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ILUMittúRAs
1NVENCAO DA JUV ENT UD E PELA NO UVE LLE VAGUE
é assinada por
Nouvelle ¼igue vem aí), a repo rtage m que finaliza a pesquisa
rosa articulista,
Fran<;oise Giro ud, urna das fundadoras da L'Express, pode
quem Truffaut
escritora e polít ica que vem a ser aquela mesma senhora de
cinema frances,
dizia, em seu artig o de 1954 sobre a (falta de) qualidade do
edi<;áo de 3 de
que "é dona de um inco men surá vel mau gosto". Inserida na
a publica<;áo
outu bro, a maté ria de Giro ud, torna da aind a mais notó ria com
que mobiliza
em livro, em 1958,3 é part e de um trabalho de longa dura'ráo,
do IFOP - que
a revista de outu bro a deze mbro desse ano. O questionário
rd documents e
reen cont ramo s entr e os docu men tos salvos em jean -Luc Goda
que engl oba perg unta s com o "Na sua opin iáo, a guerra da Argélia ainda vai
b fu turo.;>" , "Q . - uem_ mais
.
dura r muit o?", "O que mais gost aria de sabe r so re seu
a ed•Cr~?· Giroud
o influ enci ou na vida ?" _ é publ icad o na ínteg ra nessa mesm
. o espac;o conc edid
·JUst1..fica ass1m . o ao assunto e a pesquisa do IFOP: Podemos ,.
· édito
•tal, in · na Fran..,,ra ' sobre o. esp1n to
,,
. men to cap1 .
dIZer que se trata de um docu 4
ais e das questóes nac1ona1s .
d a nova gerac;áo <liante de seus problemas pesso
h ,, O res Completes IV, sin.
1 R
°!and Barthe s, "Rola nd Barrh es par Rolan d Bart :s ' ~u~ Nicole Br;nn ez (org.). Jean-Luc Godard
Michael Uwem edimo , "Nouve/le Vttgue et Que uonna.1re '
2 5
129
Relacionando esse espirito ao cinema, é do que também trata a igual
emergente revista Communications (a cujo grupo fundador pertence B mente
a primeira na Fran~a a vo1tar-se para as comun1.ca~oes ...
massivas
arthes)
,
. . 1 .
mento em que estas nao eram obJeto para mte ectua1s. m artigo b - E , num tno
.
condi~óes de aparecimento de urna nova onda cinematográfica, no so, re as
inaugural, datado do ano de 1961, Edgar Monn . numero
vem a campo notar q
os 1·ovens da época os mais . . d 1 1 . .. . ue, para
visa os pe a te ev1sao, Juntam ente com as e .
' rian~
0 cinema funciona como urna válvula de escape. Ele chama-nos a aten~o '
. 'de
o fato aparentemente paradoxal, de que o momen to co1nc1
' com um Para .
do cinema, na verdade, propiciadora de urna revolu~ o no campo. ''A Nouvellt
a crise
½lgue" - escreve - "é urna consequencia da crise do cinema. [...] A televisa
concorre com o cinema. A dominante juvenil do público cinematográfi~
acentua-se: para os jovens, com efeito, o cinema torna-se urna das grandes
formas de saída do núcleo familiar". 5
Há lembra n~ do impacto daquela enquete da L'Express e, mais que
isso, um visível endosso daquele tipo de pesquisa de campo nos primeiros
filmes da Nouvelle ½lgue. Frequentemente, vemos em filmes de Godard dessa
época algum entrevistador perguntando a algum passante o que pensa deste
ou daquele tema de atualidade, por exemplo, do amor livre e da pfütla anti-
concepcional. Em Vivre sa vie, um longo diálogo entre Naná e seu cafetáo
baseia-se em enquetes sobre as prostitutas de París. Em Masculin-Féminin,
Jean-Pierre Léaud é um entrevistador do IFOP. O autor da apresenta~o do
dossie da L'Express para Jean-Luc Godard documents escreve que "o filme se
interessa de maneira central pelas diferentes formas da enquete moderna". Ele
nos lembra ainda que a pergunta "Voce é feliz?" que fazem inopinadamente
aos passantes os entrevistadores de rua do filme Cronica de um veráo de Jean
Rouch e Edgar Morin, de sabida influencia sobre os Jovens Turcos, sai do
questionário estampado na L'Express. Principalmente, tem o cuidado de obser-
var que Godard sabe tomar distancia do uso midiático da pesquisa de opiniáo,
já que nao lhe escapa que a cultura da enquete, de índole americana, nao tem
proveito sem a crítica dos valores sobre os quais ela repousa. 6 Conviria n~tar
que, junto com ser urna volea apesquisa, por onde tudo, de alguma manet~a,
come~ u, a prática da enquete no seio da Nouvelle vágue retoma urna práttca
surrealista. Sao os surrealistas, em conformidade com seu espírito de revolea
e :ua ambi~~o de mudar a vida por meio da poesía, qu~, nas diferentesd:
efemeras revistas da fase turbulenta do movimento, publtcam resultados ~
. . . oes
,.. .mternas e externas b
mqutn~ so re assuntos tao d'1versos como "P0 r quevoce
130 1
.J
reve?", "O suicidio é um~ so~us;ao?", "Em que medid a voce está de acordo
ese olítica atual da tercetra internacional?" _7
coJll ª P
A notar, també~' q~e M. ª 1·~ d e 1~68 está aí em prepara'ráo, como bem
u Alain Bad1ou: Ma10 hbertá no diz respeito a questao da mudanr!l
acento 1 .. .
costumes, das novas re a~oes amorosas, da hberda Y-
de individual, que leva
dos
stáo do d'1reito
· das mulheres e, ma1s · tarde, a questao
aqueciparáo dos homossexua1s. ,, s dos direitos e da
ernan .,. .
É cudo isso que está na tela de Truffa ut. Michel Marie o ressalta enfati-
caJllente: "Truff aut quer filmar tudo o que possa ser filmado, os temas da
sociedade contem poran ea, a nova moral , o mito da juventude" ,9 Enqua nto
0
próprio Truffa ut depó: sobre a veracidade de Les quatre cents coups nestes
termos: "tudo aí é autobiográfico, e o que nao é autobiográfico é biográfico.
Tudo se passa na realidade, nada é inventado" . 10 O fato nao passa despercebido
fora da Fran~a. Em sua resenh a de Baisers volés para a New Yorker, Pauline Kael
evoca a "soltura e a textur a da vida'' do "adorável" Antoin e Doine l. 11
Antes mesm o de se tornar um film maker, o crítico Truffaut já se permi tia
ser biográfico e autobiográfico. É també m o que atesta a dupla Baecque &
Toubiana: "O exerdc io crítico é para Truffaut como um diário íntimo , dando
ao leitor certas chaves de urna subjetividade, de urna sensibilidade consta nte-
mente alerta, basica mente volcada para a polemica". 12 Mas a mais sobressalente
avalia~o da novida de do prime iro filme de Truffaut é de Godar d: "O impor -
tante é que, pela prime ira vez, um filme jovem é oficialmente designado pelos
poderes públicos para mostr ar ao mund o inteiro a verdadeira face do cinem a
frances". 13 Com "filme jovem'' e "verdadeira face" ele está diferenciando o
sopro de vida que separa a Nouvelle vágue do cinem a da insufla~ao literária e
do retrato da alma que era, até entao, a melho r versao do cinem a &anees.
Filmes de Godar d seriam pretex to para essa salda ao ar livre. Mesm o quan-
do sejam neo-policiais - A bout de souffie - ou de guerra - Le petit soldat
- ou futurísticos - Alphaville - , a atualidade francesa é sua questao. E
mesmo que a mera atualid ade seja aí transc endida - como em Vivre sa vie -
7
Famosa, a primeira enquece cem seus resultados publicad os na nona edi~áo da revista Litt&atu
re, em 1919.
Os resultados da enquete sobre o suiddio sao publicad os no segundo número da revista
La Révolution
su':éaliste, em 1925. Já da rerceira enquete , feíta no interior do movime nto, cernos nodcia por
meio da
cdi\áo de inéditos extraído s dos arquivos de André Breton, no primeiro volume
de suas obras complet as.
Cf. ':11dré Brecon, "Enquet es intérieur es sur les posicions policiques" (lnédics I), Oeuvres Comp/)tt
s, Paris:
~ all•~ard-Pléiade, 1992, pp. 579-581 .
9
~'.'-1°
Badiou, A hipótese comunista. Tradu~a o de Mariana Echalar. Sao Paulo: Boitemp o, 2012,
p. 48.
10
•cheL Marie, La nouvelle vague et Godard, p. 65.
11
Fran~ois Truffauc, depoime nto em Deux r,k la vague - Godard, Trujfaut et la Nouvelie Vague.
12 Pauli~e Kael, "Beijos proibido s", Mil e uma noites no cinema, p. 64.
13 Antoine de Baecque, Serge Toubian a, Franrois Ttujfaut - Uma biografia, P· 117. ,,
Jean-Luc Godard, "Truffauc représencera la France a Cannes avec Les quatre cents coi,ps
, Arts, n. 719, 22
abr. 1959 - Cito apud Alain Bergala (org.). jean-Luc Godard par ]ean-Luc Godard, I. P·
l 95.
131
e1e e, o mais
· docu ment arista dos realizadores da Nouvelle Va°'.1e M d
ºrr . an elba
escreveu q ue "poucos cineastas docu ment aram . sua época como G d urn
o ard,, 14
Por seu turno , perce bend o nele o repórter, Pauh ne Kael escreveu·· "AL h ·
, e tografi.camente, um docu ment ário de Paris. Todo s os filmes de rp a ·¡
e, 10 . G d vz Le
... assim como os filme s
,.. o
B amer icano s de gangsteres pelos quais fio· . ard 0
sa0 , .
ciado."1 5 O própr io Goda rd exph cou-n os que, em Deux ou trois choses 1 1n8ue
~-
sais d'elle, ", elle, re1ere
e , ·,.. · · " 16 M · · d que
-se a reg1a o par1s1ense . ais a1n a que em Truff: Je
.d d d . .
Perito em filmar a c1 a e e cima - veJam-se os merg ulhos de camer aut b,
artérias urba~as em Les quatre c:nts coups e em La n~~t . a so re
américaine -, há
sempre urna Janela abert a para c1dade em Goda rd. Alias, Paris ainda
estar'
lá, nos filmes da fase pós-Nouvelle Vtigue, quan do o própr io Goda
se enco ntra mais na cidade, respi rando o air du temps. Assim, por
rd já na:
exemplo
conti nuam os a ver a rua da janel a do quart o do hotel em que se
passa bo~
parte da ac;ao de Détective (1985). Há urna varan da nesse quarto,
na qual se
pode ver urna came ra eletro nica arma da sobre um tripé, direcionada
para 0
exterior, a filmá-lo em temp o integral. A diferenc;a é que, desta feíta,
Godard
traba lha soba influ encia da estética do vídeo e essa filmagem da cidade
é um
zapping, como noto u Arlin do Mach ado. 17
Conc entra r-se nessa realidade externa, no habitat da cidade, é condi~
áo
da "sinceridade", um valor supre mo nesse recluto da crítica e da
cria<;áo. A
nome nclat ura "sinceridade", "franqueza", "simplicidade" e locm;
óes como
"bela simplicidade" e "simples beleza'' sao recorrentes no discurso dos
Cahiers
e da Nouvelle Vtigue. Joga-se "sem franqueza e sem talento" no cinem
a frances,
dizia Rivette no deba te da edic;ao 71 . É a mesm a constatac;ao que ouvim
os da
boca de Truff aut, quase nos mesmos termos, num outro depoiment
o colhido
em Deux de la vague: "Eu sempre acreditei que o cinem a ia muico bem,
só lhe
faltava sinceridade". É a defesa dessa genu ína qualidade - oposta
a ''quali-
dade" em senti do ironico de que fala "Urn a cerca tendencia ..." - que vibra
na divisa jovem turca "a vida está na tela'', ela tamb ém recorrente. 18
Era essa
sinceridade que se afigurava a Barthes como a boa surpresa de Le beau
Ser?e.
É ainda dela que fala Goda rd quan do acusa de artificialismo o Rio de
Janei~o
de Marcel Camu s: "Me espan ta e me decep ciona ver que nao há nada
do Rio
em Orfeu do carnaval' .19Antes disso, como sabemos, ele já tinha brinda
do Les
quatre cents coups com esta pérola: "Um filme assinado Franqueza · ))
14
Jacques Mandelbaum, jean-l uc Godard, p. 26.
15
Pauline Kael, Criando Kane e outros ensaios, p. 46.
16
Jean-Luc Godard, fntrod11ráo a uma verdadeira história do cinema, p. 243.
17
Arlindo Machado, Máquina e imaginário. O desa¡;o das estéticas tecnolóo
is • - 'icas, p. 163. 1: · ,a que
Assim, a expressao dá título ao terceiro capítulo 'J'
da biografia de Truffauc por Baecque &Tou11n.1 , ,
6 '
132
O cinerna da "since~idade" é docu ~ent al. Michel Marie observou
que "o
ento das fronteiras entre ª ficc;ao e o documentário é um dos
polos
aPª,g~-º\ da Nouvelle Vague" ·20 Antes que enveredem por essas nao front
eiras
e filrnografias d e "Dru ff:aut_ e G O d ard J·á ab rangem curtas-metrage
5ceuco
ns que sao,'
as . rnente, docu ment ános . Em 1958, eles assinam juntos Une histoí
re d'eau
Precisa . , . d á ) d'
. alrnente: h1stona .d
ª gua , tveru a reportagem de urna cheia do rio
(hcer ue
Sena, q Truffaut filma .
e God ard mont a, sonoriza e apresenta retomando os
corn come ntáno s sem pé nem cabec;a, a la Quen eau, digno ,
facos b'd d , s do estado
eráo que a su 1 a .
de exC --r as agua s 1mpóe aos moradores da cidade Em sua
• • • . •
arnbiCráo de ~aptura do mom ento pre~en_t~, os 1mpress1on1stas pinta
ram copio-
ente che1as do Sena; trata-se, aqut, v1s1velmente, de urna recupera<y
áo dessa
sarn
cornada de posse d a c1.d ad e. 21 C orno pmto
. r d a vi'da
como ela é, Goda rd comec;a
cedo, aliás. Todas as apresentac;óes de suas obras completas princ
ipiam por
um curta chamado Opération Béton (literalmente: operac;áo conc
reto armado),
irando em torno da construc;áo de urna barragem nos arredores
de Lausanne,
!ue ele rodou, em 1955, para urna comp anhia suíc;a, quan do
de sua volta
a
provisória ao país natal, proc ura de emprego.
a
A Nouvelle Vtigue dá personalidade cidade, em suma. Aqui, o
cinema nao
apenas passa de conti nente , como era para os clássicos, a sujei
to pleno, mas
assume aquele viés assinalado por Michel de Certeau, quan do trata
dos objetos
que a publicidade inco rporo u a urban idade contemporanea:
"O imaginário
urbano, em primeiro lugar, sao as coisas que o soletram. Elas
se impó em.
Estáo lá, fechadas em si mesmas, forc;as mudas. Elas tem caráter.
Ou melhor,
sao 'caracteres' no teatro urbano, personagens secretos".22
Nao por acaso, filmes de Goda rd sao inventários da publicidad
e de sua
época. O mesmo pode ndo ser dito de Mitologías.
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