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Artigo recebido em O jornalismo internacional

entre mudanças e
24/04/2015
Aprovado em
26/08/2015

Luciane Fassarerlla
Agnez
permanências
luagnez@gmail.com
Centro Universitário IESB –
Instituto de Educação Superior
de Brasília Luciane Fassarerlla Agnez
Doutora em Comunicação pela
UNB e mestre em Estudos da
Mídia pela UFRN. Professora
Resumo
de Jornalismo e coordenadora
da Pós-graduação em O jornalismo internacional vive um momento de tensão provocado por
Assessoria em Comunicação transformações que abrangem questões tecnológicas, relacionadas à economia
Pública do Centro Universitário das organizações midiáticas e ao cenário das relações internacionais e dos perfis
IESB. de cobertura. Pesquisas em países pioneiros neste tipo de noticiário, como
Estados Unidos e Inglaterra, mostram uma redução no espaço e no número de
profissionais ligados ao setor. No Brasil, também são crescentes as críticas à
redução do noticiário internacional e à qualidade dessa cobertura. Tudo isso num
cenário de globalização e de interdependência entre as nações, quando a noção
de cosmopolitismo e de interesse pelo “outro” são fundamentais. Diante disso, o
presente artigo analisa as editorias de internacional da Folha de S.Paulo e de O
Estado de S. Paulo num intervalo de 20 anos (1993 e 2013), procurando descrever
e discutir possíveis mudanças ou permanências no que diz respeito às formas de
cobertura, à noticiabilidade, à extensão, às abordagens e às fontes de informação
mais recorrentes.

Palavras-chave
Jornalismo internacional, Noticiabilidade, Análise de conteúdo.

Abstract
The international journalism is experiencing a period of tension caused by changes
covering technological issues, related to the economy of media organizations and
the scenario of international relations and cover profiles. Research in pioneering
countries in this type of news, such as the United States and England, show a
reduction in space and number of professionals linked to the sector. In Brazil the
criticism of the reduction of international news and the quality of that coverage
is growing. All this against a backdrop of globalization and interdependence
among nations, when the notion of cosmopolitanism and interest in the “other” are
essential. Therefore, this article analyzes the section of international news of the
Folha de S.Paulo and O Estado de S. Paulo, in a 20 years apart (1993 and 2013),
to describe and discuss possible changes or continuities with regard to forms
coverage, newsworthiness, approaches, thematic and most recurring sources of
information.
Estudos em Jornalismo e Mídia
Vol. 12 Nº 2
Julho a Dezembro de 2015,
Keywords
ISSN: 1984-6924 International journalism, Newsworthiness, Content analysis.

314 http:dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2015v12n2p314
O
jornalismo internacional, uma vontade de interagir com o outro, ou
que desde o século seja, uma abertura intelectual e estética
XVII se apresenta como em direção a experiências culturais
alternativa para se obter divergentes.
informações de outras O próprio conceito de notícia
partes do mundo, contou com a evolução estrangeira é questionado por Hannerz
tecnológica para acelerar, facilitar e (2004), por ser ambíguo: pode se referir
modificar as formas de circulação das a algo que tenha acabado de acontecer em
notícias do exterior. Primeiramente, outra região ou pode ser algo noticiável
as agências internacionais de notícias simplesmente porque nos é desconhecido,
contribuíram para a expansão de uma rede porque nós não nos deparamos com isso
global de informações (THOMPSON, em nossa localidade. A decisão sobre as
1998). Em seguida, os jornais, em hard news (as notícias fortes, factuais, de
iniciativas isoladas ou em cooperação grande atualidade), as features (notícias
com outros veículos, passaram a investir mais leves, amenas, sobre hábitos ou
em escritórios em outras cidades, distantes curiosidades) ou as chamadas “notícias
de suas sedes. Mas foi somente no século de interesse humano” vai depender de
XIX que as redes de comunicação foram posturas editoriais.
organizadas sistematicamente em escala Ao longo do último século,
global. “[…] Isso se deveu em parte ao as formas de cobertura do noticiário
desenvolvimento de novas tecnologias internacional sofreram profundas
destinadas a dissociar a comunicação transformações. Conforme sintetiza Agnez
do transporte físico das mensagens” (2014), podem ser citadas as seguintes
(THOMPSON, 1998, p. 137). O maneiras:
desenvolvimento desses novos meios • Correspondentes internacionais:
expandiu grandemente a capacidade figuras mais tradicionais, definidos
de transmitir informação através de pela presença de jornalistas residindo e
longas distâncias de maneira flexível e fazendo a cobertura regular de fatos em
instantânea. outra cidade ou país que não o da sede do
No cenário contemporâneo, de veículo;
aceleração nas trocas de informações em • Enviados especiais: profissionais
escala global, os meios de comunicação deslocados para outra cidade ou país para
vêm exercendo grande influência nas a cobertura pontual de um acontecimento;
diversas maneiras pelas quais podemos • Stringers e freelancers:
“ver” e imaginar o mundo. Desde a colaboradores não contratados pelos
Guerra do Vietnã, que foi a primeira a veículos de comunicação, mas
ser televisionada, passando pela Guerra remunerados por cobertura que venham a
do Golfo e outros eventos desde então, desenvolver;
a mídia vem contribuindo para o que • Agências internacionais:
Hannerz (2004) chamou de “empatia produtoras tradicionais de conteúdo
eletrônica” e, assim, para o crescimento informativo com as quais veículos de
de um cosmopolitismo passivo, que é todo mundo trabalham em parceria,
definido pelo autor como uma orientação, assinando o serviço;
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• Jornalistas independentes: internacionalização é crescente e mais
profissionais que, por conta própria, de cinco milhões de britânicos vivem
produzem e comercializam conteúdos em outros países. Segundo o autor, as
jornalísticos; agências internacionais e as publicações
• Contratação de “nativos”: veículos especializadas, como Financial Times e
têm a opção de contratar pessoas de outros The Economist, pareceram ter percebido a
países para a produção de conteúdos importância do noticiário internacional e
jornalísticos de determinadas localidades; mantêm uma produção alta. Mas será que
• Compra de produções jornalísticas o interesse por esse tipo de informação
locais: veículos podem comprar e distribuir será cada vez mais voltado para nichos e
conteúdos específicos produzidos pela afastado das mídias de massa? Ainda não
mídia de determinadas localidades; é possível saber.
• “Assinatura” de veículos Nos Estados Unidos, a cobertura
internacionais: jornais brasileiros, por internacional também está em declínio
exemplo, podem ter o direito de publicar desde o fim da Segunda Guerra, por
regularmente conteúdos de veículos razões parecidas. De acordo com dados
internacionais, mediante contrato; levantados por Williams (2011), em 1945
• Jornalismo cidadão: a forma mais havia 2,5 mil correspondentes norte-
temida pelos jornalistas profissionais, americanos ao redor do mundo, tendo
resume-se pela produção de conteúdos por caído para 430 em 1970. Na década de
cidadãos amadores de qualquer parte do 1980, algumas regiões, como a África,
mundo, transmitidos especialmente pela deixaram de ter profissionais fixos e, aos
internet. poucos, os jornalistas foram ficando cada
Diante do contexto global, interco- vez menos tempo nos lugares. Desde
nectado e em rede, intensificado pelos então, embora tenhamos nos tornado
fluxos de pessoas e mensagens, chama tecnicamente capazes de ter cada vez mais
atenção o declínio no volume de notícias informação com o avanço das tecnologias,
sobre o exterior em alguns países, mesmo corremos o risco de nos tornarmos menos
no momento em que as pessoas têm uma informados, por cada vez menos pessoas
maior oportunidade de conhecer, aprender (HARRISON, 1986 apud WILLIAMS,
e entender mais sobre o mundo. 2011).
No caso da Inglaterra, estudo realizado Para Williams (2011), a redução do
com os jornais The Guardian, Daily noticiário internacional, especialmente
Telegraph, Daily Mirror e Daily Mail, a partir da década de 1990, levanta a
comparando o volume de notícias questão da extinção desse segmento ou
internacionais, mostra que o percentual editoria. Dentro do contexto de crise e
caiu em 40% entre 1979 e 2009, apesar de mudanças estruturais do jornalismo,
do tamanho das edições terem aumentado a internet e as alterações nos modelos de
(MOORE, 2010). O The Guardian negócio estariam tornando o jornalismo
triplicou de tamanho no período, o obsoleto, na visão dos mais pessimistas. No
Daily Mirror dobrou, e os outros dois entanto, ao autor destaca que é necessário
cresceram em mais de 80% no número ampliar o olhar sobre um cenário mais
de páginas. Isso no momento em que a complexo de transformações. Durante a
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década de 1990, a agenda internacional e internet, comprado de agências nacionais,
a discussão em torno das superpotências internacionais ou ainda públicas – que,
foram amplamente afetadas e novos neste último caso, fornecem conteúdo
atores entraram em cena nas relações gratuito.
internacionais. Williams (2011) afirma que Associada a empresas capitalistas,
os atentados de 11 de Setembro em Nova a questão da produção de noticiário
York voltaram a despertar certo interesse internacional precisa de alternativas
pelas notícias internacionais, o que não economicamente viáveis. Ao relatar a
ocorria desde a Segunda Guerra Mundial queda do número de notícias estrangeiras
(WILLIAMS, 2011). em jornais britânicos, entre 1979 e 2009,
O cenário financeiro, associado à Moore (2010) aponta algumas tendências
introdução das tecnologias digitais na para o futuro da cobertura internacional
produção jornalística, afeta direta e naquele país: alguns grandes grupos
especialmente o jornalismo internacional. ainda deverão manter correspondentes
Se por um lado ele demanda uma prática no exterior, como a BBC ou o Financial
mais dispendiosa, por outro, possui um Times, ainda que no formato de stringers ou
público mais restrito interessado nesse freelancers. Ou ainda deverão se proliferar
tipo de informação. Manter escritórios e os jornalistas one-man bureau, ou seja,
correspondentes atuando em diferentes apoiados por um aparato tecnológico mais
regiões do mundo tem alto custo, ao passo flexível e barato, farão sozinhos o trabalho
que as tecnologias digitais tornam o acesso de uma equipe. Os enviados especiais
mais prático e barato de informações, parecem ser uma alternativa para um
algumas vezes produzidas gratuitamente número maior de veículos, que deverão
por cidadãos. A consequência disso, além manter o que ele chama de um “SWAT
da redução do número de correspondentes team” para cobrir os grandes eventos,
internacionais pelas empresas de mídia, como desastres e guerras. Alternativa é
é uma homogeneização crescente do também a realização de parcerias com
noticiário, que se baseia nas mesmas fontes outras empresas para a troca de conteúdos,
virtuais ou nas agências internacionais de como por exemplo com as emissoras Al
notícias (WILLIAMS, 2011). Jazeera e France 24.
Ter uma produção autônoma de Dados extraídos de realidades como a
notícias internacionais, contando com dos Estados Unidos e da Inglaterra, como
correspondentes próprios, tornou-se um a tendência apontada para o noticiário
luxo. No Brasil, somente os grandes internacional nestes países, servem de
veículos de comunicação, concentrados referência, mas não explicam a realidade
nos principais centros econômicos do encontrada no Brasil. Em comum, estamos
país, ainda contam com profissionais no diante de um dilema: no momento em que
exterior. As emissoras de televisão e rádio o cenário internacional está cada vez mais
regionais fornecem pouco ou nenhum interligado aos contextos nacionais, menos
conteúdo internacional, e os jornais investimento esse tipo de jornalismo
impressos regionais, ainda que mantenham recebe por parte da mídia tradicional.
a editoria intitulada “Mundo”, abastecem Apesar de não haver dados concretos,
essencialmente com material extraído da o que percebemos por meio de relatos e
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publicações especializadas (NATALI, Os dados foram categorizados a fim de
2004; SILVA, 2011) é a percepção desse identificar os seguintes aspectos: nome
enfraquecimento na cobertura nas últimas e localização da editoria; número de
décadas. Para fortalecer o debate e páginas; país citado na cobertura; quem
levantar indicadores, a presente pesquisa assina os textos; agências de notícias que
analisa as editorias internacionais de dois forneceram informações ou imagens;
dos maiores jornais brasileiros – Folha reprodução de conteúdo de veículos
de S.Paulo e O Estado de S. Paulo – num internacionais; formatos de conteúdo;
intervalo de 20 anos, compreendendo abordagem (factual ou analítica); assuntos
as análises nos anos de 1993 e 2013, que foram capa da edição; perfil das
conforme descrito a seguir. fontes; e critérios de noticiabilidade.
Importante destacar que uma mesma
Síntese dos procedimentos metodológicos notícia pode abranger mais de um
O levantamento foi realizado com país ou tratar de mais de um tema.
base em análise de conteúdo e para Do mesmo modo, uma notícia pode
observar as editorias que cobrem o apresentar mais de um valor-notícia, o
contexto internacional nos jornais Folha que consideramos para fins desta análise.
de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Para operacionalizar a análise acerca dos
A seleção do corpus se deu por meio critérios de noticiabilidade, utilizamos a
de uma semana composta por dias proposta de Silva (2005, p. 104-105), que
intercalados, começando pela terça-feira, categoriza os acontecimentos noticiáveis
5 de março de 2013, seguindo para a pelos seguintes valores-notícia: impacto;
quarta-feira da semana seguinte, a quinta- proeminência; conflito; entretenimento/
feira da semana subsequente, até finalizar curiosidade; polêmica; conhecimento/
os sete dias de uma semana no dia 22 de cultura; raridade; proximidade; surpresa;
abril de 2013. As edições das mesmas governo; tragédia/drama; justiça.
datas do ano de 1993 foram acessadas Conhecer parte do trabalho desenvolvido
por meio do acervo digital1 dos veículos, pela editoria internacional desses dois
a fim de se estabelecer uma análise veículos brasileiros possibilitou um
comparativa da produção num intervalo mergulho no universo de produção
de 20 anos. que os profissionais estão envolvidos,
evidenciando algumas mudanças
e permanências na abordagem do
Tabela 1 - Seleção do corpus da análise noticiário internacional.
de conteúdo

1
Disponíveis em
http://acervo.
folha.com.br/ e
http://acervo.
estadao.com.br/,
respectivamente.
Acesso em 5 de
fevereiro de 2014.
318
Análise das editorias de internacional manchetes são de internacional (BAHIA;
A Folha de S.Paulo (Folha) é um jornal RIGUEIRA, 2010, p. 70-71).
paulista editado desde 1921, inicialmente Na Tabela 2 sintetizamos uma
com o nome de Folha da Noite. Em 1945, apresentação geral das duas editorias,
após mudanças acionárias, o título se num comparativo entre os dois períodos
fundiu com as edições diurna e vespertina de tempo analisados, considerando a
do mesmo grupo dando origem, enfim, à localização dentro do jornal, a extensão
Folha de S.Paulo. A editoria internacional do espaço dedicado ao noticiário
é denominada “Mundo” e surgiu no internacional, o volume de textos coletados
mesmo ano de fundação do jornal, sendo na análise e, entre eles, quantos receberam
publicada diariamente. De acordo com o chamadas de capa nas respectivas edições.
livro Folha de S. Paulo Primeira Página: Em todo material coletado, identificamos
Uma Viagem Pela História do Brasil e quais os países foram citados na cobertura,
do Mundo nas 223 Mais Importantes considerando que um mesmo texto pode
Capas da Folha Desde 1921, publicado tratar de mais de uma região. Aqui, já é
em 2006, 40% dessas principais capas importante fazer uma ressalva: na semana
se referem a notícias internacionais composta de 2013, o período de análise
(BAHIA; RIGUEIRA, 2010). O jornal O abrangeu a fase de escolha do Papa
Estado de S. Paulo (Estadão) foi criado Francisco. Na Folha, o tema foi trabalhado
em 1875 na capital paulista, ainda com o pela editoria “Mundo”, mas o Estadão fez
nome de A Província de S. Paulo. Após a a opção de cobrir o assunto pela editoria
proclamação da República, adotou o título “Vida”, que abrange meio ambiente,
pelo qual é conhecido até hoje. A editoria ciência, educação, saúde e sociedade
“Internacional” existe desde que o jornal (o que inclui “religião”). Isso fez com o
foi criado. que a Itália e até mesmo o tema religião
Fabbri (2002) cita as principais aparecesse de modo diferenciado entre
manchetes que o jornal apresentou em sua os dois veículos. Por exemplo, a Itália
trajetória e se pode destacar que várias foi mencionada em 18 textos coletados
delas foram de notícias referentes à editoria da Folha na semana composta de 2013,
Internacional. De 76 manchetes listadas enquanto que nos do Estadão a referência
pelo autor, 40 são de Internacional. Já no aconteceu apenas cinco vezes.A despeito
livro Páginas da História: uma coletânea de proximidade (geográfica ou cultural)
das primeiras páginas do Estado nos seus e de qualquer acontecimento mais
125 anos de história (2000), 45% das destacado, os Estados Unidos pautaram a
maior parte dos textos coletados nos dois
jornais. Na semana composta de 2013,
o país foi tema, sobretudo, por conta da
agenda e pronunciamentos do presidente
Barack Obama, e das relações com o
Oriente Médio e a Coreia do Norte. Foram
17 referências feitas aos Estados Unidos
pela Folha (o que equivale a 17,7% de
todo material coletado) e 19 pelo Estadão
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(19,4%). No volume bruto, na semana Paraguai. Neste ano, por exemplo, a Folha
composta de 1993, os Estados Unidos dedicou 11 textos à Venezuela e o Estadão
foram ainda mais noticiados (Folha: 38 sete, sendo que na coleta de 1993 o país
notícias, 25,5%; Estadão: 28 notícias, foi citado apenas duas vezes pela Folha
27,7%). (sobre manifestações e a abertura do setor
A diferença mais considerável está petrolífero) e nenhuma pelo Estadão. O
relacionada a três potências internacionais: mesmo observamos no caso do Paraguai:
França, Inglaterra e Rússia. Na semana quatro (Folha) e cinco (Estadão) textos
composta de 1993, pouco tempo após o em 2013, e apenas um (Folha) na semana
fim da Guerra Fria, os conflitos internos composta de 1993, sobre a indicação de
à ex-União Soviética indicavam o tom do uma das chapas à disputa presidencial.
noticiário internacional naquele momento. Na semana composta de 2013, a vizinha
A crise do governo Ieltsin, principalmente, Argentina também foi alvo de reportagens,
colocou a Rússia em evidência em 16 tanto pela escolha do Papa argentino
textos da Folha e 14 do Estadão. Enquanto como pelo plebiscito envolvendo as Ilhas
que na semana composta de 2013, a Folha Malvinas e a disputa do território com a
sequer fez qualquer cobertura dessa região Inglaterra. Foram oito textos pela Folha
e o Estadão dedicou apenas quatro textos e três pelo Estadão. Na semana composta
a ela. de 1993, coletamos apenas dois textos
A queda em relação à França e à Inglaterra pela Folha – notas relacionadas à inflação
também foi acentuada. Na semana no país.
composta de 1993, o envolvimento da A Coreia do Norte também recebeu um
Inglaterra em conflitos internacionais e os relativo destaque entre os textos coletados
bastidores da família real britânica foram na semana composta de 2013 (seis na Folha
alvo de 14 textos da Folha, contra apenas e dez no Estadão), todos relacionados à
três no Estadão. Na semana composta de ameaça de um confronto com a Coreia do
2013, a cobertura da Inglaterra caiu para Sul e o uso de armas nucleares, enquanto
apenas uma notícia na Folha e cinco no que na semana composta de 1993 houve
Estadão, abrangendo temas relacionados apenas um texto em cada jornal analisado,
à saúde da rainha e ao plebiscito feito na sobre a desistência do país de participar do
Argentina sobre as Ilhas Malvinas. acordo internacional antinuclear.
Já o enfraquecimento do Partido Outro país que registrou um aumento no
Socialista na França, sobretudo, fez com interesse de cobertura foi o Irã: na semana
que o país fosse noticiado em 17 (Folha) e composta de 1993, identificamos apenas
14 (Estadão) textos na semana composta uma notícia sobre o país, no Estadão, sobre
de 1993, enquanto que em 2013 o número uma mudança na moeda. Já na semana
caiu para dois e três, respectivamente, composta de 2013, foram quatro textos no
essencialmente com assuntos relativos ao Estadão e um na Folha. Neste último, uma
forte inverno, que fechou aeroportos na reportagem de página inteira sobre um
Europa. brasileiro que se tornou mulá islâmico no
Dois países da América do Sul país, enquanto o Estadão deu destaque às
receberam destaque por conta de eleições relações internacionais, sobretudo no que
presidenciais em 2013: Venezuela e dizia respeito ao uso de armas nucleares,
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além de uma tentativa de processo contra Francisco. Estes foram os critérios de
a indústria cinematográfica de Hollywood. noticiabilidade mais recorrentes em 2013,
A China foi noticiada com equilíbrio: conforme apresentado na Tabela 3, em
seis (Folha) e quatro (Estadão) textos em valores brutos. Impacto (Folha) e tragédia
2013 e sete e quatro, respectivamente, na (Estadão) também foram destaques nas
semana composta de 1993. Há 20 anos, os respectivas publicações.
principais interesses da cobertura foram Tabela 3. Valores-notícia aplicados ao
a escolha do primeiro ministro chinês, a corpus analisado
transferência de soberania de Hong Kong
dos ingleses para os chineses e algumas
curiosidades, como hábitos alimentares.
Na semana composta de 2013, os assuntos
foram mais variados: a repressão à Coreia
do Norte em relação ao uso de armas
nucleares, terremoto, comportamento,
relações com a Rússia e investimento em
gastos militares. Em contraponto, na semana composta
Em 1993, a Guerra da Bósnia, iniciada de 1993, apesar de governo, conflito e
em 1992 envolvendo a República Federal proeminência também receberem grande
da Iugoslávia (Sérvia e Montenegro) importância, identificamos a presença de
e a Croácia, fez com que o país fosse outros critérios. Impacto, por exemplo,
noticiado em 12 (Folha) e nove (Estadão) foi localizado em 39 textos coletados da
textos naquele ano, e nenhuma vez entre Folha na semana composta daquele ano.
o material coletado na semana composta Tragédia, polêmica e justiça também
de 2013. representaram critérios importantes.
Por fim, observamos que o quesito
Critérios de noticiabilidade proximidade, ou seja, assuntos que
Ao aplicar a proposta de valores-notícia tenham alguma proximidade geográfica
para operacionalização de análises (SILVA, ou cultural com o Brasil, teve uma maior
2005), identificamos que acontecimentos relevância na Folha em 2013, mas a
relacionados a governos são os que têm representatividade foi baixa no geral.
maior probabilidade de se tornarem notícia
pelas editorias internacionais dos jornais Produção jornalística
analisados, seguido por acontecimentos Um aspecto importante que esta
relacionados a conflitos. A proeminência é análise nos traz é o reconhecimento
outro fator importante, especialmente no de quem assina os textos da editoria
que concerne à hierarquia dos personagens de Internacional/Mundo. Na semana
envolvidos (no geral, líderes e autoridades). composta de 2013, a Folha apresentou
Em 2013, o critério conhecimento/ o maior número de textos assinados por
cultura, que de acordo com a classificação correspondentes ou enviados especiais
abrange acontecimentos relacionados à (40,6%), ou seja, repórteres do veículo
religião, teve uma maior recorrência no produzindo o material do exterior. Neste
período pautado pela escolha do Papa mesmo veículo, as agências de notícias
321
aparecem como responsáveis por 29% assinado por um profissional “Da equipe
do material coletado. de articulistas”. Na semana composta de
A Folha foi também o jornal que 1993, a Folha foi ainda o jornal que mais
apresentou o maior número de colunistas publicou textos traduzidos da imprensa
na seção (12,5% dos textos assinados) estrangeira, com 13,5% do material,
e o menor percentual (2,1%) de textos contra apenas 4% no caso do Estadão.
reproduzidos da imprensa internacional. Nos dois anos em questão, somente
Por fim, pouco mais de 7% dos textos não a Folha apresentou material assinado
estavam assinados ou não informavam do Brasil e, no caso de 1993, os textos
de onde foram extraídas as informações foram identificados, ao lado do nome
e 8,3% deles foram assinados (e assim do profissional, como “Do Banco de
identificados) por profissionais que Dados”.
produziram o conteúdo do Brasil (“de Também relacionada à produção
São Paulo”, por exemplo). jornalística, identificamos uma
Ainda na semana composta de 2013, no alteração no projeto editorial dos jornais
Estadão, há um equilíbrio proporcional: analisados entre os dois períodos. Na
23,5% dos textos estavam assinados por semana composta de 1993, a editoria
correspondente ou enviados especiais do “Mundo” (Folha) publicava uma coluna
veículo; o mesmo percentual não estava fixa chamada, naquele momento, de
assinado, portanto, sem identificação “Multimídia”: tratava-se da reprodução
do autor ou da fonte de informação; de notas, manchetes, charges e
24,5% correspondem a informações infográficos que foram destaque na
identificadas como das agências imprensa internacional. Deste modo,
internacionais; 26,5% são reproduções 45,2% das unidades de texto coletadas
da imprensa estrangeira. Para completar, na Folha naquele ano correspondem a
apenas 2% desse material foi assinado notas, 4% a charges e 2% a infográficos.
por colunistas. Notícias e reportagens, neste caso,
Os números indicam uma mudança representaram 42,5% do material. Ainda
bastante significativa em relação ao em 1993, a Folha publicou quatro artigos
encontrado no corpus de 20 anos antes. na editoria, sendo um assinado por um
Na semana composta de 1993, 19,5% articulista da própria equipe e os outros
dos textos da Folha e 31,6% do Estadão três traduzidos da imprensa internacional.
estavam assinados por correspondentes Números bem diferentes do coletado
internacionais. Em compensação, em na semana composta de 2013: 68,8%
58,7% (Folha) e 60,4% (Estadão) do do material da Folha correspondem a
material não havia qualquer identificação notícias e reportagens, enquanto 13,5%
de quem produziu as notícias. A Folha, a notas. Neste ano, identificamos ainda a
em 16,2% dos textos, adotou a estratégia publicação de quatro entrevistas pingue-
de identificar como “Das agências pongue e um aumento no número de
internacionais”, ao contrário do Estadão, artigos publicados na editoria, para 12.
que em nenhum caso fez essa advertência Já no Estadão, o movimento parece
de modo explícito. Neste ano, um único ter sido o inverso: na semana composta
artigo publicado em “Mundo” (Folha) foi de 1993, 67,3% dos textos deste jornal
322
estavam no formato de notícias ou 2013: “Divulgação” (em dois textos da
reportagens, ante 19,8% de notas. Nas Folha, em referência a imagens cedidas);
edições de 2013, o jornal trouxe uma “Reprodução da web” (com imagens
coluna diária chamada “Websfera”, dando retiradas da internet ilustrando dois
destaque a pequenas notas que foram textos do Estadão e um da Folha); e uma
notícias em sites de veículos do mundo fotografia publicada no Estadão assinada
inteiro. Deste modo, as notas passaram a por um correspondente do próprio jornal.
representar 45% do material coletado nos
sete dias da análise, cabendo às notícias Fontes e abordagens
e reportagens 39%. Enquanto na semana Para finalizar, consideramos o tipo
composta de 1993 o Estadão publicou da abordagem realizada em cada texto
apenas um artigo em “Internacional”, 20 coletado: se era factual, ou seja, atrelada
anos depois este número subiu para 14, na a uma agenda de eventos ou fatos
maioria artigos reproduzidos da imprensa pontuais; ou se era uma informação mais
estrangeira. Encontramos ainda, no ano trabalhada e atemporal, conhecida no
de 2013, uma entrevista pingue-pongue jargão jornalístico como feature. No caso
(foram duas em 1993) e um perfil nessa da editoria de internacional, ficou evidente
editoria. o quanto a cobertura estava atrelada à
Em relação à produção de fotos agenda de eventos nos dois momentos
publicadas em “Internacional/Mundo”, observados. Dentro da diversidade de
nos dois períodos ficou evidente a acontecimentos ao redor do mundo,
predominância de imagens fornecidas fatos pontuais como eleições, conflitos e
pelas agências internacionais Reuters, polêmicas, como vimos em relação aos
Associated Press e France Press. Na critérios de noticiabilidade, exerceram
semana composta de 2013, a agência uma grande influência. Ao mesmo
espanhola EFE também aparece nos tempo em que o noticiário internacional
créditos das imagens. Identificamos ainda exige uma dose de contextualização e
cinco fotos assinadas pela Folhapress interpretação, para inserir os leitores
(2013) e duas pela Folha Imagem (ambas distantes dos acontecimentos, o pouco
do Grupo Folha). Em um caso, em cada espaço e o acelerado fluxo de informações
ano, a imagem foi creditada a algum jornal das diferentes regiões tornam as notícias
internacional: The New York Times pelo mais factuais.
Estadão em 2013; The Sun pela Folha em No material colhido na Folha em 1993,
1993. 88,5% dos textos estavam caracterizados
Seis imagens publicadas pelo Estadão como hard news, ou seja, com forte apelo
na semana composta de 2013, e quatro temporal e atrelada a fatos recentes. Esse
pela Folha na semana composta de 1993, percentual caiu um pouco em 2013, para
não apresentaram nenhum crédito. Na 76%. Os dados são bem parecidos com
amostragem de 1993, ainda, dois retratos os do Estadão: 81% em 1993 e 80,6% em
foram reproduzidos pelo Estadão em 2013.
bico de pena. Mas a diferença mais Como as agências internacionais
considerável se deve a novos créditos respondem por grande parte do material
apresentados nos materiais coletados em publicado nessa editoria, elas produzem
323
uma quantidade de informações, do então candidato à presidência dos
do mundo inteiro, em proporções Estados Unidos e a promessa de o mesmo
maiores do que a equipe de um jornal intervir no conflito.
regional, isso de acordo com os Na Folha, o processo era parecido,
acontecimentos. O espaço para o feature como no texto assinado por João Batista
ou para a análise, a contextualização, Natali no dia 29 de março de 1993. Em
dependerão de outros recursos. Nos “Socialistas começam a ‘travessia do
dois períodos, observamos que cabia deserto’”, o correspondente comentava,
aos correspondentes internacionais ou da França, a derrota do Partido Socialista
enviados especiais dos próprios veículos nas eleições. A reportagem principal foi
a produção de reportagens especiais e ou assinada pelas agências internacionais,
textos opinativos, mais analíticos. Mas com os títulos “Esquerda é guilhotinada
há diferenças. no 2° turno da França”’ e “PS tem sua
No material analisado em 1993, os cúpula decepada”.
correspondentes pareciam ter um maior Percentualmente, o Estadão
espaço para a análise. Era comum observar apresentou mais textos assinados por
textos factuais assinados com material correspondentes ou enviados especiais
das agências e um texto complementar, em 1993; no caso da Folha foi o
de um correspondente, analisando contrário. Neste último, o número de
o episódio ou contextualizando o textos assinados por profissionais
fato. Um exemplo disso foi o texto próprios dobrou de 1993 para 2013. É
assinado pelo jornalista William Waack, necessário considerar que, no período
correspondente na Alemanha pelo analisado em 2013, houve o episódio de
Estadão, no dia 21 de março daquele eleição de um novo Papa, o que fez com
ano. A reportagem principal foi “Yeltsin que os veículos deslocassem jornalistas
quer presidencialismo com base na lei para cobrir o evento.
soviética, diz assessor”, com informações Foi possível observar que os
da Reuters e da France Press. Abaixo, o correspondentes, em 2013, assinam
repórter assinou o texto “Possibilidade mais reportagens factuais, mesmo que
de golpe parece real e iminente”, no qual o acontecimento receba cobertura das
analisou a crise no governo russo no agências internacionais. É o caso da
formato opinativo. notícia “Em visita, Obama reafirma
Outro nome reconhecido do Estadão aliança ‘eterna’ com Israel”, publicada
na década de 1990 foi do jornalista pela Folha no dia 21 de março de 2013
Paulo Francis, correspondente em e assinada pelo correspondente em
Nova York. No dia 5 de março o jornal Israel, Diogo Bercito. O texto é pontual
publicou uma reportagem, com base em e objetivo e tem por base informações
informações da imprensa internacional, oficiais e declarações públicas das
sobre a morte de civis na Guerra da autoridades. O mesmo observamos no
Bósnia. Em paralelo, Francis assinou o texto “Bersani dá ultimato por coalizão
texto “Clinton vai entregar a Bósnia a e Itália se aproxima de novas eleições”,
Sérvia”, no qual comentou, com ironia assinado pelo correspondente Andrei
e contextualização, a campanha eleitoral Netto, da Itália, para o Estadão. A
324
notícia traz declarações oficiais e dados informações nos dois veículos foram as
divulgados pela Reuters. consideradas “oficiais”, sobretudo por
Outra constatação, ao analisar todo o meio de pronunciamentos ou comunicados
material, é a de que os correspondentes em oficiais de presidentes, primeiros-
1993 exerciam mais o gênero opinativo, ministros, autoridades, candidatos e líderes
em textos no qual expressavam a avaliação, religiosos. Essas são fontes raramente
às vezes com ironia e adjetivação, mas ouvidas diretamente por um repórter,
destacando o olhar estrangeiro, de quem seja no Brasil ou no exterior. Por meio
estava no local. Na atualidade isso é de porta-vozes ou anúncios oficiais, são
pouco comum, os correspondentes falas proferidas em encontros ou reuniões.
continuam assinando uma parcela Em 1993, 16% dos textos coletados da
considerável das notícias publicadas na Folha contavam com esse tipo de fonte e
editoria de internacional, porém no gênero no Estadão esse dado foi de 25,7%. Em
informativo, na maioria guiados pelo hard contrapartida, em 2013, o volume foi de
news. 33% na Folha e 28% no Estadão.
Contudo, havia espaço para o feature Destaca-se a quantidade de textos que
em 2013. Muitas vezes, com base em um se referem à imprensa internacional, ou
gancho factual, mas com uma abordagem seja, que comentam aparições em canais
em profundidade ou apresentando outros de televisão locais, rádios ou agências
ângulos do acontecimento. Um exemplo governamentais ou, até mesmo, o que a
foi a reportagem “Brasilguaios esperam mídia impressa de determinado país está
fim da era de invasões”, publicada pelo publicando sobre o assunto em questão.
Estadão no dia 22 de abril de 2013 e No material coletado em 2013, 14,5%
assinada pelo enviado especial Roberto (Folha) e 11,2% (Estadão) faziam esse
Simon. O texto tem como pano de fundo tipo de citação. Vinte anos antes, esse
as eleições presidenciais no Paraguai, mas número foi menor na Folha (6,7%), porém
traz uma reportagem especial em torno da foi mais que o dobro no Estadão (27,7%).
realidade de brasileiros que vivem na área Sobre as fontes diretas, aquelas ouvidas
da fronteira. Outro caso que se destacou pela própria reportagem, dividimos
foi a reportagem “Mulá à brasileira”, de em dois grupos: o de cidadãos e fontes
Samy Adghirni, publicada na Folha de envolvidas, que abrange testemunhas ou
13 de março de 2013: como único jornal pessoas ligadas diretamente aos fatos; e
brasileiro a ter um correspondente no Irã, o de especialistas, recorrentes para fazer
a notícia do primeiro brasileiro a se tornar análises no noticiário internacional, tais
um clérigo xiita foi destaque de página como cientistas políticos, sociólogos e
inteira na editoria. economistas. Estes dois grupos apareceram
Ao reconhecer as diferenças de em proporções diferenciadas, em ambos
abordagens entre os dois períodos os jornais, na semana composta do ano de
analisados, buscamos identificar quais 2013:
foram as principais fontes citadas ou a) Cidadãos e pessoas envolvidas:
que forneceram informações para os 21,8% (2013) e 2,7% (1993) na Folha;
textos coletados. As principais fontes de 15,3% (2013) e 4% (1993) no Estadão;
325
b) Especialistas: 9,3% (2013) e 4% pelos dois jornais, como a prisão do
(1993) na Folha; 5% (2013) e 25% suspeito do atentado na Maratona de
(1993) no Estadão. Boston anunciada pela Polícia de Boston
Na semana composta de 1993, pelo Twitter; e um músico argentino
encontramos um fato curioso: que comentou, pelo Facebook, a gafe
correspondentes dos próprios jornais cometida pelo presidente do Uruguai
sendo citados como fontes em numa declaração flagrada sobre a
reportagens. Foi o caso da notícia “CE presidente da Argentina.
acena com mercado livre para a Rússia”,
publicada no dia 6 de abril no Estadão, Considerações finais
sem que ninguém assinasse. No quarto Este levantamento nos mostra que
parágrafo, a seguinte referência: não houve uma redução considerável
“Segundo observa o correspondente em do noticiário internacional nas últimas
Paris, Reali Júnior, o pacote de ajuda décadas, ao menos sob o aspecto mais
oferecido pelos EUA [...]”. Situação objetivo, que é a quantidade de páginas
parecida também ocorreu na Folha, no dia dedicadas à editoria. Na Folha, a
5 de março de 1993, no texto “Barclays quantidade de páginas parece maior na
tem primeira perda em 300 anos”. A semana composta de 2013, entretanto
fonte da notícia de balanço negativo do o número de textos coletados foi maior
banco apareceu como “informa Leão em 1993. Isto se deve ao fato de que,
Serva, de Londres”. Por que os próprios na semana composta de 1993, o jornal
correspondentes não assinaram as publicava uma coluna de notas e charges
notícias? Seria necessário investigar o que somaram como “unidades de texto”
modo de produção dessas edições, mas coletadas.
é possível que a informação tenha sido Sobre os países mais citados, os
complementada pelos jornalistas para Estados Unidos continuam sendo
a equipe da redação, por telefone, por a “pedra no sapato” do noticiário
exemplo. internacional, como disse Natali (2004),
Já na semana composta de 2013, uma contudo identificamos uma pequena
nova fonte de informações chamou queda da participação deste país nas
atenção: as referências feitas a redes notícias de 2013 comparada às de 1993,
sociais, de declarações ou informações nos dois jornais analisados. Por uma
tiradas deste espaço. No dia 6 de abril mudança global mais geral, é nítida
deste ano, por exemplo, a notícia a queda também, mas de modo mais
“BNDES dará novo empréstimo à significativo, de participação de países
Venezuela”, cita uma declaração como Rússia, França e Inglaterra. Em
feita pelo candidato à presidência da outra medida, por motivos diversos,
Venezuela, Henrique Capriles: “No países sulamericanos, como Argentina,
Twitter, disse ter recebido mensagens de Venezuela e Paraguai, além de Coreia do
oficiais se queixando de ter de participar Norte e Irã se tornaram mais presentes.
de um ato com Maduro”. Houve ainda Sobre as temáticas, política continua
outros casos, neste período, repercutido dominando o noticiário internacional,
326
e os critérios de noticiabilidade mais com a publicação de notas com o que
recorrentes podem ser enquadrados saía na imprensa internacional, além
nesta temática, como governo, conflito e de publicar outros formatos, como
proeminência dos atores envolvidos. charges e infográficos. Enquanto que, em
Sob o aspecto da rotina produtiva e 2013, o Estadão publicava uma coluna
das formas de cobertura do noticiário denominada Websfera, divulgando os
internacional, é importante a questão de principais temas abordados pela imprensa
quem assina os textos da editoria. O número internacional na internet.
de material assinado por correspondentes Em relação às fontes, duas últimas
ou enviados especiais dobrou na Folha na observações. Primeiro, o fato de
semana composta de 1993 para a semana encontrarmos, na semana composta de
composta de 2013. Em compensação, no 1993, reportagens que citavam o próprio
Estadão, caiu oito páginas. As agências correspondente como fonte. Os textos,
assinam textos com bem mais frequência neste caso, não eram assinados pelos
em 2013, no entanto, parece ser uma correspondentes, o que nos leva a supor
questão de política editorial, no sentido do que as informações foram passadas para
jornal decidir colocar ou não o crédito. Em redatores. As barreiras tecnológicas
1993, nos dois jornais, havia um número naquele momento para o envio do material
significativamente maior de textos sem produzido, num curto espaço de tempo,
qualquer assinatura. poderiam ter propiciado isso. E, segundo,
Se o espaço para opinião dos repórteres o uso de declarações feitas em redes
caiu, a Folha aumentou o espaço para sociais, já na semana composta de 2013,
articulistas assinarem colunas na editoria como fontes para as reportagens, numa
de internacional. Por outro lado, caiu em clara presença das tecnologias digitais na
11 páginas o número de textos traduzidos prática jornalística contemporânea.
da imprensa internacional pela Folha, O levantamento quantitativo teve
enquanto este mesmo dado cresceu 22 por objetivo a produção de indicadores
páginas no Estadão. que sinalizem possíveis mudanças e/
Por fim, alguns aspectos mais pontuais ou permanências na cobertura do
chamaram a atenção no que diz respeito noticiário internacional por parte
a tecnologias. Primeiro foi o fato da da imprensa brasileira. Entretanto,
Folha publicar, em 1993, uma coluna análises qualitativas e em profundidade
intitulada Multimídia, que nada tinha a podem esclarecer alguns pontos,
ver com a tecnologia digital, mas sim tornando-se este um pontode partida.

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