Congresso Brasileiro Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia
Evento online – 31 de agosto a 04 de setembro de 2020
A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE ESTRUTURAL NA TRILHA DO
PARQUE ESTADUAL FORNO GRANDE, CASTELO, ES Iulo Pessotti Moro1, Marcus Vinicius Dutra de Magalhães1 1 Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, Brasil (iulo.floresta@gmail.com)
Resumo: Atividades ecoturísticas e geoturísticas são reconhecidas como grandes
contribuintes para a qualidade de vida, além da representação do valor intrínseco, cultural, estético, econômico, funcional, científico e educativo. O Parque Estadual Forno Grande recebe um número elevado de turistas, fato que ocasiona o aumento de processos erosivos na trilha. Foi realizado a análise das condições estruturais da trilha para identificar visualmente os impactos antrópicos causados pela visitação no parque.
Palavras-chave: Unidades de Conservação; Trilha; Erosão Hídrica; Ecoturismo;
Geoturismo.
INTRODUÇÃO representação do valor intrínseco, cultural, estético,
econômico, funcional, científico e educativo para O ecoturismo é considerado um segmento da aquelas áreas. O valor intrínseco expressa a relação atividade turística que de forma sustentável utiliza o existente entre o homem e a natureza e é de mais patrimônio natural e cultural; busca incentivar sua difícil compreensão devido à dificuldade de conservação e a formação de uma consciência quantifica-lo. Recentemente, uma ampla visão vem ambiental. No Brasil, esse fenômeno turístico tem sendo consolidada, que vai além do valor ambiental crescido muito rápido, e é visto como uma alternativa intrínseco que as áreas protegidas possuem, ou seja, para a conservação e o desenvolvimento sustentável. além da beleza estética (contemplação). Tais A principal causa identificada pelo crescimento dessa atividades estão sendo trabalhadas como fonte de atividade é o desejo dos turistas de interagir com a oportunidades e viabilidade econômica para natureza, tendo como principal espaço de atuação comunidades que vivem no entorno como agente áreas naturais conservadas. Esta condição realça o gerador de capital social (Costa; Costa; Mello, 2007; potencial do ecoturismo no país, com boa perspectiva Nascimento; Ruchkys; Mantesso-Neto, 2008). econômica e político-ambiental, já que estas atividades impulsionam o aumento de áreas Andrade (2003), menciona ainda que as trilhas são os conservadas (Sanches et al., 2011). principais meios de acesso aos atrativos no interior das Unidades de Conservação, oferecendo O geoturismo pode ser definido como uma forma de oportunidade de contato efetivo com a natureza. turismo sustentável, que objetiva a valorização e a conservação da geodiversidade. Ele busca a partir da No entanto surge também uma preocupação com a educação e interpretação ambiental, sensibilizar os conservação destes ambientes, considerando que, turistas sobre a importância da conservação dos com o aumento do número de visitantes nestes locais, elementos da geodiversidade, beneficiando as acelera-se o processo de desgaste das trilhas, populações locais. A geodiversidade é considerada resultando em prejuízos ambientais, que sem manejo uma clássica abundância de componentes e de podem ser irreversíveis. processos relacionados aos elementos abióticos da Em termos de paisagem, a trilha é uma intervenção natureza existentes em nosso Planeta; são exemplos linear definida a partir do corte raso da vegetação de elementos da geodiversidade: as rochas, os para o estabelecimento da zona de pisoteio (área útil minerais, os solos, os fósseis etc. A geodiversidade é efetivamente utilizada pelo usuário em seu a base para a existência da biodiversidade, deslocamento) e a área marginal de manejo, onde a conceituando-se como geoconservação, a vegetação é mantida controlada para evitar seu conservação desses elementos. Nesse processo de fechamento. Esse conjunto compõe o que se chama conservação da natureza, o componente abiótico é de “corredor” da trilha (Mello; Costa, 2012) e suas tão importante quanto o biótico (Guerra; Jorge, dimensões variam conforme o objetivo, perfil do 2018). visitante e zoneamento, onde as dimensões As atividades ecoturísticas e geoturísticas em longitudinais e laterais podem atravessar diferentes Unidades de Conservação (UC) tem sido ambientes naturais com limiares distintos de reconhecidas como grandes contribuintes para a fragilidade, significando maior ou menor “área de qualidade de vida daqueles que visitam, além da sacrifício” do ambiente local. Funcionalmente as trilhas determinam o padrão de dispersão de concentração de usuários, possuindo grande importância estratégica no manejo do uso público em unidades de conservação (Mello, 2013). Neste sentido, Barros (2003) ressalta que caminhadas, cavalgadas, esportes de aventuras, são atividades que potencializam os impactos negativos em trilhas. Para Gualtieri-Pinto et al (2008), a erosão nas trilhas de áreas protegidas abertas ao uso público pode afetar significativamente ambientes ecológicos, sociais e administrativos; sendo um tipo de impacto que merece maior atenção dos gestores dessas áreas naturais; referindo diversos autores que destacam as Figura 1. Localização geográfica do Parque Estadual alterações no solo em áreas naturais de recreação Forno Grande. como o principal impacto resultante do pisoteio e uso MATERIAL E MÉTODOS de veículos como bicicletas, motocicletas. Estes impactos se traduzem em compactação e mudanças A análise das condições estruturais da trilha foi na estrutura do solo, perdas na serrapilheira e no realizada de modo a identificar visualmente os conteúdo de húmus, com redução nas taxas de impactos antrópicos causados pela visitação no infiltração, aumento do escoamento hídrico PEFG. Para isso, utilizou-se uma trena de 50 metros superficial, e aumento de processos erosivos. Além com intuito de medir a trilha desde o seu início e disso, com mudanças nas propriedades físicas, o apontar os locais avaliados com a respectiva pisoteio pode levar a mudanças na biologia e na metragem de referência. Foi feita a marcação da física do solo. Os macro e microhabitats do solo e da trilha por aparelho de GPS Garmin 64s para o serrapilheira alterados resultam em importantes georreferenciamento e os impactos observados foram mudanças na composição das espécies da microflora anotados em planilha de campo. e da fauna do solo (Mello, 2013). As avaliações foram realizadas em fevereiro de 2020, De fato, os eventos erosivos em trilhas são por uma equipe multidisciplinar composta por quatro extremamente comuns e decorrem muitas vezes de monitores ambientais vinculados ao Programa de erros e restrições de planejamento estabelecidas pela Voluntariado em Unidades de Conservação (PVUC) necessidade de se alcançar determinado atrativo, sem em suas respectivas áreas de atuação: Engenharia os recursos técnicos e materiais necessários; fato que Florestal, Geologia, Ciências Biológicas e também incidem nas práticas de recuperação e Ambientais, com intuito de perceber sob diferentes manutenção destes equipamentos. Ressalta-se que a perspectivas os impactos causados pela visitação ao mobilização de recursos materiais em trilhas é parque. complexa e trabalhosa e exige não raro o transporte O grau de dificuldade da trilha foi analisado de de material, podendo ser limitado de acordo com a acordo com o “Manual de construção e manutenção capacidade física dos carregadores (funcionários, de trilhas”, proposto pela Secretaria de Meio voluntários, contratados), e assim comprometendo as Ambiente do Estado de São Paulo (2009), no qual ações de manutenção e recuperação. Deste modo, a divide-se a trilha em trechos de acordo com a utilização de recursos locais constitui muitas vezes declividade, classificando-a em grau leve (0-10º), em fator determinante da viabilidade técnica das média (10-30º), difícil (30-50º) e muito difícil (50- ações a serem efetivadas (Mello, 2013). 80º). Pelo exposto, fica evidente a importância das UC RESULTADOS E DISCUSSÃO para a conservação dos recursos naturais e de seu potencial para gerar renda, por meio da A trilha do PEFG tem um total de 2.320 metros de implementação de atividades relacionadas ao turismo extensão, iniciando no Centro de Visitantes e ecológico e geológico. Assim, realizou-se este estudo culminando no Mirante. Apresenta padrão linear, ou com o objetivo de avaliar a estrutura da trilha do seja, ida e volta são feitas pelo mesmo caminho. Tem Parque Estadual Forno Grande (PEFG), principal como atrativos turísticos: Cachoeirinha, Gruta da atrativo do parque, localizada no município de Santinha, Poços Amarelos e Mirante que compõem Castelo/ES (Figura 1). as belezas cênicas naturais do parque (Figura 2). A avaliação do grau de dificuldade da trilha de acordo com a declividade do terreno (Figura 3), resultou em 3 diferentes níveis de dificuldade: trechos com nível fácil, onde a declividade é branda, nível médio e nível difícil. De forma geral, de acordo com a média de declividade da trilha, ela apresenta um nível médio de dificuldade. Afloramentos rochosos com presença de líquens, locais com água corrente ou empoçada, merecem cuidados especiais ao transpor tais obstáculos. A trilha conta com boa infraestrutura como: longarinas, escadas, corrimãos, bancos para descanso e uma área coberta de 6 m². Porém, algumas estruturas demandam reparos devido ao desgaste natural ocorrido ao longo do tempo e principalmente pelo contínuo acesso de visitantes que percorrem o trajeto diariamente.
Figura 3. Declividade do terreno ao longo da trilha
do Parque Estadual Forno Grande.
Foi desenvolvido relatório técnico multidisciplinar
descritivo das condições estruturais da trilha com sugestões de manejo para a mesma, apresentando a metragem marcada do ponto inicial no Centro de Visitantes do Parque até o Mirante. O documento produzido foi encaminhado ao gestor da unidade de conservação PEFG e para os responsáveis pelo PVUC com a finalidade de buscar recursos junto ao órgão para realizar as reformas e ajustes necessários. Figura 2. Atrativos ecoturísticos e geoturísticos da Uma síntese deste relatório foi reproduzida para este trilha do Parque Estadual Forno Grande. trabalho a seguir: • 20 m: ponte de madeira danificada, necessitando reparos; • 50 m: cano de captação de água exposto, recomendação para cobri-lo com terra e pedras; • 93 m: área de acúmulo de água, recomenda- se colocar pedras no passeio; • 250 m: antiga escada de grampos de ferro, recomenda-se removê-los; • 280 m: área de acúmulo de água, colocar pedras para facilitar a travessia; • 310 m: área com início de sulcos de erosão, recomenda-se colocar quatro longarinas transversais a declividade do terreno, formando uma “escadinha”; • 322 m: início de erosão hídrica, colocar • 1625 m: área com intenso processo erosivo, duas longarinas para reduzir o comprimento presença de sulcos de erosão grandes, fazer de rampa e diminuir o poder erosivo da contensão com longarinas e pedras; água; • 1660 m: área escorregadia em aclive, • 350 m: área de acúmulo de água, colocar colocar três longarinas formando uma pedras para facilitar a travessia; “escadinha”; • 430 m: início de erosão hídrica, colocar uma • 1727 m: área com erosão, colocar seis longarina; longarinas formando uma “escadinha” para reduzir a velocidade do escoamento da água; • 480 m: área de acúmulo de água, colocar pedras; • 1761 m: área úmida em aclive, colocar quatro longarinas para facilitar a travessia; • 570 m: Local vulnerável a erosão hídrica, colocar uma longarina; • 2050 m: área em início de processo erosivo, colocar duas longarinas para reduzir o risco • 718 a 724 m: área de estreitamento da trilha, de agravamento. recomenda-se fazer uma contenção lateral; A maior parte das intervenções (55,17%) de correção • 965 m: área de acúmulo de água, colocar ou implantação de estruturas na trilha mostram-se pedras para facilitar a travessia; necessárias até a metragem de 1300 metros, onde • 1063 a 1071 m: área escorregadia em aclive, estão localizados os Poços Amarelos. Este fato pode fazer uma “escadinha” de longarinas para estar associado ao número de visitantes, mais intenso evitar acidentes; nesse trecho da trilha. De acordo com Sanches et al. (2011), tanto maior é o impacto sobre a trilha, quanto • 1180 m: estreitamento lateral da trilha, maior for o número de visitantes. recomenda-se fazer uma contenção, permitindo a manutenção da trilha e A análise mostrou que dos 29 pontos avaliados, 13 evitando erosão hídrica; necessitam de intervenções devido ao processo erosivo da trilha. A utilização de longarinas dispostas • 1259 m: risco de erosão, recomenda-se transversalmente ao gradiente de declividade do solo colocar longarinas transversal a declividade tem como objetivo diminuir o comprimento de da trilha; rampa, formando mini terraços, assim, diminui a velocidade do escoamento superficial da água e seu • 1331 m: área em início de processo erosivo, poder erosivo (Figuras 4 e 5). Andrade (2003), colocar duas longarinas para diminuir a reforça que além do aspecto conservacionista do perda de solo; solo, as longarinas proporcionam um maior conforto • 1461 m: área alagada, colocar pedras para de caminhada em trechos com declividades mais facilitar o trajeto; acentuadas. • 1490 m: aclive acentuado, fazer “escadinha” de longarinas para reduzir risco de acidentes; • 1521 m: área com acúmulo de água, colocar pedras para facilitar o trajeto; • 1526 m: área com alto risco de erosão, colocar três longarinas para diminuir o comprimento de rampa do escoamento da água; • 1536 m: estreitamento da trilha, fazer contenção lateral; • 1550 m: trecho com aclive acentuado, fazer “escadinha” com quatro longarinas para evitar acidentes; • 1568 m: área com indícios de erosão, colocar uma longarina para reduzir o Figura 4. Exemplo da utilização de longarinas para processo erosivo; minimizar os danos causados por erosão hídrica na trilha do Parque Estadual Forno Grande. a visitação de turistas possa ter o menor impacto possível buscando a máxima conservação do solo. Novos estudos são necessários para determinar a capacidade de carga da trilha, visando a sustentabilidade da visitação. AGRADECIMENTOS A equipe do Parque Estadual Forno Grande pela oportunidade de realização do trabalho, aos responsáveis pelo Programa de Voluntariado em Unidades de Conservação vinculado ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela participação no programa, as voluntárias Jhennyfer de Oliveira Silva e Isabela Guedes Cavalcanti pelo apoio no trabalho de campo. REFERÊNCIAS Andrade, W. J. de. Implantação e manejo de trilhas. In: Mitraud, S. W. (org.) Manual de turismo de base comunitária: ferramenta para um Figura 5. Ocorrência de sulcos de erosão hídrica em planejamento responsável. WWF Brasil, Brasília – um trecho da trilha do Parque Estadual Forno DF, 2003. Grande. Barros, M. I. A. Caracterização da visitação, dos A trilha do PEFG apresenta uma grande diversidade visitantes e avaliação dos impactos ecológicos e topográfica, isso influencia no gradiente de recreativos do planalto do Parque Nacional do declividade do relevo. Com a variação de nível, as Itatiaia. 2003. 121 f. Dissertação (Mestrado em subidas são prejudicadas pela erosão causada pela Recursos Florestais) – Escola Superior de água. Um sistema de drenagem deve assegurar que a Agricultura Luiz Queiros, Universidade de São água escoe pelas laterais da trilha, evitando que a Paulo, Piracicaba, 2003. direção da água seja a mesma da trilha (Andrade, Costa, N. M. C. da; Costa, V. C. da; Mello, F. A. 2003). P. Planejamento de Trilhas no contexto do manejo e Atualmente o PEFG não possui um limite máximo de gestão do Ecoturismo de Unidades de Conservação visitação diária, portanto há necessidade de um Urbanas. OLAM-Ciência & Tecnologia, v. 7, n. 3, acompanhamento sistemático dos impactos de 2007. visitação. A capacidade de carga de uma trilha é a Gualtieri-Pinto, L.; Oliveira, F. F. de; Andrade, quantidade de visitantes que ela pode suportar sem M. de A.; Pedrosa, H. F.; Santana, W. A. de; que isso gere impactos inaceitáveis ao meio Figueiredo, M. do A. Atividade Erosiva em Trilhas ambiente. Serve como uma espécie de “termômetro” de Unidades de Conservação: Estudo de Caso no para os gestores definirem o número máximo de Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais, visitação. Brasil. E-scientia, v.1, n.1, novembro, 2008. A sua determinação também pode auxiliar no estudo Guerra, A. J. T.; Jorge, M. do C. O. (org) de viabilidade econômica do ecoturismo e Geoturismo, geodiversidade e geoconservação: geoturismo local, pois o número de visitantes no abordagens geográficas e geológicas. Oficina de parque influenciará na quantidade de pessoas que Textos, São Paulo, 2018. visitam a região. Porém, o PEFG ainda carece dessas informações. Mello, F. A. P. Aplicação de conceitos de bioengenharia de solos para recuperação da trilha CONCLUSÃO circular–Parque Natural Municipal da Prainha– O PEFG possui diversos atrativos naturais com PNMP/Rio de Janeiro /RJ. In: Anais II Congresso potencial de movimentar a economia local. nacional de Planejamento e Manejo de Trlhas, Rio de Janeiro, 2013. A trilha está em bom estado de conservação, porém há trechos onde é necessário a revitalização para Mello, F. A. P.; Costa, N. M. C. da. Reflexões reduzir os impactos ambientais causados pela sobre as relações entre trilhas e a biodiversidade em visitação. áreas protegidas brasileiras. In: Anais Primer Congreso de Planificación y Manejo se Senderos del Nesse processo de conservação da natureza, o Mercosur. Piriápolis – Uruguay, 2012. componente abiótico, geodiversidade, é tão importante quanto o biótico, biodiversidade para que Nascimento, M. A. L. do; Ruchkys, U. A.; Mantesso-Neto, V. Geodiversidade, geoconservação e geoturismo: trinômio importante para a conservação do patrimônio geológico. Rio de Janeiro: edição SBGeo, 2008. Sanches, K. L.; Souza, A. N. de; Oliveira, A. D. de; Camelo, A. P. S. Economic Evaluation of indirect use activities in a private natural heritage reserve. Rev. Cerne, v. 17, n. 2, p. 223-229, 2011. Secretaria de meio ambiente do estado de São Paulo. Manual de Construção e Manutenção de Trilhas. Fundação Florestal, São Paulo, 2009.