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NATAL – RN
2023
YGOR RAFAEL CASSIANO DE ARAÚJO
NATAL – RN
2023
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profa. Dra. Yara Maria Pereira Gurgel
Orientador(a)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_____________________________________
Prof. Dr. Thiago Oliveira Moreira
Membro interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
______________________________________
Prof. Dr. Clarindo Epaminondas de Sá Neto
Membro externo
Universidade Federal de Santa Catarina
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Cristovam Araújo e Solange Cassiano, onde encontrei
todo acolhimento, paciência, ajuda para desenvolver meus estudos e ser quem eu sou.
This investigation focuses on the regulation of sexuality and gender identity and the role
of international normative frameworks for the protection of Human Rights and the
jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights in the legal construction of
citizenship rights directed to LGBTQIAP+ people in Brazil. To this end, the study
develops the idea of culture as a foundation for theorizing about biological sex, gender
identity, gender roles and sexual orientation, being responsible for creating a political,
social, and legal system that values people differently, based on in these characteristics.
From this context, in Brazil, since its colonization, moral repression and attempts to
restrict gender and sexuality are a reality that victimizes hundreds of people every year.
In counterpoint to these facts, during the last few decades, the International Society has
sought to expand the principles and norms of international law to include the protection
of LGBTQIAP+ people. That said, the following research problem is submitted to the
present study: how the international normative frameworks for the protection of Human
Rights and the jurisprudence of the Inter-American Court can contribute to the legal
construction of an LGBTQIAP+ citizenship that dialogues with Brazilian laws and
judicial decisions and contribute to its compatibility with the context of protection that
has been built internationally, in order to break with the culturally constructed norms,
which restrict expressions of gender and sexuality? Considering this context, the general
objective of this work is to study the regulation of sexuality and gender identity in Brazil,
and the contributions that the dialogue with international norms and the contentious
jurisprudence of the Inter-American Court can bring to the realization of the citizenship
of these vulnerable groups in the country. Therefore, it is essential to achieve these
specific objectives: contextualize gender and sexuality inequalities and present statistical
data on violence against LGBTQIAP+ people in Brazil; situate the international
normative frameworks for the protection of the Human Rights of LGBTQIAP+ people;
investigate how the Inter-American Court has been dealing with cases of discrimination
based on sexual orientation and gender identity; to analyze the judgments of the Brazilian
Federal Supreme Court and its interaction with international law. It is hypothesized that
international norms and judicial decisions contribute positively to the construction of a
concept of LGBTQIAP+ citizenship, which must be compatible with internal norms, and
must support laws and judicial and administrative decisions, with the aim of correcting
the culturally constructed social disparities. For this purpose, the hypothetical deductive
method was used, through doctrinal and jurisprudential analysis. The historical and
statistical auxiliary method were also used. The work is justified by the high rates of
LGBTphobic violence in Brazil, motivated by discrimination, as well as by the
contributions that international society has been bringing to the discussion. As a result, it
was found that there is a process of emancipation of vulnerable social groups in Brazil,
conducted by the STF in an innovative way, but that, to satisfy a posture of compliance
with international human rights law, this court can still do more.
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11
2. A NORMATIZAÇÃO DA SEXUALIDADE E DA IDENTIDADE DE GÊNERO
COMO UM PROBLEMA JURÍDICO .................................................................................... 17
2.1 RELAÇÃO ENTRE NORMAS DE GÊNERO, CULTURA E CIDADANIA........... 21
2.2 VIOLÊNCIA EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE
GÊNERO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ................................................... 42
2.2.1 Análise histórica da cisnormatividade e da violência contra a população
LGBTQIAP+ na República Federativa do Brasil ............................................................... 43
2.2.2 Dados demográficos da população LGBTQIAP+ na República Federativa do Brasil
dos dias atuais ..................................................................................................................... 53
2.2.3 Panorama estatístico da violência LGBTQIAP+ na República Federativa do Brasil,
dos anos 2000 a 2022 .......................................................................................................... 57
3. AS CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS NA CONSTRUÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO DOS GRUPOS
SEXUAIS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE ....................................................... 70
3.1 PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÕES
HISTÓRICAS E ESTRUTURAIS .......................................................................................... 72
3.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DA TUTELA DOS
DIREITOS DAS PESSOAS LGBTQIAP+ ............................................................................. 77
3.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA NÃO DISCRIMINAÇÃO ............................. 83
3.4 SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS E A
CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS LGBTQIAP+ ........................................ 86
3.4.1 Carta das Nações Unidas ....................................................................................... 87
3.4.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 .......................................... 89
3.4.3 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 (PIDCP) e seu
Protocolo Facultativo .......................................................................................................... 91
3.4.4 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e seu
Protocolo Facultativo .......................................................................................................... 95
3.4.5 Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986................................... 100
3.4.6 Conferência internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) de 1994
103
3.5 TUTELA ESPECÍFICA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS LGBTQIAP+ ............ 105
3.5.1 Princípios de Yogyakarta de 2006 ....................................................................... 106
3.5.2 Resolução nº 17/19 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e
Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, de 2011117
3.5.3 Princípios de Yogyakarta “+ 10”, de 2017 .......................................................... 124
4. PROTEÇÃO DAS PESSOAS LGBTQIAP+ NO SISTEMA INTERAMERICANO DE
PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS ......................................................................... 129
4.1 PRINCIPAIS INSTRUMENTOS NORMATIVOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS
HUMANOS CONTRA A NÃO DISCRIMINAÇÃO, EM ÂMBITO INTERAMERICANO
129
4.1.1 Carta da OEA e a Declaração Americana de Direitos e Deveres Do Homem
(DADDH) ......................................................................................................................... 130
4.1.2 Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (CADH) ................................. 131
4.1.3 Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância
134
4.1.4 Opinião Consultiva de nº 24/2017, da Corte Interamericana de Direitos Humanos
136
4.2 TUTELA DAS PESSOAS LGBTQIA+ NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS............................................................. 138
4.2.1 Caso Atala Riffo e Filhas Vs. Chile..................................................................... 140
4.2.2 Caso Duque Vs. Colômbia .................................................................................. 145
4.2.3 Caso Azul Rojas Marín e Outros Vs. Peru .......................................................... 150
4.2.4 Caso Flor Freire vs. Equador ............................................................................... 155
4.2.5 Caso Vicky Hernández e Outros Vs. Honduras................................................... 159
4.3 COMPATIBILIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS E DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE IDH COMO INSTRUMENTOS DE
PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS LGBTQIAP+ NA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL ................................................................................................ 169
5. A CONSTRUÇÃO JURÍDICA DA CIDADANIA LGBTQIAP+ NO BRASIL ....... 180
5.1 CIDADANIA, IDENTIDADE E SEXUALIDADE ................................................ 181
5.2 CIDADANIA SEXUAL E DISCURSO JURÍDICO................................................ 185
5.3 CIDADANIA SEXUAL E AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
BRASILEIRO ....................................................................................................................... 189
5.3.1 Julgamento conjunto da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº
132 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade de n.º 4.277 ............................................ 189
5.3.2 Ação De Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 291 .......................... 191
5.3.3 Recurso Extraordinário de nº 646.721: equiparação de regime sucessório entre
cônjuges e companheiros em união estável homoafetiva ................................................. 193
5.3.4 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275: alteração do nome e sexo de pessoas
transexuais no registro civil .............................................................................................. 195
5.3.5 Recurso Extraordinário nº 670.422: alteração do nome e sexo no registro civil de
pessoas transexuais mesmo sem intervenção cirúrgica .................................................... 198
5.3.6 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26: criminalização da
homotransfobia ................................................................................................................. 201
5.3.7 Mandado de Injunção nº 4.733: criminalização da homotransfobia ................... 204
5.3.8 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 457: divulgação de material
escolar sobre gênero e orientação sexual .......................................................................... 205
5.3.9 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.543: referente a doação de sangue por
homossexuais .................................................................................................................... 207
5.3.10 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 461: ensino sobre gênero
e orientação sexual nas escolas ......................................................................................... 209
6. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 213
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 220
11
1. INTRODUÇÃO
1
O acrônimo SOGIESC é utilizado doutrinariamente para se referir as minorias que são instituídas em
razão de sua “Sexual Orientation, Gender Identity and Expression, and Sex Characteristics”
13
Yogyakarta que vieram elencar diversos aspectos da cidadania que devem ser respeitados
pelos Estados, a fim de se reparar as disparidades construídas historicamente, que
deixaram às margens da sociedade as pessoas LGBTQIAP+.
Logo em seguida, o capítulo quatro traz as abordagens práticas do Sistema
Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos no enfrentamento das questões de
violência e discriminação das pessoas LGBTQIAP+. Para tanto, destacam-se cinco casos
emblemáticos decididos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos nas últimas duas
décadas, cujo recorte metodológico se dá a partir da condenação de Estados pela violação
dos direitos humanos das pessoas, motivada pelo preconceito em razão de sua sexualidade
e identidade de gênero, e tendo como resultado o pronunciamento pela reparação,
restituição, satisfação de garantias de não repetição das violações verificadas. Para tanto,
foi utilizado como motor de busca o “Caderno de Jurisprudência da Corte Interamericana
de Direitos Humanos”, número 19, publicado no ano de 2021e disponível no sítio oficial
da organização.
Verifica-se também, nesse momento, o questionamento de como a interpretação
dos instrumentos da Corte IDH deve modificar as interpretações internas de todos os
países que ratificam a Convenção Americana de Direitos Humanos. Propõe-se formas de
se compatibilizar as normas e decisões judiciais brasileiras ao contexto de proteção que
vem sendo construído pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, a exemplo do
controle de convencionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos e do
respeito à jurisprudência da Corte IDH.
O capítulo cinco nos apresenta ao conceito de cidadania sexual, e suas
implicações jurídicas, assim como busca nas decisões do Supremo Tribunal Federal
brasileiro uma compatibilização com o contexto normativo de proteção às minorias
sexuais que vem sendo construído pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos e pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos, de forma a identificar se tais marcos foram
levados em consideração pelo Tribunal Constitucional
Levanta-se a hipótese de que os instrumentos internacionais de proteção dos
direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+ devidamente ratificados pelo Brasil, assim
como as decisões judiciais proferidas em casos contenciosos da Corte IDH, em razão da
ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos pelo Brasil, devem ser
instrumentos de compatibilização das normas domésticas e fundamento das decisões
judiciais proferidas pelos órgãos administrativos e judiciais.
16
2
MARINO, Tiago Fuchs; CARVALHO, Luciani Coimbra de; NASCIMENTO, João Pedro Rodrigues. A
Corte Interamericana de Direitos Humanos e a proteção dos direitos LGBTI: construindo um ius
constitituonale commune baseado na diversidade. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v.
11, n. 2, p. 715-735, 7 nov. 2021. Centro de Ensino Unificado de Brasilia.
http://dx.doi.org/10.5102/rbpp.v11i2.7382.
3
BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. Dos Povos Nativos Ao Surgimento Dos Movimentos
Sociais: Influências Dos Discursos Jurídicos, Religiosos e Médicos Para a Construção Do Conceito
De Homossexualidade No Brasil. Revista de Direito Internacional. 2018. p. 270
4
COORDENAÇÃO DE POLÍTICAS PARA A DIVERSIDADE SEXUAL. Diversidade sexual e cidadania
LGBT. São Paulo, 2014. Disponível em: https://justica.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2021/02/CARTILHA-DIVERSIDADE-SEXUAL-1%C2%AA-EDI%C3%87%C3%83O-
2014.pdf. Acesso em: 02 fev. 2023. p. 10
5
Ibid., p. 13
18
heterossexual (pessoa que se atrai por outra de sexo ou gênero oposto), homossexual
(pessoas que se atraem por outras do mesmo sexo ou gênero), bissexuais (pessoas que se
sentem atraídas por outras de ambos os gêneros).6
Partindo dos conceitos elencados, o teórico social Michael Warner cria o termo
“heteronormatividade”, que define um sistema de ideias construído fundamentalmente a
partir da heterossexualidade (manutenção de relações amorosas ou sexuais entre pessoas
de sexos diferentes) como premissa normativa básica de convivência em um determinado
espaço social.7 De outro lado, a terminologia cisnorma, de onde se extrai a palavra
cisnormatividade, consiste em uma palavra-conceito que começou a ser utilizada na
década de 1990 por militantes não bináries (pessoas cujo gênero não se define entre
homem e mulher) em âmbito digital, e que foi incorporada pelas publicações acadêmicas
brasileiras a partir da década de 2010, originada da junção do termo “cisgênero”, que
designa as pessoas que se identificam única e exclusivamente com o sexo e o gênero que
lhes foi atribuído na ocasião de seu nascimento8 com a palavra “norma”, de forma a
elucidar a maneira com que os saberes e poderes legitimam e normalizam a sexualidade
e a identidade de gênero.9
A cisnormatividade parte do pressuposto de que cada indivíduo tem, de forma
objetiva, um sexo verdadeiro que é imutável durante toda sua vida, que este é legítimo e
normal, e que tudo que diverge dessa constatação é ilegítimo, anormal e delirante.10 O
prefixo “cis” advém do latim, e, quando relacionada ao tempo, significa algo anterior ou
interior, quando relacionada ao espaço, significa um lugar próximo ou do mesmo lado.
Quando ele é empregado como preposição, ele rege o elemento que vem logo em seguida,
de forma que, quando a preposição se refere a um termo subsequente gênero, sexo ou
norma, o prefixo “cis” indica um alinhamento com algo previamente estabelecido.
Portanto, cisgênero é aquele que se manteve no sexo designado, e que se mantém
6
COORDENAÇÃO DE POLÍTICAS PARA A DIVERSIDADE SEXUAL. Diversidade sexual e cidadania
LGBT. São Paulo, 2014. Disponível em: https://justica.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2021/02/CARTILHA-DIVERSIDADE-SEXUAL-1%C2%AA-EDI%C3%87%C3%83O-
2014.pdf. Acesso em: 02 fev. 2023. p. 10 e 11
7
COSTA, Ângelo Brandelli; NARDI, Henrique Caetano. Homofobia e preconceito contra diversidade
sexual: debate conceitual. Temas psicol., Ribeirão Preto, v.23, n. 3, p. 715-726, set. 2015. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2015000300015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 10 out. 2021. http://dx.doi.org/10.9788/TP2015.3-
15. p. 719
8
BONASSI, Brune Camillo. Cisnorma: acordos societários sobre sexo binário e cisgênero. 2017. 121 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2017. p. 20
9
Ibid., p. 20
10
Ibid., p. 23
19
11
BONASSI, Brune Camillo. Cisnorma: acordos societários sobre sexo binário e cisgênero. 2017. 121 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2017. p. 23
12
Ibid., p. 24
13
Ibid., p. 23
14
COSTA, Ângelo Brandelli; NARDI, Henrique Caetano. Homofobia e preconceito contra diversidade
sexual: debate conceitual. Temas psicol., Ribeirão Preto, v.23, n. 3, p. 715-726, set. 2015. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2015000300015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 dez. 2022. http://dx.doi.org/10.9788/TP2015.3-
15. p. 717
20
termo masculinizante, originário de uma linguagem que também traz em si uma forma de
exclusão e de expressão de preconceitos, característico das línguas latinas, que trazem
regras tradicionais e supostamente neutras de linguagem nos obrigando a utilizar termos
masculinos como se fossem termos genéricos que se referem a mulheres e homens.
Ademais, nos dias atuais, para caracterizar o preconceito em razão da
sexualidade ou identidade de gênero, é mais adequado utilizar-se das terminologias
LGBTFOBIA ou heterossexismo, este último, criado na década de 1970, durante os
movimentos de reinvindicação por direitos civis, e originado a partir das ideias de racismo
e sexismo.15 A utilização desse termo remete a um caráter sociológico, que associa o
preconceito e a discriminação às esferas institucionais, materiais e ideológicas da
sociedade, se referindo a manifestação e perpetuação da ideia de que tudo que não é
heterossexual e cisgênero teria menos valor e legitimidade, e está muito ligado à ideia de
heteronormatividade.16
Portanto, o presente capítulo tem o objetivo de explorar a construção cultural das
normas heterossexistas, que limitam, proíbem e reprimem as expressões de gênero e
sexualidade de diversas pessoas. Muitas dessas normas são resquícios de uma visão
limitada de normalidade que tem origem em diversas formas de cultura, que se perpetuou
por meio do discurso religioso e científico, que foi difundido a partir do colonialismo
proibindo quaisquer atividades sexuais entre pessoas não heterossexuais, e utilizando-se,
muitas vezes, de termos indefinidos como “crimes contra a natureza”, “moralidade” e
“devassidão”.
Assim, este capítulo subdivide-se em dois momentos: o primeiro momento
consiste no entendimento da construção histórica de uma sociedade fundada em normas
de gênero, a partir de uma construção cultural, enquanto o segundo momento apresenta
as consequências factuais de tal construção, que se perpetua desde a antiguidade até os
dias atuais, sob a forma da estigmatização social e da manutenção das desigualdades
sociais que sujeitam as pessoas que compõem a comunidade LGBTQIAP+. Essas
desigualdades se traduzem em dados estatísticos de crimes de ódio, em abuso da força
15
COSTA, Ângelo Brandelli; NARDI, Henrique Caetano. Homofobia e preconceito contra diversidade
sexual: debate conceitual. Temas psicol., Ribeirão Preto, v.23, n. 3, p. 715-726, set. 2015. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2015000300015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 dez. 2022. http://dx.doi.org/10.9788/TP2015.3-
15. p. 718
16
Ibid., p. 719
21
policial, tortura, violência familiar e falta de interesse dos governantes em modificar tal
realidade social.
17
LARAIA, Roque de Barros. CULTURA: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1986. (Coleção ANTROPOLOGIA SOCIAL). Direção: Gilberto Velho. p. 10
18
Ibid., p. 10-11
19
Ibid., p. 11
20
Parte da medicina que se ocupa do corpo humano e especialmente das partes sólidas (os ossos, os
músculos etc.). SOMATOLOGIA. In: DICIO, Dicionário Online de Português. 7Graus, 2023. Disponível
em: <https://www.dicio.com.br/somatologia/>. Acesso em: 02 de fev. 2023.
21
Estudo das relações entre os seres e o meio ou ambiente. MESOLOGIA In: DICIO, Dicionário Online
de Português. 7Graus, 2023. Disponível em: < https://www.dicio.com.br/mesologia/>. Acesso em: 02 de
fev. 2023.
22
22
LARAIA, Roque de Barros. CULTURA: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1986. (Coleção ANTROPOLOGIA SOCIAL). Direção: Gilberto Velho. p. 17
23
Ibid., p. 25-27
24
TYLOR, Edward. 1871. apud. LARAIA, Roque de Barros. CULTURA: um conceito antropológico. 14.
ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. (Coleção ANTROPOLOGIA SOCIAL). Direção: Gilberto
Velho. p. 25
25
LARAIA, Roque de Barros. CULTURA: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1986. (Coleção ANTROPOLOGIA SOCIAL). Direção: Gilberto Velho. p. 25
26
Ibid., p. 30
23
27
LARAIA, Roque de Barros. CULTURA: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1986. (Coleção ANTROPOLOGIA SOCIAL). Direção: Gilberto Velho. p. 19-20
28
TILIO, Rafael de. TEORIAS DE GÊNERO: principais contribuições teóricas oferecidas pelas
perspectivas contemporâneas. Gênero, Niterói, v. 14, n. 2, p. 125-148, maio 2014. p. 128
29
Ibid., p. 128
24
30
TILIO, Rafael de. TEORIAS DE GÊNERO: principais contribuições teóricas oferecidas pelas
perspectivas contemporâneas. Gênero, Niterói, v. 14, n. 2, p. 125-148, maio 2014. p. 129
31
Ibid., p. 129
32
Ibid., p. 129 e 130
33
Ibid., p. 130
25
homossexuais, lhes direcionando para possuírem uma postura heterossexual que lhes
confere atração sexual pelas mulheres e repúdio sexual pelos homens.34
Outrossim, no que se refere as meninas, a teoria de Freud e Lacan crê que elas
se identificam amorosamente com o pai, pois este possui pênis e elas não o possuem, e
também com a mãe, esta que também é incompleta pois lhe falta o falo, ao mesmo tempo
que rivalizam com a mãe pois tem interesses no pai, de forma a desejar afetivamente e
sexualmente os homens e desenvolverem um desinteresse sexual pelas mulheres.35 O que
deve ser compreendido sobre esta teoria é que Freud e Lacan acreditam no pênis/falo
como uma norma orientadora que impõe certas vantagens aos homens, por eles possuírem
pênis, sobre as mulheres que tanto teriam inveja do pênis quanto necessitariam se ligar a
alguém que o possua, e qualquer orientação que fuja dessa norma seria considerada como
um desencaminhamento ou uma perversão do desenvolvimento.36
Para mais, os estudos sobre sexo e gênero se intensificam no período Pós-
Segunda Guerra Mundial, a partir dos movimentos feministas, com a intenção de
denunciar e compreender a subordinação social e a invisibilidade política de que as
mulheres vêm sendo vítimas durante todo o percurso histórico, desde a antiguidade, e
partindo-se de um conhecimento acadêmico, com objetivo de fortalecer os movimentos
sociais.37
Logo, são postos em pauta os temas vinculados ao cotidiano, à família, à
sexualidade, ao trabalho doméstico, bem como alguns pressupostos básicos da ciência
que eram hegemônicos na época, como a universalidade, a racionalidade, a neutralidade
a objetividade, com a intenção de contestar quaisquer teorias que partissem da suposição
de que havia uma essência humana, masculina e branca, focada na razão.38
Esses processos de contestação foram amplamente confrontados pelas teorias
que continuavam a se utilizar as justificativas biológicas e teleológicas para explicar as
diferenças entre homens e mulheres. No contexto de tais confrontos, alguns grupos
feministas se propõem a argumentar que alguns fatores sociais são injustos, a exemplo
das formas com que algumas características masculinas e femininas são diferentemente
valoradas; as formas de se distinguir, na sociedade, o que é feminino ou masculino; elas
34
TILIO, Rafael de. TEORIAS DE GÊNERO: principais contribuições teóricas oferecidas pelas
perspectivas contemporâneas. Gênero, Niterói, v. 14, n. 2, p. 125-148, maio 2014. p. 130
35
Ibid., p. 130 e 131
36
Ibid., p. 131
37
MEYER, Dagmar Estermann. TEORIAS E POLÍTICAS DE GÊNERO: fragmentos históricos e desafios
atuais. Revista Brasileira Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 1, p. 13-18, jun. 2004. p. 14
38
Ibid., p. 14
26
observam também que aquilo que se pensa e se verbaliza sobre homens e mulheres define
o que é inscrito no corpo de inúmeras pessoas e estipula fatores que definem a vivência
masculina e feminina em uma determinada cultura e em um determinado momento
histórico.
Nesse sentido, o termo gênero vêm surgir no ano de 1968, cunhado por Robert
Stoller em seu livro “sexo e gênero”, e consistia em um regime próprio de constituição
das identidades sexuais, que iria mais adiante das diferenças anatômicas do sexo. Esse
termo passou a ser utilizado pelas teorias feministas, objetivando concretizar o caráter de
construção da identidade das mulheres.39 Assim, o conceito de gênero pode assumir
diversas perspectivasm, sendo objeto de questionamentos, debates e disputas dentro das
várias perspectivas teóricas.40 Nesse iterim, os diversos sentidos do conceito de gênero
são manifestados ao longo da história nas ciências humanas e sociais, por meio de
diversas matrizes teóricas e acarretam em uma expansão de possibilidades acerca da
complexidade das relações sociais e de poder.41 E a partir de cada concepção teórica é
possibilitada a existência de ações diferenciais, que auxiliam tanto na estagnação quanto
na reestruturação das práticas vigentes sobre gênero, que permeiam as relações entre
homens, entre mulheres, entre homens e mulheres ou entre adultos e crianças.42
A Antropóloga Gale Rubin, em seu ensaio “o tráfico de mulheres”, publicado no
ano de 1975, levanta a discussão sobre algumas das ferramentas conceituais onde se pode
descrever parte da vida social que reside a opressão das mulheres, das minorias sexuais e
de alguns aspectos da personalidade humana que estão presentes em todos os indivíduos,
os quais ela conceitua como “sistema de sexo/gênero”, que se compatibiliza com os
conceitos de cisnormatividade e heteronormatividade já abordados.
Para Rubin, o “sistema de sexo/gênero” consiste em “uma série de arranjos por
meio dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da
atividade humana, nos quais essas necessidade sexuais transformadas são satisfeitas”.43
Para tanto, a autora se utiliza de uma leitura crítica de filósofos como Lévi-Strauss e
Sigmund Freud. Para ela, os domínios do sexo, do gênero e da procriação humana vêm
39
FIGUEIREDO, E. Desfazendo o gênero: a teoria queer de Judith Butler. Revista Criação & Crítica, [S.
l.], n. 20, p. 40-55, 2018. DOI: 10.11606/issn.1984-1124.v0i20p40-55. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/138143. Acesso em: 1 nov. 2022. p. 41
40
TILIO, Rafael de. TEORIAS DE GÊNERO: principais contribuições teóricas oferecidas pelas
perspectivas contemporâneas. Gênero, Niterói, v. 14, n. 2, p. 125-148, maio 2014. p. 127
41
Ibid., p. 127
42
Ibid., p. 127
43
RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro Dias. p. 11
27
44
RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro Dias. 18
45
Ibid., p. 21
46
Strauss apud RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro
Dias. p. 24
28
que são permitidas e as que são proíbidas, exigindo, nesse caso, que as uniões ocorressem
necessariamente entre pessoas de grupos diferentes.47
A partir do coesão entre o tabu do incesto (que impunha regras as escolhas
sexuais dos indivíduos) e a troca de presentes entre diferentes grupos sociais (onde a
mulher figurava como principal presente), se faz importante refletir o papel que a mulher
passa a ter nesse contexto, pois a troca de mulheres estabelece tanto uma relação de
reciprocidade quanto de parentesco entre grupos sociais. Nessa conjuntura, os parceiros
de trocas se tornam afins, pois seus descendentes serão consanguíneos, formando uma
rede de relacionamentos que constituem uma rede de parentesco. Strauss assevera que
parentesco é organização, e organização traz poder. Ocorre que, na forma com que essa
organização se configura, os homens figuram como parceiros de trocas enquanto as
mulheres figuram como objeto das transações.48
O conceito de troca de mulheres de Strauss se relaciona diretamente com a
cultura e com sua característica de ser inventiva, e tem como consequência situar a
opressão das mulheres nos sistemas sociais e não nas condições biológicas. Esse conceito
pode ser identificado em várias práticas sociais, quando as mulheres são tomadas durante
combates, ou trocadas por favores, enviadas como tributo, compradas ou vendidas.49
Nesses termos, a mulher se torna um veículo das relações, e não uma parceira de troca, o
que implica uma distinção entre quem oferta e o que é ofertado, onde aos homens, que
estão no papel de parceiros de troca, é conferido o poder do laço social e o benefício de
participar da organização social, que é o produto de tais trocas.
Para Rubin, o conceito de troca de mulheres não consiste em uma definição de
cultura, nem em um sistema em si, mas têm sua importância na condensação de alguns
aspectos das relações de sexo e gênero. Ela acrescenta que um sistema de parentesco
impõe fins sociais a uma parcela do mundo natural, traduzindo-se em uma transformação
de objetos com um propósito subjetivo. Ele possui sistemas próprios de relações de
produção, de troca e distribuição que envolvem certas formas de “propriedade” sobre os
indivíduos, e estabelece diferentes tipos de direitos que algumas pessoas podem ter sobre
as outras. Esse sistema tem uma área de atuação mais ampla, acessando a seara da
47
Strauss apud RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro
Dias. p. 24 a 26
48
Ibid., p. 24
49
Ibid., p. 26
29
50
Strauss apud RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro
Dias. p. 28 e 29
51
Ibid., p. 30
52
Ibid., p. 30 e 31
53
Ibid., p. 32
30
parentesco. Nesses casos, as dívidas conjugais são calculadas entre as mulheres, onde
essa mulher se torna obrigada a ser parceira sexual de um homem a quem ela é devida
como uma compensação decorrente de um acordo prévio, e sua recusa interromperia um
fluxo de compromissos. Nesses casos, também há a compulsoriedade pela
heterossexualidade, pois, se hipoteticamente duas mulheres decidissem recusar os
acordos firmados, onde elas eram objetos prometidos a homens, para se unir afetivamente
ou sexualmente, elas gerariam duas interrupções de dívidas em que elas estavam
implicadas.
Sobre a questão da sexualidade, no ano de 1982 Rubin apresentou, na
conferência “Scholar and Feminist, no Barnard College” (Nova York) o seu texto
intitulado “Pensando o Sexo”, no qual a autora explica que, assim como outros aspectos
do comportamento humano, a sexualidade é um produto da atividade humana que varia
conforme o tempo e o lugar onde ela é observada, e suas várias formas de manifestação
são “permeadas por conflitos de interesses e manobras políticas”, havendo períodos onde
as discussões sobre sexualidade são mais politizadas, como é o caso da Inglaterra e dos
Estados Unidos no final do século XIX.54
Para tanto, historicamente, existem uma série de aspectos persistentes do
pensamento sobre o sexo, os quais a autora enuncia, asseverando que eles aparecem em
contextos políticos distintos, e que embora apresentem-se por meio de novas expressões,
eles reproduzem os mesmos axiomas fundamentais. Um desses axiomas é o
“essencialismo sexual”, que consiste no conceito de que o sexo é uma força natural
anterior a vida social, e que confere forma às instituições, sendo considerado imutável
associal e trans-histórico.55 Para tanto, Rubin cita que Michel Foucault, em sua “história
da sexualidade”, foi um crítico dessa visão tradicional de sexualidade, concebida como
um impulso natural da libido, onde o autor argumenta que os desejos não são entidades
biológicas preexistentes, mas existem a partir do decorrer de práticas sociais específicas,
ressaltando que novas sexualidades são constantemente produzidas.56
Isso não quer dizer que há uma total desconsideração entre sexualidade e o
caráter biológico dos seres humanos, mas que a sexualidade humana não pode ser
compreendida apenas por esse viés, tendo em vista que ela se utiliza do corpo, do cérebro,
54
RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro Dias. p. 63-
64
55
Ibid., p. 77
56
Ibid., p. 78
31
da genitália e da linguagem para se expressar, e que tais elementos não podem ser
separados dos significados que a sociedade confere a eles por intermédio da cultura,
portanto seus conceitos são fundados em uma construção social e histórica.57
Rubin ressalta a existência de formações ideológicas incutidas no pensamento
sexual, onde a principal delas diz respeito ao que a autora chama de “negatividade
sexual”, que é uma ideia presente nas sociedades ocidentais que consideram o sexo uma
força perigosa, destrutiva e negativa, presente na tradição cristã como algo pecaminoso,
que só pode ser redimido se praticado dentro do casamento, com finalidade procriativa e
sem foco no prazer. A autora explica que essa visão decorre da ideia que a genitália é uma
parte inferior do corpo, que detém um status aquém de outros órgãos como a mente, a
alma e o coração, e se assemelhando aos órgãos excretores.58
Nessa perspectiva, todas as questões que são ligadas ao sexo são considerados
más, exceto se possuirem uma razão que o justifique, tal como o casamento, a reprodução
e o amor, e quaisquer diferenças de valor ou de comportamento são duramente
repreendidas e punidas. Cria-se um sistema hierárquico de valores sexuais, onde os
heterossexuais que se unem matrimonialmente e procriam se encontram localizados no
topo da hierarquia, seguidos pelos casais heterossexuais monogâmicos não casados, e
seguidos por outros heterossexuais. Descendo a hierarquia, estão o sexo solitário, de
forma controversa, e logo abaixo os casais lésbicos e gays que estão juntos há uma longa
data, estes que detém maior respeitabilidade que as pessoas lésbicas e gays solteiras
(livres para contrair mais de um parceiro). As classes mais desprezadas da pirâmide
hierárquica de sexualidade, de acordo com Rubin, são as pessoas transexuais, travestis,
fetichistas, sadomasoquistas, profissionais do sexo e os modelos pornográficos.59
O reflexo dessa pirâmide hierárquica destacada diz respeito às diferentes formas
com que esses grupos sociais são incluídos na sociedade e podem gozar de sua cidadania
plena. Nos termos de Rubin, pessoas localizadas no topo da cadeia hierárquica, “são
recompensados com o reconhecimento de saúde mental, respeitabilidade, legalidade,
mobilidade social e física, apoio institucional e benefícios materiais” enquanto que, na
medida em que a hierarqua vai se deslocando para baixo na escala de comportamentos
sexuais ou ocupações, os indivíduos estão sujeitos à “presunção de doença mental, falta
57
RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro Dias. p. 79
58
Ibid., p. 81
59
Ibid., p. 83
32
60
RUBIN, Gale. Políticas do Sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile Pinheiro Dias. p. 83
61
TILIO, Rafael de. TEORIAS DE GÊNERO: principais contribuições teóricas oferecidas pelas
perspectivas contemporâneas. Gênero, Niterói, v. 14, n. 2, p. 125-148, maio 2014. p. 133
62
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, [S. l.], v. 20, n. 2,
2017. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: 4
jun. 2023. p. 74
63
Ibid., p. 75
64
Ibid., p. 75
33
incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado por ele nem contribui diretamente
para a sexualidade.65 Para Scott, as abordagens utilizadas nas análises de gênero, pelos
historiadores e historiadoras feministas podem ser resumidas em três posições teóricas,
onde uma delas busca explicar as origens do patriarcado; outra se localiza na tradição
marxista e busca um compromisso com as críticas feministas; e a terceira, dividida entre
pós-estruturalismo francês e as teorias anglo-americanas das relações de objeto, ilumina-
se pelas várias escolas de psicanálise na busca da explicação de como se produz e de
reproduz a identidade de gênero dos sujeitos.66
Ademais, no que se refere as preocupações teóricas referentes ao gênero como
categoria de análise, a autora as situa no final do século XX, onde o termo gênero participa
das tentativas, por parte das feministas contemporâneas, de reivindicar certo campo de
definição, reforçando o caráter de inadequação das teorias existentes para explicar as
desigualdades entre os sexos.67
Assim, a definição de gênero de Jean Scott, como a própria autora afirma, é
dividida em duas partes e várias subpartes, que estão inter-relacionadas mas que devem
ser analiticamente diferenciadas. Seu núcleo essencial fundamenta-se na conexão entre
as proposições de que “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado
nas diferenças percebidas entre os sexos”, e de que "gênero é uma forma primária de dar
significado às relações de poder”.68
Para tanto, a primeira parte da definição, que consiste no gênero como elemento
constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, implica
em quatro elementos que estão interrelacionados. São eles, em primeiro momento, os
símbolos disponíveis culturalmente, que evocam representações simbólicas, a exemplo
das figuras de Eva e Maria como símbolos da mulher na tradição cristã ocidental, devendo
ser importante, para os historiadores, entender quais são as representações invocadas,
como elas o são, e qual o contexto que isso ocorre.69 Em um segundo momento, os
conceitos normativos que tentam limitar e conter as possibilidades metafóricas desses
símbolos, e que estão expressos nas doutrinas religiosas, científicas, políticas ou jurídicas
e aparecem sob a forma binária fia, que afirma de forma objetiva e inequívoca o
65
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, [S. l.], v. 20, n. 2,
2017. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: 4
jun. 2023. p. 75
66
Ibid., p. 77
67
Ibid., p. 85
68
Ibid., p. 86
69
Ibid., p. 86
34
significado de homem e mulher. Scott destaca que essas afirmações normativas dependem
da rejeição ou repressão de outras possibilidades de significados, de onde os historiadores
devem se preocupar em quais circunstâncias esse fenômeno acontece.70
A partir desses fenômenos nascem posições dominantes, e a história posterior é
escrita como se eles fossem o consenso social, e não o produto do conflito. Para a
historiadora, o terceiro aspecto de gênero consiste no desafio incutido na nova pesquisa
histórica que corresponde a acabar com essa fixidez e descobrir a natureza do debate que
conduz a essa aparência de intertemporalidade na representação de gênero binária. Para
tanto, ela contesta os pesquisadores, em especial os antropólogos, quando estes resumem
o uso do gênero aos sistemas de parentesco, pois acredita que o mercado de trabalho, a
educação e o sistema político são construídos igualmente nesses espaços.71 O quarto
aspecto de gênero consiste na identidade subjetiva. Para ela, os historiadores necessitam
examinar as formas pelas quais as identidades atribuídas aos gêneros são construídas, e
relacioná-las a todas as atividades, organizações e representações históricas.72
A segunda parte da definição de gênero de Scott parte da premissa de que tal
conceito não é a primeira forma de conferir significados às relações de poder, em que
pese o gênero ser uma forma persistente e recorrente de oportunizar a significação do
poder nas tradições judaico-cristãs e islâmicas. Para a autora, as significações de gênero
e poder se constroem de forma recíproca, sendo o gênero uma das referências por onde o
poder político tem sido concebido, legitimado e criticado.73 Para que haja mudança nesse
contexto de reciprocidade, existem diversos caminhos: as revoluções políticas de massa
que incentivam a revisão dos termos, as crises demográficas, os padrões de empregos a
emergência de novos tipos de símbolos culturais são exemplos citados pela historiadora.
Ademais, conclui Scott que as relações entre homens e mulheres devem ser contestadas,
e não tomadas como algo definido, de forma a refletir os discursos políticos que invocam
gênero para defender determinadas posições. A exploração dessas questões inicia uma
nova história, com novas perspectivas sobre as antigas questões, de forma a redefini-las
em novos termos, abrindo possibilidades de reflexão sobre as atuais estrtégias políticas
70
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, [S. l.], v. 20, n. 2,
2017. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: 4
jun. 2023. p. 86-87
71
Ibid., p. 87
72
Ibid., p. 88
73
Ibid., p. 92
35
feministas e a restruturação de uma nova visão de igualdade política que não leve em
consideração somente o sexo, mas também a classe e a raça.74
Assim, Scott propõe que a história seja o método e o objeto de estudo das teorias
das relações de gênero, pois a partir de uma análise histórica os estudiosos são capazes
de aferir diversas formas de articulação possíveis entre sexo e gênero, e como ocorrem os
processos de construção e de compreensão das diferenças sexuais. Nesse sentido, gênero
seria uma categoria analítica macro, que compõe os símbolos culturais que regem as
relações humanas, e também possui uma categoria analítica microssociológica, que
consiste na internalização e identificação individual do sujeito das diferenças sexuais.75
Ademais, ainda na esteira das teorias de gênero, outro expoente de grande
destaque consiste na teoria queer, que também se insere em um cenário inaugurado pelos
“novos” movimentos sociais surgidos nos Estados Unidos da América na década de 1960:
o movimento pelos direitos civis da população negra no Sul dos Estados Unidos, o
movimento feminista da segunda onda e o movimento homossexual76, onde
problematizam-se, a partir desse período, tópicos como o corpo, o desejo e a sexualidade,
e a forma com que esses temas expressam relações de poder. No caso das pessoas
homossexuais, enfrentava-se o aparato médico-legal que tentava encaixar suas vivências
em patologias, e representá-los como um perigo social e psiquiátrico.77
Ademais, a teoria queer se consolida historicamente na segunda metade da
década de 1980, durante a epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA).
Nesse período, os Estados Unidos da América eram governados pelo presidente
conservador Ronald Reagan, cujas políticas públicas se recusavam a aproximar o Estado
do enfrentamento da epidemia decorrente da disseminação do vírus HIV, se recusando a
reconhecer que se tratava de uma emergência de saúde pública.78
Essa epidemia, que surge a partir da contaminação por um vírus, poderia ter sido
enfrentada como outras doenças virais que são tansmitidas de variadas formas, inclusive
pelo contato sexual, a exemplo da Hepatite B, porém, a SIDA foi distinguida como uma
74
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, [S. l.], v. 20, n. 2,
2017. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: 4
jun. 2023. p. 93
75
TILIO, Rafael de. TEORIAS DE GÊNERO: principais contribuições teóricas oferecidas pelas
perspectivas contemporâneas. Gênero, Niterói, v. 14, n. 2, p. 125-148, maio 2014. p. 134
76
De acordo com MISKOLCI, esses movimentos são chamados de novos movimentos sociais em razão de
seu aparecimento após os movimentos operários, e por trazer a tona demandas que vão além da
redistribuição econômica.
77
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 22
78
Ibid., p. 23
36
79
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 23
80
Ibid., p. 24
81
Ibid., p. 24
82
Ibid., p. 24
83
LOURO, Guacira Lopes. TEORIA QUEER: uma política pós-identitária para a educação. Estudos
Feministas, Sl, v. 9, n. 2, p. 541-553, 2001. p. 546
37
Nesse contexto, é importante destacar que a palavra queer tinha como sentido
originário a forma depreciativa de designar as pessoas que fugiam da cis-
heteronormatividade, carregando um sentido sinônimo à bizarro, excêntrico,
extraordinário, estranho (talvez, até mesmo, como um sinônimo de ridículo).84
O movimento queer se diferencia até mesmo dos movimentos homossexuais
forjados na década de 1960, pois, estes eram compostos por valores de classe média
branca e letrada, que buscava sua aceitação e incorporação dentro de uma sociedade já
estabelecida normativamente. O movimento homossexual tinha como sua principal
característica a aceitação dos valores hegemônicos da sociedade, de forma a adaptar a
vivencia homoafetiva dos indivíduos aos valores e as demandas sociais. De forma
diferente, o movimento queer se orienta a partir da crítica às exigências sociais, aos
valores, às convenções culturais e suas influências autoritárias e preconceituosas, e
objetiva enfrentar o desafio de criticar os valores hegemônicos na sociedade e mudá-los
de forma que os valores e as demandas sociais sejam aceitáveis aos cidadãos.85
Nestes termos, se faz necessário apontar a insuficiência do movimento
homossexual frente à diversas outras vivências que compõem a própria sigla
LGBTQIAP+. Este movimento, tinha como seu principal argumento a contraposição à
uma heterossexualidade compulsória e busca de sua aceitação social dentro de uma
sociedade já estabelecida normativamente, e sem confrontar as bases estruturantes de tais
normas. Muitas vezes, essa aceitação social ocorria para aqueles gays e lésbicas mais
normalizados, que aderiam e reproduziam alguns padrões da heteronormatividade
(geralmente pessoas brancas, cisnormativas, de classes médias e altas, que vivem em
centros urbanos, sobretudo nas regiões metropolitanas), e que, por muitas vezes, podem
se tornar agentes da própria heteronormatividade.86
Nesse momento, também se faz importante acrescentar uma reflexão sobre o
papel da religião e da heteronormatividade no processo de abjeção das pessoas
LGBTQIAP+, retomando a conceituação tratada anteriormente neste capítulo, quando foi
estabelecida a relação entre o essencialismo biológico e a religião, em especial as religiões
cristãs, tendo em vista que a Igreja Católica, com a intenção de assegurar elementos como
84
FIGUEIREDO, E. Desfazendo o gênero: a teoria queer de Judith Butler. Revista Criação & Crítica, [S.
l.], n. 20, p. 40-55, 2018. DOI: 10.11606/issn.1984-1124.v0i20p40-55. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/138143. Acesso em: 1 nov. 2022. p. 43
85
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 25
86
Ibid., p. 25
38
87
SILVA, Laionel Vieira da; BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. Entre cristianismo, laicidade e
estado: As construções do conceito de homossexualidade no Brasil. Mandrágora, v.21. n. 2, p. 67-88, 2015.
p. 74
88
Ibid., p. 74
39
89
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 25
90
Ibid., p. 25
91
FIGUEIREDO, E. Desfazendo o gênero: a teoria queer de Judith Butler. Revista Criação & Crítica, [S.
l.], n. 20, p. 40-55, 2018. DOI: 10.11606/issn.1984-1124.v0i20p40-55. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/138143. Acesso em: 1 nov. 2022. p. 41
92
Ibid., p. 41
93
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 27
40
pelas elites contra o povo.94 Por sua vez, a perspectiva do poder disciplinar luta pela
desconstrução das normas e das convenções culturais que nos constituem como sujeitos,
e se desenvolve a partir da década de 1980 com a disseminação do conceito de gênero e
a inclusão das ideias de Michel Foucault de que o poder está em toda parte e opera por
meio da incitação dos sujeitos a agirem de acordo com os interesses hegemônicos.95
Conectado com os questionamentos levantados pela teoria queer sobre poder,
Adilson José Moreira discute sobre o papel do discurso jurídico nas narrativas raciais, a
partir de interpretações de alguns tribunais brasileiros sobre o princípio da igualdade. O
autor discorre que o discurso jurídico é comumente representado como uma expressão de
parâmetros racionais e universais, mas também pode ser ferramenta para disseminação
de ideologias que pretendem afirmar projetos de dominação, sob o argumento da defesa
de um interesse comum, mas que privilegia determinadas narrativas culturais, como é o
caso da cisnormatividade e da heteronormatividade estudadas neste capítulo.96
Sustentando sua argumentação, Moreira analisa articulações entre teses
ideológicas, sociológicas, psicológicas no processo de argumentação jurídica. Para tanto,
parte da ideia que o sujeito do conhecimento é um produto social, e que se faz relevante
entender as relações entre as cognições humanas e os processos interpretativos, pois tais
cognições são produtos da inserção dos indivíduos na cultura.97 Assim, o autor compara
a percepção de mundo com a linguagem, pois esta impulsiona a socialização, enquanto a
percepção de mundo é conduzida por ideologias que transitam pela sociedade por meio
de várias narrativas.98
As narrativas, por sua vez, referem-se a várias formas que alguém comunica um
acontecimento, organizando fatos e sujeitos em uma ordem temporal, associando uma
série de eventos e produzindo uma interação coerente entre eles. Tal coerência pode
assumir diversas perspectivas, a partir das quais os fatos são relatados, tomando
significado, pois agregam para si discursos específicos. Um discurso é o mecanismo que
confere sentido a narrativa, fornecendo a ela padrões de compreensão de mundo. A partir
94
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 27
95
Ibid., p. 27 a 29
96
MOREIRA, Adilson José. Direito, poder, ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural / Law,
power, ideology: legal discourse as cultural narrative. Revista Direito e Práxis, [S.l.], v. 8, n. 2, p. 830-
868, jun. 2017. ISSN 2179-8966. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/21460>. Acesso em: 06 abr. 2023.
doi:https://doi.org/10.12957/dep.2017.21460. p. 839
97
Ibid., p. 840
98
Ibid., p. 840
41
99
MOREIRA, Adilson José. Direito, poder, ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural / Law,
power, ideology: legal discourse as cultural narrative. Revista Direito e Práxis, [S.l.], v. 8, n. 2, p. 830-
868, jun. 2017. ISSN 2179-8966. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/21460>. Acesso em: 06 abr. 2023.
doi:https://doi.org/10.12957/dep.2017.21460. p. 840
100
Ibid., p. 841
101
BEAMAN e ESKRIDGE, apud MOREIRA, Adilson José. Direito, poder, ideologia: discurso jurídico
como narrativa cultural / Law, power, ideology: legal discourse as cultural narrative. Revista Direito e
Práxis, [S.l.], v. 8, n. 2, p. 830-868, jun. 2017. ISSN 2179-8966. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/21460>. Acesso em: 06 abr. 2023.
doi:https://doi.org/10.12957/dep.2017.21460. p. 842
42
102
COSTA, Ângelo Brandelli; NARDI, Henrique Caetano. Homofobia e preconceito contra diversidade
sexual: debate conceitual. Temas psicol., Ribeirão Preto, v.23, n. 3, p. 715-726, set. 2015. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
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103
ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+; GRUPO GAY DA BAHIA. Relatório: observatório de
Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil - 2020. Florianópolis, 2021. 79 p. ISBN: 978-65-994905-0-7
104
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 33
105
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 14
43
106
BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. MEDEIROS, Robson Antão de. Dos Povos Nativos Ao
Surgimento Dos Movimentos Sociais: Influências Dos Discursos Jurídicos, Religiosos e Médicos Para a
Construção Do Conceito De Homossexualidade No Brasil. Revista de Direito Internacional. 2018. p. 270
44
107
POVEDA VELASCO, Ignacio M. (1994). Ordenações do Reino de Portugal. Revista Da Faculdade
De Direito, Universidade De São Paulo, 89, 11-67. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236 Acesso em: 02 fev. 2023. p. 14 a 17
108
Ibid., p. 17
109
Ibid., p. 17
110
BARROS, Gama apud POVEDA VELASCO, Ignacio M. (1994). Ordenações do Reino de Portugal.
Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 89, 11-67. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236 Acesso em: 02 fev. 2023. p. 17
111
POVEDA VELASCO, Ignacio M. (1994). Ordenações do Reino de Portugal. Revista Da Faculdade
De Direito, Universidade De São Paulo, 89, 11-67. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236 Acesso em: 02 fev. 2023. p. 18 e 19
45
112
BOMFIM, Silvano Andrade do. Homossexualidade, Direito e Religião: da pena de morte à união
estável. a criminalização da homofobia e seus reflexos na liberdade religiosa. Revista Brasileira de Direito
Constitucional - Rbdc, São Paulo, p. 71-103, nov. 2011. Semestral. Disponível em:
http://esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/259. Acesso em: 01 fev. 2022. p. 78
113
Ibid., p. 78
114
POVEDA VELASCO, Ignacio M. (1994). Ordenações do Reino de Portugal. Revista Da Faculdade
De Direito, Universidade De São Paulo, 89, 11-67. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236 Acesso em: 02 fev. 2023. p. 21
115
BOMFIM, Silvano Andrade do. Homossexualidade, Direito e Religião: da pena de morte à união
estável. a criminalização da homofobia e seus reflexos na liberdade religiosa. Revista Brasileira de Direito
Constitucional - Rbdc, São Paulo, p. 71-103, nov. 2011. Semestral. Disponível em:
http://esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/259. Acesso em: 01 fev. 2022. p. 79
116
POVEDA VELASCO, Ignacio M. (1994). Ordenações do Reino de Portugal. Revista Da Faculdade
De Direito, Universidade De São Paulo, 89, 11-67. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236 Acesso em: 02 fev. 2023. p. 22
117
Ibid., p. 22
46
118
BOMFIM, Silvano Andrade do. Homossexualidade, Direito e Religião: da pena de morte à união
estável. a criminalização da homofobia e seus reflexos na liberdade religiosa. Revista Brasileira de Direito
Constitucional - Rbdc, São Paulo, p. 71-103, nov. 2011. Semestral. Disponível em:
http://esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/259. Acesso em: 01 fev. 2022. p. 79
119
POVEDA VELASCO, Ignacio M. (1994). Ordenações do Reino de Portugal. Revista Da Faculdade De
Direito, Universidade De São Paulo, 89, 11-67. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236 Acesso em: 02 fev. 2023. p. 24
120
BOMFIM, Silvano Andrade do. Homossexualidade, Direito e Religião: da pena de morte à união
estável. a criminalização da homofobia e seus reflexos na liberdade religiosa. Revista Brasileira de Direito
Constitucional - Rbdc, São Paulo, p. 71-103, nov. 2011. Semestral. Disponível em:
http://esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/259. Acesso em: 01 fev. 2022. p. 80
47
onde a igreja era uma instituição subordinada ao Estado e a religião oficial desse Estado
consistia em um instrumento de dominação social, política e cultural.121
Sobre esse assunto, Gilberto Freyre, em sua obra “Casa Grande e Senzala”
explica que, ao contrário dos espanhóis que detinham separatismo político e os ingleses
e franceses que detinham divergências religiosas em suas nações, a Coroa Portuguesa
possuía uma certa estabilidade política e religiosa em seu território, de forma a não
exportar elementos conflituosos para as terras colonizadas.122 Ademais, durante quase
todo o século XVI, o Brasil esteve aberto a influências estrangeiras, desde que elas
professassem a fé ou a religião católica. Nesses termos, para ser colono no Brasil, e
consequentemente poder adquirir sesmarias, o principal requisito do indivíduo era
professar a cristã (que em Portugal significava a religião católica).123
O reino de Portugal, por sua vez, não considerava uma ameaça as influências de
estrangeiros em suas colônias, pois sua principal preocupação era com os hereges. Para
tanto, o catecismo dos jesuítas e as Ordenações do Reino de Portugal foram os maiores
garantidores da unidade religiosa e do direito na colônia brasileira.124
Assim, fundado nas normas portuguesas e na sua direta vinculação com a
religião, durante o período compreendido entre 1536-1821 o Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição perseguiu os “sodomitas” (pessoas que mantinham relações sexuais ou afetivas
com outras pessoas do mesmo sexo), lhes impondo penas de prisão, sequestro de bens, e,
para aqueles que fossem considerados “incorrigíveis”, a pena aplicada era a de morte.125
No mais, tomando como referência a experiência descrita por Heródoto ao
comparar seu sistema com o dos Lícios, os portugueses chegaram as terras brasileiras no
Século XVI trazendo consigo uma postura etnocêntrica frente à realidade identificada no
“novo mundo”. Eles se depararam com uma sociedade bem estruturada, com regras de
convivência à sua maneira, e, em especial, a aceitabilidade social de relacionamentos
entre pessoas do mesmo sexo e de pessoas que performavam um gênero diferente do seu
sexo biológico, o que lhes causou estranhamento.
121
AZEVEDO, Dermi. apud SILVA, Laionel Vieira da; BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. Entre
cristianismo, laicidade e estado: As construções do conceito de homossexualidade no Brasil. Mandrágora,
v.21. n. 2, p. 67-88, 2015. p. 69
122
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 48. ed. São Paulo: Global, 2003. p. 90
123
Ibid., p. 91
124
Ibid., p. 91-92
125
AZEVEDO, Dermi. apud SILVA, Laionel Vieira da; BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. Entre
cristianismo, laicidade e estado: As construções do conceito de homossexualidade no Brasil. Mandrágora,
v.21. n. 2, p. 67-88, 2015. p. 73
48
126
MOTT, Luiz. Igreja e homossexualidade no Brasil: cronologia temática, 1547-2006. In: Congresso
internacional sobre epistemologia, sexualidade e violência, 2, 2006, São Leopoldo. s. p.
127
Ibid., s. p.
128
Ibid.,
129
Ibid.,
49
130
GREEN, James N. A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América
Latina. Cadernos ael, 2003. p. 21
131
Ibid., p. 22
132
BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. MEDEIROS, Robson Antão de. Dos Povos Nativos Ao
Surgimento Dos Movimentos Sociais: Influências Dos Discursos Jurídicos, Religiosos e Médicos Para a
Construção Do Conceito De Homossexualidade No Brasil. Revista de Direito Internacional. 2018. p. 277
133
GREEN, James N. A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América
Latina. Cadernos ael, 2003. p. 22
134
BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. MEDEIROS, Robson Antão de. Dos Povos Nativos Ao
Surgimento Dos Movimentos Sociais: Influências Dos Discursos Jurídicos, Religiosos e Médicos Para a
Construção Do Conceito De Homossexualidade No Brasil. Revista de Direito Internacional. 2018. p. 278
50
Nesse sentido, os principais alvos da tida “limpeza social” eram os homens com
traços tidos femininos e as mulheres com traços tidos como masculinos, considerados
como figuras “escandalosas” e estigmatizadas.135
Ademais, nas primeiras décadas do século XX, em alguns países da América
Latina, como no Brasil e na Argentina, os eugenistas, físicos, psiquiatras e juristas se
voltaram para campanhas que objetivavam “medicalizar” as pessoas homossexuais, sob
a justificativa de que não se tratava de questão moral, religiosa ou policial, mas de uma
questão que requeria a atuação de profissionais com objetivo de coibir tais práticas,
consideradas como “doença” social e pessoal.136 Destaque também para a perseguição
das pessoas homossexuais no Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 e 1960, quando o
delegado Raimundo Padilha, político brasileiro, disseminava campanhas de incentivo a
prisão de homossexuais, objetivando uma “limpeza” do centro do Rio de Janeiro.137
O período após a Segunda Guerra Mundial incitou a organização de grupos
políticos de defesa dos Direitos LGBTQIAP+, com destaque para a rebelião de Stonewall
(citada anteriormente neste estudo), que incitou, tempos depois, manifestações na
América Latina, a exemplo da primeira organização política gay da Argentina, El Grupo
Nuestro Mundo, formado por um membro do Partido Comunista Argentino e por ativistas
de sindicatos que representavam trabalhadores, com objetivo de incitar a imprensa a
promover a liberação gay. O crescimento exponencial de grupos políticos de
homossexuais em buscas de direitos civis tem sua ampliação apenas durante as décadas
de 1970 e 1980, se ampliando para países como Mexico e porto Rico138
No brasil, por sua vez, em 1968 têm-se o Golpe Militar, quando os militares
fecharam o Congresso Nacional, instituindo a censura sobre a imprensa e operando
através de prisões e torturas aos opositores, se valendo do uso arbitrário do aparato
135
BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. MEDEIROS, Robson Antão de. Dos Povos Nativos Ao
Surgimento Dos Movimentos Sociais: Influências Dos Discursos Jurídicos, Religiosos e Médicos Para
a Construção Do Conceito De Homossexualidade No Brasil. Revista de Direito Internacional. 2018. p.
278
136
GREEN, James N. A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América
Latina. Cadernos ael, 2003. p. 22
137
BARBOSA, Bruno Rafael Silva Nogueira. MEDEIROS, Robson Antão de. Dos Povos Nativos Ao
Surgimento Dos Movimentos Sociais: Influências Dos Discursos Jurídicos, Religiosos e Médicos Para
a Construção Do Conceito De Homossexualidade No Brasil. Revista de Direito Internacional. 2018. p.
278
138
GREEN, James N. A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América
Latina. Cadernos ael, 2003. p. 25 a 27
51
139
GREEN, James N. A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América
Latina. Cadernos ael, 2003. p. 31
140
LOURO, Guacira Lopes. TEORIA QUEER: uma política pós-identitária para a educação. Estudos
Feministas, Sl, v. 9, n. 2, p. 541-553, 2001. p. 543
141
GREEN, James N. A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América
Latina. Cadernos ael, 2003. p. 31
52
142
MOTT, Luís. Homo-afetividade e direitos humanos. Revista Estudos Feministas, v. 14, n. 2, p. 509–
521, maio 2006.
143
ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+ (org.). Mortes e violências de LGBTI+ no Brasil: relatório
2020. Florianópolis: Acontece, 2021. 79 p. ISBN: 978-65-994905-0-7 p. 13
144
Ibid., p. 13
145
Ibid., p. 13
146
Ibid., p. 13
53
Após a análise histórica e jurídica sobre a forma com que a cultura direcionou as
políticas públicas dirigidas às minorias SOGIESC na República Federativa do Brasil,
também se faz necessário estabelecer a quantidade de indivíduos que pertencem às siglas
que compõem a minoria LGBTQIAP+ no território brasileiro. Para tanto, importante
destacar que a situação de invisibilidade dessas pessoas também se reflete na ausência de
uma coleta geral de dados, que possa quantificá-las e direcionar atividades estatais para
equiparar seus direitos de cidadania. Os dados mais recentes que procuram quantificar e
classificar as minorias sexuais no Brasil, datados os últimos anos, foram desenvolvidas
por pesquisadores de universidades brasileiras. Somente no ano de 2019 o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística realizou seu primeiro censo que afetava as minorias
sexuais, embora bastante limitado conforme será verificado a seguir.
Nesse contexto, a primeira fonte de dados tratada neste estudo consiste no artigo
publicado por pesquisadores do instituto de psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP) na revista científica Nature Schientific Reports. A
partir da análise dos pesquisadores, estima-se que atualmente as pessoas ALGBT
(Assexuais, lésbicas, gays, bissexuais e transexuais)147 representam 12,04% dos adultos
residentes na República Federativa do Brasil.148
Este estudo, realizado no mês de dezembro de 2018 e publicado em julho do ano
de 2022, levou em consideração apenas as pessoas contidas na referida sigla, e foi o
primeiro a avaliar a proporção dessa comunidade em um país da américa latina,
utilizando-se de uma amostra representativa da população adulta, e de critérios
preestabelecidos que levam em consideração indicadores econômicos e taxas de
violência. Nesses termos, da população total de adultos brasileiros, estimada em 158
147
Sigla descrita no artigo, cuja pesquisa classificou a população apenas nas referidas siglas.
148
SPIZZIRRI, G., EUFRÁSIO, R.Á., ABDO, C.H.N. et al. Proportion of ALGBT adult Brazilians,
sociodemographic characteristics, and self-reported violence. Sci Rep 12, 11176 (2022).
https://doi.org/10.1038/s41598-022-15103-y
54
Portanto, a amostra utilizada nas análises foi de 5.858, sendo 270 classificados
como LGB (4,42%): 55 lésbicas (0,93%), 83 gays (1,37%), 43 homens
bissexuais (0,70%) e 89 mulheres bissexuais (1,42%). %), 325 assexuais
(5,76%): 22 homens (0,37%) e 303 mulheres (5,39%). 111 pessoas foram
categorizadas em grupos de diversidade de gênero (1,87%): 20 homens trans
(0,34%), 20 mulheres trans (0,34%) e 71 pessoas não binárias (1,18%). 706
pessoas (12,04%, IC 95%=10,05–14,57%) foram categorizadas como
ALGBT.”152
149
SPIZZIRRI, G., EUFRÁSIO, R.Á., ABDO, C.H.N. et al. Proportion of ALGBT adult Brazilians,
sociodemographic characteristics, and self-reported violence. Sci Rep 12, 11176 (2022).
https://doi.org/10.1038/s41598-022-15103-y. p. 3
150
Ibid., p. 2
151
Ibid., p. 2
152
All n reported herein are not design-adjusted, whereas all percentages and confidence intervals (CI) are adjusted.
From the sample of 6000, a total of 142 individuals (2.44%) were not categorized in the Group variable for lack of
responses. Therefore, the sample used in analyses was 5858, 270 of whom were categorized as LGB (4.42%): 55 lesbian
(0.93%), 83 gay (1.37%), 43 bisexual men (0.70%), and 89 bisexual women (1.42%), 325 asexual (5.76%): 22 men
(0.37%) and 303 women (5.39%). 111 people were categorized into gender-diversity groups (1.87%): 20 trans men
(0.34%), 20 trans women (0.34%), and 71 non-binary persons (1.18%). 706 people (12.04%, CI 95% = 10.05–14.57%)
were categorized as ALGBT.
55
153
SPIZZIRRI, G., EUFRÁSIO, R.Á., ABDO, C.H.N. et al. Proportion of ALGBT adult Brazilians,
sociodemographic characteristics, and self-reported violence. Sci Rep 12, 11176 (2022).
https://doi.org/10.1038/s41598-022-15103-y p. 5
154
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional de saúde: 2019:
orientação sexual autoidentificada da população adulta. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de Pesquisas
Por Amostra de Domicílios. 2022. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101934.pdf. Acesso em: 30 jan. 2023. p. 6
155
Ibid., p. 6
156
Ibid., p. 6
56
157
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional de saúde: 2019:
orientação sexual autoidentificada da população adulta. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de Pesquisas
Por Amostra de Domicílios. 2022. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101934.pdf. Acesso em: 30 jan. 2023. p.8
158
Ibid., p. 8
159
Ibid., p.10
57
pessoas homossexuais e bissexuais foi de 3,2% entre as pessoas com ensino superior
completo e foi menor nos grupos sem instrução ou com ensino fundamental incompleto,
totalizando 0,5% das pessoas verificadas. Quanto ao rendimento domiciliar per capita, foi
verificado um maior número de pessoas LGB nas duas classes sociais de rendimento mais
elevados, onde 3,1% desses residiam em domicílios cuja renda por pessoa era de 3 a 5
salários mínimos, e 3,5% nos domicílios com renda maior de 5 salários mínimos por
pessoa.160 Destaque para a diferença de percentual de pessoas homossexuais e bissexuais
autoidenficadas nas áreas urbanas e rurais, onde foi verificado o percentual de 2% das
pessoas na área urbana, em contradição com 0,8% na área rural.161
A partir dos dados apresentados, mesmo se levando em consideração a
subnotificação motivada pelo medo da exposição, ainda assim verifica-se que a proporção
de pessoas gays, lésbicas e bissexuais é considerável no Brasil. Devem ainda ser somadas
outras sexualidades e identidades de gênero, que não foram consideradas na pesquisa do
IBGE, e que ampliariam bastante a quantidade total de pessoas que compõem os grupos
sociais em situação de vulnerabilidade. Assim, conclui-se que a aferição de dados
demográficos é de suma importância, como um fator na hora de se pleitear acesso a
políticas públicas, por isso deve ser, cada vez mais, ampliada e detalhada, a fim de se
compreender mais os tipos de vivências sexuais, e garantir o pleno acesso a cidadania, de
forma igualitária.
160
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional de saúde: 2019:
orientação sexual autoidentificada da população adulta. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de Pesquisas
Por Amostra de Domicílios. 2022. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101934.pdf. Acesso em: 30 jan. 2023. p.11
161
Ibid., p.11
58
162
PINTO, Isabella Vitral; ANDRADE, Silvânia Suely de Araújo; RODRIGUES, et al. Perfil das
notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Revista Brasileira de Epidemiologia,
[S.L.], v. 23, n. 1, 2020. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1.
163
GRUPO GAY DA BAHIA (Bahia). Mortes violentas de LGBT+ Brasil: observatório do Grupo Gay
da Bahia, 2022. Observatório do Grupo Gay da Bahia, 2022. 2023. Disponível em:
https://cedoc.grupodignidade.org.br/2023/01/19/mortes-violentas-de-lgbt-brasil-observatorio-do-grupo-
gay-da-bahia-2022/. Acesso em: 23 jan. 2023.
59
164
PINTO, Isabella Vitral; ANDRADE, Silvânia Suely de Araújo; RODRIGUES, et al. Perfil das
notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Revista Brasileira de Epidemiologia,
[S.L.], v. 23, n. 1, 2020. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1. p.
5
165
Ibid., p. 5
60
anos, os maiores índices de notificações recebidas foram por parte de pessoas lésbicas, se
subdividindo em dados da faixa etária de 10 a 14 anos, no importe de 33,5%, 15 a 19
anos, na porcentagem de 31,9%, 20 a 59 anos, na razão de 33,9%. Já as notificações
recebidas de pessoas idosas foram predominantemente de pessoas gays, no importe de
31% dos casos.166
Destarte, quanto à identidade de gênero, verificou-se que maior parte das
notificações de violência recebidas foi de pessoas transexuais e travestis, no importe de
46%, seguido de pessoas cisgêneras, na proporção de 31,2% e de indivíduos cuja
identidade de gênero fora ignorada pelas notificações, na razão de 22,3%. Sobre a
violência direcionada às pessoas transexuais, notou-se que em todas as faixas etárias
consultadas as mulheres transexuais obtiveram a maior frequência de notificações, com
destaque para a faixa etária de 10 a 14 anos, onde o índice de notificações foi de 37%,
seguido pela faixa etária de pessoas idosas, com 36,3%, pessoas adultas, com 31,8% e
adolescentes de 15 a 19 anos, com 28,2%.167
Destaque para o local de ocorrência das violências notificadas, onde 54,6% das
vítimas adolescentes e 78,9% das pessoas idosas indicam que o principal local seria sua
própria residência. O segundo local mais frequente foi a via pública, presente em 26,7%
das notificações de vítimas adolescentes, na faixa etária dos 15 aos 19 anos. Nas situações
ocorridas com adolescentes na faixa etária de 10 a 14 anos, a escola é o local que dispõe
de 6,1%. Salienta-se que as violências possuíram caráter de repetição em todas as faixas
etárias, totalizando mais de um terço dos casos.168
Outro tópico importante nas situações de violência diz respeito às violências
autoprovocadas, que denotam um contexto de abjeção e de não aceitação da condição
LGBTQIAP+ por parte do próprio indivíduo. Sobre esses casos, verificou-se, no período
de 2015 a 2017, o total de 6.043 ocorrências, das quais 29% foram tentativas de suicídio,
onde 71% foram cometidas por pessoas adultas e 29% por adolescentes de 15 a 19 anos
de idade. As lesões autoprovocadas, no geral, foram mais praticadas por adolescentes de
15 a 19 anos, numa proporção de 29,9%, seguido pelas pessoas adultas, no importe de
166
PINTO, Isabella Vitral; ANDRADE, Silvânia Suely de Araújo; RODRIGUES, et al. Perfil das
notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Revista Brasileira de Epidemiologia,
[S.L.], v. 23, n. 1, 2020. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1. p.
5
167
Ibid., p. 5
168
Ibid., p. 5
61
169
PINTO, Isabella Vitral; ANDRADE, Silvânia Suely de Araújo; RODRIGUES, et al. Perfil das
notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Revista Brasileira de Epidemiologia,
[S.L.], v. 23, n. 1, 2020. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1 p.
5
170
Ibid., p. 2
171
Ibid., p. 5
62
172
ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+ (org.). Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil:
dossiê 2021. Florianópolis: Acontece, 2022. 72 p. ISBN: 978-65-994905-1-4 p. 7-8
173
Ibid., p. 16
174
Ibid., 17-18
175
Ibid., p. 18-19
176
Ibid., p. 21-22
63
177
ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+ (org.). Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil:
dossiê 2021. Florianópolis: Acontece, 2022. 72 p. ISBN: 978-65-994905-1-4 p. 21-22
178
Ibid., p. 23
179
Ibid., p. 23
180
Ibid., p. 28-29
64
não foi informado o local de ocorrência (9,49%).181 No mais, o período do dia de maior
frequência dos casos registrados foi o período noturno, observado em 152 casos
(48,10%), de onde o relatório relaciona com as atividades culturais e de lazer da
população LGBTQIAP+. Do total de casos, não foi possível verificar o período do dia em
129 destes (40,89%).182
Outro tópico de suma importância para o aprofundamento dos estudos sobre as
situações de violência em razão de orientação sexual e identidade de gênero, no Brasil,
consiste na distribuição espacial das mortes violentas em todo território nacional. O
Dossiê de 2021 também contempla tal análise, de onde verificou-se que a região nordeste
foi a que registrou o maior número de mortes violentas de pessoas LGBTQIAP+, com
116 registros de óbitos, de forma a representar o índice de 2,01 mortes a cada um milhão
de pessoas. Logo em seguida, o estudo estatístico aponta o Sudeste, com 103 mortes
violentas, e registrando o índice de 1,15 mortes por milhão de pessoas; em seguida,
aparecem 36 óbitos registrados na região centro-oeste, esta que foi considerada a região
mais violenta do Brasil, em razão da quantidade de óbitos por milhão de pessoas, cujo
índice verificado foi de 2,15 mortes violentas por milhão; também foram atestadas 32
mortes violentas na região Norte, totalizando a taxa de 1,69 mortes por milhão. No mais,
a região com menor número de mortes violentas, assim como menor índice de mortes por
milhão, foi região Sul, com 28 óbitos registrados, que retrata a taxa de 0,92 mortes por
milhão. Em apenas um óbito do total de 316 não foi verificada a região de ocorrência.183
Sobre os dados de violência e sua relação com as regiões de ocorrência, o estudo
elaborado pelas Organizações Não Governamentais pondera que as regiões consideradas
menos violentas no ano de 2021, Sul e Sudeste, foram historicamente privilegiadas com
acumulação de capital e investimentos produtivos, que se traduz em maior
desenvolvimento tecnológico, acesso à informação e uma maior escolarização da
população, que pode contribuir para construção de uma sociedade menos preconceituosa
e violenta com a comunidade LGBTQIAP+.184 Outrossim, as regiões Nordeste e Norte,
com maiores índices de violência e assassinatos de pessoas LGBTQIAP+ participam da
mesma lógica, pois são regiões que possuem, historicamente, indicadores
181
ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+ (org.). Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil:
dossiê 2021. Florianópolis: Acontece, 2022. 72 p. ISBN: 978-65-994905-1-4 p. 29
182
Ibid., p. 31
183
Ibid., p. 36-37
184
Ibid., p. 39
65
185
ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+ (org.). Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil:
dossiê 2021. Florianópolis: Acontece, 2022. 72 p. ISBN: 978-65-994905-1-4 p. 39
186
Ibid., p. 39
187
Sigla adotada pela instituição
188
ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+ (org.). Mortes e violências de LGBTI+ no Brasil: relatório
2020. Florianópolis: Acontece, 2021. 79 p. ISBN: 978-65-994905-0-7 p.14
189
Ibid., p.14
190
GRUPO GAY DA BAHIA (Bahia). Mortes violentas de LGBT+ Brasil: observatório do Grupo Gay
da Bahia, 2022. Observatório do Grupo Gay da Bahia, 2022. 2023. Disponível em:
https://cedoc.grupodignidade.org.br/2023/01/19/mortes-violentas-de-lgbt-brasil-observatorio-do-grupo-
gay-da-bahia-2022/. Acesso em: 20 mar. 2023 n. p.
66
191
GRUPO GAY DA BAHIA (Bahia). Mortes violentas de LGBT+ Brasil: observatório do Grupo Gay
da Bahia, 2022. Observatório do Grupo Gay da Bahia, 2022. 2023. Disponível em:
https://cedoc.grupodignidade.org.br/2023/01/19/mortes-violentas-de-lgbt-brasil-observatorio-do-grupo-
gay-da-bahia-2022/. Acesso em: 20 mar. 2023 n. p.
192
Ibid., n. p.
193
Ibid., n. p.
194
Ibid., n. p.
195
Ibid., n. p.
196
Ibid., n. p.
67
com predomínio do uso de armas de fogo (29,6%), de armas brancas (25,7%), asfixia,
espancamento, apedrejamento, esquartejamento e atropelamento proposital.197
No ano de 2022 também foi conduzida uma pesquisa pelo Poder data, divisão de
pesquisas do jornal Poder 360, esta que questionou os brasileiros sobre a existência de
preconceito contra pessoas homossexuais no Brasil, ocasião em que 63% dos brasileiros
responderam que acreditam que existe preconceito, em detrimento de 24% que
responderam que não existe preconceito contra homossexuais, e 13% não souberam
responder.198 No que diz respeito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, a pesquisa
apontou que 44% dos brasileiros se dizem favoráveis às uniões homoafetivas, enquanto
39% são contrários e 17% não souberam responder. A pesquisa tomou como base ligações
telefônicas, entrevistando 3.000 pessoas em 302 municípios de todas as unidades da
federação.199
Ademais, há de se considerar também a sistematização de dados estatísticos
sobre a situação da população LGBTQIAP+ na América Latina e Caribe, que aponta uma
abrangência regional da violência e preconceito contra as pessoas LGBTQIAP+, onde o
Brasil se insere como o maior expoente estatístico. A abordagem regional se faz relevante
para o presente estudo como fundamento estatístico para os contextos fáticos de
preconceito e discriminação que serão estudados no capítulo cinco, quando serão
estudados os casos contenciosos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que
disciplinam como o órgão vêm se posicionando frente a tais estatísticas, e servem de
paradigma para que o Brasil adote políticas públicas de cidadania para essa população.
Nesses termos, as métricas, em âmbito regional, são possíveis também em razão
da atuação de organizações defensoras dos direitos LGBTQIAP+, de onde se extrai como
grande exponente a rede intitulada Sin Violencia LGBTI, que atua desde o ano de 2016
reunindo organizações em diversos países com o objetivo de compor o primeiro sistema
de informações especializado, com a atribuição de reunir os dados estatísticos de
violência contra essa comunidade.200
197
GRUPO GAY DA BAHIA (Bahia). Mortes violentas de LGBT+ Brasil: observatório do Grupo Gay
da Bahia, 2022. Observatório do Grupo Gay da Bahia, 2022. 2023. Disponível em:
https://cedoc.grupodignidade.org.br/2023/01/19/mortes-violentas-de-lgbt-brasil-observatorio-do-grupo-
gay-da-bahia-2022/. Acesso em: 20 mar. 2023 n. p.
198
PODER DATA (org.). Brasil teve 135 mortes de pessoas LGBTI em 2022, diz pesquisa. 2022.
Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/brasil-teve-135-mortes-de-pessoas-lgbti-em-2022-
diz-pesquisa/. Acesso em: 05 abr. 2023. n. p.
199
Ibid., n. p.
200
Sin Violencia LGBTI (ed.). DES-CIFRANDO LA VIOLENCIA EN TIEMPOS DE
CUARENTENA: homicidios de lesbianas, gays, bisexuales, trans e intersex en américa latina y el caribe
2019-2020. Colombia Diversa, 2021. Disponível em: https://sinviolencia.lgbt/wp-
68
A rede Sin Violencia LGBTI compartilha dos mesmos objetivos das organizações
não governamentais brasileiras, de romper a invisibilidade estatística e oferecer
informações úteis a fim de direcionar ações efetivas por parte dos Estados da região.201
Os dados coletados pela rede Sin Violencia LGBTI adiantam um contexto que será
apresentado mais a frente, onde alguns países latino-americanos violaram gravemente os
direitos de igualdade da pessoa humana, a partir de normas jurídicas fundadas em uma
cultura cis heteronormativa.
Outrossim, conforme o relatório divulgado pela organização no mês de junho de
2021, que compreende o período entre os anos de 2014 e 2020, pelo menos 1949 pessoas
LGBTI foram assassinadas em dez dos onze países integrantes da Rede, e, dessas, 1403
foram assassinadas por motivos relacionados ao preconceito contra sua sexualidade ou
identidade de gênero.202
O ano de 2019 pode ser considerado um ano extremamente violento para as
pessoas não heterossexuais residentes nos onze países da América Latina e Caribe, tendo
sido registrados 319 (trezentos e dezenove) homicídios, frente ao número de 283
(duzentos e oitenta e três) homicídios catalogados no ano anterior. Ademais, o grupo que
teve o maior número de vítimas foram os homens homossexuais, com 138 (cento e trinta
e oito) registros de assassinato, seguido da estatística de 126 (cento e vinte e seis)
mulheres transsexuais e 32 (trinta e duas) mulheres lésbicas.203Além disso, verificou-se
que a maioria dos homens homossexuais foram encontrados em suas residências, e que
os meios empregados para seu assassinato foram objetos perfurocortantes ou asfixia,
enquanto os corpos das mulheres transsexuais foram encontrados em vias públicas, em
terrenos baldios ou em rios, com ferimentos provocados por arma de fogo,
primordialmente, e por objetos perfurocortantes. No que se refere aos homicídios de
mulheres lésbicas, verificou-se que a maioria dos ataques ocorre quando elas estão com
suas parceiras, e que a invisibilidade social desse grupo dificulta a catalogação dos
assassinatos.204
content/uploads/2021/09/DES-CIFRANDO-LA-VIOLENCIA-EN-TIEMPOS-DE-CUARENTENA.pdf.
Acesso em: 06 dez. 2022. p. 4
201
Sin Violencia LGBTI (ed.). DES-CIFRANDO LA VIOLENCIA EN TIEMPOS DE
CUARENTENA: homicidios de lesbianas, gays, bisexuales, trans e intersex en américa latina y el caribe
2019-2020. Colombia Diversa, 2021. Disponível em: https://sinviolencia.lgbt/wp-
content/uploads/2021/09/DES-CIFRANDO-LA-VIOLENCIA-EN-TIEMPOS-DE-CUARENTENA.pdf.
Acesso em: 06 dez. 2022. p. 4
202
Ibid., p. 4
203
Ibid., p. 10
204
Ibid., p. 11
69
205
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
206
Ibid., p. 73-77
207
Ibid., p. 77-79
71
208
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p.
79-84
209
Ibid., p. 88
210
Ibid., p. 93
211
Ibid., p. 97
72
212
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 57
213
Ibid., p. 58
214
CARREAU, Dominique; BICHARA, Jahyr-Philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2015. p. 13
215
Ibid., p. 13
73
216
CARREAU, Dominique; BICHARA, Jahyr-Philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2015. p. 14
217
Ibid., p. 14
218
Ibid., p. 15
219
Ibid., p. 16
220
Ibid., p. 16
74
221
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 59
222
Ibid., p. 59
223
CARREAU, Dominique; BICHARA, Jahyr-Philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2015, p. 26
224
SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008. 386 p. p. 32
225
Ibid., p. 34
75
226
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 61
227
Ibid., p. 61
228
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 45
229
Ibid., p. 52
230
Ibid., p. 47
76
particulares dos Estados, atendendo a um “estado de natureza” que resulta de uma visão
integral acerca de todas as formas de vida.231
Assim, surge a Organização das Nações Unidas – ONU, no ano de 1945, e
posteriormente a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948,
iniciando a proteção dos direitos individuais básicos e a produção de inúmeros tratados
internacionais sobre temas correlatos.232 Resta salientar que a Carta das Nações Unidas,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros instrumentos importantes que
compõem o sistema universal de proteção aos direitos humanos serão analisados
individualmente, ainda neste capítulo.
Ademais, partindo da análise histórica, também se faz necessário entender a
concepção estrutural dos direitos humanos. Conforme leciona André de Carvalho Ramos,
os direitos humanos detêm uma estrutura variada que pode ser entendida a partir de quatro
óticas distintas: direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e direito-imunidade.233
Importante definir que todas elas partem do pressuposto que o direito consiste
em uma faculdade de exigir uma obrigação de um terceiro, e que este pode ser o Estado
ou um particular. Nesse sentido, os direitos do tipo pretensão são aqueles
consubstanciados na busca de algo, que gera um dever de prestar. A partir do momento
que a pessoa detém um direito desse tipo, automaticamente os outros indivíduos tem o
dever de não o violá-lo.234 Por sua vez, o direito do tipo liberdade traduz-se como a
faculdade de agir, que provoca a “ausência de direito” de que lhe seja exigido algo oposto.
Um claro exemplo trazido pelo autor diz respeito ao direito à liberdade de credo, que tem
como consequente a impossibilidade que seja exigido, por parte do Estado ou de terceiros,
que lhe seja obrigado a ter uma religião.235
Já o direito-poder, corresponde a uma relação de poder que exige de outrem a
sujeição a uma determinada demanda, que sujeita o Estado, por exemplo, a providenciar
determinada obrigação.236 Por último, o direito-imunidade simboliza a autorização
conferida por uma norma a determinada pessoa, que impede que outra interfira de
qualquer modo. É o caso da imunidade de prisão em determinados casos, por exemplo.
231
LIMA SOBRINHO, Luis Carlos dos Santos. Controle de Convencionalidade sob a Abordagem da
Transjuridicidade. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 70
232
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 63
233
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. 1040 p. p.
40
234
Ibid., p. 40
235
Ibid., p. 40
236
Ibid., p. 41
77
O sistema jurídico, de forma geral, é formado por normas, que podem ser
divididas em normas-princípios e normas-regras. As primeiras, dizem respeito a
proposições ideais que detém fundamentos normativos e vislumbram inspirar o operador
do direito, enquanto as últimas fundamentam o ordenamento jurídico por meio de suas
proposições.240
Ao longo da história da civilização humana, a dignidade humana assumiu as
concepções de nobreza ou posição social; virtudes ou deveres especiais; status religioso;
status cósmico da vida humana; e respeito à dignidade individualizada.241 Desde a
Antiguidade Grega, a ideia de desigualdade era intrínseca aos indivíduos e estava
237
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. 1040 p. p.
41
238
Ibid., p. 41
239
Ibid., p. 42
240
GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua
aplicação às relações de trabalho. 2007. 311 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 40
241
GURGEL, Yara Maria Pereira. Conteúdo normativo da Dignidade Da Pessoa Humana e suas
implicações jurídicas na realização dos Direitos Fundamentais. 2018. 218 f. Tese (Pós-Doutorado) -
Curso de Ciências Jurídicas, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018. P. 86-87
78
242
SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetória e metodologia. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. 376 p. ISBN 978-85-450-0130-0. p. 29-30
243
Ibid., p. 29-30
244
GURGEL, Yara Maria Pereira. Conteúdo normativo da Dignidade Da Pessoa Humana e suas
implicações jurídicas na realização dos Direitos Fundamentais. 2018. 218 f. Tese (Pós-Doutorado) -
Curso de Ciências Jurídicas, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.
245
SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetória e metodologia. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. 376 p. ISBN 978-85-450-0130-0. p. 31
246
Ibid., p. 31
247
Ibid., p. 31
248
Ibid., p. 32
79
249
SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetória e metodologia. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. 376 p. ISBN 978-85-450-0130-0. p. 32
250
Ibid., p. 33
251
Ibid., p. 35
252
Ibid., p. 35
80
253
SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetória e metodologia. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. 376 p. ISBN 978-85-450-0130-0. p. 53
254
Ibid., p. 53
255
Ibid., p. 54-55
256
Ibid., p. 56
81
257
NOVAIS, Jorge Reis (ed.). A dignidade da pessoa humana: dignidade e direitos fundamentais.
Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6157-3. p. 20
258
GURGEL, Yara Maria Pereira. Conteúdo normativo da Dignidade Da Pessoa Humana e suas
implicações jurídicas na realização dos Direitos Fundamentais. 2018. 218 f. Tese (Pós-Doutorado) -
Curso de Ciências Jurídicas, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018. p. 86
259
SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetória e metodologia. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. 376 p. ISBN 978-85-450-0130-0. p. 13-14
260
GURGEL, Yara Maria Pereira. Conteúdo normativo da Dignidade Da Pessoa Humana e suas
implicações jurídicas na realização dos Direitos Fundamentais. 2018. 218 f. Tese (Pós-Doutorado) -
Curso de Ciências Jurídicas, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018. p. 86
261
NOVAIS, Jorge Reis (ed.). A dignidade da pessoa humana: dignidade e direitos fundamentais.
Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6157-3. p. 13
262
Ibid.,. p. 9
263
Ibid.,. p. 17
82
uma referência identitária das sociedades, havendo, nesses dois sentidos, uma dimensão
jurídico-constitucional, que deve se impor juridicamente a todos os poderes do Estado,
assim como os vincula a recepção constitucional, impondo seu respeito e promoção.264
Quando inserido no âmbito constitucional, o princípio em apreço figura como
condutor de toda a estrutura constitucional do Estado democrático de direito, e tem como
principal desdobramento projetar seu conteúdo, dada relevância à questão da liberdade e
a igualdade de todos, de forma direcionada aos direitos fundamentais, orientando o
operador do direito na aplicação dos direitos fundamentais e na resolução de antinomias
jurídicas, em especial quanto à colisão de direitos fundamentais.265 Assim, a concepção
normativa da dignidade da pessoa humana tem o papel de reconhecer determinados
direitos como absolutos, que não devem ser sujeitados à mitigação ou suplantação em
nenhuma circunstância, como é o caso da proteção contra o trabalho em condição análoga
à escravidão; igualdade perante a lei e não discriminação, proteção contra o genocídio,
integridade física e psíquica.266
Outra implicação do conteúdo normativo da dignidade da pessoa humana diz
respeito a sua atuação como fator de interpretação dos direitos fundamentais, restringindo
seus limites, por meio de um componente valorativo de onde se deliberam quais direitos
fundamentais detém prioridade, quando estão diante de um conflito com outro direito
fundamental.267 A partir disso, Yara Maria Pereira Gurgel afirma que, por ser concebido
como um standart de proteção, o bem jurídico oriundo do conteúdo da dignidade da
pessoa humana é alcançado acima de qualquer contexto cultural, político e social.268
Explica que, doutrinariamente, apesar de não haver consenso quanto ao conteúdo
do princípio da dignidade humana em razão de sua indeterminação semântica, há um
consenso entre a grande maioria dos autores, que defendem a dignidade como a proibição
da instrumentalização do homem e a igualdade dos direitos.
O autor Daniel Sarmento, por sua vez, entende que o conteúdo essencial da
dignidade da pessoa humana diz respeito a valor intrínseco da pessoa, que proíbe a sua
instrumentalização, assim como o direito a igualdade, ao respeito da autonomia, ao
264
NOVAIS, Jorge Reis (ed.). A dignidade da pessoa humana: dignidade e direitos fundamentais.
Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6157-3. p. 18
265
GURGEL, Yara Maria Pereira. Conteúdo normativo da Dignidade Da Pessoa Humana e suas
implicações jurídicas na realização dos Direitos Fundamentais. 2018. 218 f. Tese (Pós-Doutorado) -
Curso de Ciências Jurídicas, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018. p. 87
266
Ibid., p. 95 e 96
267
Ibid., p. 96
268
Ibid., p. 98
83
Igualdade e justiça são dois valores que estão atrelados entre si desde muito cedo
na história. Na antiguidade, a noção de igualdade nasce a partir de Sólon (640-560 a. c.),
que acreditava nela como um ideal a ser alcançado. Platão (429-347), por sua vez, a
enxergava como fundamento da democracia, que deveria ser oferecida sob a forma da
igualdade de oportunidades, que visa combater as desigualdades sociais.272 Mais adiante,
Santo Agostinho vincula justiça e igualdade, quando legitima as leis por meio de seu
respeito ao princípio da igualdade, podendo a justiça ser diferenciada entre Justiça
Cumulativa - aquela que trata das relações entre pessoas privadas -, por meio da qual deve
haver igualdade, e a Justiça Distributiva, que é a relação entre as pessoas privadas e o
Estado, de onde se depreende que o ente deve repartir os encargos conforme a capacidade
de resistência de cada indivíduo, reconhecendo a desigualdade de capacidades entre os
membros da sociedade.273
As discussões sobre igualdade se ampliam durante o Século XVIII, tendo como
expoentes os ideais de Jean Jaques Rousseau e a Revolução Francesa. Rousseau (1712-
1778) foi um dos inspiradores da Revolução Francesa, pois acreditava que as
desigualdades civis são construções dos homens, que orientam o estabelecimento da
propriedade e as leis. Assim, o filósofo defendia a soberania popular e a igualdade de
269
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo
Horizonte: Forum, 2016. p. 93.
270
GURGEL, Yara Maria Pereira. Conteúdo normativo da Dignidade Da Pessoa Humana e suas
implicações jurídicas na realização dos Direitos Fundamentais. 2018. 218 f. Tese (Pós-Doutorado) -
Curso de Ciências Jurídicas, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018. p. 98
271
Ibid., p. 98
272
GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua
aplicação às relações de trabalho. 2007. 311 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 44
273
Ibid., p. 45
84
274
GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua
aplicação às relações de trabalho. 2007. 311 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 45
275
Ibid., p. 46
276
Ibid., p. 51
277
Ibid., p. 51
85
278
GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua
aplicação às relações de trabalho. 2007. 311 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 56-59
279
Ibid., p. 59
280
Ibid., p. 59
281
Ibid., p. 59-62
86
importantes da atualidade, assim como sua presença é fundamental nas decisões judiciais
que protegem as minorias SOGIESC, estando presente em todas as decisões da Corte
Interamericana de Direitos Humanos que protegem os direitos desses grupos sociais. No
mais, o estudo desse princípio, associado às normas internacionais, deve servir de
parâmetro para interpretação da Constituição Federal Brasileira, por sua consonância com
as normas internacionais que estudaremos a seguir.
282
SIQUEIRA, D. P., MACHADO, R. A. (2018). A proteção dos direitos humanos LGBT e os
princípios consagrados contra a discriminação atentatória. Revista Direitos Humanos E
Democracia, 6(11), 167–201. https://doi.org/10.21527/2317-5389.2018.11.167-201
87
Também conhecido como Carta da ONU, esse documento foi assinado em São
Francisco, no ano de 1945, após a Segunda Guerra Mundial, e, além de pautar a criação
do principal órgão internacional, a Organização das Nações Unidas – ONU, também
inaugura um sistema específico de normas que objetivam proteger os indivíduos em razão
de sua condição humana. Pauta, em seu texto, a manutenção da paz e a segurança entre
Estados, a cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, o
desenvolvimento de relações amistosas entre Estados, assim como vislumbra o alcance
de padrões internacionais de saúde, de proteção ao meio ambiente e de proteção
internacional dos direitos humanos.283
Portanto, o preâmbulo da Carta das Nações Unidas afirma a fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e valor do ser humano, na igualdade de direito do
homem e da mulher dentre os direitos consagrados na Carta das Nações Unidas.
Ademais, exposto como um dos propósitos das Nações Unidas, em seu art. 55,
está a cooperação internacional, direcionada para “resolver problemas internacionais de
caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito
aos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça,
língua ou religião”. Destaca-se, nesse interim, o Princípio da Igualdade e não
discriminação, que também se repete no artigo 13.1, quando trata das atribuições da
Assembleia Geral.284
Evidenciam-se também os conteúdos dos artigos 56 e 62. O art. 56 aborda que,
para consecução de tais propósitos, todos os membros da ONU se comprometem a agir
em cooperação com a Organização, em conjunto ou separadamente. O art. 62, por sua
vez, dispõe sobre as funções e atribuições do Conselho Econômico e Social da ONU, que
283
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 70
284
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta da ONU. São
Francisco. 1945. Artigo 55
88
285
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta da ONU. São
Francisco. 1945. Artigo 62
286
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 70 e 71
287
Ibid., 75
288
BRASIL. Decreto nº 19.841, de 1945. Rio de Janeiro, 22 out. 1945. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm. Acesso em: 29 abr. 2023.
89
individuais, mas, por si só, é genérico e insuficiente para a realidade atual de violência
em razão dos direitos inerentes a sexualidade e identidade de gênero.
289
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 75
290
Nações Unidas no Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2020. Disponível em:
https://brasil.un.org/pt-br/91601-declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 15 jul. 2022.
90
291
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 79
292
Ibid., p. 80
293
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Paris, 1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/human-rights/universal-
declaration/translations/portuguese. Acesso em: 28 set. 2022. Artigo 2º
294
Consejo de Derechos Humanos. Informe anual del Alto Comisionado de las Naciones Unidas para
los Derechos Humanos. 2011. Tradução nossa. Disponível em:
https://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/19session/A.HRC.19.41_sp.pdf. Acesso em: 05
nov. 2021. p. 16
91
3.4.3 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 (PIDCP) e seu
Protocolo Facultativo
295
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Paris, 1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/human-rights/universal-
declaration/translations/portuguese. Acesso em: 28 set. 2022. Artigo 6º
296
Ibid., Artigo 28º
297
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. 1797 p. p. 1320
298
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 80
299
Ibid., p. 94
92
300
Norma obrigatória, impositiva e vinculante aos Estados os signatários.
301
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 96
302
Ibid., p. 98
303
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre
Os Direitos Civis e Políticos. Nova York, 1966. Artigo 2º.
304
Ibid., Artigo 9º.
305
Ibid., Artigo 27.
306
Ibid., Artigo 28.
93
eleitos para um mandato de quatro anos307, onde não poderão integrar mais de um
nacional do mesmo Estado, e deverá ser resguardada uma distribuição geográfica
equitativa dos membros, de forma que haja representação social e cultural diversa.308 A
função dos Estados-signatários perante o comitê, por sua vez, diz respeito a prestar contas,
por meio de relatórios, sobre as disposições que tenham adaptado e direitos que tenham
tornado efetivos, e a evolução protetiva dos direitos enunciados pelo Pacto em seu
território, no prazo de um ano após a entrada em vigor de seu texto normativo, e sempre
que o comitê lhe requisitar.309
Com efeito, um problema que pode ser atribuído ao Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos consiste na resistência por parte dos Estados em aceitarem tais
mecanismos de supervisão e monitoramento propostos.310 Os relatórios devem enunciar
os fatores e as dificuldades que prejudicam a implementação do Pacto pelos Estados, e
poderão ser encaminhados pelo Secretário-Geral às agências especializadas da ONU,
conforme sua competência.311
No mais, outra função do Comitê de Direitos Humanos consiste na sua atribuição
de natureza conciliatória, onde é facultado ao comitê receber comunicações de um Estado
contra outro, denunciando o não cumprimento de determinada obrigação do tratado. Para
tanto, se a questão suscitada não for dirimida pelos Estados-partes interessados, o comitê
pode, com consentimento prévio, constituir uma comissão ad hoc312 para tentar alcançar
uma solução amistosa, fundamentada no Pacto.313
Atribui-se também ao Comitê de Direitos Humanos um papel de natureza
investigatória, decorrente do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos, também adotado em 1966. O Protocolo Facultativo, por sua
vez, na busca pelos melhores resultados para consolidação dos direitos propostos no
Pacto, faculta ao Comitê receber e considerar petições individuais (de particulares contra
os Estados-partes) sobre violações de direitos humanos propostas pelo Pacto. Por meio
do artigo 1º do Protocolo, os estados autorizam a competência do Comitê para receber e
307
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre
Os Direitos Civis e Políticos. Nova York, 1966. Artigo 32.
308
Ibid., Artigo 31.
309
Ibid., Artigo 40.
310
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 99
311
Ibid., p. 99
312
Para uma finalidade específica.
313
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 100
94
examinar queixas de indivíduos que estejam sob sua jurisdição e que aleguem ser vítimas
de violação de qualquer dos direitos elencados no Pacto.314 Para tanto, o Protocolo
também estabeleceu, em seu art. 5º, § 2.º, as condições de admissibilidade das queixas
individuais, onde dispõe sobre a não aceitação de questões que já estejam sendo
apreciadas por outra instância internacional de investigação ou solução, assim como
questões que ainda não estejam esgotadas internamente pelo Estado-parte.315
Um segundo protocolo facultativo também foi elaborado, no ano de 1989, pela
Resolução 44/128 da Assembleia Geral da ONU, o qual tinha como objetivo a abolição
da pena de morte. Porém, esse protocolo só entrou em vigor após o depósito do décimo
instrumento de ratificação, no ano de 1991.316
Ademais, o PIDCP foi adotado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992,
promulgado em 24 de abril de 1992, na forma de seu artigo 49, parágrafo 2, e entrou em
vigor em 6 de julho do mesmo ano, por meio do Decreto nº 592/1992. Os seus Protocolos
Facultativos, por sua vez, não foram promulgados pelo Brasil.
Assim, da análise das contribuições que o PIDCP traz para o estudo da proteção
internacional dos direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+, frente a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, destaca-se uma interpretação atualizada de
alguns de seus artigos, pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, como é o caso do
artigo 2º, que versa sobre a igualdade e não discriminação, estabelecendo uma “cláusula
geral de não discriminação” que abrange todos os seres humanos, e engloba as
discriminações de qualquer natureza entre indivíduos, das quais pode-se interpretar a
aplicabilidade às questões acerca de sua orientação sexual, identidade de gênero e seu
direito de constituir família, este último também em conformidade com o artigo 23 do
PIDCP. A interpretação conferida à proteção da família pelo Pacto em tela entende que
são múltiplos os tipos de união familiar, e que devem ser respeitadas todas as formas de
se constituir família.317
Outrossim, em julho de 2016 o Comitê de Direitos Humanos da ONU também
criou a figura do Especialista Independente, instituído da função de acompanhar e
investigar os casos de violações de direitos da população LGBTQIAP+ em todo o mundo,
e de avaliar a implementação de políticas de proteção pelos Estados. O mandato do
314
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 100
315
Ibid., p. 102
316
Ibid., p. 103
317
Ibid., p. 372
95
3.4.4 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e seu
Protocolo Facultativo
318
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 373
319
Ibid., p.103-104
320
Direitos sociais em sentido amplo.
321
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p.107
96
e Políticos, tanto que este entrou em vigor vinte dias antes do PIDCP.322 No mais, entre
os princípios e direitos expressos no Pacto, destaca-se, logo em seu preâmbulo, a
“dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e
inalienáveis”323 e considerando o papel de todos esses indivíduos sobre os outros
membros da comunidade, e a responsabilidade de cada um em “esforçar-se pela promoção
e respeito dos direitos reconhecidos no presente Pacto”.324
Ao todo, os artigos do PIDESC estão distribuídos em cinco partes. A primeira
delas engloba o artigo 1º325, e dispõe sobre os sujeitos objeto do Pacto, em especial
quando aduz que “todos os povos” detém o direito a dispor de si mesmos, determinar
livremente seu estatuto político e assegurar o seu desenvolvimento econômico, social e
cultural de forma livre326, de modo a dispor de suas riquezas e recursos sem prejuízo das
obrigações decorrentes da cooperação internacional.327 Por sua vez, cabe aos Estados
partes o dever de promover a realização do direito dos povos a dispor de si mesmos e
respeitar esse direito em conformidade com a DUDH.328
A segunda parte versa sobre o princípio da não discriminação e da garantia dos
direitos assegurados no PIDESC; composta pelos artigos 2 a 5, essa parte enuncia que os
Estados partes se comprometem em agir, com o máximo de recursos disponíveis, para
assegurar o pleno exercício dos direitos enunciados no PIDESC, por todos os meios
apropriados329, e que os direitos devem ser exercidos sem discriminação alguma baseada
em “motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra
opinião, origem nacional ou social, fortuna, nascimento, qualquer outra situação”.330 O
322
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p.107
323
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre Os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York, 1966. Preâmbulo.
324
Ibid., Preâmbulo.
325
Artigo 1.º - 1. Todos os povos têm o direito a dispor deles mesmos. Em virtude deste direito, eles
determinam livremente o seu estatuto político e asseguram livremente o seu desenvolvimento económico,
social e cultural. 2. Para atingir os seus fins, todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e
dos seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações que decorrem da cooperação económica
internacional, fundada sobre o princípio do interesse mútuo e do direito internacional. Em nenhum caso
poderá um povo ser privado dos seus meios de subsistência. 3. Os Estados Partes no presente Pacto,
incluindo aqueles que têm responsabilidade pela administração dos territórios não autónomos e territórios
sob tutela, devem promover a realização do direito dos povos a disporem deles mesmos e respeitar esse
direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas.
326
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre Os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York, 1966. Artigo 1º, §1º
327
Ibid., Artigo 1º, §2º
328
Ibid., Artigo 1º, §3º
329
Ibid., Artigo 2º, §1º
330
Ibid., Artigo 2º, §2º
97
Artigo 3º331 traz um destaque especial para a igualdade de gênero no gozo dos direitos
econômicos, sociais e culturais.332 Por sua vez, o artigo 5º revela, expressamente, que
nenhuma disposição do PIDESC deve restringir ou derrogar algum dos direitos
fundamentais reconhecidos ou em vigor, em qualquer nação, sobre o pretexto de que o
Pacto não o reconhece ou o reconhece em menor grau.333
A terceira parte, que compila os artigos 6 a 15, aborda alguns direitos que se
encontram relacionados à garantia da plena cidadania por parte dos indivíduos, como é o
caso dos artigos 6º e 7º, que reconhecem o direito de todas as pessoas ao trabalho, e a
garantia de que elas tenham a possibilidade de ganhar sua vida de forma livre.334 Quanto
aos Estados, eles tem o papel se salvaguardar esse direito, proporcionando orientação
técnica e profissional e elaborando políticas que garantam o gozo de tais liberdades
econômicas;335 dentro dessa área jurídica também se encontra o direito ao salário
equitativo, à condições de trabalho seguras e higiênicas, ao repouso, lazer, limitação
razoável das horas de trabalho e férias.336
O artigo 8º manifesta o comprometimento dos Estados-parte em assegurar o
direito de todas as pessoas à filiação em sindicato, com vistas a proteger seus interesses
econômicos e sociais, bem como os direitos inerentes aos próprios sindicatos, como o
direito de coalisão com outros sindicatos e a liberdade de exercer suas atividades, sem
limitações antidemocráticas.337 O artigo 9º trata do direito à segurança social, incluindo-
se os seguros sociais338, e se relaciona diretamente com o artigo 10º, que versa sobre a
proteção da família como núcleo elementar fundamental da sociedade;339 o artigo 11º que
trata sobre o comprometimento das nações com o reconhecimento do direito à um nível
de vida suficiente que inclua alimentação, vestuário e alojamento;340 o artigo 12º dispõe
sobre o direito de gozar o melhor estado de saúde física e mental possível, assegurando o
acesso à serviços médicos, controle de doenças epidêmicas e endêmicas, melhora na
331
Artigo 3.º - Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar o direito igual que têm o
homem e a mulher ao gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no presente
Pacto.
332
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre Os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York, 1966. Artigo 3º
333
Ibid., Artigo 5º, §2º
334
Ibid., Artigo 6º, §1º
335
Ibid., Artigo 6º, §2º
336
Ibid., Artigo 7º
337
Ibid., Artigo 8º
338
Ibid., Artigo 9º
339
Ibid., Artigo 10º
340
Ibid., Artigo 11º
98
341
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre Os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York, 1966. Artigo 12º
342
Ibid., Artigo 15º, §1º
343
Ibid., Artigo 16º § 1º
344
Ibid., Artigo 16º § 2º, “a”
345
Ibid., Artigo 16º § 2º, “b”
346
Ibid., Artigo 17º
347
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p.106
348
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre Os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York, 1966. Artigo 20º
99
de caráter geral, e um resumo das informações transmitidas pelos Estados Partes e pelas
agências especializadas acerca dos avanços que vêm sendo realizados na observância de
se respeitar o PIDESC.349 Esse órgão também pode provocar outros órgãos das Nações
Unidas, de seus órgãos subsidiários ou das agências especializadas interessadas que se
dedicam a fornecer assistência técnica às questões suscitadas nos relatórios, a fim de que
os organismos sejam ajudados a se pronunciar sobre as oportunidades de medidas
internacionais capazes de colaborar com a execução efetiva e progressiva do PIDESC.350
A quinta parte do PIDESC versa sobre a assinatura e ratificação do tratado,
disciplinando que sua entrada em vigor se daria três meses após o depósito, junto ao
Secretário Geral das Nações Unidas, do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou de
adesão ao PIDESC351, tendo ocorrido somente na data de 3 de janeiro de 1976.
Quando da análise do PIDESC, sua principal característica são as normas
programáticas de realização progressiva, que suscitam debates acerca da acionabilidade
desses direitos judicialmente, onde o entendimento da doutrina majoritária é de que a
ideia de não poder se acionar os direitos sociais é meramente ideológica, e, conforme
aduz Mazzuoli, trata-se de uma preconcepção fundada na equivocada comparabilidade
entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais e econômicos, comparação essa que
é injustificável, tendo em vista que as cortes não decidem apenas sobre disputas privadas,
e cabe a elas também a criação de políticas sociais na interpretação da Constituição, de
legislações de direito econômico, trabalhista, entre outras. Portanto, conclui-se pela plena
possibilidade de acionar as cortes jurisdicionais, com fundamento em normas de cunho
social em sentido amplo.352
Quanto à adoção pela República Federativa do Brasil ao Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, ela se deu 24 de janeiro de 1992, foi
promulgado em 24 de abril de 1992, na forma de seu artigo 27, parágrafo 2, e entrou em
vigor em 6 de julho do mesmo ano, por meio do Decreto nº 591/1992. Resta salientar que
o Protocolo Facultativo não foi promulgado pelo Brasil.
No mais, para a abordagem do presente estudo acerca da normatização da
sexualidade e identidade de gênero, a análise do Pacto Internacional sobre Direitos
349
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional Sobre Os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York, 1966. Artigo 21º
350
Ibid., Artigo 22º
351
Ibid., Artigo 27º, §1º
352
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p.105
100
Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 traz uma enorme evolução na carga valorativa
dos direitos de cidadania, pois aprofunda os ditames da Declaração Universal de Direitos
Humanos, estabelecendo parâmetros mínimos de adoção de políticas públicas e
vinculando os Estados-parte como sujeitos de ação nesse contexto. É certo que não há
nenhuma disposição especificamente direcionada à população LGBTQIAP+, mas pode-
se destacar o art. 2º, §2º, onde o Pacto orienta a forma de atuação dos Estados e aplicação
das políticas públicas propostas, pautadas na não discriminação de nenhum ser humano,
“independentemente de qualquer situação” a qual, a partir de uma interpretação hodierna,
há de se entender a abrangência das Minorias sexuais.
Conclui-se que, da época de promulgação do PIDESC, ele já trazia uma carga
valorativa sobre a igualdade de gênero, como se pode depreender no seu Artigo 3º, e que
nenhuma de suas disposições tem a força de revogar outros direitos fundamentais
reconhecidos, portanto, entende-se que as garantias fundamentais que envolvem proteção
de minorias contra discriminação só detêm o caráter somatório entre si, e nunca
derrogatório. É importante ressaltar, da análise do PIDESC, a importância que as
obrigações pactuadas pelos Estados-parte detêm para corrigir questões que envolvem a
plena cidadania, a qual o tratado direciona a todos os seres humanos, mas que apresentam
um peso maior ainda para as pessoas que compõem a comunidade LGBTQIAP+. É o caso
do acesso ao trabalho e o direito a possibilidade de ganhar sua vida de forma livre, direito
à educação, à saúde e à segurança social, que consistem em direitos de suma importância
para a comunidade LGBTQIAP+.
distinção de raça, sexo, língua ou religião, opinião política, origem nacional ou social,
fortuna, nascimento ou qualquer outra situação.353
Ademais, o órgão reconhece o desenvolvimento como um processo econômico,
social, cultural e político abrangente, que tem como objetivo a melhoria constante do
bem-estar de todos os indivíduos, fundamentada na participação ativa, livre e significativa
no processo de desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios dele derivados.354
No mais, demonstra preocupação com a eliminação das violações em massa e flagrantes
dos direitos humanos dos povos e indivíduos afetados por situações de racismo e
discriminação racial, e a existência de obstáculos ao desenvolvimento consubstanciados
a negação de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais - salientando que
todos os direitos humanos são indivisíveis e independentes e que, quando da promoção
do desenvolvimento, deverão ser prestadas com igual atenção e urgência na realização.355
Outrossim, reconhece que a pessoa humana é o sujeito principal do
desenvolvimento, que as políticas de desenvolvimento devem ser centradas no ser
humano como principal ator e beneficiário do desenvolvimento, e que a criação de
condições favoráveis à tais pretensões é uma responsabilidade do Estado. Em seu último
considerando, assevera que o desenvolvimento é inalienável e que uma das prerrogativas
das nações e dos indivíduos é a igualdade de oportunidades.356
Nesse sentido, o primeiro artigo da Declaração de 1986357 versa acerca da
inalienabilidade do direito ao desenvolvimento, devendo ser estendido à todas as pessoas
e todos os povos para que dele possam participar, contribuir e desfrutar, a fim de que
todos os direitos e liberdades fundamentais possam ser realizados. Nesse sentido, o direito
ao desenvolvimento também pressupõe a autodeterminação dos povos e o exercício do
seu direito inalienável de soberania sobre suas riquezas e recursos naturais.358
No que se refere aos sujeitos, o artigo 2º da Declaração centraliza a pessoa
humana como principal sujeito do desenvolvimento, que deve ser beneficiado e participar
ativamente dele, e como sujeito que dispõe de responsabilidades no desenvolvimento
individual e coletivo; ao Estado cabe a formulação de políticas de desenvolvimento que
353
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Adotada pela Resolução nº
41/128. Declaração Sobre O Direito Ao Desenvolvimento. Nova York, 1986. Considerações Iniciais
354
Ibid., Considerações Iniciais
355
Ibid., Considerações Iniciais
356
Ibid., Considerações Iniciais
357
Ibid., Artigo 1º
358
Ibid., Artigo 1º
102
359
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Adotada pela Resolução nº
41/128. Declaração Sobre O Direito Ao Desenvolvimento. Nova York, 1986. Artigo 2º
360
Ibid., Artigo 3º
361
Ibid., Artigo 4º
362
Ibid., Artigo 6º, inciso I
363
Ibid., Artigo 6º, II e III
364
Ibid., Artigo 8º, I
365
Ibid., Artigo 8º, II
103
366
ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Adotada pela Resolução nº
41/128. Declaração Sobre O Direito Ao Desenvolvimento. Nova York, 1986. Artigo 10º
367
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório da Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento. 1994. Cairo, 5-13 de set.
368
Ibid.,
104
369
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório da Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento. 1994. Cairo, 5-13 de set.
370
UNFPA BRAZIL (org.). Relatório da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento: plataforma do cairo. plataforma do cairo. 2007. Apresentação: Tania Patriota.
Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/relat%C3%B3rio-da-confer%C3%AAncia-
internacional-sobre-popula%C3%A7%C3%A3o-e-desenvolvimento-confer%C3%AAncia-do. Acesso em:
29 abr. 2023. p. 35
371
Ibid., p. 36
105
372
UNFPA BRAZIL (org.). Relatório da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento: plataforma do cairo. plataforma do cairo. 2007. Apresentação: Tania Patriota.
Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/relat%C3%B3rio-da-confer%C3%AAncia-
internacional-sobre-popula%C3%A7%C3%A3o-e-desenvolvimento-confer%C3%AAncia-do. Acesso em:
29 abr. 2023. p. 36
373
Ibid., p. 36
374
ILGA World: Lucas Ramon Mendos, Kellyn Botha, Rafael Carrano Lelis, Enrique López de la Peña,
Ilia Savelev and Daron Tan, State-Sponsored Homophobia 2020: Global Legislation Overview Update
(Geneva: ILGA, Dezembro de 2020).
375
Ibid.,
106
376
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. 1040 p. p
.169
107
377
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Introdução aos Princípios de Yogyakarta.
378
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. 595
p. p. 373 a 375
379
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Introdução aos Princípios de Yogyakarta.
108
outras formas de violência e exclusão em razão de raça, idade, religião, deficiência, status
econômico social, entre outros.380 Leva-se em consideração que muitos Estados e
sociedades corroboram com esses tipos de violência, impondo normas de gênero e de
orientação sexual por meio de costumes e legislações, e que a violência não combatida
também consiste em uma forma de controle sobre os corpos dessas pessoas.381
Logo, foram enunciados vinte e nove princípios, que codificam elementos legais
que se encontravam em desenvolvimento na época, e solidificaram as conquistas que já
vinham sendo respeitadas. Cada um desses princípios consiste em uma obrigação de
respeito, que afirmam normas jurídicas internacionais vinculantes, direcionadas a todos
os Estados nacionais e as organizações internacionais, a quem devem efetivá-los.382 É
relevante destacar que o texto de cada um dos princípios de Yogyakarta é estruturado de
um enunciado, onde se desenvolve a ideia geral do princípio, acompanhado de
recomendações detalhadas, que estão enumeradas por meio de letras, e que explicam de
que forma os Estados se obrigam a cumprir o enunciado do princípio. Portanto, a seguir
serão explicados os conteúdos de cada um dos princípios, e suas principais
recomendações, tendo em vista que muitas dessas recomendações se aplicam a mais de
um princípio.
Ressalta-se também a importância desse documento para a construção de uma
cidadania LGBTQIAP+ a partir do liame objetivo que ele cria entre os princípios
universais de direitos humanos, internacionalmente consolidados e respeitados por
Estados de diferentes partes do globo, que devem ser aplicados à diferentes culturas
advindas de características geográficas diferentes, mas que compartilham do mesmo
desafio que é o combate à violência e a discriminação em razão de identidade de gênero,
orientação sexual, expressão de gênero e sexualidade. Durante toda a leitura dos
princípios de Yogyakarta, será possível depreender a proteção de diversas faces da
cidadania de um indivíduo, que estão diretamente afetadas pelas questões de identidade
de gênero e sexualidade.
Portanto, o conteúdo dos vinte e nove princípios se inicia pela necessidade de
respeito ao gozo universal dos direitos humanos (princípio 1), que significa respeitar a
380
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Introdução aos Princípios de Yogyakarta.
381
Ibid., Introdução aos Princípios de Yogyakarta.
382
MAURÍCIO, Álvaro Filipe da Silva. A atuação dos sistemas de proteção de direitos humanos na
defesa da comunidade LGBT. 2018. 136 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade de
Lisboa, Lisboa, 2018. p. 51
109
383
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípio nº 1
384
Ibid., Princípio nº 1, recomendações “a”, “b”, “c” e “d”.
385
Ibid., Princípio nº 2, caput
386
Ibid., Princípio nº 2, caput
387
Ibid., Princípio nº 2, recomendação “a”
388
Ibid., Princípio nº 2, recomendação “b”
389
Ibid., Princípio nº 2, recomendação “f”
110
390
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípio nº 3
391
Ibid., Leitura conjunta dos princípios nº 3 e nº 6
392
Ibid., Princípio nº 3
111
casos393, bem como cessar as atividades estatais, ou toleradas pelos Estados, ou que sejam
praticadas pelos seus agentes e que afetem a vida e a segurança pessoal dos cidadãos e
que tenha como motivação sua orientação sexual ou identidade de gênero.394
Da mesma forma, o princípio 5 versa sobre o direito à segurança pessoal, e
aborda a necessária proteção de todas as pessoas contra danos corporais, sejam eles
deflagrados por autoridades estatais ou por outros indivíduos.395 Cabe ao Estado proteger
a todos, tanto de forma preventiva quanto de forma repressiva, contra quaisquer tipos de
violência e assédio que tenham relação com sua identidade de gênero ou orientação
sexual;396 também é de responsabilidade do Estado a investigação e a punição adequada
a quem cometer tais violações, bem como a realização de campanhas de conscientização
direcionadas ao público em geral397 e a adoção de medidas legislativas e administrativas
para garantir que nenhum tipo de violência possa ser justificada, desculpada ou atenuada
sob o argumento da identidade de gênero ou orientação sexual da vítima.398
Na sequência, o princípio de número 7 dispõe sobre o direito de não sofrer
privação arbitrária da liberdade, baseada na identidade de gênero ou orientação sexual,
sejam elas oriundas ou não da autoridade judicial, de forma que todos os indivíduos que
forem presos, dispõem do direito de ser informados da razão de sua prisão. Nesses termos,
cabe aos Estados garantir que nenhuma prisão seja justificada pela orientação sexual ou
identidade de gênero e qualquer pessoa, cabendo também disciplinar essa matéria em
âmbito administrativo, capacitar os agentes de segurança e os funcionários encarregados
de aplicar a lei para evitar esse tipo de violação. O direito de não sofrer privação arbitrária
da liberdade também deve ser implementado pelos Estados por meio de um sistema de
registros de todas as detenções e prisões realizadas, onde devem ser incluídos os dados
detalhados da prisão ou detenção (indicando a data, local e motivo da detenção), assim
como propiciar a supervisão independente de todos os locais de detenção, a fim de se
identificar possíveis arbitrariedades decorrentes de discriminação.399
393
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípios de Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia.
Princípio nº 4, recomendações “a” e “b”
394
Ibid., Princípio nº 4, recomendação “c”
395
Ibid., Princípio nº 5, caput
396
Ibid., Princípio nº 5, recomendações “a” e “b”
397
Ibid., Princípio nº 5, recomendações “b”, “d” e “e”
398
Ibid., Princípio nº 5, recomendação “c”
399
Ibid., Princípio nº 7
112
400
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípios de Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia.
Princípio nº 8
401
Ibid., Princípio nº 9
402
Ibid., Princípio nº 10
403
Ibid., Princípio nº 11
113
404
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípios de Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia.
Princípio nº 12
405
Ibid., Princípio nº 13
406
Ibid., Princípio nº 14
407
Ibid., Princípio nº 15
408
Ibid., Princípio nº 16
409
Ibid., Princípios nº 17 e nº 18
114
410
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípios de Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia.
Princípio nº 19
411
Ibid., Princípio nº 20
412
Ibid., Princípio nº 21
413
Ibid., Princípios nº 22 e nº 23
115
414
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípios de Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia.
Princípio nº 24
415
Ibid., Princípio nº 25
416
Ibid., Princípio nº 26
417
Ibid., Princípio nº 27
418
Ibid., Princípio nº 28
116
419
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia. Princípios de Yogyakarta. 2006. Yogyakarta, Indonésia.
Princípio nº 29
117
Humanos das Nações Unidas e outras agências das Nações Unidas (normas de soft law)420,
bem como foram incorporados nas políticas interna e externa de diversas nações, e
apreciados nos sistemas regionais de proteção aos direitos humanos.421
420
Norma que não decorre de autoridade central que possa impor seu cumprimento.
421
MAURÍCIO, Álvaro Filipe da Silva. A atuação dos sistemas de proteção de direitos humanos na
defesa da comunidade LGBT. 2018. 136 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade de
Lisboa, Lisboa, 2018. p. 51
422
UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Igualdade e não discriminação: livres & iguais nações unidas
pela igualdade lgbt. LIVRES & IGUAIS NAÇÕES UNIDAS PELA IGUALDADE LGBT. Disponível em:
https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/Discrimination/LGBT/FactSheets/UNFEFact
SheetEquality_and_non_discrimination_SOGI_PT.pdf. Acesso em: 15 fev. 2023.
118
423
CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS. 2011. Resolução n.º 17/19 (A/HRC/17/L.9/Rev.1).
Genebra.
424
Votos a favor da Resolução nº 17/19: Argentina, Bélgica, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Eslováquia,
Espanha, Estados Unidos de América, França, Guatemala, Hungria, Japão, Mauricio, México, Noruega,
Polonia, Reino Unido de Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República da Coreia, Suíça, Tailândia, Ucrânia,
Uruguai.
425
Votos contrários à Resolução nº 17/19: Angola, Arábia Saudita, Bahrein, Bangladesh, Camarões,
Djibuti, Federação Russa, Gabão, Gana, Jordânia, Malásia, Maldivas, Mauritânia, Nigéria, Paquistão,
Qatar, República da Moldávia, Senegal, Uganda.
426
Abstenções referentes a Resolução nº 17/19: Burkina Faso, China, Zâmbia.
427
CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS. 2011. Resolução n.º 17/19 (A/HRC/17/L.9/Rev.1).
Genebra.
428
Ibid., Artigo 3º
429
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 1
119
agressão física, tortura, detenção arbitraria, negação dos direitos de reunião, expressão e
informação, e discriminação no emprego, saúde e educação”.430 Outra característica
importante sobre esse relatório diz respeito a sua forma de reunir entendimentos e
interpretações dos órgãos das nações unidas sobre os direitos das pessoas LGBTQIAP+,
sob diferentes perspectivas, que convergem para uma interpretação normativa que
privilegia a proteção dos direitos e garantias fundamentais em diversos âmbitos de
cidadania dessas pessoas. O texto em questão é construído a partir das experiências
coletadas por relatores de diversos órgãos das Nações Unidas, a exemplo do Conselho de
Direitos Humanos (CDH), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(ACNUR), o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ECOSOC).
Após a exposição das características gerais do relatório, e procedendo com seu
exame, em seu texto são apresentadas as normas e obrigações internacionais aplicáveis à
situação de vulnerabilidade das minorias sexuais, onde o documento lista e explica os
princípios que fundamentam a ideia principal de que os Estados devem promover e
proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos indivíduos LGBTQIAP+.
Assim, são elencados os princípios da universalidade e da igualdade e não discriminação
como princípios basilares em toda a análise do relatório.431
Ambos os princípios se encontram em consonância com o artigo 1º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, quando esta dispõe sobre a liberdade,
igualdade e dignidade de direitos inerente a todas as pessoas. Destaca, nesse sentido, que,
em que pese a Declaração e o Programa de Ação de Viena afirmem que se deve levar em
consideração as particularidades nacionais e regionais, as heranças históricas, culturais e
religiosas, os Estados têm o dever de proteger, independentemente de seus sistemas
políticos econômicos e culturais, os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais de
todas as pessoas.432
Outrossim, a não discriminação é um princípio que se encontra consagrado em
instrumentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos e os tratados básicos de direitos humanos. Para tanto,
430
Consejo de Derechos Humanos. Informe anual del Alto Comisionado de las Naciones Unidas para
los Derechos Humanos. 2011. Tradução nossa. Disponível em:
https://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/19session/A.HRC.19.41_sp.pdf. Acesso em: 05
nov. 2021. p. 4
431
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 4
432
Ibid., p. 4
120
433
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 4-5
434
Ibid., p. 5
435
O artigo 33 da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 dispõe sobre a proibição de
expulsão ou de rechaço, e em seu inciso 1º, expressa: ”Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou
rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua
liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a
que pertence ou das suas opiniões políticas”.
436
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 5-6
121
437
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 6
438
Ibid., p. 7
439
Ibid., p. 7
440
Ibid., p. 7
441
Ibid., p. 7
442
Ibid., p. 7
122
443
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 8-9
444
Ibid., p. 10-11
445
Ibid., p. 16
446
Ibid., p. 23
123
447
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório anual do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-
Geral (Relatório A/HRC/19/41). Décima-sétima Sessão. Agenda item 8. 2011. Genebra. p. 26
448
Ibid., p. 26
449
Ibid., p. 27
124
450
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta +10. 2017. Genebra, Suíça.
125
danos que possam vir a ser cometidos por agentes estatais;451 adotar medidas apropriadas
e efetivas para erradicar todas as formas de discriminação e violência direcionada à
população LGBTQIAP+;452 coletar informações estatísticas sobre as dimensões, as
causas e os efeitos da discriminação, assim como das medidas tomadas para prevenir e
erradicar os danos, bem como os dados das reparações de danos;453 na seara da educação,
implementar programas de educação e informação pública para promoção dos direitos
humanos e eliminação de prejuízos decorrentes do preconceito contra as pessoas
LGBTQIAP+;454 capacitar e sensibilizar os servidores públicos, em especial aqueles que
trabalham no judiciário fazendo cumprir as leis;455 garantir que as normas que versam
sobre violações , abusos e assédios sexuais protejam todas as pessoas independente de
sua identidade de gênero, sexualidade ou expressões de gênero e sexualidade, bem como
que haja o devido apoio ás vítimas de tais violações.456
O princípio 31 se refere ao direito ao reconhecimento legal, afirmando que todas
as pessoas devem ter seu reconhecimento legal, sem que seja exigido ou revelado seu
sexo, gênero, orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero. Esse direito
se ramifica no direito de obtenção, por todas as pessoas, de documentos de identidade,
certidão de nascimento, independentemente destes fatores. Também afirma que, quando
registradas as informações relativas ao sexo, o cidadão tem direito de alterá-las.457
Nesses termos, para concretização do princípio 31, o documento prescreve que os
Estados devem garantir que os documentos de identificação oficiais incluam apenas
informações pessoais que sejam pertinentes, razoáveis e necessárias a fim de cumprir um
propósito legítimo, devendo extinguir os registros de sexo e gênero nas identidades,
certidões de nascimento, passaportes e carteiras de habilitação, bem como garantir que a
mudança de nome seja acessível e que, enquanto os registros de sexo e o gênero
continuarem a existir, sejam utilizadas nomenclaturas neutras em termos de gênero.
Ademais, que os procedimentos para reconhecimento da identidade de gênero com a qual
o indivíduo se identifica sejam rápidos, transparentes, acessíveis e possuam vários
451
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta +10. 2017. Genebra, Suíça. Princípio 30, item ”a”.
452
Ibid., Princípio 30, item ”b”.
453
Ibid., Princípio 30, item ”c”.
454
Ibid., Princípio 30, item ”e”.
455
Ibid., Princípio 30, item ”e”.
456
Ibid., Princípio 30, item ”h”.
457
Ibid., Princípio 31, caput
126
458
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta +10. 2017. Genebra, Suíça. Princípio 31, itens “a”, “b” e “c”
459
Ibid., Princípio 32, caput
460
Ibid., Princípio 31, recomendação ”d”
461
Ibid., Princípio 33
462
Ibid., Princípio 34, caput e recomendações “a” à “h”
127
a inclusão social das pessoas marginalizadas, garantir que as instituições coletem dados
da população, visando o combate a pobreza, e garantir soluções para as violações de
direitos humanos.463 Outro direito básico se encontra disposto no princípio 35, e consiste
no direito ao saneamento e às condições igualitárias e adequadas de higiene, compatíveis
com a dignidade da pessoa humana e desvinculada de qualquer tipo de discriminação.
Posteriormente, alinhando-se à globalização e a disseminação dos fenômenos
tecnológicos ao redor do mundo, o princípio 36 dispõe sobre o os direitos humanos em
relação com as tecnologias da informação e comunicação. Constata-se, de sua análise, a
preocupação dos especialistas com as atividades realizadas no âmbito da internet e das
comunicações, prevendo, em um primeiro momento o direito de acesso às tecnologias,
livres de quaisquer formas de discriminação, e se preocupando, posteriormente, na
segurança das comunicações.464
O texto do princípio 36 cita, em especial, o uso de ferramentas como a
criptografia, a anonimização e a utilização de pseudônimos, asseverando que tais
garantias são imprescindíveis para a plena realização dos direitos humanos e que estão
relacionadas “aos direitos à vida, integridade física e mental, saúde, privacidade, devido
processo legal, liberdade de opinião e expressão, e liberdade de reunião e associação
pacíficas”465. Destaca-se a recomendação que aconselha os Estados a garantir que todas
as restrições de direitos de acesso às tecnologias de informação, de comunicação e de
internet estejam legalmente previstas e que sejam proporcionais, visando proteger a
dignidade humana, a igualdade e as liberdades individuais.466
O próximo princípio, de número 37, é um dos mais relevantes de todo o texto
normativo dos princípios de Yogyakarta +10, pois versa sobre o direito à verdade,
relacionado às atividades jurisdicionais e a impunidade. Para os especialistas que
formularam o texto normativo, o direito à verdade reúne a garantia de investigações
efetivas, independentes e imparciais, com a finalidade de estabelecer os fatos. Esse direito
não está sujeito à prescrição, e provém da ótica individual, de o indivíduo obter a verdade
sobre determinados acontecimentos ou as motivações para que ele seja tratado de
463
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta +10. 2017. Genebra, Suíça. Princípio 34, recomendações ”b” à “e”
464
Ibid., Princípio 36, caput
465
Ibid., Princípio 36, caput
466
Ibid., Princípio 36, recomendação “c”
128
determinada forma, bem como uma perspectiva coletiva fundada na garantia de acesso,
por parte da sociedade, de conhecer da verdade dos acontecimentos.467
Outrossim, o direito à verdade só pode ser alcançado se os Estados estabelecerem
mecanismos e processos de busca da verdade acerca de violações de direitos humanos
fundadas em identidade de gênero, orientação sexual, expressão de gênero e
características sexuais. Sobre esse tipo de violação, os Estados devem adotar disposições
legais que objetivem preservar provas documentais e garantir que os fatos e as verdades
históricas sejam amplamente difundidos e incluídos nos currículos educacionais, para que
todos saibam as causas, a natureza e as consequências das violações de direitos humanos
contra as pessoas LGBTQIAP+, assim como que as vítimas sejam compensadas,
garantindo a elas o acesso a recursos efetivos, indenização, reparação, tratamentos
reparadores físicos e psicológicos.468 O último princípio, de número 38, estabelece que
todos tem o direito de praticar, proteger, preservar e reviver a diversidade de culturas,
tradições, idiomas, rituais e festivais, e que todos têm o direito de manifestar a diversidade
cultural por todos os meios e tecnologias possíveis, sem nenhuma discriminação.469
No mais, a República Federativa do Brasil foi uma das nações signatárias do
documento oriundo das discussões sobre os princípios de Yogyakarta +10. Destaca-se a
presença da Pesquisadora Associada da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids
(ABIA), e co-presidenta do Observatório de Sexualidade e Política, Sonia Onufer Corrêa,
como representante do país na conferência.
467
PAINEL INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de
Yogyakarta +10. 2017. Genebra, Suíça. Princípio 37, caput
468
Ibid., Princípio 37, recomendação “b”, “e”, “f”, “g”, “h”
469
Ibid., Princípio 38, caput
129
470
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. 1797 p. p. 969
471
Estados Fundadores: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República
Dominicana, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua,
Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
472
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. 1797 p. p. 973
473
Ibid., p. 970
131
474
ARAÚJO, Ygor; GURGEL, Yara; MOREIRA, Thiago. O princípio da igualdade e não discriminação
no combate a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero a partir das decisões da
Corte IDH. In: GURGEL, Yara; MAIA, Catherine; MOREIRA, Thiago. Direito Internacional dos Direitos
Humanos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. Vol. 3. Natal: Polimatia, 2022, p. 287–324. p. 296
475
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: Edufrn, 2015. p. 75-76
132
476
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: Edufrn, 2015. p. 76
477
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos. San Jose. 1969. Artigo 1º
478
Ibid., Art. 1 par. 2
479
Ibid., Art. 5 par. 1 e 2
480
Ibid., Art. 8 par. 1
481
Ibid., Art. 10
133
honra e dignidade, afirmando que ninguém pode ser submetido a “ingerências arbitrárias
ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”.482
No que se refere ao direito à igualdade e não discriminação, o artigo 24 leciona
que “todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem
discriminação, a igual proteção da lei”.483
Nesses termos, é importante situar o contexto regional americano, onde muitas
nações saem de regimes ditatoriais, em meados da década de 1980, como é o caso da
Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil, e tentam consolidar suas democracias, tendo
como um dos principais desafios a persistência de um alto grau de exclusão e de
desigualdade social.484 Os períodos ditatoriais, por sua vez, se caracterizaram pelas
restrições aos direitos fundamentais básicos, em detrimento de meios violentos como a
tortura, desaparecimentos forçados, execuções sumárias, perseguições político-
ideológicas, torturas sistemáticas, e, em especial, as proibições a liberdades de expressão,
de reunião e de associação.485
Diante de tal contexto, o fortalecimento de um sistema de proteção regional já
existente, como é o caso do SIPDH, e de seus instrumentos normativos, como é o caso da
CADH, se faz necessário para o fortalecimento e consolidação das normas democráticas,
na busca de uma real efetivação de tais direitos. É a partir desse ponto que, na temática
do presente estudo, o SIPDH promulga duas Convenções, no ano de 2013, que
complementam o entendimento do Sistema sobre a CADH. São elas a Convenção
Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância e a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e
Intolerância.
Apesar de muito semelhantes, inclusive em suas considerações iniciais, o
comentário que deve ser traçado é que, inicialmente, a ideia era de haver apenas uma
convenção que abordasse ambas as questões, porém, não foi possível unificar os dois
conteúdos, em detrimento de nações que não aceitaram ratificar os direitos da população
LGBTQIA+, por isso, a matéria ficou dividida em duas convenções, onde o objeto do
482
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos. San Jose. 1969. Art. 11
483
Ibid., Art. 24
484
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas
regionais europeu, interamericano e africano. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 154
485
Ibid., p. 154
134
486
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana contra Toda
Forma de Discriminação e Intolerância. 2013. Considerações Iniciais
487
Ibid., Considerações Iniciais
488
Ibid., Considerações Iniciais
135
ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja
anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de
um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais”489 que estejam estabelecidos
em instrumentos internacionais que possam ser aplicados aos Estados Partes. Também
pode se falar em discriminação indireta, que consiste naquela onde se pratica um critério
aparentemente neutro, mas que pode gerar uma desvantagem para algum indivíduo.490
Enquanto isso, a discriminação pode ser conceituada como “um ato ou conjunto
de atos ou manifestações que denotam desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade,
características, convicções ou opiniões de pessoas por serem diferentes ou contrárias”.491
Este é o primeiro instrumento internacional que leciona sobre os conceitos de
discriminação, atrelando ele a fatores e condições existenciais até então ignorados por
outros instrumentos internacionais, como a orientação sexual e a identidade de gênero.492
Outra característica importante de ser destacada diz respeito ao reforço que tal
Convenção confere aos princípios mais importantes do Direito Internacional, em especial
ao princípio da Igualdade e Não Discriminação, onde a Convenção destaca que deve ser
observado pelos Estados o respeito à igualdade perante a lei e à igual proteção contra
qualquer forma de discriminação ou intolerância, seja ela manifestada em esfera da vida
pública ou privada, e que todos tem direito ao reconhecimento, em condições de
igualdade, de todos os direitos e liberdades fundamentais contidos nas legislações internas
e nos instrumentos internacionais que o Estado reconhecer.493
Nesse sentido, os Estados partes que ratificarem a Convenção Interamericana
contra Toda Forma de Discriminação também se comprometem a adotar uma legislação
que proíba expressamente a discriminação e a intolerância, e que tenha abrangência para
as autoridades públicas e perante todos os indivíduos. Outra obrigação legislativa é a de
revogar todas as legislações que constituam ou produzam algum tipo de discriminação e
intolerância.494 Esse artigo se soma ao artigo 9º, que cuida do comprometimento dos
Estados com a garantia de que os sistemas políticos e jurídicos reflitam a diversidade da
489
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana contra Toda
Forma de Discriminação e Intolerância. 2013. Artigo 1, item 1
490
Ibid., Artigo 1, item 2
491
Ibid., Artigo 1, item 5
492
NASCIMENTO, João Pedro Rodrigues; MARINO, Tiago Fuchs; CARVALHO, Luciani Coimbra. A
Corte Interamericana de direitos humanos e a proteção dos direitos LGBTI: construindo um Ius
Constitutionale Commune baseado na diversidade. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 11,
n. 2. p.714-735, 2021. p. 725
493
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana contra Toda
Forma de Discriminação e Intolerância. 2013. Artigo 2
494
Ibid., Artigo 7
136
495
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana contra Toda
Forma de Discriminação e Intolerância. 2013. Artigo 9
496
Ibid., Artigo 10
497
Ibid., Artigo 5
498
Ibid., Artigo 5
499
Conforme dados contidos no sítio da OEA (https://www.oas.org/en/sla/dil/inter_american_treaties_A-
69_discrimination_intolerance_signatories.asp), consultados em 12 de março de 2022.
137
500
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 24/2017. Item 61
501
BICHARA, Jahyr-philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 114
502
Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos - 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a
respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que
esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião,
opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou
qualquer outra condição social.
503
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 24/2017. Item 63
504
Ibid., Item 63
505
Ibid., Item 65
506
Ibid., Item 65
507
Ibid., Item 67
138
508
Artigo 29. Normas de interpretação - Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido
de: a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e
liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo
e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos
Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; c) excluir outros
direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de
governo; d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.
509
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 24/2017. Item 68
510
Ibid., Item 69
511
BICHARA, Jahyr-philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 493
139
512
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 78
140
513
SPINIELI, A. L. P.; CONTREIRAS, A. F. Direitos Sexuais no Sistema Interamericano de Direitos
Humanos: o caso Atala Riffo como expressão da cidadania sexual. Cadernos Eletrônicos Direito
Internacional sem Fronteiras, v. 3, n. 2, p. e20210202, 13 jul. 2021. p.3
514
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Atala Riffo e filhas. Chile. 24
de fevereiro de 2012. p. 4
141
a convivência lésbica com outra mulher”, e que essa convivência “estava provocando
consequências danosas ao desenvolvimento dessas menores de idade”.515
Em sede do procedimento de guarda das crianças menores de idade, o senhor
Ricardo Allendez apresenta a justificativa pela qual pleiteia a guarda de suas filhas,
imbuída de preconceito e discriminação ele afirma que, “atribuir normalidade na ordem
jurídica a casais do mesmo sexo implicava desnaturalizar o sentido de casal humano,
homem-mulher e, portanto, alterava o sentido natural da família, pois afetava os valores
fundamentais da família como núcleo central da sociedade”.516 Em resposta às alegações
do genitor, no decorrer da ação de guarda, o Juizado de Menores de Villarica concedeu a
guarda provisória a ele, considerando que as atitudes da genitora colocaram seus
interesses e bem-estar pessoal acima do bem-estar emocional dos filhos, ocasião em que
a sua convivência afetiva com outra mulher estaria alterando a normalidade da rotina
familiar e o adequado processo de socialização das filhas.517
Ante o exposto, no desencadeamento dos atos processuais, após o deferimento
da guarda provisória em favor do genitor, o Juizado de Menores de Villarica analisa o
mérito e profere, na data de 29 de outubro de 2003, uma decisão declinando a guarda do
genitor, sob o fundamento de que a orientação sexual da senhora Atala não representava
impedimento para a realização de uma maternidade responsável, bem como não
apresentava nenhuma patologia psiquiátrica que a impedisse de exercer seu papel de mãe.
Outrossim, entende também que inexistem fatos que pudessem, de alguma forma,
interferir prejudicialmente no bem-estar dos menores, decorrentes da presença da
companheira da mãe na residência. A decisão também considerou a vontade das crianças
de retornar a morar com a genitora.518
A reação do pai das crianças à sentença de mérito se deu por meio de mandado
de segurança provisório impetrado em desfavor da decisão de mérito, este que foi
considerado procedente, lhe conferindo a manutenção da guarda. Em sede de apelação, o
Tribunal de Recursos de Temuco confirmou a sentença proferida pelo Juizado de
Menores de Villarica, reiterando a decisão de primeira instância e tornando sem efeito o
mandado de segurança impetrado pelo genitor.519Ainda inconformado com a decisão de
515
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Atala Riffo e filhas. Chile. 24
de fevereiro de 2012. p. 14
516
Ibid., p. 14
517
Ibid., p. 16
518
Ibid., p. 18
519
Ibid., p. 20
142
520
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Atala Riffo e filhas. Chile. 24
de fevereiro de 2012. p. 21
521
Ibid., p. 21
522
Ibid., p. 21
523
Ibid., p. 4
143
524
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Atala Riffo e filhas. Chile. 24
de fevereiro de 2012. p. 87
525
Ibid., p. 4
526
Ibid., p. 4
527
Ibid., p. 5
528
Ibid., p. 6
144
portanto, entendeu o órgão que este não se encontraria legitimado para apresentar provas
e argumentos.529
Isto posto, em 24 de fevereiro de 2012, a Corte IDH profere a sentença do caso
Atala Riffo. Em seus termos, o documento reconhece, por unanimidade, a
responsabilidade do Estado chileno pelas violações de direitos humanos a seguir listados:
violação do direito à igualdade e à não discriminação, que está disciplinado no artigo 24
da Convenção Americana de Direitos Humanos, relacionando este direito ao que está
disposto no artigo 1.1 da Convenção, também se aplicando, concomitante com o artigo
19 (direitos das crianças), às Crianças M. V. e R.530 Também decidiu que o Estado foi
responsável pela violação do direito à vida privada, consagrado no artigo 11.2; pela
violação do direito de ser ouvida, consagrado no artigo 8.1; pela violação da garantia de
imparcialidade, também consagrada no artigo 8.1, no que diz respeito às investigações
disciplinares realizadas em detrimento de Karen Atala Riffo. Além disso, por cinco votos
a favor e um contra a Corte decidiu que o Estado “não violou a garantia judicial de
imparcialidade, consagrada no artigo 8.1 da Convenção Americana, em relação às
decisões da Corte Suprema de Justiça e do Juizado de Menores de Villarrica”.531
Quanto ao cumprimento da sentença, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos emitiu, no ano de 2013, uma resolução de cumprimento indicando a supervisão
das cinco medidas de reparação elencadas na sentença. Esse documento faz parte do
exercício da função jurisdicional de supervisão do cumprimento das decisões, inerente à
Corte IDH.532 Ademais, das cinco medidas de reparação que foram propostas, o Estado
chileno deu cumprimento total a três delas, restando pendentes a prestação de atendimento
médico e psicológico gratuito às vítimas que o solicitarem, assim como a medida de
conferir capacitação de funcionários públicos nos níveis regional e nacional, e em especial
aos funcionários do judiciário de todas as áreas e escalões do poder judiciário.533
Mais tarde, no ano de 2017, foi emitida outra resolução de cumprimento, onde
ficou assentado que o Estado chileno cumpriu, de forma integral, a medida de reparação
relativa ao fornecimento de serviços médicos, psicológicos ou psiquiátricos às quatro
529
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Atala Riffo e filhas. Chile. 24
de fevereiro de 2012. p. 6
530
Ibid., p. 87
531
Ibid., p. 88
532
Conforme artigo 68.1 da Convenção Americana, “Os Estados Partes na Convenção comprometem-se a
cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.
533
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório de monitoramento, caso Atalla
Riffo e Filhas vs. Chile (2013)
145
534
ARAÚJO, Ygor; GURGEL, Yara; MOREIRA, Thiago. O princípio da igualdade e não discriminação
no combate a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero a partir das decisões da
Corte IDH. In: GURGEL, Yara; MAIA, Catherine; MOREIRA, Thiago. Direito Internacional dos Direitos
Humanos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. Vol. 3. Natal: Polimatia, 2022, p. 287–324. p. 310
535
Ibid., p. 310
536
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Ángel Alberto Duque.
Colômbia. 26 de fevereiro de 2016. p. 18
146
537
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Ángel Alberto Duque.
Colômbia. 26 de fevereiro de 2016. p. 8
538
Ibid., p. 21
539
Ibid., p. 24
540
Ibid., p. 24
147
afirma que o ente previdenciário teria acertado em negar a pensão do cidadão, pois a
pensão de sobrevivência tem a função de proteger a família, entendida pela união entre
homem e mulher e com função de conservar a espécie através da procriação. Portanto, até
aquele momento, as uniões entre pessoas do mesmo sexo não constituem família, sendo
apenas relações íntimas.541 Em 26 de agosto de 2002, a demanda foi interposta perante a
Corte Constitucional Colombiana, porém, este órgão trabalha com a seleção de casos para
estudo e revisão, e o caso do senhor Duque não foi selecionado.542
Partindo-se dos fatos narrados, na data de 8 de fevereiro de 2005 a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebeu a petição referente ao caso do
senhor Ángel Alberto Duque, apresentada pela Comissão Colombiana de Juristas e por
Germán Humberto Rincón Perfetti, a qual foi admitida em 2 de novembro de 2011 por
meio do Informe de Admissibilidade Nº. 150/11.543 Em 2 de abril de 2014 a Comissão
emitiu o Informe de Fondo nº 5/14 (relatório de mérito), nos termos do artigo 50 da
Convenção Americana544, concluindo que o Estado colombiano era responsável pela
violação do direito a integridade pessoal da vítima, fundamentado no artigo 5.1 da CADH,
que o Estado também violou os direitos as garantias judiciais e a proteção judicial,
estabelecidos nos artigos 8.1 e 25 da CADH545, e o princípio da igualdade e não
discriminação, estabelecido no artigo 24, relacionado com o artigo 1.1 e artigo 2º da
CADH, que versam, respectivamente, sobre o comprometimento dos Estados em
respeitar os direitos reconhecidos pela Convenção e de adotar suas disposições no direito
interno.546
Ademais, o Relatório de Mérito nº 5/14 também estabelece conclusões e elabora
recomendações ao Estado da Colômbia, fundamentado na interpretação da Comissão de
que a denegatória da pensão recebida pela vítima teve como fundamento a orientação
sexual do falecido e do beneficiário. Desta feita, a CIDH entendeu que senhor Duque foi
vítima de discriminação, por razão de sua orientação sexual, fundamentado no conceito
541
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Ángel Alberto Duque.
Colômbia. 26 de fevereiro de 2016. p. 24-25
542
Ibid., p. 25
543
Ibid., p. 4
544
Ibid., p. 4
545
Ibid., p. 4 e 5
546
Ibid., p. 4 e 5
148
547
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Ángel Alberto Duque.
Colômbia. 26 de fevereiro de 2016. p. 4
548
ARAÚJO, Ygor; GURGEL, Yara; MOREIRA, Thiago. O princípio da igualdade e não discriminação
no combate a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero a partir das decisões da
Corte IDH. In: GURGEL, Yara; MAIA, Catherine; MOREIRA, Thiago. Direito Internacional dos Direitos
Humanos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. Vol. 3. Natal: Polimatia, 2022, p. 287–324. p. 310
549
Ibid., p. 311
550
RIOS, Roger Raupp et al. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a discriminação contra
pessoas LGBTTI: panorama, potencialidade e limites. Revista Direito e Práxis [online]. 2017, v. 8, n. 2
[Acessado 10 outubro 2021], pp. 1545-1576. Disponível em: <https://doi.org/10.12957/dep.2017.28033>.
Epub Apr-Jun 2017. ISSN 2179-8966. https://doi.org/10.12957/dep.2017.28033. p. 1562
551
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Ángel Alberto Duque.
Colômbia. 26 de fevereiro de 2016. p. 9
552
Ibid., p. 7
553
Ibid., p. 40-41
149
554
RIOS, Roger Raupp et al. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a discriminação contra
pessoas LGBTTI: panorama, potencialidade e limites. Revista Direito e Práxis [online]. 2017, v. 8, n. 2
[Acessado 10 outubro 2021], pp. 1545-1576. Disponível em: <https://doi.org/10.12957/dep.2017.28033>.
Epub Apr-Jun 2017. ISSN 2179-8966. https://doi.org/10.12957/dep.2017.28033. p. 1561
555
ARAÚJO, Ygor; GURGEL, Yara; MOREIRA, Thiago. O princípio da igualdade e não discriminação
no combate a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero a partir das decisões da
Corte IDH. In: GURGEL, Yara; MAIA, Catherine; MOREIRA, Thiago. Direito Internacional dos Direitos
Humanos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. Vol. 3. Natal: Polimatia, 2022, p. 287–324. p. 311
556
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Ángel Alberto Duque.
Colômbia. 26 de fevereiro de 2016. p. 9
557
Ibid., p. 33
150
Este caso refere-se à prisão arbitrária da Sra. Azul Rojas Marín, na data de 25 de
fevereiro de 2008, por agentes estatais do Peru. Conforme apurado pela Comissão
Interamericana, e exposto na denúncia perante a Corte IDH, a vítima foi detida de forma
ilegal, arbitrária e discriminatória pela Delegacia de Casa Grande, na referida data, e
submetida a violências físicas e psicológicas. Nesses termos, a Comissão Interamericana
assevera que “a natureza e a forma como essa violência foi exercida, havia uma crueldade
especial com a identificação ou percepção de Azul Rojas Marín, naquele momento, como
558
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Ángel Alberto Duque.
Colômbia. 26 de fevereiro de 2016. p. 53
559
RIOS, Roger Raupp et al. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a discriminação contra
pessoas LGBTTI: panorama, potencialidade e limites. Revista Direito e Práxis [online]. 2017, v. 8, n. 2
[Acessado 10 outubro 2021], pp. 1545-1576. Disponível em: <https://doi.org/10.12957/dep.2017.28033>.
Epub Apr-Jun 2017. ISSN 2179-8966. https://doi.org/10.12957/dep.2017.28033. p. 1562
560
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório de monitoramento, caso Duque
Vs. Colômbia. 2018.
561
Ibid.,
151
homem gay”.562 Ressalta-se que, atualmente, a Sra. Azul Rojas passou se entender como
mulher transexual.563
No mais, após as violências sofridas pela vítima, ela afirma que tentou denunciar
a violência sofrida perante a Delegacia de Polícia Nacional, em Casa Grande, na data de
27 de fevereiro de 2008, mas o órgão se recusou a receber tal denúncia, ocasião em que
ela recorreu a mídia para denunciar os fatos.564 Em 29 de fevereiro a vítima realizou
exame pericial e uma avaliação psicológica, de onde foi possível determinar que ela
apresentava “lesões traumáticas extragenitais recentes, causadas por outra pessoa”565,
assim como “fissuras anais mais antigas, com sinais de um ato sexual antinatural
recente”.566 A avaliação psicológica, por sua vez, consumou que ela necessitava de apoio
psicoterapêutico, sugerindo também que os supostos agressores fossem submetidos a uma
avaliação psicológica.567
No mais, em 24 de março de 2008 o promotor de justiça instaura procedimento
visando investigar, de forma preliminar, os policiais da Delegacia de Casa Grande pelo
cometimento dos delitos “contra a liberdade sexual por estupro”, em desfavor da senhora
Azul Rojas Marín.568 Em 31 de março do mesmo ano, as autoridades denunciadas pela
senhora Azul se manifestaram apontando contradições nas diferentes denúncias
realizadas pela vítima, assim como se defenderam das acusações alegando que ela se feriu
com objetivo de causar lesões anais para prejudicar o policial que a prendeu e os outros
policiais que a levaram para a cela onde ela permaneceu por algumas horas.569
Em 2 de abril de 208, o promotor ordenou a abertura de um inquérito preliminar
para apuração dos crimes contra liberdade sexual e por estupro qualificado e abuso de
autoridade por parte dos três policiais apontados pela vítima.570 A vítima também tentou
incluir o crime de tortura nas investigações, mas o promotor do caso não acolheu tal
pedido.571 Ademais, em 21 de outubro de 2008, a Segunda Promotoria Penal Coorporativa
Provincial requereu a extinção do processo contra os três policiais, e em 9 de janeiro de
2009 o Juizado de Primeira Instrução de Ascope declarou o pedido do Ministério Público
562
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Azul Rojas Marín e Outros.
Peru. 12 de março de 2020. p. 4
563
Ibid., p. 16
564
Ibid., p. 17
565
Ibid., 17
566
Ibid., 17
567
Ibid., p. 17
568
Ibid., p. 17
569
Ibid., p. 17
570
Ibid., p. 17
571
Ibid., p. 18
152
procedente, extinguindo os autos.572 Para tanto, o juízo argumentou que um dos acusados
era testemunha importante em um processo penal contra um dos irmãos da senhora Azul,
e que ela havia voltado ao seu trabalho habitual em 25 de fevereiro, utilizando-se de força
física para tanto, e que essa atitude seria incompatível com os ferimentos decorrentes do
abuso sexual que a vítima alegava ter sofrido.573
Ademais, em 15 de abril de 2009 a Coordenadora Nacional de Direitos
Humanos, o Centro de Promoção e Defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos e Redress
Trust submeteram uma petição inicial à Comissão Americana, que foi admitida em 6 de
novembro de 2014. Em 24 de fevereiro de 2018 foi aprovado o Relatório de Mérito nº
24/18 que proferiu algumas recomendações ao Peru, dos quais o Estado apresentou várias
informações sobre medidas adotadas para não repetição do caso, assim como informou
da reabertura das investigações, mas não indicou nenhuma reparação a vítima.574
Nesse contexto, a Comissão Interamericana submeteu o Caso da senhora Azul
Rojas Marín contra o Estado do Peru à Corte IDH, na data de 22 de agosto de 2018,
denunciando os atos de violência sofridos pela vítima e alegando que o Estado não foi
diligente com o seu dever de investigar, resultando em impunidade.575 Nesses termos,
considerou que o Estado violou as obrigações de cuidar e proteger a vítima de violência
sexual, ainda mais quando ela possui agravante discriminatório de ser uma pessoa
LGBTQIAP+.576
Em sua defesa perante a Corte, o Estado peruano alega que não houve
esgotamento das instâncias internas para discussão do caso, assim como que não
procedem as alegações de que a motivação das intervenções sofridas pela senhora Rojas
Marín seria decorrente de sua condição como LGBTQIAP+. Alega que o principal motivo
de sua detenção seriam suas atitudes suspeitas, por ela se encontrar sem seus documentos
e com hálito alcoólico.577
No mais, a Corte também apurou o contexto em que a vítima estava inserida, em
especial culturalmente, de onde levantou dados que comprovam a existência de inúmeros
572
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Azul Rojas Marín e Outros.
Peru. 12 de março de 2020. p. 19
573
Ibid., p. 19
574
Ibid., p. 4
575
Ibid., p. 57
576
ARAÚJO, Ygor; GURGEL, Yara; MOREIRA, Thiago. O princípio da igualdade e não discriminação
no combate a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero a partir das decisões da
Corte IDH. In: GURGEL, Yara; MAIA, Catherine; MOREIRA, Thiago. Direito Internacional dos Direitos
Humanos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. Vol. 3. Natal: Polimatia, 2022, p. 287–324. p. 313
577
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Azul Rojas Marín e Outros.
Peru. 12 de março de 2020. p. 32-33
153
578
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Azul Rojas Marín e Outros.
Peru. 12 de março de 2020. p. 15
579
Ibid., p. 77
580
Ibid., p. 77
154
581
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Azul Rojas Marín e Outros.
Peru. 12 de março de 2020. p. 77
582
ARAÚJO, Ygor; GURGEL, Yara; MOREIRA, Thiago. O princípio da igualdade e não discriminação
no combate a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero a partir das decisões da
Corte IDH. In: GURGEL, Yara; MAIA, Catherine; MOREIRA, Thiago. Direito Internacional dos Direitos
Humanos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. Vol. 3. Natal: Polimatia, 2022, p. 287–324. p. 315
583
DERECHO GLOBAL. ESTUDIOS SOBRE DERECHO Y JUSTICIA. Guadalajara: Universidad
de Guadalajara, v. 5, n. 15, 2020. Semestral. Sentencias de La Corte Interamericana de Derechos Humanos.
Disponível em: http://www.derechoglobal.cucsh.udg.mx/index.php/DG/issue/view/15. Acesso em: 05 mar.
2022.
584
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução de supervisão de cumprimento.
Caso Azul Rojas Marín vs. Peru. 2022. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/azulrojas_05_04_22.pdf Acesso em: 3 de maio de 2023.
155
Este caso diz respeito aos fatos ocorridos em 19 de novembro do ano de 2000,
na Base Militar do Amazonas, localizada na cidade de Shell, província de Pastaza, no
Equador. Para este caso são apresentadas duas versões, de onde a Corte descreve as duas
em sua sentença, afirmando que não dispõe de provas para rejeitar nenhuma delas.
A primeira versão parte de vários militares, os quais afirmam que avistaram o
senhor Homero Flor Freire e um outro soldado tendo relações sexuais nas dependências
da Base Militar. Enquanto isso, na segunda versão, proveniente do Senhor Flor Freire,
este afirma que na data de 19 de novembro de 2000 ele exercia a função de Policial Militar
quando, por volta das 5 horas e vinte minutos, estava na porta do Coliseu da cidade de
Shell, quando avistou um outro soldado embriagado, em situação problemática com
outras pessoas após retornar de um baile, ocasião em que o soldado colocava em risco
sua integridade física e a integridade e o prestígio de suas atividades militares.
Nesses termos, afirma o senhor Flor Freire que resolveu conduzir o militar até a
Base Amazonas, e deixá-lo na Casa da Guarda sob os cuidados dos oficiais de plantão.
Nesse momento, o militar tentou retornar para o local onde estava havendo a festa, quando
o Sr. Flor Freire optou por levá-lo ao seu quarto, onde havia uma cama adicional para que
o militar dormisse. Afirma que após adentrar em seu quarto, o Major entrou no recinto,
sem autorização, e o informou que ele estava com problemas e deveria entregar sua arma,
pois havia testemunhas que afirmaram ter visto o Sr. Flor Freire em “situação de
homossexualidade”. Alega também que tal acusação seria parte de uma retaliação às
ações que ele tomara para reduzir gastos desnecessários e combater a corrupção na
referida base militar, pois ele era o responsável pela compra de alimentos e mercadorias.
585
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução de supervisão de cumprimento.
Caso Azul Rojas Marín vs. Peru. 2022. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/azulrojas_05_04_22.pdf Acesso em: 3 de maio de 2023.
156
586
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Flor Freire vs. Equador. 31 de
agosto de 2016. p. 4-5
587
Ibid., p. 5
588
Ibid., p. 5
589
Ibid., p. 5-6
157
590
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Flor Freire vs. Equador. 31 de
agosto de 2016. p. 6
591
Ibid., p. 6
592
Ibid., p. 47
593
Ibid., p. 49
594
Ibid., p. 50-51
158
595
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Flor Freire vs. Equador. 31 de
agosto de 2016. p. 55-59
596
Ibid., p. 72
597
Ibid., p. 72
159
598
CARDOSO, Sílvia Alvarez. Golpe de Estado no século XXI:: o caso de honduras (2009) e a
recomposição hegemônica neoliberal. 2016. 128 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-
Graduação em Estudos Comparados Sobre As Américas, Universidade de Brasília, Brasília, 2016.
Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/20405/1/2016_SilviaAlvarezCardoso.pdf.
Acesso em: 26 ago. 2022. p. 72
160
Honduras, onde residia a senhora Vicky Hernández, mulher transexual nascida na data de
21 de setembro de 1983, na mesma cidade. Vicky residia com sua genitora, Rosa Argelia
Hernández Martínez, com sua prima Tatiana Rápalo Hernández e sua sobrinha, Argelia
Johanna Reyes Ríos, mulheres essas que também irão compor o rol de vítimas do presente
caso submetido ao Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, e que se
destacam pela denominação “e outras” conferida ao título do caso.
Importante destacar, dentre os fatores que caracterizam a vítima, suas
características socioeconômicas: se tratava de uma pessoa advinda de família humilde,
que só pôde cursar até o sexto ano da educação primária, quando deixou seus estudos para
começar a laborar, precisando contribuir, desde cedo, com a subsistência de sua unidade
familiar, em especial para apoiar economicamente sua mãe e ajudar a custear os estudos
de sua sobrinha Argelia Johanna Reyes Ríos.
Outrossim, no ano de 2009, quando ocorre o golpe de Estado, a senhora Vicky
possuía 28 anos de idade, tinha como ocupação ser trabalhadora do sexo, era portadora
do vírus HIV, e atuava como ativista dos direitos humanos, notadamente com relação à
população trans e no combate a HIV. Ela era notadamente reconhecida por sua
participação na associação intitulada Colectivo Unidad Color Rosa, que tem como
principal pauta a defesa dos Direitos Humanos das pessoas trans em Honduras, associação
era particularmente discriminada na região em que atuava.
Destaca-se que, em razão de tais discriminações e por ser uma ativista
reconhecida, a senhora Hernández já havia sido vítima de outros episódios de violência
em razão de sua identidade de gênero. Conforme destaca sua genitora, e conforme consta
registrado na sentença proferida pela Corte IDH, dois meses antes da fatídica data do
homicídio da senhora Hernández, ela havia sido vítima de agressão por um agente de
segurança. Na circunstância, um guarda de segurança lhe agrediu na cabeça com um
facão. Prontamente, a vítima se dirigiu às autoridades policiais para prestar denúncia
formal, recebendo a resposta de que, da parte dos agentes policiais do Estado que a
atenderam, ela poderia morrer que eles não se importavam. Tal resposta, além de uma
negação à sua condição de cidadã, nada mais é que uma outra forma de violência contra
sua vivência transsexual. Após o episódio, Vicky foi conduzida a um hospital por um
amigo, e prestou denúncia às autoridades, que sequer investigaram suas alegações.599
599
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 16
161
600
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 16
601
Ibid., p. 17
602
Ibid., p. 17
603
Ibid., p. 17
162
604
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 17
605
Ibid., p. 19
606
ARAÚJO, Ygor; GURGEL, Yara; MOREIRA, Thiago. O princípio da igualdade e não discriminação
no combate a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero a partir das decisões da
Corte IDH. In: GURGEL, Yara; MAIA, Catherine; MOREIRA, Thiago. Direito Internacional dos
Direitos Humanos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. Vol. 3. Natal: Polimatia, 2022, p. 287–
324. p. 316
607
GHISLENI, Pâmela Copetti. CORPO(S) INQUIETO(S): os direitos sexuais sob a égide do sistema
interamericano de direitos humanos. 2018. 253 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2018. Disponível em:
163
https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/bitstream/handle/123456789/6244/Pâmela%20Copetti%20G
hisleni.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 09 mar. 2022. p. 201
608
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe No. 157/18. Caso 13.051.
Fondo. Vicky Hernández y Familia. Honduras. 7 de dezembro de 2018. p. 24-25
609
Ibid., p. 24-25
610
MELO, Álvaro Veras Castro; ARAÚJO, Ygor Rafael Cassiano de; CANUTO, Érica (org.). Caso Vicky
Hernández e outros vs. Honduras. In: CANUTO, Érica; LINHARES, Layla de Oliveira Lima. DIREITO
E GÊNERO Natal,. Natal: Polimatia, 2023. Cap. 2. p. 52-78. p. 64
164
611
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 5-7
612
Ibid., p. 5-7
613
Ibid., p. 5-7
165
614
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 55
615
Ibid., p. 54
616
Ibid., p. 54
617
Ibid., p. 54
618
OEA. Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar A Violência Contra A Mulher.
Belém do Pará, 1994. Disponível em: http://www.cidh.org/basicos/portugues/m.belem.do.para.htm.
Acesso em: 22 nov. 2021.
166
619
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana Para Prevenir,
Punir e Erradicar A Violência Contra A Mulher: “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”. Belém do
Pará, Disponível em: http://www.cidh.org/basicos/portugues/m.belem.do.para.htm. Acesso em: 23 jan.
2023. Artigo 7º
620
MELO, Álvaro Veras Castro; ARAÚJO, Ygor Rafael Cassiano de; CANUTO, Érica (org.). Caso Vicky
Hernández e outros vs. Honduras. In: CANUTO, Érica; LINHARES, Layla de Oliveira Lima. DIREITO
E GÊNERO Natal,. Natal: Polimatia, 2023. Cap. 2. p. 52-78. p. 66
621
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana Para Prevenir,
Punir e Erradicar A Violência Contra A Mulher: “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”. Belém do
Pará, Disponível em: http://www.cidh.org/basicos/portugues/m.belem.do.para.htm. Acesso em: 23 jan.
2023. Artigo 1º
622
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 55
167
623
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 55-57
624
Ibid., p. 55-57
625
Ibid., p. 55-57
168
626
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença. Vicky Hernández y otros.
Honduras. 26 de março de 2021. p. 55-57
627
Ibid., p. 55-57
628
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Supervisión de cumplimiento de
sentencia: caso Vicky Hernández y Otras vs. Honduras. 2022. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/vicky_hernandez_09_09_22.pdf. Acesso em: 23 abr. 2023.
p. 1-2
629
Ibid., p. 3
630
Ibid., p. 3
169
resolver como será pago.631 Sobre esse ponto, assevera a Corte que o Estado de Honduras
deverá depositar os valores em uma instituição financeira, no prazo de um ano, nas
condições mais favoráveis permitidas pela legislação, estando disponível para a
beneficiária quando esta completar sua maioridade, ou antes disso mediante ação
judicial.632
Ademais, na Resolução de cumprimento, a Corte decide por manter em aberto o
procedimento de supervisão, considerando que o Estado de Honduras ainda necessita
implementar as investigações para determinar os responsáveis pelo homicídio da senhora
Vicky Hernández, assim como custear a Argelia Johana Reyes Rios uma bolsa de estudos,
por meio de pagamento mensal, que cubra seus gastos com estudos em uma instituição
de educação pública secundária e de educação técnica ou universitária.633
No que se refere às obrigações de cunho geral para a proteção das pessoas
transsexuais, restam pendentes a produção de um material audiovisual sobre a situação
de discriminação e violência que experienciam as mulheres trans no país; resta criar a
bolsa de estudos denominada “Vicky Hernández”, destinada a mulheres trans; resta criar
e implementar um plano de capacitação destinado as autoridades de segurança do Estado.
Também resta ao Estado adotar um procedimento destinado ao reconhecimento
da identidade de gênero, que possibilite adequação dos documentos de identificação nos
registros públicos; resta também adoção de um protocolo de investigação e administração
da justiça destinada aos processos penais; resta também formular um sistema de coleta de
dados que reúna e classifique de forma precisa os casos de violência contra as pessoas
LGBTQIAP+ em Honduras.634
631
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Supervisión de cumplimiento de
sentencia: caso Vicky Hernández y Otras vs. Honduras. 2022. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/vicky_hernandez_09_09_22.pdf. Acesso em: 23 abr. 2023.
p. 3-4
632
Ibid., p. 4
633
Ibid., p. 4
634
Ibid., p. 5
170
635
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 245
636
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Forense, 2019. p.
208
637
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso
em: 01 maio 2023.
171
em que o Brasil seja parte, ele autoriza sua inclusão no ordenamento jurídico interno,
compondo o “bloco de constitucionalidade”, como se estivessem escritos no texto
constitucional.638
Nesse sentido, conclui-se que os direitos e garantias individuais no ordenamento
jurídico brasileiro podem advir dos direitos e garantias expressos no texto da Constituição
Federal; dos direitos e garantias implícitos, que estão subentendidos nas regras e nas
garantias, tal qual aqueles que são decorrentes do regime e dos princípios adotados pela
Constituição; e pelos direitos e garantias expressos nos Tratados Internacionais de
Direitos Humanos que o Brasil faça parte.639 Ressalta-se que muitos doutrinadores
defendem que os tratados internacionais de direitos humanos deveriam ter um status
acima da Constituição (supraconstitucional), fundamentando seu posicionamento a partir
dos princípios internacionais e pela sua caracterização como normas de jus cogens
internacional. Enquanto isso, doutrinariamente, a disciplina da posição hierárquica dos
Tratados Internacionais de Direitos Humanos não é pacífica, inexistindo solução
uniforme pelo Supremo Tribunal Federal.640
Essas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais deram origem ao § 3.º do art.
5º da Constituição Federal de 1988, que foi incluído ao texto constitucional por meio da
Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, e institui que “Os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”641. Esse parágrafo tem sua
importância no ordenamento jurídico interno pois enquadra, materialmente, a inclusão
dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil ao regime das
Emendas Constitucionais tratados no art. 60, § 2.º da Constituição Federal de 1988, o qual
explana que as emendas constitucionais serão discutidas e votadas pelo congresso
nacional, em cada uma de suas casas, em dois turnos, e serão aprovadas quando obtiverem
três quintos dos votos dos membros de cada uma das casas, considerando-se cada turno
de votação.642
638
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Forense, 2019. p.
209
639
Ibid., p. 209
640
Ibid., p. 209
641
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso
em: 01 maio 2023.
642
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Forense, 2019. p.
211
172
Dessa forma, o parágrafo 3º do art. 5º detém sua relevância, pois, antes dele, os
Tratados Internacionais de Direitos Humanos eram aprovados por meio de Decreto
Legislativo, votados por maioria simples do Congresso Nacional, assim como as normas
ordinárias, o que gerava controvérsias doutrinárias quanto a classificação hierárquica
desses tratados.643 Ademais, até o ano de 2022 a República Federativa do Brasil
promulgou apenas três Tratados Internacionais de Direitos Humanos utilizando-se do
regime proposto no § 3.º do art. 5º da Constituição Federal de 1988.644
Ademais, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, conforme estudados
nos capítulos anteriores, são produto de discussões que visam solucionar desafios comuns
a muitos Estados, com a finalidade de estabelecer regras padronizadas a nível global ou
regional.645 Essas regras estabelecem mecanismos de defesa que protegem os cidadãos
contra a violação dos direitos humanos pelos seus semelhantes e até mesmo pelo próprio
Estado.646 Nesse contexto, independentemente do nível hierárquico dos tratados e de
como eles foram incorporados pelo Estado, aquilo que foi pactuado internacionalmente
deve ser cumprido, com fundamento nos princípios gerais da boa-fé e da pacta sunt
servanda647.648
Assim, entende-se, assim como Thiago Oliveira Moreira, que uma das
características da soberania consiste na sua relatividade, que permite ao Estado, fundado
no movimento neocontratualista e no exercício de sua soberania, delegar parte de sua
soberania ao celebrar Tratados Internacionais.649 Portanto, o legislativo nacional não pode
elaborar normas que sejam contrárias ao que foi pactuado internacionalmente, sob pena
643
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Forense, 2019. p.
211
644
São eles a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, o Tratado de Marraqueche para Facilitar o
Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para Ter
Acesso ao Texto Impresso, firmado em Marraqueche, em 27 de junho de 2013 e a Convenção
Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmado pela
República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de junho de 2013. In BRASIL. Presidência da
República. Subchefia Para Assuntos Jurídicos. Atos decorrentes do disposto no § 3º do art. 5º da
Constituição. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/quadro_DEC.htm.
Acesso em: 01 maio 2023.
645
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 246
646
Ibid., p. 246
647
Reconhecimento formal de um Estado em obrigar-se internacionalmente, nos termos do artigo 26 da
Convenção de Viena de 1969: Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de
boa-fé. BICHARA, Jahyr-philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 72
648
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 246
649
Ibid., p. 246
173
650
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 246
651
MOREIRA, Thiago Oliveira. O Exercício do Controle de Convencionalidade pela Corte IDH: uma
década de decisões assimétricas. In. MENEZES, Wagner (Org.). Direito Internacional em Expansão. Anais
do XV CBDI. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017, p. 251 – 271. p. 252-253 p. 254
652
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito
brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 181, p. 113-139, 2009. p. 114
653
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Forense, 2019. p.
243
654
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito
brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 181, p. 113-139, 2009. p. 115
174
655
MOREIRA, Thiago Oliveira. O Exercício do Controle de Convencionalidade pela Corte IDH: uma
década de decisões assimétricas. In. MENEZES, Wagner (Org.). Direito Internacional em Expansão. Anais
do XV CBDI. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017, p. 251 – 271. p. 255
656
Ibid., p. 252
657
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara
dos Deputados; IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V o
Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso
Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
658
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito
brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 181, p. 113-139, 2009. p. 137
659
MOREIRA, Thiago Oliveira. O Exercício do Controle de Convencionalidade pela Corte IDH: uma
década de decisões assimétricas. In. MENEZES, Wagner (Org.). Direito Internacional em Expansão. Anais
do XV CBDI. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017, p. 252-253
175
constitucional foi violada com a finalidade de afastar ou invalidar uma norma interna que
lhe seja incompatível, e deixa explícito qual norma internacional invalidou a norma
interna.660
Outro aspecto do controle de convencionalidade consiste na dualidade entre
controle de convencionalidade forte e fraco, onde o forte é exercido por órgãos dotados
de poder jurisdicional, em que há possibilidade de declaração de invalidade das normas
inconvencionais, enquanto o controle de convencionalidade fraco é proferido por órgãos
incompetentes, e consiste apenas em uma interpretação conforme da norma estatal com a
norma internacional de proteção aos direitos humanos.661
A doutrina também pontua a existência de um controle de convencionalidade
preventivo, controle repressivo e outro reparador. O controle preventivo se manifesta por
meio da não publicação de normas que possam ser incompatíveis com o direito
internacional dos direitos humanos, enquanto o controle repressivo ocorre quando o órgão
jurisdicional não aplica ou invalida norma inconvencional; o controle reparador ocorre
quando o órgão revoga a norma já editada, pelo motivo de sua inconvencionalidade.662
Ademais, após explicar os conceitos atrelados ao controle de convencionalidade,
se faz importante situá-lo no presente estudo explicando a forma que ocorre o controle
em âmbito interamericano, que toma como parâmetro os tratados que compõem o Sistema
Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, a atuação é, em regra, da Corte IDH.
No que diz respeito o controle de convencionalidade interamericano, ele foi
aplicado pela primeira vez na jurisdição contenciosa da Corte IDH, por meio voto do Juiz
Sergio Garcia Ramírez no caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala, com intuito de apontar
a responsabilidade do Estado frente os preceitos do Pacto de São José da Costa Rica,
desconsiderando a hierarquia normativa.663
Outrossim, esse controle foi desenvolvido em outras decisões, sedimentando o
entendimento dos membros da Corte de que as jurisdições internas também devem se
submeter às disposições previstas na Convenção Americana, ou seja, que os tribunais
também seriam responsáveis pela compatibilidade vertical do direito estatal com os
660
MOREIRA, Thiago Oliveira. O Exercício do Controle de Convencionalidade pela Corte IDH: uma
década de decisões assimétricas. In. MENEZES, Wagner (Org.). Direito Internacional em Expansão. Anais
do XV CBDI. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017, p. 251 – 271. p. 253
661
Ibid., p. 253
662
Ibid., p. 254
663
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 246
176
664
MOREIRA, Thiago Oliveira. Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 246
665
Ibid., p. 249-250
666
OLIVEIRA, Caio José Arruda Amarante de; MOREIRA, Thiago Oliveira. A EXECUÇÃO DAS
SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL:
(in)aplicabilidade do art. 15 lei de introdução às normas do direito brasileiro. Inter – Revista de Direito
Internacional e Direitos Humanos da UFRJ, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 8-24, jun. 2022. p. 10
177
estar traduzida por intérprete autorizado e ser homologada perante o Superior Tribunal de
Justiça (STJ).667
Por outro lado, conforme leciona Valério de Oliveira Mazzuoli, as sentenças
proferidas por tribunais internacionais, não se consideram sentenças estrangeiras, mas
sim sentenças internacionais.668 Mazzuoli diferencia os dois tipos, explicando que as
sentenças estrangeiras são aquela proferidas por um tribunal afeto à soberania de
determinado Estado, enquanto as sentenças internacionais são aquelas proferidas por
tribunais que tem jurisdição sobre os próprios Estados.669 Portanto, as sentenças
internacionais não estariam sujeitas a aplicação das regras do art. 105, I, alínea i da
Constituição Federal de 1988, nem do art. 961 do CPC, que dispõem sobre a eficácia da
decisão estrangeira no Brasil somente após a homologação da sentença estrangeira ou
concessão do exequatur às cartas rogatórias.670
Nesse contexto, assevera Mazzuoli que “todo tribunal que conhece questões
jurídicas não susceptíveis de decisão pelas jurisdições nacionais é considerado um
tribunal internacional”671. Assim, as sentenças internacionais são aquelas que advém de
atos judiciais emanados por órgãos judiciais internacionais de onde o Estado aceitou sua
jurisdição obrigatória, a exemplo da Corte IDH, ou daqueles órgãos que o Estado
concordou em submeter a decisão de uma controvérsia, a exemplo da Corte Internacional
de Justiça.672
Ante o exposto, entende-se que as decisões provenientes da Corte
Interamericana de Direitos Humanos proferidas contra o Brasil devem ser cumpridas
imediatamente, sem a prescrição de que elas devem ser homologadas internamente.673
Tal proposição se justifica, conforme lecionam Caio José Arruda Amarante de Oliveira e
Thiago Oliveira Moreira, a partir do conteúdo do art. 68, item 1, da Convenção Americana
667
OLIVEIRA, Caio José Arruda Amarante de; MOREIRA, Thiago Oliveira. A EXECUÇÃO DAS
SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL:
(in)aplicabilidade do art. 15 lei de introdução às normas do direito brasileiro. Inter – Revista de Direito
Internacional e Direitos Humanos da UFRJ, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 8-24, jun. 2022. p. 11
668
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. 1797 p. p. 1358
669
Ibid., p. 1358
670
Ibid., p. 1358
671
BROWNLIE, Ian. 1997. apud MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional
Público. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 1797 p. p. 1358
672
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. 1797 p. p. 1359
673
OLIVEIRA, Caio José Arruda Amarante de; MOREIRA, Thiago Oliveira. A EXECUÇÃO DAS
SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL:
(in)aplicabilidade do art. 15 lei de introdução às normas do direito brasileiro. Inter – Revista de Direito
Internacional e Direitos Humanos da Ufrj, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 8-24, jun. 2022. p. 13
178
de Direitos Humanos, quando este dispõe que os Estados parte dessa convenção
comprometem-se a cumprir a decisão da Corte IDH.
Ademais, tendo em vista que o Brasil contraiu livremente, plenamente e no
exercício de sua soberania, a obrigação de cumprir com a Convenção Americana, e
conforme dispõe o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, também
ratificada pelo Brasil, que a invocação de dispositivos de direito interno não justifica a
sua não aplicação pelo Estado parte do tratado internacional, entende-se que as sentenças
da Corte IDH proferidas contra o Brasil devem ser cumpridas em sua integralidade.674
Um exemplo desse entendimento se encontra na sentença do caso Gomes Lund
(“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, quando a Corte IDH explana que a Convenção
Americana equivale a uma Constituição supranacional em matéria de direitos humanos,
sujeitando todos os países que a ela aderiram, em todas as esferas internas de poder.675
Nesse sentido, importante destacar que no Brasil ainda se encontram ausentes as
enabling legislations, que são as normas que regulam o procedimento de cumprimento
forçado, e que países como Peru e Argentina já adotaram esse tipo de normas. Porém, sua
ausência não significa que essas sentenças não podem ser cumpridas, principalmente
quando se recorda que o princípio da dignidade da pessoa humana é um valor central da
ordem jurídica brasileira.676
A partir do assunto do cumprimento das decisões proferidas pela Corte IDH
condenando o Estado brasileiro, surge um outro questionamento: quanto as decisões que
interpretam a Convenção Americana de Direitos Humanos, e possuem efeito
condenatório para outros Estados, elas devem ser seguidas pela República Federativa do
Brasil? Para tanto, Valério Mazzuoli afirma que, quando uma sentença é proferida para
um Estado determinado, não há efeito condenatório para os outros Estados. Porém, no
que diz respeito a interpretação da Corte IDH que fundamentou tal sentença, os Estados
devem se abster de aplicar ou interpretar seu direito interno em desconformidade com o
entendimento da Corte.677
674
OLIVEIRA, Caio José Arruda Amarante de; MOREIRA, Thiago Oliveira. A EXECUÇÃO DAS
SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL:
(in)aplicabilidade do art. 15 lei de introdução às normas do direito brasileiro. Inter – Revista de Direito
Internacional e Direitos Humanos da UFRJ, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 8-24, jun. 2022. p. 13
675
Ibid., p. 13
676
Ibid., p. 15-16
677
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. 1797 p. p. 1365
179
678
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. 1797 p. p. 1365
679
Ibid., p. 1365
680
Ibid., p. 1366
681
OLIVEIRA, Caio José Arruda Amarante de; MOREIRA, Thiago Oliveira. A EXECUÇÃO DAS
SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL:
(in)aplicabilidade do art. 15 lei de introdução às normas do direito brasileiro. Inter – Revista de Direito
Internacional e Direitos Humanos da UFRJ, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 8-24, jun. 2022. p. 18-19
682
Moreira, Thiago Oliveira. “ASPECTOS GERAIS DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
INTERAMERICANO.” Participação na UFF (2022): n. pag.
180
683
CANABARRO, Ronaldo. História E Direitos Sexuais no Brasil: o movimento LGBT e a discussão sobre
a cidadania. In: II Congresso Internacional de História Regional, 2013, Passo Fundo/RS. Anais
Eletrônicos. 2013. ISSN 2318-6208 p. 6
684
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores S/A, 1967. p.
63
685
Ibid., p. 63
686
Ibid., p. 63 e 64
181
participar na riqueza coletiva por meio do acesso a educação, aos serviços de saúde, ao
salário justo e a uma velhice digna.687 O autor assevera também que o conceito de
cidadania não é imutável, pois está em constante metamorfose sob a influência do tempo
e do espaço, o que acarreta direitos e deveres distintos, quando comparamos a experiência
de países diferentes. O conceito e a prática da cidadania vêm se alterando ao longo dos
últimos séculos, em decorrência de fatores como uma abertura mais ampliada do estatuto
do cidadão para sua população e do grau de participação política de diferentes grupos, a
exemplo do voto feminino e dos analfabetos, aos direitos sociais e à proteção social
fornecida pelo Estado aos necessitados.688
Pinsky também afirma que, mesmo não havendo um padrão único de evolução
da cidadania, não se pode dizer que inexiste um processo de evolução no sentido de
ampliação dos direitos ao longo da história, e esses direitos se instauram a partir de
processos de luta, como aqueles que culminaram na independência dos Estados Unidos
da América e na Revolução Francesa, a título exemplificativo.
Neste capítulo, serão estudadas as intersecções entre cidadania, sexualidade e
identidade, que fundamentam o conceito de cidadania sexual. Posteriormente, será
apresentado o conceito de cidadania sexual e suas relações com os discursos jurídicos e
as formas de manutenção de poder.
Em sua obra “Cidadania Sexual: estratégias para ações inclusivas”, Adilson José
Moreira explica as relações entre os conceitos de cidadania e identidade, destacando, em
um primeiro momento, o paradigma filosófico chamado de “lógica da identidade”.689 Tal
lógica é originada por meio de uma concepção matemática da realidade, desenvolvida por
filósofos gregos, objetivando delimitar as relações de igualdade que se encontravam
presentes na realidade, de forma que, para os indivíduos serem adequadamente
conhecidos, eles precisariam estar referidos a aquilo que os une. O autor explica ser o
processo de redução da multiplicidade e heterogeneidade ao uno e ao idêntico,
687
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (org.). História da Cidadania. 6. ed. São Paulo: Editora
Contexto, 2015. 573 p. p. 9
688
Ibid., p. 9
689
MOREIRA, Adilson José. Cidadania Sexual: estratégia para ações inclusivas. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2017. 306 p. p. 53
182
690
MOREIRA, Adilson José. Cidadania Sexual: estratégia para ações inclusivas. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2017. 306 p. p. 53
691
Ibid., p. 54-55
692
Ibid., p. p. 55
183
é pressuposta como verdade, e alçada acima de outras identidades, ela é substituída pela
opressão.693
A identidade moderna, por sua vez, concentra-se na noção de sujeito como o
possuidor de uma consciência subjetivada, que é princípio do conhecimento. Tal
concepção fundamenta a ideia de que este indivíduo é um ser centrado, unificado e dotado
de razão, e que isso pressupõe sua coerência consigo mesmo ao longo de sua existência,
fazendo com que sua identidade fosse o centro da subjetividade. Portanto, a identidade
do indivíduo não seria considerada apenas pela reclusão do sujeito unitário na esfera
privada, mas também nas suas relações com outros indivíduos, que lhe permite mediar os
valores e formar sua própria identidade a partir da interação com a sociedade.694
A modernidade nos apresenta ao conflito entre identidade pública e identidade
privada, que acabam por se contrapor em razão de forças de emancipação e de regulação,
onde, sob a ótica do liberalismo, é conferida prioridade a identidades coletivas e abstratas,
em função das identidades individuais e concretas. Destarte, a cidadania assume a forma
universal e abstrata, mas a realidade social é marcada por uma pluralidade essencial.695
Para tanto, Adilson José Moreira explica que as diferenças individuais não
devem ser significantes quando se trata de acesso a oportunidades, mas devem ser levadas
em consideração quando se busca eliminar padrões de estratificação social.696 Assim, a
identidade é entendida como senso de individualidade que é construído dentro de um
processo relacional que envolve o contato com os outros, portanto, a consciência desse
sentimento depende da necessária interação com as outras pessoas. Ela também pode ser
resumida como a experiência de um sujeito de se sentir, existir e de ser reconhecido pelos
outros dentro de sua singularidade, frente as múltiplas determinações sociais, e pode ser
descrita como um processo que envolve uma dimensão tanto afetiva quanto cognitiva da
representação de si mesmo dentro de um círculo social.697 Portanto, o autor conclui
afirmando que “a identidade é um princípio unificador da pluralidade de nossas
experiências cognitivas e sensíveis”698.
693
CONNOLY, James. apud MOREIRA, Adilson José. Cidadania Sexual: estratégia para ações
inclusivas. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. 306 p. p. 55
694
MOREIRA, Adilson José. Cidadania Sexual: estratégia para ações inclusivas. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2017. 306 p. p. 56
695
Ibid., p. 56
696
Ibid., p. 57
697
Ibid., p. 57
698
Ibid., p. 57
184
699
DONOVAN, C.; HEAPHY, B.; WEEKS, J. Citizenship and same sex relationships. Journal of Social
Policy, v. 28, n. 4, p. 689-709, 1999. p. 693
700
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012. 78 p. (Cadernos da Diversidade). p. 39 e 40
701
Ibid., p. 39 e 40
702
MOREIRA, Adilson José. Cidadania sexual: postulado interpretativo da igualdade. Direito, Estado e
Sociedade, v. 1, n. 48, p. 10-46, jan./jun. 2016. p. 21
185
703
MOREIRA, Adilson José. Cidadania sexual: postulado interpretativo da igualdade. Direito, Estado e
Sociedade, v. 1, n. 48, p. 10-46, jan./jun. 2016. p. 21
704
RICHARDSON, D. Rethinking sexual citizenship. Sociology, v. 51, n. 2, p. 208-224, 2017. p. 208
705
Ibid., p. 209
706
DONOVAN, C.; HEAPHY, B.; WEEKS, J. Citizenship and same sex relationships. Journal of Social
Policy, v. 28, n. 4, p. 689-709, 1999. p. 692
707
PLUMMER, apud DONOVAN, C.; HEAPHY, B.; WEEKS, J. Citizenship and same sex
relationships. Journal of Social Policy, v. 28, n. 4, p. 689-709, 1999. p. 693
186
cidadania sexual pode significar que o conceito de cidadania até então não foi
sexualizado, quando, na verdade, o entendimento sobre cidadania como se apresenta na
maior parte das sociedades, carrega consigo uma premissa sexual cis-heteronormativa, e
fundamenta toda uma sociedade composta por instituições que se vinculam a essa
premissa sexual. Plummer conceitua a cidadania íntima como “o controle (ou não) sobre
o próprio corpo, sentimentos, relacionamentos, acesso (ou não) a representações,
relações, espaços públicos etc., escolhas socialmente fundamentadas (ou não) sobre
identidades e experiências de gênero”.708
O estudo da cidadania sexual parte do pressuposto que existe uma construção
dominante de cidadania, no âmbito público, que circula em torno de um modelo
hegemônico de vida heterossexual, e que deixa as pessoas não heterossexuais incapazes
de vivenciar plenamente sua participação na sociedade. Nesse sentido, a expressão
“Cidadania Sexual” também denota um fundamento interpretativo de situações jurídicas
que entendem o direito como mecanismo de preservação de desigualdades.709
Sobre esse mesmo assunto, Moreira ilustra que o conceito de cidadania sexual
parte primordialmente da ideia de contestar uma ordem social que se esforça em preservar
a heterossexualidade como seu fundamento central, e que, por consequência, sugere uma
primazia do direito natural na interpretação de normas jurídicas, utilizando-se da
heterossexualidade como fundamento moral de superioridade.710
Para as pessoas que defendem esse tipo de sociedade, conferir proteção jurídica
às relações não heterossexuais seria um obstáculo à realização de um interesse estatal de
reprodução, em detrimento ao prazer individual das relações entre pessoas do mesmo
sexo, por isso defendem um caráter preservacionista do direito, em razão das pessoas
heterossexuais corresponderem a uma maioria na sociedade. Percebe-se, aqui, uma
organização da sociedade que preconiza os direitos estatais aos individuais, onde a função
do sistema jurídico seria de preservar a sociedade em detrimento de demandas que podem
vir a ameaçar suas bases.711
Partindo-se dos tópicos anteriores, é importante pontuar acerca das formas de
utilização do discurso jurídico, como forma de legitimar determinados discursos, que
708
PLUMMER, apud DONOVAN, C.; HEAPHY, B.; WEEKS, J. Citizenship and same sex
relationships. Journal of Social Policy, v. 28, n. 4, p. 689-709, 1999. p. 694
709
MOREIRA, Adilson José. Cidadania sexual: postulado interpretativo da igualdade. Direito, Estado e
Sociedade, v. 1, n. 48, p. 10-46, jan./jun. 2016. p. 15
710
Ibid., p. 14
711
Ibid., p. 14
187
podem ser utilizados como projeto de dominação. Para tanto, Adilson José Moreira, em
seu texto Direito, poder, ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural, assevera
sobre a importância de determinadas “narrativas” para a composição de uma interpretação
jurídica de normas constitucionais.712
Da interpretação da obra de Moreira para o contexto das pessoas não cis-
heterossexuais, depreende-se que, hodiernamente, os tribunais assumem um papel de
determinar o sentido das normas constitucionais, e que tais interpretações são construídas
por meio de embates entre teses divergentes acerca de um objeto.713
Nesse sentido, o formalismo jurídico pressupõe que, quando se depara com um
embate entre posições contrárias e favoráveis, o julgador se utiliza de normas legais e
princípios interpretativos como fundamento para pautar sua atividade, aplicando-as
objetivamente ao fato. Nesses casos, o papel do julgador estaria na escolha da norma mais
adequada para resolução do conflito. Ocorre, que tal atividade interpretativa é mais
complexa do que se pode imaginar, pois o intérprete pode atuar como um agente
ideológico, na medida em que as normas jurídicas possuem um peso distinto no processo
de decisão, devendo ser levado em conta a realidade social em que os sujeitos se
apresentam. Afirma Moreira que alguns estudiosos ligados à teoria crítica do direito,
investigando o uso de argumentos sociológicos no processo de interpretação judicial, se
puseram a classificar as decisões judiciais como narrativas culturais.714
Nesse sentido, o conceito de narrativa compreende a tendência humana de
atribuir sentidos aos inúmeros fatos que constituem uma experiência social e coletiva. Tal
atribuição de sentidos é conferida por meio da associação dos acontecimentos à certos
valores, fazendo com que tais fatos adquiram significações a partir da maneira como eles
são apresentados. A utilização das narrativas culturais adquire importância em razão da
dimensão política do discurso jurídico, pois, um processo judicial pode ser o meio pelo
qual determinados grupos sociais tentam universalizar seus projetos ideológicos.715
Adilson José Moreira argumenta, fundamentado na Teoria Crítica do Direito,
que os intérpretes “constroem textos jurídicos como objetos de conhecimento em função
712
MOREIRA, Adilson José. Direito, poder, ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural / law,
power, ideology. Revista Direito e Práxis, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 830-868, 14 jun. 2017. Universidade
de Estado do Rio de Janeiro. http://dx.doi.org/10.12957/dep.2017.21460. p. 832
713
Ibid., p. 832
714
Ibid., p. 832-833
715
Ibid., p. 833
188
O terceiro pressuposto que propõe Adilson José Moreira parte da ideia de que o
constitucionalismo compreende o Estado como um agente transformador da sociedade,
devendo abandonar o conservadorismo na seara jurídica e política, em prol do pluralismo
social, que consiste em um princípio ético que direciona as normas jurídicas. No quarto
pressuposto, entende-se a cidadania sexual como um princípio jurídico de interpretação
do princípio da igualdade, esta, por sua vez, é uma dimensão específica da dignidade
humana. O quinto pressuposto classifica a cidadania sexual como uma referência para a
ação política, compromissada com o princípio democrático.719
716
MOREIRA, Adilson José. Direito, poder, ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural / law,
power, ideology. Revista Direito e Práxis, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 830-868, 14 jun. 2017. Universidade
de Estado do Rio de Janeiro. http://dx.doi.org/10.12957/dep.2017.21460. p. 838
717
MOREIRA, Adilson José. Cidadania sexual: postulado interpretativo da igualdade. Direito, Estado e
Sociedade, v. 1, n. 48, p. 10-46, jan./jun. 2016. p. 15
718
Ibid., p. 15 e 16
719
Ibid., p. 16
189
Nas últimas duas décadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro vem se
deparando com diversos casos envolvendo a tutela dos direitos das minorias sexuais.
Desde o ano de 2008, até o ano de 2021, foram apreciadas pelo plenário dez situações
envolvendo tais minorias, conforme se depreende dos cadernos de jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal referente aos direitos das pessoas LGBTQIAP+, publicado em
parceria com o Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2022.720
No mais, este capítulo tem como objetivo explorar o inteiro teor de cada uma
dessas decisões e identificar, ao longo dos votos dos ministros, a presença dos elementos
de cidadania e a influência do direito internacional dos direitos humanos e da
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para tanto,
metodologicamente serão utilizados como parâmetro de busca, nas decisões judiciais, as
palavras “Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”, “Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” “Corte Interamericana”, e “Yogyakarta”.
720
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Direito das pessoas LGBTQIAP+. Brasília, 2022. 138
p. (Cadernos de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal : concretizando direitos humanos). Composto
de decisões do Plenário do STF julgadas no período compreendido entre 3/12/2008 e o ano de 2021. ISBN:
978-65-87125-56-5. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/12/cadernos-stf-
lgbtqia-3.pdf. Acesso em: 13 jul. 2023.
190
721
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 132.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Relator: Carlos Ayres Brito, 05.05.2011 p. 10
722
Ibid., p. 11
723
Ibid., p. 5
724
Ibid., p. 212
725
Ibid., p. 2
191
726
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 291. Relator: Ministro Roberto
Barroso. Brasília, DF, 28 de outubro de 2015. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
291 - Distrito Federal. Brasília, 11 maio 2016. p. 3
727
Ibid., p. 3
728
Ibid., p. 4
729
Ibid., p. 5
192
730
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 291. Relator: Ministro Roberto
Barroso. Brasília, DF, 28 de outubro de 2015. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
291 - Distrito Federal. Brasília, 11 maio 2016. p. 27
731
Ibid., p. 59
732
Ibid., p. 43-46
193
733
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 646.721. Brasília, DF, 10 de maio de
2017. Recurso Extraordinário N.º 646.721. Brasília, 11 set. 2017. p. 25
734
O casamento homoafetivo no Brasil só veio ser possível após regulamentação do Conselho Nacional de
Justiça, no ano de 2013.
735
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 646.721. Brasília, DF, 10 de maio de
2017. Recurso Extraordinário N.º 646.721. Brasília, 11 set. 2017. p. 25
194
afetivo e pelo projeto de vida compartilhado. Cita o relator como exemplos as uniões
estáveis e das famílias monoparentais, pluriparentais e anaparentais. Portanto, a
Constituição Federal de 1988 rompeu com o tratamento jurídico tradicional da família,
aproximando o conceito social do conceito jurídico, de forma a reconhecer a família
constituída pelo casamento, em seu art. 226, § 1º, a união estável entre homem e mulher,
conforme art. 226, § 3º, e a família monoparental, consoante art. 226, § 4º.736
Associa também a dignidade da pessoa humana como fator determinante para
essa ressignificação de valores, assim como o papel do Estado frente a proteção das
relações familiares, de onde conclui que lhe cabe garantir a possibilidade de
autorrealização dos indivíduos, garantindo-lhes um ambiente para se desenvolver e
perseguir seus objetivos de vida.737
Assim, por maioria de votos dos ministros, apreciando o tema 498 da
repercussão geral, o Tribunal deu provimento ao recurso extraordinário ora formulado,
entendendo pela inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil de 2002, declarando
o direito do recorrente de receber a herança de seu companheiro, nos termos do art. 1829
do Código Civil de 2002. Votaram de forma divergente os ministros Marco Aurélio e
Ricardo Lewandowski. Outrossim, no que se refere ao diálogo desse caso com o Direito
Internacional dos Direitos Humanos, só se pode identificar uma menção à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, no voto do Ministro Marco Aurélio, quando este
trata do posicionamento da Corte IDH nos projetos de vida, manifestados nos julgamentos
dos casos v. Loayza Tamayo versus Peru, Cantoral Benavides versus Peru.738
Outrossim, no que se refere ao diálogo entre o julgamento e o Sistema
Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, a expressão “Corte Interamericana” é
citada por 1 vez no inteiro teor do acórdão, enquanto “Convenção Americana”,
“Yogyakarta” e os Pactos Internacionais de 1966 não foram citados nenhuma vez.
Da análise do Recurso Extraordinário de nº 646.721, verifica-se que os ministros
do Supremo Tribunal Federal poderiam também ter citado o caso Duque vs. Colômbia
como argumento para enriquecer as discussões jurídicas e compatibilizar o ordenamento
jurídico interno ao Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. O caso
paradigmático julgado pela Corte IDH, cuja sentença já havia sido proferida em 26 de
736
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 646.721. Brasília, DF, 10 de maio de
2017. Recurso Extraordinário N.º 646.721. Brasília, 11 set. 2017. p. 31
737
Ibid., p. 25
738
Ibid., p. 15
195
fevereiro de 2016, apesar de tratar de bem jurídico diferente (tratava de pensão por morte,
enquanto no Recurso Extraordinário se fala de herança), compartilha de um mesmo
núcleo fático com o RE nº 646.721, que consiste no reconhecimento da união estável
entre dois homens como entidade familiar equiparada ao casamento. Mesmo que não
houvesse menção direta ao caso Duque, seria importante que o STF abordasse os artigos
da Convenção Americana que o fundamentam, que são o princípio da igualdade e não
discriminação, contido no art. 24 da CADH, assim como o respeito à integridade física,
psicológica e moral (art. 5.1 da CADH).
739
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275.
Brasília, DF, 01 de março de 2018. Ação Direta de Inconstitucionalidade N.º 4.275. Brasília, 07 mar.
2019. p. 5
740
Ibid., p. 5
741
Ibid., p. 5
196
742
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275.
Brasília, DF, 01 de março de 2018. Ação Direta de Inconstitucionalidade N.º 4.275. Brasília, 07 mar.
2019. p. 6
743
Ibid., p. 31-32
197
744
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275.
Brasília, DF, 01 de março de 2018. Ação Direta de Inconstitucionalidade N.º 4.275. Brasília, 07 mar.
2019. p. 32-33
745
Ibid., p. 34-35
746
Ibid., p. 73
747
Ibid., p. 73
198
748
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275.
Brasília, DF, 01 de março de 2018. Ação Direta de Inconstitucionalidade N.º 4.275. Brasília, 07 mar.
2019. p. 76
749
Ibid., p. 79-81
750
Ibid., p. 2-3
199
intenção ilícita e comprovando sua aparência masculina desde a infância, assim como
relato de pessoas próximas e de sua companheira sobre os desconfortos vividos.751
Ademais, em sede de primeira instância, o recorrente teve sua ação parcialmente
procedente, condicionando a alteração do prenome à realização da cirurgia de
redesignação sexual. Em segunda instância, o órgão revisor entendeu que havia
necessidade de se manter no assentamento de nascimento a referência a decisão judicial
que modificaria o nome, constando expressamente no documento a condição de
transexual. Partindo desse contexto, o autor se insurge à Corte Constitucional.752
Em sua análise, o STF considera que esse caso deveria ter sido incluído em pauta
conjunta com a ADI nº 4.275, ocasião em que apresenta argumentos bastante
semelhantes.753 Importante identificar que o Tribunal aborda a identidade de gênero como
pressuposto para o desenvolvimento da personalidade humana, devendo ser afastado
quaisquer óbices jurídicos que limitem a liberdade de da identidade de gênero e
orientação sexual. Ressalta que o elemento fundamental a ser respeitado, nesse contexto,
é o desenvolvimento pleno da personalidade, observando-se os conteúdos mínimos da
autonomia, liberdade, conformação interior, assim como os componentes social e
comunitário.754
Outrossim, no que se refere a alteração de prenome no ordenamento jurídico
brasileiro, ela estava fundada nos artigos 55, parágrafo único, 56 a 58 da Lei de Registros
Públicos (Lei 6.015/73). Ademais, O relator Ministro Dias Toffoli explica que, em casos
excepcionais, é possível superar a barreira da imutabilidade do prenome, conforme expõe
o art. 58, que versa sobre a possibilidade de modificação do prenome por decisão judicial.
Assim, conclui que pela possibilidade da exceção motivada, e pela sua aplicação às
pessoas transexuais, sob a justificativa de que a alteração dos prenomes se dá em razão
da adequação aos apelidos públicos notórios, os quais, diante da situação fática do dia a
dia desse grupo, se não forem concedidas, geram prejuízos de exposição dessas pessoas
ao ridículo, violando a dignidade da pessoa humana.
751
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Recurso Extraordinário nº 670.422. Brasília, DF,
15 de agosto de 2018. Recurso Extraordinário Nº 670.422. Brasília, 10 mar. 2020. p. 3-4
752
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275.
Brasília, DF, 01 de março de 2018. Ação Direta de Inconstitucionalidade N.º 4.275. Brasília, 07 mar.
2019. p. 10-11
753
Ibid., p. 3-4
754
Ibid., p. 22
200
O relator também assevera que o fator diferenciador desse caso, frente aos
anteriores é a questão da modificação do sexo registral sem necessidade de cirurgia de
redesignação sexual. Nesse ponto, se faz imperioso destacar o seguinte trecho:
755
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Recurso Extraordinário nº 670.422. Brasília, DF,
15 de agosto de 2018. Recurso Extraordinário Nº 670.422. Brasília, 10 mar. 2020. p. 32
756
Ibid., p. 38-39
201
especial no trecho que versa sobre as mudanças de nome e correção nos assentamentos
civis.
Nesses termos, no que se refere ao diálogo entre o julgamento e o Sistema
Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, a expressão “Corte Interamericana” é
citada por 4 vezes no inteiro teor do acórdão, enquanto os princípios de Yogyakarta são
citados por 8 vezes, já “Convenção Americana” e os Pactos Internacionais de 1966 não
foram citados no inteiro teor deste acórdão.
Portanto, da análise do presente caso, apreciando o tema de repercussão geral de
nº 761, o tribunal fixou as seguintes teses:
757
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Recurso Extraordinário nº 670.422. Brasília, DF,
15 de agosto de 2018. Recurso Extraordinário Nº 670.422. Brasília, 10 mar. 2020. p. 2-3
758
Ibid., p. 2
202
relator Ministro Edson Fachin, no MI nº 4.733. Ambas as ações tratam sobre o tema da
criminalização da homotransfobia.759
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, por sua vez, foi proposta
pelo Partido Popular Socialista – PPS em face do Congresso Nacional, sob a alegação de
inércia legislativa, onde o proponente sustenta que o Congresso Nacional estaria
impossibilitando a tramitação e a apreciação de projetos de lei com iniciativa de
criminalizar todas as formas de homofobia e transfobia, assim afastando a proteção
jurídico-social das pessoas LGBTQIAP+.760 O proponente sustenta suas alegações nos
art. 5º, XLII da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a ordem constitucional de
legislar sobre o racismo, também no art. 5º, XLI da Constituição Federal de 1988 que
versa sobre a punição proveniente de lei para todas as discriminações atentatórias a
direitos e liberdades fundamentais.761
A presidência do Senado Federal e a Câmara Alta se manifestaram pela
improcedência, tendo esta última elencado diversos projetos de lei relativos à
criminalização da homofobia e transfobia em tramitação no Congresso Nacional,
defendendo que não há inércia do legislativo nesses temas. A Câmara dos Deputados
também se manifestou no pleito, indicando a aprovação de um projeto de lei que seguiu
para o Senado Federal.762
Ademais, no voto do Ministro Relator destaca-se sua conceituação de sexo e
gênero, de onde cita autores que defendem a definição de gênero como uma construção
social, assim como utiliza-se das definições de orientação sexual e identidade de gênero
expressas nos Princípios de Yogyakarta. Sobre estes, tece as considerações que é preciso
reconhecer a existência desses princípios, “Notadamente daqueles que reconhecem a
inter-relacionalidade e indivisibilidade de todos os aspectos da identidade humana”.763
Destaca-se que durante todo o inteiro teor do julgamento da ADO nº 26, os princípios de
Yogyakarta sã citados 12 vezes.
Outrossim, o Ministro Relator ressalta também a importância do julgamento para
a ampliação e consolidação dos direitos fundamentais das pessoas, para efetivação de que
todos são livres e iguais em direitos, conforme explana a introdução aos princípios de
759
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 26. Relator: Relator Ministro Celso de
Mello. Brasília, DF, 13 de junho de 2019. Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão n.º 26.
Brasília, 06 out. 2020. p. 13
760
Ibid., p. 15
761
Ibid., p. 17
762
Ibid., p. 17-23
763
Ibid., p. 45-46
203
764
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 26. Relator: Relator Ministro Celso de
Mello. Brasília, DF, 13 de junho de 2019. Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão n.º 26.
Brasília, 06 out. 2020. p. 137
765
Ibid., p. 62
766
Ibid., p. 141
767
Ibid., p. 493
768
Ibid., p. 55
204
O mandado de injunção nº 4.733, por sua vez, foi impetrado pela Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT, em face do Congresso Nacional,
com objetivo de criminalizar todas as formas de homofobia e transfobia, em especial as
ofensas, os homicídios, as agressões, ameaças e discriminações motivadas por orientação
sexual ou identidade de gênero.769 A impetrante demonstra a necessidade de
criminalização em razão dos dados de violência e discriminação, e o distanciamento do
exercício dos direitos fundamentais à livre orientação sexual e livre identidade de
gênero.770
Ademais, como foi julgado na mesma data que a ADO nº 26, e possuem o mesmo
objeto, suas fundamentações são bastante semelhantes. Destaca-se a atuação das
Organizações Não Governamentais envolvidas, que trazem ao caso um panorama
estatístico de violência contra as pessoas LGBTQIAP+, conduzindo ao Tribunal os dados
769
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 4.733. Relator: Relator Ministro Edson
Fachin. Brasília, DF, 13 de junho de 2019. Mandado de Injunção nº 4.733. Brasília, 29 set. 2020. p. 5
770
Ibid., p. 5
205
estatísticos coletados pelo Grupo Gay da Bahia sobre assassinatos nos anos de 2016 a
2018.771
Quanto ao diálogo entre o MI 4.733 e o SIPDH, a expressão “Corte
Interamericana” é citada por 7 vezes no inteiro teor do acórdão, enquanto “Convenção
Americana” é citada por 6 vezes, o “Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos” é
citado por 4 vezes e o “Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”
não foi citado nenhuma vez.
No mais, a ministra Carmem Lúcia expôs os fundamentos do caso Atalla Riffo,
nos mesmos termos da ado nº 26, destacando os artigos 1.1 e 24 da CADH, e a Ministra
Rosa Weber destaca o art. 7 da CADH, que versa sobre a não privação de liberdade, salvo
pelas condições estabelecidas pelas constituições dos Estados. No mais, o Ministro
Relator, Edson Fachin, discute o relatório da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos sobre a violência contra pessoas LGBTQIAP+, destacando os dados estatísticos
presentes no relatório, assim como aborda a Opinião Consultiva nº 24 da Corte IDH
elucidando as conceituações de identidade de gênero e orientação sexual trazidas no
documento, e comentando sobre a interpretação da Corte sobre o princípio da igualdade
e não discriminação.772
Portanto, ao final da análise, o Tribunal julgou procedente o mandado de
injunção, de modo a reconhecer a morosidade do Congresso Nacional e expandir o
entendimento sobre a tipificação da Lei 7.716/1989, referente a criminalização em razão
dos preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, para incluir
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.773
771
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 4.733. Relator: Relator Ministro Edson
Fachin. Brasília, DF, 13 de junho de 2019. Mandado de Injunção nº 4.733. Brasília, 29 set. 2020. p. 62
772
Ibid., p. 42
773
Ibid., p. 2
206
Goiás, a qual proibiu a divulgação de material sobre “ideologia de gênero” nas escolas,
estabelecendo que os materiais didáticos deveriam ser analisados antes de sua distribuição
as escolas, e que não poderiam fazer parte do material didático das escolas no Município
de Novo Gama materiais que influenciem sobre a “ideologia de gênero”.774
O Procurador Geral da República, requerente dessa ação, fundamenta seu pedido
nos artigos 5º, caput, da CRFB, referente ao direito à igualdade; art. 5º, IX, da CRFB, que
dispõe sobre a vedação à censura em atividades culturais; art. 5º, LIV, da CRFB, referente
ao devido processo legal substantivo; art. 19, I, da CRFB, que versa sobre a laicidade do
Estado; art. 22, XXIV, da CRFB, que estabelece a competência privativa da União para
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional; o art. 206, III, da CRFB, que fala
sobre o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o art. 206, II, da CRFB, que
discorre sobre o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber. Ao final, requer o deferimento de medida cautelar, com
objetivo de suspender a eficácia da norma impugnada, assim como a declaração de sua
incompatibilidade com as disposições da Constituição Federal.775
A decisão do Tribunal foi fundada nas alegações da competência privativa da
União para legislar sobre educação em âmbito nacional, a qual, no exercício dessa
competência, a União editou a Lei nº 9.394/1996, que dispõe sobre as diretrizes e bases
da educação nacional, em consonância com os arts. 205, 206, II e III e 214 da Constituição
Federal, salientando a promoção do pleno desenvolvimento do educando, que deve ser
preparado para o exercício da cidadania e para qualificação laboral, devendo observar-se
“os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, do
pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e da promoção humanística, científica e
tecnológica do país”.776
Destaca que a lei municipal impugnada impõe o silêncio, a censura e o
obscurantismo como estratégias discursivas, que tem por consequência enfraquecer o
liame entre heteronormatividade e homofobia, o que ofende um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação, expresso no art.
774
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 457. Relator: Relator Ministro
Alexandre de Moraes. Brasília, DF, 27 de abril de 2020. Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº 457. Brasília, 03 jun. 2020. p. 3-4
775
Ibid., p. 5
776
Ibid., p. 16-17
207
3º, IV, da CRFB, assim como o princípio da igualdade incutido no art. 5º, caput da
CRFB.777
No que se refere ao diálogo entre o julgamento e o Sistema Interamericano de
Proteção aos Direitos Humanos, a expressão “Corte Interamericana” é citada por 2 vezes
no inteiro teor do acórdão, enquanto “Convenção Americana” é citada por 1 vez, os
princípios de Yogyakarta são citados por 3 vezes. Os Pactos Internacionais de 1966 não
são citados no inteiro teor deste acórdão.
Outrossim, o Ministro Relator Alexandre de Moraes cita a Opinião Consultiva nº
24/2017 da Corte IDH, realçando a importância do reconhecimento da identidade de
gênero para garantir o gozo pleno dos Direitos Humanos das pessoas trans, que inclui a
proteção contra a violência.778 O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, estende o discurso
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, citando seus artigos I e II, que versam
sobre a liberdade e igualdade dos seres humanos, e a não discriminação por quaisquer
condições.779 Gilmar Mendes também cita a Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos, em seu art. 1.1, quando este dispõe sobre a obrigação dos Estados de respeitar
os direitos.780 Com base nos fundamentos relatados, o STF conclui pela
inconstitucionalidade da Lei 1.516/2015 do Município de Novo Gama/GO, fundado no
voto do relator que trouxe os fundamentos constitucionais anteriormente elencados.
Mais adiante, no ano de 2020, foi apreciada pelo plenário do Supremo Tribunal
Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.543, de relatoria do Ministro
Alexandre de Moraes, que trata da doação de sangue por homossexuais. Este caso tem
como objeto o artigo 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, e o art. 25,
XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34/2014 da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária – ANVISA, que tratam da inaptidão temporária, pelo período de
777
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 457. Relator: Relator Ministro
Alexandre de Moraes. Brasília, DF, 27 de abril de 2020. Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº 457. Brasília, 03 jun. 2020. p. 13-14
778
Ibid., p. 26
779
Ibid., p. 44
780
Ibid., p. 44
208
doze meses, das pessoas do sexo masculino que se relacionaram sexualmente com outras
pessoas do mesmo sexo, de realizar a doação de sangue.781
Esta ação foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, que explica o
surgimento da proibição de doação de sangue no final da década de 1980, em razão do
desconhecimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, e pela preocupação com
a chamada janela imunológica, que é o período imediatamente posterior à infecção pelo
vírus, quando os exames laboratoriais ainda não conseguem detectá-lo. Para tanto, os
requerentes argumentam que a medicina tem evoluído desde então, e que atualmente se
consegue identificar a presença do vírus em menor tempo.782
O requerente também alega que a proibição temporária sugerida pela Portaria do
Ministério da Saúde transforma-se em proibição permanente de doação de sangue para as
pessoas homossexuais que possuem mínima atividade sexual. Além disso, a alegação de
que homossexuais são mais promíscuos também não prospera, pois já existe legislação
que prevê a exclusão da doação de sangue por pessoas que têm múltiplos parceiros, sejam
elas heterossexuais ou homossexuais, e, portanto, haver uma norma específica para as
pessoas homossexuais é absolutamente discriminatório.783
Nesses termos, o Ministro Relator, em sue voto, afirma que a discriminação está
presente quando se estabelecem grupos de risco para a doação de sangue, e não condutas
de risco, de modo que a associação de grupos gera uma interpretação consequencialista
desmedida que, nesse caso, tem como premissa que as pessoas homossexuais e bissexuais
são, por causa de sua orientação sexual, possíveis vetores de transmissão de infecções
como a SIDA.784 Ressalta o relator que a restrição de doação de sangue por homossexuais
viola “subjetivamente e a cada uma dessas pessoas; viola também o fundamento próprio
de nossa comunidade – a Dignidade da Pessoa Humana”, esta que se encontra prevista no
art. 1º, III da CRFB. Além disso, as pessoas afetadas por esta proibição também são
impedidas de exercer sua liberdade e autonomia, nos termos do art. 5º, caput, da CRFB.785
Em outro trecho de seu voto, o Relator salienta que somente haverá livre
igualdade, nos termos do art. 3º, I, para “os homens que fazem sexo com outros homens
e as parceiras sexuais destes” se as políticas públicas de doação de sangue deixarem de
781
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 5.543. Relator: Relator Ministro Edson
Fachin. Brasília, DF, 11 de maio de 2020. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 5.543. Brasília, 26
ago. 2020. p. 2
782
Ibid., p. 9
783
Ibid., p. 9
784
Ibid., p. 22
785
Ibid., p. 33
209
O julgamento mais recente a ser analisado pelo presente estudo consiste na Ação
de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 461, apreciada no ano de 2020 pelo
786
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 5.543. Relator: Relator Ministro Edson
Fachin. Brasília, DF, 11 de maio de 2020. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 5.543. Brasília, 26
ago. 2020. p. 37
787
Ibid., p. 51
788
Ibid., p. 52
789
Ibid., p. 53
790
Ibid., p. 4
210
791
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 461. Relator: Relator Ministro Roberto
Barroso. Brasília, DF, 24 de agosto de 2020. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº
461. Brasília, 22 set. 2020. p. 5
792
Ibid., p. 5
793
Ibid., p. 13
794
Ibid., p. 15
211
características em contraste com o padrão cultural imposto, que os rotula como “normais”
ou “anormais”. Nesse contexto, conclui o Ministro que a inércia da escola é um fator que
contribui para a violência desses grupos de pessoas.795
Outrossim, o Relator também expõe a competência privativa da união em
legislar sobre diretrizes e bases da educação, em conformidade com o art. 22, XXIV da
CRFB e o art. 24, X, cabendo aos municípios apenas complementar as legislações federais
e estaduais, nos termos do art. 30, II da CRFB.796 Também aplica os arts. 2º e 3º, II, III
e IV da Lei de Diretrizes e Bases de Educação, que trata sobre a o respeito à liberdade,
o apreço a tolerância e a vinculação entre educação e práticas sociais como princípios que
devem orientar as ações educacionais.797
Nessa senda, explica que a educação assegurada pela Constituição Federal de
1988 é aquela voltada a promoção do pleno desenvolvimento da pessoa, sua capacitação
para cidadania, e o desenvolvimento humanístico do país, conforme leciona os arts. 205
e 214 da CRFB. Ainda mais, explana, em atenção ao art. 206, II, III e V, que se trata de
educação emancipadora - fundada, expressamente pela CRFB, no pluralismo de ideias,
liberdade de aprender e de ensinar - que objetiva habilitar a pessoa para os diversos
propósitos da vida, como ser humano, cidadão e profissional.798
Conclui que não se deve afastar dos alunos o acesso a temas que eles terão
contato na vida em sociedade, e quanto maior o seu contato com visões de mundo
diferentes, maior será o seu universo de ideias e mais confortável sua presença será em
ambientes diferentes do seu. O Ministro relator também considera que os alunos são seres
em formação, e que a educação é essencial para a sua autocompreensão, assim como
contribui para sua liberdade, sua autonomia, e para protegê-los contra discriminações e
contra ameaças de cunho sexual.799 Para tanto, cita o art. 227 da CRFB que dispõe sobre
o princípio da proteção integral da criança, do adolescente e dos jovens, que é atribuído
à família, à sociedade e ao Estado assegurar todos os direitos necessários ao seu adequado
desenvolvimento, onde se encontra a educação, liberdade, proteção contra negligência,
discriminação, crueldade e opressão.800
795
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 461. Relator: Relator Ministro Roberto
Barroso. Brasília, DF, 24 de agosto de 2020. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº
461. Brasília, 22 set. 2020. p. 22-24
796
Ibid., p. 14
797
Ibid., p. 15
798
Ibid., p. 17
799
Ibid., p. 21
800
Ibid., p. 21
212
801
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro Teor do Acórdão nº 461. Relator: Relator Ministro Roberto
Barroso. Brasília, DF, 24 de agosto de 2020. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº
461. Brasília, 22 set. 2020. p. 17
802
Ibid., p.3
213
6. CONCLUSÃO
sofrem com a abjeção, pois estão sujeitas a diversas formas de apagamento social que
empurram suas vivências para as margens da sociedade, para os empregos informais, para
a prostituição, para um distanciamento com a família e a religião. Até os dias atuais,
inexiste uma norma federal, ou uma disposição na Constituição Federal brasileira que
defina expressamente que essas pessoas são cidadãs e estão protegidas.
As normas proibitivas de outrora, se transformaram hoje em uma grande
insegurança jurídica. E essa insegurança se expressa na impunidade com que os crimes
são investigados, com que muitos crimes motivados pelo preconceito não são registrados
pelos órgãos estatais, cabendo a Organizações Não Governamentais o papel de reunir os
dados para mostrar que essas pessoas existem, e ninguém tutela seus direitos.
A partir dessa problemática, a presente dissertação teve como objetivo geral
investigar a situação das pessoas LGBTQIAP+ na República Federativa do Brasil, e as
contribuições que o diálogo com as normas de direito internacional e a jurisprudência
atualizada da Corte IDH podem trazer para a melhoria dos direitos de cidadania desses
grupos vulneráveis. Outrossim, foram apresentados como objetivos específicos a
contextualização das desigualdades de gênero e sexualidade e a apresentação dos dados
estatísticos de violência contra as pessoas LGBTQIAP+ na República Federativa do
Brasil; a identificação dos os marcos normativos internacionais de proteção aos Direitos
Humanos das pessoas LGBTQIAP+; a investigação de como a Corte Interamericana de
Direitos Humanos vêm enfrentando os casos de discriminação em razão de orientação
sexual e identidade de gênero; e a análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal
brasileiro e sua interação com as normas e a jurisprudência internacional.
Para mais, foi levantada a hipótese de que que os instrumentos internacionais de
proteção dos direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+ devidamente ratificados pelo
Brasil, assim como as decisões judiciais proferidas em casos contenciosos da Corte IDH
devem ser instrumentos de compatibilização das normas domésticas e fundamento das
decisões judiciais proferidas pelos órgãos administrativos e judiciais.
Nesses termos, para se comprovar essa hipótese, e em consonância com os
objetivos específicos, em um primeiro momento foi possível identificar, a partir dos dados
estatísticos elencados, que a violência decorrente do preconceito e da abjeção no Brasil
está diretamente relacionada ao índice de desenvolvimento humano das regiões do país,
sendo essa uma outra face da abjeção, que consiste na falta de informação, cultura e
espaços de acolhimento para as pessoas LGBTQIAP+ que as insira de forma igualitária
na sociedade. Conforme também se depreende dos dados estatísticos, a violência em
215
razão das normas de gênero e sexualidade se soma a outros tipos de violência que
marginalizam a população, como a violência contra a mulher e o racismo.
Assim, se fez relevante discutir o papel do direito nas narrativas culturais que
contribuem para abjeção das pessoas LGBTQIAP+, pois ele é, muitas vezes, utilizado
para corroborar com as ideias de normalidade, civilidade e legitimidade das relações
heterossexuais e de uma vivência unicamente cisnormativa. Essa vivência se traduz em
formas multifatoriais de violência, que se perpetuam desde o ambiente doméstico até o
ambiente público.
Frente a esse contexto, os resultados da pesquisa encontram nos marcos
normativos internacionais de proteção aos Direitos Humanos uma crescente evolução
histórica de direitos e de interpretações ampliativas direcionadas à proteção da orientação
sexual e identidade de gênero. Destacam-se, nesse contexto, a Resolução nº 17/19
proveniente do 17º Período de sessões do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU
e a análise dos 38 Princípios de Yogyakarta. A primeira, demonstra a preocupação das
Nações Unidas com os atos de violência sofridos pela população LGBTQIAP+ em todas
as regiões do mundo, destacando que os Estados devem promover e proteger os direitos
humanos e as liberdades fundamentais desses indivíduos, fundado no princípio da
igualdade e não discriminação que se encontra consagrado na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
O relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas elucida as obrigações dos
Estados sob as normas internacionais de direitos humanos, destacando a proteção ao
direito à vida, liberdade e segurança pessoais, nos termos do artigo 3º da DUDH e do Art.
6º do PIDCP; a necessidade de prevenção contra a tortura e os tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes, conforme leciona o artigo 5º da DUDH e o artigo 7º do
PIDCP; a demanda por proteção à privacidade, nos termos do artigo 12º da DUDH e 17º
do PIDCP; a proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada,
casa, família e correspondência; e a proteção contra a detenção arbitrária, nos termos do
artigo 9º da DUDH e do PIDCP. Destaca-se também a abordagem do Alto Comissariado
sobre a proteção das pessoas contra a discriminação fundamentada em orientação sexual
e identidade de gênero, aludindo ao art. 2º da DUDH e ao art. 2º do PIDESC.
Importante reiterar, nesse contexto, que o Brasil é um país membro da ONU, e
que o PIDCP e o PIDESC foram adotados pela República Federativa do Brasil, tendo
entrado em vigor, respectivamente, por meio do Decreto nº 592/1992 e do Decreto nº
591/1992.
216
1.1, sobre a obrigação dos Estados de respeitar os direitos, sem discriminação das pessoas
motivada por qualquer condição social.
Nos casos em tela, identifica-se o emprego dos seguintes artigos da Convenção
Americana, com interpretação voltada para proteção das pessoas LGBTQIAP+: direito à
vida (art. 4.1 da CADH); direito à integridade física, psíquica e moral (art. 5.1 da CADH);
direito à liberdade e segurança pessoais (art. 7.1 da CADH); proteção contra privação da
liberdade física (art. 7.2 da CADH); proteção contra detenção e encarceramento arbitrário
(art. 7.3 da CADH); toda pessoa detida deve ser informada das razões de sua detenção
(art. 7.4 da CADH); direito de ser ouvido (art. 8.1 da CADH); proteção da honra e da
dignidade, e seus derivados que tratam do direito à vida privada (art. 11.2 da CADH);
direitos inerentes às garantias judiciais (art. 25.1 e 25.2 da CADH); direitos que envolvem
as famílias das vítimas (art. 17 da CADH) e direitos das crianças (art. 19 da CADH); e
direito à igualdade perante a lei (art. 24 da CADH). Destaca-se, como fundamento
importante da atuação da Corte IDH, que esta reconhece a relevância da proteção das
minorias SOGIESC, e da problemática vivenciada por estas pessoas, como um problema
legítimo, preocupante e difundido em diversas nações.
Depreende-se também, a partir da análise da doutrina especializada, no que se
refere a análise do conteúdo normativo dos tratados, convenções e jurisprudência
internacional, que há o necessário controle vertical das normas jurídicas dos Estados
signatários, em respeito aos princípios gerais da boa-fé e do pacta sunt servanda. Para
tanto, um novo marco de controle vertical das normas elaboradas internamente pelo
Estado consiste no seu controle de convencionalidade.
A inconvencionalidade, por sua vez, pode ser observada quando a norma
contrariar tratado internacional de direitos humanos, normas de jus cogens, costumes
internacionais que tratem de direitos humanos e interpretações conferidas por tribunais
de direitos humanos, mesmo havendo entendimento de ausência de hierarquia entre tais
tribunais e os domésticos. No caso brasileiro, conforme dispõe o art. 5º, § 2º da
Constituição Federal de 1988, que impõe a materialidade constitucional ao conteúdo dos
Tratados de Direitos Humanos, bem como o acréscimo constitucional proveniente da
Emenda Constitucional nº 45, que incluiu o art. 5º, § 3º, este que impõe a materialidade e
formalidade constitucional aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos celebrados
pelo Estado brasileiro, entende-se que devem ser observados, em âmbito doméstico, os
instrumentos ratificados pelo Estado brasileiro.
218
envolvem as pessoas LGBTQIAP+, este tribunal poderia fazer melhor uso do vasto
arcabouço normativo internacional de proteção aos direitos humanos dessas pessoas.
Ante o exposto, no que se refere à construção de um arcabouço jurídico
direcionado as garantias de cidadania inclusiva voltada para as pessoas em situação de
vulnerabilidade decorrente de sua identidade de gênero, orientação sexual, expressões de
gênero e sexualidade, hodiernamente, percebeu-se que o Supremo Tribunal Federal vem
mudando seu entendimento quanto ao caráter preservacionista do direito, em especial
quando se enxergam as relações a partir de um viés democrático, fundado no princípio da
igualdade. As decisões da Corte Constitucional brasileira, em que pese não se utilizem
das normas internacionais, conseguem cumprir com o propósito de aproximar essas
pessoas da cidadania igualitária.
Assim, a presente pesquisa constatou que há um processo de emancipação dos
grupos sociais vulneráveis, em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero, no
Brasil, que esse processo vem sendo conduzido pelo Supremo Tribunal Federal de forma
inovadora no ordenamento jurídico interno, mas que, para satisfazer uma postura de
compliance frente ao direito internacional dos direitos humanos, esse tribunal tem
capacidade de fazer mais. Nesse contexto, o Estado brasileiro deve considerar, quando da
análise da compatibilidade de suas leis e decisões proferidas em âmbito judicial e
administrativo, e com a finalidade de erradicar os alarmantes dados estatísticos de
violência no país e corrigir as disparidades estabelecidas culturalmente, os instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos voltados a proteção das pessoas
LGBTQIAP+ devidamente ratificados pelo Brasil, assim como as decisões judiciais
proferidas em casos contenciosos da Corte IDH, em razão da ratificação da Convenção
Americana de Direitos Humanos pelo Brasil.
220
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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