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Communication, technologies et

développement
13 | 2023
Numérique avancé, communication et activisme

Jornalismo e ativismo: Um repórter português do


lado russo da guerra na Ucrânia
Journalism and activism: A Portuguese reporter on the Russian side of the war in
Ukraine
Journalisme et activisme : un reporter portugais du côté russe de la guerre en
Ukraine

Luís M. Loureiro

Edição electrónica
URL: https://journals.openedition.org/ctd/8598
DOI: 10.4000/ctd.8598
ISSN: 2491-1437

Editora
Chaire Unesco Pratiques émergentes en technologies et communication pour le développement

Edição impressa
ISBN: 2491-1437

Refêrencia eletrónica
Luís M. Loureiro, « Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia »,
Communication, technologies et développement [En ligne], 13 | 2023, mis en ligne le 20 octobre 2023,
consulté le 31 octobre 2023. URL : http://journals.openedition.org/ctd/8598 ; DOI : https://doi.org/
10.4000/ctd.8598

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 1

Jornalismo e ativismo: Um repórter


português do lado russo da guerra
na Ucrânia
Journalism and activism: A Portuguese reporter on the Russian side of the war in
Ukraine
Journalisme et activisme : un reporter portugais du côté russe de la guerre en
Ukraine

Luís M. Loureiro

NOTA DO EDITOR
O presente artigo propõe um pensamento do ato jornalístico como teoria de ação, capaz
de responder a uma analítica das interseções entre ativismo e jornalismo, ao decompor
as dimensões actanciais individuais e coletivas do jornalismo, e as interações endógenas
e exógenas que configuram e condicionam a produção jornalística.
O caso de Bruno Amaral de Carvalho, jornalista freelancer português que esteve, em
2022, mais de meio ano em trabalho do lado russo da guerra da Ucrânia, é tratado a
partir de uma análise crítica do discurso produzido pelo repórter, nesse período, na
rede Facebook, e de uma amostra de trabalhos publicados no site da CNN Portugal.
Pesquisa-se, a partir do confronto teórico com o modelo de jornalismo de paz (Galtung,
2003) e com a visibilidade como conceito político (Brighenti, 2007), a viabilidade ou
inviabilidade de agência individual de um ato jornalístico capaz de ultrapassar
invisibilidades de causas e vítimas, e de, assim, contribuir para a emergência de
processos de pacificação.
Guerra da Ucrânia; jornalismo de paz; ativismo; ato jornalístico

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 2

Introdução
1 A 24 de fevereiro de 2022, tropas da Federação Russa atravessaram a fronteira
internacionalmente reconhecida da Ucrânia, invadindo o país. O início da chamada
Operação Militar Especial, declarada no mesmo dia pelo presidente russo Vladimir Putin,
após o reconhecimento, pelo parlamento de Moscovo, das autoproclamadas repúblicas
populares de Donetsk e Lugansk, consistiu em dois grandes movimentos de natureza
militar (Baud, 2022: 231-235): um, dirigido à área metropolitana da capital ucraniana,
Kiev, para onde foram destacados entre 20 a 25 mil soldados russos, e o outro, dirigido à
região do Donbass, no leste da Ucrânia, onde uma força estimada em cerca de 75 mil
soldados russos se juntou às milícias locais, formando um contingente total de cerca de
175 mil combatentes do lado russo e separatista. Apenas três dias depois, a 27 de
fevereiro de 2022, a Comissão Europeia anunciou a decisão de interditar o acesso aos
principais canais de informação russos, na União Europeia1, acompanhando as
restrições de acesso que foram igualmente estabelecidas em plataformas digitais e
provedores de serviços de televisão por cabo e online nos Estados Unidos e no Canadá2.
No mundo ocidental, a invasão russa somou, uma invisibilidade de jure a uma
invisibilidade de facto, que vinha traçando, desde 2014, no jornalismo ocidental, uma
clara linha de demarcação política entre visível e invisível, com consequências,
principalmente, na visibilidade de reconhecimento (Brighenti, 2007) de causas e vítimas do
lado separatista.
2 Jornalistas de investigação e antigos correspondentes de guerra ocidentais, como o
australiano John Pilger (2023), ou os americanos Chris Hedges (2022), Stephen Kinzer
(2023), Patrick Lawrence e Seymour Hersh, vários deles prémios Pulitzer,
denunciariam, posteriormente, em textos e entrevistas, um alinhamento, sem
precedentes, entre a produção jornalística ocidental e a produção informacional dos
governos ucraniano, americano e dos principais países europeus, convergindo na noção
de que nunca, como na cobertura da guerra da Ucrânia, se assistiu, no jornalismo
ocidental, a um tão flagrante desequilíbrio na atenção jornalística dada aos dois lados
de um conflito.
3 Tentando contrariar esta tendência, durante mais de meio ano, entre março e outubro
de 2022, Bruno Amaral de Carvalho foi o único jornalista português3, e um dos poucos
jornalistas ocidentais a efetuar relatos jornalísticos regulares a partir do lado russo e
separatista da guerra. A presença do repórter, nas cidades e regiões controladas pelas
tropas russas e separatistas, bem como a independência e a probidade dos seus
trabalhos, originaram uma controvérsia pública em Portugal, envolvendo políticos4,
comentadores5 e jornalistas 6, o que provocou, até, uma intervenção do Conselho
Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, na defesa de uma cobertura jornalística da
guerra promotora de “uma visão geral, plural e diversificada dos distintos lados dos
acontecimentos”7. O conjunto de expressões públicas, jornalísticas e individuais, de
Bruno Amaral de Carvalho torna-se, assim, interessante, como objeto científico conexo
e integrado, porque nelas se evidencia o extravasamento das fronteiras actanciais do
jornalismo (Deuze, 2005), passando a ter de se considerar a hipótese da prática
individualizada, intencional, de um ativismo interno à própria esfera de ação
jornalística. O que nos obriga a aprofundar o conhecimento conceptual do ato
jornalístico, e das suas dimensões, pensando-o como teoria de ação.

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O ato jornalístico
4 Através da lente do jornalismo (Zelizer, 1993, Traquina, 2002, Deuze, 2005, Broersma,
2010), o presente artigo parte da abordagem à questão da (in)visibilidade das vítimas e
da guerra, para interrogar a interseção entre o ato jornalístico e o ativismo. Devemos,
contudo, assumir que, no seio da problematização que propomos, é insuficiente uma
mera circunscrição do problema a esta linha de demarcação. Desde logo, porque não há
qualquer novum na emergência de um jornalismo ativista (Olesen, 2008, Russell, 2016,
Hanitzsch & Vos, 2018, Reese, 2021, Maurer & Nuernbergk, 2022, Moraes, 2022) que visa
corrigir invisibilidades. Num livro que dedicou recentemente a esta problemática,
intitulado A pauta é uma arma de combate: subjetividade, prática reflexiva e posicionamento
para superar um jornalismo que desumaniza, a investigadora brasileira Fabiana Moraes
(2022: 10) constata que “toda pauta organiza e desorganiza visibilidades e invisibilidades, toda
pauta hierarquiza e desierarquiza vozes e representações, toda pauta estrutura e desestrutura
discursos”. Concordando com a autora, diríamos que o ato jornalístico que elabora a pauta
informativa devém, em si mesmo, um ato de gestão de visibilidades, um ato de seleção
entre o que (se) visibiliza e o que permanece invisível, isto é, um ato cujo efeito que se
instala na “interseção entre o domínio da estética (as relações de perceção) e o domínio da
política (as relações de poder)” (Brighenti, 2007: 324). A luta por visibilidade cuja arena
são, hoje, os média e em cujo núcleo mediador participa o ato jornalístico, tem, por isso,
profundas consequências, sendo a visibilidade mediada “imprescindível para conduzir uma
luta social e política ou para defender ou promover uma causa” (Babo, 2022: 75). Trata-se,
assim, de um ato que contém dimensões que necessitam de ser precisadas.
5 São raros os autores que referem, explicitamente, a noção de ato jornalístico, nos seus
textos (Vizeu, 2004, Fausto Neto, 2009, Saulnier, 2013, Holt & Karlsson, 2015, Borelli,
2017). Não se pode, por outro lado, afirmar que essas esparsas referências constituam
um esforço coerente de teorização, ou sequer uma tentativa de organização conceptual.
Um desses autores, Alfredo Vizeu, descreve o ato jornalístico a partir do contacto do
jornalista com o campo do código, constituído pela língua e pelo conjunto de regras da
linguagem jornalística, o que implica que o ato jornalístico se estruture em torno do que
designa “dois momentos estratégicos: operação e construção, cujas regras são pensadas,
independentes do sujeito, pois quando ele as aciona, elas já estão estruturadas no campo da
linguagem” (Vizeu, 2004: 112). António Fausto Neto é quem, a partir dos seus estudos
sobre discurso e mediação, mais tem avançado na necessidade de se pensar
dinamicamente o ato jornalístico, como núcleo actancial de um complexo conjunto de
interações, discursos e estruturas, concluindo que, hoje, “o jornalista não é o mestre
principal da sua atividade discursiva, uma vez que seu ato se encontra no meio de uma rede de
interdiscursos, de fluxos de meios e de produções de coenunciadores” (Fausto Neto, 2012: 62).
Os investigadores suecos, Kristoffer Holt e Michael Karlsson (2015), descrevem, não o
ato jornalístico, mas uma pluralidade de atos de jornalismo, avulsos ou intencionais, e não
forçosamente atribuíveis a jornalistas. Por fim, na literatura em língua francesa, a
noção de ato jornalístico é essencialmente remetida ao campo da ética (Saulnier, 2013),
ou como estando relacionado com os atos de enunciação que prefiguram o contrato de
enunciação jornalística (Charaudeau, 2006). Excetuando uma ou outra referência cruzada
(Borelli, 2017), trata-se de formulações que não têm sido postas a dialogar entre si, na
produção científica. O que nos leva a convocá-las é a possibilidade de nos propormos
debatê-las, promovendo-lhes, eventualmente, uma conciliação, e percebendo-as como

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manifestações analíticas que, integrando-se, nos proporcionam a oportunidade de


pensar o ato jornalístico como teoria de ação, capaz de, entre outras eventuais
consequências não atinentes ao presente trabalho, dar conta de uma analítica da ação
ativista dentro da ação jornalística.
6 Situamos, então, o ato jornalístico na descrição, desde logo, das dimensões operativas da
produção jornalística, isto é, na aplicação concreta, formal e causal, do conjunto das
normas e códigos ético-deontológicos e dos saberes teóricos e procedimentais do
jornalismo ao relato de factos, ações e acontecimentos, trazidos desse modo para o
domínio da atualidade. Neste sentido, que entronca com as definições de Vizeu (2004) e
Fausto Neto (2009, 2012), o ato jornalístico comporta um domínio individualizado, na
figura do jornalista, de competências técnicas de tratamento de informação, e a
articulação reflexiva de ethos e praxis. Produz-se no quotidiano. O indivíduo jornalista
desempenha, constantemente, o ato jornalístico, aplicando nele toda a sua gama de
competências e saberes, o que lhe confere também uma dimensão autoral – sobrejaz à
atividade o princípio de que o jornalista assina os seus trabalhos, assumindo
responsabilidade editorial pelo que traz à esfera pública.
7 É sabido, no entanto, que, no domínio da produção da facticidade informativa, as
dimensões individual e autoral do ato jornalístico não apenas não coincidem entre si
como não existem per se, comportando sempre articulações com distintas dimensões de
ordem coletiva, a começar pela redação, mas longe de aí se esgotarem. Como o
jornalista polaco Ryszard Kapuściński (2009: 11) sintetiza, “cada reportagem tem vários
autores e só um costume mais generalizado determina que assinemos o texto com um só nome”.
Nos seus escritos, Kapuściński defende uma dimensão autoral coletiva, totalmente
imbricada no domínio das visibilidades, do ato jornalístico que, além do indivíduo
jornalista, se alarga às “dezenas de pessoas, nossas interlocutoras, encontradas pelos caminhos
do mundo, que nos contam histórias da sua vida, da sua comunidade, de acontecimentos que
presenciaram ou ouviram falar a outros” (idem). Assim, articulando-se com a dimensão
autoral, a dimensão individual do ato jornalístico é inelutavelmente coletiva. De facto,
para além do autor coletivo de Kapuściński, fundado na premissa do encontro com um
Outro exterior ao campo jornalístico, ela articula-se com um conjunto intrincado de
outras dimensões organizacionais, políticas, semióticas, culturais e éticas que, por
vezes, se interpenetram, fundadas em noções do jornalismo como campo social
(Bourdieu, 1994), comunidade interpretativa (Zelizer, 1993), cultura profissional,
cultura noticiosa (Traquina, 2002) ou instituição (Reese, 2021), como discurso
performativo (Broersma, 2010), contrato de enunciação (Charaudeau, 2006), ou
enquadradas criticamente a partir da determinação da ideologia das notícias (Gitlin,
1979, Van Dijk, 2005), da ideologia profissional ou ocupacional (Deuze, 2005), da
reconfiguração da identidade jornalística (Traquina, 2002, Deuze, 2005), ou das
dimensões ético-deontológicas da objetividade e dos vieses (Tuchman, 1993 [1972],
Hackett, 1984).
8 Apesar do romantismo de tipo heróico que pode, por vezes, rodear narrativamente o
ato jornalístico, particularmente o que se relaciona com as grandes histórias do
jornalismo de investigação ou a reportagem de guerra (Allan & Zelizer, 2004), “sem um
conhecimento do processo de produção da notícia, é muito mais difícil o público saber que
avaliações foram feitas e que decisões foram tomadas, em nome de que interesses e, em última
análise, porque é que certas decisões foram tomadas em detrimento de outras” (Eldridge II,
2019: 891). Isto é, não basta que o público saiba das notícias, mas conheça a história

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toda. A credibilidade e o potencial impacto que, apuradas pelo ato jornalístico, as notícias
adquirem, dependem do conhecimento que seja dado quanto aos procedimentos
seguidos para as produzir. Por isso, se, por um lado, a heroicização do ato jornalístico se
baseia na demonstração que os jornalistas consigam fazer de que “sem a sua participação,
a informação não chegaria ao público” (idem), esta demonstração dificilmente se fará
contra as superestruturas autoritativas do jornalismo. Por outro lado, fazendo uma
defesa da dimensão institucional do jornalismo no ambiente de crescente hibridização
dos média, Stephen Reese (2021: 12) esclarece: “o jornalismo torna-se institucional quando
transcende qualquer pessoa, forma organizacional, comunidade profissional ou conjunto de
práticas sociais”. Assim, o combate isolado de um jornalista, ou de um grupo restrito de
jornalistas, dificilmente abalará as dimensões coletivas estruturantes do ato jornalístico,
no fundo, as dimensões onde se define o jornalismo como identidade, instituição,
discurso performativo, contrato de enunciação, ideologia, cultura, comunidade
interpretativa. Como podem, uns poucos jornalistas, redefinir, per se, o que é o
jornalismo?
9 É, precisamente, nesta encruzilhada pluridimensional que se situa a problematização
que propomos. Mais do que perguntarmos se o ato jornalístico pode ser ativista, ou
mesmo em que condições o ato jornalístico devém ativismo, o problema coloca-se do
seguinte modo: que condições existem para um ato jornalístico inerentemente ativista
quando as dimensões individuais desse ato jornalístico entram em conflito aberto com as
dimensões coletivas e autoritativas organizacionais, políticas, semióticas, culturais e
éticas, ou seja, quando o ato jornalístico individualmente assumido questiona e agita o
próprio jornalismo?

Guerra e paz. Jornalismo e ativismo


10 Não é só do ponto de vista estritamente militar que nos encontramos em territórios
conflituosos. Também do ponto de vista científico. Não que uma relação direta entre
jornalismo e ativismo não tenha sido já pensada, quer a partir de reflexões teóricas ou
teórico-empíricas (Olesen, 2008, Russell, 2016, Sözeri, 2016, Hanitzsch & Vos, 2018,
Reese, 2021, Moraes, 2022), quer de um conjunto de distintas abordagens específicas a
outros tantos casos. Citamos, a título de exemplos: o caso da mídia NINJA no Brasil de
2013 (Landesman & Davis, 2018), relacionando o chamado jornalismo cidadão,
desinstitucionalizado, com ativismo mediático digital no contexto de grandes
mobilizações; ou o caso da reconfiguração radical das práticas jornalísticas na Ucrânia,
durante e após o Euromaidan de 2014, que fez emergir “um envolvimento maciço dos
profissionais dos meios de comunicação social nos processos sociais e políticos”, sendo que
“muitos jornalistas se viram a si mesmos como motores de mudança” (Budivska & Orlova,
2017: 153), enquanto no sistema mediático do país se observava uma substituição
normativa que separou média legítimos, que puderam continuar a operar, de média
ilegítimos, cujas licenças foram revogadas por se verem associados aos interesses da
Rússia (Yanchenko et al, 2023: 13-14). Não existe, no entanto, em nenhum dos casos
atrás descritos, qualquer situação referente a um conflito intrínseco ao ato jornalístico.
Enquanto a mídia NINJA atuava fora da instituição jornalística e de toda e qualquer
dimensão organizacional, política, semiótica ou cultural do jornalismo, questionando-o,
certamente, mas assumindo que neste já não se encontraria a resposta, o que se passou
com o jornalismo ucraniano, após 2014, sendo intrínseco ao ato jornalístico, foi um

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movimento de translação integral - o jornalismo passou a definir-se a partir de uma


operação discursiva e normativa de legitimação, fundada na definição de um
posicionamento ideológico face à Rússia. Tal operação permitiu que a
pluridimensionalidade do ato jornalístico permanecesse inviolável.
11 Sobejam, entretanto, os exemplos de jornalistas que desempenham, individualmente,
um papel ativo de intervenção nas dimensões coletivas do ato jornalístico, não lutando
apenas pelas histórias que lhes chegam às mãos, mas pela visibilização de causas,
vítimas, iniquidades, injustiças, desigualdades, exclusões (Pereira & Jempson, 2014,
Arafat, 2021), assumindo papéis adversariais face ao poder, de defesa da diversidade de
vozes e causas, de missão em nome de ideais ou valores, de mediação de tensões sociais,
de agentes de mudança (Hanitzsch & Vos, 2018: 152-156). Trata-se, entretanto, de atos
jornalísticos que, partindo da dimensão individual, mobilizam o jornalismo a partir de
dentro, mostrando o que o jornalismo é sem entrar numa guerra de trincheiras com ele.
Ana Cristina Pereira, jornalista do jornal português Público cuja carreira tem vindo a
ser construída nestes pressupostos de ação, declarou recentemente numa entrevista
que “tenho a sorte de trabalhar numa redação que é bastante aberta, diversa, com gente muito
interessante”8.
12 A associação específica, ao ativismo, do ato jornalístico em jornalismo de guerra é, no
entanto, mais problemática. As suas motivações radicarão sempre na configuração da
esfera informacional do conflito, marcada historicamente pela prevalência da censura e
da propaganda sobre a verdade (Knightley, 1975, Galtung, 2003). Podem, certamente,
manifestar-se como combate jornalístico à invisibilidade, tanto de causas como de
vítimas, emergindo de uma radicalização do ativismo de jornalistas pelo jornalismo, em
nome de um ethos fundado naquilo que é suposto que o jornalismo seja, um jornalismo
que “tenha força institucional suficiente escrutinar o poder do Estado, ser uma voz independente
que luta por um ethos de transparência, de responsabilização e de equidade” (Reese, 2021: 2).
Mas, no contexto da cobertura mediática da guerra, correm também o risco de se
manifestar como desinformação e propaganda (Kempf, 2007, Goldsworthy, 2008,
Robinson, 2014, Boyd-Barrett, 2017). Tendo um vasto solo fecundador, estas motivações
constituem também o seu próprio terreno minado.
13 Descrevendo o que encontrou na Bósnia-Herzegovina, quando, como repórter, foi
destacado para cobrir a guerra dos Balcãs, na década de 1990, o antigo, e já falecido,
jornalista português Carlos Santos Pereira (2005: 151) revela que era, então, “nítido que
os jornalistas chegavam ao teatro da Bósnia já com ideias feitas e um ângulo de reportagem pré-
determinado, e com uma agenda muito circunscrita e no fundamental aos objetivos dos
respectivos governos”. A literatura, quanto ao jornalismo de guerra, aponta, de facto, por
um lado, para uma longa tradição acrítica, quando, não mesmo, militarista (Reese, 2004),
de alinhamento do discurso e da agenda dos grandes média com os governos, sinalizado
desde a guerra da Crimeia, no século XIX (Knightley, 1975), altura em que os jornais dos
países beligerantes se começam a assumir como “parte do esforço de guerra” (Hedges,
2003), e percorrendo, depois, todos os grandes conflitos do século XX e do início do
século XXI (Allan & Zelizer, 2004, Miller, 2004, Carvalho, 2005, Kellner, 2008, Nohrstedt,
2009, McLaughlin, 2016). Têm subsistido, contudo, na cobertura jornalística das
guerras, “exemplos inspiradores” (McLaughlin, 2016: 214) de vozes dissonantes, “uma
honrosa tradição de correspondentes de guerra que fizeram carreira através de reportagens
críticas face às estratégias militares, efetuando uma cobertura precisa e perspicaz" (Kellner,
2008: 299). Alguns desses repórteres viram as suas reflexões reunidas por David Miller,

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no livro Tell Me Lies, obra que surgiu de um encontro, em abril de 2003, na National
Union of Journalists, em Londres - no qual deram conta da necessidade de “contrariar as
mentiras e a desinformação que dominavam os média de massas” (Miller, 2004: 6), um mês
após o início da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. A
relevância histórica e política deste tipo de repórteres é tal que Douglas Kellner (2008:
302) sublinha “a importância decisiva que fotojornalistas e correspondentes da guerra do
Vietname tiveram na criação de um consenso anti-guerra”.
14 É outro, no entanto, o consenso em que se têm baseado os média para alinharem o
discurso com os dos governos. Estudos como o trabalho seminal de W. Lance Bennett
(1990) sobre as relações entre média e Estado, demonstram que aqueles seguem,
basicamente, o consenso das elites, indexando as notícias aos pontos de vista destas - o
que tem como efeito a marginalização das vozes dissonantes, confirmada em estudos
posteriores (Murray et al, 2008, Harp et al, 2010). A isto soma-se a cada vez maior
profissionalização da comunicação governamental (Robinson et al, 2005).
15 Ao mesmo tempo que os governos eufemizavam as antigas formas de censura
(Knightley, 1975, Kellner, 2008, McLaughlin, 2016), reciclando-as, nas últimas décadas,
como comunicação estratégica e influência sobre a agenda e os processos de framing do
noticiário de guerra (Robinson et al, 2005), ao ponto de operarem o sequestro da
linguagem (Hedges, 2003), e que os média promoviam a marginalização da dissidência
(Murray et al, 2008), incluindo a de jornalistas desalinhados com a linha editorial da sua
publicação (Bläsi, 2004, Pereira, 2005, Goldsworthy, 2008), que só com o passar do
tempo se dissiparia (Harp et al, 2010), o quadro teórico da associação entre jornalismo
de guerra e ativismo era enriquecido, e problematizado, por propostas como a de Johan
Galtung.
16 Refletindo a cobertura mediática de conflitos como a primeira guerra do Golfo Pérsico,
as guerras dos Balcãs ou a guerra do Afeganistão, o investigador norueguês
desenvolveu, numa sucessão de reflexões que publicou na viragem do milénio, o
conceito de jornalismo de paz, orientado para “a transformação dos conflitos” por oposição
à cobertura dominante, que “vê o conflito como uma batalha, uma arena de jogos, um circo de
gladiadores. As partes, normalmente reduzidas a duas, combatem para impor os seus objetivos”
(Galtung, 2003: 177), instalando-se “vieses que favorecem a violência, a preferência por
relatos baseados em situações e em fontes oficiais, e uma dicotomia narrativa que opõe bons a
maus” (Doll & Moy, 2022: 265). Galtung propôs, então, um conjunto de critérios
diferenciadores que reuniu em quatro grandes grupos: i) jornalismo orientado para a paz
e para a compreensão do conflito por oposição a um jornalismo orientado para a guerra e
para a violência; ii) jornalismo orientado pela procura da verdade por oposição ao que é
dominado pelas máquinas de propaganda; iii) orientado para as pessoas, em vez das
elites; iv) e orientado para as soluções em vez da vitória bélica (Galtung, 2003: 178).
Trata-se de critérios que só podem ser alcançados através de um “‘jornalismo de ligação’ a
todas as atuais e potenciais vítimas; o jornalismo de guerra apenas se liga ‘ao nosso lado’”
(Galtung, 2003: 179). A proposta de Galtung radica-se, assim, na alteração fundamental
dos framings noticiosos e informativos da cobertura de conflitos, com implicações
radicais nos regimes de visibilidade, de reconhecimento, de controlo e de espetáculo
(Brighenti, 2007) e no “modelo ideológico da guerra que enquadra as imagens que são
mostradas e as análises que são feitas” (Cammaerts & Carpentier, 2006: 161).
17 O modelo de Galtung (2003), e outras reflexões sobre cobertura construtiva de conflitos
surgidas ao tempo, originaram mesmo um movimento pelo jornalismo de paz (Hackett,

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2006, Kempf, 2007), mas foram, também, sujeitos a escrutínio, quer na academia quer
no campo jornalístico. O debate gerado nos anos seguintes alinhou-se, desde logo, em
dois grandes eixos: os estudos teórico-empíricos sobre a praticidade do modelo (Bläsi,
2004, Hackett, 2006, Ottosen, 2010), e o questionamento da objetividade (McGoldrick,
2006, Kempf, 2007, Loyn, 2007).
18 Partindo de bases analíticas e metodológicas distintas, estudos como os realizados por
Burkhard Bläsi, Robert Hackett ou Rune Ottosen propuseram-se determinar as
complexas condições de praticidade da proposta de Galtung. Uma leitura cruzada
indicia que, apesar de subsistir “alguma margem de agência para os jornalistas”, é provável
que “nos média corporativos ocidentais (...), os jornalistas não tenham incentivos suficientes,
nem autonomia em relação aos seus empregadores para transformar a forma como as notícias
são feitas, sem o apoio de poderosos aliados externos” (Hackett, 2006: 11). Estes estudos
deixam, igualmente, claro que a grande dificuldade será a adaptação do modelo teórico
“às complexidades da realidade mediática” (Bläsi, 2004: 11). As condições institucionais e
ambientais de praticidade do modelo de Galtung parecem, ao invés, criar um conjunto
de obstáculos que, mesmo sendo combatidos por “alguns repórteres idealistas” (Bläsi,
2004: 11), a partir das dimensões individuais do ato jornalístico, se tornam difíceis de
transpor.
19 Um dos mais ferozes oponentes da proposta de Galtung, o jornalista da BBC, com
extensa experiência em cenários de guerra, David Loyn, entrou no debate científico,
opondo, numa crítica ao teor prescritivo deste, o jornalismo de paz ao bom jornalismo. A
argumentação do repórter britânico partia, desde logo, do pressuposto de que “a
abordagem do jornalismo de paz descreve uma participação ativa que, simplesmente, não é o
papel do jornalista” (Loyn, 2007: 2), rejeitando assim, liminarmente, um jornalismo que,
segundo a sua perspetiva, abdicasse da sua tradição objetiva: “a solução está numa melhor
aplicação das metodologias já conhecidas, e não numa tentativa de reinventar a roda” (Loyn,
2007: 9).
20 A perspetiva de Loyn surge, em parte, como resposta a trabalhos como o de Annabel
McGoldrick, que defendera que “o que os jornalistas consideram a ‘objetividade’ consiste num
conjunto de convenções que orientam o noticiário sobre conflitos em favor do jornalismo de
guerra” (2006: 2). McGoldrick acompanha Galtung ao criticar as convenções
jornalísticas, falsamente tomadas por objetivas, imparciais ou neutras, como os vieses
que: naturalizam o uso de fontes oficiais, o que, por exemplo, dificulta, aos média, a
determinação do verdadeiro peso, nas decisões dos estados, de interesses poderosos
como os dos dispositivos militares-industriais, para os quais “é necessário que mísseis
sejam disparados e substituídos para que se mantenha a ‘capacidade de defesa’” (McGoldrick,
2006: 3); preferem o relato de acontecimentos ao aprofundamento dos processos,
deixando reduzido espaço à tentativa de resposta à pergunta ‘porquê?’; favorecem
narrativas duais através do mecanismo ritualístico do contraditório, que raramente se
revelam capazes de abarcar a complexidade dos conflitos. A autora considera mesmo
que o predomínio desta fórmula “distorce a contribuição dos média para o debate
democrático, favorecendo a violência - reproduzindo a propaganda de guerra” (McGoldrick,
2006: 5).
21 Visões opostas, como as de Loyn ou McGoldrick, foram, então, objeto de discussão e
tentativa de conciliação por autores como Wilhelm Kempf. O investigador austríaco, a
par de Galtung, um dos pioneiros do debate sobre cobertura construtiva de conflitos,
propôs a substituição da oposição entre jornalismo de paz e bom jornalismo (Loyn, 2007)

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 9

pela fórmula “bom jornalismo=jornalismo responsável=jornalismo de paz” (Kempf, 2007: 3). A


fórmula de Kempf significa, contudo, uma rejeição do jornalismo de paz como jornalismo
de causas de tipo ativista, que se arrisca cair diretamente nos braços das máquinas de
comunicação estratégica e de propaganda - embora o autor advirta para o facto de as
ferramentas tradicionais do jornalismo não garantirem qualidade jornalística per se.
Para que o jornalismo possa cumprir o que Kempf defende ser o seu papel de criação de
um ambiente informacional que favoreça, mesmo que indiretamente, os processos de
paz, deve ir além dos “discursos belicistas convencionais, desencadeados pelas elites políticas e
militares, e adotados pelos média de massas, que se resumem às questões ‘quem é o agressor?’ e
‘o que é que tem de ser feito para travá-lo?’” (Kempf, 2007: 3), que apenas contribuem para o
escalar dos conflitos. Isto significa considerar que o conflito é, em si, um processo
interativo que confronta, pelo menos, três planos da realidade: os planos da realidade
subjetiva dos oponentes, e um plano exterior, que devirá, assim, aquele a partir do qual
é possível perceber “como é que as realidades subjetivas interagem entre si” (Kempf, 2007:
5).
22 Uma das principais preocupações dos académicos proponentes e defensores do modelo
de jornalismo de paz passou, bem cedo, pelo investimento na formação especializada de
jornalistas. Várias universidades incluíram mesmo, na primeira década do novo
milénio, nos seus curricula, programas de formação em jornalismo de paz (Bläsi, 2004,
Ottosen, 2010, Doll & Moy, 2022). Esta via radica-se, contudo, na convicção de que é a
partir das dimensões individuais do ato jornalístico que a cobertura de conflitos pode
mudar - na verdade, que o próprio jornalismo pode melhorar, procurando, a partir
destas dimensões, agitar o jornalismo. Porém, uma metanálise teórica, feita
recentemente por Meagan Doll e Patricia Moy, a partir de mais de uma centena de
pesquisas realizadas nas últimas duas décadas, demonstra a insuficiência dessa
premissa, constatando o incumprimento empírico das promessas do jornalismo de paz: a
cobertura dos conflitos armados das primeiras décadas do século XXI permanece
“descontextualizada e polarizada”, continuando a formular “entendimentos superficiais dos
conflitos e a usar linguagem inflamada” (Doll & Moy, 2022: 263). No que se segue do
presente artigo, procuramos situar a problemática do jornalismo de paz nas múltiplas
dimensões do ato jornalístico a partir das condições concretas de cobertura jornalística
do lado russo e separatista da guerra na Ucrânia.

A guerra tornada invisível. Donbass, 2014-2022


23 O Donbass é uma região do leste da Ucrânia, composta pelos oblasts9 de Donetsk e
Lugansk. Foi palco, até à invasão de fevereiro de 2022, de uma guerra entre forças
separatistas russófonas, apoiadas por voluntários e mercenários russos, e o exército
ucraniano (Baud, 2022, Matveeva, 2022). O conflito teve início em abril de 2014, após o
lançamento da ATO, ou Operação Anti-Terrorista, pelo governo de Kiev, liderado pelo
presidente interino Oleksandr Turchynov. A ATO seria intensificada depois pelo
sucessor, Petro Poroshenko, entretanto eleito. Resultara da contestação, verificada em
várias cidades do leste e do sul da Ucrânia, à chamada Euromaidan ou Revolução da
Dignidade10, que, em finais de fevereiro, havia deposto o presidente Viktor Yanukovych
(Katchanovski, 2016, Matveeva, 2016, 2022) - eleito em 2010 na segunda volta das
presidenciais, contra Yulia Tymoshenko, com votações de 80% a 90%, precisamente, nos

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 10

oblasts do Donbass e noutros do leste e do sul da Ucrânia (Copsey & Shapovalova, 2010;
Osipian & Osipian, 2012).
24 Os primeiros meses do conflito armado no Donbass foram, então, razoavelmente
documentados por jornalistas dos principais meios de comunicação ocidentais, apesar
de, bem cedo, se evidenciar uma tendência para a abordagem aos acontecimentos de
acordo com uma perspetiva mais favorável à parte ucraniana (Boyd-Barrett, 2017). Na
segunda metade de 2014 e nos primeiros meses de 2015, algumas das principais cadeias
de televisão e publicações internacionais destacaram, para o terreno, enviados
especiais, que produziram relatos a partir de ambos lados – fosse a perspetiva
ucraniana oficial, fosse a dos rebeldes russófonos. Uma consulta aos arquivos digitais
permite encontrar trabalhos como os da enviada especial da CNN a Donetsk e a
Lugansk, Diana Magnay. Vários dos trabalhos da repórter da cadeia de televisão norte-
americana consistem em relatos feitos a partir do ponto de vista de quem se encontra
do lado separatista. Nestes trabalhos, Diana Magnay dá voz quer às lideranças políticas
e militares separatistas quer à população civil. Particularmente interessante é a
reportagem de 1 de setembro de 201411, na qual Diana Magnay entrevista residentes de
Donetsk, vítimas dos bombardeamentos ucranianos, recolhendo destes a informação,
com que introduz a peça: “Petro Poroshenko terá grandes dificuldades em ganhar de novo os
corações dos habitantes desta cidade. Enquanto limpam os destroços das suas casas e dos
negócios destruídos, as pessoas de Donetsk mostram-se magoadas com um presidente que, dizem,
está a matar o seu próprio povo” (CNN, 1/09/2014). Na reportagem, Magnay dá voz a
cidadãos que acusam o governo ucraniano de bombardear indiscriminadamente a
população civil, aumentando desse modo o sentimento popular de apoio pela causa
separatista: “nós somos ucranianos mas eles estão a matar-nos. Provavelmente, o que
precisamos é de criar o nosso próprio país”, afirma Alexander Omelyanenko, enquanto,
deitada na cama do hospital local, Valentina Popova faz, em ucraniano, um apelo,
dizendo: “Costumávamos dançar, cantar em ucraniano! Poroshenko! Poroshenko! Por favor,
escuta-nos! Porque é que não queres entender o teu povo? Sê um homem, sê humano! Por favor,
pára com a agressão! Pára com esta guerra!” (CNN, 1/09/2014). Numa reportagem publicada
meses depois, a 13 de fevereiro de 201512, a repórter Courtney Weaver do jornal
britânico Financial Times, escreveria que “após um cerco de meses que destruiu as
infraestruturas locais e deixou a população sob a percussão constante da artilharia, um novo
sentido de identidade regional tomou conta de Donetsk”, concluindo que “é o resultado, em
grande parte, dos bombardeamentos do exército ucraniano, que voltaram muitos habitantes
locais, anteriormente pró-ucranianos, contra Kiev” (Financial Times, 13/02/2015). Numa
profunda revisão de literatura que fez às diversas perspetivas sobre o conflito, a
investigadora e antiga colaboradora das Nações Unidas, Anna Matveeva, confirma esta
noção de que “muitos, na população, estavam preparados para viver na Ucrânia imperfeita,
mas pluralista e largamente tolerante de Yanukovych, mas revelaram-se relutantes em seguir o
novo rumo da "escolha europeia" que os pretendia levar noutra direção” (Matveeva, 2022:
413).
25 Apesar dos acordos de cessar-fogo celebrados em Minsk, na Bielorrússia, em setembro
de 2014 e fevereiro de 2015, o conflito armado no leste da Ucrânia, mesmo diminuindo
de intensidade entre 2016 e 2021, manteve-se irresolvido até à invasão russa de
fevereiro de 2022. Não se manteve, contudo, ao longo desse tempo, a mesma atenção
dos grandes média ocidentais13, submergindo, na invisibilidade, antes de mais, as
vítimas, cujos números, de acordo com dados recolhidos pelo Alto Comissariado das

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 11

Nações Unidas para os Direitos Humanos14, atingiram, no período entre 14 de abril de


2014 e 31 de dezembro de 2021, um total de cerca de 14200 a 14400 mortos, dos quais
3404 civis. Uma esmagadora maioria destes, 81.4%, eram residentes em zonas
controladas pelas forças separatistas (OHCHR, 2022), precisamente, as zonas do conflito
que, praticamente, deixaram de merecer atenção dos grandes média ocidentais a partir
de 2015.

Metodologia e análise. O caso de Bruno Amaral de


Carvalho. Donbass, 2022
26 Não é fácil encontrar repórteres ocidentais que, a partir de 2015, tenham efetuado
trabalho jornalístico consistente, publicado pelos média de massas, a partir do ponto de
vista das populações russófonas e das forças separatistas do Donbass. Apesar do surto
de visibilidade do conflito, provocado pela invasão russa de fevereiro de 2022, a
situação não mudou: à invisibilidade de jure com que os principais média russos foram
sancionados no espaço europeu e ocidental, somou-se a penúria de repórteres
ocidentais deslocados para o lado separatista e russo da guerra. Durante mais de meio
ano, entre março e outubro de 2022, Bruno Amaral de Carvalho foi o único jornalista
português15, e um dos poucos jornalistas ocidentais, a efetuar, daí, relatos jornalísticos
regulares. Nesse período, o repórter freelancer trabalhou a partir de várias cidades do
Donbass, principalmente, Donetsk, Mariupol e Lugansk, tendo produzido reportagens
escritas, trabalho fotográfico e videográfico, peças gravadas e registos live-on-tape para
televisão. A colaboração com o jornal Público, da qual resultou uma primeira
reportagem, a 31 de março, intitulada “Os pássaros não cantam em Lugansk”16, não teve
continuidade. Os trabalhos de Bruno Amaral de Carvalho passaram, depois, a surgir, de
forma regular, na CNN Portugal e, em Espanha, no diário galego Nós. De forma
ocasional, publicou ainda textos no jornal português A Voz do Operário e no jornal
basco Gara.
27 Para articularmos a intervenção pública do repórter português, percebendo-a quer
como ato jornalístico, decomponível nas suas dimensões individuais e coletivas, e
relacionando-o com os critérios do jornalismo de paz, quer como posicionamento face às
lutas por visibilidade, recorremos aos trabalhos que, nesse período, Bruno Amaral de
Carvalho enviou para os média, e ao acervo de 187 postagens públicas, sobre a guerra,
ou cruzando assuntos relacionados com a sua presença no Donbass, como o jornalismo,
a ética jornalística e a objetividade, ou os ataques públicos que lhe foram dirigidos, que
publicou entre 31 de março e 12 de outubro de 2022 na sua página na rede social
Facebook. Misturam-se, neste acervo, textos e registos fotográficos e videográficos,
próprios ou obtidos de outras fontes, em que o repórter divulga algumas das
reportagens que realizou no terreno e publicou em órgãos portugueses e espanhóis
(27), entrevistas que concedeu a meios de comunicação (2), informação que recolheu de
fontes locais ou média russos e ucranianos (33), acontecimentos que testemunhou
diretamente (108), e opinião que emitiu (17).
28 Consideramos que a análise da articulação das dimensões individuais e coletivas do ato
jornalístico será particularmente enriquecida por uma metodologia que observe
criticamente a produção discursiva do repórter, nas redes digitais, e a produção
jornalística publicada, colocando-as em confronto. Deste modo, aplicamos, por um lado,
a análise crítica do discurso (ACD), de tipo sociocognitivista (Van Dijk, 2005) à sub-

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 12

amostra de entradas, relativas à emissão de opiniões e posições pessoais, na página de


Bruno Amaral de Carvalho, no Facebook, com o intuito de determinar as macro e micro
estruturas discursivas identificáveis com as dimensões individuais do ato jornalístico, e
as interações destas com as dimensões coletivas - que, no seio da ACD, podem ser
inseridas no estudo de relações de poder, o que nos permite entender o alcance de
agência individual. E, por outro, submetemos à ACD o discurso jornalístico textual,
produzido nas cinco peças publicadas nesses moldes no site da CNN Portugal, i.e., com
texto desenvolvido como reportagem, a acompanhar as peças de televisão emitidas,
procurando identificar as macro e micro estruturas inseríveis, por associação ou
oposição, num modelo actancial de jornalismo de paz.
29 Sendo vários os tópicos cobertos pelos 17 textos em que Bruno Amaral de Carvalho
veiculou posições ou opiniões pessoais, a ACD permite-nos teorizá-las como discurso
cujo âmbito suplanta os significados locais e respetivas explicitudes, determinando o
seu caráter ideológico. Assim, nestes textos, o repórter posiciona-se de acordo com um
conjunto de macroproposições explícitas e implícitas que, muitas vezes, se intercruzam
nos espaços-tempos contextual e acontecimental (Van Dijk, 2005):
30 i) Os atores públicos portugueses (políticos17, comentadores e jornalistas18) que atacam a
credibilidade do seu trabalho, preferem, “de forma consciente, sem qualquer autocrítica”19,
“propaganda a informação”, e perseguem quem é comunista e a favor da paz20;
31 ii) A cobertura jornalística da guerra no ocidente é hipócrita e baseia-se numa dualidade de
critérios: omite ou oculta os crimes de guerra cometidos pelos ucranianos contra civis e
jornalistas21, quando “numa guerra não há unicórnios”22, evidencia apenas os aspetos
negativos relacionados com os russos23, omitindo aspetos positivos, como a permissão
de ensino da língua ucraniana, que contrasta com a proibição de ensino do russo na
Ucrânia24, e considera apenas as vítimas causadas pela ação militar russa25,
desconsiderando as vítimas causadas pela ação militar ucraniana26;
32 iii) As organizações representativas e autoritativas da profissão (como o Sindicato dos
Jornalistas) silenciam ataques militares da Ucrânia a jornalistas em trabalho do lado russo, de
forma “gritante e inexplicável”, e discriminam negativamente situações presentes face a
situações semelhantes do passado, que mereceram, então, condenação coletiva27;
33 iv) Há informação de teor autoritativo que reforça e credibiliza o trabalho jornalístico de Bruno
Amaral de Carvalho, como o comunicado do Conselho Deontológico do Sindicato dos
Jornalistas28, emitido três semanas depois de um ataque público que lhe foi dirigido pelo
secretário de Estado, João Galamba, a condenar as tentativas de censura ao pluralismo
informativo, a coluna do Provedor do Leitor do jornal Público em que este critica a falta
de pluralismo da cobertura jornalística da guerra pelo periódico29, o relatório da
Amnistia Internacional que, em agosto de 2022, acusou a Ucrânia de cometer crimes de
guerra30, ou a citação direta dos Princípios Internacionais de Ética Profissional do
Jornalismo da UNESCO, em que se condenam os jornalistas que façam a apologia da
guerra31;
34 v) O repórter afirma-se implicitamente um combatente pela causa do jornalismo, ao lutar
contra a falta de contexto do jornalismo produzido sobre a guerra32 e contra a morte da
pluralidade informativa decretada pelos média e governos ocidentais - que fez com que,
a certa altura, fosse o único repórter europeu ocidental a trabalhar do lado russo33, e o
transformou, simultaneamente, no jornalista “mais escrutinado” em Portugal, levando-o

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 13

a escrever, citando uma canção basca, que, “quando se aprende a chorar por algo também se
aprende a defendê-lo”34.
35 Por outro lado, quanto ao discurso jornalístico produzido pelo repórter para o site da
CNN Portugal, é-nos possível, a partir de um levantamento dos significados locais, e de
uma investigação dos significados implícitos (Van Dijk, 2005) em cada um dos textos
analisados, enunciar um conjunto de macroproposições globais, que podemos dividir
entre macroposições de tipo ideológico (relacionadas com a ideologia das notícias) e
macroproposições de tipo metodológico (relacionadas com a revelação explícita ou
implícita dos métodos usados pelo repórter para obtenção, verificação e hierarquização
da informação).
36 Quanto às macroproposições de tipo ideológico, que revelam os sentidos gerais do
trabalho jornalístico de Bruno Amaral de Carvalho:
• Nos trabalhos realizados na cidade destruída de Mariupol, a 14 de abril35 e a 18 de abril 36, o
repórter evidencia, detalhando, que a população civil tem de sobreviver em condições
extremamente precárias, é uma “comunidade improvisada” que sobrevive, após a batalha, “sem
eletricidade, gás ou água canalizada”; no trabalho realizado na cidade e região de Donetsk, a 19
de julho37, o repórter mostra, ainda, implicitamente, como o quotidiano da guerra cria um medo
permanente na população, simbolizado no facto de uma trovoada de verão ser motivo para que
as autoridades locais enviem mensagens de tranquilização às populações civis, isto porque,
os “bombardeamentos esporádicos passaram a ser constantes”;
• Apesar de, nos contactos com a população, Bruno Amaral de Carvalho constatar que “alguns
acusam os russos, outros acusam os ucranianos” pela destruição verificada, os dois textos do
repórter sobre Mariupol constroem implicitamente, suportando-se em declarações de civis e
em observação direta, a noção de que o batalhão ucraniano Azov é uma ameaça à segurança dos
civis. A ameaça surge, primeiro, subtilmente sinalizada por um habitante que indica que “era
dali que disparava o batalhão Azov” durante a batalha por Mariupol e, por outro, num
testemunho mais explícito para o segundo trabalho, como sendo do Azov os soldados que
“dispararam para o chão na minha direção”, ao roubarem o carro a um civil, tendo feito o
mesmo a outros. O batalhão Azov é, ainda, ideologicamente composto a partir de referências
histórico-culturais e políticas à extrema-direita e ao nazismo, como a do “símbolo neonazi do
batalhão Azov, uma adaptação da grafia das SS alemãs”, que o repórter encontrou na parede de
um prédio, e os elementos de identificação achados junto ao corpo de um soldado ucraniano
morto na batalha, associando-o à “Guarda Nacional da Ucrânia”, à qual pertencem o Azov e
“outros grupos de extrema-direita”;
• O exército ucraniano comete crimes de guerra, bombardeando zonas civis, imputação que surge de
forma implícita na peça que o repórter realizou a 19 de julho, em Donetsk, o relato de um
bombardeamento à estação de camionagem da cidade, em que morreram dois civis, um
motorista de autocarros e uma mulher de meia idade, peça na qual Bruno Amaral de
Carvalho fornece detalhes das zonas, “a menos de cinco quilómetros de bairros de Donetsk”, onde
existem, desde 2014, posições militares ucranianas fortificadas, citando Avdeevka, uma “dor
de cabeça para a Rússia”, dado que “a maior parte dos disparos de artilharia pesada contra Donetsk e
Gorlovka partem desta cidade”, e também de Marinka e Pesky. A mesma imputação é feita
explicitamente pela população civil do Donbass, nos trabalhos feitos pelo repórter na região
de Mariupol, a 27 de abril38, e de Donetsk, a 2 de outubro39, aquando dos referendos que
votaram a adesão da região à Rússia, quando uma moradora da cidade de Makeevka é citada
dizendo que “são eles (Kiev) que nos bombardeiam”;

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 14

• O fornecimento de armamento ocidental à Ucrânia aumenta o poder bélico e de ataque às populações


civis do exército ucraniano, é uma macroproposição que emerge igualmente dos significados
implícitos dos trabalhos realizados em Donetsk a 19 de julho e 2 de outubro. Suporta-se quer
nas referências feitas ao maior alcance do tipo de armamento e munições de artilharia
fornecidas pelo ocidente, quer na constatação do “avanço surpreendente das forças ucranianas
apoiadas pelos seus aliados”, em setembro de 2022, na região de Kharkiv. O sentimento da
população civil face aos poderes de Kiev e das potências ocidentais é o de que “a esmagadora
maioria afirmou que se sente abandonada desde 2014”;
• Há crimes de guerra imputados à Rússia que não correspondem à verdade, como resulta do caso,
relatado na peça de 27 de abril40, da imputação, feita pela Ucrânia, a partir de imagens de
satélite fornecidas por uma empresa americana, de que haveria valas comuns abertas pelos
russos em dois locais na região de Mariupol. Uma deslocação do repórter ao “local preciso da
geolocalização”, verificou, pelo contrário, tratar-se de cemitérios, onde o que há “são centenas
de campas a perder de vista”, ficando igualmente implícito que também as vítimas do inimigo
são tratadas com dignidade;
• A maioria da população residente no Donbass sofre a guerra desde 2014, sendo favorável à separação
da Ucrânia e sentindo-se mais ligada à Rússia, é uma macroproposição resultante do conjunto de
trabalhos analisados, nos quais os militares separatistas mostram “orgulho no escudo soviético”
que usam na farda (14 de abril), e a população ouvida se manifesta “indignada com as
autoridades ucranianas” (27 de abril), que vê como agressoras, querendo viver “num país unido
e pacífico” (2 de outubro). Por isso, não se sentiu “forçada a votar” mostrando “indiferença”
perante a “opinião do ocidente”, nos referendos de união com a Rússia (2 de outubro), até
porque, como resulta implícito dos enquadramentos históricos fornecidos pelo repórter, os
territórios do Donbass eram russos até há cerca de cem anos, tendo sido o primeiro líder soviético,
Vladimir Lenine, a integrá-los na então república soviética da Ucrânia e são, hoje, os russos e as
milícias quem garante a defesa do Donbass.
37 As macroposições de tipo metodológico são as que resultam da informação explícita
fornecida, e dos significados implícitos que, a partir dos textos, recolhemos para
reconstituir aspetos do processo de produção das reportagens, por Bruno Amaral de
Carvalho:
• O repórter faz uso de vários recursos que implicitamente constroem uma noção de
independência jornalística e liberdade de ação no terreno, contando, por exemplo, que, após a
chegada a Mariupol (14 de abril), ele e um outro jornalista ficaram “entregues à nossa sorte” e
que, “por opção, as nossas reportagens são feitas sem a cobertura do exército russo” (18 de abril);
• O repórter demonstra, igualmente, ter estabelecido laços emocionais e afetivos com as vítimas
civis da guerra, não apenas por relatar (18 de abril), um momento em que ajudou a socorrer
uma idosa que “pisou uma mina e sangra de uma perna”, tendo-lhe posto “um torniquete à volta
da perna”, mas também por assumir que abandona uma casa “de coração apertado”;
• todos os textos analisados relatam, com detalhe, os encontros de reportagem que o repórter
estabelece, procurando, essencialmente, escutar as vítimas civis da guerra, que constituem a
maioria das fontes de informação contactadas, cujas histórias e experiências pessoais são
contadas ou cujas opiniões são individual ou coletivamente veiculadas;
• em todos os textos analisados, o repórter reserva uma parte para enquadrar e explicar os factos
que estiveram na origem do conflito, remetendo-o historicamente a 2014;
• o conjunto de textos analisados permite que se reconstitua sempre a triangulação entre
conteúdos testemunhais e depoimentos e os factos relatados pelo repórter no terreno;
• um dos trabalhos (27 de abril) explicita e descreve procedimentos de verificação de
informação, desmontando, no caso, informação fornecida aos média ocidentais por estruturas

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estatais e privadas de comunicação estratégica, através do uso conjugado de fontes locais,


civis, com fontes militares, cuja informação se complementa e mutuamente confirma.

Considerações finais
38 Um dos equívocos emergentes do pensamento da escola do jornalismo de paz advirá de
uma desarticulação teórica, nem sempre percebida pelos autores (Galtung, 2003,
McGoldrick, 2006, Kempf, 2007), das dimensões individuais e coletivas do ato jornalístico.
Ao criticarem, na nossa perspetiva, bem, o jornalismo produzido sobre os conflitos
como rastilho que os acende ainda mais, os autores que, nas últimas décadas, têm vindo
a defender um jornalismo sobre conflitos orientado para processos de pacificação, têm
apresentado como escopo da análise aquele que, ou se circunscreve aos trabalhos dos
jornalistas no terreno, centrando na figura do repórter de guerra as condições de
sucesso do modelo de Galtung, ou analisa os resultados do noticiário, negligenciando as
interações complexas, endógenas e exógenas, que formulam esses resultados a partir do
ato jornalístico. Houve, certamente, importantes esforços de articulação (Bläsi, 2004,
Hackett, 2006), mas, de algum modo, tornaram-se infrutíferos, permanecendo um
défice de trabalho crítico que permita transportar para a esfera pública uma verdadeira
analítica da cobertura mediática dos conflitos, condição sine qua non de efetiva
mudança. Se é certo que a formação especializada de jornalistas, apontada como
solução, também continha o potencial de se vir a refletir no campo, as duas décadas de
experimentação passadas revelam parcos resultados (Doll & Moy, 2022). A pergunta que
emerge é: porquê?
39 Ao subsumir o ato jornalístico como teoria de ação, o presente artigo procura fazer uma
proposta que permita abordar estes problemas analíticos. O ato jornalístico não pode ser
apenas tomado como teoria de ação interna ao jornalismo, mas como o conjunto
complexo de interações e lutas que, num dado momento, se desenvolvem entre atores
internos e com, e entre, atores externos, transformando-o num ato político. Daí que, o
presente trabalho, cujas limitações se assumem, desde logo, na pluridimensionalidade,
aqui inalcançável, desta problemática, parta igualmente do levantamento do caso
singular de um repórter português, analisando-o como posicionamento e metodologia,
isto é, como conjunto de interações e lutas ideológicas e epistémicas, internas e
externas ao jornalismo. Não pode, assim, a análise negar que este repórter insere a sua
produção numa muito mais vasta luta por visibilidade e numa gestão política dessa
visibilidade que o transcende largamente. É numa incomensurável teia de interações e
lutas por visibilidade que o ato jornalístico se desenvolve. O caso de Bruno Amaral de
Carvalho é, contudo, particularmente interessante porque, nessa teia, a luta solitária do
repórter emerge como objeto estranho, o que, se o destaca como alteridade num visível
hegemónico e, por isso, essencialmente homogéneo, destaca, igualmente, as lutas pela
forma como é visto. O presente trabalho permite, apenas, analisar essas lutas a partir da
perspetiva do repórter, devolvendo-nos uma visão da alteridade do outro, devendo ser
complementado, por isso, por estudos que desenvolvam outras perspetivas.
40 Uma das lutas mais evidentes é a que envolve a configuração do outro como
propagandista, logo, como anti-jornalista. Os inúmeros estudos, realizados nos últimos
cinquenta anos, sobre a relação entre os média, o jornalismo, a comunicação
governamental e a propaganda de guerra (Knightley, 1975, Bennett, 1990, Allan &
Zelizer, 2004, Miller, 2004, Robinson et al, 2005, Kellner, 2008, Nohrstedt, 2009,

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Robinson, 2015, McLaughlin, 2016), demonstram uma consistência histórica no


alinhamento entre os dois primeiros e os dois últimos vértices do quadrado, e uma
tendência para a marginalização de vozes dissonantes e dissidentes (Bennett, 1990,
Bläsi, 2004, Pereira, 2005, Goldsworthy, 2008, Murray et al, 2008, Harp et al, 2010). As
análises, forçosamente ainda parcelares, que têm vindo a ser feitas à cobertura da
guerra na Ucrânia pelos média ocidentais, apontam no sentido de um aprofundamento,
sem precedentes, desse alinhamento (Hedges, 2022, Kinzer, 2023, Pilger, 2023). Daí que,
associar jornalismo de guerra a ativismo devenha altamente problemático, dada a
imediata correlação da cobertura jornalística da guerra com os interesses geopolíticos
em jogo, que configuram um campo de batalha que, muito para além do estritamente
militar, se configura também, e estende, à captura e domínio da esfera comunicacional,
que pertence, essencialmente, ao visível como domínio das percepções.
41 Os posicionamentos enunciados explícita e implicitamente por Bruno Amaral de
Carvalho, quer nos textos de opinião pessoal quer nas suas reportagens, inserem-se
nestes eixos de análise. O jornalista assume as lutas, como um combatente pela causa do
jornalismo, procurando ancorar-se em definições e análises autoritativas para justificar
a necessidade dessa dissidência, acusando quem o acusava de querer “que não houvesse
nenhum jornalista daquele lado porque a única coisa que lhes importa é a propaganda e não o
jornalismo”41. Os seus enunciados propõem, igualmente, redefinições importantes de
conceitos do ethos e da praxis jornalística, como a pluralidade informativa, que Bruno
Amaral de Carvalho situa do seguinte modo, num texto que publicou no Facebook a 20
de agosto de 202242:
42 “Pluralidade não é ter jornalistas dos dois lados a transmitir aquilo que defendem as forças
beligerantes. Pluralidade não é ter jornalistas que se dedicam exclusivamente a cobrir visitas
organizadas por militares ou a fazer fé no que dizem as autoridades de cada um dos lados. A
pluralidade é tentar compreender o que se passa e contar a história daqueles que estão a viver a
guerra.”
43 A recusa em definir um exercício pluralista do jornalismo a partir de reduções como o
mero contraditório, resulta, assim, num conjunto de posicionamentos e metodologias
inseríveis no modelo de jornalismo de paz (Galtung, 2003), como o privilégio que Bruno
Amaral de Carvalho concede à visão da população civil que contacta no Donbass, com a
qual estabelece empatia; a pesquisa das raízes históricas do conflito e o enquadramento
histórico dos acontecimentos atuais, evidenciando uma recusa em fornecer, apenas, de
forma superficial e descontextualizada, o que se está a passar na esfera da violência
bélica; a aplicação de técnicas jornalísticas de triangulação e verificação às alegações
feitas pelas partes em conflito, que, ao mesmo tempo, afirmam a base independente e
livre do seu trabalho. Se é certo que, ideologicamente, o trabalho de Bruno Amaral de
Carvalho não deixa de estar alinhado com um posicionamento mais favorável à parte
russa e separatista do conflito, não deixa de ser notório que esse alinhamento apenas
corresponde àquele que os média ocidentais, desde o início do conflito, transmitiram a
partir do lado separatista, sempre que deram voz à população civil e às milícias
rebeldes. Este é um dos aspetos fundamentais da análise que propomos ao ato
jornalístico, dado que evidencia a insuficiência da agência individual e a constante
necessidade de articulação desta com as dimensões coletivas. O desaparecimento, (s)em
combate, do jornalismo ocidental, da parte separatista e russa da guerra, a partir de
2015, é revelador da superimposição de interações coletivas de tal magnitude que
tiveram como efeito a invisibilização da guerra e das suas vítimas, transformando o

Communication, technologies et développement, 13 | 2023


Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 17

trabalho de recuperação dessa visibilidade numa tarefa totalmente assimétrica. Esta


teve, assim, de ser assumida a partir da agência individual sobre o ato jornalístico,
formulando um jornalismo obrigado a lutar contra si mesmo.
44 O caso de Bruno Amaral de Carvalho, sendo singular no jornalismo português, não é
único. Nos meses que se seguiram à invasão russa, o jornalista partilhou o espaço
informacional ocidental, dedicado à perspetiva separatista e russa da guerra na
Ucrânia, com um punhado de outros repórteres freelancer como o jornalista e analista
geopolítico italiano Maurizio Vezzosi, com o qual viajou para Mariupol, a politóloga,
ativista e youtuber espanhola Liu Sivaya, a documentarista, professora universitária e
ativista francesa Anne Laure Bonnel, a jornalista e ativista canadiana Eva K. Bartlett, o
antigo militar e ativista americano Patrick Lancaster, a jornalista e ativista alemã Alina
Lipp, a jornalista e ativista francesa Christelle Néant, residente no Donbass, e vários
outros. Com a sua ação acentrada, que confirmará a necessidade de revisão dos limites
teóricos do jornalismo (Deuze, 2005), estes repórteres ativistas promovem, por um lado,
o esbater das fronteiras “entre o seu papel jornalístico e a defesa de causas, mas, por outro
lado, desconstroem mais ativamente narrativas conflituantes ou deslegitimadoras" (Maurer &
Nuernbergk, 2022: 1), o que terá como contraponto o facto, declarado em 2013, nas
Nações Unidas, pelo correspondente internacional da NBC, Richard Engel, de que
“proteger os jornalistas nos dias de hoje é difícil, talvez mais difícil do que nunca, porque se torna
necessário enfrentar a questão de quem é jornalista e quem é ativista de uma forma que nunca
antes se colocou”43.

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2. CRTC bans Russian state-controlled TV channels RT, RT France from Canadian airwaves | CBC
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3. O único jornalista português que cobre a guerra do lado russo - Atualidade - SAPO
4. Secretário de Estado critica jornalista a trabalhar na Ucrânia - Portugal - SÁBADO
5. "Infiltrado com as forças agressoras russas": Ana Gomes critica jornalista da CNN Portugal em
Mariupol - Correio da Manhã
6. Visão | Jornalista que acompanha a guerra da Ucrânia pelo lado da Rússia foi eleito deputado
municipal da Amadora pela CDU
7. Conselho Deontológico repudia tentativas de censura na cobertura da Guerra da Ucrânia –
Sindicato dos Jornalistas
8. Gerador
9. Palavra que, nas línguas ucraniana e russa, designa distritos administrativos.
10. Desde 2014, vários autores (Korostelina, 2014, Katchanovski, 2016, Smoor, 2017, Lazarenko,
2018, Koval et al, 2022) têm vindo a dedicar-se ao estudo dos campos metanarrativos formados
antes e depois do início do conflito armado no leste da Ucrânia, demonstrando a existência de
correspondências diretas entre a terminologia usada e a respetiva significação geopolítica.
Qualquer artigo científico que se dedique à guerra na Ucrânia deve, por isso, ter em conta a
impossibilidade de neutralidade absoluta no uso da linguagem.
11. Donetsk citizens plead for chaos to end | CNN

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12. School lessons and shelling forge new identity in east Ukraine | Financial Times (ft.com).
13. Valerá a pena notar que, em dezembro de 2014, com a intenção declarada de “combater a
guerra da informação”, o novo poder da Ucrânia decidiu criar um, então extremamente polémico,
Ministério para a Política de Informação, munido de “amplos poderes para influenciar os média”,
tendo sido, por isso, descrito por média ocidentais, como o jornal britânico Guardian, através da
expressão orwelliana Ministério da Verdade: Ukraine forms 'ministry of truth' to regulate the
media | Ukraine | The Guardian
14. Conflict-related civilian casualties as of 31 December 2021 (rev 27 January 2022) (un.org)
15. O único jornalista português que cobre a guerra do lado russo - Atualidade - SAPO
16. Os pássaros não cantam em Lugansk | Reportagem | PÚBLICO (publico.pt)
17. Bruno Carvalho - Um membro do governo português troça publicamente... | Facebook
18. Bruno Carvalho - Este comentador televisivo, também jornalista,... | Facebook
19. Bruno Carvalho - Mafalda Anjos, directora da Visão, diz que é uma... | Facebook
20. Bruno Carvalho - Enquanto estou no Donbass, tenho evitado... | Facebook
21. Bruno Carvalho - Esta manhã ouvi várias explosões no centro da... | Facebook
22. Bruno Carvalho - Segundo a Amnistia Internacional, organização... | Facebook
23. Bruno Carvalho - Não deixa de ser curioso que agora se fale tanto... | Facebook
24. Bruno Carvalho - Veremos se as autoridades russas vão permitir a... | Facebook
25. Bruno Carvalho - Há ataques russos massivos e alertas um pouco por... | Facebook
26. Bruno Carvalho - Depois de dias de acusações mútuas, Zelensky... | Facebook
27. Bruno Carvalho - No meio de sucessivos bombardeamentos, há ideias... | Facebook
28. Conselho Deontológico repudia tentativas de censura na cobertura da Guerra da Ucrânia –
Sindicato dos Jornalistas
29. Bruno Carvalho - Este sábado, o Provedor do jornal Público tece... | Facebook
30. Bruno Carvalho - Segundo a Amnistia Internacional, organização... | Facebook
31. Bruno Carvalho - Sobre a defesa pública que alguns jornalistas... | Facebook
32. Bruno Carvalho - Os últimos dias foram passados na República... | Facebook
33. Bruno Carvalho - Neste momento, depois da partida do repórter de... | Facebook
34. Bruno Carvalho - Março foi há 15 quilos atrás. Uma vida. Os... | Facebook
35. Na linha da frente dos combates em Mariupol: "Vocês estão malucos da cabeça" - CNN
Portugal (iol.pt)
36. Exclusivo em Mariupol. Na terra de ninguém - CNN Portugal (iol.pt)
37. A guerra na Ucrânia vista do Donbass: “Trovoada em Donetsk. Não entre em pânico” - CNN
Portugal (iol.pt)
38. Os mil corpos enterrados em dois cemitérios às portas de Mariupol no último mês - CNN
Portugal (iol.pt)
39. Guerra na Ucrânia ou, como disse Lénine, "há décadas em que nada acontece e há semanas em
que décadas acontecem" - CNN Portugal (iol.pt)
40. Os mil corpos enterrados em dois cemitérios às portas de Mariupol no último mês - CNN
Portugal (iol.pt)
41. Bruno Carvalho - Março foi há 15 quilos atrás. Uma vida. Os... | Facebook
42. Bruno Carvalho - Este sábado, o Provedor do jornal Público tece... | Facebook
43. What's the Difference Between Activism and Journalism? - Nieman Reports

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Jornalismo e ativismo: Um repórter português do lado russo da guerra na Ucrânia 23

RESUMOS
This article proposes a thinking of the journalistic act as a theory of action, capable of responding
to an analysis of the intersections between activism and journalism, by decomposing the
individual and collective actantial dimensions of journalism, and the endogenous and exogenous
interactions that shape and condition journalistic production.
The case of Bruno Amaral de Carvalho, a Portuguese freelance journalist who, in 2022, spent
more than half a year working on the Russian side of the war in Ukraine, is treated from a critical
analysis of the discourse produced on Facebook by the reporter, during this period, and from a
sample of works published on the CNN Portugal website. It investigates, from the theoretical
confrontation with the peace journalism model (Galtung, 2003) and with visibility as a political
concept (Brighenti, 2007), the feasibility or unfeasibility of individual agency of a journalistic act
capable of overcoming invisibilities of causes and victims, thus contributing to the emergence of
peacebuilding processes.

Cet article propose une pensée de l'acte journalistique comme théorie de l'action, capable de
répondre à une analyse des intersections entre activisme et journalisme, en décomposant les
dimensions actantielles individuelles et collectives du journalisme, et les interactions endogènes
et exogènes qui façonnent et conditionnent la production journalistique.
Le cas de Bruno Amaral de Carvalho, journaliste indépendant portugais qui, en 2022, a passé plus
de six mois à travailler du côté russe de la guerre en Ukraine, est traité à partir d'une analyse
critique du discours produit par le reporter, pendant cette période, sur le réseau Facebook, et à
partir d'un échantillon de travaux publiés sur le site web de CNN Portugal. On étudie, à partir de
la confrontation théorique avec le modèle du journalisme de paix (Galtung, 2003) et avec la visibilité
en tant que concept politique (Brighenti, 2007), la faisabilité ou l'infaisabilité de l'agence
individuelle d'un acte journalistique capable de surmonter les invisibilités des causes et des
victimes, et de contribuer ainsi à l'émergence de processus de rétablissement de la paix.

ÍNDICE
Mots-clés: guerre en Ukraine ; journalisme de paix ; activisme ; acte journalistique
Keywords: Ukraine war; peace journalism; activism; journalistic act

AUTOR
LUÍS M. LOUREIRO

CECS, Universidade do Minho, Portugal

Communication, technologies et développement, 13 | 2023

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