto u sufo ca.d a! Êle me
mor de, min has fina nça s, êle end oido u de vez!
me engole, me dige rt;
PAr UBu
PAI Uau és um a
Diss e exa tam ent e . o que hou ve. Tu é que
m sa-
O bicho está mor to, esca nda losa . Ui, mas que reu , idio ta, min ha bon stra *. ·
! Êle··n ão mor
be? pod e ser que não ! Nos sa Mãe
qui es...
fuja mos . (Su bind o na ped ra.) Pa.t er Nos ter MÃE UBU

MÃE Ul3U Pai Ubu, me con ta como foi a gue rra.

(Se livra ndo .) Ess a não ! Ond e se met


eu êle? PAI UBU
, ape sar
Oh, não , é can sati vo. Tud o o ·q,_ue sei é que
mun do me
PAI UBU de min ha inco ntes táve l bra vur a, todo
bate u.
, será
Ah, meu Deu s, ela de nôvo! Mu lher estú pida
que não h á um jeit o de me livr ar dela ? O urso está MÃE UBU
mor to? -
Não me diga , até os polo nese s?
MÃE UBu
bich o PAr UBu
Está , meu asn o, já está até frio . Com o êsse
veio par ar aqu i? u. Pen sei
Êles ber rav am: Viv a Ven cesl au e Bug rela
que iam me esq uart ejar , a.qu~les indiscip
lina dos .·
:f>J).r -UBU E dep ois ma tara m Ren sky.
·Co tica e
Sei lá.. Ah, sei sim. J!:le quis com er Pila e * Tradução arbit rária de giborgne, palav ra cunh ada por Jarry e que
(corc unda ), borgne (lôbr ego,.
eu o mat ei com . um .golp e de Pat er Nos ter. pode conotar inúm eros sentid os: gibbe ux
zarol ho), gibem e (traz eiro) , gibbon (oran
gotan go).

148 149


1.

-- - - - -- - --- - - - -
~

·
-
- --
- - --- - -

MÃE UBU assim consiga extrair também os espinhos de seu
caráter) , sem esquecer a abertura da bexiga nata-
E eu com isso?! Sa bes que Bugrelau m a tou o P a - tória e finalmen te a grande decapitaçã o renovada
lhadino Girão! de S. João Batista, tudo de acôrdo com as Santís-
simas Escritura s, tanto do Antigo como do Nôvo
Testame nto, organizad o, corrigido e aperfeiço ado
PAr UBu
pelo aqui presente Mestre das Finanças ! De acôrdo,
lingüiça?
E eu com isso?! E depois mataram o pobr~ Lascy.
(Êle a rasga. )
MÃE UBU
MÃE UBU
E eu com isso?!
Piedade, Sr. Ubu!
PAr UBu
(Alarido na entrada da caverna.)
Sim, mas de qualquer jeito, ~arniça, chega pra cá!
Ajoelha- te aos pés de teu senhor (Agarra-a e a põe
de joelhos.) Vais sofrer o derradeiro suplício.

MÃE UBu

Oh! oh! Sr. Ubu!

PAr UBu

. Oh, oh, oh! Já acabaste? Agora começo eu: torção


de nariz, .arrancam ento de ca.belos, introjeçã o do
bastonete ' de madeí·r a, éxtração · do cérebro pelos
calcanha res, dilaceraç ão do posterior , supressã o
par cial ou mesmo total do espinhaç o (talvez que
150 151
.-.


BUGRELAU

Cena II Toma, capão, ladrão, beberrão, bufão, paspalhã o,


cafetão! (Os soldados arremetem contra os Ubu
que se defendem como podem.)
Os mesmos, Bugrelau.
(Invadindo a caverna com seus soldados.)
PAr UBu
Deuses! Quantos reforç~s!

~EUBU
BUGRELAU I!
/ Também temos pés, senhores poloneses.
I
Avante, camaradas! Viva a Polônia! I

PAr UBu
PAr UBu
1
,I
~j

Por meus chifres, quando é ql,le isso vai acabar?

~I
Espere um pouco, senhor polonês. Deixe-me aca- Outro ainda! Ah, se eu tivesse aqui meu cavalo-
bar aqui com minha cara metade. de-finanças!
·l

BUGRELAU
! BUGRELAU

Batam, batam sem parar!


(Espancando-o.) Toma, covarde, p~caro, sacripan-
ta, incréu, muçulmano!

PAI UBu

'(Revidando.) Toma, idiota, janota, lorota, carlota,


I
d
1
VOZES LÁ FORA

Viva Pai Ubu, nosso grande financista!

PA.r UBu
capota, calota, borrabotas, bosta!
152 ôba! São êles! Viva! São os Pais Ubus. Venham,

153

. \

·· - - _- -

...
cheguem, precisamos de vocês, senhores das Finan- JEAN SoBIESKr
ças.
Batam, batam pra valer, êles fogem pela porta, os
(Entram os Palhadinos que se jogam na con- miseráveis.
tusão.)

Poloneses, caiam fora! COTICA

Estamos perto, siga os outros. Em conseqüência ·


PILA do que, estou vendo o céu. -
Hon! turnamos a nos veire, senhoire das Finanças.
Vamos, force a passagem, trate de chegar à porta PILA
e, uma vez lá fora, só há uma coisa a fazer: dar
no pé. · Coragem, Sr. Ubu!

PAr UsU PAI UBU

Sim já fiz nas calças. Vamos, cornopapança! Ma-


Nisso eu sou bom. Ai, êle bate com fôrça! tre~, sangrem,. esfolem, matem, côrno de Ubu! A
BUGRELAU
I situação melhora!

Meu Deus, estou ferido! j COTICA

l
Só há dois guardando a saída.

I
STANISLAU LE:CZINSKI

PAI UBU
Não foi nada, senhor.
! (Espancando-os a golpe de urso.) Dou-lhe uma,
BUGRELAU 1 .dou-lhe duas! Uf! consegui sair. Fujamos! Sigam
os outros.
É, só fiquei um pouco tonto. t
154 155
,-

, ,,

MÃE UBu

Tens tôda a razão, Pai Ubu.

(Desaparecem na distância.)
;

Cena III

A cena representa a província de Livônia coberta


de neve.
Os Ubus e seu séquito em fuga.

PAr UBu

Uf, creio que êles desistiram de nos pegar.

MÃE UBu

É, Bugrelau foi assumir o trono.

PAr UBu

Não tenho nenhuma inveja da coroa dêle.


156
157
1

l
-
··- - -- ------
PAI UBU

Uai! Meu Deus! Vamos afundar. ~.le está indo todo


torto, vai virar, o .barco vai virar!

COMANDANTE
Cena IV To.do mundo a sota-vento, amarrem o mezena!

Convés de um navio navegando à bolina no Báltico. PAI UBU


No convés, Pai Ubu e seu bando.
Essa não! Não fiquem todos do mesmo lado! É uma
imprudência. E se o vento mudar de direção? Ire-
mos todos ao fundo e os peixes nos comem.

COMANDANTE
COMANDANTE
Sopra ótimo vento. Devagar, amainar as velas.

PAI UBU
PAI UBU
D'e fato, navegamos com prodigiosa rapidez. Deve- Devagar, o quê! Nada disso! Tenho pressa, ouviu?
mos estar fazendo no mínimo um milhão de nós A culpa é tua, capitão de merdra, se não chegar-
por hora, e êsses nós têm a vantagem de que, uma mos, a culpa é tua. Já devíamos ter chegado, pô!
vez feitos, não se desfazem mais. Bem, é verdade Àssumo o comando! Evitar de virar, fé em Deus e
que temos muito vento no traseiro. e pé na tábua1 Ancorar, virar de vento em pôpa,
virar .de vento-em proa! Icem as velas, arreiem as
PILA velas, leme a barravento, leme a sota-vento, leme
de 18..do .. . Estamos indo bem? Nã o? Então, cortar
É UII} pobre imbecil. a onda pelo meio, e pronto, tudo est ará perfeito.
(Uma rajada faz o nav io adernar.) (Todos se riem, o vento sopra mai s forte. )
158 159

Co MA ND AN TE MÃE UBu
f
lhã o e 'ab rir a bu rda ! bre ve r everemos no s-
Af ro ux ar os rizes, de sv iar o co Ah como é bo m sa be r qu esem igo s e nosso . ca stelo
sa do ce Fr an ça , os velho am
de Ma ud rag ão .
PA r UBu
tá esc uta nd o, sen h9 ra PA r UBu
Iss o até .qu e nã o é ma u. Es de sv iar o cu lhã o e
Tr ipu laç ão ? Af rou xa r os risos, os pa ssa nd o pelo caste~
ab rir a bu nd a! É, nã o vai de mo rar ! Es tam
lo de Elsenor.
a on da va rre o co n-
(A lgu ns mo rre m de rir . Um PIL A
vé s.)
em . rev er mi nh a qu e-
Unu Fi co co nte nte só de pe ns ar
PA :r rid a Es pa nh a.
da s ma no br as que or-
Qu e dilúvio! É co ns eq üê nc ia Co TIC A
de na mo s.
mb rar os co mp atr iot as
Eu tam bé m, e va mo s de slu rav ilh os as av en tur as.
1\tl:ÃE UB U
co m a his tór ia de no ssa s ma
Co isa aprazível, a na ve ga çã o! PA r UBu
rco .)
(O utr a on da inv ad e o ba anto a mi m, ser ei no me ad o
Oh ' sem dú vid a!nçQu ris .
me str e da s Fi na as em Pa
PIL A
UBu
do De mô nio e de su as ten-
MÃ E
(E nc ha rca do .) De sco nfi e
taç õe s. Iss o mesmo! Ui, qu e· ho uv e?
PA r UBu Co TICA
bida. de do br ar a po nta de
Se nh or ga rço m, tra ga -n os be Nã o é na da, é qu e ac ab am os
(S en tan do -se pa ra be be r.)
El sen or.

160 161

-- -- ---- -- --
- ----
- ··- - - -
-

PILA

E agora cortamos velozmente as escuras ondas do


Mar do No r te.

PAr UBu

Mar feroz e hostil que banha o país por nome Gér-


mânia, assim chamado porque os seus habitantes
.?ão primos germãos.

MÃE UBU

É a isso que eu chamo erudição. Diziam que é uma


beleza de país.

PAI UBU

Sim, mas, por mais belo que seja, não s~ compa~a


à Polônia. Se não houvesse a Polônia, nao havena
polon eses.

FIM

i
(

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163

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