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Mariel Muraro
Rio de Janeiro
2018
Mariel Muraro
Rio de Janeiro
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/C
CDU 351.74
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde que
citada a fonte.
_______________________________________ _____________________
Assinatura Data
Mariel Muraro
____________________________________________
Prof.a Dr.a Vera Malaguti Batista (Orientadora)
Faculdade de Direito - UERJ
____________________________________________
Prof. Dr. Nilo Batista
Faculdade de Direito - UERJ
____________________________________________
Prof. Dr. Davi Tangerino
Faculdade de Direito - UERJ
____________________________________________
Prof.a Dr.a Katie Silene Cáceres Argüello
Universidade Federal do Paraná
____________________________________________
Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos
Universidade Federal do Paraná
Rio de Janeiro
2018
À Favela.
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas que tenho que agradecer, uma vez que considero
esse momento reflexo de todo o trabalho acadêmico e científico.
Gostaria de agradecer inicialmente à minha orientadora, professora Dra. Vera
Malaguti Batista, que com toda a delicadeza e carinho me orientou durante o período
do doutorado, além de ser uma grande criminóloga, o que nos inspira a seguir em
frente. Agradecer aos membros da banca, especialmente ao professor Dr. Juarez
Cirino dos Santos que desde o início acreditou em mim, à professora Dra. Katie Silene
Cáceres Argüello, que me orientou no mestrado e sempre me incentivou a seguir em
frente, e ao professor Dr. Maurício Stegemann Dieter, que me fez acreditar que era
possível o doutorado na UERJ.
Tenho que agradecer a minha família, que me deu todo o suporte para chegar
até aqui, minha mãe, meu pai e meu irmão. Preciso agradecer a meu marido Guilherme
que sempre me apoia e me incentiva, em todos os sentidos, em assumir projetos
como este e a sua família. Gostaria de agradecer ainda à Elizabeth, que foi uma
grande amiga, praticamente segunda mãe, me acolhendo no Rio de Janeiro.
Preciso ainda fazer um agradecimento especial ao meu sócio, Rafael Augusto
da Silva, que esteve sempre pronto para me auxiliar e me substituir no escritório
quando necessário.
Gostaria, ainda, de agradecer à direção, professores e alunos da FAPI –
Faculdade de Pinhais, ambiente que tem estimulado discussões e tem dado apoio aos
projetos acadêmicos. Agradecer à UFPR, que foi minha casa durante a graduação e o
mestrado, e que me recebeu como professora substituta do Núcleo de Prática Jurídica.
Agradeço a todos os meus amigos que estimularam tantas reflexões, me
indicaram bibliografias, ou simplesmente torceram para que tudo desse certo, Bruno
Zavataro, Michelle Gironda Cabrera, Edna Torres Felício Câmara, Thais Oliveira
Lima, Marcos Roberto de Souza Peres, Washington Pereira da Silva dos Reis, Caio
Patrício de Almeida, Cassio Eduardo Zen, Eduardo Henrique Titão Mota, Semirames
Katthar, Camilla Medeiros, Lucas Matos, João Guilherme Rooda, Ana Luisa Leão,
Gabriel Schulman, Instituto Raízes em Movimento e todos os seus colaboradores e
colaboradoras, e APOIO.
Eu não preciso te provar nem tampouco me justificar,
é só olhar a manchete do jornal, tá explícito lá,
Duda, Eduardo, os cinco meninos mortos em costa barros
mostra a triste realidade dos fatos que nos acompanham
desde a época em que o nosso povo foi escravizado.
Somos humilhados, marginalizados, exterminados,
nossos direitos diariamente são violados.
É louco quem não se importa com choro de uma mãe
enterrando o seu segundo filho.
Eu falo da guerra e da falsa paz,
pois o meu poema é universal,
é o pobre que sofre, é o pobre que geme,
é o poema do povo oprimido,
dessa minha raça que sangra, que chora,
é o poema da multidão.
Mc Martina
RESUMO
MURARO, Mariel. UPP and UPS: A Project Neoliberal governmentality. 2018. 347 f.
Thesis (Doctorate in Criminal Law) - Law School. State University of Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 2018.
This thesis attempts to analyze the installation of Police Pacification Unit in Rio
de Janeiro, compared to the case of Paraná Pacification Units. Therefore, the theoretical
framework adopts the Critical Criminology and seeks to develop a ethnographic
inspiration methodology. This research aims to verify the form of incidence of the
criminal mechanism of selectivity and social control, with which the "community
police" operates. Also verifies how this selectivity is put into practice, aimed for
particular regions in the city. These, considered by the state as most violent areas
and, supposedly, where drug trafficking happens. Although a proposal for community
police, no significant changes in the police action was perceived. With constant
complaints from the population of abuse and violence perpetrated by these agents.
Given this situation we can conclude that this safety public policy objectifies the
increase of social control from the actions of law enforcement agencies on poor
areas of the city. For the purpose of greater social containment and neutralization,
running a neoliberal governmentality project.
Keywords: UPP. UPS. Community Policing. Governmentality. Biopolitics. Racism.
Poverty. Marginalization.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 12
1 O POLICIAMENTO COMUNITÁRIO COMO UM PROJETO DE
GOVERNAMENTALIDADE .................................................................. 25
1.1 Governamentalidade, dispositivos de segurança e biopolítica ...... 26
1.1.1 Biopolítica e racismo: a potência letal do projeto de “segurança
pública” .................................................................................................. 30
1.2 Do Estado Social ao Estado Penal: o uso da violência como
meio de manutenção de privilégios ................................................... 42
1.3 UPP e UPS: um projeto de governamentalidade neoliberal ............ 57
1.4 Direito à segurança versus segurança dos direitos ......................... 64
1.4.1 A Remilitarização como renovação do belicismo nas favelas ............... 65
1.4.2 Segurança aos direitos .......................................................................... 75
1.5 Mídia: a segurança como produto e o medo como vetor da
violência ............................................................................................... 80
2 AS BASES HISTÓRICAS E IDEOLÓGICAS PARA O
SURGIMENTO DAS UNIDADES DE POLÍCIA DE PACIFICAÇÃO
NO BRASIL ........................................................................................... 85
2.1 A instituição policial: do Brasil Colônia e Imperial à reabertura
democrática ......................................................................................... 86
2.1.1 Brasil Colônia e Império: a força do poder real como combate à
desordem............................................................................................... 86
2.1.2 A Polícia na República Velha: A Formação do Poder Bélico-Militar e
o Positivismo Criminológico ................................................................... 89
2.1.3 República Nova e a Atuação Policial na Repressão Política ................. 99
2.1.4 1964-1985: A Ditadura Militar e o Crime como Guerrilha Urbana ......... 102
2.1.5 Reabertura Democrática: as décadas de 1980 e 1990 e a crítica do
contexto ................................................................................................. 106
2.2 Guerra às drogas: o estereótipo do traficante como novo inimigo .... 112
2.2.1 O surgimento do discurso médico-jurídico em torno das drogas ........... 112
2.2.2 O discurso da transnacionalização ........................................................ 116
2.2.3 As bases ideológicas que sustentam o sistema brasileiro de
proibição de drogas ............................................................................... 118
2.2.3.1 Ideologia da Defesa Social .................................................................... 118
2.2.3.2 Doutrina da Segurança Nacional ........................................................... 120
2.2.3.3 Movimentos de Lei e Ordem.................................................................. 123
2.2.3.4 Estado de Exceção e Direito Penal do Inimigo ...................................... 129
2.2.4 Crítica ao discurso da criminalização das drogas .................................. 132
3 A IMPLANTAÇÃO DAS UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA ..... 136
3.1 O policiamento comunitário como eufemismo ................................. 138
3.2 A implantação das UPPs no Rio de Janeiro: o prenúncio de
uma tragédia urbana ........................................................................... 145
3.2.1 A implantação da UPP no Complexo do Alemão .................................. 151
3.3 Primeira visita ao Complexo do Alemão ........................................... 156
3.3.1 A favela.................................................................................................. 157
3.3.2 O Movimento ......................................................................................... 159
3.3.3 A Polícia e a UPP .................................................................................. 160
3.3.4 Fim da visita .......................................................................................... 162
3.4 Instituto Raízes em Movimento .......................................................... 164
3.4.1 Vamos desenrolar ................................................................................. 166
3.5 A perspectiva dos moradores sobre a relação entre população,
polícia e tráfico .................................................................................... 169
3.5.1 O Morro do Alemão e o teleférico .......................................................... 169
3.5.2 O início do movimento ........................................................................... 173
3.5.3 A UPP: a experiência dos moradores .................................................... 176
3.5.4 Guerra e medo: a estratégia bélico-militar imposta aos favelados ........ 179
3.5.5 A relação do morador com a polícia ...................................................... 186
3.5.5.1 Corrupção policial e o “direito penal subterrâneo” ................................. 190
3.5.6 Relação do morador com o tráfico ......................................................... 193
3.5.7 A Posição do Estado e a Rotulação da “Classe Suspeita” .................... 195
3.5.8 Futuro da UPP ....................................................................................... 196
4 EXPERIÊNCIAS DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO
PARANÁ ............................................................................................... 200
4.1 Sistema Modular de Policiamento Urbano ........................................ 200
4.2 Projeto Povo ........................................................................................ 205
4.3 Totens Policiais ................................................................................... 207
4.4 Retorno do Projeto Povo e Crise no Sistema Penitenciário ............ 208
4.5 Policiamento comunitário no Paraná e o Sistema Koban................ 209
4.6 Projeto Paraná Seguro ........................................................................ 216
4.6.1 Unidades Paraná Seguro (UPS) ............................................................ 218
4.6.2 A implantação da UPS na Vila Zumbi .................................................... 231
4.6.3 O cotidiano dos moradores da Vila Zumbi ............................................. 243
4.6.3.1 Contornos da Vila Zumbi e Liberdade e os conflitos por moradia ......... 244
4.6.3.2 Comércio varejista de drogas ................................................................ 249
4.6.3.3 A relação da comunidade com a polícia ................................................ 253
CONCLUSÃO ....................................................................................... 257
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 260
ANEXO 1 - DECRETO N.o 41.650, DE 21 DE JANEIRO DE 2009....... 280
ANEXO 2 - DECRETO N.o 41.653, DE 22 DE JANEIRO DE 2009....... 282
ANEXO 3 - DECRETO N.o 42.787, DE 06 DE JANEIRO DE 2011....... 284
ANEXO 4 - DECRETO N.o 44.177, DE 26 DE ABRIL DE 2013............ 293
ANEXO 5 - DECRETO N.o 45.186, DE 17 DE MARÇO DE 2015 ......... 299
ANEXO 6 - INFORMAÇÃO 007/2017 – 1.o CRPM ............................... 307
ANEXO 7 - LEI N.o 16.583, DE 29 DE SETEMBRO DE 2010 .............. 316
ANEXO 8 - LEI N.o 18.377, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2014 .............. 319
ANEXO 9 - DECRETO N.o 8.306, DE 24 DE MAIO DE 2013 ............... 322
ANEXO 10 - TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA N.o 001/2013 ..... 326
ANEXO 11 - AÇÕES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E
CIDADANIA – UNIDADE/PARANÁ SEGURO (UPS) ........................... 336
ANEXO 12 - TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA N.o 013/2014 ..... 339
12
INTRODUÇÃO
1 Para o presente trabalho, o conceito de marginalização será trabalhado no léxico de Loïc Wacquant e
compreendida como lugares e pessoas que são colocados à margem da sociedade, são estigmatizados
como párias urbanos, atraindo a atenção negativa da sociedade e das políticas do Estado, uma
vez que são considerados problema, violentos, imorais e por isso são temidos. (WACQUANT, L.
Os condenados da cidade: estudos sobre marginalidade avançada. 2.ed. Tradução de João Roberto
Martins Filho. Rio de Janeiro: Revan/FASE, 2005).
14
hoje esses índices não são mais verificados devido à ruína do projeto, quando
observado a partir dos objetivos estatais declarados.
Assim, quando se busca analisar sobre a perspectiva marxista da aparência e
da essência2, essa ruína é, na verdade, um sucesso. Em outras palavras, as funções
declaradas não foram atingidas, como implantação de serviços básicos sociais, inserção
social, deslocamento do tráfico de drogas, mas as funções ocultas foram alcançadas,
pois essa política conseguiu aumentar o controle social nas áreas pobres com a
utilização de forças militares, promovendo uma militarização da segurança pública; a
apropriação da economia popular das favelas; estabelecendo o controle do lugar; e
os ganhos políticos e econômicos por parte do Estado com a visibilidade do projeto.
Essa proposta de instalação das UPPs teve como contexto a promoção da
segurança para a realização dos megaeventos – Copa do Mundo e Olimpíadas –,
por isso colocada de forma estratégica no território para a formação de um cinturão
para a passagem dos turistas. Já as UPSs vieram no mesmo período em que
Curitiba iria receber a Copa do Mundo, sendo também escolhidos os lugares de
forma estratégica para a realização com segurança desse evento, mas também para
atender a outros interesses privados.
Pretende-se, portanto, apresentar a ruína desse projeto chamado de polícia
comunitária ou de proximidade e suas inconsistências, bem como a impossibilidade
de o Estado mantê-lo e como ele de fato se deu, uma vez que não foi implementada
a questão social, prometida no projeto original. Pretende-se, ainda contrapor a esse
abandono às "conquistas" estatais versus a resistência popular.
Para tanto, serão analisadas as razões dessa atuação policial e desse projeto
de segurança pública que iniciou no Rio de Janeiro e foi recebido no Paraná, assim
como em outros estados.
Ao longo da tese, será demonstrado que, em diversos momentos, a atuação
policial é flagrantemente violadora dos direitos humanos, sendo violenta e seletiva,
justificando-se, assim, o estudo do tema a partir do marco teórico da criminologia
2 Marx descreve, no 18 Brumário, a relação entre o par dialético aparência e essência: "E assim
como na vida privada distingue-se o que um homem pensa e diz de si mesmo daquilo que ele é e
faz na realidade, convém igualmente, nas lutas históricas, distinguir ainda mais a retórica e as
fantasias dos partidos, de um lado, de sua verdadeira natureza e de seus verdadeiros interesses,
de outro, distinguir o que eles imaginam ser daquilo que eles realmente são". (MARX, K. O 18
brumário e cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p.52).
15
3 BECKER, H. S. Outsiders: studies in the sociology of desviance. New York: Free Press, 1963. p.9.
16
4 BECKER, H. S. Outsiders: studies in the sociology of desviance. New York: Free Press, 1963.
5 BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal.
Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia,
2002. p.161.
6 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
7 RUSCHE, G.; KIRCHHEIMER. Punição e estrutura social. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan - ICC, 2004.
17
8 O sistema penal consiste nos aparelhos criados pelos Estado para controlar o delito, desde a sua
detecção até a execução da pena pelo eventual delinquente, ou seja, o sistema penal é o "controle
social punitivo institucionalizado". (ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, J. H. Manual de direito penal
brasileiro: parte geral. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v.1. p.63).
9 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro. 4.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2011. v.1.
18
10 CAIAFA, J. Aventura das cidades: ensaios e etnografias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
pela lei e pela distribuição de riqueza, nunca imaginava que encontraria tantas
barreiras para estabelecer um contato mais íntimo, pois acreditava que já tinha esse
contato nos espaços de encontros.
Essa mesma dificuldade foi sentida quando, para a proposta da tese,
iniciaram-se os primeiros contatos. Foram cerca de dois anos para conseguir acesso
aos mesmos lugares e pessoas com as se tentou uma aproximação. Apenas quando
uma pessoa conhecida por estas pessoas me levou até elas, é que me foi oportunizada
a pesquisa. Fui apresentada ao Instituto Raízes em Movimento, com sede no Morro
do Alemão, uma das 13 favelas do Complexo do Alemão, pelo professor Cunca
Bocayuva, que me colocou em contato com os articuladores desse instituto, e fui
convidada para participar de uma reunião de pesquisadores sobre o Complexo do
Alemão. Depois desse primeiro contato, estabeleci uma relação de ajuda mútua,
auxiliando o Instituto na pesquisa sobre as memórias do Alemão, e eles me auxiliaram
na pesquisa empírica colocando-me em contato com vários moradores locais.
Essa percepção também está presente na pesquisa realizada por Tiago
Fabres de Carvalho e José Maria Terra12, de que existe uma divisão entre o que foi
denominado moradores do asfalto e da favela, que causa a demonização do outro
lado da linha. Essa diferenciação entre asfalto e favela é muito peculiar no texto dos
autores, pois procura demonstrar por meio das falas dos moradores da favela, ou
seja, das testemunhas, como as pessoas de fora são vistas, marcando as diferenças
entre essas realidades.
Em Matrix, como chamam o lugar onde fora realizada a pesquisa, a ideia de
ser desenvolvido, conforme transparece na fala das testemunhas, está atrelada à
ideia de ter o habitus do asfalto. E essa tentativa de assimilação se daria por sofrerem
constante humilhação, ou seja, criminalização de sua cultura, sua forma de vestir, de
falar e de se comportar, de modo geral. Essa forma de comportamento é interpretada
pelas pessoas do asfalto como algo problemático.13
15 CAIAFA, J. Aventura das cidades: ensaios e etnografias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
16 CAIAFA, J. Aventura das cidades: ensaios e etnografias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
21
17 CAIAFA, J. Aventura das cidades: ensaios e etnografias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
18 CAIAFA, J. Aventura das cidades: ensaios e etnografias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
19 VIVEIROS DE CASTRO, E. Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutual.
São Paulo: Cosac Naify, 2015. p.20.
22
A visão clássica sobre a antropologia é de que ela trata o outro como "seu"
objeto, representado segundo os interesses do Ocidente, de que haveria um
paternalismo complacente do pesquisador, que descreve o outro como uma ficção,
produto de sua imaginação ocidental.20
Do contrário, uma verdadeira antropologia permitiria o confronto do pesquisador
consigo mesmo, permitindo a reflexão sobre a sua própria cultura. A proposta da
nova antropologia é "pensar com outra mente", produzindo um processo reflexivo, de
criatividade e de imaginação conceitual, "[...] inerentes à vida de todo coletivo,
humano e não-humano".21
Nesse sentido, a etnografia pode ser uma grande aliada metodológica na
desconstrução da visão e divisão que existem entre os diferentes atores da cidade e
na produção da subjetividade e do autoconhecimento, pois coloca o pesquisador de
frente com sua própria forma de viver, questionando seus valores.
Nesse contato com os moradores do Morro do Alemão, foi possível perceber
como o modo de vida capitalista pautava minha estética, minhas preocupações
profissionais e acadêmicas, o que me fez justamente pensar a respeito do lugar em
que estou inserida nessa sociedade.
Por isso, acredito que, observadas as recomendações de uma antropologia
pós-estrutural, conforme preconiza Viveiros de Castro, e atentando-se às reflexões
de Janice Caiafa, é possível pensar a questão da favela de outro viés, não pela falta,
mas pelas suas particularidades.
O pesquisador deve se policiar para não assumir o papel de autoridade, para
construir em conjunto com as pessoas ouvidas e observadas, assim como com o
leitor, um diálogo emancipador e não colonizador.
Não é tarefa fácil desvencilhar-se do seu próprio eu enquanto pesquisador, o
que exige o constante policiamento, para manter o estranhamento necessário sem
objetificar e planificar o campo, ou mesmo exotizar o objeto, para produzir uma
pesquisa etnográfica.
Durante a pesquisa ainda foi estabelecida uma rede de contatos que hoje são
acompanhadas via redes sociais (Facebook), e que frequentemente reproduzem ali
reflexões e preocupações com o cotidiano do lugar, as quais também serão exploradas
como fonte para reflexão a respeito do objeto da pesquisa.
A Netnografia seria a aplicação do método etnográfico nas redes sociais,
compreendidas como artefatos culturais construídos por seus usuários, e possibilita
uma relação com o pesquisador que pode ser tanto ativa quanto de mera observação.22
Assim, o que se pretende é também buscar no Facebook a manifestação de
determinados atores com os quais se teve contato durante a pesquisa in loco, para
analisar a sua opinião sobre as UPPs. No caso das UPSs não foi possível estabelecer
esses relacionamentos, diante do pouco tempo em que foi mantido contato com os
moradores da Vila Zumbi e Liberdade.
No entanto, no caso do Paraná, foi possível trazer também a visão institucional a
respeito do projeto de policiamento comunitário, tendo sido entrevistados policiais
militares que participaram da concepção e que executaram a política, em especial,
na Vila Zumbi e Liberdade.
Neste trabalho não se tem a pretensão de produzir uma pesquisa etnográfica
com o rigor antropológico, no entanto, busca na etnografia a inspiração para a reflexão
a respeito do tema proposto.
Assim, o primeiro capítulo busca anallisar o projeto de policiamento comunitário
ou de proximidade como um todo, e traz a noção de governamentalidade em Foucault,
bem como a de biopolítica e do racismo, como ferramentas de análise das UPPs e
UPSs. Apresenta-se o funcionamento do neoliberalismo e as suas influências no
sistema penal, dando especial atenção ao Brasil, e discute-se a questão da militarização
da polícia e o próprio conceito de Segurança. Demonstra-se, por fim, como o apoio
midiático foi essencial para a consolidação desse projeto.
22 AMARAL, A.; NATAL, G.; VIANA, L. Netnografia como aporte metodológico da pesquisa em
comunicação digital. Famecos, Porto Alegre, v.13, n.20, p.34-40, dez. 2008. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/famecos/article/viewFile/4829/3687>. Acesso em:
03 ago. 2017.
24
23 O projeto de pacificação das favelas pode ser visto como uma continuidade da política de pacificação
das rebeliões republicanas e abolicionistas, no período pós-independência, que envolviam a
conquista e ocupação de territórios. (BATISTA, V. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois
tempos de uma história. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003).
24 PASSETTI, E. A atualidade do abolicionismo penal. In: Curso livre de abolicionismo penal. 2.ed.
Rio de Janeiro: Revan, 2012. p.27.
25
31 VALENTE, J. L. UPPs: governo militarizado e a ideia de pacificação. Rio de Janeiro: Revan, 2016.
Polícia seria, portanto, um aparelho para fazer "a razão de Estado funcionar"37,
sendo que essa razão do Estado é o aumento da força. Assim, a polícia era
compreendida como "[...] o cálculo e a técnica que possibilitarão estabelecer uma
relação móvel, mas apesar de tudo estável e controlável, entre a ordem interna do
Estado e o crescimento das suas forças".38
Ou seja, para Foucault, a polícia não teria o papel de exterminar bandidos e
ladrões, mas sim o de administrar as ocupações dos subordinados ao governo em
um aspecto amplo, tornando suas atividades úteis à gestão do Estado.
O objeto fundamental da governamentalidade será, portanto, a segurança
desses "fenômenos naturais", que são os processos econômicos e os fenômenos
ligados à população, como a mão invisível do mercado e a formação das
sociedades, respectivamente.
O liberalismo do século XVIII entende que é um risco o governo demasiado.
Isto se funda na ideia de que a sociedade civil e as leis da economia são entidades
quase "naturais". De acordo com o liberalismo, a função do governo é criar
mecanismos de segurança para garantir o funcionamento autônomo da sociedade
civil, da economia ou do indivíduo.39
Portanto, para Foucault40, a governamentalidade tem um limite para a
intervenção, ou seja, "é preciso deixar fazer". Em outras palavras, só se pode
governar "bem" se houver respeito a um certo limite de liberdade. Com isso, a noção
de polícia se marginaliza e adquire um sentido negativo. 41 Ou seja, essa noção do
que é a polícia vai se alterar com a noção de governamentalidade, quando a polícia
passa a ter um sentido de repressão, como a conhecemos hoje.
42 No texto de Sozzo a atividade policial é tratada como uma prática governamental e governo como
uma gestão do poder (SOZZO, M. Polícia, governo e racionalidade: incursões a partir de Michel
Foucault. Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v.17, n.19/20, p.511-554, 1.o e 2.o
semestre de 2012).
47 Por essa razão é que, nesse mesmo período, verifica-se uma mudança no discurso da pena, que
deixa de ser uma pena cruel, que destrói o corpo, para se falar em humanização das penas, que
objetivam a preservação do corpo, compreendido como unidade material de produção dessa nova
ordem econômica. (MURARO, M. Sistema penitenciário e execução penal. Curitiba: Intersaberes,
2017. e RUSCHE, G.; KIRCHHEIMER. Punição e estrutura social. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan -
ICC, 2004.).
a e englobando-a. A biopolítica não tem como foco o corpo, mas a espécie, por isso,
o processo de morte passa a ser desqualificado, enquanto as novas tecnologias de
poder, junto com as técnicas soberanas e disciplinadoras, passam a ter a vocação
de fazer viver.49
Segundo Foucault, é a partir da segunda metade do século XVIII que se
desenvolve esta espécie de poder, diferente daquele anteriormente pensado pelas
teorias contratualistas. Quando o homem firma o contrato social, ele o faz para
proteger sua vida, portanto, neste momento, inclui a vida no sistema de proteção do
Estado. No século XVII e início do século XVIII, fala-se, portanto, que o soberano
tinha o direito de vida e morte sobre o homem, ele "podia fazer morrer e deixar
viver". Hoje essa expressão se inverte para "fazer viver e deixar morrer" 50, que é
quando o Estado passa a empregar a biopolítica na gestão das populações.
A preocupação de Foucault era dirigida para a forma de subordinação desse
indivíduo, o que nas sociedades modernas se volta para o fator biológico, ou seja, o
que se tem é a estatização da vida biológica, a estatização do ser humano como ser
vivo. Para o biopoder, o ser humano é visto como membro da espécie humana, e
não como corpo individual submetido à disciplinaridade.51
O biopoder representa essa forma de poder exercida sobre a vida dos homens,
que os tomam como ser vivo e não mais como corpo. Toma-se o homem como
"massa global" afetada pelos processos da vida (nascimento, morte, reprodução,
doença). Ao exercício desse poder Foucault52 dá o nome de biopolítica, que significa
justamente o gerenciamento dessa massa de seres vivos por meio de taxas, medições
estatísticas, proporções etc. A biopolítica observa o ser humano enquanto ser vivo
pertencente a uma população, os fenômenos coletivos, que produzem efeitos
econômicos e políticos e que perduram no tempo, os quais isoladamente não
Foucault61 faz ainda mais uma indagação: como é possível expor os próprios
cidadãos à guerra? Ativando o racismo como um poder, para regenerar a própria
raça, para fazer viverem os mais fortes.
Nesse sentido, Mbembe está de acordo com Foucault70, que afirma que o
racismo acompanha o genocídio colonizador. Essa atuação do racismo e do biopoder
pode ser visto no Brasil.
No Brasil colônia, o liberalismo, a biopolítica e o racismo passaram a ser
discutidos com a chegada da família real, que se deparou com uma cidade africana,
e que aos poucos foi sendo construída pautada pelo medo. Vera Malaguti Batista 71
conta essa história em seu livro "O medo na cidade do Rio de Janeiro", tendo como
hipótese central que o medo é o indutor das políticas autoritárias de controle social,
sendo a força motriz da hegemonia conservadora. Tendo como foco o século XIX,
sua análise mostra como o medo dos afrodescendentes pautou as políticas estatais
de gestão da vida. Era o medo dos miasmas e o medo da africanização, já que, em
1849, o Rio de Janeiro tem a maior população negra escravizada das Américas.
É com a consolidação da medicina no Brasil que se percebe a aplicação da
biopolítica e do racismo, baseado nos preceitos positivistas desenvolvidos desde o
social darwinismo e de Lombroso. A medicina da época trata de transformar a
convivência com os africanos escravizados, que era tranquila e confortável, em uma
ameaça de doença e de imoralidade.72
Como afirma Vera Malaguti Batista73, os miasmas eram considerados mais
perigosos que os próprios africanos, conforme se podia ler nos diversos artigos e
teses publicados da época, que tinham como escopo demarcar as fronteiras entre os
inimigos internos. Um dos exemplos são os artigos científicos que descrevem os
perigos de se entregar as crianças para as amas de leite amamentarem, situação
que era apontada como responsável pela degenerescência dos filhos dos brancos.
Falando sobre os discursos midiáticos, começam a aparecer argumentos
biopolíticos antiescravidão e antitráfico, transfigurados em ilegalidades, quando o
71 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
72 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
73 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
37
74 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
75 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p.187.
76 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
77 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p.192-193.
38
78 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p.200.
79 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
80 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p.169.
39
86 ZAFFARONI, E. R. A questão criminal. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
93 BATISTA, N. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos Sediciosos – Crime, Direito e
Sociedade, Rio de Janeiro, v.7, n.12, p.272, 2.o semestre de 2002.
43
94 WESTER, B.; BECKETT, K.; HARDING, D. Sistema Penal e Mercado de Trabalho nos Estados
Unidos. Discursos Sediciosos – Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, v.7, n.11, p.43-54, 2002.
95 FREEMAN, R. B. O modelo econômico dos EUA num teste comparativo. Discursos Sediciosos –
Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, v.7, n.11, p.55-70, 2002.
96 FREEMAN, R. B. O modelo econômico dos EUA num teste comparativo. Discursos Sediciosos –
Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, v.7, n.11, p.55-70, 2002.
44
a partir da análise dessa relação, constatar que ele reproduz, sim, um estereótipo
dominante do criminoso diretamente ligado a questões econômicas.97
Assim, enquanto a Europa ainda procurava manter algumas políticas sociais,
os Estados Unidos substituíram totalmente suas políticas sociais por políticas penais
e é esse o modelo de Estado que foi sendo exportado, o norte-americano, chamado
de "Estado-Centauro", porque ele tem uma cabeça liberal e um corpo autoritário,
sendo responsável por tornar popular a utilização do sistema penal para tentar
conter as "desordens geradas pela acumulação do capital", tais como a exclusão
social, o desemprego, o trabalho precarizado, criminalizando os mais vulneráveis,
por meio de dois mecanismos: programas sociais que atuam como um sistema de
vigilância e o superencarceramento para os pobres.98
Nas palavras de Alessandro de Giorgi: "A gestão do desemprego e da
precariedade social parecer ter passado, em suma, do universo das políticas sociais
para o da política criminal".99
Segundo Nils Christie100, esse sistema de controle social influenciado pela
economia neoliberal é chamado de "Indústria de controle do crime". Nesta obra, o autor
aponta como problema comum das sociedades ocidentais de hoje a má distribuição
de renda e de trabalho. Essa indústria do controle do crime promove a ganância, o
trabalho e o controle sobre quem perturba esse processo. Nessa indústria não falta
matéria-prima, ela limpa os espaços sociais dos elementos indesejados. Ela também
é imbuída do impulso de expansão e ainda tem vantagens sobre isso: vende armas
para a guerra permanente contra o crime. O motor dessa indústria é a crença na
manutenção da guerra contra o crime, reforçada pelo conceito de lei como reguladora
de valores, o que apoia o crescimento da indústria do crime. Desse panorama
97 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
99 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006. p.53.
100 CHRISTIE, N. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires:
Editores del Puerto, 1993.
45
102 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
103 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
46
104 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
105 RUGGIERO, V. Crimes e mercados: ensaios de anticriminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
106 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
107 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006. p.67.
47
108 RUGGIERO, V. Crimes e mercados: ensaios de anticriminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
109 RUGGIERO, V. Crimes e mercados: ensaios de anticriminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p.5.
110 RUGGIERO, V. Crimes e mercados: ensaios de anticriminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
111 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
48
112 RUGGIERO, V. Crimes e mercados: ensaios de anticriminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p.69.
113 GIORGI, A. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.
49
116 SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade
periférica. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
120 BOITO JR., A. As relações de classe na nova fase do neoliberalismo no Brasil. Buenos Aires: CLACSO,
2006. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101020015225/9PIICdos.pdf>.
Acesso em: 04 jan. 2018.
122 VENTURINI, L. Como está a desigualdade de renda no Brasil, segundo o IBGE. Nexo, 20 nov.
2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/11/30/Como-est%C3%A1-a-
desigualdade-de-renda-no-Brasil-segundo-o-IBGE>. Acesso em: 05 jan. 2018.
123 BOITO JR., A. As relações de classe na nova fase do neoliberalismo no Brasil. Buenos Aires: CLACSO,
2006. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101020015225/9PIICdos.pdf>.
Acesso em: 04 jan. 2018.
125 BOITO JR., A. As relações de classe na nova fase do neoliberalismo no Brasil. Buenos Aires: CLACSO,
2006. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101020015225/9PIICdos.pdf>.
Acesso em: 04 jan. 2018.
53
126 BOITO JR., A. As relações de classe na nova fase do neoliberalismo no Brasil. Buenos Aires: CLACSO,
2006. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101020015225/9PIICdos.pdf>.
Acesso em: 04 jan. 2018.
127 BOITO JR., A. As relações de classe na nova fase do neoliberalismo no Brasil. Buenos Aires: CLACSO,
2006. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101020015225/9PIICdos.pdf>.
Acesso em: 04 jan. 2018.
128 BOITO JR., A. As relações de classe na nova fase do neoliberalismo no Brasil. Buenos Aires: CLACSO,
2006. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101020015225/9PIICdos.pdf>.
Acesso em: 04 jan. 2018.
54
131 SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade
periférica. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
132 SANTOS, M. Pobreza urbana. 3.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013.
55
133 SANTOS, M. Pobreza urbana. 3.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013.
134 SANTOS, M. Pobreza urbana. 3.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013.
135 SANTOS, M. Pobreza urbana. 3.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013.
136 SANTOS, M. Pobreza urbana. 3.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013. p.40.
137 Segundo Santos, o surgimento da expressão marginalidade foi amplamente discutida e acaba sendo
sinônimo de pobreza. A população marginal de uma cidade é julgada excedente ou inútil. Não é
possível considerar também a favela como um mundo autônomo, isolado e à parte, assim como
os marginais não podem se contrapor a sociedade global, já que esta não pode ser definida sem
os pobres, que são maioria numérica, embora sejam minorias sociológicas. Os pobres não são
marginais, mas rejeitados, economicamente explorados e politicamente reprimidos (SANTOS, M.
Pobreza urbana. 3.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013. p.36).
56
Ainda nesse compasso, mas com outras ferramentas, Jessé Souza 138 analisa
a construção da subcidadania no Brasil a partir da noção de habitus, em Bourdieu.
Nesse contexto, o "habitus primário" seria
138 SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade
periférica. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
139 SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade
periférica. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p.171.
140 SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade
periférica. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
141 SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade
periférica. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
57
143 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p.243.
58
Estado; na verdade, amplia as esferas de intervenção policial para além dos delitos,
abarcando desordens, incivilidades e emergências ligadas à qualidade de vida no
âmbito urbano, como foi declarado nas políticas de tolerância zero e nas janelas
quebradas. Mas, segundo Sozzo 144, sem dúvida, existe uma afinidade eletiva entre
esses discursos e o neoliberalismo.
Esse neoliberalismo incentivou certas inovações na técnica governamental, dentre
as quais a construção de indivíduos ativos e independentes, ou seja, responsabilizando
a comunidade e o setor privado pela busca da segurança, buscando o seu engajamento
nessa pauta e a mudança das instituições, inclusive estatais, para o modelo "empresa
comercial", fazendo com que a polícia passe a se organizar como uma empresa que
deve atender às necessidades do cliente, já que a doutrina de polícia comunitária
prega que é a comunidade que deve identificar os seus problemas, que deve se
mobilizar para a sua própria segurança em parceria com a polícia e buscar sempre a
prevenção, além de ser tarefa desse modelo de polícia remover a impressão de que
a polícia é violenta, corrupta e ineficaz.
O neoliberalismo, com a privatização das atividades estatais, instaura uma
nova técnica positiva de governo, privatizando a segurança pública e responsabilizando
as empresas privadas, chamando isso de "prudencialismo privatizado", diante da
possibilidade de reconfigurar uma comunidade, gerenciando especialmente a massa
de excluídos e sobrantes.145 É uma parceria público-privada estabelecida entre a
polícia e a comunidade para a gestão da pobreza que incomoda.
Para Garland146, o passo mais importante desse projeto foi chamar atores não
estatais para as práticas preventivas, focando nas práticas informais. Chamar a
comunidade e o setor privado para essa prevenção é uma forma de responsabilização,
sendo uma mudança estratégica de ação por parte do governo, criando uma rede
otimizada de controle do crime. Segundo essa visão, todos devem prevenir o crime,
sendo que isso não é uma tarefa apenas da polícia.
144 SOZZO, M. Polícia, governo e racionalidade: incursões a partir de Michel Foucault. Discursos
Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v.17, n.19/20, p.511-554, 1.o e 2.o semestre de 2012.
145 SOZZO, M. Polícia, governo e racionalidade: incursões a partir de Michel Foucault. Discursos
Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v.17, n.19/20, p.511-554, 1.o e 2.o semestre de 2012.
146 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
59
Quando se deu a instalação das UPPs, ficou claro que era essa a intenção
das forças de ordem, uma vez que o projeto foi entabulado pelo governo federal e
estadual em conjunto com empresários, desde o planejamento até o financiamento,
buscando criar a imagem de uma cidade atraente para investimentos. Investimentos
de empresas como "Coca-Cola, Souza Cruz, Firjan, Bradesco Seguros, Light, CBF e
a empresa EBX, do multimilionário Eike Batista"147 remontam à quantia de 60
milhões de reais, apoiados pelas propagandas institucionais que comercializavam o
modelo de pacificação pela UPP como uma grife.
Nesse contexto, colocou-se a favela com a imagem de que ela é um "problema"
paisagístico e ambiental de forte visibilidade que precisava ser modificado 148, sob o
discurso de que era um lugar violento e de concentração de crimes, sob o domínio
do tráfico de entorpecentes e, por isso, devia ser também pacificado.
A intervenção urbana na favela se justificaria porque a cidade foi construída
sem planejamento e agora, em razão dos megaeventos, precisa ser replanejada,
passando a ser administrada como uma cidade-empresa.149
A abertura de microcréditos a pequenos empresários, junto com a venda da
cultura do morro e com os teleféricos construídos com o dinheiro do PAC, trouxe o
turismo para a favela e auxiliou no processo de gentrificação do território, os quais
tiveram uma valorização de 400%, inviabilizando, inclusive, a presença dos moradores
tradicionais150, expulsos pela especulação do mercado mobiliário.
Vera Malaguti Batista151 argumenta que a cidade do Rio de Janeiro fora
transformada em commodities que estão à venda, tal como uma cidade-empresa a
ser comercializada na "bolsa de imagens urbanas". Tanto é que, além da crescente
valorização imobiliária na região, houve o encarecimento dos serviços públicos, o
147 GRANJA, P. UPP: o novo dono da favela: cadê o Amarildo? Rio de Janeiro: Revan, 2015. p.25.
148 VALENTE, J. L. UPPs: governo militarizado e a ideia de pacificação. Rio de Janeiro: Revan, 2016.
149 BRITO, F. Considerações sobre a regulação armada dos territórios cariocas. In: BRITO, F.;
OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida
social. São Paulo: Boitempo, 2013.
150 BRITO, F. Considerações sobre a regulação armada dos territórios cariocas. In: BRITO, F.;
OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida
social. São Paulo: Boitempo, 2013.
151 BATISTA, V. M. O Alemão é muito mais complexo. In: Paz armada. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2012.
60
que tem causado esse processo de migração dos moradores para outras áreas com
menor custo de vida.
A mesma relação é perceptível nas UPSs, que, para a implementação das
Unidades, firmaram compromissos de cooperação com a Federação das Indústrias do
Paraná (FIEP), para que pudessem fornecer dados sobre a implantação dos 8 objetivos
de desenvolvimento do milênio152 e promover reuniões nos locais que receberam as
UPSs. Além disso, no termo de cooperação para o Município de Colombo para a
UPS da Vila Zumbi, cabia à FIEP o apoio institucional ao projeto, buscando promover
ações sinérgicas para potencializar os resultados; SESI e SENAI deveriam capacitar
os moradores atendidos pela UPS e ofertar cursos de profissionalização básica.
Frise-se também que, em especial, a Vila Zumbi e Liberdade estão em uma
região cercada por grandes empresas, como o Condomínio Alphaville, o Centro Industrial
Mauá e o Clube de Campo Santa Mônica, espaços frequentados por pessoas de alto
poder aquisitivo que querem ter a sua segurança preservada, além de ser apoiada
de diversas formas por essas empresas.
É com razão que Garland153, ao comentar o caso britânico, afirma que "o
investimento na criminalidade e os dispositivos de segurança são, portanto, impostos
cada vez mais por forças econômicas do que pela política pública", demonstrando
que a motivação dessa política de "pacificação" é o interesse econômico nos territórios
escolhidos e arredores, bem como nas economias populares.
Ao mesmo tempo, a polícia também exige que os seus clientes tomem mais
cuidado, empregando uma lógica de prevenção situacional154, recomendando, por
exemplo, para não andar com dinheiro na bolsa, apenas o cartão; verificar o portão
de casa antes de entrar para ver se não tem ninguém estranho; morar em condomínios
fechados; não andar em lugares suspeitos; não sair à noite sozinho, fomentando a
indústria da segurança privada.
155 BID MELHORANDO VIDAS. Disponível em: <https://www.iadb.org/pt>. Acesso em: 07 jan. 2018.
156 SOZZO, M. Polícia, governo e racionalidade: incursões a partir de Michel Foucault. Discursos
Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v.17, n.19/20, p.511-554, 1.o e 2.o semestre de 2012.
62
157 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p.273-274.
158 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
159 FOUCAULT, M. Segurança, território e população: curso dado no College de France (1977-1978).
Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
160 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
63
161 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
162 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
163 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p.289.
64
164 BAYLEY, D. H. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. Tradução de Renê
Alexandre Belmonte. 2.ed. 1.a reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
165 BAYLEY, D. H. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. Tradução de Renê
Alexandre Belmonte. 2.ed. 1.a reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
166 CERQUEIRA, D.; LOBÃO, W.; CARVALHO, A. O jogo dos sete mitos e a miséria da segurança
pública no Brasil. In: CRUZ, M. V. G.; BATITUCCI, E. C. (Org.). Homicídios no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2007. p.143.
65
que se tem mais problemas sociais decorrentes das crescentes desigualdades, que
vitimam em especial as pessoas e os países periféricos.
167 HOLLANDA, C. B. Polícia e direitos humanos: política de segurança pública no primeiro governo
Brizola (Rio de Janeiro: 1983-1986). Rio de Janeiro: Revan, 2005.
168 MACHILLANDA, J. La remilitarización de la seguridad en América Latina. Nueva Sociedad, v.198,
p.130-144, jul./ago. 2005. Disponível em: <http://nuso.org/media/articles/downloads/3276_1.pdf>.
Acesso em: 18 dez. 2017.
169 MACHILLANDA, J. La remilitarización de la seguridad en América Latina. Nueva Sociedad, v.198,
p.130-144, jul./ago. 2005. Disponível em: <http://nuso.org/media/articles/downloads/3276_1.pdf>.
Acesso em: 18 dez. 2017.
66
170 SOZZO, M. Polícia, governo e racionalidade: incursões a partir de Michel Foucault. Discursos
Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v.17, n.19/20, p.511-554, 1.o e 2.o semestre de 2012.
171 SOZZO, M. Polícia, governo e racionalidade: incursões a partir de Michel Foucault. Discursos
Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v.17, n.19/20, p.535, 1.o e 2.o semestre de 2012.
172 SOZZO, M. Polícia, governo e racionalidade: incursões a partir de Michel Foucault. Discursos
Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v.17, n.19/20, p.511-554, 1.o e 2.o semestre de 2012.
173 ZACCONE, O.; SERRA, C. H. A. Guerra é paz: os paradoxos da política de segurança de confronto
humanitário. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.). Paz armada. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2012.
174 BELTRAME, J. M. Todo dia é segunda-feira. Rio de Janeiro: Sextante, 2014. p.132.
67
exceção do qual se está falando, bem como que a linguagem de guerra continua na
mentalidade dos operadores da segurança pública, quando fala que a "batalha"
poderia se transformar numa carnificina, quando assume a necessidade de chamar as
forças armadas e blindados para dar conta da ocupação na Vila Cruzeiro, por exemplo.
Para Zaccone e Serra175, a remilitarização das agências policiais é um novo
modelo de controle social e decorre da doutrina de segurança nacional, o que resulta
no "uso rotineiro da violência letal pelas polícias, transformando em técnica de
governabilidade e eliminação de inimigos", abrindo espaço para a segurança cidadã.
Pensando em uma tipologia que combina o poder de fogo com o ethos,
Brodeur176 propõe quatro tipos de organizações, compreendo por ethos a descrição
das regras e a forma de conduta exterior determinados por fatores contextuais.
A primeira tipologia seria aquela que combina o ethos policial com poder de fogo
policial; a segunda, aquela que combina o ethos militar com o poder de fogo militar;
a terceira é a polícia militarizada que tem um ethos militar com poder de fogo policial;
e o última forma seriam as forças internacionais, que combinam ethos policial com
um poder de fogo militar.
O ethos da polícia decorre do seu monopólio do uso legítimo da força, o que é
uma grande vantagem em face daqueles contra os quais se exerce a violência, mas que
deveria fazer a polícia usar a força com moderação, para garantir a sua legitimidade.
Portanto, o seu ethos é da força mínima. O ethos policial é voltado ao controle da
ordem e tem um baixo poder de fogo, mas estrutura suas carreiras como no exército,
e os altos cargos têm a função de gestão e disciplina.177
Já o exército tem o ethos militar e o poder de fogo máximo, mas procura uma
nova função, já que depois do fim da guerra fria perdeu o seu principal inimigo, se é
que já não encontrou. Para os militares, é difícil falar em ethos do uso da força,
175 ZACCONE, O.; SERRA, C. H. A. Guerra é paz: os paradoxos da política de segurança de confronto
humanitário. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.). Paz armada. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2012. p.30.
176 BRODEUR, J. P. Por uma sociologia da força pública: considerações sobre a força policial e militar.
Caderno CRH - Dossiê: Gênero, Idades, Gerações, Salvador, v.17, n.42, p.481-489, 2004. Disponível
em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/18507>. Acesso em: 18 dez. 2017.
177 BRODEUR, J. P. Por uma sociologia da força pública: considerações sobre a força policial e militar.
Caderno CRH - Dossiê: Gênero, Idades, Gerações, Salvador, v.17, n.42, p.481-489, 2004. Disponível
em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/18507>. Acesso em: 18 dez. 2017.
68
porque ele pode se confundir com uma força terminal, como de uma arma nuclear.
Assim, tem-se definido que os militares têm o objetivo de subjugar o adversário e
vencê-lo, provocando o mínimo de perda, ou seja, nenhuma morte.178
Em relação ao contexto de intervenção, é necessário frisar que o exército
intervém em um contexto de guerra declarada. Na guerra se busca sair vitorioso e
abater ou aniquilar o inimigo. A polícia, pelo contrário, busca estabelecer uma ordem
provisória, ou seja, a polícia deve agir em face de um ou vários grupos e, quando ela
enfrenta um grupo mais forte, deve sair em retirada, aguardando o momento de
retornar. Depois, os exércitos estão sempre fardados, enquanto a polícia, em uma
situação de confronto, só ela está fardada.179
O que temos, pensando nessas tipologias, quando avaliamos as UPPs, é um
tipo híbrido, de uma polícia militarizada, que normalmente se organiza com o baixo
poder de fogo, mas se opõe a grupos armados como se estivesse em guerra. Ainda,
no projeto das ocupações de pacificação, viu-se o poder de fogo da polícia aumentar,
bem como o seu contato com os militares e a intervenção militar no território da
cidade. Percebeu-se uma combinação dos dois ethos, ou seja, o que se enfrentou
no Rio de Janeiro foi um processo de remilitarização da polícia e da segurança
pública, como já havia alertado Cerqueira em relação à operação Rio 92.
A remilitarização, conforme o conceito formulado por Machillanda 180, deve ser
compreendida como um processo político protagonizado pelo estamento armado, o
qual cria um novo espaço político próprio para o militar, com capacidade de incidir
nas definições de políticas dos Estados. Ou seja, a remilitarização seria um novo
espaço de poder político-militar, invocado pela militarização da segurança regional,
sub-regional e pública.
178 BRODEUR, J. P. Por uma sociologia da força pública: considerações sobre a força policial e militar.
Caderno CRH - Dossiê: Gênero, Idades, Gerações, Salvador, v.17, n.42, p.481-489, 2004. Disponível
em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/18507>. Acesso em: 18 dez. 2017.
179 BRODEUR, J. P. Por uma sociologia da força pública: considerações sobre a força policial e militar.
Caderno CRH - Dossiê: Gênero, Idades, Gerações, Salvador, v.17, n.42, p.481-489, 2004. Disponível
em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/18507>. Acesso em: 18 dez. 2017.
A partir desse conceito, é possível tratar o projeto das UPPs como de uma
política de segurança pública numa perspectiva militarizada, pois essas Unidades de
Polícia consagraram o paradigma de que a segurança militar é a porta de entrada da
cidadania. Ao menos, esse é o discurso que legitima a sua implantação 181, após a
intervenção maciça das forças policiais e militares.
Como bem observa Pedro Rocha de Oliveira, "O resultado é uma comunidade
de reféns que se mantém coesa, de um lado, pela ponta do fuzil e, de outro, pelo
mecanismo que a psicanálise chama de identificação com o agressor".182
Assim, com a implantação das UPPs e as constantes intervenções militares
ocorridas no Rio de Janeiro nos anos de 2016 e 2017, é possível verificar como a
chamada segurança pública é tratada pelo paradigma militar, podendo se falar em
um processo de remilitarização dentro do projeto de governamentalidade neoliberal.
No Paraná, a implantação das UPSs não teve o apoio das forças do exército
e não teve uma ampliação do poder de fogo da polícia de forma expressiva, mas a
mentalidade da guerra ao crime e da Doutrina de Segurança Nacional, de que se tem
um inimigo interno a ser combatido, está presente nos oficiais que pensaram a política,
como se pode constatar a partir das suas entrevistas apresentadas no quarto capítulo.
Também o ritual de hastear uma bandeira no topo do morro, utilizado durante
as ocupações das favelas cariocas, é demonstrativo da ideia de conquista territorial
que baseava o planejamento das ações. No Paraná não houve esse ritual, porém,
durante a fase de congelamento das UPSs, várias viaturas, motos e até mesmo
helicópteros eram exibidos para os inimigos moradores das favelas como forma de
intimidação, formando um cerco nos limites territoriais da área que receberia a
unidade de polícia para abordar todos que entravam e saíam desses lugares.
Ainda, é possível pensar que a ocupação dos militares no Paraná teve início
quatro anos antes da abertura democrática, ou seja, em 1980, quando se pensou a
implantação das unidades modulares de polícia, ou seja, antes que a polícia militar
181 BRITO, F. Considerações sobre a regulação armada dos territórios cariocas. In: BRITO, F.;
OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida
social. São Paulo: Boitempo, 2013.
182 OLIVEIRA, P. R. Golpes de vista. In: BRITO, F. OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem:
visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013. p.29-30.
70
183 OLIVEIRA, P. R. Golpes de vista. In: BRITO, F. OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem:
visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013.
184 É o conjunto de delitos cometidos por operadores das próprias agências do sistema penal. Atua
de forma ampla na razão direta das agências executivas e na razão inversa do controle que
sofrem de outras agências. Conta com a participação ativa ou omissa dos operadores das demais
agências. (ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro:
teoria geral do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1).
185 BRITO, F. Considerações sobre a regulação armada dos territórios cariocas. In: BRITO, F.;
OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida
social. São Paulo: Boitempo, 2013. p.67.
71
Trovão foi também vítima do sistema penal, pois foi preso na Operação Guilhotina186,
que tinha como objetivo investigar como funcionava o esquema de corrupção das
polícias no Estado do Rio de Janeiro. Nessa operação ficou demonstrado que os
policiais, como conheciam os lugares onde estavam os traficantes, teriam realizado
acordos com estes em troca de informações, tendo sido autorizados a pilhar as
favelas, durante as ocupações da Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão.187
Assim, é possível verificar que homens afrodescendentes e favelados são
constantemente tratados como inimigos a serem mortos na guerra contra o crime e
contra o tráfico. Embora o Mapa da Violência de 2015 aponte um decréscimo no
número de homicídios por arma de fogo no Rio de Janeiro, cuja taxa, se comparada a
de 2011 com 2012, é de 11,7%188, o relatório da Anistia Internacional sobre as
mortes provocadas pela polícia afirma que
186 Em uma reportagem exibida no Fantástico, é possível verificar como foi a cobertura midiática da Rede
Globo à Operação Guilhotina. (POLICIAIS negociam armas e drogas no Complexo do Alemão.
Fantástico, 13 fev. 2011. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UISGPGnN8cw>.
Acesso em: 07 jan. 2018).
187 OLIVEIRA, P. R. Golpes de vista. In: BRITO, F. OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem:
visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013.
188 WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência: mortes matadas por arma de fogo. Brasília, 2015.
Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf>. Acesso
em: 23 out. 2015.
189 ANISTIA INTERNACIONAL. Quem matou meu filho? Homicídios cometidos pela polícia militar na
cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Anistia Internacional, 2015. p.6. Disponível em:
<https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2015/07/Voce-matou-meu-filho_Anistia-Internacional-
2015.pdf>. Acesso em: 23 out. 2015.
72
190 ANISTIA INTERNACIONAL. Quem matou meu filho? Homicídios cometidos pela polícia militar na
cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Anistia Internacional, 2015. Disponível em:
<https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2015/07/Voce-matou-meu-filho_Anistia-Internacional-
2015.pdf>. Acesso em: 23 out. 2015.
191 BRITO, F. Considerações sobre a regulação armada dos territórios cariocas. In: BRITO, F.;
OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida
social. São Paulo: Boitempo, 2013. p.83.
192 ZACCONE, O. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015.
193 Autos de resistência são instaurados quando ocorre uma morte supostamente decorrente de
confronto policial.
73
194 ZACCONE, O. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015. p.203.
195 GRANJA, P. UPP: o novo dono da favela: cadê o Amarildo? Rio de Janeiro: Revan, 2015.
74
incriminar e justificar essas mortes.196 Cenas como essa têm se repetido todos os
dias no Rio de Janeiro.
Nesse sentido, o processo de "pacificação" das favelas do Rio de Janeiro alimenta
a violência como resposta a uma suposta resistência ao progresso, à colonização do
"morro" pelo "asfalto", "[...] fazendo com que a pacificação acabe por operar mecanismos
de guerra no interior do próprio Estado".197
Porém, é preciso alertar que os territórios "pacificados" foram escolhidos
estrategicamente, pensando-se na segurança para a realização da Copa do Mundo e
dos Jogos Olímpicos, conforme esclareceu o coronel da Polícia Militar que encabeçou o
projeto das UPPs em entrevista ao "Le Monde Diplomatique Brasil":
196 TORRES, L. Imagens mostram PMs mexendo em cena de homicídio na Providência, Rio. O Globo,
Rio de Janeiro, 29 set. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/09/
imagens-mostram-pms-mexendo-em-cena-de-homicidio-na-providencia-rio.html>. Acesso em: 30
set. 2015.
197 ZACCONE, O. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015. p.210.
198 VIGNA, A. UPP: o poder simplesmente mudou de mãos? Le monde diplomatique Brasil, 07 jan.
2013. Disponível em: <http://diplomatique.org.br/artigo.php?id=1328>. Acesso em: 11 jan. 2013.
199 BATISTA, V. M. O Alemão é muito mais complexo. In: Paz armada. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2012.
75
200 BRITO, F. Considerações sobre a regulação armada dos territórios cariocas. In: BRITO, F.;
OLIVEIRA, P. R. (Orgs.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida
social. São Paulo: Boitempo, 2013. p.99.
201 MENEGAT, M. Prisões a céu aberto. In: MENEGAT, M. Estudos sobre ruínas. Rio de Janeiro:
Revan e Instituto Carioca de Criminologia, 2012.
205 BARATTA, A. Seguridad. In: ELBERT, C. A. (Dir.); BELLOQUI, L. (Coord.). Alessandro Baratta:
Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: B de F, 2004.
206 BATISTA, N. Criminologia sem segurança pública. Revista Derecho Penal y Criminología, v.10,
p.86-90, 2013.
207 BATISTA, N. Criminologia sem segurança pública. Revista Derecho Penal y Criminología, v.10,
p.89, 2013.
77
Por isso, trazemos a análise pontual e certeira de Baratta208, que afirma que
uma política de segurança pode adotar dois modelos, um do "direito à segurança" e
outro "da segurança dos direitos". Esse primeiro modelo é o dominante, mas o segundo
modelo é que deveria ser observado.
Comentando essa proposição, Pavarini afirma que o direito à segurança
nasceu como um direito com o processo de privatização do bem "segurança", face à
crise do estado social de direito, que "[...] ao garantir os direitos e a liberdade dos
cidadãos, abre espaço à segurança como um bem privado".209
Segundo Pavarini210, quando se tem o estado do bem-estar social, se tem uma
política inclusiva, a qual pode ser chamada de "bulímica", já que ela atua para incluir
as pessoas, eliminando o déficit do livre mercado, inspirando um direito à segurança
social. Normalmente esta política se dirige para aquelas pessoas estigmatizadas por
uma carência, não só econômica, mas também cultural, intelectual, de informação
ou simplesmente moral, como se fosse um remédio que poderá curar esse mal,
favorecendo sua inclusão social.
Já no pós-welfare, o que se tem é um modelo exclusivo, ou que se pode
denominar de "anoréxico", a partir do momento em que exclui, isola e neutraliza
quem é estigmatizado com as mesmas carências sociais, econômicas, culturais
e intelectuais.211
Por isso, a política criminal do direito à segurança propõe medidas pós Estado
social que, basicamente, consistem em dar atenção à vítima, dar uma resposta
privada à questão criminal, colocar o risco como questão central, demonstra
208 BARATTA, A. Seguridad. In: ELBERT, C. A. (Dir.); BELLOQUI, L. (Coord.). Alessandro Baratta:
Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: B de F, 2004.
209 PAVARINI, M. Democracia y seguridad (notas de una conferencia jamás impartida). In: PORTALES,
R. E. A. (Coord.). Políticas de Seguridad Pública: Análisis y tendencias criminológicas y políticas
actuales. México: Editorial Porrúa, 2011. p.6.
210 PAVARINI, M. Democracia y seguridad (notas de una conferencia jamás impartida). In: PORTALES,
R. E. A. (Coord.). Políticas de Seguridad Pública: Análisis y tendencias criminológicas y políticas
actuales. México: Editorial Porrúa, 2011.
211 PAVARINI, M. Democracia y seguridad (notas de una conferencia jamás impartida). In: PORTALES,
R. E. A. (Coord.). Políticas de Seguridad Pública: Análisis y tendencias criminológicas y políticas
actuales. México: Editorial Porrúa, 2011.
78
212 PAVARINI, M. Democracia y seguridad (notas de una conferencia jamás impartida). In: PORTALES,
R. E. A. (Coord.). Políticas de Seguridad Pública: Análisis y tendencias criminológicas y políticas
actuales. México: Editorial Porrúa, 2011.
213 BARATTA, A. Seguridad. In: ELBERT, C. A. (Dir.); BELLOQUI, L. (Coord.). Alessandro Baratta:
Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: B de F, 2004. p.215.
214 BARATTA, A. Seguridad. In: ELBERT, C. A. (Dir.); BELLOQUI, L. (Coord.). Alessandro Baratta:
Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: B de F, 2004.
215 BARATTA, A. Seguridad. In: ELBERT, C. A. (Dir.); BELLOQUI, L. (Coord.). Alessandro Baratta:
Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: B de F, 2004.
79
216 DIETER, M. S. Política criminal atuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
217 DIETER, M. S. Política criminal atuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
218 DIETER, M. S. Política criminal atuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
80
É preciso, por fim, dizer que as UPPs e UPSs foram parte também de um
projeto midiático em torno do qual se produziu um "macabro consenso" promovido
pela mídia, em nome da "reconquista de território".219
O Governo do Rio de Janeiro, entre 2007 e 2010, gastou 420,1 milhões de
reais dos cofres públicos com propaganda, além de contar com o apoio incondicional
da Rede Globo de televisão, cuja maior fatia foi tomada pela propaganda das UPPs.220
No Paraná foi possível acompanhar a repercussão midiática dessa política
durante a realização da pesquisa de mestrado, em que fizemos o monitoramento do
Jornal Gazeta do Povo, em especial da campanha "Paz sem voz é medo", que teve a
duração de um ano. Durante a campanha é que o projeto de “pacificação” do Rio de
Janeiro ganhou visibilidade, em especial com a ocupação do Complexo do Alemão.221
Quando houve, portanto, essa grande operação, o jornal paranaense passou
a fazer uma análise das ações governamentais, e da crítica inicial passou a destacar
os benefícios dessa política, até que o secretário de segurança pública apoiasse a
ideia que foi posteriormente chamada de UPS – Unidades Paraná Seguro.222
Assim, o termo segurança passa a ser explorado pela mídia de forma
pornográfica, fazendo da segurança um espetáculo. E as mídias propalam o falacioso
219 BATISTA, V. M. O Alemão é muito mais complexo. In: Paz armada. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2012.
220 GRANJA, P. UPP: o novo dono da favela: cadê o Amarildo? Rio de Janeiro: Revan, 2015.
221 MURARO, M. Crime, violência e segurança: um estudo de caso da campanha Paz sem voz é
medo do Jornal Gazeta do Povo. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) –UFPR, Curitiba, 2013.
222 MURARO, M. Crime, violência e segurança: um estudo de caso da campanha Paz sem voz é
medo do Jornal Gazeta do Povo. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) –UFPR, Curitiba, 2013.
81
argumento de que quanto mais polícia, quando mais tecnologia de vigilância e controle
forem empregadas, mais seguras as pessoas estarão.223
A visão midiática sobre segurança pública obtida com a pesquisa da campanha
"Paz sem voz é medo" deixou isto bastante claro, que a mídia de massa acredita e
defende que quanto mais polícia mais segurança, e que ela deve trabalhar com
critérios de alta seletividade em face das condutas mais perigosas, tais como
homicídio, roubo e tráfico de drogas, para conter riscos sociais.224
A mídia de massa faz da notícia uma mercadoria com valor de troca para o
mercado e valor de uso para o receptor, atribuindo um valor às formas simbólicas
que são comercializadas pelas televisões, jornais e revistas.225 Já aquelas informações
trocadas na internet não podem ser chamadas de mídias de massa, porque o fluxo
de informação se dá nos dois sentidos, produzindo web-atores.226
Nessa produção de mercadorias midiáticas, hoje, o que se verifica é a formação
de grandes conglomerados do entretenimento que abarcam a produção de notícias, bem
como canais de internet e de telefonia, colocando a força hegemônica estadunidense
na distribuição e produção de conteúdo.227. Segundo o Professor Nilo Batista228,
essa formação de conglomerados midiáticos está adaptada à lógica econômica do
capitalismo tardio e reproduz a crença sagrada na pena e em todo o sistema penal
como forma de controle social eficaz.
Além desse entrelaçamento da mídia com o poder econômico, verificam-se os
laços da mídia com o poder político, sendo uma via de mão dupla, pois o político
223 MURARO, M. O discurso midiático sobre segurança pública no Estado do Paraná: uma análise da
campanha Paz sem voz é medo, do jornal Gazeta do Povo. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro,
v.20, n.23/24, p.547 - 567, 1.o e 2.o semestres de 2016.
224 MURARO, M. Crime, violência e segurança: um estudo de caso da campanha Paz sem voz é
medo do Jornal Gazeta do Povo. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) –UFPR, Curitiba, 2013.
225 THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Tradução de Wagner de
Oliveira Brandão. Revisão de Leonardo Avritzer. 13.ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
226 RAMONET, I. A explosão do jornalismo: das mídias de massa à massa de mídias. Tradução de
Douglas Estevam. São Paulo: Publisher Brasil, 2012.
227 MENDONÇA, K. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro: Quartet. 2007.
228 BATISTA, N. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos Sediciosos – Crime, Direito e
Sociedade, Rio de Janeiro, v.7, n.12, p.271-290, 2.o semestre de 2002.
82
229 MURARO, M. Crime, violência e segurança: um estudo de caso da campanha Paz sem voz é
medo do Jornal Gazeta do Povo. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) –UFPR, Curitiba, 2013.
230 ZAFFARONI, E. R. A questão criminal. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
231 ZAFFARONI, E. R. A questão criminal. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
232 ZAFFARONI, E. R. A questão criminal. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan,
2013. p.200.
83
233 BOURDIEU, P. A televisão. Tradução de Maria Lúcia Machado. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1997.
234 BOURDIEU, P. A televisão. Tradução de Maria Lúcia Machado. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1997.
241 ZAFFARONI, E. R. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal.
Tradução de Vania Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
242 OLMO, R. América Latina e sua criminologia. Tradução de Francisco Eduardo Pizzolante e Sylvia
Moretzsohn. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2004.
243 OLMO, R. América Latina e sua criminologia. Tradução de Francisco Eduardo Pizzolante e Sylvia
Moretzsohn. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2004. p.161.
86
2.1.1 Brasil Colônia e Império: a força do poder real como combate à desordem
Assim que a comitiva real portuguesa chegou ao Rio de Janeiro fugindo das
guerras napoleônicas, foi criada, em 10 de maio de 1808, a Intendência Geral de
Polícia da Corte e do Estado do Brasil, baseada no modelo francês, introduzida em
Portugal, a qual mais tarde se tornou a polícia civil. O gabinete do Intendente Geral
de Polícia se tornou responsável pelas obras públicas, pelo abastecimento da
cidade, além da segurança pessoal e coletiva, da ordem pública, da vigilância das
244 ZAFFARONI, E. R. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal.
Tradução de Vania Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
p.64-65.
87
245 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.
246 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.
247 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.
248 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.
249 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas,
1997. p.50.
88
250 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.
251 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.
252 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas,
1997. p.64.
89
253 CHALHOUB, S. Medo branco de almas negras: escravos, libertos e republicanos na cidade do
Rio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8, n.16, p.83-105, mar./ago. 1988. Disponível em:
<www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3676>. Acesso em: 29 jun. 2017.
254 CHALHOUB, S. Medo branco de almas negras: escravos, libertos e republicanos na cidade do
Rio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8, n.16, p.83-105, mar./ago. 1988. Disponível em:
<www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3676>. Acesso em: 29 jun. 2017.
90
burguesa tiveram reflexos nas instituições policiais, que se tornaram mais profissionais
e militares, interferindo, também, no discurso de ordem.255
À medida que a sociedade se tornava mais heterogênea, as técnicas de
controle estatais se modificaram. Não seria um exagero dizer que a criação da
polícia foi uma condição necessária para a transição da escravatura para o regime
de trabalho livre, já que "o desenvolvimento do aparato de repressão [...] possibilitou
à elite política e econômica conservar a vantagem na guerra social, controlar os
escravos e seus sucessores funcionais e manter a ralé acuada".256
A polícia foi criada para servir as elites e para controlar inicialmente os
escravos revoltosos, considerados propriedade. E, com o fim da escravidão, passou
a controlar parte da população que praticava desordem pública, tanto que os delitos
mais perseguidos eram os que envolviam violação do toque de recolher, beber em
locais públicos, fazer arruaça na rua, entre outros tipos de conduta. Assim, a polícia
servia para controlar, após a abolição da escravatura, os ex-escravos, os brancos
não escravos, mas pobres, e os estrangeiros também pobres.
Com a campanha republicana estava em jogo a construção de um novo
regime político, mas também a conservação de uma hierarquia social, que, de um
lado, abrigava as elites proprietárias rurais e, de outro, uma grande massa de
escravos e uma diminuta classe média urbana. Ou seja, as diferenças sociais foram
explicadas com argumentos científicos e justificadas a partir das variações raciais.257
Segundo Chalhoub, "Os republicanos construíram todo um belo discurso como
justificação de suas ações contra a cidade negra. Agiram em nome da higiene, da
moral e dos bons costumes, do progresso e da civilização".258
255 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.279-293, 1.o e 2.o semestres de 2007.
256 HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas,
1997. p.264.
257 SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
258 CHALHOUB, S. Medo branco de almas negras: escravos, libertos e republicanos na cidade do
Rio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8, n.16, p.104, mar./ago. 1988. Disponível em:
<www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3676>. Acesso em: 29 jun. 2017.
91
259 SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
260 SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
261 SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
262 É com a publicação da Origem das Espécies, em 1859, de Charles Darwin, e a sua associação a
várias disciplinas sociais que se formou o social-darwinismo. Conceitos como competição,
seleção do mais forte, evolução e hereditariedade passam a ser aplicados aos mais variados
ramos do conhecimento. Na política, o Darwinismo deu as bases para uma política bastante
conservadora. (SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993).
92
um erro, considerada uma degeneração racial, mas também social, concepção que
questionava inclusive as bases do darwinismo social.263
Nesse sentido, um dos exemplos brasileiros de intelectuais que absorveram
esses ideais foi Nina Rodrigues, que localizava seus estudos no perigo social que o
grupo de não-brancos representavam, buscando entender se entre as raças humanas,
ou seja, americanos e afrodescendentes, havia o desenvolvimento da capacidade de
compreender o caráter ilícito de determinadas condutas, bem como se eles possuíam a
capacidade do livre arbítrio. Tinha como objetivo, com esse questionamento, redefinir o
controle social, o qual permitia a supremacia da elite branca, concluindo que o
sistema penal brasileiro era contraditório e cumpria o objetivo de garantir essa
supremacia e manter o controle social sobre os não-brancos.264
As raças inferiores teriam uma incapacidade orgânica de compreender o caráter
ilícito de suas condutas. Assim, Nina Rodrigues estabelecia um rígido determinismo
biológico, dentro de uma ordem natural hierarquizada.265
Nesse compasso, o conceito de degeneração aos poucos vai se afirmando e
substituindo a ideia de evolução, "como metáfora para explicar os caminhos e os
desvios do progresso ocidental".266
No Brasil, "O modelo racial servia para explicar as diferenças e hierarquias,
mas, feitos certos rearranjos teóricos, não impedia pensar na viabilidade de uma
nação mestiça".267
Ou seja, diante do enfraquecimento da escravidão e de um novo projeto
político para o Brasil, as teorias raciais, enquanto modelo teórico, foram viáveis para
justificar esse jogo de interesses. Mais do que substituir a mão de obra e manter
263 SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
264 DUARTE, E.C. P. Criminologia e racismo: Introdução à criminologia brasileira. 4.a tiragem. Curitiba:
Juruá, 2006.
265 DUARTE, E.C. P. Criminologia e racismo: Introdução à criminologia brasileira. 4.a tiragem. Curitiba:
Juruá, 2006.
266 SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.80.
267 SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.85.
93
269 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.280, 1.o e 2.o semestres de 2007.
271 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
94
todas as pessoas, registrando traços característicos de seu tipo físico com o fim de
conhecer o criminoso.272
Houve também um planejamento urbano capitaneado por projetistas da
disciplina e do controle social, iniciado em 1906 e encabeçado pelo engenheiro e
Prefeito Pereira Passos, que reorganizou a cidade por classes, removendo ex-
escravos das áreas centrais e colocando em prática um projeto excludente e
autoritário. É possível verificar que esse processo de guetização da cidade favorecia
o controle das classes excluídas.273
Segundo Marcos Luiz Bretas274, em 1904, o prefeito Pereira Passos, dando
início ao projeto de urbanização da cidade, demoliu uma parte do velho centro,
desalojando cerca de 13.000 pessoas. Sua intenção era transformar o Rio de Janeiro
numa Paris para se assemelhar aos grandes centros urbanos da época.
Uma cidade moderna era incompatível com a pobreza que habitava o centro
da cidade, mas não era suficiente simplesmente expulsá-los de suas moradias, uma
vez que eram mão de obra necessária à elite. Assim, a polícia teve como principal
papel controlar a massa de trabalhadores pobres.275
Durante a república, portanto, a polícia foi ampliada, modernizada e a segurança
pública ganhou mais recursos, renovando seus quadros e se profissionalizando.
Legislações dos anos de 1900 e 1903 regulamentaram a organização policial, atribuindo
a ela o papel de proteção dos direitos individuais e manutenção da ordem pública.276
Em 1904, durante a Revolta da Vacina, ficou clara a desaprovação da população
em face da presença policial nas ruas, demarcando o insucesso da polícia militar de
controlar multidões, dada a sua forma violenta de agir. Esse fato determinou a criação
272 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.280, 1.o e 2.o semestres de 2007.
273 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.280, 1.o e 2.o semestres de 2007.
274 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
275 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
276 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.279-293, 1.o e 2.o semestres de 2007.
95
de uma nova polícia uniformizada para realizar o patrulhamento da cidade, que foi a
guarda civil, em 1905. Suas atribuições compreendiam o policiamento do centro da
cidade e dos principais edifícios, recebendo apoio financeiro de diversas fontes.277
Em 1907, a polícia passou por uma nova reestruturação, trazendo o cientificismo
para os exames periciais e a criação da identificação criminal, produzindo uma galeria
dos ladrões. A polícia militar passou a ser chamada de Brigada Policial da Capital
Federal e Força Policial do Distrito Federal, sendo comandada por um Coronel ou
um General do Exército, que respondiam ao Ministro da Justiça, organizando sua
estrutura conforme a graduação do exército.278
A partir da década de 1910 houve uma estabilização dos movimentos na
cidade, o que produziu uma mudança no foco de atuação da polícia. O foco da rotina
policial se voltou para a vadiagem, cujo perfil dos presos era formado por pessoas
predominantemente nacionais não-brancos. Esse perfil se repetia para as pessoas
que eram consideradas criminosas, registrando-se uma sobrerrepresentação dos
não-brancos.279
Havia um sentimento de que a cidade era um local violento, o que Bretas 280
chama de grande medo em relação aos desocupados e desordeiros, ofendendo a
moral e ameaçando de violência física. Essas figuras constituíam o medo da elite.
A partir dessas prisões, a polícia começou a catalogar, dentre a população
pobre, certas pessoas consideradas criminosas. Essas pessoas eram identificadas
pela polícia, encaminhadas para fotografia e para tirar suas impressões digitais,
dados que passavam a fazer parte do catálogo do corpo de segurança, onde eram
arquivados. Para se livrar das acusações de vadiagem, era necessário comprovar
residência fixa e trabalho determinado, o que não era uma tarefa muito fácil. Frise-se
que, em períodos de festas, como os carnavais, a polícia preferia que esses identificados
277 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
278 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.279-293, 1.o e 2.o semestres de 2007.
279 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
280 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
96
não estivessem à solta, por isso constantemente eram alvo de perseguições policiais
a partir dessa identificação.281
Já a classe mais abastada, presume-se que devia ser protegida e não investigada,
sendo seus conflitos resolvidos normalmente na esfera privada. Assim, essa classe
ia à delegacia como vítima e não como ré. Os delitos que podiam levá-los a serem
investigados eram os passionais, delitos envolvendo automóveis e o comércio de
drogas, o qual estava associado à cafetinagem e à prostituição.282
Vale destacar, ainda, a criação da escola de polícia, em 1912 283, que também
se deu sob a concepção positivista, de forma que isso contribui para a reprodução
da perspectiva lombrosiana até hoje na formação policial, uma vez que o processo
de formação se dá apenas com atores internos.
Desde o início da república, o movimento operário do Rio de Janeiro e de São
Paulo questionava o aparelho estatal e a estrutura de poder oligárquica. Diante do
crescimento das indústrias e das muitas greves, de 1917 até 1919, sob a liderança
anarco-sindicalista, o papel da polícia sofreu uma reestruturação.284
O setor fabril, de serviços e o setor financeiro temiam o movimento operário
paulista e carioca, muito bem organizado. Parlamento e grupos políticos estavam
tomados de medo. Enquanto isso, o nacionalismo e o belicismo se ampliavam nos
discursos tanto da pequena quanto da alta burguesia, e a reação, portanto, apostava
nos dispositivos policiais e judiciários para manutenção da ordem.285
Com receio desse movimento, em 3 de maio de 1917, foi instaurada a
conferência judiciária-policial na Cidade do Rio de Janeiro, que contou inclusive com
a presença do Presidente da República e seus ministérios. A conferência tinha como
281 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
282 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
283 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.279-293, 1.o e 2.o semestres de 2007.
284 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
285 TÓRTIMA, P. A conferência judiciária-policial de 1917 no Rio de Janeiro, DF: uma radical virada
conservadora no Estado Brasileiro. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.241-258, 2.o
semestre de 1996.
97
286 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.279-293, 1.o e 2.o semestres de 2007.
287 TÓRTIMA, P. A conferência judiciária-policial de 1917 no Rio de Janeiro, DF: uma radical virada
conservadora no Estado Brasileiro. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.241-258, 2.o
semestre de 1996.
288 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.279-293, 1.o e 2.o semestres de 2007.
289 TÓRTIMA, P. A conferência judiciária-policial de 1917 no Rio de Janeiro, DF: uma radical virada
conservadora no Estado Brasileiro. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.241-258, 2.o
semestre de 1996.
98
290 TÓRTIMA, P. A conferência judiciária-policial de 1917 no Rio de Janeiro, DF: uma radical virada
conservadora no Estado Brasileiro. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.241-258, 2.o
semestre de 1996.
291 TÓRTIMA, P. A conferência judiciária-policial de 1917 no Rio de Janeiro, DF: uma radical virada
conservadora no Estado Brasileiro. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.241-258, 2.o
semestre de 1996.
292 SALÉM, M. D. A polícia na república velha: a serviço das classes dominantes. Discursos Sediciosos,
Rio de Janeiro, v.11, n.15/16, p.279-293, 1.o e 2.o semestres de 2007.
293 TÓRTIMA, P. A conferência judiciária-policial de 1917 no Rio de Janeiro, DF: uma radical virada
conservadora no Estado Brasileiro. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.241-258, 2.o
semestre de 1996.
99
seguidas dos delitos contra a propriedade e da vadiagem, a qual ainda era muito útil
para o controle da ordem urbana. A partir da década de 1920, o papel da polícia era
voltado para o controle do tráfego de veículos e para o consumo de drogas, bem
como para o medo do comunismo.294
Esses relatos demonstram que a polícia manteve, desde a sua criação, uma
atuação voltada para o controle daqueles que eram considerados imorais e perigosos,
com o fim de manter as hierarquias sociais e garantir a propriedade dos poderosos, assim
como a manutenção do Estado, já operando as bases da biopolítica e do racismo.
294 BRETAS, M. L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
1907-1930. Tradição. Antônio Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
295 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
100
296 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
297 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
298 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
101
social. Eles eram vistos como os que procuravam impedir a prosperidade econômica
e social do país e essa imagem era recepcionada por grande parte da população.
Como o período é marcado por contradições, Vargas, em 1945, concedeu
anistia aos presos por crimes políticos, desde julho de 1934, e o TSN foi extinto em
novembro de 1945.299
Ainda nesse período, tem início a segunda guerra mundial e um corpo de
expedicionários é enviado para lutar na Itália ao lado dos americanos. Com isso,
tiveram contato com o sistema de segurança dos Estados Unidos que desejavam
adotar no Brasil. Os americanos ajudaram, assim, a fundar a Escola Nacional de Guerra
em 1949. Ou seja, os militares tiveram cerca de 15 anos para planejar a tomada das
forças de Estado, sendo auxiliados pelas forças estadunidenses.300
Após o final da Segunda Guerra Mundial, em outubro de 1945, o governo
Vargas foi deposto, mas assumiu a presidência o general Dutra, dando continuidade
a práticas autoritárias que já estavam enraizadas no trabalho policial, ou seja,
continuaram a ser praticadas diversas arbitrariedades contra o cidadão. A Força
Pública301, a maior corporação policial do Estado, reprimia de forma violenta os grevistas,
mesmo com as pressões do Partido Comunista tentando persuadir a polícia com
panfletos que os incitavam a desobedecer às ordens de repressão aos protestos.302
Havia notícias, ainda, sobre o desrespeito aos direitos dos cidadãos praticados
pela polícia, que também apontava para a sua atuação de forma extremamente
arbitrária. A polícia não abandonou suas técnicas de tortura utilizadas nos interrogatórios
e prisões. O DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, por exemplo, era
acusado de prender arbitrariamente, espancar e matar operários.303
299 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
300 COMBLIN, J. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro, 1978.
301 A Força Pública foi criada em 1831, sendo uma corporação militar submissa ao Exército, que poderia
ser utilizada tanto para guerras externas quanto para guerras internas, conforme a Constituição
de 1946. (BATTIBUGLI, T. Polícia democracia e política em São Paulo (1946/1964). São Paulo:
Humanitas, 2010).
302 BATTIBUGLI, T. Polícia democracia e política em São Paulo (1946/1964). São Paulo: Humanitas, 2010.
303 BATTIBUGLI, T. Polícia democracia e política em São Paulo (1946/1964). São Paulo: Humanitas, 2010.
102
Dos anos 40 ao final dos anos 70, tanto o Brasil como a região metropolitana de
São Paulo mudaram de forma dramática e paradoxal: a urbanização acelerada
e desordenada, aliada ao forte crescimento populacional e ao desenvolvimento
econômico concentrador de renda, gerou grandes problemas sociais. [...]
[Que] trazia como ônus a pobreza e a sensação de insegurança social
demonstrada pelos jornais e por discursos políticos da época. 305
Foi nesse contexto da Guerra Fria que, em 1.o de abril de 1964, o Estado
brasileiro sofre um golpe militar, sob a justificativa de livrar o Brasil da ameaça
comunista e para uma renovação da economia segundo as receitas ortodoxas do
304 BATTIBUGLI, T. Polícia democracia e política em São Paulo (1946/1964). São Paulo: Humanitas, 2010.
305 BATTIBUGLI, T. Polícia democracia e política em São Paulo (1946/1964). São Paulo: Humanitas,
2010. p.94.
306 BATTIBUGLI, T. Polícia democracia e política em São Paulo (1946/1964). São Paulo: Humanitas, 2010.
103
capitalismo. Frise-se que nesse mesmo período a América Latina foi tomada pelos
regimes totalitários.
Participaram do golpe militar de 64 a mídia, empresários, membros da própria
OAB e da Igreja, que apoiaram o movimento pelo "restabelecimento da ordem".307
Vários grupos entre civis e militares preparavam o golpe de Estado para
derrubar João Goulart. Os oficiais da Escola Nacional de Guerra eram apenas mais
um grupo que souberam se colocar no momento do golpe, colocando um dos seus
na presidência.308
Castelo Branco é eleito na mesma semana, após a edição do Ato Institucional
número um, o qual tinha como principal medida a instalação das eleições presidenciais
de forma indireta.
Costa e Silva, em dezembro de 1968, edita o Ato Institucional número 5 instalando
o capítulo mais sangrento dessa história, determinando ilegalidades disfarçadas de
legalidades, como o recesso do congresso nacional, a censura da imprensa e a
suspensão das garantias individuais. Assumiram ainda a presidência o General Médici
e, mais tarde, o General Geisel e, por fim, Figueiredo.
A ideologia da segurança nacional articulou de forma intransigente a luta
anticomunista ao desenvolvimento de um modelo econômico e o elitismo militar.
Para tanto, o golpe afastou todos os líderes da base civil, mesmo aqueles que
tinham prestígio, e constituiu uma linha militar homogênea com o Serviço Nacional
de Informações como o centro do sistema de poder.309
A opressão também foi atrás dos líderes operários, estudantis, movimentos
sociais e dirigentes sindicais para evitar o nascedouro de um poder político popular,
reprimido desde a era Vargas. Essa tarefa foi finalizada com o AI n. o 5. O presidente
307 GABARDO, E.; NEVES, O. O estado de exceção e as normas aprovadas por decurso de prazo: uma
História da exacerbação do poder executivo na ditadura de 1964. In: CONGRESSO BRASILEIRO
DE HISTÓRIA DO DIREITO, 5., 2013, Curitiba. Anais... Curitiba: IBHD, 2013.
308 COMBLIN, J. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro, 1978.
309 COMBLIN, J. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro, 1978.
104
310 COMBLIN, J. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro, 1978.
311 COMBLIN, J. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro, 1978.
316 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
317 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
318 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
319 COMBLIN, J. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro, 1978.
106
320 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
321 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
107
322 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
323 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
324 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
325 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
108
326 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
327 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
328 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
329 CERQUEIRA, C. M. N. Remilitarização da Segurança Pública: a operação rio. In: O futuro de uma
ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
330 KARAM, M. L. Violência, militarização e 'guerra às drogas'. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala
perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo,
2015. p.35.
109
A Operação Rio, em 1994, foi uma atuação ilegítima das Forças Armadas que
passaram a exercer tarefas de segurança pública e que só foram abandonadas
porque não atingiram os objetivos esperados pela "fantasia da ideologia repressora".331
Essa operação foi, para o Rio de Janeiro, o marco para a remilitarização,
como chamou Cerqueira, pois, após esse momento, como veremos, com as UPPs,
novamente as tropas federais são chamadas para atuarem frente a segurança
pública estadual.
Esses episódios são concretizações inseridas na lógica do que Wacquant 332
chama de Estado Penal, uma vez que empregadas no controle das classes baixas e
da “criminalidade” de rua com objetivo sanitarista, de assepsia, para controlar a
desregulamentação do mercado de trabalho e a falta da seguridade social, como um
produto do neoliberalismo, muito mais sedutor e nefasto quando atinge países com
profundas desigualdades sociais e econômicas.
A violência policial no Brasil é forjada a partir da tradição de controle dos
despossuídos, que advém desde a história da implantação das forças policiais, desde a
violência produzida pela escravidão colonial e conflitos agrários, reforçada pelo regime
Vargas e pela ditadura militar, que disfarçou a subversão interna como repressão da
delinquência.
Essa questão é agravada pela discriminação baseada na cor da pele e na
estratificação racial empregadas no Brasil, cuja tradição tem associado negritude e
periculosidade, o que remete às lutas contra a escravidão e ao positivismo
criminológico cientificista.
Esse quadro caótico é reforçado pela adoção de políticas punitivas vindas dos
EUA como uma suposta política penal avançada de um país "mais civilizado" que a
América Latina. Essa política produz efeitos muito semelhantes entre essas diferentes
realidades da América Latina e EUA333:
331 KARAM, M. L. Violência, militarização e 'guerra às drogas'. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala
perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo,
2015. p.35.
A realidade das favelas brasileiras resulta numa total "militarização das clivagens
urbanas" ao se verificar a relação da justiça criminal com as forças repressivas, que
revelam as tendências subterrâneas e históricas de eliminação daquelas pessoas
consideradas detritos humanos, em uma sociedade que transforma as relações
humanas em mercadoria. Esses detritos humanos são desprovidos da proteção
burocrática e humanista burguesa frente a articulação da extrema desigualdade, da
violência nas ruas e da punição em massa, refletida pela economia de mercado, que
estimula o Estado a ser reduzido exclusivamente às suas forças repressivas,
fundindo as forças militares e civis para manutenção da ordem.334
Vera Malaguti Batista335 afirma que a saída das ditaduras militares produziu
um deslocamento do paradigma da segurança nacional para a segurança urbana,
brutalizando as polícias e realizando um massacre a conta-gotas, para utilizar a
expressão de Zaffaroni.
Chamando essa política de gestão policial da vida ou de gestão penal da
pobreza, conforme Wacquant, Vera Malaguti Batista336 diz que a expressão de
Edson Pasetti, "de controle a céu aberto", que faz referência aos bairros pobres e
favelas, nunca foi tão atual, ao retratar esses espaços com a ideia de "campo" no
qual todos os aspectos da vida dessas pessoas são tutelados pela polícia. Isso faz
335 BATISTA, V. M. Estado de polícia. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala perdida: a violência
policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo, 2015.
336 BATISTA, V. M. Estado de polícia. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala perdida: a violência
policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo, 2015.
111
337 GRAHAM, S. O bumerangue de Foucault: o novo urbanismo militar. In: KUCINSKI, B.; DUNKER,
C. I. L. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo:
Boitempo, 2015.
338 GRAHAM, S. O bumerangue de Foucault: o novo urbanismo militar. In: KUCINSKI, B.; DUNKER,
C. I. L. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo:
Boitempo, 2015.
339 GRAHAM, S. O bumerangue de Foucault: o novo urbanismo militar. In: KUCINSKI, B.; DUNKER,
C. I. L. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo:
Boitempo, 2015.
112
Para o professor Nilo Batista340, é possível dizer que a gestão das drogas se
divide em dois momentos no Brasil. O primeiro momento seria o sanitário, cujo início
está associado à assinatura do protocolo suplementar da Conferência Internacional
do Ópio, em 1912, e que colocava a questão nos moldes higienista, ao tratar o
adicto como um doente. O segundo momento seria o belicista, que tem início com o
golpe Militar em 1964, no qual o Brasil participa da polarização capitalismo versus
comunismo alinhado aos Estados Unidos, e coloca nos termos da doutrina de
segurança nacional os dissidentes como inimigos internos, associando os usuários e
comerciantes de drogas com esse estereótipo, já que a droga seria uma estratégia
comunista para desvirtuar a juventude ocidental.
A partir da década de 1940, o Brasil começa a tratar a questão, incorporando
o modelo internacional de controle, ao se adequar à convenção de Genebra de
1936, quando passa a proibir a produção, o tráfico e o consumo de substâncias
entorpecentes, sendo essa proibição finalmente incorporada ao Código Penal de
1940, em seu artigo 281.341
340 BATISTA, N. Política criminal com derramamento de sangue. Revista Discursos Sediciosos, Rio
de Janeiro, n.5 e 6, p.77-94, 1998.
341 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
113
342 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
343 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
344 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
345 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
114
segunda etapa, de 1978 a 1982, quando o seu uso se altera e passa a causar mais
dependência (em 79, por exemplo, foi considerado o ano de pico do uso da
maconha e da cocaína e o de menor consumo de heroína); a terceira etapa, de 1982
a 1984, quando a cocaína passa a ser utilizada por todas as classes sociais.346
A queda da indústria de "parafernalha", que auxiliava na medição da quantidade
de droga, assim como a falta de controle sobre a qualidade, transformou a questão em
um problema real de saúde pública, o que fez ressurgir o discurso médico-jurídico em
torno das drogas, nascido na década de 1960. O discurso jurídico enfatiza o estereótipo
do criminoso, normalmente associado ao pequeno distribuidor, revendedor de rua,
que provinha dos guetos, enquanto o discurso médico classifica o usuário como
doente e aplica o modelo sanitário de controle. Estabelece-se, portanto, a distinção
entre consumidor e traficante, doente e delinquente, mas agora esse estereótipo se
forma em torno da cocaína.347
Quando Reagan, em 1981, assumiu a presidência dos Estados Unidos, ele
instituiu como política de perseguição às drogas um esquema de controle do dinheiro
do narcotráfico, inclusive para além das fronteiras. O DEA – Drug Enforcement
Administration, departamento criado em 1973, passa a fiscalizar, portanto, a saída
de recursos dos Estados Unidos por meio dos bancos, que enviam o dinheiro da
droga para Suíça, Panamá e Bahamas, e introduzem novamente nos Estados Unidos
como investimentos legais. Isso marcou a mudança de estratégia desse órgão, que
passou a controlar os chamados narcodólares.348
Para reforçar essa noção do inimigo externo, resgata-se o termo em inglês,
narcóticos, que estava associada aos opiáceos e passe-se a associá-lo à cocaína.
Por isso, a mídia fez questão de difundir as expressões narcotráfico, para qualificar o
inimigo no seu aspecto econômico, e narcoterrorismo, para identificar o inimigo em
seu aspecto político, e a expansão desses termos ajudou na expansão da política
orientada de maneira transnacional.349
346 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
347 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
348 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
349 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
115
350 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
351 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
352 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
116
Rosa del Olmo353 afirma que foi no final da década de 1970 e início da década
de 1980 que os Estados Unidos investiram na transnacionalização do discurso
repressivo e declararam oficialmente a guerra às drogas, que se torna um "discurso
geopolítico", dividindo a política externa em países-vítima e países-algoz.
A principal preocupação agora é a droga vinda do exterior e o aspecto
econômico e político do tráfico de cocaína. Não se pode esquecer que um quilo de
cocaína tem o mesmo valor que uma tonelada de maconha, e tanto a fabricação,
quanto a distribuição, o consumo e a criminalização geram lucro.
O projeto de transnacionalização do combate às drogas acontece para fazer
um controle das drogas para além das fronteiras estadunidenses, cujo fundamento
está no movimento de Defesa Social, que trata o delito de forma a-histórica e
abstrata, justamente para retirar a especificidade concreta e social de cada realidade
em particular, apenas destacando o princípio do bem e do mal, da culpabilidade, da
necessidade de centralizar e unificar as formas de combate ao que se considera
moralmente inapropriado.354
A partir disso, criam-se modelos totalizantes de repressão, como o modelo
médico-sanitário-jurídico, colocando o traficante sobre o discurso jurídico-penal e o
usuário sobre o discurso médico-psiquiátrico.355
A ONU – Organização das Nações Unidas e a OMS – Organização Mundial da
Saúde contribuíram no mundo ocidental do pós-guerra para universalizar os discursos
353 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
354 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
355 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
117
356 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
357 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
358 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
359 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
118
360 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
361 BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito
penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de
Criminologia, 2002.
119
362 BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito
penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de
Criminologia, 2002.
363 BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito
penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de
Criminologia, 2002. p.42.
364 BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito
penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de
Criminologia, 2002. p.42.
120
365 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
366 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro. 4.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2011. v.1.
367 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
121
A tortura, por exemplo, era um meio de se obter informações e foi recuperada nessa
função histórica, como o esquema repressivo próprio da doutrina de segurança nacional.372
As legislações nesse período também passam a vincular as polícias e a
segurança nacional, o que era central para essa doutrina, ou seja, a subordinação
das polícias às forças armadas, que começaram a tomar forma no final da década
de 1950, quando as polícias passaram a operar frente ao controle operacional do
Exército, da Marinha e da Aeronáutica.373
Por fim, outra evidência da vinculação das polícias com a doutrina de segurança
nacional é que elas participavam dos esquemas paralelos de repressão. Não se
tratava de duas polícias, mas de uma dupla repressão. A polícia desempenhava uma
função formal, que era superficial, que levaram adiante de maneira visível, mas
atuaram em um sistema subterrâneo e paralelo como membros das instituições militares.
Isso significava que as funções superficiais eram legais e as subterrâneas ilegais. 374
Esses fatores deram condições para que o esquema repressivo atuasse sem
um mínimo de legalidade e deixando de observar os direitos fundamentais de quem
era definido como inimigo. A ideologia da segurança nacional é estruturada na ideia
de que o inimigo deve ser eliminado, bem como que a segurança nacional deve ser
protegida a qualquer custo e que a violência empregada nesta defesa é legítima.
375 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.75.
123
Programas do direito penal militar são incorporados ao direito penal comum, tais
como a ordem do corpo social e a eficácia das ações, o que consolida uma lógica
militarizada do treinamento das polícias militares e civis e implica na hierarquização
de seu funcionamento, ainda que isso resulte na constante violação da legalidade.
Esse discurso se alinha à Ideologia da Defesa Social e constrói uma pauta
rigorosa de combate à “criminalidade” comum. A junção dessas ideologias faz surgir
o estado de guerra total e permanente contra o crime. Nas palavras de Salo de
Carvalho: "[...] as agências de controle alimentarão o desejo insaciável de poder
punitivo"376, pois são moldadas no militarismo.
376 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.99.
377 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
378 KELLING, G. L. WILSON, J. K. Broken windows: the police and the neighborhoods safety. Atlantic
Magazin, mar. 1982. Disponível em: <http://www.theatlantic.com/magazine/print/1982/03/broken-
windows/304465/>. Acesso em: 18 dez. 2012.
124
379 ANITUA, G. I. História dos pensamentos criminológicos. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de
Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2008.
380 ANITUA, G. I. História dos pensamentos criminológicos. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de
Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2008.
381 ANITUA, G. I. História dos pensamentos criminológicos. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de
Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2008.
125
deveu-se, portanto, ao enérgico e inovador uso das forças de ordem, mas estudos
demonstram que a polícia não foi o motor dessas mudanças.382
As mudanças realizadas no policiamento de Nova York consistiram em uma
reestruturação burocrática da organização policial, descentralizando suas bases,
relativizando a hierarquia e reduzindo a idade dos chefes de polícia, que seriam
responsabilizados diretamente, sendo sua remuneração e promoção baseadas nos
índices de “criminalidade” produzidos. Além disso, foram expandidos os recursos
financeiros aplicados à polícia, e também se adotaram novas tecnologias para o
registro das estatísticas criminais.383 Por fim, foram implantados novos planos de
ação com base na expertise empresarial.384 Frise-se que tais medidas têm grande
semelhança com o projeto das UPSs, pois igualmente foram adotados esses
critérios para a implantação de uma nova polícia, sob o slogan comunitário.
Porém, contrariamente ao que foi noticiado pela mídia, a primeira evidência
de que a redução da violência criminal em Nova York não se deu por conta da
reformulação das instituições policiais, ou pelo recrudescimento das punições, afirma
Wacquant385, é que essa redução teve início antes mesmo da gestão de Giuliani e
continuou no mesmo ritmo após seu mandato.
Outras cidades americanas que não adotaram essas políticas repressivas tiveram
igualmente uma redução nos índices de registro de ocorrências, como Boston, São
Francisco e San Diego, por exemplo, que apostaram num modelo de policiamento
que procurava estabelecer relações de continuidade com os moradores para
prevenir as infrações, sem apostar na punição excessiva.386
382 WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [a onda punitiva].
3.ed. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
383 O Paraná adota o business intelligence – BI para o registro das ocorrências e que pode ser
consultado instantaneamente para a produção das estatísticas. No entanto, o acesso a esses
dados é restrito aos agentes estatais.
384 WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [a onda punitiva].
3.ed. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
385 WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [a onda punitiva].
3.ed. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
386 WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [a onda punitiva].
3.ed. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
126
Além desses fatores, Wacquant387 lista outras questões que contribuíram para
a redução dos índices de crimes violentos, nos anos de 1990, nos Estados Unidos e
que não têm conexão com os padrões de policiamento:
1) O crescimento econômico e o aumento das taxas de emprego, ainda
que com baixos salários, proporcionaram aos jovens a possibilidade
de um trabalho e um ganho econômico, embora nos bairros
segregados não tenha havido redução da pobreza.
2) A venda de crack se estabilizou e reduziu o uso de violência na
disputa entre gangues rivais. Além disso, o setor foi oligopolizado,
o que reduziu os índices de homicídios. Os usuários de crack
também migraram para outras drogas como as opiáceas, a
maconha, a heroína e a metanfetamina.
3) Houve a redução da população de jovens, decorrente da pandemia
da AIDS entre os usuários de heroína; as mortes por overdose; os
jovens mortos por seus rivais; e as prisões.
4) Também teve influência a migração predominantemente feminina,
na década de 90, a qual acessou, por meio de seus nichos étnicos,
a economia local, permitindo que o entorno dos grandes guetos
reconquistasse os espaços públicos e abandonasse as atividades
criminosas.
5) Conta-se também com o efeito da aprendizagem geracional, que
fez com que os jovens nascidos após esse período não quisessem
manter o mesmo estilo de vida que seus irmãos mais velhos, primos
e amigos, que tiveram como resultado a morte ou a prisão.
6) Foram assinados tratados de paz pelas gangues que controlavam
os territórios de Los Angeles, Chicago, Detroit e Boston, na década
de 90, o que reduziu significativamente o número de homicídios
entre jovens pobres.
387 WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [a onda punitiva].
3.ed. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
127
389 WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [a onda punitiva].
3.ed. Tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.441.
128
Elas retratam uma limpeza de classes e atuam sobre bairros e populações consideradas
suspeitas previamente.
É uma política higienista, pois promove uma gestão policial e judiciária da
"pobreza que incomoda", com fins eleitoreiros, uma vez que busca elevar a sensação
de segurança da sociedade em relação a essa pobreza, propagando tais fundamentos
de forma transnacional, juntamente com a "retórica militar da 'guerra' ao crime e da
'reconquista' do espaço público".390
Ou seja, tais ideias foram implementadas sob a justificativa de moralizar as
classes inferiores e garantir a qualidade de vida na cidade, pois a função da polícia
era justamente restringir o acesso dos pobres, chamados de squeegee men, aos
espaços públicos, para frear o medo das classes média e alta. Os recursos utilizados
para tanto consistiam na contratação de mais efetivo policial, a cobrança de
resultados estatísticos, a implementação de tecnologias para vigilância e registro da
ocorrência, além de punições mais severas como a pena de prisão perpétua para
quem tivesse três condenações criminais.391
Assim, o Brasil importa o movimento de lei e ordem que instituiu a perseguição
aos pobres, incentivou a criminalização primária, inflacionando o sistema penal de
leis repressoras criminais esparsas, causou o endurecimento das penas e restringiu
os direitos e as garantias do cidadão, colocando-se à venda através dos meios de
comunicação de massa, fazendo propaganda das medidas repressivas como único
remédio capaz de combater os males sociais.
Definida a estética delitiva, entram em ação os movimentos de Defesa Social
e o movimento de Lei e Ordem, que se somam ao modelo belicista, originado na
experiência dos governos autoritários, de gestão da Segurança Pública, e elege o
inimigo que deve ser eliminado.
390 WACQUANT, L. Prisões da miséria. Tradução de André Telles, Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001. p.30.
391 WACQUANT, L. Prisões da miséria. Tradução de André Telles, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
129
392 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
393 AGAMBEN, G. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. p.12.
394 AGAMBEN, G. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. p.49.
130
para sua neutralização e eliminação física, torna esse sujeito e seus espaços vitais
"vida nua", ou seja, torna-se uma vida matável, autorizando-se, assim, a intervenção
letal da polícia no controle desses inimigos.395
Aos cidadãos que praticam delitos de forma esporádica fica reservada a aplicação
do Direito Penal de garantias, que observa a formulação normativa moderna, respeitando
os postulados da legalidade e da jurisdicionalidade. Para estes, a punição teria a
função de restabelecer a confiança na lei. Para aqueles que costumam praticar delitos
de forma rotineira seria lícito retirar-lhe a condição de cidadão, excluindo-os do sistema
de privilégios jurídicos e desconsiderando-os como pessoa, tornando-se inimigos.
Para Jakobs e Meliá396, a condição de inimigo é uma realidade ontológica,
identificada mediante a análise da personalidade e a partir de um prognóstico de
periculosidade futura, de quem se comporta de forma insubordinada à lei, opondo-se
à sociedade ao desafiar seu sistema social. Os principais delitos que indicariam a
condição de inimigo seriam os crimes econômicos e o “crime organizado”, o que
inclui aqui o mercado das drogas, além dos crimes sexuais e o terrorismo, pois
atentam contra o Estado, ao passo que o cidadão tem a capacidade de preservar as
expectativas normativas porque não desafia o sistema social, pois não pratica delitos
contra o Estado.397
Essa concepção é pulverizada por todo o aparelho repressor penal e reduz a
possibilidade do direito de regular as violências públicas ou privadas desmedidas.
Esse discurso abre caminho para a justificação do terrorismo do Estado, já que o
objetivo do direito penal do inimigo não é aplicar a norma, mas eliminar um perigo. 398
395 AGAMBEN, G. Homo-sacer: o poder soberano e a vida-nua. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
396 JAKOBS, G.; MELIÁ, M. C. Derecho Penal del Enemigo. Madrid: Civitas, 2003.
397 CIRINO DOS SANTOS, J. O direito penal do inimigo: ou o discurso do direito penal desigual. In:
Liber Amicorum: homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes. Coimbra: Coimbra,
2009. p.541-555.
398 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
131
399 ZAFFARONI, E. R. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2007.
400 SCHMITT, C. O conceito do político. Tradução de Alvaro L. M. Valls. Rio de Janeiro: Vozes, 1992.
401 JAKOBS, G.; MELIÁ, M. C. Derecho Penal del Enemigo. Madrid: Civitas, 2003.
402 ZAFFARONI, E. R. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2007.
403 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
132
404 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.132.
405 KARAM, M. L. Violência, militarização e 'guerra às drogas'. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala
perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo,
2015. p.36-37.
406 KARAM, M. L. Violência, militarização e 'guerra às drogas'. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala
perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo, 2015.
133
407 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
408 KARAM, M. L. Violência, militarização e 'guerra às drogas'. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala
perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo, 2015.
409 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
410 CARVALHO, S. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei
11.343/2006. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
411 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
134
definição do termo droga não é uma definição descritiva, mas avaliativa, "é uma
senha que implica automaticamente uma proibição".412
No entanto, essa política proibicionista não fez com que o consumo da droga
diminuísse; pelo contrário, o número de usuários só tem crescido, o que fez o mercado se
expandir a ponto de se tornar um vultuoso negócio com trágicas consequências sociais.413
A droga se tornou responsável por todos os males, "é o bode expiatório por
excelência".414 A droga é uma questão econômica e política, mas tem sua face
oculta que a transforma num mito, e colocar a questão nesses termos permite que
sejam ignoradas as reais dimensões psicológicas e sociais, políticas e econômicas.
O mito da droga e a sua criminalização são utilizados como suporte para o
controle social dos jovens pobres não-brancos, através do poder do sistema penal
"positivo configurador", dirigido as classes baixas e pobres. Em outras palavras,
instituições de controle social têm a finalidade de intimidar essas pessoas mais
vulneráveis e o marco desse sistema é o genocídio de quem ontem era escravo e
hoje é uma massa marginalizada urbana.415
Vera Malaguti Batista416, em sua análise a respeito da criminalização da juventude
pobre no Rio de Janeiro envolvida com drogas, aponta que, quando são ricos e brancos,
os jovens são enquadrados na categoria usuário e o conflito se resolve na esfera
privada, abstendo-se o Estado de impor algum tipo de sanção, ou seja, quando se
trata de jovens brancos de classe média, aplica-se o paradigma médico, e não o
criminal. Somente a partir da década de 1980 é que a classe média aparece envolvida
nos processos sobre drogas.
De outro lado, quando são afrodescendentes, os jovens são detidos pelo Estado,
destacando-se o olhar seletivo, moral e periculosista das equipes multidisciplinares,
reprodutoras de um positivismo lombrosiano e de um darwinismo social. Esses
412 RUGGIERO, V. Crimes e mercados: ensaios de anticriminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
413 ARGÜELLO, K. S. C.; MURARO, M. Política criminal de drogas alternativa: para enfrentar a guerra às
drogas no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.113, p.317-356, mar./abr. 2015.
414 OLMO, R. A face oculta da droga. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p.22.
415 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
416 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
135
417 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
418 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
419 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
420 BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ed. Revan, 2003.
136
423 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Fundo Nacional de Segurança Pública. Disponível
em: <http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/senasp-1/fundo-nacional-de-
seguranca-publica>. Acesso em: 20 dez. 2017.
137
424 INSTITUTO CIDADANIA; FUNDAÇÃO DJALMA GUIMARÃES. Projeto Segurança Pública para o
Brasil. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/redebrasil/executivo/nacional/anexos/pnsp.pdf>.
Acesso em: 20 dez. 2017.
425 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Sistema
Único de Segurança Pública: 2003, 2004, 2005, 2006. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/
dados/relatorios/r_senasp/r_senasp_susp_2007.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017.
138
426 GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução
de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
427 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Curso Nacional
de Promotor de Polícia Comunitária da SENASP. Brasília: Ministério da Justiça, 2007. p.24.
139
Ou seja, o curso visa trazer uma outra visão para a polícia, por meio da filosofia
do policiamento comunitário, que tem como prioridade a relação estreita com a
comunidade, que deve ser ouvida e atendida em seus anseios e necessidades.
O conceito de polícia comunitária, segundo este curso, coloca em destaque,
ainda, a visão maniqueísta de bem e mal; a concepção de uma polícia para uma
sociedade democrática; a segurança como um bem maior em contraposição ao
medo do crime; questões levantadas de forma leviana e sem o mínimo de
criticidade, ainda que de início destaquem as possíveis causas dessa violência como
sendo uma sociedade desigual.428
Um tópico que procura desfazer equívocos sobre a concepção de polícia
comunitária chama a atenção e merece destaque:
428 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Curso Nacional
de Promotor de Polícia Comunitária da SENASP. Brasília: Ministério da Justiça, 2007.
429 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Curso Nacional
de Promotor de Polícia Comunitária da SENASP. Brasília: Ministério da Justiça, 2007. p.43.
140
430 CERQUEIRA, C. M. N. Polícia comunitária: uma nova visão de política de segurança pública. In:
O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
431 CERQUEIRA, C. M. N. Polícia comunitária: uma nova visão de política de segurança pública. In:
O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
141
432 CERQUEIRA, C. M. N. Polícia comunitária: uma nova visão de política de segurança pública. In:
O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
433 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
142
434 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2002. p.19.
435 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
436 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
437 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
438 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
143
lugares com grande trânsito de pedestres, como praças, shopping centers, corredores
de entretenimento e estações de transporte público.
A ronda a pé é bastante ressaltada no artigo de Wilson e Kelling, sobre as
janelas quebradas, sendo que essa forma de policiamento pode ser executada de
maneira autoritária e sem a responsabilização da comunidade local, e isso não se
conforma à visão do policiamento comunitário, ou pode ser realizada dentro dessa
visão se for orientada para atender aos anseios da comunidade.439
O terceiro requisito que seria da responsabilização da polícia é pensado como
uma forma de abrir caminhos para ouvir com simpatia a comunidade, o que é um
grande passo, já que essa abertura pode dar ensejo a críticas, supostamente injustas,
pois muitos policiais se veem como "autoridade" no assunto, mas, se o policiamento
quer gozar do apoio da população, deve estar aberto a ouvir críticas também. O modelo
de parceria é um importante componente para o policiamento comunitário, pois
enfatiza a necessidade de a polícia manter contato e saber a opinião do cidadão, para
que ele se envolva na prevenção do crime.440
E, por fim, o quarto e último requisito, da descentralização do comando, significa
que o comandante e seus subordinados devem ter liberdade de agir para encontrar
soluções específicas para os problemas de cada comunidade, de forma a atender às
particularidades de cada lugar. Assim, o policiamento comunitário, ou o policiamento
para solução de problemas, exige que os policiais desenvolvam a habilidade de
identificar os problemas sociais e encontrar soluções conjuntas para essas questões
que afetam a vida da comunidade.441
No entanto, esse projeto enfrenta muitas barreiras, como a descrença entre
os próprios policiais e a falta de apoio do público, pois o que se tem feito hoje é dar o
nome de policiamento comunitário a muitas experiências que, na verdade, são
apenas velhas práticas policiais.
439 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
440 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
441 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
144
443 CERQUEIRA, C. M. N. Polícia comunitária: uma nova visão de política de segurança pública. In:
O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
444 CERQUEIRA, C. M. N. Polícia comunitária: uma nova visão de política de segurança pública. In:
O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
145
445 GOVERNO DO RIO DE JANEIRO. UPP - Unidade de Política Pacificadora. Disponível em:
<http://www.upprj.com/>. Acesso em: 04 out. 2017.
446 KARAM, M. L. Violência, militarização e 'guerra às drogas'. In: KUCINSKI, B.; DUNKER, C. I. L. Bala
perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo, 2015.
146
448 MENEZES, P. V. Entre o "fogo cruzado" e o "campo minado": uma etnografia do processo de
"pacificação" de favelas cariocas. 2015. 432 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – de Estudos
Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
449 MENEZES, P. V. Entre o "fogo cruzado" e o "campo minado": uma etnografia do processo de
"pacificação" de favelas cariocas. 2015. 432 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – de Estudos
Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
147
450 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Curso
Nacional de Promotor de Polícia Comunitária da SENASP. Brasília: Ministério da Justiça, 2007.
451 TARDÁGUILA, C. Polícia, câmera, ação. Folha de S.Paulo, Piauí, ago. 2010. Disponível em:
<http://piaui.folha.uol.com.br/materia/policia-camera-acao/>. Acesso em: 21 dez. 2017.
452 TARDÁGUILA, Cristina. Polícia, câmera, ação. Folha de S.Paulo, Piauí, ago. 2010. Disponível
em: <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/policia-camera-acao/>. Acesso em: 21 dez. 2017.
148
453 MENEZES, P. V. Entre o "fogo cruzado" e o "campo minado": uma etnografia do processo de
"pacificação" de favelas cariocas. 2015. 432 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – de Estudos
Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
454 MENEZES, P. V. Entre o "fogo cruzado" e o "campo minado": uma etnografia do processo de
"pacificação" de favelas cariocas. 2015. 432 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – de Estudos
Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
455 MENEZES, P. V. Entre o "fogo cruzado" e o "campo minado": uma etnografia do processo de
"pacificação" de favelas cariocas. 2015. 432 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – de Estudos
Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
456 ALERJ aprova lei que subordina comando de UPPS a batalhões. Veja, 09 nov. 2017. Disponível em:
<https://vejario.abril.com.br/cidades/alerj-aprova-lei-que-subordina-comando-de-upps-a-batalhoes/>.
Acesso em: 06 dez. 2017.
149
com seu efetivo reduzido, saindo das áreas de risco. Segundo um policial ouvido pela
entrevista, a UPP "Já acabou. Só estamos aguardando a ordem para sairmos daqui".457
Essa lei também transforma o cargo de Coordenadoria de Polícia Comunitária
em um órgão de supervisão, no qual o comandante terá apenas o papel de orientar
e definir as áreas de risco, mas a implantação ou desativação de Unidade de Polícia
de Pacificação será agora decidida pelo Comandante Geral da PM, sendo afetado
diretamente o princípio da descentralização das decisões policiais, concepção
defendida pelo policiamento comunitário.
O Rio de Janeiro, no período de 2008 a 2017, implantou 38 UPPs. Conforme
mapa abaixo, é possível visualizar a localização das UPPs instaladas até 2013 frise-se
apenas em favelas, consideradas área de risco, e a maioria na zona sul da cidade:
457 OUCHANA, G. '(A UPP) Já acabou. Só estamos aguardando a ordem para sairmos daqui', diz policial.
Extra, 14 dez. 2017. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/rio/a-upp-ja-acabou-so-estamos-
aguardando-ordem-para-sairmos-daqui-diz-policial-22190205.html>. Acesso em: 22 dez. 2017.
150
458 GOVERNO DO RIO DE JANEIRO. UPP - Unidade de Política Pacificadora. Disponível em:
<http://www.upprj.com/>. Acesso em: 04 out. 2017.
459 BELTRAME, J. M. Todo dia é segunda-feira. Rio de Janeiro: Sextante, 2014. p.81.
460 VALENTE, J. L. UPPs: governo militarizado e a ideia de pacificação. Rio de Janeiro: Revan, 2016.
461 BELTRAME, J. M. Todo dia é segunda-feira. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
151
462 GRANJA, P. UPP: o novo dono da favela: cadê o Amarildo? Rio de Janeiro: Revan, 2015. p.24.
Como essa área foi objeto de ocupação, os primeiros barracos ali construídos
foram feitos pelos próprios moradores, que aproveitavam o período da noite e da
madrugada para a construção, especialmente na região de Nova Brasília e depois
no Morro do Alemão. Assim, os primeiros conflitos com a polícia eram travados em
face da ocupação daquelas terras. A polícia tinha o trabalho de derrubar os barracos
durante o dia e, segundo o relato do morador ouvido na pesquisa, eles não faziam nada
enquanto a polícia derrubava o barraco, mas esperavam a noite chegar para fazer um
novo barraco e colocavam uma família dentro para dificultar o trabalho da polícia. 464
Na década de 1980 e 1990 é que a cocaína entra no Complexo do Alemão e
que esse comércio se fortalece com a compra de armamentos. O China foi o primeiro
"chefe do tráfico" na região, morto e sucedido por Orlando Jogador, reconhecido
como quem teria expandido o comércio de drogas na cidade do Rio de Janeiro,
fazendo a ligação com as favelas da Zona Sul e colocando o Complexo do Alemão
como uma opção de entreposto para o Comando Vermelho. Orlando Jogador foi
traído por Uê, seu braço direito, mas ficou pouco tempo no comando, assumindo
Marcinho VP.465
Com a entrada da cocaína e o domínio desse comércio pelo Comando Vermelho,
as disputas com a polícia se tornaram cada vez mais violentas. Dois episódios que
antecedem a ocupação do Complexo do Alemão em 2010 chamam a atenção: as
chacinas de Nova Brasília, de 1994 e 1995, e a chacina do Pan, em 2007. Elas mostram
como era a relação entre a favela e a polícia nesse período dos anos 1990 e 2000.
O Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por ter
sido negligente e não ter investigado e responsabilizado criminalmente os executores
das chacinas de Nova Brasília, de 1994 e 1995, episódio no qual 26 pessoas foram
mortas pela violência policial. Segundo relatos, três adolescentes foram estupradas
e mortas pela polícia, além das demais mortes, durante uma incursão na favela de
Nova Brasília, pertencente ao Complexo do Alemão, mas tiveram suas mortes
466 CIDH apresenta caso sobre o Brasil à Corte IDH. OEA, 12 jun. de 2015. Disponível em:
<http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2015/069.asp>. Acesso em: 22 dez. 2017; CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil. Disponível
em:
<http://www.itamaraty.gov.br/images/Banco_de_imagens/RESUMEN_OFICIAL_PORTUGUES.pdf
. Acesso em: 22 dez. 2017.
467 Esse número é variável, dependendo da fonte utilizada.
468 COMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO. Olimpíada Rio 2016, os
jogos da exclusão. Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro – Dossiê do
Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, nov. 2015. Disponível em:
<http://www.childrenwin.org/wp-content/uploads/2015/12/Dossie-Comit%C3%AA-
Rio2015_low.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016.
469 ALVARENGA FILHO, J. R. A "Chacina do Pan" e a produção de vidas descartáveis. Fractal:
Revista de Psicologia, v.28, n.1, p.112, jan./abr. 2016.
154
com o Complexo do Alemão. A Vila Cruzeiro sofreu uma grande intervenção, motivada
supostamente pelos ataques do "crime organizado", tendo em vista que a implantação
das UPPs nas favelas da Zona Sul deslocou os traficantes para a região do Complexo
do Alemão, por ser vinculada também ao Comando Vermelho, o que acabou motivando,
uma semana depois, a ocupação do Complexo do Alemão e a instalação de uma UPP,
que não estava prevista no planejamento originário da Secretaria de Segurança Pública.470
Destaca-se a grande repercussão dessa operação, transmitida pela Rede Globo,
canal de televisão que tem a hegemonia dos meios de comunicação da massa. A rede
Globo divulgava, em cadeia nacional e com inserções ao vivo durante a programação,
como ocorreu a ocupação da região, mostrando principalmente a imagem do helicóptero
da polícia sobrevoando a Serra da Misericórdia por onde várias pessoas corriam,
rotulados como traficantes, e do helicóptero a polícia efetuava diversos disparos de
fuzil, atingindo alguns dos que passavam por ali.471
Por conta da ampla cobertura midiática, outros estados se viram motivados a
também aderir a esse programa, o que aconteceu no caso de Curitiba. Durante este
período eu estava realizando minha pesquisa de mestrado e pude acompanhar
pelas mídias as informações que chegavam em Curitiba. Essa foi a razão da escolha
do local para a pesquisa.
Segundo o site oficial do governo do estado do Rio de Janeiro, a UPP do
Complexo do Alemão representou
470 BARREIRA, M.; BOTELHO, M. L. O exército nas ruas: da operação Rio à ocupação do complexo
do Alemão: notas para uma reconstituição da exceção urbana. In: BRITO, F.; OLIVEIRA, P. R.
(Orgs.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo:
Boitempo, 2013.
471 TRAFICANTES em fuga Complexo Alemão. Rede Globo, 06 jul 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ttomN4__bTQ>. Acesso em: 99 out. 2017.
472 GOVERNO DO RIO DE JANEIRO. UPP - Unidade de Política Pacificadora. UPP Alemão: dados
sobre a implantação. Disponível em: <http://www.upprj.com/index.php/informacao/informacao-
selecionado/ficha-tecnica-upp-alemaeo/Alem%C3%A3o>. Acesso em: 09 out. 2017.
155
473 GRANJA, P. UPP: o novo dono da favela: cadê o Amarildo? Rio de Janeiro: Revan, 2015. p.14-20.
475 MORADOR vive em campo de guerra no Complexo do Alemão. O Dia, 26 mar. 2017. Disponível em:
<http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-03-26/morador-vive-em-campo-de-guerra-no-complexo-
do-alemao.html>. Acesso em: 99 out. 2017.
156
escola com várias marcas de tiro que são recobertas com adesivos de borboletas e
corações para tentar diminuir o medo diário que afeta, inclusive, as crianças.476
Motivada por essa situação, buscou-se realizar a pesquisa no Complexo
do Alemão, no ano de 2016, focando na perspectiva dos moradores em relação a
essa política.
476 COMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO. Olimpíada Rio 2016, os
jogos da exclusão. Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro – Dossiê do
Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, nov. 2015. Disponível em:
<http://www.childrenwin.org/wp-content/uploads/2015/12/Dossie-Comit%C3%AA-Rio2015_low.pdf>.
Acesso em: 20 out. 2016.
157
3.3.1 A favela
A primeira informante começou a contar que morava ali desde pequena, que
sua família ainda mora ali, tio, tias e primos, embora seus pais tenham se mudado
há cerca de um ano por causa da exigência da legalização da Kombi de transporte,
que iniciou no governo Paes, pois seu pai trabalha com isso. No Rio de Janeiro, as
UPPs impuseram o controle sobre o transporte no morro, como Kombis e mototáxis,
que acabaram sendo proibidos, em alguns lugares, sob a justificativa de serem
ilegais477, exigindo para que continuassem a funcionar registros e autorizações
legais o que implica no pagamento mensal de impostos.
A primeira informante disse que seus pais vieram morar ali quando ainda
tinham vacas e cavalos, com poucas construções.Também contou que são muitas
comunidades dentro do Alemão, com mais de 300 mil pessoas, e não é possível
conhecer tudo, porque é muito grande.
477 GRANJA, P. UPP: o novo dono da favela: cadê o Amarildo? Rio de Janeiro: Revan, 2015.
158
3.3.2 O Movimento478
478 O “movimento” refere-se aos comérciantes varejista de substâncias ilícitas nas favelas.
479 Pilha de pneus em que a pessoa é colocada dentro, jogam combustível e ateiam fogo.
160
A instalação da UPP foi em 2010 e, durante um certo tempo, até esse ano,
não se viam na parte de baixo de Nova Brasília traficantes armados, havendo uma
restrição na sua circulação pela favela. Nesse espaço existem quatro UPPs e uma
central de inteligência, que fica na parte de baixo, que coordena as UPPs.
A parte de cima do Complexo é mais pobre e tem mais violência, mais troca
de tiros, mas o local mais violento é na entrada da Grota, na parte de baixo, onde
acontecem diversos conflitos armados pois é onde há resistência do movimento à
circulação da polícia.
Depois da UPP não existe mais baile funk, e outras festas acabam sendo
reprimidas também, porque as pessoas fazem churrasco na rua, festa de aniversário,
e a polícia manda parar quando está passando. Ou seja, a promessa da polícia
comunitária de controle das incivilidades e desordens urbanas proíbe a realização
dos bailes funk, desde a perseguição aos proibidões a partir dos anos 2000, que se
estendeu a festas de aniversários e outras comemorações, restringindo quanquer
atividade de lazer e cultura da favela.
Segundo a primeira informante, com a redução do tráfico, muitos comércios
fecharam, justamente porque diminuiu a circulação de dinheiro na favela. Numa rua
próxima do local onde estávamos, algumas lojas foram demolidas pelo "choque de
ordem", que também reprime mototáxi, barraca de frutas, festa junina... Alguns
moradores voltaram a ocupar essas lojas ou montaram uma espécie de camelô em
frente a sua antiga loja; outros estão colocando até a porta de metal para fechar.
Milton Santos, falando sobre o setor informal da economia, afirma que eles
teriam a função de difundir o modelo capitalista para os pobres através do consumo,
ao mesmo tempo em que absorvem para o circuito superior (setor formal) a poupança e
a mais-valia desses, através da máquina financeira. Os canais para essa transmissão
161
480 SANTOS, M. Pobreza urbana. 3.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013. p.71.
481 GRANJA, P. UPP: o novo dono da favela: cadê o Amarildo? Rio de Janeiro: Revan, 2015.
482 VALENTE, J. L. UPPs: governo militarizado e a ideia de pacificação. Rio de Janeiro: Revan, 2016.
162
social de que todo favelado é “bandido” e deve ser neutralizado. Como retrato dessa
situação, conta a primeira informante que, uma vez, seu irmão, indo para casa,
encontrou com os policiais em perseguição e estes disseram que era para ele subir
gritando "morador... morador...", para não ser alvejado pela polícia. Ela disse ainda: "a
polícia mata por cagada", pois "encontra a pessoa e atira sem saber muitas vezes se
ela é bandido ou não", como se a polícia tivesse autorização para matar "bandido".
Desse jeito a polícia matou o primo dela. Não foi em confronto. Segundo ela, ele não
reagiu, embora estivesse armado.
Esse relato ainda demonstra o uso da violência por parte das forças policiais
vinculadas à UPP que, como já dito, nada têm de pacíficas ou comunitárias.
As pessoas da favela não se sentem donas de seu próprio espaço, pois antes
era o movimento quem controlava sua liberdade de ir e vir, agora é a polícia. Em
nenhum momento os moradores foram chamados para conversar, para dar a sua
opinião, e por isso não se sentem proprietários e não podem agir de forma livre.
Andando pelas ruas, eles foram me mostrando onde tinha uma vala por onde
escorria esgoto e hoje tem asfalto, até chegarmos à quadra de esportes. Devia ter
cerca de umas 300 a 400 pessoas no local, a maioria jovens. Bem perto da quadra
passamos por várias pessoas portando arma de fogo, inclusive uma que me chamou
a atenção era um fuzil prateado, mas as pessoas agiam com normalidade, com
exceção de quem estava comigo. Percebi que eles estavam com muito medo e receio
por ter encontrado com essas pessoas armadas. Segundo a primeira informante e
seus amigos, há muito tempo não viam o pessoal ali embaixo armados. Alguns deles
não queriam estar ali, outros estavam curtindo e queriam ficar mais.
Uma das amigas da primeira informante depois me contou que chegou para
um dos que ostentavam arma e falou para ele esconder um pouco a arma por minha
causa. Percebi que muitos ali estavam armados. Segundo a primeira informante, o
baile das antigas tinha muito mais gente e mais caixa de som. Eu não conseguia
ouvir a música que estava tocando. Muitos estavam fumando maconha ou cheirando
lança perfume. Ficamos ali cerca de uns 20 minutos e paramos um pouco para
163
483 INSTITUTO RAÍZES EM MOVIMENTO. Complexo do Alemão: missão. Facebook. Disponível em:
<https://www.facebook.com/pg/raizesemmovimento/about/?ref=page_internal>. Acesso em: 14
out. 2017.
484 INSTITUTO RAÍZES EM MOVIMENTO. Complexo do Alemão: história. Facebook. Disponível em:
<https://www.facebook.com/pg/raizesemmovimento/about/?ref=page_internal>. Acesso em: 14
out. 2017.
165
485 O livro com esse trabalho foi lançado recentemente, no dia 09 de dezembro de 2017, durante um
evento organizado por eles, que é o Circulando, e que está discutindo "rolebilidade" urbana. O título do
livro é "Complexo do Alemão: uma bibliografia comentada".
166
ser um lugar muito perigoso, o mototaxista me disse que eu podia tirar o capacete.
Sem entender o porquê e pensando que seria melhor para a minha segurança, fiz o
que ele recomendou, retirei o capacete e ficamos andando mais uns minutos até
chegarmos ao lugar do evento. Ele contou que morava por ali. Eu perguntei se tinha
polícia por lá e ele disse que não, que estava tranquilo.
Para a realização de eventos como esse é preciso pegar da polícia o "nada a
opor". Para isso é necessário encaminhar um ofício para a UPP, informando a data e
o local do evento e a polícia assinar o "nada opor", liberando a sua realização.
Várias mulheres foram convidadas a falar, como dinamizadoras, sobre a sua
experiência como mulheres moradoras do CPX486 e pesquisadoras. Dentre vários
assuntos que foram abordados, com ênfase no feminismo e no lugar do feminino na
sociedade e na favela, uma questão levantada chama muito atenção e tem conexão
com a temática aqui exposta, que foi uma fala do Sergio Cabral, logo no início do
seu mandato como governador do Rio de Janeiro, em apoio à legalização do aborto,
já que o corpo feminino favelado seria uma "fábrica de produzir marginal", pois
acredita que essa seria uma medida para reduzir a violência. Apenas para ilustrar,
segue o trecho da entrevista citada:
Nesse evento, uma das dinamizadoras fez menção a essa fala para contextualizar
a disputa sobre os corpos afrodescendentes e favelados, afirmando que as mulheres
da favela são por isso ameaçadas, ou seja, têm o seu corpo e a sua sexualidade
487 FREIRE, A. Cabral defende aborto contra violência no Rio de Janeiro. Globo, 24 out. 2007. Disponível
em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL155710-5601,00-CABRAL+DEFENDE+
ABORTO+CONTRA+VIOLENCIA+NO+RIO+DE+JANEIRO.html. Acesso em: 14 out. 2017.
168
No segundo dia em que estava no instituto, fui dar uma caminhada com o
segundo informante para conhecer o Morro do Alemão, uma das favelas do
Complexo. Fomos até o alto do morro, onde fica o teleférico e, ao lado do teleférico,
a sede da UPP do Alemão.
170
De frente para esse lugar fica a sede de uma outra UPP, ao lado do teleférico,
o que se pode ver na foto a seguir:
O segundo informante foi me explicando que aquela rua pela qual estávamos
caminhando foi aberta com as obras do PAC, antes disso não passava carro por ali.
Nesse período o governo veio até a comunidade dizendo que queria ouvi-la, mas, no
final das contas, só ouviu, não fez nada do que foi solicitado e acabou construindo o
teleférico, informação que foi confirmada pela terceira informante.
A comunidade tinha outras necessidades, como a construção de casas para
alguns moradores muito pobres e que ainda moravam em casas de barro e serragem,
171
TELEFÉRICO:
Imagens do Descaso!
#ESTAÇÃOdoADEUS.
Está semana estivemos fazendo imagens ~de celular~ em algumas das
estações de teleférico do Complexo do Alemão, que está há quase um ano
parado!
Em poucos dias, a estrutura fará 6 anos de existência e as imagens
mostram um pouco do descaso com o dinheiro público que foi gasto com
essa obra milionária.
Lonas gigantes despencando, portas caindo, peças caríssimas abandonadas a
sol e chuva e dai para pior!
Você pagou, E seu dinheiro virou isso: 488
488 COLETIVO PAPO RETO. Postagem no Facebook, 22 jun. 2017. Disponível em:
<https://www.facebook.com/ColetivoPapoReto/>. Acesso em: 17 dez. 2017..
173
Perguntei qual era a sua primeira lembrança da polícia e ele falou que tinha a
vadiagem e, para não ser pego por isso, tinha que ter assinatura na carteira. Se
fosse pego mais de uma vez, ficava preso por três meses porque era vadio. Por isso,
quem era maior tinha que trabalhar, enquanto que o menor tinha a carteirinha verde
de trabalho, depois ficava por conta do exército.
A capoeira também era crime, mas era a malandragem que usava para brigar
com os outros. Tinha até um toque no berimbau que avisava da polícia, então faziam
a roda de capoeira que era utilizada como luta, como defesa, não era como é hoje.
Antigamente, não tinha tráfico e não tinha ladrão, porque os moradores se
reuniam e matavam, se matava na faca, era a chamada "polícia mineira". À noite alguns
moradores ficavam rondando a favela para fazer a segurança. "Não tinha roubo aqui,
os caras vinham fumar maconha aqui e não podiam, não é como hoje". Antigamente
também não tinha facção, o que tinha era muito ladrão, "os caras roubavam o carro
lá em baixo, roubavam lá fora e traziam pra cá". O tráfico só vendia maconha, mas
não era um comércio forte, não tinha pó, "aí depois começou uma guerra". O primeiro
chefe do tráfico foi o Carlinhos da Pedrina, ele era jogador de futebol e a sua mãe
era parteira. Quando ele saiu é que começou a briga, aí ficou o Cabeça.
Sobre esse tema ainda conversei com o quinto informante, que mora no
morro desde que nasceu, ou seja, há 65 anos. Seu pai veio de Minas Gerais e sua
mãe de Recife. Hoje ele exerce a função de pastor.
Quando começamos a conversar sobre a polícia, ele disse que "polícia é
autoridade", mas hoje já não é bem assim, especialmente pelo que acontece no morro.
"Era aquele tipo de autoridade que fazia, sim, ser respeitada, porque respeitava.
Então você respeitava porque ela também respeitava". Acredita que não havia tanta
criminalização por essa forma de tratamento entre as pessoas e a polícia. Não havia
tanta bandidagem, embora sempre terem existido os fora da lei, como o Maturi – o
nome dele era Alencar e ele era “bandido”. Na verdade, essa nomenclatura, “bandido”,
não era utilizada antigamente, mas vagabundo sempre existiu: aquele cara que não
gostava de fazer nada, tinha a vida no bar, tinha a feira da semana "atrás do outro" e
vivia assim.
Mesmo na passagem da sua infância para a adolescência, o quinto informante
lembra que, para conseguir um revólver calibre 32 ou 22, era um absurdo. Todo
mundo entrava em pânico, mas realmente não tinha.
175
Também não existia droga, entre aspas, porque havia a droga e haviam os
viciados, mas era mais um hábito. A maconha, por exemplo, era mais um hábito
daquelas pessoas que usavam, mas era uma coisa restrita, tinha seus lugares para
usar, a pessoa não usava liberalmente como hoje em dia se faz. As pessoas se
escondiam para usar as drogas.
Depois de um certo tempo, depois dos anos 70 é que começou essa questão
das drogas em grande escala, de disputa de poder pelo rendimento que a droga
oferece, "e de lá pra cá as coisas só pioraram, só pioraram", pois cada vez tem mais
drogas, mais viciados, mais medo, mais armas para cada um defender os seus
territórios e, consequentemente, cada vez mais criminalização e mais corruptos,
desabafa o quinto informante.
No passado, tinha a Invernada de Olaria, que era como se fosse uma delegacia
de polícia, tinha uma proteção um pouco maior, mas não chegava a ser um batalhão.
Essa delegacia de polícia era respeitada e dava conta de prover a segurança dos
moradores, porque só a presença dos policiais circulando pela área já impunha respeito.
Eles costumavam circular, andar. Não era sempre, mas também faziam incursões,
o que já não era tão comum. A polícia vinha de vez em quando, vinha uma vez por
mês, mais ou menos, às vezes uma vez por semana. "Quase não dava pra prender
ninguém", segundo o quinto informante, porque quem usava drogas, por exemplo, fazia
isso no reservado, dentro de casa. "Era a sua casa, não tem problema, ninguém vai
invadir a tua casa, isso diz respeito a você, ali você pode fazer o que quiser". Se
essa ronda passasse, normalmente com dois ou três policiais, no máximo quatro, e
se nessa passagem sentissem cheiro de alguma coisa, eles averiguariam, e se
encontrassem podiam até levar para a delegacia, "mas ele não levava como se
fosse um bandido, um criminoso, ele levava como se fosse um viciado, um fora da
lei", ou seja, não havia a criminalização.
Foi a partir dos anos 70 que começou, segundo o quinto informante, porque a
população aumentou, aumentou o número de viciados, aumentou o consumo, aumentou
a renda e aumentou a cobiça, "aí começou um querer roubar o ponto do outro,
começou um matar o outro pra tomar a posse daquele ponto".
O Comando Vermelho se instalou ali quase nos anos 80, antigamente não
havia facções. Foi com o Orlando Jogador, "quando ele assumiu aqui no beco que
começou". Quando o Orlando Jogador chefiava o morro, ele não deixava ter troca de
176
tiros, mas, depois que ele foi preso em Bangu e morto, os "bandidos" passaram a
atacar a polícia.
Na visão do quinto informante, com a pressão desses comandos, dessas
organizações, para definir seu espaço, é que aumentou a criminalização e, talvez
por isso, também tenha tido a necessidade de adotar um contingente policial para
dar conta da demanda, pois eram muitos espaços dominados pela contravenção e
poucos policiais para dar conta de tudo.
Importante notar que a noção de que a polícia precisou aumentar o seu
contingente estaria diretamente ligado ao aumento do comércio de substâncias
entorpecentes e da entrada dessa economia como atividade lucrativa da favela.
Eu posso até dizer que melhorou entre aspas, melhorou, por quê? Eu já não
vejo tanto, hoje, igual antes teve muito, mas eu não vejo tanto hoje, tanta
morte, né, tanta morte como eu via, né, eu já vi espalhado pela comunidade
afora aí, já vi dez corpos espalhado pela comunidade, ali onde é o teleférico
ali, esqueci o nome dela, praça da morte, aí parece que o tráfico que fazia o
local de morte por ali, sem ter que ir ali. (Quinto informante)
hbs: Mesmo no período do auge das UPPs, tinha muito problema aqui,
não é?!
ABP: Sempre houve problema. Não havia problema no restante da cidade.
O restante da cidade se sentia seguro com uma imagem de que as
favelas, os pobres, estavam controlados. Nunca foi uma política
pública para promover segurança para os favelados, e sim para
promover a sensação de segurança para determinadas partes da
cidade. Isso pra nós sempre foi uma leitura muito clara. Se as pessoas e os
próprios estudiosos atentarem para as políticas de segurança que tivemos
no Rio de Janeiro desde 1982, com [o então governador Leonel] Brizola, a
UPP não tem nada de novidade. Nada. Já teve vários momentos: a polícia
da paz, a polícia de faroeste do Marcelo Allencar, a política do GPAE do
[Anthony] Garotinho. O GPAE era muito parecido com as UPPs. A questão
é que nunca se mexe com a estrutura, os equipamentos. Então se cria uma
teoria que na prática não se realiza. E isso está acontecendo em todos os
lugares. Pelo menos no início tinha comando. Hoje nem isso tem mais. Hoje
179
489 UCHOAS, L. Raízes: a resistência no Alemão em forma de cultura. Heinrich Böll Brasil, 23 jun.
2017. Disponível em: <http://br.boell.org/pt-br/2017/06/23/raizes-resistencia-no-alemao-em-forma-
de-cultura>. Acesso em: 16 out. 2017. (Grifou-se).
Hoje a gente não sabe quando a polícia está entrando naquele beco, porque
não tem mais fogueteiro, o tráfico pagava para eles soltarem fogos para
avisar que tinha polícia no morro, hoje eles entram na Grota e os bandidos
já estão dando tiro, e ali tem muita gente, é uma avenida principal onde tem
bastante gente circulando, as vezes não dá nem tempo. (Terceira informante)
491 MENDES, D. Vocês não sabem nada sobre paz. Projeto Colabora, 29 out. 2017. Disponível em:
<https://projetocolabora.com.br/cidadania/voces-nao-sabem-nada-sobre-paz/>. Acesso em: 30
out. 2017.
181
polícia e ela me disse que não tem acordo. Se a polícia entrar, os “bandidos” metem
tiro neles, deixam a polícia encurralada se eles passam de determinado ponto, é
muito tiro.
Aí bandido mete tiro neles, eles metem tiro no bandido, tiro, tiro, tiro, aí que
que acontece? Morador, só pega morador, criança, já aconteceu muito de
ter tiroteio e pegar morador. (Terceira informante)
Como disse o segundo informante, não existe bala perdida, pois ela "sempre
encontra alguém". Por esse motivo, a terceira informante relata que gostaria de sair
do morro porque já está cheia desse negócio de tiroteio. Fica pensando nas pessoas
que estão na rua, na sua mãe que mora na Grota, por exemplo (ela tem 78 anos).
Esse medo é constante nos moradores, é difícil morar ali. Existem pessoas
que falam que moram porque gostam, mas a terceira informante diz que não gosta.
Onde ela mora hoje não é no morro, não é em cima da favela, mas também tem tiro.
Seu carro, parado na frente do prédio, foi atingido por um tiro:
Botaram uma boca de fumo lá perto e a polícia chegou atirando e não pegou
nenhum traficante, minha vizinha se jogou no chão com a criança e meu carro
ficou com o retrovisor furado, e ficou por isso mesmo. (Terceira informante)
Interessante a visão que ela tem, de que sofre com esse conflito entre a polícia e
os comerciantes de drogas. Segunda ela, a polícia não vai acabar com o tráfico porque
não tem como, deve ter peixe grande envolvido, e "os garotos aí são os buchas né,
coitados, eles estão aí para morrer". Recentemente um rapaz de 14 anos, perto da
casa da sua vizinha, em Olaria, morreu. A vizinha mandou a foto do menino, que
parecia uma criança. 14 anos é uma criança, o governo oferece cursos, "eu não sei
porque os jovens se envolvem com o tráfico". Antigamente eram mais velhos e
agora são muito jovens. E hoje é como se fosse uma aventura, "querem ficar com a
arma na mão e não sabem fazer nada com uma arma na mão e morrem".
182
Ainda que não perceba a falta de oportunidade que muitos tem, uma oportunidade
de inserção na economia informal-ilícita que é oferecida pelo movimento, a moradora
percebe que esses meninos que trabalham no comércio varejista de drogas são
“buchas”, colocados como escudo dessas disputas territoriais e de poder, destinados
à pena de morte, ao controle necropolítico estatal.
O quarto informante afirma que, quando a polícia entrou, começaram os tiros
com mais frequência. "A polícia tomou conta disso aqui, a polícia veio para a favela e
o bandido recuou, depois veio chegando um de cada vez e tá tudo aí". Segundo ele,
Hoje piorou, morre gente inocente, é uma barulhada, parece até o Vietnã, é
guerra mesmo, tinha que ficar num canto esperando acabar, a polícia vem,
não quer saber se está passando na frente, se vai atingir o morador, fura o
transformador, ali em baixo ficou no escuro, piorou sim, virou uma merda, os
caras não saem e o Estado também não sai... (Quarto informante)
trabalho. Um carro e uma van fecharam a passagem dele e o mataram com tiros na
cabeça, e não precisavam fazer isso, já que o policial não estava armado.
Esse relato demonstra como o discurso ambivalente dessa política é também
reproduzido pelos próprios moradores, que mesmo acuados, mesmo tendo seus direitos
constantemente violados, denigrem a imagem dos direitos humanos reproduzindo o
senso comum de que os direitos humanos só pretegem “bandidos”, o que é
constantemente reforçado pelas mídias de massa e pela própria corporação policial.
Assim, percebe-se que o controle não é só físico, mas também ideológico, da imagem
do direito à segurança e não da segurança dos direitos.
Nesse mesmo dia, indo para casa, no ponto de ônibus, ouvi uma conversa entre
uma moradora e um vendedor ambulante. O vendedor estava falando que a polícia
também sofre, que tinha três parentes que eram polícia e um morreu assassinado
jogando bola. Era polícia militar e, no meio do jogo, na favela, souberam que ele era
polícia e o executaram. Outro parente era segurança e estava estudando para ser
polícia. Ao ser abordado, como tinha a carteira do curso, foi morto no ônibus. O vendedor
destacou que tem policial bom, mas que eles acabam saindo por causa dos corruptos,
com o que a mulher no ponto concordou, mas afirmou que tem muita polícia que é
má. Um primo de Manaus do vendedor, que é policial, teve que ajudar na ocupação
do Complexo da Maré, mas depois disso saiu da polícia porque não aguentava mais
ver tantos absurdos.
Essa opinião demonstra que o vendedor, de alguma forma, enxerga a polícia
como semelhante, que também é vítima dessa necropolítica. Como afirma Zaffaroni
e Nilo Batista492, a polícia é selecionada dos mesmos estratos sociais que os alvos
da política repressiva, o que vai ser chamado de seleção policizantes, e ela também
é vítima dessa política, conforme destado pelo vendedor.
A mulher comentou que, naquele exato momento, estava cheio de polícia "lá
dentro" e criticou perguntando "por que que a polícia tem que entrar nessa hora",
entre 17h e 18h? Esse horário é que as crianças estão saindo da escola e o vendedor
concluiu que a polícia faz as crianças e os moradores de escudo.
492 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
184
Vou pedir a DEUS força pra essa MÃEZINHA. Não tenho mais condições de
continuar a escrever pois a dor me assola.
#Vanessapresente.493
Mais do que isso, os moradores tentam ser fortes e solidários uns com os
outros para suportar essa realidade:
Percebi, voltando para a Zona Sul, onde estava hospedada, que lá também há
muitos policiais, um em cada esquina. Tive essa reflexão porque, ao descer do metrô,
deparei-me com a polícia ostentando suas armas, o que me causou desconforto e
me fez refletir sobre a cidade do Rio de Janeiro ser uma cidade militarizada e em
estado de guerra, porque as forças policiais estão em todos os lugares, mas claramente
com objetivos diferentes. Enquanto na favela qualquer um é "bandido" e potencial
alvo, na zona sul, a polícia serve aos brancos, classe média e alta, privilegiados, que
não têm medo da polícia, pois eles estão ali para agir contra os "bandidos", que são
aqueles que vêm da favela.
Mas, claro, é diferente e quem não vive na favela e quem não é afrodescendente
não sabe como é viver dessa forma:
Quando alguém que NÃO MORA NA FAVELA diz que o MESMO MEDO DE
QUEM VIVE NA FAVELA TAMBÉM É VIVENCIADO POR QUEM MORA
FORA...
Medo DENTRO E FORA DA FAVELA SÃO IGUAIS???? Cidadão de BEM
tem medo de ser assaltado? Estudar é de GRAÇA??
Vamos lá! Os policiais INVADEM CASAS E CHAMAM MORADORXS DE
BANDIDOS. Acontece isso FORA DA FAVELA?
493 COLETIVO PAPO RETO. Postagem no Facebook, 04 jul. 2017 Disponível em:
<https://www.facebook.com/ColetivoPapoReto/>. Acesso em: 17 dez. 2017.
496 BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p.32.
187
que tem medo de sair quando está chovendo, porque tem que sair de guarda-chuva e
quando volta e parou de chover, pode encontrar a polícia no beco e ela confundir o
guarda-chuva com uma arma.
O quinto informante relata que
Esse tipo de atitude da polícia faz com que muitos tenham esse conceito de
que "a polícia é mais bandido do que bandido, o conceito geral aqui é esse, que
polícia é mais bandido do que bandido, é quase unanimidade esse conceito aqui em
cima", relata o quinto informante. Essa concepção passou a existir depois da entrada
188
Esse comandante do bonde dos carecas deu um tiro com bala de borracha
em um Repórter do Coletivo Papo Reto, enquanto ele cobria a remoção na favelinha
da Skol.498 Lembro que tive a oportunidade de conversar pessoalmente com esse
repórter em uma das edições do "Vamos Desenrolar". Ele me explicou que utiliza um
497 UCHOAS, L. Raízes: a resistência no Alemão em forma de cultura. Heinrich Böll Brasil, 23 jun.
2017. Disponível em: <http://br.boell.org/pt-br/2017/06/23/raizes-resistencia-no-alemao-em-forma-
de-cultura>. Acesso em: 16 out. 2017.
498 Mais informações: LONGAIGH, C. N. Moradores da Favela da Skol sofrem remoção violenta pela
UPP no Complexo do Alemão. Racismo Ambiental, 10 out. 2016. Disponível em:
<http://racismoambiental.net.br/2016/10/10/moradores-da-favela-da-skol-sofrem-remocao-
violenta-pela-upp-no-complexo-do-alemao/>. Acesso em: 16 out. 2017; e O GLOBO. Policiais
militares agridem jovem no Alemão, durante remoção da Favelinha da Skol. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/rio/policiais-militares-agridem-jovem-no-alemao-durante-remocao-da-
favelinha-da-skol-20214918>. Acesso em: 16 out. 2017.
189
aplicativo de telefone que ativa a câmera, mas deixa a tela desligada para filmar a
ação policial de forma disfarçada. Durante a ocupação da favela da Skol, ele levou um
tiro de bala de borracha porque o policial o reconheceu como sendo jornalista. O vídeo
publicado no YouTube desse episódio mostra que o tiro foi dado propositalmente.499
Essas falas reforçam a noção de como os moradores de favela se sentem,
sempre rotulados como “bandidos”, retratado pelo estereótipo do homem, jovem,
favelado e negro. Essa figura é o alvo principal da polícia, rotulados como inimigos.
Percebe-se que essa noção é compartilhada pelos agentes policiais, que reproduzem
esse controle social ainda que tenha havido um desmonte na política das UPPs,
afastando-se o comando. Essa tática incentiva a formação dos esquadrões da morte500,
dos bondes da barbárie, muito utilizados durante o período da ditadura militar.
Em uma dessas conversas sobre a pacificação, o fotógrafo me disse que a
pacificação não aconteceu, o que aconteceu foi ocupação. Perguntei a ele sobre a
história de que, quando o "caveirão" entrava na favela, ele falava "vim buscar a sua
alma", e ele confirmou. Segundo ele, "teve uma vez que o caveirão tocou funk e a
galera foi chegando achando que era baile e eles começaram a atirar". Hoje isso não
acontece mais, depois da entrada da UPP.
Seja preto ou branco, o caveirão continua trazendo o conflito para a favela.
Daiene Mendes foi convidada a escrever para o jornal The Guardian sobre a favela
e, em um de seus textos, ela relata uma noite de horror:
Há algumas semanas, eu estava dormindo até que ouvi muitos disparos. Parecia
ser bem perto, mas o sono não me deixou perceber que estava em perigo.
Sonolenta e enrolada no lençol, eu me deitei no chão. Olhando pela janela,
consegui ver um carro branco, bem grande, desses que parece transportar
dinheiro. Eram 2am, deitada no chão, meu telefone toca, é uma amiga em
desespero me avisando que um tiroteio estava acontecendo bem na minha porta.
O que eu via pela janela era um carro blindado da polícia militar. Usualmente
preto e todo morador de favela conhece bem. O caveirão na favela representa
tiroteio. O carro blindado utilizado pela PM protege os policiais que – de
dentro dele – realizam disparos com seus fuzis, mas o que separa a minha casa,
499 CARLOS Coutinho, jornalista do Coletivo Papo Reto, atingido por bala de borracha. The Intercept
Brasil, 1.o out. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rGO3vpkAtbs>. Acesso
em: 18 out. 2017.
500 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
190
Olhando para essas falas, elas comprovam a visão da primeira informante, de que
não existe relação entre a polícia e o morador, não há nem o mínimo diálogo do bom dia,
boa noite, e não parece ter havido esforços nesse sentido. Além disso, a polícia,
quando entra na favela, é com o caveirão. Com essas falas foi possível perceber
como o morador enxerga a polícia, que é uma visão bastante negativa, de alguém
que age com violência e sem respeito algum, e que existe um grande temor de
encontrar a polícia ou o caveirão num beco e tomar um tiro. O morador se sente alvo
dessa política de massacre a conta gotas.
Sobre a corrupção, o quinto informante acredita que hoje isso não acontece
mais, não abertamente, pelo menos, mas acredita que não existe "por causa dessa
resistência né, que a comunidade tem com relação à presença deles aqui".
Uma recente manifestação dos mototaxistas, que protestaram contra as
cobranças de "arrego" por parte da polícia da UPP, que estava cobrando R$ 20,00
por semana de cada mototaxista, mostra essa resistência do favelado com a corrupção
policial. "Segundo eles, quem não paga o famoso 'café' é ameaçado com multa ou
tem sua motocicleta apreendida".502
No entanto, esse protesto sofreu retaliações. A polícia baleou um mototaxista
que foi acusado de entrar em confronto, mas prontamente os familiares da vítima
pediram ajuda ao Coletivo Papo Reto, que postou a seguinte mensagem:
501 MENDES, D. A visão das favelas: 'O legado para Rio deveria ser paz, mas estamos em guerra'.
The Guardian, 19 ago. 2017. Disponível em: <https://www.theguardian.com/global-
development/2017/aug/19/a-visao-das-favelas-rio-de-janeiro-olimpicos-o-legado-para-rio-deveria-
ser-paz-mas-estamos-em-guerra>. Acesso em: 20 ago. 2017.
502 COLETIVO PAPO RETO. Postagem no Facebook, 14 dez. 2017. Disponível em:
<https://www.facebook.com/ColetivoPapoReto/>. Acesso em: 14 dez. 2017.
191
503 COLETIVO PAPO RETO. Postagem no Facebook, 17 dez. 2017. Disponível em:
<https://www.facebook.com/ColetivoPapoReto/>. Acesso em: 17 dez. 2017.
192
504 Em face dessa situação foi aberta uma página na internet em que você pode apoiar os moradores
nessa luta contra a ocupação das casas pela polícia: <https://www.respeitaomorador.meurio.org.br/>
193
O quinto informante diz que essa situação do tráfico e da polícia é muito difícil
porque movimenta muita coisa, mas questiona: se o Estado sabe por onde a droga
entra, por que é que não barra ela lá e não deixa ela chegar no morro? Ele acredita
que, se tivesse algum tipo de trabalho para as drogas não entrarem no país, não
haveria a necessidade de ter tanta polícia, de ter tantas forças armadas. "Porque
esse contingente tão grande de militar é justamente por causa dessa quantidade
também imensa, né, de pessoas, vamos dizer assim, é... fora da lei, entendeu?"
Por isso, em sua fala, dá a entender que só existe tanta polícia hoje por causa
da droga e das disputas por ela ocasionadas. O segundo informante, do mesmo
jeito, acredita que, se o Estado quisesse, acabava com tudo isso, mas que o Estado
não quer, não tem interesse. Já a terceira informante deixa claro que não acredita na
possibilidade de acabar com esse negócio.
Essa imagem traz a noção de que o Estado quer acabar com o comércio de
substâncias ilícitas pela força e que isso seria possível. Não há entre os moradores
entrevistados uma reflexão sobre a descriminalização das drogas, nem mesmo a
percepção de que essa política de guerra aos pobres é decorrente dessa criminalização
das drogas, sendo o tema construído sobre o mito de que falava Rosa Del Olmo, o
mito de que é possível acabar com “as substâncias demoníacas” por meio da guerra.
No entanto, essa discussão começa a ser feita pelos moradores mais jovens, como
é possível perceber através das redes sociais.
Quanto a questão da rotulação, embora já mencionado nos tópicos anteriores,
cabe destacar que nessas conversas, alguns frequentadores do Raízes disseram
que na favela tem pessoas que trabalham, que fazem universidade, que não tem
como dizer favela é isso ou aquilo. "A favela é plural" e cada lugar e cada pessoa
tem a sua história.
O correto, para o quinto informante, seria a polícia cumprimentar as pessoas,
não importa se é “bandido” ou não. O policial não sabe que é “bandido”, não está
rotulado “bandido”, e depois tem que saber que a pessoa está se sentindo invadida na
sua privacidade, porque é a privacidade da pessoa, que nunca viu uma autoridade
tão presente na vida dela. "Ah, esse menino trata mal, então, é porque é tudo farinha
196
do mesmo saco, não é, é tudo rotulação". Então, tem que respeitar a cultura das
pessoas e tentar mudar aos poucos.
"A autoridade veio e aumentou a autoridade na força, tem que ser assim, eu
sou autoridade e vocês são, são o quê? Não sei. Nós não somos bandido, nem todo
mundo é bandido, mas é como se eu fosse, é como se eu fosse". (Quinto informante).
O sexto informante reforça que a polícia tem essa visão preconceituosa do
favelado, pois afirma que essa ideia da UPP de retomar o território porque ele nunca
foi do Estado é a ideia de que a favela tem que ser erradicada de dentro para fora e
está associada com a ideia de que a polícia tem que entrar atirando, matando, ou
seja, o objetivo dessa política é acabar com a favela e com o favelado. O morador de
favela é considerado subcidadão, porque qualquer pessoa é suspeita e a UPP é o
verniz que dá o poder de matar na comunidade, o que é aplaudido por quem é de
fora e pela mídia. "É preciso ressignificar a favela".
A favela é lida ainda na chave da falta e do atraso, como era o Brasil do
século XIX.
Sobre o futuro das UPPs, o quarto informante acha que a polícia vai continuar
no morro. "Agora que o Estado colocou a polícia aí não vai tirar, isso lá fora vai dar
uma repercussão do caramba, a polícia não vai largar". O problema da polícia é o
tráfico que rola na comunidade, eles querem parar e não têm o que para com isso,
"eu era garoto e já tinha isso!" A polícia acha que vai chegar e vai acabar, mas não
tem como. Vai morrendo polícia e vai morrendo gente.
A respeito desse quadro, o quinto informante acredita que a polícia fica no
morro, "até porque a comunidade, aos poucos, ainda que com muita resistência, mas
aos poucos ela tá, né, aceitando mais a presença, né, dos policiais", por isso acredita
que ela tem que ficar porque, se não, os caras vão querer mostrar o seu poderio,
montar um quartel general. Já está havendo, inclusive, união com o pessoal de São
Paulo, referindo-se ao PCC, para fortalecer as armas e a venda de drogas. Então, o
Estado tem que mostrar quem manda e pensar em uma política para acabar com
isso, embora não acredite que a “criminalidade” possa acabar.
197
Havia um boato de que a UPP duraria até o fim dos jogos Olímpicos e, com a
sanção da lei que reduz os poderes da Coordenadoria de Polícia de Pacificação e o
orçamento da polícia, um morador fez a seguinte manifestação:
Reforço afirmando: As Favelas diziam desde sempre isso, mas boa parte da
esquerda dita progressista e outra grande parte dos escrotxs pesquisadores
(as)defendiam as Upps.
Estamos de olho!
Agora não tem mais volta, seus escrotxs, é #NósporNós. Estamos nas
Universidades e em todos os espaços e isso mete medo em vcs seus
privilegiadxs. Ninguém fala e nem constroi conhecimento por nós mais. Vcs
surtam, estão com medo,e que bom! 506
Essas mensagens reverberam o boato que a favela já sabia, de que a UPP não
duraria muito tempo, que foi um projeto para garantir apenas a imagem de "pacificação"
do Rio de Janeiro durante a realização dos eventos mundiais e garantir a sensação
de segurança para os turistas e para os bairros ricos da cidade, não significando
uma pacificação verdadeira, mas uma "paz armada", vigiada, violenta e homicida.
Em recente estatística, o número de mortes causadas pela polícia foi o maior
dos últimos dez anos, chegando a 1.035 pessoas mortas de janeiro a novembro de
2017. Na outra ponta, no mesmo período, 27 policiais militares foram mortos em
505 KOSMI FELIPPSEN O FAVELADO. Postagem no Facebook, 21 dez. 2017. Disponível em:
<https://www.facebook.com/cosme.felippsen?hc_ref=ARR731qgdW1kez3Q-edi4tU_vSq6-
vi7gaTHVejhB68oA5KCvC14xRj7u75ZtKExxRw&fref=nf&pnref=story.unseen-section>. Acesso
em: 21 dez. 2017.
506 FRANSÉRGIO GOULART GOULART. Postagem no Facebook, 21 dez. 2017. Disponível em:
<https://www.facebook.com/fransergiogoulart?hc_ref=ARR4ga7_pfED94cCNegd3zMHB4JqT0fZ7
oikxI-UR9OlrA_fg92YbMYxZG-_LGDHbKg>. Acesso em: 21 dez. 2017.
198
507 BIANCHI, P. Número de mortos pelas polícias no RJ passa de 1.000 e já é o maior em quase 10
anos. Uol, 18 dez. 2017. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2017/12/18/numero-de-mortos-pela-polica-no-rio-ultrapassa-os-1000-e-ja-o-maior-em-
quase-10-anos.htm>. Acesso em: 18 dez. 2017.
508 COLETIVO PAPO RETO. Calendário dos tiros: ano letivo 2017. Postagem no Facebook, 13 dez.
2017. Disponível em: https://www.facebook.com/ColetivoPapoReto/photos/a.490209187772332.
1073741829.487948524665065/1416207238505851/?type=3&theater>. Acesso em: 13 dez. 2017.
199
Fonte: COLETIVO PAPO RETO. Calendário dos tiros: ano letivo 2017. Postagem no Facebook,
13 dez. 2017.
Esse calendário mostra a relação de tiros e das aulas da rede pública de ensino
e como a educação é afetada por essa violência. Não é só a educação, mas o trabalho,
a sanidade física e mental de quem vive na favela são amplamente afetados por
essa cultura de guerra aos pobres, aos afrodescendentes e aos favelados.
É visível que não houve qualquer pacificação da relação entre a polícia, o
movimento e o morador, pelo contrário, essas disputas se intensificaram ainda mais
com a derrocada e o abandono do projeto das UPPs, assim como o número de mortos,
configurando práticas da gestão policial militarizada da vida favelada, atingindo o
ápice do projeto de governamentalidade neoliberal.
200
510 Entrevista Cesar Alberto Souza. Entrevista concedida à autora no dia 27 de outubro de 2017 na
sede da AMAI – Associação de Defesa dos Direitos dos policiais militares ativos, inativos e
pensionistas.
514 GOEDERT FILHO, V. Práticas comunitárias da Polícia Militar do Paraná? Reflexões na perspectiva da
psicologia social comunitária como processo educativo. 2016. 173 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – UFPR, Curitiba, 2016.
515 Entrevista Cesar Alberto Souza.
516 Entrevista Cesar Alberto Souza.
517 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do
mundo. Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2002.
204
520 Informações do artigo de SOUZA, E. R. de. Mortalidade por homicídios na década de 80: Brasil e
capitais de regiões metropolitanas. p.12. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/889m2/pdf/barreto-
9788575412626-16.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2017.
205
527 CORREIA, F. J.; PURIFICAÇÃO, R. R.; PEIXE, B. C. S. Estudo do projeto povo: avaliação do
desempenho da polícia militar na visão de polícia comunitária na cidade de Curitiba. Disponível em:
<http://s.busca.pr.gov.br/search?q=cache:5lzlIGJMfpIJ:www.escoladegestao.pr.gov.br/arquivos/Fil
e/gestao_de_politicas_publicas_no_parana_coletanea_de_estudos/cap_4_seguranca_publica/ca
pitulo_4_1.pdf+projeto+povo++site:documentador.pr.gov.br+OR+site:escoladegestao.pr.gov.br&si
te=administracao_collection&client=administracao_frontend&output=xml_no_dtd&proxystylesheet
=administracao_frontend&ie=UTF-8&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 26 dez. 2017.
índice de 17,6 homicídio por 100 mil habitantes, enquanto a média nacional era de
25,9 homicídios por 100 mil habitantes.532
532 WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil.
Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_pr.pdf>. Acesso em: 28
dez. 2017.
535 WALTRICK, R. Paraná tem a maior população de presos em delegacias do país. Gazeta do Povo,
Curitiba, 28 jul. 2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/especiais/paz-tem-voz/
parana-tem-a-maior-populacao-de-presos-em-delegacias-do-pais-bexi1os8qbt33epnmab8v4evi>.
Acesso em: 06 dez. 2017.
209
544 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Polícia comunitária: a comunidade e a sua
segurança. Disponível em: <http://www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/index.php/policia-
comunitaria/>. Acesso em: 25 dez. 2017.
japoneses, é possível implantar as UPSs em menos tempo. Por isso esse sistema é
muito mais rápido, porque já existe o manual de como fazer, dos lugares para o
policial visitar, já se sabe o que colocar no questionário. Ele é baseado na ideia de
polícia comunitária e o policial presente de forma permanente no local. E, com essas
obrigações definidas, é muito mais rápida e mais eficaz a sua implantação.547
O Paraná tem 10 oficiais da PM que fizeram o curso do sistema Koban, em
2015 e, recentemente, mais quatro comandantes de UPSs da capital também
fizeram esse curso.548 O Paraná tem, ainda, uma coordenadoria de polícia comunitária,
criada em 2010, hoje comandada pelo Tenete-Coronel Rothenburg, que reúne esse
grupo em torno de 15 a 16 policiais. O foco da coordenadoria é tudo o que se refere
à polícia comunitária na Polícia Militar, desde a designação de bases comunitárias
móveis e fixas, até a própria definição de cursos, das diretrizes para procedimentos
operacionais padrão na área de polícia comunitária, ou seja, são vários focos e a
UPS é um deles. Em outras palavras, o objetivo da coordenadoria é estender a
doutrina de polícia comunitária como um todo e fazer com que ela seja bem
aplicada, desmistificar algumas imagens existentes na própria polícia, de uma
subcultura policial de antipatia pela doutrina. O objetivo é passar uma imagem para a
população de que a polícia não está ali só para reprimir, mas para prevenir. 549
Segundo a Tenente Pegorini, primeira comandante da UPS da Vila Zumbi, da
qual se tratará com mais detalhes, o conceito de polícia comunitária é uma doutrina de
polícia voltada para a união de esforços de vários setores da sociedade, em prol de
uma comunidade, para resolver conjuntamente os problemas e alcançar a tão
almejada paz social naquele local. Essa é a polícia comunitária. Policiamento
comunitário já é o ato de você atuar realizando a polícia comunitária; isso é
policiamento comunitário, é a execução da doutrina. Então, há algum tempo, as
escolas de formação da PMPR têm a disciplina de polícia comunitária, tanto no CFO,
que é o curso de oficiais, como no curso de soldados ou qualquer curso interno,
548 Entrevista concedida à autora pela Tenente Fernanda Pegorini na sede da Polícia Militar do
Paraná no dia 20 de outubro de 2017.
549 Entrevista concedida à autora pelo Tenete-Coronel Rothenburg na sede da Polícia Militar do
Paraná no dia 20 de outubro de 2017.
213
todos têm polícia comunitária e, inclusive, com uma das maiores cargas horárias,
porque há uma parte teórica e uma parte prática, já que os alunos vão a campo para
praticar a polícia comunitária.550
A corporação, hoje, oferece os cursos de multiplicador e promotor de polícia
comunitária para a tropa em si, além dos cursos em EAD, da SENASP, ou seja,
muitos policiais no Paraná carregam o brevê de polícia comunitária. Do promotor de
polícia comunitária, pelo menos, a maioria carrega. A Polícia Militar do Paraná hoje
está pautada na doutrina de polícia comunitária, em vários aspectos, tanto é que a
Coordenadoria de Polícia Comunitária e o Comandante Geral primam por isso.
O objetivo é falar que todos são policiais comunitários, ou seja, é institucional, tendo
como foco principal a humanização da Polícia como um todo.551
Para Skolnick e Bayley552, realmente o modelo mais abrangente e extenso
existente hoje de polícia comunitária é o japonês, que desenvolveu há muitos anos
esse sentimento de coletividade e participação das pessoas em prol da segurança
local. Essas pessoas organizavam-se em movimentos e cobravam das autoridades
estatais medidas para a melhoria no bairro, passavam informações locais e buscavam
a atuação da polícia para garantir a sua segurança.
Em Tóquio se tem uma média de um policial para cada 200, 218 habitantes, ou
seja, mais do que a cidade do Rio de Janeiro. Tóquio tem 36 milhões de habitantes
e um índice de 0,3 homicídios por 100 mil habitantes. Essa realidade é fruto da
polícia comunitária considerada milenar, sengundo a opinião do Cel. Cesar.553
O policial passa pelo menos duas vezes por ano na casa de cada pessoa
perguntando "como está?" e fazendo entrevistas para saber sobre a realidade dos
moradores daquela casa. Por isso, as pessoas recebem um policiamento personalizado,
além do manual de prevenção, e são convidadas a visitarem o Koban caso tenham
552 SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo.
Tradução de Ana Luiza Amendola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
555 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Polícia comunitária: a comunidade e a sua
segurança. Disponível em: <http://www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/index.php/policia-
comunitaria/>. Acesso em: 25 dez. 2017.
Em cada local existem instalados os módulos policiais, que podem ser de três
tipos: os comuns, chamados de Koban, que seguem a arquitetura do lugar onde
estão instalados e normalmente se destinam a centros urbanos e lugares com grande
fluxo de pessoas, como zonas comerciais e turísticas; os residenciais, chamados de
Chuzaichos, que são destinados para pequenas comunidades e áreas residenciais, e
se destinam também à residência do policial junto de sua família, tendo suas despesas
cobertas pela prefeitura; e os módulos de segurança policial, utilizados em determinadas
instalações. O número de policiais é variado, dependendo das necessidades de cada
lugar. Importante ressaltar que eles funcionam 24 horas por dia.559
Já no Brasil a especialização é extraorganizacional, ou seja, a investigação
criminal é realizada por uma polícia, enquanto o policiamento comunitário é outra
polícia, ambas estaduais. Isso causou desconforto entre os policiais instrutores
japoneses que trabalharam na polícia de São Paulo.560
No Japão o policiamento comunitário, portanto, é vivenciado em todas as
áreas da polícia, já em São Paulo se quer que o policiamento comunitário aconteça
com uma polícia apenas e em determinados lugares, com isso, altera-se o foco do
trabalho policial que antes estava buscando eficiência no controle da “criminalidade”
e hoje busca a adesão da comunidade, o que, na visão de Ferragi 561, é feito apenas
com o intuito de garantir a sua própria legitimidade.
A crítica que se pode apresentar, portanto, a essa adaptação do modelo japonês
à realidade brasileira é de que a polícia comunitária busca maneiras subterrâneas de
legitimar as velhas práticas policiais, busca a mera legitimação da polícia, por isso
se divide em duas, sendo uma comunitária, que colhe informações do cidadão
disfarçando-se de democrática, para repassar a essa segunda polícia, que continua
sendo ostensiva e violenta. Ainda, deve-se observar que o policiamento comunitário
no Japão é feito em todas as áreas da cidade, não se destinando apenas àquelas
áreas consideradas mais pobres ou de risco.
A fala da Tenente Pegorini confirma essa tese: "O foco da polícia comunitária
não é proteger o criminoso, e sim proteger o cidadão direito, o cidadão que está ali
esperando pela segurança pública". Ou seja, existe uma polícia para cuidar do
"criminoso", a qual continua empregando os velhos meios policiais, e uma polícia
comunitária para cuidar do "cidadão de bem".
Outra crítica que o Coronel Cesar Alberto Souza teceu em sua entrevista é de
que a ideia da polícia comunitária está viva. Muitos foram formados nessa concepção e
isso faz com que as pessoas façam das tripas coração para mantê-la, mas, diante da
crise de recursos no Brasil, os governantes acabam cortando recursos da segurança.
Foi assim no Rio de Janeiro e também no Paraná. A classe política brasileira como
um todo não valoriza a segurança pública, pois é preciso fazer a manutenção do
número de policiais atuantes. A classe política não vê a segurança pública como
prioridade e as pessoas ainda não conseguem se mobilizar para cobrar.
A polícia comunitária depende muito de a comunidade exigir e participar. É uma
polícia para chamar de sua. Ela está ali para cuidar do bairro todos os dias, e o dia
em que falhar é importante que a comunidade se reúna para cobrar providências 562,
sendo um projeto a longo prazo, o que não atende às demandas eleitorais de curto
prazo como são administradas no Brasil.
Além disso, é preciso realmente superar os preconceitos nos quais o Brasil e
a polícia são forjados. A polícia como sendo o braço repressivo do Estado, coloca
em prática o racismo de Estado seja em face dos afrodescendentes, seja em face da
classe menos favorecida, que são os alvos dessa política que, no modelo brasileiro,
não tem como foco a aproximação com a comunidade, mas a sua neutralização e
morte no sentido biopolítico.
No governo Beto Richa, ele se elege com a campanha pela volta dos módulos
policias para as 40 maiores cidades do estado. Frise-se que havia alguns módulos
fixos, outros móveis, algumas viaturas da POVO, havendo uma mescla dessas políticas
adotadas anteriormente. Nessa gestão, é inaugurado o Escritório de Projetos, e o
então secretário de segurança pública, Reinaldo de Almeida César, convida o Coronel
Cesar para trabalhar em conjunto, quando ele tem a oportunidade de apontar que
apenas o módulo policial não resolveria a questão da segurança.563
Assim, dentro do escritório de projetos, em 2011, havia um grande problema,
que era a falta de recursos para a segurança pública, falta de recursos para investimento,
além de uma série de questões problemáticas, como o encarceramento provisório
em delegacias, a intervenção da polícia militar desde 2001 na Penitenciária Central do
Estado, por conta da rebelião, muitos corpos no IML sem identificação, entre outras
questões. Para resolver essa situação, foi concebido o projeto Paraná Seguro, que
contou com cento e quarenta fontes de financiamento, reaproximação com a Secretaria
Nacional de Segurança Pública, reaproximação com a Secretaria Antidrogas, Criança e
Adolescente, a Patrulha Escolar, que foi reforçada para poder atender prioritariamente
a parte de prevenção com a questão do Proerd em todas as escolas.564
O Projeto Paraná Seguro fora lançado em 16 de agosto de 2011 e previa,
além do aumento de orçamento para a área de segurança pública, a contratação de
novos policiais, delegados da polícia civil, a instalação de mais 400 módulos móveis,
aquisição de viaturas, construção de mais delegacias de polícia, entre outras
propostas de ampliação das forças de segurança pública. Nesse período o Paraná
tinha 17.473 policiais militares e a promessa era de aumentar esse efetivo para
26.747 até 2014.565
565 RIBEIRO, D.; BOREKI, V. Segurança no PR terá aporte de R$ 500 mi. Gazeta do Povo, Curitiba,
17 ago. 2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/pazsemvozemedo/conteudo.
phtml?id=1158857&tit =Seguranca-no-PR-tera-aporte-de-R-500-mi>. Acesso em: 09 dez. 2012.
218
566 Frise-se que o BID também investiu nas áreas de UPP. (MOURA, A. BID acerta empréstimo de
US$ 70 milhões para ações sociais em áreas com UPP. O Globo, 16 abr. 2012. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/rio/bid-acerta-emprestimo-de-us-70-milhoes-para-acoes-sociais-em-
areas-com-upp-4661914>. Acesso em: 10 dez. 2017).
568 BREMBATTI, K. Estado pode criar suas próprias "UPPar". Gazeta do Povo, Curitiba, 1.o ago.
2011. Caderno Vida e Cidadania, p.6.
219
Até foi muito engraçado porque lá no UPP Cidade de Deus o Major Romeu,
que era comandante, ele abriu a gaveta assim e disse "á, não sei o que cê
tá perguntando, que a gente faz o que o senhor ensinou, aliás, aproveita
aqui e me dá um autógrafo aqui no livro, por favor, que eu já usei pra fazer".569
571 PARANÁ. Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária. Unidade Paraná Seguro.
Disponível em: <http://www.seguranca.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=89>.
Acesso em: 04 dez. 2017.
220
573 PARANÁ. Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária. Unidade Paraná Seguro.
Disponível em: <http://www.seguranca.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=89>.
Acesso em: 04 dez. 2017.
221
buscas e apreensões, fechar bares que são irregulares, "fazer uma limpeza". Feito o
congelamento com o choque, o batalhão de trânsito e a cavalaria, ou seja, com as
unidades que não têm um território específico para cuidar, baseado no modelo das
OSTEs, de São Paulo, Operação Saturação por Tropas Especiais, a região fica sob
os cuidados da polícia durante o período de 30 ou 60 dias.
Depois do congelamento, os policiais, que foram especialmente capacitados
(pois todos fizeram um curso de polícia comunitária para comunidades carentes, do
comandante ao soldado) assumem as UPSs com o compromisso do Estado de
mantê-los por pelo menos um ano na unidade.574
É necessário avaliar esse discurso do Coronel Cesar, pois ainda que grande
entusiasta de uma democratização da polícia, apresenta, desde o início, estar
impregnado da visão de que é necessário fazer uma "higiene social", olhando para o
lugar como se fosse uma região feia, suja, habitada por pessoas doentes, perigosas, e
que o policiamento comunitário é voltado para comunidades carentes, como se
houvesse legitimamente um outro tipo de policiamento comunitário voltado para
comunidades mais abastadas, de sorte que a visão da polícia militar ainda está
impregnada dos postulados da defesa social e do positivismo criminológico.
Na sequência da entrevista, Cesar explica que, quando houver a necessidade
de mudança do efetivo lotado na UPS, vai chegar alguém que fez o curso, que passou
por um estágio de 30 dias, e depois de incorporado é que o outro policial pode sair,
essa é dinâmica planejada. Não é possível garantir que hoje esteja acontecendo
assim, mas até fevereiro de 2013 aconteceu rigorosamente assim. Todos os policiais
que ocuparam as UPSs tinham o curso, mas parte das tropas especiais permaneceram
na área enquanto os novos policiais começam a fazer as visitas nos domicílios,
cadastrar os comércios, implantar em todas as escolas o Proerd575, a patrulha escolar,
começar as reuniões com os conselhos comunitários, uma vez por mês, tendo
as eleições.
575 Programa Educacional de Resistência às Drogas e à violência executado por policiais militares
fardados e com um treinamento especifico para essa prevenção.
222
578 LEITÓLES, F.; TAVARES, O. Unidade Paraná Seguro é instalada na região do Uberaba. Gazeta
do Povo, Curitiba, 1.o mar. 2012. Disponível em: <www.gazetadopovo.com.br/pazsemvozemedo/
conteudo.phtml?tl=1&id=1229015&tit=Unidade-Para>. Acesso em: 17 dez. 2012.
580 LEITÓLES, F.; TAVARES, O. Unidade Paraná Seguro é instalada na região do Uberaba. Gazeta
do Povo, Curitiba, 1.o mar. 2012. Disponível em: <www.gazetadopovo.com.br/pazsemvozemedo/
conteudo.phtml?tl=1&id=1229015&tit=Unidade-Para>. Acesso em: 17 dez. 2012.
581 TAVARES, O. Governo promete ações sociais no Uberaba a partir de 4. a feira. Gazeta do Povo,
Curitiba, 03 mar. 2012. Disponível em: <www.gazetadopovo.com.br/ pazsemvozemedo/
conteudo.phtml?tl=1&id=1229570&tit=Governo-pro>. Acesso em: 17 dez. 2012.
582 KÖNIG, M.; RIBEIRO, D.; ANÍBAL, F. Um dia e uma noite na primeira UPP do Paraná. Gazeta do
Povo, Curitiba, 03 mar. 2012. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/especiais/paz-
tem-voz/um-dia-e-uma-noite-na-primeira-upp-do-parana-74kx4pyjx6umrtqntppks107i>. Acesso
em: 17 dez. 2012.
224
Segundo o Coronel Cesar, na primeira fase, ficou definido que seriam implantadas
20 Unidades Paraná Seguro, sendo 10 em Curitiba, cinco na região metropolitana e
cinco no interior do estado. Os comandos regionais da polícia militar e da polícia civil
foram reunidos para que identificassem as comunidades vulneráveis, mas, ao mesmo
tempo, que tivessem uma certa organização para poder dar sustentabilidade, ou
seja, que tivessem um conselho comunitário ou um clube de mães. Também foram
reformados os conselhos comunitários e a coordenação desses conselhos começou a
fazer curso de formação de líderes, curso de organização e mobilização comunitária,
curso de polícia comunitária, cursos em EAD de polícia comunitária, para a
comunidade, no Paraná inteiro, ou seja, trabalhando e fomentando as comunidades
identificadas como vulneráveis.585
No total, as localidades mapeadas que receberam as Unidade Paraná Seguro
foram 14 até o momento, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Paraná:
Uma das críticas que o projeto da UPS recebeu é não ter sido colocada uma
unidade na Vila Torres, ainda que tenha sido identificada como área vulnerável e por
ser rota de trânsito entre o aeroporto e o centro da cidade. Segundo o Cel. Cesar, a
586 PARANÁ. Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária. Unidade Paraná Seguro.
Disponível em: <http://www.seguranca.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=89>.
Acesso em: 04 dez. 2017.
226
comunidade da Vila Torres não estava preparada. Ela tem um poder paralelo, que
se instala onde o tráfico de drogas é muito forte. Embora em Curitiba exista um
tráfico de passagem, há uma parte do tráfico de drogas na área central, que vai do
Largo da Ordem, o Centro Velho, para o Parolin, até chegar na Vila Torres.
"A UPS ela vai aonde tá desestruturado pra tentar onde tem uma comunidade
organizada, onde tem um potencial que você pode aproveitar, que foi, foram as que
a gente instalou. Então é isso que a gente fala".590
Importante destacar que, nesse processo de instalação da UPS, não houve
confronto com a polícia e, na visão da polícia militar, a comunidade recebeu muito
bem o projeto, tanto que o governo era procurado pelas comunidades para pedir a sua
UPS, ou seja, nenhuma área ofereceu resistência, mas isso porque os criminosos
foram identificados e presos na operação de inteligência, o que foi fundamental para
o sucesso da UPS.591
Quanto a situações de abuso de autoridade por parte da polícia, nesse momento
de instalação da UPS, houve uma denúncia no Uberaba de que teria havido um
abuso de autoridade. Foi aberta uma sindicância, foi trazida toda a comunidade Afro
porque era um rapaz negro que teria sido agredido, porém, feita toda a avaliação,
embora a notícia tenha saído no dia como sendo da UPS, não era, segundo o
coronel Cesar. Os policiais prenderam um rapaz que estava cometendo um furto e o
produto do furto estava numa residência que era dentro da área da UPS, mas o fato
ocorreu no Cajuru. Então eles foram lá buscar e depois foram para a delegacia. Assim,
foi feita a investigação pela Polícia Civil, pela Polícia Militar, com acompanhamento do
Ministério Público, e se constatou que não houve nenhum abuso na implantação da UPS,
de ninguém, em momento algum, em todas as 14 que o entrevistado acompanhou.592
Esse fato foi noticiado pela imprensa, que conversou com a vítima e informou
que chegou a sofrer agressões físicas, como choque, além de agressões
psicológicas e racismo por parte dos policiais militares que ficaram por algumas
horas com o rapaz. Não tendo sido localizada qualquer prova, ele foi liberado.593
Conclui o Cel. Cesar que essa política consegue colocar Curitiba a níveis
suportáveis de violência, porque, além das Unidades Paraná Seguro, existem módulos
593 TAVARES, O. OAB denuncia PM por tortura. Gazeta do Povo, Curitiba, 06 mar. 2012. Disponível em:
<www.gazetadopovo.com.br/pazsemvozemedo/conteudo.phtml?tl=1&id=1230463&tit=OABdenunci>.
Acesso em: 17 dez. 2012.
228
móveis que são colocados na praça, na feira, em frente ao shopping, os quais estão
dentro do bairro atuando e com os policiais sempre presentes. Então, com essa
conjugação dos módulos móveis, das Unidades Paraná Seguro e dos novos policiais,
do batalhão de patrulha escolar, é possível fazer com que Curitiba, aos poucos, atinja
níveis suportáveis de violência. Em 2013, o Coronel Cesar, entrevistado, entrou para
a reserva e o projeto não teve continuidade da forma como foi concebido.
Segundo informações prestadas pelo 1.o CRPM, o plano de trabalho da UPS,
elaborado em 2013, atestou que, em um ano de instalação, as Unidades contavam
apenas com a presença da Polícia Militar, e que as regiões contempladas com essa
política voltaram a sofrer problemas na segurança pública, fato que provocava descrença
no Programa Paraná Seguro pela população.
Os principais problemas listados pelos comandantes de UPS verificados no
diagnóstico preliminar nas áreas policiadas são:
trabalho estão previstos no plano de ação, não havendo uma verdadeira política de
inclusão e reconhecimento.
Isso fica claro nas conclusões apresentadas nas informações prestadas pelo
Primeiro Comando Regional da PMPR, de que, embora os resultados iniciais tenham
sido positivos, após cinco anos de implantação das UPSs, não é possível verificar
evolução no projeto, já que o envolvimento de esforços dos órgãos públicos e entidades
privadas não se concretizou.
595 RIBEIRO, D.; ANTONELLI, D. Unidades Paraná Seguro: população critica programa parado.
Gazeta do Povo, Curitiba, 25 fev. 2016.
230
- Cidade Industrial – 19
- Cajuru – 14
- Sitio Cercado – 13
- Tatuquara – 11
- Uberaba – 8
- Umbará – 8596
Assim, verifica-se que a UPS foi um projeto temporário e que foi utilizado
também para fins eleitorais, aproveitando a veiculação midiática do projeto das
UPPs no Rio de Janeiro e a injeção de recursos do BID e da União no âmbito da
segurança pública, não tendo produzido resultados efetivos de prevenção e redução
da violência a médio e longo prazo, que foi apenas deslocada das áreas alvo dessa
política. Ademais, a falência do projeto hoje é atribuída à falta de esforços da
comunidade em geral, que não permaneceu engajada no projeto, conforme já havia
alertado Garland.
É visível que o Paraná, embora com menor ostentação de armas, aplica o
paradigma do direito à segurança, e que a população e as mídias locais acreditam
596 DIONÍSIO. B. Número de homicídios cresce 11,5% em Curitiba no primeiro trimestre. Globo, 26
maio 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/05/numero-de-homicidios-
cresce-115-em-curitiba-no-primeiro-trimestre.html>. Acesso em: 22 dez. 2017.
597 DIONÍSIO. B. Número de homicídios cresce 11,5% em Curitiba no primeiro trimestre. Globo, 26
maio 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/05/numero-de-homicidios-
cresce-115-em-curitiba-no-primeiro-trimestre.html>. Acesso em: 22 dez. 2017.
231
que a presença da polícia nas ruas é eficaz para reduzir a violência. Em nenhum
momento a reflexão leva em consideração as causas da violência, apostando apenas
na repressão das consequências visíveis, reproduzindo a concepção de que mais
polícia é mais segurança, ou de que a segurança depende da polícia.
processo. Com essa ajuda conjunta, foi possível verificar onde estavam os pontos-
problema para fazer o congelamento.600
No dia do congelamento em si, foi solicitado apoio de várias unidades da capital,
como o BPTRAN, o BOPE, a ROTAM local e a ROTAM das outras áreas. Segundo a
entrevistada, foram cerca de 300 a 500 policiais só para esse congelamento da Vila
Zumbi e Liberdade. Todas as pessoas na rua, de maneira geral, receberam a
abordagem policial para verificação de documentos, posse de armas e drogas. Feita
essa abordagem inicial, o que se espera é que se afaste a “criminalidade”. Nesse dia
foram feitas várias prisões, foi realizado um número altíssimo de abordagens e, com
tudo isso, foi possível afastar a “criminalidade” daquele local. Afastando essa
“criminalidade”, ela migrou para as áreas próximas, como Jardim Cláudia, em Pinhais,
Campina Grande do Sul, Bairro Alto-Maracanã, em Colombo mesmo. Embora ela
tenha migrado, segundo a entrevistada, na área-risco eliminou-se o problema, então,
dentro da área limítrofe da UPS, foi mantido o policiamento local, o que causou a
redução de homicídios registrados.601
Segundo Pegorini, como esse movimento de migração já é conhecido pela
experiência policial, foi conversado com os comandantes de companhias daquelas
regiões vizinhas e, antes do próprio congelamento, a polícia militar intensificou o
policiamento nessas áreas, ou seja, nesse momento, esses comandantes da companhia
estavam atuando em conjunto.
Verifica-se que a visão da tenente é impregnada da concepção da ideologia
da defesa social e de que o crime e o criminoso são problemas a serem eliminados;
seriam doenças sociais que afetam a tranquilidade das "pessoas de bem" – expressão
repetida diversas vezes durante a entrevista –, além de exacerbar o trabalho da
polícia como um trabalho de combate ao crime e de repressão.
Segundo noticiado pela Gazeta do Povo, aproximadamente 150 policiais
militares, além da polícia civil de Colombo e a polícia rodoviária federal participaram
da operação, que iniciou às 5h30 da manhã. Após uma semana, o efetivo seria
reduzido e oficialmente inaugurada a UPS, com policiais que fariam "os atendimentos
602 LEITÓLES, F. Colombo recebe a 1.a Unidade Paraná Seguro da RMC. Gazeta do Povo, Curitiba,
07 maio 2013.
603 LEITÓLES, F. Colombo recebe a 1.a Unidade Paraná Seguro da RMC. Gazeta do Povo, Curitiba,
07 maio 2013.
604 LEITÓLES, F. Colombo recebe a 1.a Unidade Paraná Seguro da RMC. Gazeta do Povo, Curitiba,
07 maio 2013.
Tínhamos informação de mãe que foi na nossa sede lá, que falou que o filho
dela resolveu sair do mundo do crime porque não estava conseguindo sair
de casa armado, ela falou pra gente isso, "meu filho acabou se desfazendo
da arma e arrumou um emprego", ela falou "eu vim agradecer vocês". Pra
gente, esse é o melhor fruto. Que, com certeza, uma pessoa que saiu do
mundo do crime e acabou indo pro lado bom, por mais que seja por falta de
oportunidade naquele setor ali, reduziu a criminalidade, então, nós tivemos
o objetivo alcançado.615
Então, a gente chegava na escola era um agrado muito grande, eles abraçavam,
pediam pra gente, conversavam com a gente, paravam, fazia rodinha de
criança à nossa volta ali, conversando e eles levam essa informação pra
família. A polícia aqui, a polícia é amiga, a polícia ajuda à população.617
Claro que não existia esse relacionamento com todos, porque, segundo a
tenente, a "criminalidade não quer saber da gente, mas as famílias de bem querem.
A família de bem quer a polícia por perto".618
O fato de fazer as crianças andarem na viatura, por si só, deve ser objeto de
crítica, pois o que elas precisam não é de polícia, mas educação, saúde, boa
alimentação, para que possam se desenvolver com dignidade. Embora a tenente
tenha evidentemente boas intenções e acredite na atividade da polícia, acredite na
metodologia do policiamento comunitário, ela não percebe como a instituição é
utilizada para o controle social dos pobres, naturalizando a sua presença na favela,
como se a favela fosse um problema da polícia. Essa proximidade com a instituição
policial é incentivada apenas nas camadas menos favorecidas, estabelecendo-se os
vínculos para a seleção policizante de que nos alerta Zaffaroni e Nilo Bartista619.
Segundo a entrevistada, havia, por parte de algumas pessoas, uma relação
de hostilidade, normalmente daquelas pessoas que já tinham uma passagem pela
polícia ou pelo sistema penitenciário. Nesses casos, quando a equipe passava nas
casas para fazer o questionário, eles batiam a porta na cara. "Não, aqui polícia não
entra", então, naquela casa, sabia-se que havia pessoas com uma hostilidade um
pouco maior, mesmo pessoas que já estavam quites com a sua situação criminal,
muitas vezes já estavam com o alvará de soltura, mas eles, obviamente, e a família
inteira não gostariam da polícia.620
Um dos fatos salientados pela Tenente Pegorini foi quando chegou na creche
da Vila Liberdade pela primeira vez e uma criança de dois anos de idade, ao lhe ver
fardada, perguntou: "tia, foi você que matou o meu pai?" Segundo ela, o papel da
polícia comunitária é mostrar que a polícia não é isso, que a polícia é diferente, “que
a polícia não está ali pra matar o pai daquela criança”.621
Embora algumas pessoas tratassem os policias com hostilidade, não houve
confronto, pois, segundo a entrevistada, as pessoas consideradas perigosas e
“criminosas” ou saíram da área ou foram presas na operação de inteligência
e congelamento.622
Nesse período de implantação, houve apenas um homicídio de um menino
que tinha saído do Centro de Educação para adolescentes em conflito com a lei. No
dia seguinte da sua liberdade, passou um veículo de fora na Vila e o executou na
rua Aleixo Schluga, saindo da Vila sem ser reconhecido. Esse foi o único homicídio
que ocorreu em um ano na Vila, e era um jovem ligado ao tráfico, já identificado.623
619 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
620 Entrevista Ten. Fernanda Pegorini.
621 Entrevista Ten. Fernanda Pegorini.
622 Entrevista Ten. Fernanda Pegorini.
623 Entrevista Ten. Fernanda Pegorini.
239
A ligação da Vila com o tráfico era intensa, o que causava diversos conflitos
por ponto, segundo Pegorini. Isso foi identificado nas primeiras pesquisas da
inteligência, mas reduziu bastante com a presença policial. O tráfico no Paraná não
tem ligação com facções. Ouve-se muito falar em PCC, mas não existe nenhuma
informação comprovada, apenas boatos.624
Alguns moradores relatavam que, em tempos anteriores, havia pessoas armadas
na rua, que a rua era fechada para fazer festas, o que incomodava bastante a
vizinhança, situação que não se repetiu com a chegada da UPS.625
Uma das críticas feitas pela Tenente Pegorini foi a de que, infelizmente, um
problema geral com as UPSs é que a polícia acabou sozinha. Ficaram apenas a
polícia e a comunidade. No começo, havia um apoio de polícia comunitária, mas hoje
ficou apenas o policiamento comunitário. Quando essa força se perde, da doutrina
de polícia comunitária que aponta para a união de todos os esforços em prol daquela
comunidade, há uma perda muito grande, o que acabou trazendo uma imagem um
pouco mais defasada da UPS, especialmente nas áreas de Curitiba.626
Na Zumbi, no Guatupê e no interior, isso é um pouco mais ameno, justamente
por um apoio maior dos outros órgãos, segundo a entrevistada. Em Colombo havia o
apoio da imprensa local. O Jornal de Colombo apoiava a UPS e havia apoio dos
comerciantes, dos empresários do Centro Industrial Mauá, que são empresas
financeiramente mais ativas, e da própria comunidade, que apoiou muito no começo.
Também existia o apoio de autoridades civis eleitas, da polícia civil e da COHAPAR,
além da prefeitura, então, era possível fazer um trabalho em conjunto num primeiro
momento, para conseguir melhorias para a própria Vila.
Em 2014 foi assinado o Termo de Cooperação Técnica n. o 13/2014 – SEJU,
pelo Governo do Estado, o Município de Colombo, a Federação das Indústrias do
Paraná, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Paraná e o Serviço Social
da Industria, Departamento Regional do Paraná. Esse termo de cooperação tinha
como objetivo principal:
Essa relação deixa claro que a política UPS tem uma ligação íntima com os
setores privados, com a finalidade de atender aos seus interesses, especialmente
promovendo a segurança na região. Frise-se que o Alphaville, que fica a menos de
um quilômetro da Vila Zumbi e Liberdade, é um condomínio de alto luxo, assim como
as instalações do Clube de Campo Santa Mônica.
Além disso, a visão que a polícia militar tem da região não favorece a
aplicação de metodologias preventivas da violência, mas reforça o preconceito, em
especial com os mais pobres, onde se concentra a ação policial.
teve início na década de 1990, com a ocupação por cerca de 300 famílias, muitas
oriundas das regiões próximas, apoiados pelos políticos, na época, Paulinho Pastre
e Maria da Luz. Hoje são mais de duas mil famílias residentes na região. Quando
ocorreu esse processo de escolha dos terrenos e instalação dos barracos, os próprios
moradores mediam as ruas para não parecer favela, segundo ele, pensando já na
urbanização do local.
A Vila Zumbi tem esse nome porque a sua criação foi em maio de 1991 e
porque Zumbi é considerado um povo que luta. Andando pela Vila, percebe-se que as
pessoas, dentro do colorismo brasileiro, poderiam ser consideradas a maioria pardas,
algumas negras, poucas brancas, mas todas de baixa renda.
Nessas oportunidades pude perceber que várias ruas são asfaltadas, embora
ainda existam ruas de chão batido, com uma terra vermelha. É uma região plana,
com comércios bem estruturados, em especial na via principal, a rua Aleixo Schluga.
Embora esteja urbanizada, ainda é possível visualizar barracos sendo utilizados como
moradias, paredes sem reboco e lixo jogado nas ruas.
Figura 10 – Foto tirada em uma das visitas na Vila Zumbi, mostrando as vias
ainda sem asfalto
de ser área de preservação ambiental, foi executado o projeto Direito de Morar, iniciado
em 2004, com investimentos de cerca de R$ 21 milhões. Foram tomadas diversas
medidas como a construção de moradias, as primeiras sendo entregues em 2006, a
construção de uma praça, chamada de Praça da Cidadania, além de obras de contenção
do Rio Palmital, drenagem de águas pluviais, pavimentação das ruas, instalação de
redes de esgoto, construção de creches e de um barracão de reciclagem.638 As famílias
que ocuparam esses sobrados construídos pela COHAPAR pagam apenas o terreno,
com uma prestação de R$ 90 (noventa reais) por mês, conforme informações do
entrevistado Sidinei Campos.
Nessas visitas à Vila também pude ver como se organizam essas moradias, que
são sobradinhos, com cerca de 40m2, com dois quartos, sala e cozinha conjugadas e
banheiro, sendo germinados e coloridos. Muitos desses sobrados hoje estão ocupados
por famílias com cadastro na COHAPAR, porém, ainda há algumas famílias que estão
ocupando essas moradias sem pagar a taxa mensal. Segundo o vereador local, é na
quadra 8 e quadra 8 B o foco do problema, onde muitos não foram realocados e
precisam de documentos.
Figura 11 – Sobradinhos 1
638 EM PROCESSO de urbanização, Vila Zumbi ganha sua primeira praça. Tribuna do Paraná, 05
jun. 2006. Disponível em: <http://www.tribunapr.com.br/noticias/em-processo-de-urbanizacao-vila-
zumbi-ganha-sua-primeira-praca/>. Acesso em: 09 dez. 2017.
248
Figura 12 – Sobradinhos 2
No entanto, ele informa que, hoje, menos de 30% dos moradores da região estão
presentes desde o início da ocupação, pois a maioria, "mais relaxados", acabaram
saindo, também porque foi feita uma análise social e eles não pagaram o terreno.
Percebe-se que o processo de regularização da área expulsou muitos moradores
que haviam ocupado a região. Constatou-se que, logo após o processo de regularização
das moradias, muitas famílias venderam seu sobrado porque não tinham condições
financeiras de arcar com as despesas do financiamento, também não gostaram do
sistema de distribuição dos sobrados por sorteio, e porque os sobrados não davam a
possibilidade de as famílias realizarem a separação do lixo reciclável, pois não havia
terreno nos sobrados, o que impossibilitou a realização desse trabalho, que constituía a
principal fonte de renda dessas famílias.639
Uma das moradoras entrevistadas relatou que veio com a sua família da cidade
de Serro Azul e que mora na Vila Zumbi com a mãe, a irmã e a filha, num sobrado
da COHAPAR, desde o ano de 2000, e que paga a taxa da COHAPAR. A outra
moradora veio do Nordeste e acabou se instalando ali porque parte de sua família já
morava na região.
Essa primeira moradora residiu ali pela primeira vez há alguns anos atrás. Ela
veio com a sua mãe, que, por morar de aluguel e não ter muita escolha, vivia
mudando de casa e ficava um pouco de tempo em cada lugar. Quando a sua mãe
veio morar ali pela primeira vez, a Vila tinha barracos ainda, e ela chegou a comprar
um terreno por 3.000,00 (três mil) na época. Mas a sua família foi expulsa porque o
seu cunhado se envolveu com um “traficante” e eles expulsaram a família da casa a
tiros. Quase mataram seu cunhado nessa oportunidade, que depois acabou sendo
assassinado em outra região. Os “traficantes”, na época, acabaram invadindo a
casa, que era pequena, porém, como o terreno era grande e ficava próximo do Rio
Palmital, eles quiseram a casa.
Segundo essa moradora, existe muita disputa na região por conta de moradia.
Há muita briga por causa de fofoca e as pessoas acabam se envolvendo sem nem
saber o porquê, e que fazem isso, às vezes, só para pegar sua casa. Hoje uma casa
ali, a mais barata, está custando R$ 60.000,00. Agora a maioria das pessoas já
colocou o nome na COHAB, mas, quando não tinha o nome registrado, as pessoas
acabavam sendo expulsas.
Muita gente saiu dali expulsa, relata a moradora. O vizinho dela comprou a
casa do lado por cinco mil, mas ele saiu de lá a base de tiro. Isso já não acontece
mais com tanta frequência, pois agora a maioria já colocou o sobrado no nome e
criou consciência. Ainda há uns e outros que não colocaram o nome e as pessoas
tentam invadir. Às vezes, se você aluga a casa e não está no teu nome, a pessoa
que alugou vai lá e coloca o nome dela na COHAB e o sobradinho passa a ser dela.
Às vezes você tira férias e quando volta a casa está ocupada, e "já era". Esse tipo
de conflito não é levado para a polícia, que não se mete na briga por moradia.
As pessoas nem contam para a polícia, porque têm medo, segundo ela.
Além das disputas por moradia, havia muita violência relacionada aos conflitos
internos por ponto de venda de drogas, o que não se verifica na realidade de hoje
250
com a mesma intensidade. Não há lotérica na Vila, por exemplo, justamente por falta
de segurança, segundo o vereador Sidinei. Mas "morre quem tem que morrer", ou
seja, a disputa ocorre entre "os vagabundos" e isso não incomoda a comunidade,
porém, quando tem uma "pessoa de bem" atingida, "os próprios moradores resolvem
a questão". Nessa conversa ele dá a entender que a população expulsa essa
pessoa, ou de alguma forma corrige essa atitude, e até mesmo mata quem é
considerado um problema.
Uma das moradoras disse que quando chegou a Vila Zumbi era muito perigoso,
não podia nem falar que morava na Zumbi porque não conseguia emprego, e as
pessoas acabavam arrumando "esquema", colocando o endereço na casa de outra
pessoa só para não dizer que morava ali.
Nessa época matavam dois, três, "você saia na rua e já via lá alguém esticado
no chão", mas agora não, "está mais sossegado". Houve também uma diminuição
de assalto e roubo; só na passarela próxima ao antigo ponto final de ônibus que é
perigoso, embora nesses dias tem ocorrido mais assalto de carro.
Essa situação começou a mudar de uns cinco anos para cá, mas não é atribuída
à presença da UPS, pois a UPS não está na memória dos moradores. Tempos atrás
não era possível pegar o ônibus às cinco horas da manhã para o trabalho como se
faz hoje, relata uma das moradoras.
Essa tranquilidade de hoje é atribuída à mudança de comportamento dos
"traficantes", que têm um ponto próximo da APOIO, na parte da Zumbi de cima,
conhecidos como "traficantes do Mauá", e outro na parte de baixo da Zumbi, próximo
da UPS, conhecidos como "traficantes da Zumbi". Segundo a moradora, é mais
perigoso embaixo, pois há essa divisão entre a Zumbi de cima e a Zumbi de baixo.
Inclusive há disputa entre eles pela clientela, um não pode vender para o cliente do
outro, "eles não se misturam".
Relatam as moradoras que, se "o ladrão pé de chinelo" roubar uma casa ou
alguma coisa, os traficantes matam porque não querem a polícia perto do ponto deles,
então o ladrão não tem vez. A mesma coisa acontece se "cair" um estuprador, "não sobra
nem pedaço". Teve o caso de um estuprador que foi morto de madrugada pela
polícia. "Disseram que ele reagiu, mas ele não reagiu, já ficou provado", e quem o
entregou foi o traficante. Então traficante não aceita ladrão nem estuprador. "Nesse
ponto é bom ter os traficantes ali porque eles não se importam com você e é só você
251
não se importar com eles, não fazer coisa errada para eles". "Os traficantes de hoje
são honestos porque não se importam com você".
A mesma coisa acontece com dívida de droga. Se ficar devendo, eles vão
atrás e matam, mas acredita-se que eles levam para fora da Vila para executar. O lugar
onde os "traficantes" ficam chama-se "beco".
Não há relato por parte das moradoras entrevistadas de que "os traficantes"
andem armados na rua, mas há alguns anos isso acontecia. Uma das moradoras já
namorou um traficante da Vila Liberdade e sabe que eles andam armados.
Há relatos de que os professores têm medo e não reprimem os alunos na
escola, especialmente quando eles dizem serem filhos de "traficante". Nesse caso, a
professora fala: "Ah, então vou ser sua amiga". Isso acontece muito no colégio Barão
de Mauá, que fica na parte de cima. "Quem tem parente policial nem conta, eles
preferem contar que é filho do traficante do que dizer que é filho de policial", embora
alguns policiais residam na Vila.
O outro colégio, o Zumbi dos Palmares, fica na parte de baixo e tem muitas
brigas por isso, especialmente na saída do colégio. No colégio, à noite, muitos alunos
usam drogas e por isso sempre tem briga, briga de gangue, e nessas disputas, segundo
a moradora, "é a lei da selva: ou você bate ou você apanha". Essa moradora diz que
deveria existir a patrulha escolar nesse momento da saída da escola e que tem
muito medo por sua filha.
As moradoras também confirmaram que o tráfico não tem uma vinculação
com facção, são casos isolados que ocorrem hoje. Quem trabalha no tráfico é muito
novo, "o mais velho, lá na vila Liberdade, tem uns 30 anos", e eles também não
ostentam carro ou outros bens, "trabalham com o tráfico à noite, mas durante o dia
como pedreiro", saem com o carro cheio de material de construção.
Antigamente havia um traficante chamado Adrian. Nessa época era mais
complicado, pois foi esse Adrian que expulsou a família da moradora entrevistada.
O Adrian era muito difícil, ele era um traficante pesado, se ele chegasse e dissesse
que queria aquele carro, que queria aquela casa, ele tomava para ele com violência,
com tiro. Mesmo depois de preso isso ainda acontecia, já que toda a família dele era
envolvida. No dia em que foi morto, houve fogos de chegar a ficar surdo na Vila, e
toda a família dele, todos os irmãos, foram mortos, o último a morrer foi o filho dele.
A única pessoa viva da família dele é a mãe, e todo mundo sabe que ela anda de
bota e tem uma arma na bota. Ela é uma mulher evangélica, mas todo mundo fala
252
que ela usa uma arma. Ela mora perto do ponto final do Zumbi. Ele comandava a
Zumbi e a Liberdade ao mesmo tempo.
Num outro relato, do policial militar que atua na região, havia também o grupo
do Leitão, assassinado na Vila Zumbi em 07 de agosto de 2013, ou seja, alguns
meses após a instalação da UPS, que ocorreu em maio daquele ano. Segundo a
notícia do jornal Tribuna do Paraná:
640 ATIRADOR mata rapaz com tiros na boca e foge de ‘bike’. Tribuna do Paraná, 02 ago. 2013.
Disponível em: http://www.tribunapr.com.br/noticias/curitiba-regiao/atirador-mata-rapaz-com-tiros-
na-boca-e-foge-de-bike/>. Acesso em: 09 dez. 2017.
641 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
253
Uma das moradoras também relatou que há uns cinco anos teve uma vez que
a polícia recebeu a denúncia de um ladrão e eles invadiram sua casa além de
outros sobradinhos com arma na mão (na época ela ainda era casada), procurando
esse ladrão e que ela pedia calma porque as crianças estavam dormindo e eles
queriam saber porque o marido dela tinha saído correndo de bicicleta. Quando ela
chegou no portão, eles estavam espancando seu marido sem motivo algum. Ela
perguntou por que estavam batendo nele, que não tinha motivos, que ele não era
ladrão, que eles receberam essa denúncia, mas a denúncia não tinha identificado em
qual sobradinho o ladrão tinha entrado. Embora ela não tenha relacionado esse
episódio com a UPS, é importante esse relato para frisar a violência tradicionalmente
empregada na abordagem policial.
642 ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito penal brasileiro: teoria geral
do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v.1.
254
Sobre essa relação com a polícia, as moradoras disseram que têm medo, que
não têm mais o mesmo respeito e que não procuram a polícia porque podem "até se dar
mal". Quando a UPS entrou, não adiantava nem ligar para polícia que não funcionava.
Segundo elas, agora está funcionando, mas não adiantava ligar porque havia apenas
um funcionário e ele falava que não podia atender a ocorrência porque não tinha
viatura e que sozinho ele ia morrer.
Já na visão do vereador, a UPS funcionou durante quatro anos e foi bom.
Segundo ele, durante a instalação da UPS, o Coronel Monteiro, acompanhado por
um batalhão de polícia, cercaram a região e fizeram uma varredura que resultou na
prisão de várias pessoas. Antes disso tinha tiroteio na rua, hoje não tem mais.
Porém, a UPS, hoje, está sem estrutura, pois ficam apenas dois policiais e antes
eram 22 policiais com uma viatura. Realmente, quando visitei a UPS da Zumbi, havia
apenas dois policiais na unidade.
Esse relato é corroborado pela reportagem do jornal Gazeta do Povo, afirmando
que é possível verificar que a política não está funcionando, pelas marcas de tiro na
parede de uma padaria da Vila, que fica a menos de dois quilômetros da UPS.
Segundo uma moradora entrevistada pela reportagem, "Teve tiroteio aí na região
mês passado e a polícia nem apareceu na hora, eles só andam de viatura para
passear". Outro morador ouvido pela reportagem afirma que "no começo as patrulhas
eram intensas, agora é raro ver policial passando por aqui".643
Nos finais de semana havia a lei do silêncio sobre os bailões e, sempre que a
polícia aparecia, o dono do baile pagava para eles e a música continuava, um deles
era o baile do "Foguinho". Agora não tem mais baile, só bares com música ao vivo
ou bandinha, segundo uma das moradoras.
Eu perguntei se tem muita criança cujo pai está preso e as moradoras
disseram que sim, que é o que mais tem. Eu perguntei por que que eles acabam
"caindo" e elas falaram que é por causa de droga, roubo e briga de bar. O vereador
também fez menção a essa questão quando um menino passava em frente à
associação dos moradores: "Tá vendo esse? Logo morre! O pai já está preso e a vó
não dá conta".
643 RIBEIRO, D.; ANTONELLI, D. Unidades Paraná Seguro: população critica programa parado.
Gazeta do Povo, Curitiba, 25 fev. 2016.
255
Já em 2017, a Vila Zumbi conta com nove homicídios registrados pela página
Colombo Sitiada, somando um aumento de quase 100% em relação aos dados
de 2016.645
Esses dados mostram que a violência na cidade de Colombo, que atingiu no
ano de 2017 um total de 98 homicídios, e na Vila Zumbi e Liberdade, não está sendo
prevenida pela ação da UPS ou por outras medidas estatais.
Nesse caso, a atuação dos dispositivos de poder biopolíticos deixam os
moradores à mercê da morte, o racismo faz o recorte entre aqueles que são
deixados para morrer, normalmente ocasionadas por conflitos entre gangues, o que
afeta em especial os mais jovens.
Embora se tenha uma realidade menos militarizada do que a carioca, o
abandono do projeto hoje faz crescer os conflitos que implicam em um verdadeiro
genocídio, já que o número de mortes em um ano dobrou.
CONCLUSÃO
Pedro Malazarte fez uma aposta: iria convencer uma velha senhora "pão dura" a
lhe dar comida, pois estava morto de fome e sem nenhum dinheiro. Chegando à
fazenda da velha, pegou uma panela e colocou no fogo, com um pouco de água e
pedras, chamando a atenção da velha, que foi verificar o que estava acontecendo.
Quando ela se aproximou e perguntou o que ele estava fazendo, ele
imediatamente respondeu: Sopa de pedras! E ela, muito interessada, ainda perguntou:
e fica boa? Ele imediatamente respondeu: fica uma delícia!
Ela, pensando em sua fazenda e na quantidade de pedras que tinha, pensou
que poderia economizar muito com sua comida e ainda lucrar com isso.
Ansiosa e com fome, aguardando que a sopa ficasse pronta, perguntava ao
Pedro: Essa sopa fica pronta ou não? Quando ele responde: Está quase pronta, mas
se eu tivesse alguns legumes ela ficaria ainda melhor. A velha não pensou duas
vezes, deu os legumes para Pedro Malazarte que os cortou e guardou metade em
sua sacola, colocando a outra metade na sopa.
Ela ansiosa perguntava: esta sopa está pronta? E Pedro respondeu: está quase
pronta, mas se tivesse uns temperos, ficaria ainda melhor. A velha imediatamente
providenciou os temperos. Pedro novamente, guardou metade dos ingredientes na
sua sacola e colocou a outra metade na sopa.
Ela, com fome, pergunta novamente para Pedro se a sopa estava pronta, e
ele respondeu que sim, pediu à velha os pratos e talheres para servir e encheu o
prato dela de pedras, enquanto que no seu prato colocou os legumes e temperos, e
jogava as pedras fora.
Moral da história, a sopa de pedras era na verdade uma velha sopa de legumes
e com isso Pedro Malazarte ganhou a aposta!
As Unidades de Polícia de Pacificação são uma sopa de pedras, promessas
de que algo diferente e bom seria realizado, mas, na verdade, a polícia continuou
executando sua velha política de extermínio nas favelas.
Como Pedro Malazarte convenceu a velha senhora "pão dura", a mídia e o Estado
convenceram parte da população de que, gastando menos, e com mais polícia poderiam
fazer diferente, mas não era verdade, o sistema não seria reformado e, sob o manto
258
REFERÊNCIAS
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ALERJ aprova lei que subordina comando de UPPS a batalhões. Veja, 09 nov. 2017.
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atirador-mata-rapaz-com-tiros-na-boca-e-foge-de-bike/>. Acesso em: 09 dez. 2017.
_____. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2.ed. Rio
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_____. O Alemão é muito mais complexo. In: Paz armada. Rio de Janeiro: Revan/ICC,
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BRASIL. Lei n.o 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medidas de prevenção
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determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Disponível
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BRASIL. Lei n.o 10.746, de 10 de outubro de 2003. Altera a redação dos arts. 1. o, 4.o
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