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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE LETRAS

Laryssa Francisca Moraes Porto

“ESSES PALAVRIADOS QUE A GENTE USA”:


uma abordagem etnoterminológica e identitária do léxico dos quilombos
urbanos ludovicenses Liberdade e Fé em Deus

São Luís – MA

2020
LARYSSA FRANCISCA MORAES PORTO

“ESSES PALAVRIADOS QUE A GENTE USA”: uma abordagem etnoterminológica e


identitária do léxico dos quilombos urbanos ludovicenses Liberdade e Fé em Deus

Monografia apresentada ao curso de Letras, da


Universidade Federal do Maranhão, como requisito
parcial para obtenção do grau de licenciado em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Georgiana Márcia Oliveira


Santos

São Luís-MA
2020
Capa: Quilombolas Urbanas Ludovicenses, desenvolvida por
Karen Hany da Conceião
LARYSSA FRANCISCA MORAES PORTO

“ESSES PALAVRIADOS QUE A GENTE USA”: uma abordagem etnoterminológica e


identitária do léxico dos quilombos urbanos ludovicenses Liberdade e Fé em Deus

Monografia apresentada ao curso de Letras, da


Universidade Federal do Maranhão, como requisito
parcial para obtenção do grau de licenciado em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Georgiana Márcia Oliveira


Santos

BANCA EXAMINADORA

__________________________________
Profa. Dra. Georgiana Márcia Oliveira Santos- UFMA
Orientadora
__________________________________
Profa. Dra. Cidinalva Silva Câmara Neris- UFMA
1º Avaliadora
__________________________________
Prof. Dr. Luís Henrique Serra
2º Avaliador
__________________________________
Profa. Dra. Heloísa Reis Curvelo- UFMA
Suplente
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao menino Jesus, aos meus orixás- Iansã e Xangô- por serem luz na minha
vida e nunca me deixarem cair.
Aos invisíveis de luz e ao povo de rua, aqui, e para o resto dos meus dias, a minha
eterna gratidão.
A minha mãe Lucia Porto (palavras são poucas para demonstrar o tamanho do amor
que tenho por você), pelos conselhos, o amor infinito, às broncas e os mimos. Mãe, a mulher
que eu sou é fruto de um enorme trabalho (e que trabalho) seu.
Ao homem que me amou infinitamente, ensinou-me a andar de bicicleta e equilibrar-
me frente os desafios da vida, disse a mim que eu poderia ser o que quisesse e sonhava
comigo os mais loucos dos sonhos, ao meu pai, Braga Porto, por mostrar-me que mais forte
que os laços sanguíneos são os laços de amor.
À Claudionora, que tão nova, me deu a vida e a melhor família para a minha
formação.
Ao meu tio Edvaldo, por ser incentivador dos meus sonhos
Ao meu irmão Jorge pelo carinho.
Aos meus padrinhos, irmãos e amigos, Marcelo e Luciana, por nunca me deixarem
sozinha no meu caminhar.
À Darcy e Ayala por terem cuidado de mim.
Aos meus sobrinhos Luan, Cássio, Iggor, Iandara, Iara, Mariana e Jhaylla,
Ao Cláudio, por arrancar os meus melhores sorrisos.
Ao meu padrinho Luís e minha prima Cirana, por serem os meus confidentes e
amigos.
Ao Gabrielzão, por ensinar-me que a bondade não pode ser seletiva.
Aos meus companheiros de todas as horas Edson, Nádia e Thaiane- que me
conduziram, sobretudo, no início da minha jornada com a pesquisa.
A minha eterna amiga de infância Danny Dias.
Aos meus amigos Marcelo, João e Mateus, companheiros de luta no CMCB.
À eterna equipe Lucilene, Lígia e Pedro Rosa.
Ao meu amigo Bezerra, por ter me dado a chance de conhecê-lo, conversar e sorrir ao
teu lado.
À minha orientadora-amiga Georgiana Márcia, por me orientar nos trabalhos
científicos e nas minhas atitudes. Agradeço-lhe por ajudar a construir uma profissional e um
ser humano melhor.
À Heloisa, por ter sido mais que orientadora, uma amiga e exemplo de dedicação.
À professora Glória França, pelas orientações e por compartilhar grandes momentos
comigo.
Aos meus professores do curso, em especial, Edson, Viviane e Emilie por terem
contribuído para minha formação.
Ao projeto ALiMA, em especial, aos professores- Mendes, Conceição, Luís e Cibele.
A D. Wilma, que carinhosamente me abraçava todas as manhãs.
Alô, galera do GEPEDIS! Minha gratidão e amor ao meu quilombinho de afeto-
Karen, Júlia, Kristian, Lucas Pedro e Gabriel.
Ao GELMIC e a todos os auxiliares de pesquisa, principalmente, a Israel e
Wanderson.
Ao Whalisson Luís, por ter me acompanhado em muitas entrevistas, mesmo sem me
conhecer, mostrando-me a grandeza e a bondade do seu coração.
Aos meus colaboradores por terem disponibilizado seus tempos, histórias, dores e seus
saberes.
Aos diversos grupos de bumba-meu-boi da Liberdade e da Fé em Deus, em especial,
ao do Boi da Floresta, da Liberdade, de Basílio e da Fé em Deus.
Aos terreiros Ilê Ogun Ashe Sobó, de Iemanjá e de Sant’Ana.
Meu muito obrigada a todos e a todas que influenciaram de alguma forma a minha
formação profissional e pessoal.
Por fim, às mulheres negras e indígenas que resistiram contra qualquer forma de
opressão.
MULHER NEGRA

Da África fui arrancada


Escravizada, desumanizada
Violentada pelo senhor
Tiraram meu filho pr’eu amamentar
O filho do estuprador
Trabalhando na lavoura e na agricultura
Essa era a vida de negra, dura
Mas não me acomodei, resistir
Com meus irmãos de cor
Quilombo que construí
O que não tolero, não aceito
Alguém cheio de preconceito
Com tudo que tenho feito e vivido
Dizer que quilombola é lugar de preto fugido
Quilombo era espaço de resistência e luta
Construído com muita labuta
Onde negros, índios e brancos pobres
Viviam em comunhão
Sem exploradores, nem opressão
Dandara, Acotirene, Luisa Mahin
E outras negras do passado
Deixaram-nos um grande legado
A união e resistência do povo escravizado
Minha inteligência, chamam de intuição
Doméstica é o que me resta de profissão
Dondoca, sexo frágil não nos cabe não
Nesta sociedade monocultural
Minha luta pelo direito à igualdade social
Não apagou minha diferença étnico-racial
Sou muito mais que esta franzina aparência
Eu sou pura resistência
Minha arma é minha consciência.

(Nicinha Durans1, 2010)


1
Mulher, poetisa, militante, negra e moradora do Quilombo Urbano Liberdade, atua nas frentes de combate ao
racismo e melhorias para o bairro. A família Durans participou do processo migratório para a formação do bairro
da Liberdade.
RESUMO

A Comunidade Quilombo da Liberdade — formada pelos bairros Liberdade, Fé em Deus e


Camboa2, situados na capital São Luís — consiste na primeira área do estado do Maranhão
certificada pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo em território urbano, no
dia 13 de novembro de 2019. Contudo, antes mesmo da obtenção da certificação oficial de
quilombo urbano, já nos sentíamos instigados a investigar a visão de mundo particular,
refletida especialmente no léxico, dos potenciais quilombos urbanos Liberdade e Fé em Deus,
em função da importância política, histórica, social e cultural desses indiscutíveis redutos de
negros/as na capital maranhense e por ser a língua um irrefutável elemento formador de
processos identitários. Consequentemente, o objetivo geral desta pesquisa foi produzir um
glossário das especificidades denominativas e, sobretudo, das particularidades semântico-
conceptuais constitutivas do léxico desses dois quilombos urbanos ludovicenses com a
finalidade de compreendermos a singular visão de mundo semioticamente construída por
esses grupos em área metropolitana do estado. Para isso, foram realizadas pesquisas
bibliográficas no que tange à Etnolinguística (SAPIR, 1921; 1933), (SILVA, 2009); à
Etnoterminologia (BARBOSA, 1981; 2004; 2007); (SANTOS, 2013); Terminografia
(BEVILACQUA e FINATTO, 2006) (HENRIQUES, 2018). e sobre a formação identitária
(CASTELLS, 2000), (HALL, 2006). A coleta de dados foi realizada mediante a aplicação de
um questionário etnoterminológico, adaptado da pesquisa de Santos (2013), formado por 58
questões organizadas em nove campos semânticos, a saber: territorialidade; convívio e
comportamento social; música; dança; diversão, lazer e jogos; vestuário e acessório;
religião e crenças; comida e identidade-negritude. Destacamos que os/as seis colabores/as de
ambos os bairros foram pessoas com o seguinte perfil: autodeclarados/as negros/as,
nascidos/as ou moradores há mais de 10 anos nesses bairros e participantes de manifestações
culturais, sociais ou religiosas nesses espaços. Esta pesquisa é fruto de dois anos de
investigações realizadas no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Pesquisa – PIBIC/UFMA e apresenta como resultado 24 vocábulos-termos que revelam as
axiologias herdadas e produzidas pelos/as negros/as nos quilombos urbanos ludovicenses
investigados.

Palavras-chave: Quilombo urbano. Etnoterminologia. Liberdade. Fé em Deus.

2
Estudos na perspectiva etnoterminológicas foram desenvolvidos no bairro da Camboa pelo auxiliar de pesquisa
do GELMIC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Línguas, Memórias. Identidades e Culturas), Wanderson Morais,
por meio do PIBIC-Voluntário Cota 2019-2020.
RESUMEN

La Comunidad llamada “Quilombo da Liberdade” está compuesta por los barrios Liberdade,
Fé em Deus y Camboa, están ubicados en la capital São Luís. Esta, fue la primera área del
estado de Maranhão certificada por parte de la Fundación Palmares como quilombo restante
en contexto urbano, el 13 de noviembre de 2019. Sin embargo, mismo antes de obtener esta
certificación, esta realidad ya nos instigó a investigar la cosmovisión particular de los sujetos
quilombolas urbanos en los barrios Liberdade y Fé em Deus, reflejadas especialmente en el
léxico, debido a la importancia política, histórica, social y cultural de los baluartes
indiscutibles de estos negros en la capital de Maranhão y por ser la lengua, el elemento
irrefutable que forma los procesos de identidad. En consecuencia de esto, el objetivo general
de esta investigación fue elaborar un glosario de las especificidades denominacionales y de las
particularidades semántico-conceptuales que constituyen en léxico de estos dos quilombos
urbanos ludovicenses para comprender la cosmovisión única construida semióticamente por
estos grupos en el área metropolitana del estado. Para ello, se realizaron investigaciones
bibliográficas con respecto a la Etnolingüística (SAPIR, 1921; 1933), (SILVA, 2009);
Etnoterminología (BARBOSA, 1981; 2004; 2007) (SANTOS, 2013); Terminografia
(BEVILACQUA e FINATTO, 2006) (HENRIQUES, 2018) .y sobre la formción de la
identidad y sobre formación de identidad (CASTELLS, 2000), (HALL, 2006). La recogida de
datos fue realizada mediante la aplicación de un cuestionario etnerminológico, adaptado de la
investigación de Santos (2013), distribuido en 58 preguntas, organizadas en nueve campos
semánticos, a saber: territorialidad; convivencia y comportamiento social; música; danza;
diversión, ocio y juegos; ropa y accesorios; religión y creencias; comida e identidad-negrura.
Destacamos que los seis colaboradores de ambos barrios fueron personas con el siguiente
perfil: negros autodeclarados, nacidos o residentes en estos barrios por más de 10 años y que
deben participar en manifestaciones culturales, sociales o religiosas en estos espacios. Esta
investigación es el resultado de dos años de investigaciones realizadas en el ámbitodel
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/UFMA que resultó en 24
palabras-términos que revelan las axiologías heredadas y producidas por los negros en los
quilombos investigados.

Palabras clave: Quilombo urbano. Etnoterminología. Libertad. Fé em Deus.


QUADRO DE DADOS SOBRE OS/AS COLABORADORES/AS

INICIAIS DO/A DATA DE IDADE BAIRRO ATIVIDADE


COLABORADOR/A REALIZAÇÃO DA EXERCIDA NO
ENTREVISTA BAIRRO
A.F.G. 22/03/2019 46 anos Liberdade Líder religiosa
do tambor de
mina
A.T.A.M. 13/02/2018 21 anos Liberdade Participante do
tambor de
mina
B.C.D. 22/02/2019 69 anos Liberdade Integrante do
bumba-meu-
boi da
W.L.P.A 13/02/2019 31 anos Liberdade Integrante do
bumba-meu-
boi da Floresta
W.R.S.A. 02/05/2019 21 anos Liberdade Percursionista
do grupo Netos
de Nanã
N.O.C. 08/02/2019 54 anos Liberdade Integrante do
bumba-meu-
boi da Floresta
A.R. 30/10/2019 83 anos Fé em Integrante do
Deus bumba-meu-
boi e do
tambor de
crioula da Fé
em Deus e
participante do
Terreiro de
Iemanjá
B.A.R.M. 05/10/2019 56 anos Fé em Líder religiosa
Deus do tambor de
mina
C.D.R. 08/01/2020 41 anos Fé em Integrante do
Deus bumba-meu-
boi e do
tambor de
crioula da Fé
em Deus,
participante do
Terreiro de
Iemanjá,
presidente do
bloco da
Verdura
K.L.L.S. 24/01/2020 46 anos Fé em Integrante do
Deus bumba-meu-
boi da Fé em
Deus e
participante do
Terreiro de
Iemanjá
M.M.S.P. 12/11/2019 57 anos Fé em Militante do
Deus grupo de
mulheres
R.W.F. 04/01/2020 32 anos Fé em Representante
Deus do Conjunto
Habitacional
Jackson Lago
LISTA DE FICHAS

Ficha 1- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo BAIRRO QUILOMBOLA .............. 48


Ficha 2- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo BATER COCO ................................ 49
Ficha 3- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo BUCHEIRO ..................................... 50
Ficha 4- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo CAFÉ ............................................... 51
Ficha 5- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo COMUNIDADE .............................. 53
Ficha 6- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo EVENTO ......................................... 55
Ficha 7- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo FACA CEGA ................................... 57
Ficha 8- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo LB .................................................... 58
Ficha 9- Etnoterminológica do vocábulo-termo LICOTEIRO ................................................. 59
Ficha 10- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo MACUMBA .................................. 60
Ficha 11- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo MELQUE ....................................... 62
Ficha 12- Etnoterminológica do vocábulo-termo MEXER COM ESSAS COISAS ............... 63
Ficha 13- Etnoterminológica do vocábulo-termo MOLINHA ................................................. 64
Ficha 14-Etnoterminológica do vocábulo-termo MÚSICA NEGRA ...................................... 66
Ficha 15-Análise etnoterminológica do vocábulo-termo NEGRO .......................................... 68
Ficha 16- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo PEDREIRO .................................... 70
Ficha 17-Análise etnoterminológica sobre o vocábulo-termo PEGAR A BURRINHA .......... 71
Ficha 18- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo POC-POC/POC¹ ............................ 73
FICHA 19-Etnoterminológica do vocábulo-termo POC² ......................................................... 74
Ficha 20- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo PRETO/NEGRO FUGIDO ............ 75
Ficha 21-Etnoterminológica sobre o vocábulo-termo QUILOMBO ........................................ 77
Ficha 22-Análise etnoterminológica do vocábulo-termo QUILOMBO URBANO ................. 79
Ficha 23- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo QUILOMBOLA ............................ 81
Ficha 24-Análise etnoterminológica do vocábulo-termo URSO.............................................. 83
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 18
2 CONHECENDO A LIBERDADE E A FÉ EM DEUS ........................................ 20
2.1 “DEUS ME LIVRE, LIBERDADE?! MEU IRMÃO, TU NÃO CONHECE” ........ 20
2.2 "FÉ EM DEUS, COM MUITO PRAZER" ............................................................... 23
3 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................. 27
3.1 LEGADO NEGRO .................................................................................................... 27
3.1.1 Escravidão negra no Brasil ..................................................................................... 27
3.1.2 Quilombo: espaço de resistência contra a escravidão .......................................... 28
3.1.3 Regularização de terras quilombolas .................................................................... 29
3.1.4 Quilombo urbano .................................................................................................... 31
3.1.5 Identidade quilombola ............................................................................................ 33
3.2 APARATO LINGUÍSTICO ...................................................................................... 35
3.2.1 O léxico..... ................................................................................................................ 35
3.2.2 Etnolinguística ......................................................................................................... 36
3.2.3 Terminologia ............................................................................................................ 38
3.2.4 Etnoterminologia ..................................................................................................... 39
3.2.5 Terminografia .......................................................................................................... 41
4 METODOLOGIA ................................................................................................... 42
4.1 LOCI DA PESQUISA ............................................................................................... 42
4.2 PERFIL DOS COLABORADORES ........................................................................ 42
4.3 TERMO DE CONSENTIMENTO E FICHA DO COLABORADOR ..................... 42
4.4 COLETA, TRATAMENTO E ARMAZENAMENTO DOS DADOS..................... 43
4.5 LEXIQUE PRO ......................................................................................................... 44
4.5.1 Macroestrutura ........................................................................................................ 45
4.5.2 Microestrutura......................................................................................................... 45
5 ANÁLISE DOS DADOS ......................................................................................... 47
5.1 FICHAS ETNOTERMINOLÓGICAS...................................................................... 48
5.2 DISCUSSÃO DOS DADOS ..................................................................................... 85
5.2.1 Negro......................................................................................................................... 85
5.2.2 Quilombola ............................................................................................................... 87
5.2.3 LB.............................................................................................................................. 89
5.2.4 Quilombo .................................................................................................................. 90
5.2.5 Quilombo Urbano .................................................................................................... 91
5.2.6 Urso.................. ......................................................................................................... 92
5.2.7 Pedreiro.......... .......................................................................................................... 93
5.2.8 Macumba .................................................................................................................. 93
5.2.9 Música Negra ........................................................................................................... 94
5.2.10 POC/POC-POC e POC ........................................................................................... 95
5.2.11 Preto/Negro fugido .................................................................................................. 96
5.2.12 PEGA BURRINHA ................................................................................................. 96
5.2.13 Faca cega 97
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 105
REFERÊNCIAS. ................................................................................................................. 107
APÊNDICE .......................................................................................................................... 112
APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO ......................................................... 112
APÊNDICE B- FICHADO COLABORADOR ............................................................... 113
APÊNDICE C- QUETIONÁRIO ETNOTERMINOLÓGICO ...................................... 114
15

CARO/A LEITOR/A, INICIE A SUA LEITURA DESTE PONTO!


DOIS DEDINHOS DE PROSA...

Em letras garrafadas e em negrito, venho chamar a atenção do/a leitor/a que,


habitualmente, inicia a leitura de monografias, dissertações e teses pela introdução do
trabalho. Quase nunca paramos o nosso precioso tempo para ler a página mais importante que
finda (ou inicia) a vida de um/a pesquisador/a: os agradecimentos. Não, meu leitor/a, você não
é obrigado/a a lê-la. Mas, indico que comece a leitura deste trabalho a partir daqui. Esse é o
ponto inicial, antes da introdução.
Escrevi o meu texto para que alguém, além da banca, pudesse apreciar a leitura e a
discussão sobre identidade, linguagem, memórias presentes nos quilombos urbanos
ludovicenses Liberdade e Fé em Deus. Quebrando a tradição acadêmica, inicio esta escrita
pelo que denominei dois dedinhos de prosa. Antes de iniciar a leitura desta monografia (feita
por muitas mãos femininas), venho conversar um pouco sobre todo o percurso para alcançar
os resultados que findam um ciclo (e iniciam outro).
Em 2018, eu, aluna-filha-mineira-pesquisadora, tive o prazer de aceitar o desafio de
iniciar este trabalho através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Pesquisa –
PIBIC/FAPEMA. Ainda que o foco fosse lexical, era diferente de tudo aquilo que eu já havia
pesquisado. Apesar do susto inicial, comum em todo ciclo, eu estava super empolgada, eu iria
falar de algo que ajudaria as populações negras ludovicenses. Ao iniciar as leituras sobre
Linguística/Terminologia/Etnoterminologia, me perguntei: o que eu tô fazendo aqui?
Discutimos textos que me tiraram noites de sono e a paz de espírito. A minha orientadora
(eternamente) falou-me que tudo era novo, e o novo assusta. Cabia a mim não desistir. Após a
fundamentação teórica, eu fui ao bairro da Liberdade para iniciar o coração do trabalho: a
pesquisa de campo. Fizemos pré-testes com um possível questionário que, em seguida, foi
modificado. E que bom que eu não desisti.
Nas pesquisas de campo na Liberdade, pude deparar-me com grandes desafios. Dentre
eles, percebi o quão difícil é fazer trabalho científico em um país tão desigual, ainda mais para
mulheres, principalmente, no que tange à pesquisa de campo. Com uma mochila vermelha e,
às vezes, a pé, eu pegava o meu celular e fazia minhas tardes mais alegres. Sim, posso afirmar
que eu aprendi muito enquanto pessoa, profissional e mineira.
Os/as meus/minhas colaboradores/as não são objetos de pesquisa, mas sim, pessoas
negras que são autoras de suas próprias histórias e que quiseram/puderam compartilhá-las
16

comigo. Lembro-me de uma tarde, tipicamente quente, em que o homem entrevistado sentiu
uma enorme alegria ao me ver. Traz café, ela é como nós. Ao longo da nossa conversa, ele
me revelou que não sabia brincar, a vida, para ele, sempre foi de muito trabalho. Eu, que
sempre falo, não tive resposta, continuamos a entrevista com aquela fala que me tocou
profundamente.
Em outro momento, ao não conseguir realizar uma entrevista toda, por motivos
pessoais da colaboradora, vi um senhor que, sentadinho na porta de casa, me abriu um sorriso
enorme. Ele, sem camisa, se sentiu imensamente feliz ao me vez, como quem olha alguém
que nunca mais tinha visto, sabe? E me pediu para entrar. Ao pedir que assinasse o termo de
consentimento, ele falou: eu não sei ler. Aquelas palavras feriram o meu coração e, meus
olhos tão expressivos encheram-se de lágrimas ao ver o terror que foi a escravidão no país. Ao
iniciar a nossa conversa, ele me confidenciou histórias de quando era solteiro e da segregação
do seu lugar de origem. Lá no meu lugar... o quilombo rural era/é o seu lugar. Na memória,
aquele senhor carrega as lembranças de todos os momentos vividos. Foi através dessa fala que
eu entendi a importância do lugar para o sujeito quilombola.
As mulheres que foram entrevistadas contavam alegres o protagonismo das mulheres
do/no bairro. Além de manterem a casa, os filhos, irmãos e a família, ajudavam na
organização dos benefícios para os/as moradores/as da localidade - um quilombo nato. São
essas vaidosas mulheres que lutam em defesa dos seus semelhantes.
As pesquisas de campo são consideradas pelos/as pesquisadores/as como as mais
desafiadoras. Tudo acontece: você se atrasa, não encontra um/a colaborador/a “ideal”, falta
bateria... enfim, TUDO! No meio do caminho, eu encontrei um colaborador que me auxiliou a
encontrar outras pessoas disponíveis para conversarem comigo, além disso, muitas vezes, me
acompanhou nas entrevistas. Essa atitude me ensinou que existem pessoas em nossas vidas
que só aparecem para nos mostrar a prática do bem. Um dia, ele me disse: você é uma mulher
muito corajosa. Não havia refletido sobre essa coragem. Hoje, entendo que a fonte vem da
força das mulheres ancestrais negras e indígenas.
Enfim, finalizei as coletas dos dados e, concomitantemente, eu realizava as
transcrições e análises. Apresentei o relatório PIBIC-FAPEMA e, logo em seguida, comecei a
pesquisa no bairro da Fé em Deus.
17

No bairro Fé em Deus, conversando com os/as meus/minhas colaboradores/as, pude


observar toda a mobilização para não deixar as práticas ancestrais morrerem. As pessoas
lutam para dar continuidade aos tambores, às práticas religiosas e ao relacionamento social.
Um dia, antes de ir a mais uma entrevista, conversei com um colaborador e marcamos
o dia e local para a nossa conversa. A entrevista foi realizada com muito sucesso. Um outro
dia, junto com os meus irmãos, ao visitar um culto de Tambor de Mina, esse colaborador fala
quando ela me ligou, eu pensei que fosse um mulherão, é uma menina piquinininha. Todos
riram, inclusive eu.
Em uma reunião, uma mulher proferiu as seguintes palavras: qual a resposta que
vamos dar aos nossos ancestrais? Eu, bem piqinininha, me esforço, todos os dias, para tentar
responder a esse questionamento.
Na Fé em Deus, as mulheres lutam para manter os laços herdados dos quilombos
rurais, ou seja, a vivência em comunidade. As mulheres da Fé em Deus mobilizam-se para
desenvolver atividades no bairro e conduzir as gerações mais novas para continuarem as
mesmas práticas nesse espaço.
Ao perguntar para outro colaborador sobre o seu sonho pessoal, ele revelou que
gostaria de melhores condições de vida para a comunidade e pontuou tudo aquilo que
precisava para conseguir o bem-estar coletivo. Pensei: como um sonho pessoal pode ser tão
coletivo? Assim, entendi que a permanência de práticas em prol do bem comum é uma forma
de resistência para os quilombolas urbanos.
Na travessa Fé em Deus, na casa de Jorge Babalaô, foi que eu aprendi que viver em
comunidade é isso: é você doar o seu tempo para ajudar o outro.
As vivências, conversas, festas ressaltaram, para mim, a importância do lugar, das
vivências em comunidade e da valorização das práticas ancestrais como forma de resistência.
Neste percurso científico, nem tudo foi sorriso, nem tudo foi lágrima, mas tudo foi
aprendizado.
Nesse pequeno momento de conversa informal, meu leitor, tentei demonstrar o
caminho científico e pessoal para alcançar o produto final, ou seja, o trabalho de conclusão de
curso. Nas páginas seguintes, usarei a 1º pessoa do plural (para lembrar-lhe que a escrita foi
coletiva) e uma linguagem mais formal, como é exigida pela academia. Quero lembrar-lhe
que começar deste começo é ler a autora e conhecer mais intimamente a elaboração desta
pesquisa.
18

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa é fruto de dois anos de investigações desenvolvidas no âmbito do


Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Pesquisa – PIBIC/UFMA, com
financiamento da FAPEMA3, e teve como objetivo principal produzir um glossário das
especificidades denominativas e, sobretudo, das particularidades semântico-conceptuais
constitutivas do léxico dos quilombos urbanos ludovicenses Liberdade e Fé em Deus. Para
tanto, elencamos como objetivos específicos: (i) analisar, a partir do uso de fichas
etnoterminológicas, as relações léxico-semânticas e, especialmente, as relações semântico-
conceptuais estabelecidas nas unidades lexicais desses quilombos urbanos ludovicenses; (ii)
elaborar, mediante uso das fichas etnoterminológicas, definições para as unidades lexicais que
se configurassem como especificidades denominativas e/ou conceptuais do léxico desses
quilombos urbanos, a fim de que este trabalho constitua um documento
etnolinguístico/etnoterminológico desse grupo; (iii) apresentar uma panorâmica da visão de
mundo específica dos quilombolas urbanos ludovicenses refletida no léxico constitutivo dos
grupos investigados.
A importância deste trabalho pode ser evidenciada pela necessidade de investigação
lexical, sob uma perspectiva etnoterminológica, até onde os nossos estudos puderam alcançar,
ainda não explorada anteriormente nos trabalhos sobre o léxico de grupos negros ludovicenses
e, consequentemente, pela necessidade de, a partir de uma análise etnoterminológica,
apresentarmos dados que gerem uma panorâmica da visão de mundo específica dos
quilombolas urbanos ludovicenses, a qual revela as particulares raízes étnico-culturais,
históricas e organizacionais dos sistemas de significação desses grupos, atestando, por
conseguinte, que as especificidades denominativas e conceituais do léxico desses quilombos
urbanos se convertem em signos-símbolos de sua axiologia, de sua(s) identidade(s).
A pesquisa desenvolvida nos bairros da Liberdade e Fé em Deus justifica-se, também,
por esses bairros serem constitutivos do primeiro território quilombola urbano reconhecido
oficialmente pela Fundação Palmares no estado do Maranhão.
Metodologicamente, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre Etnoliguística,
Terminologia, Etnoterminologia, Terminografia e, a fim de melhor compreender o processo
identitário dos quilombolas urbanos, foram realizadas pesquisas para fundamentar questões

3
Fundo de Amparo de Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão.
19

relacionadas à identidade. Em seguida, foram feitas pesquisas de campo nos bairros da


Liberdade e Fé em Deus, orientadas por um questionário etnoterminológico. Após a coleta e
tratamento dos dados, os vocábulos-termos foram organizados em fichas etnoterminológicas
com base nas quais foi produzido o glossário etnoterminológico dos quilombos urbanos
ludovicenses Liberdade e Fé em Deus contendo 24 vocábulos-termos. Como resultados,
podemos pontuar que houve unidades denominativas e semântico-conceptuais representativas
dos quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em Deus, a exemplo de quilombola apresenta,
nos dicursos analisados, semas como resistência, ser negro consciente, entre outros.
Este trabalho está dividido em 8 partes. Na introdução, apresentamos os objetivos, a
justificativa da pesquisa, metodologia e resultados. No capítulo II, expusemos um histórico
sobre os quilombos urbanos investigados. No capítulo III, apresentamos a fundamentação
teórica que sustenta esta pesquisa. No capítulo IV, apontamos o percurso metodológico da
pesquisa, como os loci da pesquisa, perfil dos/as colaboradores/as, instrumentos utilizados
para a coleta, tratamento, armazenamento e organização dos dados, e a configuração da macro
e da microestrutura do glossário produzido. No capítulo V, apresentamos, respectivamente, e
as fichas etnoterminológicas dos 24 vocábulos-termos identificados e a análise dos dados. No
capítulo VI, expusemos o glossário etnoterminológico. No capítulo VIII, apresentamos uma
síntese conclusiva da pesquisa realizada.
20

2 CONHECENDO A LIBERDADE E A FÉ EM DEUS

2.1 “DEUS ME LIVRE, LIBERDADE?! MEU IRMÃO, TU NÃO CONHECE4”

Antes do processo habitacional, a área que hoje é demarcada como bairro da


Liberdade era uma grande extensão territorial conhecida como sítio Itamacaca ou Tamacaca
(MATOS, 2014). No século XX, para fomentar a indústria regional, foi criado no espaço do
sítio Itamacaca um matadouro público conhecido, na época, por Matadouro Modelo 5, que deu
origem ao antigo nome do bairro: Matadouro. Os bois levados para o abate, em alguns casos,
fugiam pelas ruas dos bairros, fato que ficou marcado na memória de alguns dos nossos
colaboradores: “do nada, tipo aqui, passa um boi correndo e aquela multidão atrás” (A.F.G.,
LB, 22/03/2019)6.
Conforme afirmado, o bairro se chamava Matadouro por conta do matadouro de bois,
contudo, devido às altas taxas de violência e morte, associou-se a matadouro de gente, como
fica claro na fala de B.C.D ( LB, 22/02/2019): “Era Matadouro, só que era matadouro de gado
e teve uns certos tempos que ficou sendo matadouro de gente.”. Após a retirada do matadouro
do bairro, o candidato a prefeito de São Luís, Cafeteira, prometeu que caso fosse eleito
mudaria o nome do bairro para Liberdade, o que de fato aconteceu, como explica B.C.D ( LB,
22/02/2019):

Cafeteira que foi prefeito, que foi deputado, foi senador. Ele era consertador de rua.
Aí, ele sempre tinha umas loucuras, ele muito engabiteiro com o pessoal, ele
prometeu que se ele se elegesse, ele mudava o nome da Liberdade, botava esse nome
aqui Liberdade, porque esse nome Matadouro era muito feio.

O processo de formação do referido bairro se deu através de ocupação espontânea,


conhecida como invasão. A área ao redor do matadouro era composta por palafitas, segundo
B.C.D (LB, 22/02/2019), “ali era tudo palafita, aqui onde nós estamos tudo era palafita”.
Conforme os estudos de Matos (2014, p. 141), “a urbanização da Liberdade começou a
partir de ocupações ilegais, nos terrenos que eram da Marinha, por pessoas que chegavam à
Capital dos mais diversos municípios do Estado, principalmente de Alcântara e Guimarães”.

4
Fala da colaboradora (A.F.G., LB, 22/03/2019)
5
O prédio físico do antigo matadouro, hoje, abriga a escola municipal Mário Andreazza, localizada na avenida
Mário Andreazza.
6
A etiqueta está organizada com as iniciais dos colaboradores, a sigla do bairro da Liberdade e a data de
realização da entrevista.
21

Segundo as narrativas dos nossos colaboradores mais idosos, a esperança de encontrar


melhores condições de vida e renda motivou a migração das populações rurais para a capital,
São Luís, como fica evidenciado na fala de B.C.D (LB, 22/02/2019).

Eu vim pra cá, primeiro, eu tinha quatorze anos, eu vim pra trabalhar e estudar e
atrás de um meio de vida, que eu achava que o meu meio de vida que eu queria não
era aquele, ficar só lá roça, no campo e quebrando coco, eu achei que não era isso
que eu queria, então, eu saí. Saí cedo, muito cedo de lá. Aí, eu vim pra cá, eu
cheguei aqui em sessenta e nove.

Os meios midiáticos, por muito tempo, enfatizaram os cenários de violência que


ocorriam no bairro, fato que impulsionou a criação do estereótipo de violência ou de lugar que
não é bom de viver. Alguns colaboradores, ao serem perguntados sobre a reação das pessoas
quando dizem que são moradores da Liberdade, revelaram: “tem muita gente que acha que
Liberdade é muito violento.” (E.B.D., LB, 02/2019). W.L.P.A. (LB, 13/02/2019) pontua que,
ao dizer que mora no bairro da Liberdade, em algumas situações ou lugares, passa por casos
de constrangimento. B.C.D (LB, 22/02/2019) afirma que “o pessoal, por exemplo, quando vão
fazer as inscrições do curso, ou alguma coisa, muitos nem diz que moram na Liberdade, dá
endereço diferente. Eles acham que a Liberdade é muito… muito marginalizado”.
Entretanto, grande parte dos moradores tem outras memórias sobre o bairro da
Liberdade7. A memória é constitutiva da cultura de qualquer grupo humano, assim, podemos
considerá-la como um patrimônio afetivo, linguístico, social. Muitas histórias se
construíram/constroem no bairro da Liberdade. Os moradores mais antigos, por exemplo,
contam sobre a história de Ana Jansen, que andava no bairro assustando as pessoas.

Ah, a carruagem de Ana Jansen. Na casa da minha vó, era uma casa muito antiga,
tinha aqueles corredorzinhos do lado, duas janelas assim e um corredor do lado. Tu
não entrava de frente, tu entrava do lado. Tinha um corredor, uma portinha assim, e
tinha duas janelona assim na sala. A gente tinha que dormir cedo, porque se ouvia
coisa na Tomé de Sousa. (A.F.G., LB, 22/03/2019)

Outra narrativa que constitui a história e a memória do bairro é a figura de Ana Preta
ou Ana Porco, mulher negra, feiticeira, que morava sozinha, apenas com a luz de uma
lamparina. Em algumas noites, essa mulher virava porco e se ouvia o barulho típico do

7
Como o bairro possui uma grande extensão territorial, está dividido, informalmente, por áreas: Conjunto
Promorar, Alto do Bode, Japão, Brasília, Portelinha, Vila Césamo, Floresta.
22

animal. A casa em que Ana Preta/Porco morava caiu e por um tempo não conseguiram
construir nada no terreno como afirma A.F.G. (LB, 22/03/2019)

Porco. Era dona Ana Preta. Era uma curandeira antiga, era uma negona, ela andava
com muita dificuldade. Era aquela feiticeirona, ela morava sozinha, só com uma
lamparina, era... Aí, todo mundo diz que ela virava porco. A casa dela, quando ela
morreu, caiu e ninguém nunca fez nada, pra quem desce pra rua do poço. (A.F.G.,
LB, 22/03/2019)

Pela proximidade com o rio Bacanga, muitos animais marítimos eram encontrados
próximo ao matadouro. Os responsáveis pela organização do matadouro despejavam os restos
dos bois abatidos no rio, tal fato atraía animais de grande porte, inclusive, peixes. Segundo
B.C.D (LB, 22/02/2019), “lá onde fica aquele.... o Viva, ali era um lago, um tanque muito
fundo que tinha tubarão e tudo”. Algumas pessoas que se arriscavam a nadar no rio Anil,
misteriosamente, sumiam. Ao longo do tempo provocou-se o falatório de que as pessoas eram
engolidas pelo peixe mero, espécie de peixe em extinção que pode chegar até três metros. Na
realização da limpeza e aterramento da área para a expansão habitacional, os maquinários, ao
dragarem a terra, encontraram vários meros, como lembra A.F.G. (LB, 22/03/2019):

Eu vi, quando começaram a dragar aí, cada mero, do tamanho dessa casa, parecia
uma baleia. Eu já vi vários meros, eu já vi vários peixes grandes que pegavam aqui.
A draga, quando puxava, ele ficava preso, muitos, morriam, né, aí, era aquela
sensação, era um monte de gente pra cima, pra olhar o mero.

A construção do conjunto Promorar- localizado na avenida Mário Andreazza- também


marcou a história do bairro. A Associação dos Moradores dos Palafitados, junto com os
moradores, conseguiu construir um complexo habitacional que beneficiou os moradores da
área, um total de cento noventa e cinco famílias, como explica B.C.D. (LB, 22/02/2019):

E por incrível que pareça eram cento e noventa e cinco casas, nunca ninguém pagou
um centavo nessas casas, os que receberam. Eu fiz uma aposta com o Ministro
Mário Andreazza, nós fomos em Brasília [...] e na reunião que tivemos com o
Ministro, ele disse: ah, vocês vão receber uma casa pronta, não vão pagar nada. Não
vão pagar nem aquela coisa que o Minha Casa, Minha Vida tão pagando, aquele
valor, aquele valorzinho.

Assim, o bairro da Liberdade foi se constituindo como um espaço de moradia,


histórias e identidades, é nesse espaço que se construiu/constrói memórias dos que o habitam.
Indiscutivelmente, a Liberdade é um dos bairros com maior número de negros na cidade de
23

São Luís. Esse espaço é, portanto, repleto de manifestações artísticas, culturais, religiosas e
místicas do povo negro. Nessa localidade, há, por exemplo, vários grupos de Tambor de
Crioula – dança entoada por três tambores e dançada em roda por mulheres vestidas com saias
longas e rodadas, em homenagem a São Benedito; grupos de bumba-meu-boi, como o do Boi
de Seu Leonardo (Boi da Liberdade), Boi de Basílio e o Boi de Seu Apolônio (Boi da
Floresta); bloco tradicionais: Os Reis da Liberdade; Bloco Afro Abieye Maylo e Netos de
Nanã; e diversos grupos de cacuriá, a exemplo do Assa Cana, além de possuir diversas casas
de celebração de religião de matriz africana. O colaborador W.L.P.A. (LB, 13/02/2019) afirma
que o bairro é muito festivo e que “além de todo final de semana ter uma folia diferente, eu
nem digo folia, por causa que eu não... Eu prefiro bumba boi do que ir pra uma festa assim,
entende?! Porque eu gosto, aqui tem de tudo”.

2.2 "FÉ EM DEUS, COM MUITO PRAZER8"

O bairro Fé em Deus fica localizado à margem do Rio Anil e é vizinho dos bairros
Liberdade e Monte Castelo. O colaborador C.D.R. (FD, 08/01/2020)9 lembra que antes do
nome atual, o bairro Fé em Deus era conhecido como Areal:

O que eu já ouvi falar é que aqui era um areal, quer dizer que vem dessa maré aí,
aqui tudo era maré, então, era um areal e aí o pessoal foram habitando. Inclusive,
aqui, no começo, essa rua aqui era só ponte, o povo foi entulhando, entulhando, e foi
criando o bairro da Fé em Deus. Mas o Bairro Fé em Deus ele tem origem cultural,
porque Fé em Deus, quando fala em Fé em Deus, aí neguinho já remete logo ao boi
da Fé em Deus ou Terreiro de Jorge Babalaô, aí deu origem a toda essa diversidade
cultural e de comunidade. INQ10. – Antes de ser Fé em Deus, tinha outro nome, ou
sempre foi Fé em Deus? COL. – Areal.

Outro colaborador (A. R., FD, 30/10/2019) reforça que esse bairro não possuía
condições infraestruturais adequadas para moradia, o que pode justificar a motivação
toponímica do nome inicial, Areal.

Nessa rua, quando eu cheguei aqui, era só terra, não tinha pinche, não tinha nada.
Aqui, também, nunca era pinchado, tinha as casas, né, mas era só terra, não tinha
queixa, não tinha nada. Hoje, é tudo quexado até pra... Tem aqui onde eu moro, tem

8
Fala da colaboradora M.M.S.P. (FD, 12/11/2019).
9
A etiqueta está organizada com as iniciais dos/as colaboradores/as, a sigla do bairro da Fé em Deus e a data de
realização da entrevista.
10
Em alguns casos, para melhor compreensão do leitor, optamos em expor a fala do inquiridor (INQ.) e do
colaborador (COL.).
24

a sede, travessa Fé em Deus, rua Joaquim Serra, tem travessa dos Prados, tem a São
Gabriel, desceu, tem a estrada de ferro, que hoje é pinchado. Nada era pinchado,
tudo era terra.

Ao lembrar de como era a área antes do asfalto, o colaborador revela que o espaço e a
memória reproduzem imagens (HALBWACHS, 1990). O lugar ocupado recebe marcas do
grupo e vice-versa. Cada estrutura do espaço apresenta um sentido único para quem o habita,
como fica claro na fala da colaboradora M.M.S.P. (FD, 12/11/2019)

Aqui, onde tá funcionando o CIT, foi a primeira igreja Nossa Senhora da Conceição.
Eu me lembro que meu pai dizia que ele carregou muito tijolo e muita pedra, porque
essa igreja foi uma construção coletiva dos moradores da região, que aqui era uma
quinta, aqui, chamavam de quinta, né. Então, foi uma junção dos moradores, papai
falava com orgulho que ele construiu essa igreja.

O bairro Fé em Deus era uma área de manguezal e cheia de palafitas, sem acesso a
saneamento básico, água tratada e outros bens de serviço. Silva (2016, p. 105-106) postula
que sempre houve a luta para garantir os direitos básicos nesse espaço:

O território é reconhecido por forte tradição de luta, sendo um exemplo o referido


Movimento em Defesa dos Favelados e Palafitados que marcou presença nos anos
1980. Posteriormente, também um movimento de moradores do bairro Fé em Deus
solicitou intervenção do poder público para erradicar cerca de 350 palafitas,
construir novas moradias e urbanizar a área. Vale lembrar que lideranças
comunitárias desse bairro haviam conseguido.

A colaboradora M.M.S.P. (FD, 12/11/2019) enfatiza que a luta por melhores


condições de moradia sempre movimentou o bairro. As palafitas foram retiradas aos poucos e
houve o aterramento da maré para que os moradores da Fé em Deus pudessem ter novas
moradias e urbanização.

E aí nós fomos crescendo nessa realidade, vendo muita transformação na


comunidade, porque na época que nós chegamos a nossa rua que era a rua Rachid de
Habdala como ela é conhecida ela... era palafita. Então a... a... a luta da comunidade
era que nós saíssemos dessas palafitas, né?! E foi aterrando, aterrando. Muita...
muita luta acabou virando uma rua mesmo, né. Saiu as palafitas e virou uma rua
normal, comum. (M.M.S.P., FD, 12/11/2019).

Após dez anos de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento - Rio Anil


(PAC-Rio Anil) ser executado, os moradores dos bairros da Alemanha, Camboa, Liberdade e
Fé em Deus tiveram alguns benefícios estruturais como apartamentos, CRAS e avenida
25

(FONSECA, 2018). Esses benefícios trazidos pelo PAC, como é defendido por Fonseca
(2018), foi uma conquista dos agentes sociais contra as palafitas. O investimento em
infraestrutura gerou melhores condições de moradia para centenas de famílias de baixa renda.

O PAC RIO ANIL promoveu, bem como em todo o território nacional,


investimentos para infraestrutura social e urbana, que constituiu em dar melhores
condições de vida para a população de baixa renda, onde proporcionou, apesar das
críticas, habitações para uma grande maioria da população que morava na margem
esquerda do Rio Anil na cidade de São Luís. O programa fez a relocação das
famílias para prédios residenciais com estrutura urbanizada e infraestruturas básicas,
como: rede de esgoto, poços artesianos e energia elétrica. (FONSECA, 2018, p. 33).

Dentre essas melhorias de condições de vida, a construção do conjunto habitacional


Jackson Lago proporcionou a alguns moradores da Fé em Deus, área de lazer e esporte,
acesso à água e à energia elétrica. Porém, colocar essas pessoas em apartamentos infringiu as
formas de vivência em comunidade própria de quilombolas urbanos, entre elas, as moradias
dispostas horizontalmente.
Assim, os negros e negras do bairro Fé em Deus resistem ao distanciamento imposto
pela moradia vertical, os apartamentos, que são consideradas moradias privadas em que, em
muitos casos, os vizinhos nem se conhecem. Como recurso para manter as relações sociais, os
moradores do conjunto de apartamentos da Fé em Deus reúnem-se ao fim da tarde/começo da
noite para conversar, brincar, “sentar na porta”. Temos, assim, a criação do que podemos
chamar de quilombos verticais.
Outros avanços foram a criação do Centro de Iniciação ao Trabalho (CIT), espaço
reservado para a ministração de cursos profissionalizantes, e a isenção de taxas de luz e água
para consumidor de baixa renda.
O bairro Fé em Deus possui diversidades culturais como o Baile de Caixa, o Bumba-
meu-boi e Tambor de Crioula da Fé em Deus, Cacuriá da Fé em Deus - grupos típicos do São
João. A principal atração no carnaval é a banda da Verdura. Além disso, há festas religiosas
organizadas pelos próprios moradores da comunidade, dentre elas destacamos os festejos de
São Luís Rei de França e Iemanjá, os quais são realizados pelo terreiro de Iemanjá (Jorge
Babalaô); o de Nossa Senhora Aparecida, organizado pela comunidade católica; o de Nossa
Senhora Sant’Ana e o de Santa Luzia, por outras casas de culto de tambor de mina.. No dia
das mães, Dona Doraci, com o apoio de outras mulheres do bairro, na rua Boa Esperança, faz
a seresta das mães.
26

A partir das narrativas orais, encontramos no bairro Fé em Deus diversas histórias


sobre aparições, visagens e assombrações que são contadas pelos mais velhos que vivem no
bairro. Dentre as tantas histórias, há relatos sobre algumas pessoas do bairro que, ao nadar ou
pescar no rio Anil, sumiam ou apareciam no outro lado do rio, no bairro do Vinhais Velho.
Quando voltavam, não lembravam de nada do que havia passado no tempo em que estavam
desaparecidos. Outra narrativa é a de uma mulher conhecida como Uruguaiana que, em
determinadas noites, saia pelas ruas apenas com o corpo e no lugar da cabeça existia um fogo.
Também há um conto oral de um homem que virava porco em noites de lua cheia. Essas
narrativas foram passadas através da oralidade, tal fato influenciou a permanência dessas
histórias na memória dos mais velhos do bairro.
27

3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 LEGADO NEGRO

Para a elaboração desta pesquisa, foi imprescindível fazermos um breve percurso


sobre o legado negro no Brasil, desde a travessia forçada do oceano Atlântico até a antiga
colônia de Portugal; as formas de resistência à escravidão; regularização das terras
quilombolas; quilombo urbano e identidade quilombola.

3.1.1 Escravidão negra no Brasil

Antes de chegarem em terras americanas e serem submetidos ao trabalho forçado, as


pessoas escravizadas faziam a travessia do Atlântico em péssimas condições. Visando apenas
rentabilidade, para trazer mais pessoas em menos espaços, os traficantes sequestravam,
também, crianças negras de 7, 8, 10 anos (CHIEVANATO, 2012). Ao atracarem, não as
vendiam de imediato, esperavam que tanto as crianças quanto os com idades mais avançadas
recuperassem primeiro suas forças e saúde para, em seguida, vendê-los no mercado.
O processo escravocrata nas Américas atingiu, de acordo com Reis e Gomes (1996, p.
9) “cerca de 15 mil ou mais homens e mulheres arrancados de suas terras”. O tráfico de
corpos negros para as diversas partes do novo continente, na época, foi uma prática
legitimada, que rendeu grandes empreendimentos comerciais, o que resultou em uma grande
rentabilidade econômica mundial. No Brasil, como é sabido, não foi diferente.
O sequestro de pessoas negras dos mais variados pontos do continente africano para o
Brasil resultou em, aproximadamente, 400 anos de escravidão. Consequentemente, homens e
mulheres foram submetidos a condições subumanas, arrancados de seus espaços, separados de
seus povos e tiveram seus costumes desrespeitados, ainda assim, muitos se mantiveram fiéis
às suas crenças e modos de vida quando da travessia para o continente americano.
Jogados à própria sorte, os negros africanos recém-chegados, depois de apalpados e
examinados os dentes e a virilidade, eram comprados para o trabalho serviu. Sem direito à
liberdade, ao culto religioso, à família; havia para eles os açoites, as correntes, castigos
físicos, cargas excessivas de trabalho e grilhões.
28

O processo de mão-de-obra, em todos os seguimentos econômicos ou domésticos, era


escrava e de cor negra, em sua grande maioria. “Estima-se que vieram perto de 40% dos
escravos africanos” para o país (REIS e GOMES, 1996, p. 9). Os/as negros/as escravizados/as
no Brasil estavam nas lavouras, construções civis, no comércio, nas fazendas, nas cozinhas,
nos prostíbulos, na “caça11” de outros negros. Todavia, para toda forma de dominação,
parafraseando Pêcheux (1978), existe uma (ou mais) forma(s) de resistência(s).
3.1.2 Quilombo: espaço de resistência contra a escravidão
Nas discussões realizadas nos livros didáticos de história sobre o processo
escravocrata no Brasil, observamos poucas citações sobre as diversas formas de resistência
negra à ideologia dominante. Quando muito, comenta-se sobre os quilombos históricos, sendo
o Quilombo dos Palmares o mais citado. Após desenvolver um breve percurso histórico sobre
a escravidão no Brasil, pensamos que é necessário ressaltarmos algumas formas de
resistências negra, indo em oposição à história que, em muitos casos, só conta a versão do
colonizador.
Como formas de resistência negra diante do cenário escravagista, revoltas coletivas e
individuais, fugas, queimadas, abortos, assassinatos de feitores e senhores, todos esses
esforços foram feitos para a saída do lugar de opressão, como explica Reis e Gomes (1996, p.
9):

Onde houve escravidão houve resistência. E de vários tipos, mesmo sob a ameaça do
chicote, o escravo negociava espaços de autonomia com os senhores ou fazia corpo
mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantação, agredia senhores e
feitores, rebelava-se individual ou coletivamente. Houve, no entanto, um tipo de
resistência que poderíamos caracterizar como a mais típica da escravidão - e de
outras formas de trabalho forçado. Trata-se da fuga e formação de grupos de
escravos fugidos.

No Brasil, os espaços que foram organizados como centro de resistência à escravidão


eram chamados de quilombos ou mocambos. Braga e Ferreira (2010) reforçam que após os
africanos terem sido sequestrados dos seus lugares de origem- na África- formaram, já no
Brasil, quilombos, sobretudo, nos lugares mais afastados e de difícil acesso, como nas zonas
rurais onde se mantiveram, antes e após a suposta abolição, à base da produção da agricultura
familiar.

11
Utilizamos o termo caça para lembrar ao leitor o processo de animalização de corpos negros.
29

Como outra forma de resistência, próxima aos centros urbanos das grandes cidades, os
negros utilizavam-se de discursos decorados e boas roupas para escapar da escravidão e andar
como alforriados para enganar os oficiais da época, como cita Castro (Portal Geledes,
25/10/2009):

Os oficiais querem saber a quem o homem pertence e o que faz por ali. Com duas ou
três respostas muito bem decoradas, o escravo disfarçado se livra da patrulha e segue
seu caminho. Deixa a mercadoria no Largo do Rosário com uma quituteira, também
negra, e rapidamente desaparece no meio da multidão que transita por ali,
encaminhando-se para as bandas do riacho Saracura.

Os quilombos, tanto os localizados em lugares de difícil acesso em áreas rurais quanto


os situados nas periferias das cidades, deram uma nova esperança às pessoas escravizadas, foi
um projeto restaurador da vivência em comunidade, combinando vários dos aspectos
anteriores à escravização e com a cooperação de todos os integrantes. Ao formarem
comunidades segundo o modo próprio de vida, organização política e social daqueles que
foram escravizados, os negros demonstram uma resistência ao sistema dominante. Por um
viés cultural e social, os negros quilombolas construíram pequenas comunidades africanas no
Brasil, como explica Reis e Gomes (1996), caracterizando o quilombo como um projeto
restauracionista, assim, os “fugitivos” buscaram construir uma África no lado oposto do
Atlântico.

3.1.3 Regularização de terras quilombolas

Inicialmente, no Brasil Império, logo após a independência, em 1822, houve a


necessidade de sistematizar as questões fundiárias da ex-colônia de Portugal. Para tanto, foi
criada a lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, conhecida como a Lei de Terras, que
determinava a compra e a venda da terra como a única forma de adquiri-la, dando finalidade,
assim, ao sistema de sesmarias. A especificação da compra, como única forma de aquisição
fundiária, e a falta de acesso à leitura dificultaram, ainda mais, a garantia de documentos para
a permanência dos descendentes de escravizados, especialmente, nos quilombos criados. A
Lei de Terras é a manifestação do capitalismo no campo, em que a terra passa a ser vista
como monopólio, concentração de poder e exploração.
30

A falta de uma política fundiária levou ao desaparecimento ou remanejamento de


muitas comunidades quilombolas no Brasil. Algo que incentivou a desapropriação de terra
dos povos quilombolas foi exatamente a falta de leis que garantissem o acesso à terra.
Por falta de leis que lhes assegurassem o direito de viver nas terras que ocuparam ou
vitimadas tanto pelo avanço do progresso de estradas e linhas ferroviárias quanto pelo sistema
de grilagem, muitas comunidades quilombolas foram desabrigadas dos seus lugares de origem
ou deixaram de existir.
Com o tempo, alguns descendentes de quilombolas foram forçados a saírem dos
espaços rurais por diversos motivos ― imposição do progresso, medidas autoritárias de
latifundiários, busca por melhor condição de vida ― e se viram obrigados a partir desses
lugares já dotados de organização e formas de subsistência para ocuparem lugares em
condições subumanas nas grandes cidades.
Silva (2010) afirma que sem uma titulação de áreas quilombolas reconhecidas pelo
estado, houve a invisibilidade social dessas áreas até às três primeiras décadas do século XX e
ainda sugere que

O princípio estratégico da Marcha para Oeste, adotado pelo governo Vargas,


determinou a valorização da propriedade fundiária e o avanço da fronteira agrícola
nos moldes capitalista e perturbou a aparente paz vivida pelas comunidades
tradicionais que passaram a se deparar com sérios problemas oriundos das novas
orientações sobre a política de terra. (SILVA, 2010, p. 206).

O reconhecimento jurídico do direito à terra aos povos quilombolas no país é recente.


Diante de muitas lutas dos movimentos negros brasileiros, somente em 1988, após anos de
ditadura militar, houve a elaboração de direitos aos negros quilombolas. Antes da constituinte
de 88, nada se tinha sobre a manutenção das terras herdadas dos antepassados de
escravizados.
Apesar dos avanços constitucionais para a garantia de autorreconhecimento de terras e
povos quilombolas, Filho e Andrade (2013, p. 18) postulam que

a regularização fundiária e a emissão de títulos definitivos de propriedade às


diferentes comunidades remanescentes de quilombo espalhados pelo país, desde a
promulgação da Constituição de 1988, representam um desafio aos diferentes
governos que se sucedem desde então e um grande problema a milhares de famílias
que detêm direitos sobre esses territórios (FILHO; ANDRADE, p. 18).
31

Para certificar um grupo como remanescente de quilombolas, após a comunidade se


autodeclarar como quilombola, uma equipe de técnicos composta por antropólogos e
historiadores estudam a comunidade e emitem um parecer favorável ou não para o
reconhecimento de área remanescente de quilombo.
Importa-nos enfatizar, ainda, que a exploração no campo brasileiro, especificamente
em áreas quilombolas, por grandes empresas ou latifundiários, teve uma diminuição com o
processo de titulação realizado pela Fundação Palmares, órgão federal ligado ao INCRA, o
qual assegura a essas áreas o direito e o acesso aos serviços públicos.
No processo de garantia dos direitos historicamente conquistados, os quilombolas
lutam contra os inúmeros casos de violência social que os afligem. Uma forma de resistência
contra os conflitos e ameaças é “o acionamento da identidade remanescente de quilombo”
(FILHO; ANDRADE, 2013, p. 29). As identidades coletivas são trabalhadas, principalmente,
pelos atores sociais que firmam uma identidade de projeto12 a partir da cultura da própria
comunidade.

3.1.4 Quilombo urbano

Algumas pessoas ainda pensam os quilombos como algo do passado, situados somente
em áreas afastadas, longe dos grandes centros urbanos e com características estritamente
rurais. Apesar desse estereótipo, no Brasil, existem atualmente diversos quilombos
certificados pela Fundação Palmares em área tanto rural quanto urbana, estes denominados
quilombos urbanos.
Os quilombos urbanos resistem às opressões vividas, pois, socialmente, estão à
margem de diversos bens de serviços, como postulam Oliveira e D’Abadia (2015):

as comunidades quilombolas urbanas se veem inseridas em meio aos problemas


próprios de espaços urbanos carregados da complexidade e da heterogeneidade que
permeiam a vida citadina. A apropriação de seus territórios se vincula, geralmente, à
realidade da periferia e/ou de espaços marginalizados e/ou segregados. São espaços
etnicamente diferenciados por serem constituídos por grupos identitários que
buscam o reconhecimento de sua identidade e a segurança jurídica de seu direito à
propriedade para romper o ciclo da segregação espacial (OLIVEIRA; D’ABADIA
(2015, p. 259):

12
Segundo Castells (2000), identidade de projeto são atores sociais que utilizam algum tipo de material cultural
para construir uma nova identidade que possibilite redefinir a posição na sociedade.
32

Ao buscarem o reconhecimento jurídico através da autoatribuição como área


remanecente de quilombo em contexto urbano, os sujeitos desses espaços buscam direitos
sociais, regularização das suas moradias e permanência nos espaços de seus ancestrais. Para
os quilombolas, por exemplo, do quilombo urbano da Família Silva, em Porto Alegre,
primeiro quilombo urbano brasileiro reconhecido pela Fundação Palmares, em 2009, “assumir
a identidade de remanescente de quilombo passou a representar a batalha que a Comunidade
Família Silva trava, e que seus antepassados travaram, para estabelecer o seu território e nele
alcançar as condições mínimas de sobrevivência” (CORRÊA, 2010, p. 20).
Assim como o quilombo da Família Silva, os bairros Fé em Deus e Liberdade lutaram
pelo reconhecimento oficial de suas terras como quilombolas. Além de estarem à margem do
Rio Anil esses espaços, por muito tempo, estiveram à margem social, pois ficaram sem bens
de serviço essenciais como água, acesso a saneamento e saúde.
Para garantir direitos sociais, identitários e a manutenção/valorização dos costumes
herdados por seus ancestrais negros, os agentes sociais desses bairros buscaram formas de
valorização da cultura negra.
No dia 23 de novembro de 2018, de acordo com o jornal O imparcial (2018), foi
realizado no plenário da Câmara dos Vereadores de São Luís, o reconhecimento do Território
Liberdade Quilombola. O ato de reconhecimento foi encabeçado pelo Centro de Interação
Sócio-Cultural Aprendiz do Futuro – CISAF, os grupos culturais e religiosos dos bairros, e
levado para a Câmara de Vereadores de São Luís pelo, então, vereador Cézar Bombeiro.
O processo de regularização da área como remanescente de quilombo é burocrático e
demorado. Segundo o Diário da União (seção 1, p. 6), somente no dia 13 de novembro de
2019, a Fundação Palmares certificou, através da Portaria nº 192, a Comunidade Quilombo da
Liberdade como remanescente de quilombola em área urbana do estado do Maranhão, sendo
essa composta pelos bairros Fé em Deus, Liberdade e Camboa, todos situados na capital São
Luís.
Ressaltamos que, para a obtenção dessa certificação, foram de grande relevância os
trabalhos realizados pelo CISAF. Esse Centro não tem fins lucrativos e luta pela formação de
uma identidade coletiva a fim de quebrar os preconceitos e estigmas sociais, para tanto, busca
defender os direitos de crianças e adolescentes dos bairros, levar conhecimento para a
autoafirmação da negritude por meio de rodas de conversas, palestras dentro e fora das
33

escolas da localidade, cinema na praça e, no mês de novembro, realiza desfile de meninas e


meninos do bairro.
3.1.5 Identidade quilombola
Como já dito, os quilombos são formas de agrupamento em busca da valorização das
origens negras, dos costumes, crenças, valores, sendo uma organização social que se
diferencia da opressora ao alimentar uma relação assistencial. Remontando aos primeiros
quilombos formados, Carneiro (1988) explica:

O quilombo, por sua vez, era uma reafirmação da cultura e do estilo de vida dos
africanos. Os quilombos, deste modo, foram – para usar a expressão agora corrente
em etnologia –fenômeno contra-aculturativo, de rebeldia contra os padrões de vida
impostos pela sociedade oficial e de restauração dos valores antigos (CARNEIRO,
1988, p. 13-14).

Ao restaurarem esses valores antigos, os quilombolas urbanos/rurais desenvolveram


como estratégia a autoafirmação da sua identidade quilombola no combate ao racismo. Nesse
sentido, Hall (2006) salienta que

Algumas vezes isso encontra uma correspondência num recuo entre as próprias
comunidades comunitárias, as identidades mais defensivas, em respostas à
experiência do racismo cultural e de exclusão. Tais estratégias incluem a re-
identificação com as culturas de origem (HALL, 2006, p.85).

Como forma de (re)identificação, os quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em


Deus provam as suas resistências às formas de opressão através de sua convivência em
comunidade. Em meio a um sistema que individualiza as pessoas e suas formas de vivência
em sociedade, esses grupos continuam a manter relações sociais de ajuda mútua por meio de
ações sociais organizadas pelos grupos sociais, religiosos ou de forma individual como é
destacado na fala de W.L.P.A. (LB, 08/02/2019).

Por incrível que pareça, continua sim. Pelo menos, eu tenho uns amigos, eh… outro
dia mesmo a gente tava… a gente jogou uma bola, a gente joga muito apostado, esse
dia a gente… todo mundo levou um alimento e a gente levou pra uma família, foi
natal, doamos pra uma família que tava passando necessidade, aqui atrás, no Posto
de Roma13.

13
Rua, popularmente, denominada como Posto de Roma, que fica localizada no bairro da Fé em Deus.
34

As relações sociais e comportamentais dessas comunidades em questão reafirmam a


sua força, reconhecendo-se como territórios que assumem uma postura diferente de outras
áreas da cidade, mesmo em um período de pós-modernidade, como postula a colaboradora
K.L.L.S. (FD, 24/01/2020)

As pessoas ainda conseguem sentar na porta. As pessoas ainda conseguem se


dialogar, se preocupar um com o outro quando acontece um acidente, alguma coisa
com alguém. As pessoas ainda conseguem eh... Ah, fulano tá passando por uma
necessidade, ainda consegue juntar, fazer, ah, uma cesta básica, uma pessoa
passando mal no hospital, ou chegou do hospital, tá sem condição, tá precisando de
frauda, isso, aquilo outro. Ainda no bairro, a gente ainda consegue fazer isso. Esse
espírito de solidariedade, de um ajudar o outro (grifos nossos).

Ao evidenciar em sua fala que os moradores do bairro da Fé em Deus ainda


conseguem sentar-se à porta, verificamos que para a colaboradora da nossa pesquisa esse
costume de sentar-se à porta, de ter um convívio afetivo com os vizinhos, não é mais comum
em outros lugares. Ao ainda conseguirem manter as relações de solidariedade assumem a luta
para continuarem juntos. Segundo Castells (2000, p. 24), essa forma de vivência é criada
como enfrentamento às ideias de dominação pela

Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições ou


condições desvalorizadas e ou estigmatizadas pela lógica da dominação,
construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípio
diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostas a estes
últimos.

Essas relações sociais são mantidas com muita luta entre os moradores dos bairros
Liberdade e Fé em Deus para que as novas gerações sustentem os hábitos dos seus ancestrais.
Diversas pessoas, que assumem lideranças sociais e/ou religiosas, para nutrir as culturas
materiais e imateriais presentes nesses quilombos urbanos perpetuam os ensinamentos aos
mais novos. Tais lideranças assumem uma identidade denominada por Castells (2000, p. 24)
como identidade de projeto que ocorre “quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer
tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir
sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social”.
Observamos que os bairros pesquisados mantem um hibridismo cultural e religioso
com o sagrado católico e com o sagrado das religiões de matrizes africanas. Hall (2006)
sugere que o hibridismo cultural e o sincretismo são fontes de criatividade que produzem
novos modelos de cultura. Esses novos modelos foram observados quando alguns
35

colaboradores falaram sobre a religião a qual pertencem. Alguns disseram que eram católicos-
mineiros, ocasião em que constatamos uma mistura entre as religiões católica e as trazidas
pelos africanos.
Evidenciamos que esse hibridismo cultural é notório nas festas religiosas, em que são
cultuados os santos católicos e, também, os Voduns, Caboclos, Orixás do Tambor de Mina14.
Assim, por exemplo, tendo em vista que a igreja católica atribuiu o dia 8 de dezembro para a
comemoração de Nossa Senhora da Conceição, nessa mesma data, no Terreiro de Iemanjá, na
Fé em Deus, é celebrada a orixá Iemanjá.
A memória presente nas narrativas dos moradores mais antigos ajuda a redirecionar as
comunidades para posição de confronto contra as formas de dominação, essa memória
individual que se fez/faz coletiva deu/dá forças para a valorização de suas trajetórias, culturas,
danças e a sua identidade como descendentes de povos quilombolas e, assim, poderem reviver
as suas histórias tão fragmentadas e, por muitas vezes, apagadas.
Hall (2006) discorre que as identidades devem ser vistas como múltiplas e a pós-
modernidade oferece cada vez mais possibilidades de trocas, apesar do sujeito a visualizar
como uma forma reunida. Assim, “a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo
através de processos inconscientes e não algo inato, existente na consciência no momento do
nascimento” (HALL, 2006, p. 38). A memória é uma forma que contribui para a formação da
identidade.

3.2 APARATO LINGUÍSTICO

Para o presente estudo, foi necessário discorrer sobre os estudos linguísticos,


principalmente, no que tange o estudo do léxico e, mais especificamente, a Etnolinguística, a
Terminologia, a Etnoterminologia e a Terminografia.

3.2.1 O léxico

Por meio do léxico, os seres humanos nomeiam e conceptualizam o mundo que os


rodeia. Esse subsistema das línguas é influenciado tanto pelo sistema cognitivo quanto pela
visão de mundo dos sujeitos que o constroem e utilizam. É no nível lexical da língua que

14
Religião de matriz africana difundida, principalmente, no Maranhão.
36

representamos o mundo, assim, de acordo com Biderman (2006, p. 13), “o léxico de uma
língua natural constitui uma forma de registrar o conhecimento do universo”. O falante da
língua ao nomear evidencia a sua concepção de mundo herdada pelo grupo. É principalmente
no léxico que conhecemos as práticas de valores sociais, as mudanças de várias naturezas, os
tabus linguísticos e culturais do(s) grupo(s) humano(s). Isquerdo corrobora essa ideia ao expor
que

[...] partindo-se do princípio de que o léxico funciona como testemunha da realidade


que circunda um grupo sócio-linguístico-cultural, pode-se encontrar nesse nível da
língua elementos reveladores de diferentes nuances da forma como tal grupo
concebe essa realidade (ISQUERDO, 1997, p. 7).

É nesse sentido, se faz necessária a compreensão da história e da identidade do grupo


estudado por meio do léxico que utilizam. Observando, assim, o léxico como conjunto de
signos herdados que geram um patrimônio imaterial dessas comunidades. Entendemos, desse
modo, que é, sobretudo, no léxico que conhecemos as características culturais de um grupo, o
produto da visão de mundo, das experiências e culturas de uma comunidade. Barbosa (1981,
p. 120) confirma o afirmado explicitando que o léxico é o conteúdo da experiência social.
Assim, entende-se o léxico como um conjunto de signos que refletem a realidade que
cerca o falante, as suas ideologias. Dessa maneira, ao estudar o léxico de um grupo
compreendemos que as alterações das unidades que constituem esse inventário são reflexos
das modificações culturais.
O léxico é campo de estudo da Lexicologia, Lexicografia e Terminologia. A
Lexicologia se ocupa em estudar e descrever as unidades lexicais das línguas; a Lexicografia
descreve o léxico de determinada língua a fim de produzir glossários ou dicionários; já a
Terminologia pretende analisar os itens lexicais no contexto especializado.

3.2.2 Etnolinguística

A Etnolinguística é uma subárea da Linguística cujo objeto de estudo é a análise da


relação entre língua, sociedade e cultura, de forma que esses objetos de estudo das ciências
humanas e sociais não sejam verificados de forma isolada, mas sim, de maneira agregada.
Silva (2009, p. 23) discorre que a Etnolinguística deve ser compreendida por seu caráter
interdisciplinar entre a Antropologia e a Linguística. Com base nisso, consideramos que a
37

língua, cultura e sociedade devem ser entendidas numa relação interseccional, conforme a
imagem abaixo:
Figura 1 — Objetos de estudos da Etnolinguística

Fonte: Autora (2020)

Ressaltamos que a Etnolinguística, aqui, é entendida como uma disciplina linguística e


não etnológica. Ponderamos, assim como Coseriu (1990, p. 36), a Etnolinguística como a
disciplina que se propõe “ao estudo da variedade e variação da linguagem em relação com
civilização e a cultura”.
Dessa maneira, a Etnolinguística permite analisar a variação cultural, pois “cada um
[grupo humano] tende a desenvolver peculiaridade de fala que têm a função simbólica, em
alguma medida, de distinguir o subgrupo do grupo maior no qual seus membros possam ser
também completamente absorvidos” (SAPIR, 1933, p.15).
Sapir e Whorf, entre os anos 20 e 30 do século XX, difundiram as ideias fundamentais
para a formação da Etnolinguística enquanto campo teórico. Os autores propagaram a
hipótese do relativismo linguístico que consiste na percepção do mundo influenciando a
linguagem e, consequentemente, a cultura. Para os autores, a língua humana é organizada a
partir da realidade, das experiências e da visão de mundo de cada comunidade linguística. A
língua, a partir das concepções de Sapir-Whorf, é o resultado da maneira como dado grupo
humano concebe a realidade que o cerca.
Por isso, concebemos, assim como Sapir (1921, p. 170-171), que “a língua não existe
separada da cultura, isto é, do conjunto socialmente herdado de práticas que determina a
textura de nossas vidas”.
38

Muitas pesquisas sustentadas nos pressupostos teóricos-metodológicos da


Etnolinguística foram/são desenvolvidas no Brasil. No que tange ao Maranhão, destacamos o
trabalho de doutoramento de Santos (2013), que objetivou verificar as especificidades
denominativas e conceptuais do quilombo rural de Jamary dos Pretos, em Turiaçu-MA, além
da pesquisa de Silva (2009) sobre o léxico do Tambor de Mina no Maranhão.

3.2.3 Terminologia

A Terminologia é uma disciplina teórica que se interessa por diferentes campos da


linguagem especializada. De forma genérica, tal área se ocupa em estudar os termos- unidade
mínima de significação da Terminologia. A Terminologia juntamente com a Lexicologia e a
Lexicografia encarregam-se em examinar o nível lexical das línguas.
Serra (2019, p. 248) pontua que “a Terminologia de cunho linguístico, desse modo,
tem entendido que itens lexicais especializados consistem nas unidades lexicais que, em
contexto comunicacional especializado ou profissional, têm sentido próprio ou especializado”.
Na década de 30 do século XX, surge a Terminologia Normativista, tal estudo foi
encabeçado por Eugen Wüester, engenheiro eletricista que delimitou os seus estudos para
contribuir na comunicação inserida no contexto profissional. O engenheiro entendia que o
principal objetivo da Terminologia era “a eliminação da ambiguidade nos discursos técnicos e
científicos” (SERRA, 2000, p. 249).
Krieger (2000) ressalta que houve a necessidade de profundos debates críticos sobre a
Terminologia, pois
No bojo desse antagonismo, situa-se o processo de reavaliação que esta área de
conhecimento está sofrendo nos tempos atuais. Mais exatamente, nesta década dos
anos 90, assiste-se a uma profunda revisão crítica sobre os fundamentos teóricos e
epistemológicos originais da terminologia, os quais se alicerçam numa visão
idealizada e normalizadora do componente lexical temático das línguas (KRIEGER,
2000, p. 211).

Nesse sentido, a Terminologia que antes desconsiderava a variação, após críticas


epistemológicas, passa a considerá-la como algo inegável, intrínseco ao ser humano. Assim, a
Terminologia passou a analisar a variação como “uma característica essencial dos discursos
especializados” (SERRA, 2019, p.250). Essa teoria mais descritiva foi denominada por Cabré
de TCT- Teoria Comunicativa da Terminologia. Segundo a referida autora, “[...] variación
39

conceptual y denominativa, y teniendo em cuenta la dimensión textual y discursiva de los


términos” (CABRÉ, 1999, p. 120).
A partir das reflexões apresentadas, consideramos que o conhecimento especializado
é, sobretudo, as relações que vão para além dos limites linguísticos. Pontuamos, portanto, que
ao acatar que o termo apresenta características conceituais e semânticas próximas às das
unidades lexicais da língua geral, possibilita estudos mais minuciosos sobre os diferentes
campos dos discursos especializados.

3.2.4 Etnoterminologia

A Etnotermonologia constitui uma disciplina da Terminologia cujo objetivo é a análise


do signo linguístico dentro de um discurso etnoliterário, ou seja, a partir de um saber que é
criado e compartilhado/herdado por um grupo étnico. Assim, a Etnoterminologia pretende
analisar o signo linguístico de acordo com a variação étnico-cultural. Segundo Pais (2002, p.
104), os discursos etnoliterários representam um “sistema de valores que, por sua vez,
determinam pensamentos e comportamentos de formas de ver o mundo, de maneiras de agir,
recomendável ou condenável, no fazer social, [esses discursos] definem, assim, uma
axiologia”.
Por isso, é importante o entendimento da palavra considerando o universo discursivo
em que está inserida, pois é assim que entendemos a visão singular de mundo dos sujeitos que
utilizam os itens lexicais15 que detêm valores sociais, ideológicos e culturais próprios, os
quais se diferem da língua geral.
Nesse sentido, uma mesma unidade lexical pode apresentar diversas acepções
dependendo do contexto cultural e/ou laboral em que está inserida. Os itens lexicais, no
contexto etnoterminológico, são plurifuncionais, uma vez que sua função é determinada pelos
entornos discursivos; são esses entornos que determinam, então, o estatuto de vocábulo, termo
ou de vocábulo-termo.
O vocábulo é de ordem da língua geral ou língua comum, isso significa que são
“palavras” compartilhadas pelos usuários, por exemplo, do sistema linguístico da língua
portuguesa. O termo é uma palavra e/ou conceito ligados a um domínio de conhecimento. O
vocábulo-termo — unidade mínima de significação e de análise da Etnoterminologia —

15
A fim de proporcionar uma melhor compreensão teórica ao leitor que não possui conhecimento sobre as
Ciências do Léxico, a unidade/item lexical deve ser entendida/o como “palavras”.
40

agrega uma multifuncionalidade de papéis configurada pela convergência de funções de


vocábulo e de termo que acumulam.

De acordo com Barbosa (2007, p. 440), “as unidades lexicais do universo do discurso
etnoliterário têm um estatuto próprio e exclusivo”, pois não apresentam os mesmos traços
semânticos da língua geral e nem são utilizadas com o mesmo semema em atividades
linguísticas com alta tecnicidade. Cabe à Etnoterminologia, portanto, estudar o uso das
unidades lexicais e a formação conceptual considerando a variação cultural.

3.2.4.1 Conceptus e metaconceptus

No discurso etnoliterário, há itens lexicais da língua comum que podem apresentar


semas16 diferentes; semas que podem ser representados por unidades linguísticas distintas e
há, ainda, unidades lexicais e semas que são criados a partir dos valores culturais e sociais do
grupo, especificamente.
A formação do conceito, segundo Latorre (2013), se dá no percurso gerativo da
enunciação e é organizado em momentos distintos que influenciam os traços conceituais
manifestados na língua. Observamos que é no discurso que se revelam os mais diversificados
traços semântico-conceptuais, pois, como expõe Pais (2002), o processo discursivo é o único
lugar possível da semiose, é nele que há produção de significação e informação nova.
Barbosa (2004) pontua que o conceptus é um subconjunto de noemas biofísicos e
universais. Os semas socioculturais formam o processo de metaconceptualização, por esse
motivo, se faz relevante, para este trabalho, discutir esse conceito. O metaconceptus é “um
subconjunto de traços semânticos conceptuais ideológicos, culturais” (BARBOSA, 2004, p.
61). São os noemas culturais que reduzem ou ampliam traços semânticos conforme as
experiências vividas pelo grupo étnico-cultural.
Nesse contexto, trazemos o exemplo do item lexical urso, que na língua geral é
conceptualizado como [animal], [mamífero], [bicho feroz]. Entretanto, para os quilombolas
urbanos dos bairros da Liberdade e Fé em Deus, urso, também, apresenta os semas de
[traição], [amante]. Destacamos que a partir da variação cultural o vocábulo urso passa a

16
Traços distintivos de significação.
41

assumir o status de vocábulo-termo devido ao entorno discursivo em que é usado. Assim, há o


processo de metaconceptualização.

3.2.5 Terminografia

A Terminografia é uma disciplina teórica ligada à Terminologia a qual se ocupa em


estudar, apresentar dados terminológicos de uma mesma área e descrever as técnicas de
produção de dicionários, glossários e vocabulários de linguagens especializadas. A
Terminografia se distingue da Lexicografia, entretanto, como pontua Bevilacqua e Finatto
(2006, 53), essas disciplinas não são antagônicas, mas complementares.
A obra terminográfica, conforme Bevilacqua e Finatto (2006, p. 49), apresenta
características que lhes são próprias. Dentre elas, o modo mais delimitado ao termo-entrada
“vinculado ao conjunto textual de referência reconhecido pelo consultante da obra”
(BEVILACQUA e FINATTO, 2006, p. 49). Outro aspecto básico da Terminografia “é que
para cada conceito diferente deve corresponder uma entrada diferente” (HENRIQUE, 2018, p.
29). O estatuto terminológico é atribuído por sua pertinência no tipo de texto (BEVILACQUA
e FINATTO, 2006, p. 49).
Registrar as linguagens especializadas, principalmente, de grupos menos prestigiados,
possibilita descrever um repertório linguístico que, por muitas vezes, não é considerado como
a forma padrão da língua. Considerar a variação e registrá-la auxilia no arquivamento de um
tesouro linguístico, cultural e social dos povos.
42

4 METODOLOGIA

4.1 LOCI DA PESQUISA

A Comunidade Liberdade Quilombola é composta pelos bairros da Camboa17,


Liberdade e Fé em Deus. Limitamo-nos, nesta pesquisa, ao estudo dos bairros Liberdade e Fé
em Deus, por serem importantes espaços de atividades culturais negras e por terem sido
campos de pesquisa de alguns de nossos trabalhos de iniciação científica desenvolvidos no
âmbito do PIBIC, financiados pela FAPEMA. No primeiro ano, agosto de 2018 a agosto de
2019, realizamos a pesquisa no bairro da Liberdade, no ano seguinte, 2019-2020, no bairro da
Fé em Deus.
Buscamos investigar o léxico dos quilombos urbanos da Liberdade e Fé em Deus a
partir do trabalho realizado por Santos (2013) no quilombo rural de Jamary dos Pretos,
Turiaçu- Maranhão.

4.2 PERFIL DOS COLABORADORES

Participaram da coleta de dados um total de doze colaboradores, autodeclarados


negros, seis na Liberdade e seis colaboradores na Fé em Deus, de ambos os sexos.
Os colaboradores deveriam ter nascido nos bairros ou residirem há mais de 10 anos
nas localidades pesquisadas; serem autodeclarados/as negros/as e participarem de
manifestações culturais, associação de moradores, grupos religiosos ou grupos sociais com
atuação nos bairros pesquisados.

4.3 TERMO DE CONSENTIMENTO E FICHA DO COLABORADOR

Após a seleção dos colaboradores e antes de realizarmos as entrevistas, os


colaboradores assinaram o termo de consentimento (apêndice A) no qual consta a explicação
do objetivo da pesquisa, esclarecimento dos objetivos acadêmicos e a responsabilidade dos
pesquisadores em reservar a privacidade dos dados pessoais do colaborador. Em alguns casos,

17
Ressaltamos que foi realizado no bairro da Camboa um estudo etnoterminológico pelo auxiliar de pesquisa do
GELMIC, Wanderson Morais, por meio do PIBIC-UFMA-Voluntário Cota 2019/2020, sob orientação da Profa.
Dra. Georgiana Santos.
43

como alguns colaboradores não dominavam a leitura, a pesquisadora explicou oralmente e


gravou em áudio a autorização do uso da entrevista. Em seguida, foram preenchidas as fichas
do colaborador (apêndice B) que contém dados pessoais como nome, endereço, apelido,
tempo de moradia, estado civil, autodeclaração e o que motivou a escolher a etnia, se a família
ou ele veio de quilombos rurais, idade, naturalidade, escolaridade e se pertence ao grupo
religioso e/ou associação de moradores. Como parte constitutiva dessa ficha, também foram
realizadas perguntas sobre o contato do colaborador com os meios de comunicação e com a
comunidade e sobre a vida pessoal. Essa parte da conversa entre a inquiridora e o colaborador
ajudou a manter um clima mais relaxado para a pessoa entrevistada. Nessa ficha há, ainda,
perguntas abertas para observarmos o grau de envolvimento do colaborador com o bairro.
4.4 COLETA, TRATAMENTO E ARMAZENAMENTO DOS DADOS
Esta pesquisa tem como base a tese de doutorado de Santos (2013), realizada no
quilombo rural de Jamary dos Pretos, no município de Turiaçu-MA. Considerando que
trabalhamos em um outro contexto espacial, ou seja, em quilombos urbanos, houve
necessidade de introduzir, retirar e adaptar questões do questionário produzido por essa
pesquisadora, para que fossem respeitadas as especificidades do contexto das comunidades
quilombolas urbanas ludovicenses.
Para isso, instrumentalizamos um questionário etnoterminológico (apêndice C) com
questões organizadas em nove campos semânticos18: territorialidade; convívio e
comportamento social; música; dança; diversão, lazer e jogos; vestuário e acessório;
religião e crenças; comida e identidade-negritude, totalizando 58 questões. As entrevistas
realizadas com base nesse questionário foram gravadas em áudio formato MP3 por meio do
celular e, em seguida, transcritas e armazenadas no documento em word. Parte do
questionário tinha um caráter aberto, assim, questionamentos e falas espontâneos dos
colaboradores foram registrados. Ao final do questionário, os quilombolas urbanos tinham a
possibilidade de falar ou enfatizar algo que consideravam importante para a construção da
pesquisa.

18
Inicialmente, para a realização da pesquisa na Liberdade, de agosto de 2018 a agosto de 2019, produzimos um
questionário com dez campos semânticos, totalizando 60 questões. Contudo, ao observarmos a não
funcionalidade/produtividade do campo semântico enfermidades, o retiramos do questionário etnoterminológico
aplicado na Fé em Deus.
44

Após a aplicação do questionário e transcrição ortográfica das entrevistas em word,


fizemos a análise dos dados usando as fichas etnoterminológicas19, para a organização do
verbete. Recorremos aos dicionários Aulete (2011) e Michaelis (online) para verificarmos o
estatuto de vocábulo ou vocábulo-termo20 e, em seguida, usamos o programa computacional
Lexique Pro para a construção do glossário.

4.5 LEXIQUE PRO

O Lexique Pro é um programa computacional criado por um grupo denominado


Summer Institute of Linguistic- INC, sem fins lucrativos, que permite que usuários do mundo
todo tenham acesso gratuito e em diferentes línguas, objetivando, assim, otimizar o tempo dos
pesquisadores, lexicógrafos na criação de dicionários e glossários.
O programa permite que os dados coletados e inseridos na plataforma sejam
publicados em word ou na web. Também possibilita que, além do texto, sejam inseridas
imagens e vídeos para melhor ilustrar o verbete.
Para organizar o glossário, as informações são inseridas através de etiquetas. Essas
etiquetas/códigos possibilitam uma melhor organização da macro e da microestrutura do
glossário. Para um melhor entendimento do funcionamento do programa, segue o Quadro1
abaixo:

Quadro 1 — Etiquetas do programa Lexique Pro

Etiqueta Campos do verbete

/lx/ Entrada

/ps/ Categoria gramatical

/de/ Definição

/xv Contexto de uso

/va/ Variante
Fonte: Lexique Pro

19
As fichas etnoterminológicas foram adaptadas do trabalho de Santos (2013) e contém informações acerca do
vocábulo-termo.
20
Os dicionários de língua geral, Aulete (2011) e Michaelis (online), foram usados para verificarmos se os semas
apresentados no discurso dos colaboradores possuem noemas culturais e ideológicos particulares do grupo
quilombola urbano ludovicense.
45

Após inserirmos as informações nas etiquetas, o programa transforma os códigos em


dados que compõe o dicionário/glossário. Em seguida, com todas as informações preenchidas,
os usuários possuem a opção de clicar na aba ficheiro e selecionar a forma online ou em word
para gerar o dicionário/glossário pronto. No nosso caso, especificamente, foi selecionada a
função em word. Ao passarmos para word, fizemos alterações na formatação do texto e
colocamos a opção das letras em fonte times new roman, cor preta e tamanho 12.

4.5.1 Macroestrutura

A macroestrutura é definida por Polguère (2018, p. 244) como a ossatura geral de um


dicionário. Para facilitar a leitura, a macroestrutura do glossário etnoterminológico dos
quilombos urbanos ludovicenses Liberdade e Fé em Deus apresenta os vocábulos-termos-
entradas organizados verticalmente por ordem alfabética.
Para vocábulo-termo que apresentar uma mesma unidade lexical com duas acepções
distintas será criado duas entradas para os dois verbetes.

4.5.2 Microestrutura

A microestrutura consta de informações que são introduzidas no verbete, como classe


gramatical, variante, sinônimo, etimologia, variação fonética. É nela que há um conjunto de
elementos explicativos sobre o vocábulo-termo-entrada.
No glossário etnoterminológico dos quilombos urbanos ludovicenses Liberdade e Fé
em Deus, para distinguir as informações, fizemos uma separação com sinais gráficos e
tipografias distintas, além de referenciar o colaborador que nos forneceu o vocábulo-termo, a
qual bairro pertence e a data de realização da entrevista. Além disso, optamos em seguir a
microestrutura com as seguintes informações: vocábulo-termo-entrada (em negrito), categoria
gramatical21/sintagmática22 (em itálico), definição23, contexto de uso (separado por colchetes),

21
Neste trabalho, concebemos como categoria gramatical todos os eixos estruturantes da língua: morfossintático,
semântico-lexical. Utilizamos a concepção de gramática descritiva, pois busca documentar a língua no momento
em que ela se manifesta.
22
Os sintagmas são, de acordo com Du Bois (2014, p. 520), elementos que constituem uma unidade numa ordem
hierarquizada. Dessa maneira, o termo sintagma é acompanhado por um qualificativo que define a sua categoria
gramatical. Ressaltamos, ainda, que o sintagma é entendido como a junção de elementos lexicais.
23
Alguns vocábulos-termos-entradas são polissêmicas.
46

dados sobre o colaborador (separado por parênteses) e variante (separado por duas barras),
quando houve. Como no exemplo abaixo:

Quadro 2 — Exemplo da organização do glossário

Licoteiro. Adjetivo. Indivíduo que gosta de fazer fofoca [Licoteiro, eu chamo licute. Fulano tu gosta de licute.
[...] Câmera de vigilância, whatssap ao vivo] (N.O.C., LB, 08/02/2018). //Variantes: câmera de vigilância,
whatssap ao vivo, maroca//

Fonte: elaborado pela autora (2020)

Os vocábulos-termos foram selecionados também a partir da frequência de uso,


contudo, para a selecioná-los prevaleceu o grau de relevância que apresentaram nos contextos
de uso. Além disso, como já dito anteriormente, foram usados os dicionários Aulete (2011) e
Michaelis (online) para verificarmos a particularidade conceptual ou lexical. Apresentam dois
contextos de uso os vocábulos-termos que foram coletados nos discursos dos colaboradores
de ambos os bairros.
47

5 ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, faremos as análises dos dados coletados por meio das entrevistas
realizadas nos bairros ludovicenses Liberdade e Fé em Deus. Como já mencionado, após a
coleta e transcrição dos dados, para melhor organização e análise dos vocábulos-termos,
preenchemos as fichas etnoterminológicas que foram adaptadas do trabalho de Santos (2013).
As fichas estão organizadas da seguinte forma: i. vocábulo termo; ii. campo semântico
ao qual o vocábulo termo está inserido; iii.se há ou não outras denominações; iv. informações
atribuídas ou não pelos dicionários sobre o vocábulo termo e/ou a conceptualização; v.
contexto(s) de uso(s) em que os vocábulos-termos estão inseridos; vi. análise semântico-
conceptual, descrição dos semas e da natureza formadora dos semas- conptual e
metaconceptual; vii. definição do vocábulo-termo e viii observações, caso haja. No total,
encontramos 24 vocábulos-termos. Após o preenchimento das fichas etnoterminológicas,
faremos a análise de 14 vocábulos-termos e, no capítulo seguinte, apresentaremos o glossário
etnoterminológico dos quilombos urbanos Liberdade e Fé em Deus. Organizamos desta
maneira para melhor compreensão do percurso de análise realizado para a elaboração desta
pesquisa e do glossário.
48

5.1 FICHAS ETNOTERMINOLÓGICAS

Ficha 1- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo BAIRRO QUILOMBOLA

1 VOCÁBULO-TERMO: Bairro quilombola 2 CAMPO SEMÂNTICO: Territorialidade Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação e conceptus não dicionarizados
( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente (X) Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [De Alemanha, Fé em Deus, Camboa, Liberdade, o diferencial é que você não vê um bairro nessa extensão com tantas agremiações, porque até
o último levantamento que foi feito... eh... me parece que tinham duzentas agremiações ao longo dessa extensão do rio Anil. Você inclui tribo de índio, você inclui
cacuriá, eh... isso eu falo só da parte junina, quando eu falo da parte de tambor de crioula, eh... escola de samba a gente tem aqui em cima que é a Império Serrano, afro,
inclusive, Neto de Nanã, em memória ao Neto de Nanã que o pessoal continua com o bloco, né, e fora os outros blocos e aí a gente tem dança, dança portuguesa, quer
dizer, é o diferencial da gente, é essa diversidade de agremiações ao longo de uma junção de bairros que se tornou um bairro quilombola]. (K.L.L.S., FD, 24/01/2020).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
Bairro junção de bairros agremiações tambor de crioula tribo de índio
SEMAS
extensão do rio Anil Bloco Cacuriá
escola de samba
Afro
Conceptus Ø
NATUREZA DOS Metaconceptus Junção de bairros na extensão do rio Anil que possuem diversas agremiações culturais, como tambor de
SEMAS crioula, cacuriá, escola de samba, afro, tibo de índio, bloco.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Território que compõe a extensão do rio Anil, composto pela junção dos bairros Camboa, Liberdade, Fé em Deus e Alemanha,
e com diversidades de agremiações culturais, especialmente, de origem negra, como cacuriá, samba, bloco afro e tambor de crioula, tribo de índio.
7 OBSERVAÇÃO Os traços étnicos-culturais atribuídos a esta unidade lexical são o que configura como vocábulo-termo, pois reflete uma particularidade semântico-
conceptual
Fonte: Adaptada de Santos (2013)
49

Ficha 2- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo BATER COCO

1 VOCÁBULO-TERMO: Bater coco 2 CAMPO SEMÂNTICO: Diversão, Lazer e Jogos Outras denominações (X ) SIM Jogar bola, bater uma pelada NÃO ( )
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação não dicionarizada
( X )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação- Jogar futebol coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [A gente fala bater um coco, jogar um coco, a gente já sabe que é bola] (W.R.S.A., LB, 02/05/2019).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
jogar bola
SEMAS

Conceptus Futebol. Passar a bola par o jogador. Praticar.


NATUREZA DOS
SEMAS
CONCEPTUAIS Metaconceptus Jogar um coco
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Jogar uma partida de futebol informalmente.

7 OBSERVAÇÃO No léxico dos quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em Deus, bater coco mantem o conceptus da língua geral atribuída a outra denominação.

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


50

Ficha 3- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo BUCHEIRO

1 VOCÁBULO-TERMO: Bucheiro 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )


comportamento Social
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO
( X )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Rapá, eu conheço como bucheiro, ele não quer saber se é Zé ou seu Zé, botou sai é com ele mesmo] (N.O.C., LB, 08/02//2018)
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
homem mulherengo ele não quer saber botou saia
SEMAS

Conceptus
NATUREZA DOS Metaconceptus Homem mulherengo que não quer saber quem é, botou saia é com ele mesmo
SEMAS
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Homem mulherengo que se relaciona com qualquer tipo de mulher.

7 OBSERVAÇÃO O vocábulo-termo bucheiro não foi encontrado no dicionário Aulete (2011)

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


51

Ficha 4- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo CAFÉ

1 VOCÁBULO-TERMO: Café 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Comportamento social Outras denominações ( X ) SIM NÃO ( )
Maconha, verdinha, cabobó, massa, dezesseis e vinte, quatro e vinte,
boldo, marola
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO
1 BOT Fruto do cafeeiro. 2 BOT Vcafeeiro. 3 Grão de café depois de seco e torrado. 4 Pó obtido desses grãos já secos, torrados e moídos; pó de café: “– E por que não
temos café, se nunca deixo faltar em minha casa?” (HD2). 5 Bebida escura, tônica e aromática, preparada por infusão, decocção ou percolação dos grãos secos, torrados e
moídos ou socados do cafeeiro: “[…] parar tudo e apenas sentir o cheiro do café quente quando despertamos na manhã fria, a brisa tocando nossa pele […]” (Z1).
6 Quantidade dessa bebida, geralmente servida em xícara ou caneca pequena: “Chego ao escritório ainda em tempo de tomar um café” (EZ). 7 Refeição matinal;
desjejum: “– O café está na mesa! Antes de ir ao banheiro, GiLBerto ligou o computador […]” (LA3). 8 Refeição rápida e leve em que se toma essa bebida ou momento
de uma refeição, geralmente ao final, em que essa bebida é servida. 9 Estabelecimento comercial destinado a servir essa bebida; bar, botequim: “Eles combinaram de se
encontrar num café perto da academia de ginástica” (ER). 10 A cor marrom-escura dessa bebida; a cor marrom de matiz amarelado ou avermelhado que corresponde à cor
dos grãos do cafeeiro secos e torrados. 11 COLOQ Pequena gorjeta ou gratificação; cafezinho. 12 HERÁLD Figura de um ramo do cafeeiro com folhas e frutos nas cores
naturais. adj m+f sing e pl1 Que tem a cor do café, acepção 10.2 Diz-se dessa cor: Aquela saia café lhe caía muito bem. (MICHAELIS, online).

1. Fruto do cafeeiro [O termo refere-se tanto a um fruto individual quanto à totalidade de frutos de uma plantação, de uma safra: a colheita do café] 2 Bot. Cafeeiro: uma
plantação de café. 3 Porção de sementes secas e torradas desse fruto [De modo geral, há três pontos de torra, ou tipos de torrefação, que determinam o sabor, a acidez e o
aroma do café (5): o claro, o médio e o escuro: nesse processo, a coloração dos grãos varia do marrom- claro ao marrom-escuro, e o sabor da bebida varia do suave ao
amargo] 4 Produto resultante do beneficiamento, torrefação, resfriamento, descanso e moagem dos grãos de café (2): “O barista diz também que ela [a água] não deve ser
jogada em cima do café no coador. É melhor misturar o pó na água e depois coá-lo”. (Globo Rural, 08.2002) 5 A bebida que se faz desse fruto, depois de seco, torrado e
moído 6 Porção dessa bebida na xícara ou no copo, em dose para consumo individual: A máquina permite fazer até dois cafés expressos por vez. 7 Momento da refeição
em que se toma essa bebida, ger. depois da sobremesa ou em lugar dela: “Os almoços no Ramalhete eram sempre delicados e longos; depois, ao café, ficavam ainda
conversando...” (Eça de Queiros, Os Maias) 8 P.ext. Refeição ligeira em que se toma essa bebida 9 Estabelecimento onde se vendem café, outras bebidas, pequenas
refeições, doces etc.: BAR; BOTEQUIM; CAFETERIA 10 A cor do café torrado: O café é minha cor predileta para cortinas: “Vestia um gibão de velado preto com
alamares de seda cor de café no peito...” (José de Alencar: O Guarani) 11 Infusão de certas plantas que pela cor lembra o café 12 Bras. Pop. Gratificação que se dá pela
prestação de um serviço; GORJETA [Nesta acp. mais us. no dim.] a2g2n 13 Que é da cor café (10): Comprou uma calça café. 14 Diz-se dessa cor: Sapato de cor café. [F.:
Do it. caffé, do turco yahvé, e este do ár. qahwa.] ~ comprido S. Café (bebida) fraco, ralo ~ da manhã Desjejum; tb. Café da manhã ~ expresso (ou espresso) Café em
dose individual da bebida, ger. feito em máquina elétrica, na qual água quente passa na pressão de vapor pelo pó de café (para este fim usa-se uma mistura especial de
tipos de café) moído num grau médio de moagem (em algumas máquinas moído na hora) e compactado, e depois por um filtro resistente à pressão [O termo italiano
espresso alude à pressão do vapor no preparo desse café. A adaptação para ‘expresso’, em português, descarta essa conotação.] ~pequeno 1 Bras. Cafezinho 2 Fig. Coisa
(tarefa, pessoa, acontecimento) fácil, ou sem importância; tb. café-pequeno [Tb, apenas pingado] ~ pingado Café (bebida) sem acréscimo de leite ou creme ~ solúvel
Produto em pó feito com extrato de café, que se dissolve em água para produzir diretamente bebida sucedânea do café, no aroma e no sabor Cyber ~ Estabelecimento que,
além de funcionar como bar ou lanchonete, oferece a seus clientes o uso de computadores com acesso à internet, mediante o pagamento de uma taxa.Difundido e muito
52

consumido em todo o mundo como bebida estimulante e aromática, o café foi durante muito tempo o principal produto de exportação do Brasil, que ainda é o maior
exportador e produtor mundial. O chamado ‘ciclo do café’ caracterizou importante segmento da economia brasileira até inícios do século XX. (AULETE, 2011, p. 258).
( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente sob ( X )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Marola. Vários nomes, tem marola...marola, café, um monte de nomes. INQ.- Café? COL.- É. Tem o... o... dezesseis e vinte, também,
dezesseis e vinte, quatro e vinte. Tem massa. INQ.- Amassa? COL.- É massa, tem café, tem marola, quatro e vinte, boldo. INQ.- Boldo? COL.- É. Verdinho. Tem vários
nomes que colocaram]. (R.W.F., LB, 04/01/2020).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
Maconha Usado para o fumo
SEMAS

Conceptus Fruto do cafeeiro. Grão do café. Pó. Bebida escura. Refeição matinal. Gorjeta. Produto. Porção de sementes.
NATUREZA DOS Estabelecimento.
SEMAS Metaconceptus Material usado para o fumo.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Substância alucinógena natural preparada com folhas e usada para o fumo.

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


53

Ficha 5- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo COMUNIDADE

1 VOCÁBULO-TERMO: Comunidade 2 CAMPO SEMÂNTICO: Territorialidade Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )


3 CONCEPTUS DICIONARIZADO
1 Qualidade ou estado daquilo que é comum a diversos indivíduos.2 Grupo de pessoas que vivem em comum e cujos recursos materiais pertencem a todos. 3 Conjunto de
pessoas que vivem numa mesma região, com o mesmo governo, e que partilham as mesmas tradições históricas e/ou culturais. 4 A sociedade como um todo.
5 SOCIOL População que vive em determinado local ou região, ligada por interesses comuns. 6 POR EXT Esse local ou essa região. 7 Qualquer conjunto de indivíduos
ligados por interesses comuns (culturais, econômicos, políticos, religiosos etc.) que se associam com frequência ou vivem em conjunto. 8 Grupo de pessoas com
características comuns, inseridas numa sociedade maior que não compartilha de suas características básicas; sociedade. 9 Grupo de pessoas ligadas pela mesma profissão
ou atividade. 10 Conjunto de indivíduos (animais ou vegetais) que vivem juntos na mesma área e que, em geral, interagem ou dependem uns dos outros para existir;
biocenose (MICHAELIS, online)

1 Comunidade ou condição que é comum. COMUNHÃO: comunidade de objetivos. 2. Concordância, harmonia (comunidade de opiniões, comunidade de sentimentos) 3.
Conjunto das pessoas que partilham, ger. em determinado contexto geográfico ou num grupo maior, o mesmo habitat, religião, cultura, tradições, interesses, ETC.: a
comunidade judaica; a comunidade da zona oeste. 4. Lugar em que se situa esse conjunto de pessoas. 4. Grupos de indivíduos que partilham os mesmos objetivos e
crenças, ou o lugar ou o meio em que eles interagem: a comunidade dos amantes da natureza. 6. A sociedade: COLETIVIDADE: regras para a convivência em
comunidade. 7. Conjunto das pessoas que exercem a mesma profissão ou atividade, ou que têm os mesmos hábitos, preferências etc.: a comunidade dos jornalistas; a
comunidade dos filatelistas; a comunidade dos ursulinas. 10. Conjunto politicamente organizado de indivíduos que por afinidade cultural, histórica, cultural, social, etc.,
estabelecem uma ligação baseada em objetivos comuns, independentemente de nacionalidade ou país de moradia. Linguística Ling. Grupo de pessoas que, em
determinada época, partilham a mesma língua ou dialeto, independentemente de terem a mesma nacionalidade ou viverem no mesmo país (AULETE, 2011, p. 367).
( )Acepção coincidente sob outra ( X )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Quando a gente vive em grupo, a gente vive em comunidade] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [a comunidade é aqui onde nós estamos, todos nós
nos conhecemos e trabalhamos em comunidade. A associação da comunidade, o nosso Boi não é na comunidade é da comunidade] (B.C.D., LB, 22/02/2019). [Acho que
comunidade é um local em que todo mundo se conhece assim. Um lugar onde a gente vive, sei lá, trocando experiência. Todo mundo se conhece, vamos botar assim]
(W.L.P.A., LB, 08/02/2019). [Viver em comunidade é viver em paz com todo mundo, é ter um certo laço de amizade, vínculo, mesmo não sendo da mesma família, mas a
gente tem um vínculo porque conhece tantas e tantas pessoas, sabe um pouquinho de cada coisa e um vai ajudando o outro… é um pouco assim de amizade, mesmo, entre
vizinhos, porque tu tem um vizinho, mesmo que tu não fale muito com ele, mas tu tem um laço, né, e já divide certas coisas e é bom] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018)
[Comunidade… eu digo que são pessoas que se ajudam, algumas, porém, assim se ajudam, mas são aquelas pessoas que num todo querem o melhor pro bairro]
(W.R.S.A., LB, 02/05/2019). [É justamente isso que a gente vive hoje, é cultivar esses hábitos e costumes que a gente já vem trazendo de nossos antepassados, não deixar
que a influência atual venha corromper esses... eh... essa forma, essa estrutura que o bairro tem. Pra que isso não venha ficar mais tarde ah, não, existia, mas não tem mais.
Comunidade é você reconhecer o trabalho que foi feito pelos velhos e tentar levar com o mesmo respeito] (N.O.C., LB, 08/02/2019 [Comunidade é uma coisa social
assim, familiar, né?! Ter a família como... comunidade aqui, num, num... do bairro, todo mundo é assim: se junta pra fazer qualquer coisa de benfeituria, não é isso?]
(B.A.R.M., FD, 05/10/2019) [Comunidade é uma região em comum, eh... eh... é um os integrantes daquela região que habitam, que povoam, eles vivem unidos, então
54

comunidade] (C.D.R., FD, 08/01/2020). [Comunidade, pra mim, é união, respeito, entendimento. Que nem todos tem união, tem respeito, mas união nem todos têm, tem
respeito, mas união, nem todos têm. Tem uns que querem uma coisa, mas tem outros que não. [...] Pra mim, comunidade é isso, é união, é verem o que tá passando, verem
o que tá precisando] (R. W. F., FD, 04/01/2020) [É justamente isso, a solidariedade entre as pessoas (M.M.S.P., FD, 12/11/2019). [[...]a comunidade eu entendo pelo o
que faz parte e o morador mais perto que auxilia a gente eu entendo como uma comunidade do bairro] (A.R., FD, 30/10/2019). [União, 7 OBSERVAÇÃOde objetivos]
(K.L.L.S., FD, 24/01/2020).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
vive(r) em grupo é ter um certo laço de todos nós nos conhecemos união reconhecer o trabalho que
SEMAS amizade, vínculo, mesmo e trabalhamos em foi feito pelos mais
não sendo da mesma comunidade velhos e tentar levar com
família o mesmo respeito
região comum... os se junta pra fazer qualquer solidariedade entre as
integrantes daquela região coisa de benfeituria pessoas
habitam
viver em paz com todo respeito, entendimento
mundo

Conceptus O que é comum. População que vive em determinado local ou região, com interesses comuns. Concordância,
NATUREZA harmonia. Grupo de pessoas que exercem a mesma profissão. Grupo de pessoas que partilham os mesmos objetivos
DOS SEMAS e crenças. Conjunto politicamente organizado de indivíduos.
CONCEPTUAIS Metaconceptus Região comum onde todos se conhecem e trabalham em comunidade para fazer qualquer benfeituria, com
FORMADORES solidariedade, respeito, entendimento entre as pessoas como forma de reconhecimento do trabalho realizado pelos
mais velhos.
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Espaço geográfico onde as pessoas se conhecem, trabalham juntas, cultivando as relações de paz, respeito, solidariedade e
união como os seus antepassados; grupo de pessoas unidas que não são da mesma família, mas possuem um laço de amizade, união, a fim de um bem comum.
7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


55

Ficha 6- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo EVENTO

1 VOCÁBULO-TERMO: Evento 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Outras denominações ( X ) SIM NÃO ( ) Briga, babado, confusão
comportamento social
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO
1 Algo que acontece e que se pode observar: “Com a fotografia foi possível registrar eventos no momento em que aconteciam” (SK). 2 Acontecimento (festa, competição
esportiva, espetáculo) planejado com lugar e hora determinados, que geralmente atrai grande público e cobertura da mídia. 3 Veventualidade. 4 ASTR Ponto no espaço-
tempo de quatro dimensões. 5 ESTAT Aparecimento de provável alternativa em determinado fenômeno probabilístico. 6 FÍS Conjunto de dados que mostra uma interação
entre partículas (MICHAELIS, online).

1 Acontecimento, fenômeno, ocorrência: Chuva de granizo é evento raro na região. 2 P.ext. Acontecimento social, cultural, artístico etc., como festa, solenidade,
espetáculo etc. 3 Qualquer fenômeno natural ou social observável cientificamente 4 Est. Acontecimento ou fenômeno probabilístico 5 Astrfs. Ponto no espaço de quatro
dimensões (o espaço-tempo) 6 Fato inesperado; EVENTUALIDADE 7 Fís Expressão, em forma de um conjunto de dados, de interação entre partículas [F.: Do lat.
eventos.] (AULETE, 2011, p. 623)
( )Acepção coincidente sob outra ( X)Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Ah se diz um babado. Eu intitulei de evento. É. Eu digo agora: tudo é um evento nessa Liberdade. Fica logo cheio de gente, aquela
aglomeração] (A.F.G., LB, 22/03/2019).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
cheio de gente Aglomeração Briga
SEMAS
desavença

Conceptus Algo que acontece. Acontecimento, social, cultural, artístico. Fenômeno natural. Fato inesperado. Grande público.
NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Aglomeração. Desavença. Situação cheia de gente.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Briga, discussão, confusão que gera uma aglomeração de pessoas na Liberdade.
56

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


57

Ficha 7- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo FACA CEGA

1 VOCÁBULO-TERMO: Faca cega 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Comportamento Social Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X)
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação e conceptus não dicionarizadas
( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção ( )Acepção parcialmente ( )Acepção diferente (X)Acepção e
denominação parcialmente coincidente coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Eu chamo todo mundo aqui de faca cega] (W.L.P.A., LB, 08/02/2020) [Conheço. Faca cega que eles chamam é uma mulher, assim, fácil, uma
mulher, assim, rodada. Uma mulher que dois, três, quatro, cinco já conheceram, entendeu?! INQ.- Mas só serve para mulher? COL.- Também pra homem. Não, homem
também é faca cega, que os dois é a mesma coisa. São, assim, tanto homem, quanto mulher, a mesma coisa.] (R.W.F., FD, 04/01/2020).

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
chamo todo mundo aqui de fácil, uma mulher, assim,
SEMAS
faca cega rodada. Uma mulher que
dois, três, quatro, cinco já
conheceram
tanto homem, quanto
mulher fácil, a mesma
coisa

Conceptus
NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Mulher fácil ou home que possuem vários parceiros.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Mulher ou homem que tem diversos parceiros sexuais.

7 OBSERVAÇÃO Nos dicionários pesquisados, não foi encontrado um vocábulo para se referir a homem e a mulher com vários parceiros.

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


58

Ficha 8- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo LB

1 VOCÁBULO-TERMO: LB 2 CAMPO SEMÂNTICO: Territorialidade Outras denominações ( X ) SIM NÃO ( ) Libercity, . Libertetion socity,
Bairro Freedom
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO Denominação e conceptus não dicionarizadas
( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente (X)Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Ah, bairro Freedom. Eh, o povo só fala agora assim. Ah, vai aonde? bairro Freedom, da Liberdade. Libertetion socity] (A.F.G., LB,
22/03/2019). [LB- Liberdade] (B.C.D, , LB, 22/02/2019). [Vulgarmente, as pessoas chamam de freedom. Assim, mais quando se associa ao reggae, tá entendendo, por que
negada fala que Liberdade é o bairro do reggae, isso e aquilo, essas coisas. INQ- Qual foi o outro que tu disse? COL.- LB] (W.L.P.A., LB, 08/02/2019). [Ah, eu falo
Libercity, eu falo LB, a gente fala de vez em quando, quando eu tô com a galera assim, né. Ah, vumbora pra Libercity, ah, vumbora pra LB. Mas não é muito comum não,
só quando tá a gente] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018). [Liberdade, então, ou, então LB, que todo mundo já sabe, ah, eu vou lá pra LB. Ah, pode crê, eu te vejo lá e tal…
Porque quem é aqui do bairro já sabe o jeito de falar] (W.R.S.A., LB, 02/05/2019).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
o povo só fala assim agora mas não é muito comum a gente fala de vez em quem é aqui do bairro já
SEMAS não, só quando tá a gente quando, quando eu tô com sabe o jeito de falar
a galera assim

Conceptus Ø
NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Forma denominativa usada entre os moradores do bairro que já conhecem o jeito de falar.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Denominação atribuída ao quilombo urbano Liberdade, mais comumente, pelos próprios moradores, para evidenciar algumas
características peculiares a essa localidade.
7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


59

Ficha 9- Etnoterminológica do vocábulo-termo LICOTEIRO

1 VOCÁBULO-TERMO: Licoteiro 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Comportamento Outras denominações ( X ) SIM NÃO ( )
Social Câmera de vigilância, whatssap ao vivo, maroca
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO:
( X)Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação Fofoqueiro coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Licoteiro, eu chamo licute. Fulano tu gosta de licute. [...] Câmara de vigilância, whatssap ao vivo]. (N.O.C., LB, 08/02/2018).

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
Fofoqueiro gosta de licute
SEMAS
Conceptus Aquele que faz fofoca. Aquele que se intromete na vida dos outros.
NATUREZA DOS
SEMAS
CONCEPTUAIS Metaconceptus Pessoa que gosta de fofoca, licute.
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Indivíduo que gosta de fazer fofoca.

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


60

Ficha 10- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo MACUMBA

1 VOCÁBULO-TERMO Macumba 2 CAMPO SEMÂNTICO: Religião e crenças Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO 1 REL Denominação genérica dos cultos afro-brasileiros originários do nagô e que receberam influências de outras religiões
africanas, do catolicismo, do espiritismo, do ocultismo e de crenças ameríndias. 2 REL Ritual desses cultos que inclui cantos e danças ao som de instrumentos de
percussão. 3 POR EXT Denominação leiga desses cultos quando se acredita que há a prática de magia negra. 4 REL Oferenda feita a Exu, geralmente nas encruzilhadas;
despacho. 5 POR EXT No sentido amplo, magia negra ou feitiçaria. 6 MÚS Antigo instrumento de percussão de origem africana, semelhante ao ganzá, que produz um
som rascante, utilizado em terreiros de cultos afro-brasileiros (MICHAELIS, online).

1 Denominação dada aos cultos afro-brasileiros e seus rituais originários do nagô e que receberam influências de religiões africanas, ameríndias, católicas, espíritas e
ocultistas. 2 Oferenda colocada nas encruzilhadas. DESPACHO. [F.: Do quimb. ma´kõ.ba] (AULETE, 2011, p.876)
( )Acepção coincidente sob outra ( X )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Na verdade, macumba é um instrumento] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [A macumba é um instrumento, né, e o pessoal usa a mina, a umbanda
dizendo que é macumba. Macumba é um instrumento. É como eles dizem também que o umbandista, o espírita, o mineiro, ele é da parte do rabudo e só eles estão salvos.
Então, eu não vejo isso assim, acho que a minha religião tem que ser respeitada tanto quanto outros] (B.C.D., LB, 22/02/2019). [É um instrumento musical] (W.L.P.A.,
LB, 08/02/2019). [Pra mim, é ato de explicação mesmo, porque só se volta ao mal, né. Aos demônios, certas coisas. Hoje em dia, eu não falo mais essa palavra, falo mais
é culto religioso. Macumba realmente não existe, mas a gente fala assim que vai ter o tambor de mina, o Candomblé e a Umbanda, então, são essas religiões que tem.
Macumba mesmo é o comum [...] a gente vai tentando diferenciar essa palavra. A gente evita falar essa palavra hoje em dia] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018). [Macumba é
pejorativo, macumba é um termo que falam de má fé, um termo discriminatório. Eu gosto mais de ver como matriz africana a continuidade de uma religiosidade sagrada,
com suas ações pontuais dentro dos terreiros] (N.O.C., LB, 08/02/2019). [Macumba são aquelas pessoas que estão ali e sabem feitiçaria. Macumba não é feita pro mal, em
si, não é pro mal, porém muitas pessoas usam pro mal. Macumba a pra mim é uma coisa boa, serve pra ajudar muita gente, serve para proteger] (W.R.S.A., LB,
02/05/2019). [Rapaz, é um termo eh... preconceituoso, discriminatório, e pra nosso sentido é um instrumento, que a gente chama de reco-reco, que se... se chama
macumba, só isso, só o sentido que tem, o resto é preconceituoso, discriminativo] (C.D.R., FD, 08/01/2020). [ Macumba? Macumba é pajé brincano INQ.- O que é pajé
que o senhor fala? COL.- Pajé é as pessoas que brinca Mina] (A.R., FD, 30/10/2019). [Macumba é um instrumento que é tocado dentro dos cultos afros] (M.M.S.P., FD,
12/11/2019). [Olha, o português claro, macumba é um instrumento que se toca, mas por originalidade, por nossas ancestralidades, se colocou na mente que macumba é
aquilo que se faz pr’outros. Quando se diz tambor de mina, ah, é a macumba que tá tocando pr’ali. Mas a gente tá tentando desmistificar isso da mente das pessoas, como
as pessoas falam: ah, tá tendo macumba. Quando não falam macumba, falam Tereco, que existe o Tereco, só que é totalmente diferente do Tambor de Mina, são ritmos
diferentes] (K.L.L.S., FD, 24/01/2020 ) [Hum... não se pode nem falar, é proibido. COL.- Não se pode falar? INQ.- Não. A gente teve... lá na secretaria racial , nós
tivemos reuniões que hoje não se pode chamar ninguém macumbeiro. Nós somos de uma matriz africana, que não se pode ah, é macumbeiro. Não, eu sou de matriz
africana gegê nagô] (B.A.R.M., FD, 05/10/2019). [Coisa ruim, de outro mundo. Algo que não faz bem. Que só vai fazer o mal, na verdade. Algo como a gente vê. A
pessoa fala que tá fazendo o bem, mas na verdade tá fazendo o mal cada vez mais] (R. W. F., FD, 04/01/2020).
4 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
61

1 2 3 4 5
Instrumento só se volta ao mal macumba são aquelas coisa boa
SEMAS pessoas que estão ali e
sabem feitiçaria
Pejorativo coisa ruim, de outro mundo
Discriminatório

Conceptus Denominação dada aos cultos afro-brasileiros com influencia do catolicismo, espiritismo e ameríndicos.
NATUREZA DOS Denominação atribuída aos rituais das religiões afro-brasileiras. Oferenda colocada nas encruzilhadas. Instrumento de
SEMAS percussão
CONCEPTUAIS
FORMADORES
Metaconceptus Instrumento de percussão. Forma discriminatória de se referir às religiões de matrizes africanas.
Ato de fazer feitiçaria para o bem ou o mal.
5 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1Instrumento de percussão de origem africana. 2 Denominação pejorativa e discriminatória para se referir às religiões de
matriz africana. 3 Pessoas que sabem fazer feitiçaria. 3 Ação realizada para o bem ou para o mal.
7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


62

Ficha 11- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo MELQUE

1 VOCÁBULO-TERMO: Melque 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Outras denominações (X) SIM NÃO ( ) Mentiroso, potoqueiro, safado,
comportamento social mentiroso
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação não dicionarizada
(X )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação Mentiroso coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO . [Ah, a gente adotou, aqui, com a gente, pera aí... Não, é mentiroso que a gente adotou como potoqueiro. INQ.- O que é potoqueiro? COL.- A
pessoa que mente, a gente... eh, eu não sei quem foi que foi e olhou esse nome e a gente começou, é melque, potoqueiro. INQ.- Melque? COL.- Pra mentiroso também, a
gente usa esse termo. Até no grupo mesmo, quando a gente tá conversando, ah, tá, tu já tá com teu melque. E a gente adotou como mentiroso]. (K.L.L.S., FD,
24/01/2020).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
pessoa que mente
SEMAS

Conceptus Que diz mentira. Que conduz ao erro.


NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus A pessoa que mente.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Indivíduo que mente.

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


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Ficha 12- Etnoterminológica do vocábulo-termo MEXER COM ESSAS COISAS

1 VOCÁBULO-TERMO: Mexia com essas coisas 2 CAMPO SEMÂNTICO: Religião e crença Outras denominações ( ) SIM NÃO ( )
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação e co não dicionarizada
( )Acepção coincidente sob ( )Acepção ( )Acepção parcialmente ( )Acepção (X)Acepção e
outra denominação parcialmente coincidente coincidente sob outra denominação diferente denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Mas ele era, também, ele tinha... Mexia com essas coisas também. Ele era dono de terreiro, também. Mas ele era bem... tinha uns traços INQ.-
Por que tu fala mexia com essas coisa, heim? COL.-Ãh? Porque é o jeito, assim, de falar. Porque ele era da religião de matriz africana, entendeu? INQ.- Ah, então quando
tu fala mexia com essas coisas... COL.- É porque ele mexia com coisas sobrenaturais, entendeu. O que fica entre o céu e a terra, entendeu?!] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL

1 2 3 4 5
coisas sobrenaturais jeito de falar da religião de matriz
SEMAS africana

Conceptus
NATUREZA DOS Metaconceptus Jeito de falar da Religião de Matriz Africana
SEMAS
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1 Ato de participar de religião de matriz africana 2 Forma tabuizada de referência aos cultos religiosos de matriz africana.

7 OBSERVAÇÃO O vocábulo-termo mexia com essas coisas foi uma forma atribuída para se referir ao culto da religião de matriz africana. No momento da entrevista,
por não conhecer a inquiridora, a colaboradora usou o vocábulo-termo para evitar possível constrangimento.
Fonte: Adaptada de Santos (2013)
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Ficha 13- Etnoterminológica do vocábulo-termo MOLINHA

1 VOCÁBULO-TERMO Molinha 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e comportamento Outras denominações ( X ) SIM NÃO ( ) maria vai com as
social outras, vassourinha, rodada, bandida, faceira, danada
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO molhe-molhe (MICHAELIS, online)

1 Massa ou volume muito grande: a mole de um rochedo 2 Grande quantidade de qualquer coisa (mole de gente) 3 Construção de grandes dimensões: Aquela igreja é
uma fantástica mole de granito.
1 Que cede à pressão sem se desfazer (pessego mole), TENRO; MACIO 2 Dotado de elasticidade (colchão mole): FOFO 3 Que apresenta consistência pastosa: Essa
massa está muito mole 4 Fig. Sem energia, sem vigor DEBIL, FRACO: Sentiu-se mole após tanto esfarço. 5 Lerdo, indolente, preguiçoso 6 Fig Desprovido de firmeza,
FROUXO; COMPLACENTE: Sempre foi mole com os alunos 7 Fig Que se emociona facilmente (coração mole). SENSÍVEL 8 Bras. Pop. Que não apresenta
dificuldades, que não requer esforço: FÁCIL: É mole fazer isso. 9 Fig. Sem 3 Pop Ve soa que vivacidade ou brilho 10 N.E. Que não tem sorte, AZARADO molenga de
mol- 11 Quim. Que se caracteriza por átomos ou grupos de atomos muito polarizáveis (diz-se de ácido ou base) [Aum.: moleirão, molengão.] adv. 12 Bras. Pop. Com
facilidade: 0 corredor venceu a prova mole.
( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente sob ( X )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente outra denominação
denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Maria vai com as outras, molinha] (C.D.R., FD, 08/01/2020).

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
mulher que é tida como
SEMAS
“fácil”

Conceptus Que cede a pressão. Pessoa que se emociona facilmente. Lerdo, indolente, preguiçoso.
NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Mulher que é tida como “fácil”
CONCEPTUAIS
FORMADORES
65

6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Mulher que se relaciona com vários homens

7 OBSERVAÇÃO A acepção exposta nos dicionários sobre o vocábulo-termo em nada coincide com a acepção presente nos discursos dos quilombolas urbanos. Para os
dicionários, mole apresenta o sema [que cede a pressão], [pessoa que se emociona fácil]. Apesar disso, acepção coincide com o vocábulo puta, em que configura uma
mulher dada à libertinagem.

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


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Ficha 14-Etnoterminológica do vocábulo-termo MÚSICA NEGRA

1 VOCÁBULO-TERMO: Música Negra 2 CAMPO SEMÂNTICO: Música Outras denominações ( ) SIM NÃO (X )
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO ((NÃO DICIONARIZADO))
( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente (X)Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [O povo fala que música negra é aquela que fala da realidade, o que se passa. [...] quem fala da realidade como os africanos não existe. Porque
o que eles cantam, os reggaes deles só fala de paz, amor, de luta, companheirismo, de paixão de aventura. São os únicos no mundo que provam que realmente amor
existe] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [Olha, o bumba boi, pra mim, é música negra. INQ.- Por quê? COL.- Porque quase tudo, quase todo o boieiro é negro. Quase todos,
quase todos mesmo, é noventa por cento] (B.C.D, LB, 22/02/2019). [Música negra, negra, pra mim, é afro. INQ.- Afro é o que? INF- Afro é assim… da África, como já tá
dizendo, é um ritmo diferenciado] (W.L.P.A., LB, 08/02/2019). [Eu entendo que a pessoa tá buscando um resgate, entendeu?! Compõe música pra negro, eu acho bem
legal, entendeu, a pessoa querendo explicar pra sociedade o que realmente é, porque tem muita gente que não sabe realmente, tem muita gente que ainda é alienado por
tudo, eu não sei explicar. Mas eu acho muito legal, é tipo assim: acorda! ser negro é isso, é isso que é a tua realidade, porque tem muitas mães, hoje em dia ainda, que
alisam os cabelos de suas filhas, cabelos bonitos, essas coisas. Então, olha, é bonito é assim, ensina ela a ser assim, a não ter vergonha, então, é muito legal] (A.T.A.M., ,
LB, 13/11/2018). [Músicas afros, reggae também.] (W.R.S.A., LB, 02/05/2019). [A música é universal, não consigo entender a musica por separação de raça, né? Eu
consigo ver a música como um movimento universal que transpassa todos os seguimentos] (N.O.C., LB, 08/02/2019). [Música negra é que vem lembrando, ressaltando,
trazendo alguns elementos do fundamento afro...] (C.D.R., FD, 08/01/2020). [Pra mim, música negra, eu entendo só de reggae. Música negra, pra mim, que eu entenda é
um ritmo legal, que faz a gente se sentir bem, ficar bem calmo, relaxado. Que é o que eu sei, o que os negros antes costumavam fazer, não só no reggae, outros ritmos.
Quando tinham um tempinho, que vinham do trabalho, tiravam pra se divertir, que era no reggae, no tambor de crioula e na quadrilha, eu acho que no cacuriá] (R. W. F.,
FD, 03/01/2020). [Eu acho que seria a música que de alguma forma o negro tentou expressar a sua originalidade, o seu sentimento e a sua valorização, seu pedido de
respeito... eh... a forma do negro dizer que ele também é gente e não é porque ele tem uma pigmentação da pele mais escura, que ele tem que ser diferente. Ele é gente,
ele tem sangue, ele pensa, ele tem alma, né, ele tem sentimento] (K.L.L.S., FD, 24/01/2020). [É todo um ritmo que tem a batida forte dos tambores, dos atabaques.
Mesmo tendo outros instrumentos, o atabaque é o que dá o tom da música afro, da música negra. É o jass, é o bumba-boi, tambor de crioula, samba, música de preto]
(M.M.S.P., FD, 12/11/2019). [Não é o reggae?!INQ.- Música negra, pra senhora, é só reggae? COL.- Não, música negra... assim, no caso do... daquele bloco, qual é o
nome, meu deus do céu... o que é do Centro de Cultura Negra] (B.A.R.M., FD, 05/10/2019).

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
fala da realidade afro é assim… da África É todo um ritmo que tem a música como um reggae
SEMAS
batida forte dos tambores, movimento universal que
dos atabaques transpassa todos os
seguimentos
67

o negro tentou expressar a elementos do fundamento jazz


sua originalidade, o seu afro
sentimento e a sua
valorização, seu pedido de
respeito
a pessoa tá buscando um ritmo legal, que faz a gente afro
resgate se sentir bem, ficar bem
calmo, relaxado
bumba-meu-boi
Conceptus Ø
NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Música que fala da realidade do negro, em que ele tentou expressar a sua originalidade, o seu sentimento e a sua
CONCEPTUAIS valorização, seu pedido de respeito. Ritmo tocado com a batida forte dos tambores, atabaques e com elementos do
FORMADORES fundamento afro para a pessoa se sentir calmo, relaxado, se sente bem. A música é universal. Ritmos como o jazz,
reggae e afro.
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1 Gêneros musicais tocados pela batida forte de tambores , atabaques e instrumentos tipicamente afro. 2 Manifestação musical
que exige de respeito, a autoafirmação enquanto negro e valorização do povo de seu povo. 3 Música universal. 4 Música faz a pessoa se sentir calmo, relaxado. 5 Ritmos
musicais específicos como jazz, reggae, bumba-meu-boi, afro.
7 OBSERVAÇÃO Ao verificarmos o vocábulo música encontramos a definição de diversos ritmos musicais, dentre eles sertanejo, gospel e outros, entretanto não houve a
presença da denominação negra.
Fonte: Adaptada de Santos (2013)
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Ficha 15-Análise etnoterminológica do vocábulo-termo NEGRO

1 VOCÁBULO-TERMO: Negro 2 CAMPO SEMÂNTICO: Identidade e negritude Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO 1 Que tem a cor mais escura de todas, como o piche e o carvão. 2 Que se refere a pessoa de etnia negra. 3 Que não tem luz;
completamente escuro e sombrio. 4 Que está encardido; preto: As chaminés ficaram negras com a fumaça. 5 FIG Que é triste ou lúgubre: Vi uma capela negra ao longe.
6 FIG Que anuncia infortúnios; nefasto: Futuro negro.7 FIG Que inspira medo ou pavor; tenebroso: Durante o ataque aéreo, viveram um dia negro. 8 Que revela
crueldade ou sordidez; perverso: Seus feitos negros assustavam toda a comunidade. 9 FÍS Que absorve toda luz que nele incide: Corpo negro. sm 1 A cor do piche ou do
carvão; preto. 2 Indivíduo de etnia negra. 3 Aquele que vive sujeito a um senhor; escravo.4 POR EXT Pessoa que trabalha muito: Há um ano trabalha feito um negro.
5 COLOQ Vnego. (MICHAELIS, online)

1. A cor do carvão, do piche, do ébano; PRETO 2. Soc. 2. Indivíduo de pele escura; PRETO 3. Escuridão, trevas: o negro da noite. [Dim.: negrilho, negrote] a. 4. Que é
da cor do carvão do piche, do ébano (olhos negros). 5. Diz-se dessa cor: pedra de cor negra. 6. Que tem a pele escura. 7. Diz-se que é escuro, tirante a preto, cinzento; que
causa sombra, que traz escuridão tempestuoso (negras nuvens): “Pois que chuva e negros ventos me fecham a porta e o dia” (Nicolau Tolentino) 8. Pej. Que anuncia
infortúnios; infausto; adverso, funesto (negra sina, negro fado): Um negro destino o aguardava. 9. Que se acha sujo, encardido: As crianças da rua com as mãos negras.
10. Pej. Horrendo, execrável, maldito, pavoroso (negra tradição, negra morte). 11. Ópt. Que absorve toda a radiação luminosa incidente e visível (AULETE, 2011, p.
965).
( )Acepção coincidente sob outra ( X )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Ser negro é a gente se assumir.] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [Ser negro é a pessoal realmente não, não... peraí, qual a palavra correta… É não
ter vergonha de ser o que ele é, primeiro; segundo, é se moralizar como negro, por que onde a gente chega ah, isso daí é negro, isso e aquilo outro. Isso por ser negro, já
chega fazendo feiura, piora a situação né. Então, é a gente se orgulhar de ser negro] (B.C.D, LB, 22/02/2019). [Ser negro é um estado de espírito, porque tem um monte
de negro aí, de pele negra que quer ser branco. INQ.- Negro que quer ser branco? COL.- Negro que quer ser branco é aquele negro que é negro, mas, assim, tem um ar de
superioridade, não é humilde, não tem amor pelo próximo, não tem nada. Bem aquelas coisas de branco lá do tempo da escravidão mesmo que chicoteava] (W.L.P.A., LB,
08/02/2019). [Ser negro é tudo de bom, gente. Tem toda uma história que a gente carrega, né, dos nossos antepassados tudo o que já sofreram e não tem que ficar... como
é que se fala... tem muito negro que tem preconceito pela sua cor ainda. Triste, mas assim, tudo e todos que já sofreram por nós, entendeu?! Então, é maravilhoso, gente,
ser negro, é uma cor muito bonita... é linda] (A.T.A.M, LB, 13/11/2018) [É tá nessa luta constante, lutando a favor de seus direitos e seus deveres, fazer que a sociedade
reconheça que nós não temos nada de diferente] (N.O.C., LB, 08/02/2019). [Ser negro, é uma... como eu posso dizer... É uma pessoa que tá lutando, lutando pelos seus
ideais, por igualdade e ser negro é resistência, é o que eu posso resumir em uma palavra. Negro é resistência até hoje. Eu sempre botei isso na minha cabeça] (W.R.S.A. ,
LB, 02/05/2019). [Acho que ser negro eh... As nossas cores, eu acho que é] (A.R., FD, 30/10/2019). [Ser negro é de origem afro, e tá ligado a toda essa esfera, nesse
conceito e... e... tá antenado na luta contra todas essas barreiras que o povo eh... a grande massa coloca... dizem que acabou a escravidão e não se vê o racismo assim, mas
a gente sabe que existe, né? Então a gente tem que ter o estima forte pra não deixar se abalar, né? E pra, por exemplo, ser, se sentir e a luta de ser, por as pessoas
discriminam muito e às vezes ignoram muito, tem que ter sangue nos olhos e bastante pulso pra ti ser e exercer, e manter o que tu acha que são os elementos do negro, a
cultura, nossa cultura negra, e nós ser negro, falo assim, a gente passa por outros lugar as pessoas ficam olhando, falando... se puliciar e não deixar se abater, rebater essas
coisa, não de forma assim... eh... agressiva mas não também deixas as pessoas falando o que quer e fazer pouco de nós por ser negro, que negro não é doença, nem uma
69

desqualidade, é uma qualidade] (C.D.R., FD, 08/01/2020). [Pra mim, ser negro é ser humilde, é ter uma.... oh... como é o nome... é ter uma cultura, é ter uma história,
entendeu?! Uma história bonita pra contar, que todo negro tem uma história bonita pra contar, diferente das outras raças. Que o negro, até hoje foi, tem religiões, tem
tradições. Pra mim, ser negro é tudo, entendeu?! Pra mim é tudo. A cor mais bonita que eu acho no mundo que Deus já criou foi o negro (R.W.F., FD, 04/01/2020). [Ser
negro é ser satisfeito. Se alguém me chamar de negra eu não vou achar ruim, porque eu sou negra mesmo. Eu me sinto muito forte com essa palavra NEGRA. Eu mesma
tinha um problema, eu não gostava de branco] (B.A.R.M., FD, 15/10/2019) [Eh...a definição de ser negro, eu acho que é ter uma identidade própria com história, com
memória, né. A gente tem uma história, a gente tem uma memória. Então, ser negro é isso: é ter consciência dessa história, né] (M.M.S.P., FD, 12/11/2019) [É bem
complicado dizer o que é ser negro, ser negro pra mim é ter origem, saber que você veio de uma ancestralidade que não tem fim, que se você for buscar, você vai buscar,
buscar, buscar e a cada dia tu vai buscar mais, e cada dia tu conhece mais e cada dia tu sabe que tu conhece menos, eu, eu... como é que eu posso te falar assim...]
(K.L.L.S., FD, 24/01/2020 ).

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
Assumir história ter origem lutando a favor de seus cor mais bonita
SEMAS
direitos e deveres
não ter vergonha Memória Ancestralidade lutando pelos seus ideais cores
se moralizar como negro ter cultura estado de espírito resistência
se orgulhar de ser negro ter identidade própria Qualidade
Ser humilde
Conceptus Que absorve toda luz que nele incide. Cor mais escura, pinche, ébano. Escuridão. Encardido. Sombra. Infortúnio.
NATUREZA Sujo. Encardido. Horrendo. Etnia Negra. Aquele que vive sujeito a um senhor; escravo. Pessoa que trabalha muito.
DOS SEMAS Tenebroso. Crueldade.
CONCEPTUAIS Metaconceptus Assumir-se e não ter vergonha de ser negro; se orgulhar de ser negro, da história, da identidade própria, da origem
FORMADORES acenstral, da memória. Lutar a favor de seus direitos, deveres e ideais, ser resistente contra todas as discriminações.
Estado de espírito, humilde. Cor mais bonita.
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1 Pessoa que se assume como negro, conhece a história dos seus ancestrais, que luta por direitos, deveres, resiste a todas as
formas de opressão. 2 Qualidade, estado de espírito, humildade. 3 Cor de pele mais bonita.
7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


70

Ficha 16- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo PEDREIRO

1 VOCÁBULO-TERMO Pedreiro 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Outras denominações (X ) SIM NÃO ( ) Nóia, fritão, frigideira
comportamento social
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO sm 1 Operário que trabalha na construção civil, com pedra, cimento e cal; maçom: “Que milagres de esperteza e de economia não
realizou ele nessa construção! Servia de pedreiro, amassava e carregava barro, quebrava pedra […]” (AA1). 2 Arma antiga que lançava grandes projéteis de pedra;
roqueira. 3 ZOOL Ave passeriforme (Cinclodes pabsti), da família dos furnariídeos, muito comum no Sul do Brasil, com aproximadamente 20 cm de comprimento, de
plumagem amarronzada e partes inferiores amareladas. 4 ZOOL Vjoão-bobo, acepção 1. 5 ZOOL Vjoão-de-barro, acepção 1. 6 REG (BA), PEJ Indivíduo que se casa
com moça não virgem; tapa-buracos. (MICHAELIS, online)

1 Operário que se dedica a obras de alvenaria. 2 Orinit. ver joão-de- barro. 3 Orinit.ver joão-bobo 4 O.m.q. gaivão ou andorinha. 5 Mil peça de artilharia antiga
que arremessava projeteis de pedraROQUEIRA [F: pedra+ eiro] (AULETE, 2011, p. 1044)
( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( X)Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
5 CONTEXTOS DE USO [Pedreiro, nóia .INQ.- Pedreiro?COL.- É! Tem vários nomes. Nóia, fritão, frigideira. Vários nomes que eles dão.] (R.W.F., FD, 04/01/2020).
[Eh... viciado de pedra, pedreiro... viciado de pedra, pedreiro... mais ou menos esses nomes...] (C.D.R., FD, 08/01/2020).
4 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
viciado de pedra
SEMAS

NATUREZA DOS Conceptus Operário da construção civil


SEMAS
CONCEPTUAIS Metaconceptus Indivíduo viciado em pedra
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Pessoa viciada em crack

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


71

Ficha 17-Análise etnoterminológica sobre o vocábulo-termo PEGAR A BURRINHA

1 VOCÁBULO-TERMO: Pega a burrinha 2 CAMPO SEMÂNTICO: Diversão, laser e jogos Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação e conceptus não dicionarizados

( )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente (X)Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Pegar burrinha é... Não tem a burrinha de São João? Não tem o boi, não tem a burrinha. Não tem aqueles meninos que ficam correndo na
morte de boi, isso que é pegar a burrinha. INQ.- Como é que pega? COL.- Aí tu vai pegar a pessoa INQ.- Com uma corda, eh? COL.-É, aí a pessoa vai pegar, vai bater,
pra pegar aquela pessoa pra pegar o chicote. É um inferno. É só pra menino tá correndo em rua] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [Essa brincadeira, pra gente, era diferente, era
um colega, a gente tinha que pegar, o colega se escondia e a gente corria atrás, né?! E aquele que descobria onde a pessoa tava escondida era aquele que ganhava a
brincadeira. Existe outro tipo, mas o que a gente brincava como pega burrinha é isso aí] (M.M.S.P., FD, 12/11/2019) [É uma que eles amarravam a camisa na pessoa e
saiam correndo pra dale na pessoa, o que pegasse a camisa] (R. W. F., FD, 04/01/2020)

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
aqueles meninos que ficam vai pegar, vai bater, pra a gente tinha que pegar, o com uma corda
SEMAS correndo na morte de boi, pegar aquela pessoa pra colega se escondia e a
isso que é pegar a burrinha pegar o chicote gente corria
amarravam a camisa na aquele que descobria onde
pessoa e saiam correndo a pessoa tava escondida era
pra dale na pessoa aquele que ganhava a
brincadeira

Conceptus Ø
NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Brincadeira em que os meninos correm atrás da burrinha, até pegar o chicote e bater na pessoa que representa o
CONCEPTUAIS animal. Jogo em que os colegas se escondem e outra criança vai tentar encontra-las. Uma criança amarrava um
FORMADORES corda e as outras saiam correndo para bater na criança que estava amarrada com a corda.
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO . 1. Brincadeira em que os meninos ficam correndo, na morte do bumba-meu-boi, com uma corda nas mãos atrás da burrinha.
2. Brincadeira infantil em que o chicote é amarrado em uma criança, as outras devem encontrá-la e pegar o chicote para bater na burrinha (figura representada pela criança
selecionada). 3. Diversão em que uma criança se esconde e as outras a procuram até acha-la.
72

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


73

Ficha 18- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo POC-POC/POC¹

1 VOCÁBULO-TERMO: POC-POC/POC 2CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Outras denominações ( ) SIM NÃO ( )


Comportamento Social
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação não dicionarizada
(X)Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação Malfeito coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Uma coisa que… assim… quase como uma brincadeira, assim, sei lá.. uma coisa que não é bem feita… sei lá… Ah, a gente usa POC aqui
quando… tipo assim: ah, esse coisa tá POC, tá malfeito, entende?! Aí, eu chegou mal arrumado, ah, hoje o W... tá POC POC. Mais é esses qualiras que usa essa
linguagem] (W.L.P.A., LB, 08/02/2020). [Não, não, esse daí eu não sei. Se for fulano tá POC-POC, oh, fulano... isso aí é um.. cantor POC-POC, é um cantor da ralé. Não
sabe nada, não canta nada] (N.O.C., LB, 08/02/2019).
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5

SEMAS tá malfeito Ralé

Conceptus Configuração defeituosa. Executado sem cuidado ou capricho. Imperfeito. Defeitoso.


NATUREZA DOS Não possui a a apresentação ou aparência agradável
SEMAS Metaconceptus Alguma coisa mal feita, da ralé.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Algo que foi produzido com péssima qualidade, malfeito, mal arrumado.

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


74

FICHA 19-Etnoterminológica do vocábulo-termo POC²

1 VOCÁBULO-TERMO: POC 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e Outras denominações ( X) SIM NÃO ( ) gay, qualhira, maricona
Comportamento Social Safada
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação não dicionarizada
(X )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação Afeminado coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO ). [Sim… tipo assim: são os gays afeminados, que a gente fala aquela POC. Aquela POC arrasa, entendeu?! Ela lacra, ela monta, se veste, se
maqueia, anda sempre no estilo é uma POC] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018)
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5

SEMAS gays afeminados

Conceptus Pouco virirl, apresenta características de mulher. Perder a masculinidade.


NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Homem homossexual que se monta, se veste, se maquia.
CONCEPTUAIS
FORMADORES
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Homossexual afeminado

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


75

Ficha 20- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo PRETO/NEGRO FUGIDO

1 VOCÁBULO-TERMO Preto/negro Fugido


2 CAMPO SEMÂNTICO: Diversão, laser e Outras denominações ( ) SIM NÃO (X)
jogos
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO Denominação não dicionarizada

( )Acepção ( )Acepção (
( X)Acepção parcialmente coincidente sob outra denominação
coincidente sob outra parcialmente )Acepção ( )Acepção e denominação exclusivas
Esconde-esconde
denominação coincidente diferente

4 CONTEXTOS DE USO [Eh, é ... só que tu vai correr atrás do menino. É tipo assim: tu pega uma corda e bota aqui em mim, aí eu vou correr até o mundo acabar pra
ninguém pegar essa corda que tá em mim. Aí quando tu conseguir pegar, tu dali. Só pra apanhar, mermã] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [Preto fugido é tipo um... um... esconde-
esconde só que aí, no mato, né? Aí, as pessoas vão se esconder nos locais das árvores, atrás das moitas, aí um vai descobrindo o outro aí ele vai... ele vai... vai descobrindo
até tu descobrir o último, aí tu deixa de ser aquela pessoa que vai procurar, ou então alguém chega, vai lá, bate lá no local e tu volta a ser novamente...] (C.D.R., FD,
08/01/2020).

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
pega uma
corda e bota
aqui em mim, descobrir o último, aí tu
esconde-
aí eu vou deixa de ser aquela pessoa
esconde
correr até o vão se esconder nos locais das árvores, atrás das que vai procurar, ou então
só que
mundo acabar moitas, aí um vai descobrindo o outro alguém chega, vai lá, bate
aí, no
pra ninguém lá no local e tu volta a ser
mato
pegar essa novamente
corda que tá
em mim
76

quando tu
SEMAS conseguir
pegar, tu dali

Brincadeira infantil em que uma criança deve procurar e encontrar as demais. Uma criança fica com o
NATUREZA Conceptus
DOS SEMAS
rosto encoberto por algum tempo e depois sai a procura das outras, que se esconderam.
CONCEPTUAIS
FORMADORES

Brincadeira em que uma corda é colocada na criança e as outras tentam pegá-la para bater com o instrumento na pessoa que estava
Metaconceptus
fugindo. Brincadeira de esconde-esconde no mato em que uma criança deve procurar as outras, sem deixá-las bater no local selecionado.

6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1 Brincadeira infantil em que uma criança corre com uma corda na cintura, as outras tentam alcança-la para pegar a corda e
bater na criança que representa o negro fugido. 2 Variação do pega-pega, brincadeira realizada em área com muitas árvores e matos, em que as crianças se escondem e uma
vai procurá-las até encontrar a última, ou uma criança toca no local previamente selecionado e salva a todas.

7 OBSERVAÇÃO
Fonte: Adptado de Santos (2009)
77

Fiicha 21-Etnoterminológica sobre o vocábulo-termo QUILOMBO

1 VOCÁBULO-TERMO: Quilombo 2 CAMPO SEMÂNTICO: Territorialidade Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )


3 CONCEPTUS DICIONARIZADO Sm 1 HIST No período colonial, comunidade fortificada formada por negros fugitivos e por uma minoria branca e indígena,
organizada politicamente, representando uma forma de resistência e combate à escravidão. 2 Local onde escravos fugitivos se refugiavam nas matas; mocambo.
3 REG (AL), ETNOL, MÚS Auto encenado durante o Natal entre grupos que figuram escravos fugidos e índios lutando pela posse de uma rainha indígena.
(MICHAELIS, online)

sm Bras. Hist. Lugar escondido ou fortificado em que se refugiavam escravos fugidos [F. Do quimb. kilombo ‘união’] ~dos Palmares Bras. Hist. Quilombo em Alagoas,
do qual escravos fugidos fizeram um Estado, no séc XVII [Tb. apenas Palmares] (AULETE, 2011, p. 1143)

( )Acepção coincidente sob outra ( X )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [É um... Setor, aquele setor, um setor que tiraram pra ser aquilo... Eu acho que é... É um bairro, uma morada, um negócio, eu acho que é assim,
né, pra mim] (A.R., FD, 30/10/2019) [Fazendo a retrospectiva, quilombo é uma busca por liberdade, vida livre, não só poder pensar mas poder agir, melhor, sem
opressão, sem discriminação, sem preconceito, com bastante respeito, humildade e cuidado consigo e com o outro, uma comunidade mais unida e mais fraterna, sem
muitos pensamentos capitalistas e essa coisa maçante] (C.D.R., FD, 08/01/2020) O quilombo, no meu entendimento, é um local de resistência, da luta do povo negro. É
um local de identificação de um povo que foi excluído de direitos. E é uma identificação de lutas, né, eu vejo o quilombo como esse espaço onde eu aqui me sinto
pertencente, né, eu sinto que eu tenho uma raiz, que eu tenho uma origem e que eu preciso dar continuidade a essa luta (M.M.S.P., FD, 12/11/2019). O quilombo era um
espaço aonde as pessoas que conseguiam fugir da fazendas, dos seus espaços de escravidão, tinham liberdade. Ali, eles tinham liberdade de expressão, ali, eles podiam
plantar, eles podiam criar. Eles criavam seus animais, ele criava, ele plantava, então, gerou um espaço de quê? De liberdade, né, então, se a gente for buscar nossa origem,
escravo, quilombo hoje representa liberdade (K.L.L.S., FD, 24/01/2020).
4 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
bairro, uma morada busca por liberdade, vida comunidade mais unida e cuidado consigo e com o
SEMAS livre mais fraterna outro
local de identificação de
um povo que foi excluído
de direitos
local de resistência, da luta
do povo negro

Conceptus Lugar escondido, fortificado. Local onde escravos fugitivos se refugiavam nas matas; mocambo
78

NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Lugar de liberdade, local de resistência, da luta do povo negro- um povo que foi excluído de direitos.
CONCEPTUAIS Comunidade mais unida, fraterna e que cuida de si e do outro. Comunidade fortificada formada por negros fugitivos e por
FORMADORES uma minoria branca e indígena
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1 Lugar de morada de vários povos, principalmente, de negros. 2 Bairro. 3 Espaço que busca a liberdade, a vida livre, o agir
contra as opressões, preconceitos ou discriminação e a ideologia capitalista. 4 Local de resistência e luta do povo negro. 5 Espaço de origem, de raiz e união só de negros 6
Comunidade unida que todos cuidam para o bem do coletivo.
7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


79

Ficha 22-Análise etnoterminológica do vocábulo-termo QUILOMBO URBANO

1 VOCÁBULO-TERMO: Quilombo Urbano 2 CAMPO SEMÂNTICO: Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X)


Territorialidade
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO: Denominação e conceptus não dicionarizadas
( )Acepção coincidente sob ( )Acepção ( )Acepção parcialmente ( )Acepção (X)Acepção e
outra denominação parcialmente coincidente coincidente sob outra denominação diferente denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO Aqui é um quilombo urbano. Um bairro que tem muito negro, negro de cor. Tem muita pessoa que se assume realmente que é negro e a gente
mora no Centro de São Luís, né?! (A.F.G., LB, 22/03/2019). [O quilombo urbano… O quilombo, pra mim, é um povo viver em comunidade. É o povo viver em
comunidade contra o preconceito. Viver em comunidade combatendo o preconceito] (B.C.D, LB, 22/02/2019). [Quilombo Urbano, eu entendo assim que era povoado por
negros escravos, assim, e acabou se identificando, chegando indústrias escolas, cresceu verticalmente e virou Quilombo Urbano] (W.L.P.A., LB, 08/02/2019). [Já ouvi
falar... até porque... dentro dessa nomenclatura nós tamu dentro de um, que é essa região que nós tamu, Liberdade, Fé em Deus, Camboa até... Alemanha, que é uma
região de negros que vive com uma adaptação, né?! saiu da floresta, de ambiente de plantas e matos, aonde começou uns tempos atrás eh... tá numa região urbana de
bairros, de comunidade, de cidade... Quilombo urbano é onde tu possa mudar de ambiente, mas que tu possa manter aquilo que tu traz dentro de ti, tua cultura, tua
religião, teus costumes, tuas tradições... de, de negro, de índio, que tu possa ser aquilo que tu é, como a gente não tem muito aquele negócio de europeu aqui, então é mais
afro-indígena mesmo... ] (C.D.R., FD, 08/01/2020). [Todas as periferias por aqui, periferias no caso... é... vou só te dá o exemplo dos bairros que faz parte das periferias
por aí, Santa Clara, Vila Cafeteira] (B.A.R.M., FD, 15/10/2019). [É esse aglomerado de homens e mulheres, num espaço da cidade. São pessoas que vem da área rural
buscar alternativas de sobrevivência e nesse espaço eles se instala. E eu acho que essa conotação do quilombo é uma forma de trazê-los pra essa identidade, que você sai
da sua terra que não é muito difícil, que não é muito diferente de como fomos trazidos da África, só que o detalhe é que eu fiz uma opção de ir para um outro espaço, uma
outra cidade, porque aqui eu não tinha como sobreviver. E quando a gente foi trazido da África, não havia essa possibilidade, eu não quero ir, mas foi de forma forçada]
(M.M.S.P., FD, 12/11/2019). [[...] justamente, o que a gente trouxe pra mim é um passado modernizado, porque antigamente eu tinha umas casas de taipa. Hoje, eu tenho
casa de tijolo. Antes, eu tinha casas cobertas de palha, hoje, eu tenho casas cobertas de telha, né, antes eu tinha lamparina, hoje, eu tenho energia elétrica [...]] (K.L.L.S.,
FD, 24/01/2020).
4 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
um bairro que tem muito onde tu possa mudar de Periferias cresceu verticalmente viver em comunidade
SEMAS
negro, negro de cor. ambiente, mas que tu possa combatendo o
manter aquilo que tu traz preconceito
dentro de ti, tua cultura, tua
religião, teus costumes,
tuas tradições... de, de
negro, de índio
tem muita pessoa que se que é uma região de negros passado modernizado
80

assume realmente que é que vive com uma


negro adaptação, né?!
são pessoas que vem da é uma forma de trazê-los
área rural buscar pra essa identidade
alternativas de
sobrevivência

NATUREZA DOS Conceptus Ø


SEMAS
CONCEPTUAIS Metaconceptus Bairro periférico com muitos negros de cor, que vieram da área rural em busca de alternativas de sobrevivência.
FORMADORES Região de negros que vivem uma adaptação, um passado modernizado que cresceu verticalmente. Lugar onde a
pessoa possa mudar de ambiente e manter a cultura, a religião e as tradições de negro e índio. tua cultura, tua
religião. Forma de trazer a identidade de negros que combatem o preconceito.

5 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1. Espaço em área urbana onde afro-indígenas moram após saírem das áreas rurais em busca de melhores condições de vida e
sobrevivência. 2. Espaço que reflete um passado modernizado, mantendo a tradição e os costumes de negro e indígena. 3. Forma de manter viva a identidade quilombola
em área urbana para combater o racismo. 4. Forma de manutenção das tradições herdadas dos ancestrais negros
7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


81

Ficha 23- Análise etnoterminológica do vocábulo-termo QUILOMBOLA

1 VOCÁBULO-TERMO: Quilombola 2 CAMPO SEMÂNTICO: Identidade-Negritude Outras denominações ( ) SIM NÃO ( X )


3 CONCEPTUS DICIONARIZADO sm+f Escravo refugiado em quilombo; calhambola, calhambora, canhambola, canhambora, canhembora.
sm+f Escravo refugiado em quilombo; calhambola, calhambora, canhambola, canhambora, canhembora (MICHAELIS, online)

Escravo ou escrava refugiados em quilombo [De or. controv.] (AULETE, 2011, p.1143).

( )Acepção coincidente sob outra (X )Acepção parcialmente ( )Acepção parcialmente coincidente ( )Acepção diferente ( )Acepção e
denominação coincidente sob outra denominação
denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Quilombola é morar em um quilombo, morar em um povoado de quilombo. Isso é ser quilombola.[…]] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [É ser um
negro consciente em defesa de si próprio] (B.C.D, LB, 22/02/2019). [É ter nascido dentro daquela coisa que eu te falei de um povo que se conhece, todos negros, da
mesma raça] (W.L.P.A., LB, 08/02/2019). [Essa miscigenação que tem, essas coisas diferentes eh.... tipo... é essa mistura que a gente tem de tudo, essa mistura mesmo]
(A.T.A.M., LB, 13/11/2018) [Vamos dizer que basicamente é a mesma coisa, ser quilombola é fazer parte de uma comunidade negra que luta pelos seus ideais]
(W.R.S.A., LB, 02/05/2019).. [No sentido principal da palavra eu não sei dizer, que eu não tive convivência. Que viver em quilombo urbano um é uma coisa e viver em
um território quilombola, é outra. Que no território quilombola, ele tem que viver em um espaço em aglomerado coletivo, em que ele tem que viver de forma coletiva,
mesmo. Então, ali ele luta pelos direitos dele, daquele espaço. Aqui não, aqui é um pouco diferente, aqui é um quilombo urbano, o que que é? É urbano mas cada qual tem
a sua casa, cada qual tem o seus costumes, seus afazeres. Então, quilombo é uma palavra muito forte, que poderia e deveria ser respeitando, não por ser negro, mas por ter
o seu costumes ancestrais permanecidos, continuados, por que hoje eu tô, mas amanhã esse rapaz pode dar continuidade nesses costumes, né, a filha dele pode dar
continuidade nesses costumes, desde que ela seja mantida naquele ambiente, porque se ela não for, ela vai ser uma mulher de pele negra, mas de cabeça branca] (N.O.C.,
LB, 08/02/2019 [Ser quilombola é tu... tu ser envolvido com essas atividade e ser bem sucedido, pode não ser, não só que seja financeiramente, mas ter uma estima boa,
que tu te sinta bem, sabe, que tu vá e participa, sabe?! E gosta, aquilo já (init. 24) coração, te dedica, que tu te sinta bem, eh... uma energia boa, uma boa fluência, naquela
sintonia] (C.D.R., FD, 08/01/2020) [É um negro que tem consciência que é preciso lutar pela libertação. Pra mim, ser quilombola é isso: é um negro que tem consciência.
(M.M.S.P., FD, 12/11/2019) [É (init.), viver, vivenciar, continuar aquilo que desde o princípio, desde o início. Ser quilombola é ser... no nosso linguajar é ser parceiro, é
ser amigo. Saber colocar o meu problema do lado, pra mim ouvir o problema do outro, sabe, sabe?! Sabe?! (K.L.L.S., FD, 24/01/2020)]
5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
fazer parte de uma povo que se conhece, todos negro que tem consciência ser parceiro
SEMAS
comunidade negra que luta negros que é preciso lutar pela

24
Parte do áudio inteligível para a transcrição.
82

pelos seus ideais libertação


morar em um quilombo Miscigenação ser amigo
comunidade negra que luta
pelos seus ideiais

Conceptus Escravo e escrava. Refugiado em quilombo.


NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Morar em quilombo com um povo que se conhece, todos negros ou miscigenados. Pessoa negra consciente que é
CONCEPTUAIS preciso lutar pela libertação e pelos ideias da comunidade negra. Parceiro, amigo que transmite uma energia boa,
FORMADORES boa influência na comunidade negra.
6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO 1 Pessoa negra ou miscigenada que mora em quilombo.2 Pessoa negra consciente de que é preciso lutar pela libertação das
opressões que ainda afligem a comunidade negra. 3 Pessoa negra que transmite uma boa energia, é parceiro, amigo.
7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


83

Ficha 24-Análise etnoterminológica do vocábulo-termo URSO

1 VOCÁBULO-TERMO Urso 2 CAMPO SEMÂNTICO: Convívio e comportamento social Outras denominações ( X ) SIM NÃO ( ) amante,
fura olho
3 CONCEPTUS DICIONARIZADO 1 ZOOL Denominação comum aos animais mamíferos, carnívoros, da família dos ursídeos, principalmente aqueles do gênero Ursus,
como o urso-negro, o urso-pardo e o urso-polar. Geralmente são animais de grande porte, agressivos, encontrados em países de clima temperado. Nos lugares em que há
inverno rigoroso, hibernam por vários meses. 2 FIG Indivíduo pouco sociável, de poucos amigos. 3 FIG Mau amigo; amigo falso. 4 FIG Homem feio e deselegante.
5 FIG Indivíduo que é objeto de zombaria. 6 ZOOL Vchapéu-armado. 7 No jogo do bicho, o 23ºgrupo, abrangendo as dezenas 89, 90, 91 e 92. (MICHAELIS, online
)
sm. 1. Zool. Nome comum qe se dá aos mamíferos da fam. Dos ursídeos, esp. os do gên. Ursus (urso-pardo, urso-polar, etc. 2Fig.Indivíduo de pouca sociabilidade, por
vezes meio rude, meio selvagem. 3 Fig. Indivíduo muito encorpado e ger. cabeludo. 4 Fig. Indivíduo sem elegância, sem boas maneiras. 5 Bras. Lud.O grupo 23 no jogo
do bicho, formado pelas dezenas 89,90,91 e 92. (AULETE, 2011, p. 1385).
( X )Acepção coincidente sob outra ( )Acepção ( )Acepção parcialmente ( )Acepção ( )Acepção e
denominação parcialmente coincidente coincidente sob outra denominação diferente denominação exclusivas
4 CONTEXTOS DE USO [Urso é quem entra no meio da relação do casal] (N.O.C., LB, 08/02/2019) [ Que a gente sabe é que eles chamam é de ursa, de mulher que é
ciente que a pessoa é casada e tá querendo ficar com o homem. A mesma coisa é o homem] (R.W.F., FD, 04/01/2020) [Ah, eu escuto muito chamar de ursa] (B.A.R.M.,
FD, 05/10/2019).

5 ANÁLISE SEMÂNTICO-CONCEPTUAL
1 2 3 4 5
quem entra no meio da mulher que é ciente que a
SEMAS relação do casal pessoa é casada e tá
querendo ficar com o
homem.
A mesma coisa é o homem

Conceptus Animal mamífero. Indivíduo pouco sociável, sem elegância.


NATUREZA DOS
SEMAS Metaconceptus Homem ou mulher que se relaciona com uma pessoa ciente que é casado
CONCEPTUAIS
FORMADORES
84

6 DEFINIÇÃO DO VOCÁBULO-TERMO Mulher ou homem que se envolve com uma pessoa que tem um relacionamento estável.

7 OBSERVAÇÃO

Fonte: Adaptada de Santos (2013)


85

5.2 DISCUSSÃO DOS DADOS

Nesta pesquisa, nos lançamos a compreender o universo das práticas sociais e culturais
dos quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em Deus a partir da análise das relações
léxico-semânticas e semântico-conceptuais que estabelecem na interação, especialmente, com
seus pares.
Como resultado, catalogamos um total de 24 vocábulos-termos selecionados,
sobretudo, pela representatividade de uso nas relações estabelecidas nesses quilombos. A
grande maioria dos vocábulos-termos identificados explicitam particularidades semântico-
conceptuais construídas pelos quilombolas investigados nos diversos contextos de interação
que vivenciam, ou seja, a maior parte dos vocábulos-termos catalogados tem denominação
conhecida, registrada nos dicionários de língua geral, contudo, muitas das denominações
dicionarizadas se revestem de uma conceptualização sociocultural específica do universo dos
quilombolas investigados.
Enfatizamos ainda que, entre os 24 vocábulos-termos identificados, apenas 14 foram
selecionados a partir da frequência de uso. Os outros 10 foram selecionados por sua
importância de uso nas relações estabelecidas pelos quilombolas urbanos investigados.
Elucidamos, ainda, que nosso principal critério para a análise dos vocábulos-termos
negro, quilombola, LB, quilombo, quilombo urbano, urso, pedreiro, macumba, música negra,
POC/POC-POC, POC, preto/negro fugido, pega a burrinha e faca cega, neste capítulo, foi,
sobretudo, a importância de uso dessas unidades lexicais no discurso especializado dos
quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em Deus, sendo essas unidades representativas,
portanto, da axiologia desses sujeitos.

5.2.1 Negro
O vocábulo-termo negro está dicionarizado nos dois dicionários selecionados para
consulta nesta pesquisa, a saber, Aulete (2011) e Michaelis (online). Entretanto, a
conceptualização apresentada nessas obras para negro pouco reflete a visão de mundo dos
quilombolas urbanos da Fé em Deus e da Liberdade. Nesses dicionários, negro é a ausência
de luz, trevas, escuridão, pinche, ébano, assim, tem uma relação direta com o oculto, o
sombrio, a sujeira, com algo que manifesta energias negativas. Em seu núcleo sêmico latu
senso, os semas [trevas], [escuridão], [que absorve toda luz], [tenebroso] revelam uma
conceptualização negativa sobre negro.
86

Negro, ainda com base na concepção exposta nesses dicionários de língua geral,
apresenta o sema de [horrendo]. Tudo o que é associado ao vocábulo-termo negro está
intrinsecamente ligado à ausência de beleza. Além disso, ainda encontramos no dicionário
Michaelis (online) que negro significa aquele que vive sujeito a um senhor, escravo. Dessa
maneira, negro ainda é associado a uma concepção ligada ao período escravocrata, até os dias
atuais, remete à condição escrava. Ao remeter negro a escravo, o dicionário Michaelis pouco
induz o leitor a refletir sobre a condição de trabalho forçado sem as condições básicas de
sobrevivência que as pessoas negras foram forçadas a viver no período escravocrata,
especificamente. Para mais, negro apresenta o sema [pessoa que trabalha muito], condição
imposta pelos senhores que escravizaram pessoas negras no Brasil, dessa forma, há uma
relação entre cargas excessivas de trabalhos com pessoas negras.
Com base no exposto, podemos constatar que os semas encontrados nos dicionários de
língua geral consultados pouco coincidem com a conceptualização gerada pelos quilombolas
urbanos da Liberdade e da Fé em Deus. O sema coincidente entre a conceptualização
registrada nos dicionários consultados e a conceptualização produzida pelos quilombolas
urbanos investigados é [cor]: pois negro são “nossas cores” (A.R., FD, 30/10/2019).
Considerando o processo de ressemantização do vocábulo-termo negro realizado pelos
quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em Deus, verificamos que geraram noemas étnico-
culturais para produzir conceitos que refletem a visão particular que esse quilombolas têm
sobre si mesmos.
A metaconceptualização do vocábulo-termo negro realizada pelos quilombolas
urbanos da Liberdade e da Fé em Deus refletem que negro é uma pessoa consciente, que sabe
que é negro, ao contrário do indivíduo “de pele negra que quer ser branco” (W.L.P.A., LB,
08/02/2019). Para os colaboradores desta pesquisa, negro é a busca pela história, cultura,
memória e identidade dos ancestrais escravizados em solo brasileiro. Ao valorizarem a
descendência negra, os quilombolas urbanos ludovicenses assumem uma postura contra
aculturativa imposta pela ideologia dominante que posiciona o negro como “escravo”.
No processo de metaconceptualização do vocábulo-termo negro, o sema [luta] é
fundamental, pois reflete as lutas contra o sistema que os invisibiliza e por melhores
condições de vida e trabalho para o coletivo negro. A resistência se estabelece como uma
condição para “manter o que tu acha que são os elementos do negro, a cultura, nossa cultura
negra” (C.D.R., FD, 08/01/2020). Enfim, resistir é uma forma de combater as formas de
discriminação e ausência de serviços públicos básicos.
87

Negro, conforme os dicionários consultados para esta pesquisa, representa o negativo,


infortúnio. Entretanto, os quilombolas urbanos afirmam que “negro não é doença, nem uma
desqualidade, é uma qualidade” (C.D.R., FD, 08/01/2020). Negro apresenta uma qualidade
específica [humildade], os quilombolas urbanos ressaltam a humildade como um traço
formador de uma particularidade semântica que reflete a forma de vivência em comunidade.
Os sujeitos desta pesquisa revelam uma antonímia entre negro e branco. Negro é “um
estado de espírito, porque tem um monte de negro aí, de pele negra que quer ser branco. INQ.-
E o que é ser branco pra ti? Negro que quer ser branco? COL.- Negro que quer ser branco é
aquele negro que é negro, mas, assim, tem um ar de superioridade, não é humilde, não tem
amor pelo próximo, não tem nada. Bem aquelas coisas de branco lá do tempo da escravidão
mesmo que chicoteava” (W.L.P.A., LB, 08/02/2019). Para os quilombolas ludovicenses,
negro está associado às relações de cooperatividade e ajuda mútua, em contrapartida, branco
ou negro que quer ser branco é aquele que não assume essas relações.
Ao usarem o vocábulo-termo negro como uma maneira de se assumirem e lutarem
pelos seus semelhantes, (re)organizam o mundo semioticamente interpelado por uma
ideologia dominante, de cor única, ou seja, branca. Dessa forma, branco x negro aparecem
como antônimos em relação ao claro x escuro, mas, também, a cor do dominador x a cor da
resistência.
Negro, por sua vez, aparece como um grito que manifesta os discursos herdados do
grupo e que representa o processo sociohistórico. “Ser negro é ser satisfeito. Se alguém me
chamar de negra eu não vou achar ruim, porque eu sou negra mesmo. Eu me sinto muito forte
com essa palavra NEGRA. Eu mesma tinha um problema, eu não gostava de branco”
(B.A.R.M., FD, 15/10/2019).
Contra toda forma de dominação, resta a resistência, uma vez que, negro “é uma
pessoa que tá lutando, lutando pelos seus ideais, por igualdade e ser negro é resistência, é o
que eu posso resumir em uma palavra. Negro é resistência até hoje” (W.R.S.A., LB,
02/05/2019).. Por meio da resistência é que os negros conscientes das opressões vividas lutam
para conseguir acesso às políticas públicas para si e seus pares.

5.2.2 Quilombola

O conceptus exposto nos dicionários Michaelis (online) e Aulete (2011) apresenta


acepções diferentes das fornecidas pelos quilombolas urbanos ludovicenses da Liberdade e da
88

Fé em Deus. Enquanto nesses glossários da língua geral - que são considerados referências da
“norma” do bem falar o português - quilombola é definido como [escravo que fugiu]; para os
sujeitos desta pesquisa essa definição não os representa.
Ao enfatizar a condição de “escravo”, os dicionários destacam um sentido
escravocrata, como se a condição subumana vivida pelos negros escravizados por
aproximadamente 400 anos tivesse sido voluntária e não uma obrigação sustentada
institucionalmente pela igreja, pela ciência - ao criar teorias de segregação - e por
homens/mulheres brancos(as). [Refugiado], sema empregado nos dicionários de consulta,
remete a toda forma de fuga do seu lugar de origem devido a situações ambientais ou
perseguições políticas, ideológicas, religiosas ou raciais. O refúgio em quilombos nada mais
era que uma forma de resistência ao sistema que não lhes garantiu, por muito tempo, até
mesmo após a “abolição”, acesso à saúde, educação e serviços básicos de qualidade. A
resistência se fez/faz pela fuga do sistema que inivisibiliza corpos negros ao arrancar a sua
terra e/ou desvalorizar a sua cultura.
As metaconceptualizações desse vocábulo-termo geradas pelos quilombolas da Fé em
Deus refletem, de alguma forma, algo distante deles. Ao serem questionados sobre o que é ser
quilombola, alguns colaboradores disseram não conhecer o conceito, ou melhor, não saberem
o que é, como é notório na fala do informante B.A.R.M. (FD, 15/10/2019): “eu não sei. Me
diz que eu tô a fim de saber”. Isso é o resultado de um processo histórico que por muito tempo
negou direitos aos afro-brasileiros e indígenas, resultando em uma perda histórica e na
ausência de conhecimento sobre a ancestralidade negra/indígena.
Embora as suas práticas reflitam um aquilombamento, as falas que enfatizam tanto o
desconhecimento da denominação quanto a não conceptualização do vocábulo-termo
quilombola refletem um processo que se constituiu no apagamento e no embranquecimento
do povo brasileiro, ou seja, em um processo, inclusive educacional, a partir do olhar do
colonizador, o que não contribui para uma luta antirracista.
Enquanto isso, todos os colaboradores do bairro da Liberdade conceptualizaram o
vocábulo-termo quilombola.
Nesse contexto, podemos dizer que os quilombolas urbanos da Fé em Deus e da
Liberdade, ao metaconceptualizarem o vocábulo-termo em análise, ressaltaram que
quilombola é hipônimo de negro, dessa forma, todo quilombola é negro. Além das
características fenotípicas, como o tom escuro da pele, há o traço sêmico da consciência de
raça e a luta, principalmente, contra o racismo e contra todas as formas de opressão contra o
89

povo negro, pois quilombola “é um negro que tem consciência que é preciso lutar pela
libertação” (M.M.S.P., FD, 12/11/2019).
Ao enfatizar a luta pela libertação até os dias atuais, essa colaboradora lembra que a
Lei Áurea não possibilitou uma libertação, de fato, apenas garantiu o surgimento do sistema
capitalista, nada fez para garantir direitos ao povo negro. O resultado desse processo histórico
é que os piores índices de acesso à moradia, saneamento básico, saúde, educação, quando os
dados são racializados, remetem ao povo negro. Portanto, para eles, quilombola é o/a negro/a
que luta por melhores condições de vida para o seu povo e vive dentro de uma comunidade
em que todos se ajudam mutuamente.
Quilombola também é “morar em uma área de quilombo” (A.F.G., LB, 22/03/2019) e
ser “essa miscigenação que tem, essas coisas diferentes eh.... tipo... é essa mistura que a gente
tem de tudo, essa mistura mesmo” (A.T.A.M., LB, 13/11/2018). Quilombola, além de morar
em uma área de quilombo, ser negro ou micigenado, lutar pelo seu povo, tem que possuir “os
seus costumes ancestrais permanecidos, continuados, porque, hoje, eu tô, mas amanhã esse
rapaz pode dar continuidade nesses costumes, né, a filha dele pode dar continuidade nesses
costumes, desde que ela seja mantida naquele ambiente, porque se ela não for, ela vai ser uma
mulher de pele negra, mas de cabeça branca” (N.O.C., LB, 08/02/2019).
A análise do vocábulo-termo quilombola remete, assim, à manutenção dos costumes
herdados dos ancestrais negros como forma de resistência e luta por direitos e melhores
condições de vida para o coletivo.

5.2.3 LB

No campo-semântico territorialidade, os vocábulo-termos LB, Bairro Freedom,


Libercity e Liberdadesocity são formas denominativas que os quilombolas da Liberdade
utilizam para se referirem ao seu espaço. Esses vocábulos-termos refletem um processo
criativo em que os quilombolas urbanos da Liberdade criaram denominações para fazerem
menção ao seu bairro entre os seus pares, como é exposto pela colaboradora A.T.A.M. (LB,
13/11/2018) “não é muito comum não, só quando tá a gente” e pelo W.R.S. A. (LB,
13/02/2020) “porque quem é aqui do bairro já sabe o jeito de falar”.
A relação léxico-semântico revela o universo particular dos quilombolas urbanos da
Liberdade. Pela presença marcante do reggae no bairro e diversos espaços de lazer específicos
para a apreciação do ritmo, os moradores da Liberdade “[o] chamam de freedom. Assim, mais
90

quando se associa ao reggae, tá entendendo, por que negada fala que Liberdade é o bairro do
reggae, isso e aquilo, essas coisas” (W.L.P.A., LB, 08/02/2019)
Assim, os vocábulo-termos LB, Bairro Freedom, Libercity e Liberdadesocity estão
presentes no discurso dos moradores da Liberdade para denominarem com singularidade seu
espaço, bairro, quilombo como forma de assegurarem e de revelarem particularidades e
identidades desse espaço.

5.2.4 Quilombo

Pertencente ao campo semântico territorialidade, o vocábulo-termo quilombo está


dicionarizado. Nos dicionários de consulta desta pesquisa, quilombo remete a algo do
passado, do período colonial e é inexistente nos dias de hoje. Apresenta, ainda, os semas
[escondido], [fortificado], [lugar de maioria negra], com a presença minoritária de brancos e
indígenas. O vocábulo-termo quilombo apresenta a conceptualização de refúgio, resistência à
escravidão, lugar seguro em que os negros, brancos e indígenas poderiam vivenciar outras
práticas sociais e culturais.
Os quilombolas da Fé em Deus, ao conceptualizarem quilombo, entendem que é “um
bairro, uma morada [...]” (A.R., FD, 30/10/2019), sendo um espaço de “busca por liberdade,
vida livre, não só poder pensar, mas, poder agir melhor, sem opressão, sem discriminação,
sem preconceito, com bastante respeito, humildade e cuidado consigo e com o outro, uma
comunidade mais unida e mais fraterna, sem muitos pensamentos capitalistas e essa coisa
maçante” (C.D.R., FD, 08/01/2020). Para eles, quilombo é um espaço de vivência de práticas
que refletem a vida em prol do bem comum, onde há uma busca coletiva por respeito e
cuidado uns com os outros.
O traço semântico [luta do povo negro] explicita a manutenção das práticas dos negros
escravizados, fazendo do quilombo “local de resistência, da luta do povo negro” (M.M.S.P.,
FD, 12/11/2019). O quilombo é visto pelos moradores da Fé em Deus como um espaço que
garante a liberdade, pois “ali, eles tinham liberdade de expressão, ali, eles podiam plantar, eles
podiam criar” (K.L.L.S., FD, 24/01/2020).
Entretanto, apesar da prática de resistência e a manutenção das axiologias herdadas
dos seus ancestrais negros, alguns colaboradores não souberam conceptualizar quilombo.
Os metaconceptus atribuídos a quilombo refletem a forma de vivência dos
quilombolas em um bairro que resiste às opressões, dando continuidade à luta de seus
91

ancestrais negros contra qualquer tipo de escravidão moderna ao reconhecerem sua origem
quilombola e sua vivência comunitária.

5.2.5 Quilombo Urbano

O vocábulo-termo quilombo urbano não está dicionarizado. Ao metaconceptualizarem


esse vocábulo-termo, os moradores do bairro da Fé em Deus expressam as suas axiologias.
É no cenário do quilombo urbano que os sujeitos quilombolas urbanos reproduzem as
práticas herdadas, em parte, dos quilombos rurais. A percepção da organização social de ajuda
mútua, a manutenção das práticas dos quilombos rurais, tradições, brincadeiras e costumes
revelam uma forma de preservação de um elo com os ancestrais que viviam/vivem em área
rural. Assim, é possível, ainda, guardar as culturas passadas pelos quilombolas rurais e
estabelecer um ponto de encontro com a modernidade. Para os quilombolas urbanos,
quilombo urbano é um espaço que, em alguns casos, cresceu verticalmente (o surgimento de
apartamentos), nos quais há muitos negros que se assumem e dão continuidade aos costumes
dos quilombolas vindos, principalmente, do litoral e da baixada maranhense.
As pessoas que saíram de seus lugares originários, ou seja, do interior do estado do
Maranhão, ao virem para a capital, São Luís, em busca de melhores condições de vida e
emprego, trouxeram as suas tradições construídas linguística e semioticamente. Os avanços
que não chegam a algumas comunidades quilombolas rurais fazem as pessoas deixarem os
seus espaços de origem e enfrentar muitas dificuldades, “que você sai da sua terra que não é
muito difícil, que não é muito diferente de como fomos trazidos da África, só que o detalhe é
que eu fiz uma opção de ir para um outro espaço, uma outra cidade, porque aqui eu não tinha
como sobreviver. E quando a gente foi trazido da África, não havia essa possibilidade, eu não
quero ir, mas foi de forma forçada.” (M.M.S.P., FD, 12/11/2019).
Observamos, a partir da fala da colaboradora, que a travessia de África para o Brasil e
dos espaços rurais para a área urbana são imposições de um sistema que invisibiliza corpos
negros e os tiram de suas terras, costumes. A saída dos espaços rurais para o quilombo urbano
Fé em Deus e Liberdade alimentou a continuação das tradições negras vivenciadas em áreas
de contexto urbano.
Desse modo, essa saída gerou, também, usos especializados da língua que refletem
tanto os valores semioticamente trazidos dos quilombos rurais quanto os construídos a partir
da realidade vivenciada pelos quilombolas da Liberdade e da Fé em Deus em contextos
92

urbanos. Por isso, para os sujeitos desta pesquisa, os quilombos urbanos são “uma região de
negros que vive com uma adaptação” (C.D.R., FD, 08/01/2020), “um passado modernizado”
(K.L.L.S., FD, 24/01/2020).
Apesar de muitos quilombolas rurais saírem em busca de melhores condições de
vida/moradia, para eles restou espaços sem saneamento básico, palafitas e áreas à margem,
por exemplo, do rio Anil e à margem social. A partir disso, criou-se a ideia de que lugares
periféricos são condicionados ao povo negro, que essas áreas são “todas as periferias [...]”.
(B.A.R.M., FD, 15/10/2019), normalizando um discurso que afirma que o bem morar é
oposto à pessoa negra.
Temos, também, quilombo urbano concebido como um espaço repleto de
ancestralidade, pois é no quilombo urbano que se pode “manter aquilo que tu traz dentro de ti,
tua cultura, tua religião, teus costumes, tuas tradições... de, de negro, de índio”(C.D.R., FD,
08/01/2020). Ao nomearem espaços como quilombos urbanos, resgatam, ainda mais, a
identidade herdada de negros e indígenas.
Os moradores da Fé em Deus e da Liberdade também empregam o traço semântico
[comunidade], assim, quilombo urbano é “viver em comunidade combatendo o preconceito”
(B.C.D, LB, 22/02/2019). Dessa maneira, mesmo em centros urbanos, quilombo urbano
ainda é um espaço de luta.
Apesar da titulação do bairro da Fé em Deus como parte de um território quilombola
urbano reconhecido oficialmente, a compreensão da conceptualização de quilombo urbano
ainda é limitada. No que diz respeito a quilombo urbano, alguns sujetitos desta pesquisa não
souberam o que é ou nunca ouviram falar sobre o vocábulo-termo. Para tanto, se faz
necessário incitar discussões sobre o tema nas comunidades estudadas, nas escolas, e em
tantos outros espaços sociais, porque apesar da reprodução de práticas tipicamente
consideradas quilombolas, o vocábulo-termo é desconhecido, como fica claro na fala do
colaborador R.W.F. (FD, 04/01/2020) “já, já ouvi falar em quilombos urbanos, mas eu não sei
o que é, o que significa também não”.

5.2.6 Urso

No campo semântico convívio social, houve o caso da unidade lexical urso. Para os
sujeitos desta pesquisa, urso apresenta os semas [aquele que se mete na relação do casal],
[ciente que é casada], [amante]. A denominão urso serve para homem e para mulher Nos
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dicionários elencados para esta pesquisa, urso apresenta os semas [animal], [mamífero],
[indivíduo pouco sociável], [sem elegância]. O vocábulo-termo urso explicita uma
particularida semântico-conceptual, pois os semas apresentados pelos dicionários estudados,
não coincidem em nada ao que foi metaconceptualizados pelos moradores da Liberdade e Fé
em Deus.

5.2.7 Pedreiro

Ao analisarmos o léxico dos quilombo urbano da Fé em Deus, podemos verificar que


no campo-semântico convívio social, houve a presença da denominação pedreiro, para se
referir a pessoa viciada em crack fazendo alusão à pedra, unidade lexical atribuída ao
material alucinógeno usado no cachimbo para o fumo.
O vocábulo-termo pedreiro apresenta nomemas ideológicos e culturais do grupo e que
em nada se assemelha aos verbetes dos dicionários pesquisados.

5.2.8 Macumba

O vocábulo-termo macumba apresenta traços semânticos comuns entre a língua geral e


o discurso especializado dos quilombolas urbanos ludovicenses. Conforme os dicionários
consultados, macumba se refere ao instrumento, é uma denominação pejorativa para se referir
às religiões de matriz africana: ato de fazer o mal, magia a alguém.
Para os quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em Deus, macumba “é um
instrumento musical” (W.L.P.A., LB, 08/02/2019). Apesar de saberem que macumba é uma
unidade lexical usada para atribuir “[...] ao mal, né, aos demônios, certas coisas
[...]”(A.T.A.M., LB, 13/11/2018). Conforme os colaboradores desta pesquisa, “macumba é
pejorativo, macumba é um termo que falam de má fé, um termo discriminatório. Eu gosto
mais de ver como matriz africana a continuidade de uma religiosidade sagrada, com suas
ações pontuais dentro dos terreiros” (N.O.C., LB, 08/02/2019).
Entretanto, alguns moradores dos bairros da Liberdade e Fé em Deus manifestam a
luta para acabar com o estigma e com o preconceito referente, principalmente, ao tambor de
mina- religião de matriz africana difundida nos bairros. Por consequência, “a gente tá
tentando desmistificar isso da mente das pessoas, como as pessoas falam: ah, tá tendo
macumba. Quando não falam macumba, falam tereco, que existe o tereco, só que é totalmente
94

diferente do tambor de mina, são ritmos diferentes” (K.L.L.S., FD, 24/01/2020). Contra as
formas de racismo religioso, a Secretaria de Igualdade Racial promoveu reuniões para
desenvolver bases de desenvolvimento da liberdade ao culto religioso. Tal iniciativa já tem
reflexos na fala da colaboradora B.A.R.M. (FD, 05/10/2019): “não se pode nem falar, é
proibido. COL.- Não se pode falar? INQ.- Não. A gente teve... lá na Secretaria Racial , nós
tivemos reuniões que hoje não se pode chamar ninguém macumbeiro. Nós somos de uma
matriz africana, que não se pode ah, é macumbeiro. Não, eu sou de matriz africana gegê-
nagô”.
Entretanto, alguns colaboradores ainda metaconceptualizam macumba, ou melhor, as
religiões de matriz africana, como uma ligação ao mal, como fica claro na fala de R. W. F.
(FD, 04/01/2020): “coisa ruim, de outro mundo. Algo que não faz bem. Que só vai fazer o
mal, na verdade. Algo como a gente vê. A pessoa fala que tá fazendo o bem, mas na verdade
tá fazendo o mal cada vez mais”.
Embora macumba apresente traços semânticos como [mal], [fazer o mal], há também a
inserção semântica de fazer o [bem], [saber fazer feitiçaria], [proteger] como é afirmado por
W.R.S.A. (LB, 13/02/2019) macumba “são aquelas pessoas que estão ali e sabem feitiçaria.
Macumba não é feita pro mal, em si, não é pro mal, porém muitas pessoas usam pro mal.
Macumba pra mim é uma coisa boa, serve pra ajudar muita gente, serve para proteger”

5.2.9 Música Negra

Música negra, no campo semântico música, é um vocábulo-termo que revela muito


da visão de mundo particular dos moradores dos quilombos investigados. Para os
colaboradores desta pesquisa, música negra é compreendida como “aquela que fala da
realidade, o que se passa” (A.F.G., LB, 22/03/2019). No processo de metaconceptualização,
música negra é concebido como um resgate das raízes e elementos da cultura africana e afro-
brasileira, como uma forma de valorização dos sujeitos negros e da estética negra para a
autoafirmação da identidade, conforme afirma a colaboradora A.T.A.M. (LB, 13/11/2018) “a
pessoa tá buscando um resgate, entendeu?! Compõe música pra negro, eu acho bem legal,
entendeu, a pessoa querendo explicar pra sociedade o que realmente é, porque tem muita
gente que não sabe realmente, tem muita gente que ainda é alienado por tudo, eu não sei
explicar. Mas eu acho muito legal, é tipo assim: acorda! ser negro é isso, é isso que é a tua
realidade, porque tem muitas mães, hoje em dia ainda, que alisam os cabelos de suas filhas,
95

cabelos bonitos, essas coisas. Então, olha, é bonito é assim, ensina ela a ser assim, a não ter
vergonha, então, é muito legal”.
Segundo os quilombolas urbanos ludovicense, música negra é “ o bumba boi, pra
mim, é música negra” (B.C.D, LB, 22/02/2019); “música negra, negra, pra mim, é afro25”
(W.L.P.A., LB, 08/02/2019); “eu entendo só de reggae” (R. W. F., FD, 03/01/2020). É por
meio desse ritmos que, de alguma forma, “o negro tentou expressar a sua originalidade, o seu
sentimento e a sua valorização, seu pedido de respeito... eh... a forma do negro dizer que ele
também é gente e não é porque ele tem uma pigmentação da pele mais escura, que ele tem que
ser diferente. Ele é gente, ele tem sangue, ele pensa, ele tem alma, né, ele tem sentimento”
(K.L.L.S., FD, 24/01/2020).
A música negra reflete a voz do negro frente aos abusos cometidos contra a sua
cultura, história, memória e identidade. No processo de metaconceptualização há, ainda, a
associação da música negra aos instrumento de percussão, visto que, “é todo um ritmo que
tem a batida forte dos tambores, dos atabaques. Mesmo tendo outros instrumentos, o atabaque
é o que dá o tom da música afro, da música negra” (M.M.S.P., FD, 12/11/2019). Observamos
traços culturais e ideológicos na formação conceptual desse vocábulo-termo, nesse sentido, os
colaboradores desta pesquisa construíram um metaconceptus que é particular dos quilombolas
urbanos da Liberdade e da Fé em Deus. Para mais, a “música é universal, não consigo
entender a musica por separação de raça, né? Eu consigo ver a musica como um movimento
universal que transpassa todos os seguimentos” (N.O.C., LB, 08/02/2019). A música negra
estabelece relações que ultrapassam as relações raciais impostas socialmente.

5.2.10 POC/POC-POC e POC

As unidades lexicais POC e POC-POC não estão dicionarizadas. Essas denominações


são usadas para se referir a conceitos distintos, portanto, nos remetem a uma relação de
oposição disjuntiva, ou seja, “uma mesma denominação remete a dois ou mais conceitos sem
traços semânticos comuns” (SANTOS, 2013, p. 89).
Pelos contextos de uso, POC “são os gays afeminados, que a gente fala aquela POC”.
Essa denominação também é usada para fazer referência a algo mal feito ou de péssima
qualidade, conforme evidencia a fala dos quilombolas urbanos da Liberdade: “POC tá mal

25
Afoxé
96

feito. Aí, eu chego mal arrumado” (W.L.P.A., LB, 08/02/2020). Já POC-POC remete , apenas,
a algo ruim: “Fulano tá POC-POC, oh, fulano... isso aí é um.. cantor POC-POC, é um cantor
da ralé. Não sabe nada, não canta nada” (N.O.C, LB, 08/02/2019).
Apesar das nossas iniciativas para encontrarmos no discurso dos quilombolas da Fé
em Deus tal denominação, os colaboradores desse bairro demonstraram desconhecimento das
unidades lexicais POC e POC-POC.
5.2.11 Preto/Negro fugido
No campo semântico diversão, lazer e jogos, preto/negro fugido faz referência a uma
brincadeira de criança que se assemelha ao esconde-esconde, tal denominação faz referência a
um conceito único. Essa atividade lúdica acontece em uma área com espaço grande, é um
“esconde-esconde só que aí, no mato, né? Aí, as pessoas vão se esconder nos locais das
árvores, atrás das moitas, aí um vai descobrindo o outro aí, ele vai... ele vai... vai descobrindo
até tu descobrir o último, aí tu deixa de ser aquela pessoa que vai procurar, ou, então, alguém
chega, vai lá, bate lá no local e tu volta a ser novamente...” (C.D.R., FD, 08/01/2020); “ tu
pega uma corda e bota aqui em mim, aí eu vou correr até o mundo acabar pra ninguém pegar
essa corda que tá em mim. Aí quando tu conseguir pegar, tu dali. Só pra apanhar, mermã”
(A.F.G., LB, 22/03/2019).
Não foram encontrados registros sobre essa brincadeira nos dicionários de consulta
desta pesquisa. Observamos que preto/negro fugido é um vocábulo-termo particular que
reflete as axiologias dos quilombolas urbanos da Fé em Deus e da Liberdade.

5.2.12 PEGA BURRINHA

Assim como preto/negro fugido, essa unidade lexical está presente no campo
semântico diversão, lazer e jogos. Nas noites de realização da morte do bumba-meu-boi -
manifestação cultural comum nos bairros -, as crianças costumam correr atrás da “burrinha”
do boi- personagem que é interpretado por outra criança. Com um pedaço de pano, depois de
correrem pelo bairro, as crianças capturam a “burrinha”. “Pegar burrinha é... Não tem a
burrinha de São João? Não tem o boi, não tem a burrinha. Não tem aqueles meninos que
ficam correndo na morte de boi, isso que é pegar a burrinha. Aí tu vai pegar a pessoa INQ.-
Com uma corda, eh? COL.-É, aí a pessoa vai pegar, vai bater, pra pegar aquela pessoa pra
pegar o chicote. [...] É só pra menino tá correndo em rua” (A.F.G., LB, 22/03/2019).
97

No quilombo Fé em Deus, acontece essa mesma brincadeira com uma pequena


variação, conforme os discursos dos colaboradores desse bairro: “essa brincadeira, pra gente,
era diferente, era um colega, a gente tinha que pegar, o colega se escondia e a gente corria
atrás, né?! E aquele que descobria onde a pessoa tava escondida era aquele que ganhava a
brincadeira. Existe outro tipo, mas o que a gente brincava como pega burrinha é isso aí”
(M.M.S.P., FD, 12/11/2019); ainda “é uma que eles amarravam a camisa na pessoa e saiam
correndo pra dale na pessoa, o que pegasse a camisa” (R. W. F., FD, 04/01/2020).
Em ambas as conceptualizações da brincadeira pega a burrinha há a busca por uma
criança que simula ser um animal, no caso, uma burrinha.

5.2.13 Faca cega

O vocábulo-termo faca cega não foi encontrado nos dicionários Michaelis (online) e Aulete
(2011). Apesar das nossas buscam, não encontramos uma denominação para se referir a
mulher e ao homem que se relacionam com muitas pessoas. Na língua geral, faca é um
instrumento usado para o corte de algum material, quando a faca não corresponde à sua
principal utilidade, que é cortar, as pessoas comumente dizem que a faca está cega. Todavia,
para os quilombolas ludovicenses, faca cega configura um homem ou uma mulher que se
relaciona com várias pessoas diferentes.
Podemos observar que se estabelece no discurso especializado dos quilombolas da Fé
em Deus e da Liberdade uma particularidade conceptual que constitui a visão de mundo
particular desses sujeitos, pois os semas constitutivos da metaconceptualização de faca cega
nos quilombos urbanos da Liberdade e Fé em Deus são imprescindíveis para conhecermos as
representações semióticas desses grupos.
98

6 GLOSSÁRIO ETNOTERMINOLÓGICO DOS QUILOMBOS URBANOS


LIBERDADE E FÉ EM DEUS

B
Bairro Quilombola. Sintagma nominal (substantivo + adjetivo). Território que
compõe a extensão do rio Anil, composto pela junção dos bairros Camboa, Liberdade, Fé em
Deus e Alemanha, e com uma diversidade de agremiações culturais, especialmente, de origem
negra, como cacuriá, samba, bloco afro e tambor de crioula, tribo de índio. [Juntando de Fé
em Deus até Camboa. De Alemanha, Fé em Deus, Camboa, Liberdade, o diferencial é que
você não vê um bairro nessa extensão com tantas agremiações, porque até o último
levantamento que foi feito... eh... me parece que tinham duzentas agremiações ao longo dessa
extensão do rio Anil. Você inclui tribo de índio, você inclui cacuriá, eh... isso eu falo só da
parte junina, quando eu falo da parte de tambor de crioula, eh... escola de samba a gente tem
aqui em cima que é a Império Serrano. Afro, inclusive, Neto de Nanã, em memória ao Neto
de Nanã, que o pessoal continua com o bloco, né, e fora os outros blocos e aí a gente tem
dança, dança portuguesa, quer dizer, é o diferencial da gente, é essa diversidade de
agremiações ao longo de uma junção de bairros que se tornou um bairro quilombola].
(K.L.L.S., FD, 24/01/2020).

Bater coco. Sintagma verbal (verbo+ substantivo). Jogar uma partida de futebol
informalmente. [A gente fala bater um coco, jogar um coco, a gente já sabe que é bola]
(W.R.S.A., LB, 02/05/2019). //Variante: jogar uma pelada, jogar um coco//

Bucheiro. Adjetivo. Homem mulherengo que se relaciona com qualquer tipo de


mulheres. [O homem que é mulherengo? Rapaz, eu conheço como bucheiro. Ele não quer
saber se é Zé ou Seu Zé, botou saia é com ele mesmo] (N.O.C., LB, 08/02/2019)

C
Café. Substantivo. Substância alucinógena natural preparada com folhas e usada para
o fumo. [Marola. Vários nomes, tem marola...marola, café, um monte de nomes. INQ.- Café?
COL.- É. Tem o... o... dezesseis e vinte, também, dezesseis e vinte, quatro e vinte. Tem
massa. INQ.- Amassa? INF.- É massa, tem café, tem marola, quatro e vinte, boldo [...]
99

Verdinho. Tem vários nomes que colocaram]. (R.W.F., FD, 04/01/2020)]. //Variante:
maconha, verdinha, cabobó, massa, dezesseis e vinte, quatro e vinte, boldo, marola//

Comunidade. Substantivo. Espaço geográfico onde as pessoas se conhecem,


trabalham juntas, cultivando as relações de paz, respeito, solidariedade e união como os seus
antepassados. 2 Grupo de pessoas unidas que não são da mesma família, mas possuem um
laço de amizade, união, a fim de um bem comum. [Acho que comunidade é um local em que
todo mundo se conhece assim. Um lugar onde a gente vive, sei lá, trocando experiência. Todo
mundo se conhece, vamos botar assim] (W.L.P.A., LB, 08/02/2019). [Comunidade é uma
região em comum, eh... é os integrantes daquela região que habitam, que povoam, eles vivem
unidos[...] ] (C.D.R., FD, 08/01/2020).

E
Evento. Substantivo. Briga, discussão, confusão que gera uma aglomeração de
pessoas. [Ah se diz um babado. Eu intitulei de evento. É. Eu digo agora: tudo é um evento
nessa Liberdade. Fica logo cheio de gente, aquela aglomeração] (A.F.G., LB,
22/03/2019).//Variantes: briga, babado, confusão, debate, discussão//

F
Faca cega. Sintagma adjetival (substantivo + adjetivo). 1. Mulher que tem diversos
parceiros sexuais. 2. Homem que se relaciona com várias mulheres. [Eu chamo todo mundo
aqui de faca cega] (W.L.P.A., LB, 08/02/2020 [Faca cega que eles chamam é uma mulher,
assim, fácil, uma mulher, assim, rodada. Uma mulher que dois, três, quatro, cinco já
conheceram, entendeu?! INQ.- Mas só serve para mulher? COL.- Também pra homem. Não,
homem também é faca cega, que os dois é a mesma coisa. São, assim, tanto homem, quanto
mulher, a mesma coisa.] (R.W.F., FD, 04/01/2020).

L
LB. Substantivo. Denominação atribuída ao quilombo urbano da Liberdade, mais
comumente, pelos próprios moradores para evidenciar algumas características peculiares a
essa localidade. [Ah, eu falo Libercity, eu falo LB, a gente fala de vez em quando, quando eu
tô com a galera assim, né. Ah, vumbora pra Libercity, ah, vumbora pra LB. Mas não é muito
100

comum não, só quando tá a gente] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018). //Variantes: Libercity,


Libertetionsocity, Bairro Freedom//

Licoteiro. Adjetivo. Indivíduo que gosta de fazer fofoca [Licoteiro, eu chamo licute.
Fulano tu gosta de licute. [...] Câmera de vigilância, whatssap ao vivo] (N.O.C., LB,
08/02/2018). //Variantes: câmera de vigilância, whatssap ao vivo, maroca//

M
Macumba. Substantivo. 1. Instrumento de percussão de origem africana. 2.
Denominação pejorativa e discriminatória usada para fazer referência às religiões de matriz
africana. 3. Ação realizada para o bem ou para o mal. [É um instrumento musical] (W.L.P.A.,
LB, 08/02/2019). [Olha, o português claro, macumba é um instrumento que se toca, mas por
originalidade, por nossas ancestralidades, se colocou na mente que macumba é aquilo que se
faz pr’outros. Quando se diz tambor de mina, ah, é a macumba que tá tocando pr’ali. Mas a
gente tá tentando desmistificar isso da mente das pessoas, como as pessoas falam: ah, tá tendo
macumba. Quando não falam macumba, falam tereco, que existe o tereco, só que é
totalmente diferente do tambor de mina, são ritmos diferentes] (K.L.L.S., FD, 24/01/2020)

Melque. Adjetivo. Pessoa que mente. [Ah, a gente adotou, aqui, com a gente, pera aí...
Não, é mentiroso que a gente adotou como potoqueiro. INQ.- O que é potoqueiro? COL.- A
pessoa que mente, a gente... eh, eu não sei quem foi que foi e olhou esse nome e a gente
começou, é melque, potoqueiro. INQ.- Melque? COL.- Pra mentiroso também, a gente usa
esse termo. Até no grupo mesmo, quando a gente tá conversando, ah, tá, tu já tá com teu
melque. E a gente adotou como mentiroso]. (K.L.L.S., FD, 24/01/2020)]. //Variantes:
potoqueiro, mentiroso//

Mexer com essas coisas. Sintagma verbal (verbo+ preposição + pronome +


substantivo) 1. Ato de participar de religião de matriz africana 2. Forma tabuizada de
referência aos cultos religiosos de matriz africana. [A minha mãe eh... Meu avô era, meu avô
era bem, ele... Assim, a gente também... não sei o porquê eles também não contam muita
coisa sobre os pais dele, eu acho que é algum trauma, alguma coisa. Mas ele era, também, ele
tinha... Mexia com essas coisas também. Ele era dono de terreiro, também. Mas ele era bem...
tinha uns traços INQ.- Por que tu fala mexia com essas coisas, heim? COL.- Ãh? Porque é o
101

jeito, assim, de falar. Porque ele era da religião de matriz africana, entendeu?] (A.T.A.M., LB,
13/11/2018)

Molinha. Adjetivo. Mulher que se relaciona com vários homens. [Maria vai com as
outras, molinha, rodada] (C.D.R., FD, 08/01/2020). //Variantes: maria vai com as outras,
vassourinha, rodada, bandida, faceira, danda//

Música negra. Sintagma adjetival (substantivo+ adjetivo). 1. Conjunto de gêneros


musicais tocados pela batida forte de tambores, atabaques e instrumentos tipicamente afro. 2.
Manifestação musical que exige respeito à autoafirmação como negro, à valorização do povo
negro. 3. Música que faz a pessoa se sentir calma, relaxada. 5. Conjunto de ritmos musicais
especificamente negros como jazz, reggae, bumba-meu-boi, afro. [Eu entendo que a pessoa tá
buscando um resgate, entendeu?! Compõe música pra negro, eu acho bem legal, entendeu?! A
pessoa querendo explicar pra sociedade o que realmente é, porque tem muita gente que não
sabe realmente, tem muita gente que ainda é alienado por tudo, eu não sei explicar.[...]]
(A.T.A.M., LB, 13/11/2018). [Eu acho que seria a música que de alguma forma o negro tentou
expressar a sua originalidade, o seu sentimento e a sua valorização, seu pedido de respeito...
eh... a forma do negro dizer que ele também é gente e não é porque ele tem uma pigmentação
da pele mais escura, que ele tem que ser diferente. Ele é gente, ele tem sangue, ele pensa, ele
tem alma, né, ele tem sentimento...eh...] (K.L.L.S., FD, 24/01/2020).

N
Negro. Substantivo/adjetivo. 1. Pessoa que se assume como negro, conhece a história
dos seus ancestrais, que luta por direitos, deveres, resiste a todas as formas de opressão. 2.
Qualidade, estado de espírito, humildade. 3. Cor de pele mais bonita. [É tá nessa luta
constante, lutando a favor de seus direitos e seus deveres, fazer que a sociedade reconheça que
nós não temos nada de diferente] (N.O.C., LB, 08/02/2019). [Pra mim, ser negro é ser
humilde, é ter uma.... oh... como é o nome... é ter uma cultura, é ter uma história, entendeu?!
Uma história bonita pra contar, que todo negro tem uma história bonita pra contar, diferente
das outras raças. Que o negro, até hoje foi, tem religiões, tem tradições. Pra mim, ser negro é
tudo, entendeu?! Pra mim é tudo. A cor mais bonita que eu acho no mundo que Deus já criou
foi o negro] (R.W.F., FD, 04/01/2020).
102

P
Pedreiro. Adjetivo. Pessoa viciada em crack. [COL.- Pedreiro, nóia .INQ.- Pedreiro?
COL.- É! Tem vários nomes. Nóia, fritão, frigideira. Vários nomes que eles dão.] (R.W.F.,
FD, 04/01/2020). //Variantes: drogado, viciado em pedra, viciado, frigideira, fritão, nóia//

Pegar a burrinha. Sintagma nominal (verbo + artigo + substantivo). 1. Brincadeira


em que os meninos ficam correndo, na morte do bumba-meu-boi, com uma corda nas mãos
atrás da burrinha. 2. Brincadeira infantil em que o chicote é amarrado em uma criança, as
outras devem encontrá-la e pegar o chicote para bater na burrinha (figura representada pela
criança selecionada). 3. Diversão em que uma criança se esconde e as outras a procuram até
acha-la. [Pegar burrinha eh... Não tem a burrinha de São João? Não tem o boi, não tem a
burrinha. Não tem aqueles meninos que ficam correndo na morte de boi, isso que é pegar a
burrinha. INQ.- Como é que pega? COL.- Aí tu vai pegar a pessoa INQ.- Com uma corda,
eh? COL..-É, aí a pessoa vai pegar, vai bater, pra pegar aquela pessoa pra pegar o chicote. É
um inferno. É só pra menino tá correndo em rua] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [Essa brincadeira,
pra gente, era diferente, era um colega, a gente tinha que pegar o colega que se escondia e a
gente corria atrás, né?! E aquele que descobria onde a pessoa tava escondida era aquele que
ganhava a brincadeira. Existe outro tipo, mas o que a gente brincava como pega burrinha é
isso aí] (M.M.S.P., FD, 12/11/2019).

POC-POC/ POC¹. Adjetivo. Algo que foi produzido com péssima qualidade,
malfeito, mal arrumado. [ Se for fulano tá POC-POC, oh, fulano... isso aí é um... cantor
POC-POC, é um cantor da ralé. Não sabe nada, não canta nada] (N.O.C., LB, 08/02/2019).
[Uma coisa que… assim… quase como uma brincadeira, assim, sei lá,. uma coisa que não é
bem feita. Ah, a gente usa POC aqui quando… tipo assim: ah, esse coisa tá POC, tá malfeito,
entende?! Aí, eu chegou mal arrumado, ah, hoje o W... tá POC-POC. Mais é esses qualiras
que usa essa linguagem] (W.L.P.A., LB, 08/02/2020).

POC² Adjetivo. Homossexual afeminado. [são os gays afeminados, que a gente fala
aquela POC. Aquela POC arrasa, entendeu?! Ela lacra, ela monta, se veste, se maqueia, anda
sempre no estilo é uma POC] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018)
103

Preto/negro fugido. Sintagma nominal (substantivo+adjetivo). 1. Brincadeira infantil


em que uma criança corre com uma corda na cintura, as outras tentam alcançá-la para pegar a
corda e bater na criança que representa o negro fugido. 2. Brincadeira, variação do pega-pega,
realizada em área com muitas árvores e matos em uma criança deve procurar as demais até
encontrar a última, ou uma criança toca no local previamente selecionado e salva a todas.
[[...]tu vai correr atrás do menino. É tipo assim: tu pega uma corda e bota aqui em mim, aí eu
vou correr até o mundo acabar pra ninguém pegar essa corda que tá em mim. Aí quando tu
conseguir pegar, tu dali. Só pra apanhar, mermã] (A.F.G., LB, 22/03/2019). [Preto fugido é
tipo um... um... esconde-esconde só que aí, no mato, né? Aí, as pessoas vão se esconder nos
locais das árvores, atrás das moitas, aí um vai descobrindo o outro aí ele vai... ele vai... vai
descobrindo até tu descobrir o último, aí tu deixa de ser aquela pessoa que vai procurar, ou
então alguém chega, vai lá, bate lá no local e tu volta a ser novamente...] (C.D.R., FD,
08/01/2020).

Quilombo. Substantivo. 1. Lugar de morada de vários povos, grupos, principalmente,


de negros. 2. Bairro. 3. Espaço que busca a liberdade, a vida livre, o agir contra as opressões,
preconceitos ou discriminação e a ideologia capitalista. 4. Local de resistência e luta do povo
negro. 5. Espaço de origem, de raiz e união só de negros 6. Comunidade unida que todos
cuidam para o bem do coletivo. [Fazendo a retrospectiva, quilombo é uma busca por
liberdade, vida livre, não só poder pensar mas poder agir, melhor, sem opressão, sem
discriminação, sem preconceito, com bastante respeito, humildade e cuidado consigo e com o
outro, uma comunidade mais unida e mais fraterna, sem muitos pensamentos capitalistas e
essa coisa maçante] (C.D.R., FD, 08/01/2020).

Quilombo Urbano. Sintagma adjetival (substantivo+adjetivo). 1. Espaço em área


urbana onde afro-indígenas moram após saírem das áreas rurais em busca de melhores
condições de vida e sobrevivência. 2. Espaço que reflete um passado modernizado, mantendo
a tradição e os costumes de negro e indígena. 3. Forma de manter viva a identidade
quilombola em área urbana para combater o racismo. 4. Forma de manutenção das tradições
herdadas dos ancestrais negros. [O quilombo urbano… O quilombo, pra mim, é um povo
viver em comunidade. É o povo viver em comunidade contra o preconceito. Viver em
104

comunidade combatendo o preconceito] (B.C.D, LB, 22/02/2019). [[...] justamente, o que a


gente trouxe pra mim é um passado modernizado, porque antigamente eu tinha umas casas de
taipa. Hoje, eu tenho casa de tijolo. Antes, eu tinha casas cobertas de palha, hoje, eu tenho
casas cobertas de telha, né, antes eu tinha lamparina, hoje, eu tenho energia elétrica [...]]
(K.L.L.S., FD, 24/01/2020).

Quilombola. Substantivo/adjetivo. 1. Pessoa negra ou miscigenada que mora em um


quilombo. 2. Pessoa negra consciente de que é preciso lutar pela libertação das opressões que
ainda afligem a comunidade negra. 3. Pessoa negra que transmite uma boa energia, é parceiro,
amigo. [Essa miscigenação que tem, essas coisas diferentes eh.... tipo... é essa mistura que a
gente tem de tudo, essa mistura mesmo] (A.T.A.M., LB, 13/11/2018) [É um negro que tem
consciência que é preciso lutar pela libertação. Pra mim, ser quilombola é isso: é um negro
que tem consciência. (M.M.S.P., FD, 12/11/2019).
U
Urso. Adjetivo. Mulher ou homem que se envolve com uma pessoa que tem um
relacionamento estável. [Urso é quem entra no meio da relação do casal] (N.O.C., LB,
080/02/2019) [Que a gente sabe é que eles chamam é de ursa, de mulher que é ciente que a
pessoa é casada e tá querendo ficar com o homem. A mesma coisa é o homem] (R.W.F., FD,
04/01/2020). //Variantes: amantes, fura olho//
105

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os aspectos mencionados, a travessia forçada dos negros africanos
para o Brasil lhes em condições precárias ocasionou a morte de diversas pessoas sequestradas.
Em solo brasileiro, essas pessoas eram submetidas à carga excessiva de trabalho, além de
serem privadas de direitos básicos. Entretanto, as formas de (re)existências foram múltiplas e,
dentre elas, a manutenção da vivência e ajuda mútua como era vivido pelos povos do
continente africano. No Maranhão, os negros escravizados, majoritariamente, retiraram-se
para áreas afastadas, nos quilombos rurais. Com o avanço do progresso, os quilombolas rurais
formaram, principalmente, os bairros Liberdade, Fé em Deus e Camboa.
Em outro lugar, os remanescentes o afirmam como espaço ao manterem a
cooperatividade, o atribuírem valor, conservação das manifestações culturais, as histórias, as
práticas sociais. São nestes espaços que os quilombolas da Liberdade e Fé em Deus
aprendem, a partir das experiências vivenciadas pelo grupo.
Considerando que os grupos humanos revelam e refletem as suas axiologias nos usos
linguísticos que fazem, a presente pesquisa buscou conhecer a visão de mundo dos
quilombolas urbanos da Liberdade e da Fé em Deus refletida nas especificidades conceptuais,
e denominativas desses quilombos.
O discurso especializado desses grupos negros demarca as suas concepções de vida,
assim, suas práticas linguísticas se singularizam em relação às da língua geral. Ao estudar o
discurso especializado desses quilombos urbanos, pudemos entender as práticas socialmente
construídas por esses grupos humanos.
Os quilombos urbanos Liberdade e Fé em Deus são centros de resistência e
manutenção de saberes, relações sociais, ideologias e modos de vida próprios dos quilombos
urbanos. Os semas formadores dos metaconceptus, por exemplo, de negro e quilombola
revelam a visão contra aculturativa desses grupos, contrariamente ao que é apresentados nos
dicionários de língua geral consultados.
Pudemos constatar, ainda, o processo criativo desenvolvido pelos quilombolas
ludovicenses ao atribuírem denominações e usarem vocábulos-termos cujas formas
denominativas e conceptuais não foram encontradas nos dicionários consultados, como mexer
com essas coisas, bairro quilombola, negro fugido e pega a burrinha, ou ainda, LB, Bairro
Freedom, Libercity e Liberdadesocity — denominações que representam características
peculiares do bairro Liberdade.
106

Observamos que as particularidades semântico-conceptuais vigoraram no léxico dos


quilombos investigados, visto que as denominações dos vocábulos-termos catalogados são,
em grande parte, de conhecimento geral.
A Etnolinguística e a Etnoterminologia foram fundamentais para o estudo das
representações denominativas e conceptuais dos quilombos urbanos Liberdade e Fé em Deus,
uma vez que possibilitaram identificar que as raízes étnico-culturais são de extrema relevância
para a formação dos discursos especializados pesquisados.
Enfim, com o olhar alinhado a esses aportes, analisamos as relações semântico-
lexicais e, sobretudo, as semântico-conceptuais estabelecidas em 24 vocábulos-termos, o que
nos permitiu conhecer as representações culturais, linguísticas e ideológicas dos quilombolas
urbanos, sobretudo, a partir dos semas formadores dos metaconceptus que trouxeram à tona as
concepções socioculturalmente herdadas pelos ancestrais, construídas nas interações com os
pares, pelos/as negros/as quilombolas da Liberdade e da Fé em Deus.
Acreditamos que este estudo possa contribuir para o desenvolvimento de trabalhos
futuros sobre outros quilombos urbanos, outros grupos humanos, a fim de evidenciar a
resistência sociocultural por meio da identidade e da diversidade linguística.
107

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Entrevistadora: realizado por Laryssa Francisca Moraes Porto. São Luís, 2019. Mp3 (1h 09
min.). Entrevista concedida para elaboração de relatório de pesquisa.
112

APÊNDICE

APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

NOME DO PARTICIPANTE:
DATA DE NASCIMENTO: __/__/___. IDADE:____
DOCUMENTO DE IDENTIDADE: TIPO:_____ Nº_________________SEXO: M ( ) F ( )
ENDEREÇO: ________________________________________________________
BAIRRO: _________________ CIDADE: ______________ ESTADO: _________
CEP: _____________________ FONE: ____________________.

Eu, ___________________________________________________________________,
declaro, para os devidos fins ter sido informado verbalmente e por escrito, de forma suficiente
a respeito da pesquisa Uma abordagem etnoterminológica da visão de mundo dos
quilombos urbanos ludovicenses: o léxico do bairro Fé em Deus, São Luís/MA. O projeto
de pesquisa será conduzido por Laryssa Francisca Moraes Porto, do Programa de Iniciação
à Pesquisa/FAPEMA, orientado pelo Profa. Dra. Georgiana Márcia Oliveira Santos,
pertencente ao quadro docente da Universidade Federal do Maranhão-UFMA, do
Departamento de Letras/DELER, localizado no Cento de Ciências Humanas- Campos
Bacanga. Estou ciente de que este material será utilizado para apresentação de: Relatório
PIBIC, apresentação em eventos e monografia, observando os princípios éticos da pesquisa
científica e seguindo procedimentos de sigilo e discrição. Este projeto, de natureza empírica,
descritiva e qualitativa, objetiva identificar e analisar as especificidades denominativas e,
principalmente, as especificidades semântico-conceptuais do quilombo constituído em
território urbano da capital ludovicense, situado no bairro da Liberdade/Fé em Deus ―
indiscutível reduto de negros/as cujos antepassados, em geral, são advindos de diversos
municípios maranhenses ―, que revelem a singularidade da visão de mundo semioticamente
construída por esse grupo em área metropolitana do estado do Maranhão. Fui esclarecido
sobre os propósitos da pesquisa, os procedimentos que serão utilizados e riscos, e a garantia
do anonimato e de esclarecimentos constantes, além de ter o meu direito assegurado de
interromper a minha participação no momento que achar necessário.

São Luís, de de 2020.

_____________________________________________
Assinatura do participante

___________________________ ___________________________

Laryssa Francisca Moraes Porto Profa. Dra. Georgiana Márcia Oliveira Santos
113

APÊNDICE B- FICHADO COLABORADOR

PARTE Il – ÁUDIO

VIDA PESSOAL
Fale um poucoFICHA
sobre aDO
sua INFORMANTE
família. DO BAIRRO DA LIBERDADE/FÉ EM DEUS
Os seus pais ou avós são da cidade de São Luís ou de outro município do estado? Como a sua família veio morar
Nome completo: Idade:
no bairro da Fé em Deus?
Qual o seu maior sonho pessoal?
Tem algum apelido? Qual?
Profissão: Grau de instrução: ( ) Sem instrução ( ) Ens.
fundamental (completo ou incompleto) ( ) Ens.
Superior
Endereço: Naturalidade:

Estado Civil: ( ) solteiro ( ) casado ( ) viúvo ( ) outro Tempo de moradia no bairro:

Você se autodeclara: ( ) negro ( ) pardo ( ) branco ( ) indígena ( ) outro Qual? _______________

Por quê?
______________________________________________________________________________________

______________________________________________________________________________________

Você tem descendência quilombola? Qual o nome do quilombo?____________________

CONTATO COM A COMUNIDADE


Você gosta de morar no bairro da Fé em Deus? Por quê?
Você faz parte de algum grupo de movimento cultural, como por exemplo, bumba-meu-boi,
cacuriá, tambor de crioula, ou outro, no bairro ou de algum grupo religioso na comunidade? Qual?
Participa da associação de moradores do bairro? Como?
Quando você fala que mora no bairro da Fé em Deus, como as pessoas reagem? Por quê?
Se você pudesse ajudar a trazer algumas melhorias para o bairro quais seriam?
Há alguma personalidade de conhecimento público, ou não, aqui do bairro?
114

AÊNDICE C- QUETIONÁRIO ETNOTERMINOLÓGICO


TÍTULO

A visão de mundo dos quilombos urbanos ludovicenses: uma abordagem etnoterminológica do léxico
da Liberdadde, Fé em Deus e Camboa em São Luís/MA.

QUESTIONÁRIO
TERRITORIALIDADE
1. - O que você entende por COMUNIDADE/BAIRRO?
2. - Você acha que bairro é diferente de comunidade?
3. - O que você sabe sobre a origem do bairro da Fé em Deus?
4. - Você ou outras pessoas que conhece(m) ou utiliza(m) outra(s) denominação(ões) para se
referir ao nome do seu bairro?
5. - Tem alguma história que ocorreu no bairro que marcou a sua vida ou que marcou a história
do próprio bairro? Conhece alguma história de terror (lendas) que aconteceu no bairro? Conte-
nos.
6. - O que o bairro da Fé em Deus tem de diferente ou especial em relação aos outros bairros?
7. - Como está organizado estruturalmente/fisicamente o seu bairro? Explique.
8. - Como são denominadas as ruas? Você sabe por quê?
9. - Existe algum ponto de encontro, um local de festas e/ou comemorações característico(s) do
bairro? Fale sobre.
10. - Quais as principais atividades desenvolvidas pelas pessoas aqui no bairro?
11. - Você acha que as pessoas que moram na Fé em Deus falam diferente das de de outros bairros
ou locais? Cite exemplos.
12. - O que é quilombo? O que você entende por quilombo?
13. - Você já ouviu falar em quilombos urbanos? O que você entende por isso?
CONVÍVIO E COMPORTAMENTO SOCIAL
14. - Como é o convívio social aqui no bairro? As pessoas costumam ajudar umas às outras aqui
dentro? Como? Em grupos, com ações específicas, ou individualmente? Isso tem sido mantido
ou tem mudado com o passar do tempo, com a geração mais nova?
15. - Há grupos para atividades específicas daqui, ou seja, características aqui do bairro? Quais?
Fale sobre eles.
16. - Há formas de relacionamento ou comportamento aqui no bairro que as pessoas daqui dizem
ser próprias de negros(as)? Fale mais sobre isso.
17. - Como você se refere a uma pessoa que já morreu?
18. - Como se chama um homem que é homossexual? O que significa POC? Você conhece outras
denominações?
19. - Como se chama aquela pessoa que perdeu tudo por causa do consumo de drogas, mora na
rua e não tem cuidado com a higiene pessoal?
20. - Quando há alguma desavença, confusão, discussão, se diz que houve um(a)? O que significa
evento?
21. - Como se chama uma pessoa fofoqueira?
22. -... uma pessoa que é enrolona, trambiqueira?
23. -... uma mulher que é tida como “fácil?
24. -... um homem mulherengo?
25. -... a mulher que trai?
26. - Como se chama a pessoa que se mete na relação do casal?
27. -... Quando alguém da comunidade morre, o que se costuma fazer? Antigamente era diferente?
115

MÚSICA
28. - Quais são as músicas que vocês mais escutam aqui no bairro?
29. - Há grupos de música aqui do bairro?
30. - Quais os ritmos musicais produzidos aqui? Por quê? Esses ritmos têm instrumentos
específicos? Quais?
31. - O que você entende por MÚSICA NEGRA?
DANÇA
32. - Quais são os tipos de dança mais comuns daqui do bairro?
33. - Você sabe dizer se alguma dessas é dança negra?
DIVERSÃO, LAZER E JOGOS
34. - Quais as principais formas de lazer e diversão de vocês aqui no bairro? Fale sobre como são,
como ocorrem, quando.
35. - Quais são os grupos culturais daqui? Fale um pouco sobre isso.
36. - Há campeonatos aqui? De quê? Fale um pouco sobre isso.
37. - Para você, o que significa BATER UMA PELADA? Há outras denominações pra isso aqui?
38. - Quais as principais brincadeiras das crianças aqui? Há diferenças a depender do sexo?
39. - Quais as principais formas de diversão dos idosos e idosas? Há diferenças a depender do
sexo?
40. - Você lembra de alguma brincadeira que você brincava, ou lembra que se brincava, e
atualmente não se brinca mais? Descreva-a.
41. - Você conhece as brincadeiras “pega a burrinha”, “negro fugido” ou “língua de fogo”?

VESTUÁRIO E ACESSÓRIOS

42. - Quais os tipos de roupa que se costuma usar em ocasiões de festas religiosas específicas aqui
do bairro?
RELIGIÃO E CRENÇAS

43. - Quais as principais manifestações religiosas aqui do bairro? O que sabe sobre elas (quando
ocorrem, como ocorrem...)?
44. - Algumas dessas manifestações têm raízes negras? Fale sobre.
45. - Como é o convívio entre as pessoas de religiões diferentes aqui?
46. - Quais festas ou festejos de santo a comunidade faz? Qual a origem desses eventos? Houve
mudanças com o passar do tempo? Você participa? Como?
47. - Para você, o que significa MACUMBA?
48. - O que é quebrante?
49. - Você prefere usar remédio caseiro ou industrializado? Por quê? Você pode ensinar um
remédio caseiro que você costuma tomar ou indicar?
COMIDA
50. - Em datas festivas, quais comidas vocês costumam fazer aqui? Como é o preparo? Quais são
os temperos?
IDENTIDADE -NEGRITUDE
51. - O que é ser negro(a) pra você?
116

52. - Quando você começou a se reconhecer como negro?


53. - O que é ser quilombola?

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