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Apresentação
Cada uma das subseções que compõem este trabalho abordou o conteúdo da
produção fílmica aqui analisada à luz de um aspecto da linguagem cinematográfica
precioso à sua realização, a saber, o roteiro, a fotografia, a edição/montagem, e o som; e
foi escrita de modo independente por um ou dois dos cinco autores supracitados, com
exceção desta primeira parte introdutória em que todos efetivamente contribuíram de
modo coletivo. Decidimos informar a(s) autoria(s) de cada uma das subseções, por
considerarmos que podem ser recebidas também como textos independentes que ora
compõem este artigo pela sua reunião estrutural. Tal escolha justifica a necessidade de
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"Esse texto faz parte do volume 'Cinema Paraibano e Cotidiano' da Coleção Cinema Paraibano e suas
Interfaces coorganizada por Virgínia de Oliveira Silva, professora do CE/UFPB e pela jornalista Janaine
Aires, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFRJ. Ambas são
membros do Projeto Cinestésico - Cinema e Educação e do Coletivo COMJunto." Contato -
cinestesico@gmail.com
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Licenciando em Cinema (Uff). amilton.mattos@gmail.com
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Mestre em Literatura Brasileira (UERJ); Pós-Graduado em Estudos Literários e Graduado em Letras
(FFP-UERJ). Licenciando em Cinema (Uff). Docente do Ensino Fundamental da Rede Pública da
Prefeitura de Magé, e do Curso de Pedagogia a Distância do CEDERJ - UERJ.
c.h.dossantos@hotmail.com
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Doutorando, Mestre e Graduado em Geografia (Uff); Pós-Graduado em Organização Espacial do Rio de
Janeiro e Pós-Graduado em Sociologia Urbana (UERJ). Licenciando em Cinema (Uff). Professor
Assistente da UERJ e Professor I de Geografia da FAETEC. Coordenador de Geografia do Instituto
Fernando Rodrigues da Silveira – CAp-UERJ e Coordenador de Geografia do Subprojeto Institucional
PIBID – UERJ. professorfabiotadeu@gmail.com
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MBA em Gestão de Negócios (IBMEC/RJ); Pós-Graduado em Administração Industrial (Fundação
Carlos A. Vanzolini, Escola Politécnica de SP/USP); Graduado em Engenharia Mecânica (Instituto de
Ensino de Engenharia Paulista/UNIP). Licenciando em Cinema e Audiovisual (Uff).
ricardosaidel@uol.com.br
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Pós-Doutoranda em Educação (UERJ); Doutora (Uff) e Mestre (UFRJ) em Educação; Especialista em
Teoria Literária (UFRJ); Licenciada em Letras (UFRJ), Graduada em Comunicação (UFPB), Licencianda
em Cinema (Uff). Profª Associada do CE/UFPB. Coordena o Projeto Cinestésico - Cinema-Educação.
Membro dos GPs “Currículos, Redes Educativas e Imagens” e “Culturas e Identidades no Cotidiano”
(UERJ) e líder do GP “Políticas Públicas, Gestão Educacional e Participação Cidadã” (UFPB). Diretora e
Roteirista. cinestesico@gmail.com
se repetir em cada uma delas as informações técnicas mais vitais do filme, como
veremos a seguir.
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Nas duas últimas décadas as mulheres vêm ocupando mais espaço na posição de chefia do domicílio.
Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), que teve como ano base 2011aponta que
37,4% das famílias têm como pessoa de referência uma
mulher.ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_a
nual/2011/Sintese_Indicadores/sintese_pnad2011.pdf acesso 16/10/2014.
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Aspecto totalmente plausível, pois com o processo de reestruturação produtiva em curso, muitas fábricas
e confecções do Sul e Sudeste do país transferiram suas unidades produtivas para o Nordeste, devido à
concessão de incentivos fiscais, doações de terrenos e mão-de-obra barata e à baixíssima participação
sindical. Fonte: SANTOS, Milton e SILVEIRA, M. L. Brasil - Território e Sociedade no Início do
Século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
vulnerabilidade social a que é submetida a sua família, formada por ela (uma mulher
solteira) e sua filha.
Sem esperança, a mãe dedicada ao trabalho e à família vê brotar diante dos olhos
o real sentido da vida, isto é, o amor, a esperança e a amizade no ambiente que, talvez
para o espectador em geral, dificilmente traria de volta a serenidade necessária à mãe de
Sophia. Contaminada por uma alegria proporcionada pelas colegas de trabalho, ela trata
de proporcionar à Sophia um presente de Natal, marcado por uma confluência de luzes,
som e imagens de alegria. O filme, até o momento em que escrevemos, já ganhou 26
prêmios no país e fora dele, e como afirma o seu próprio diretor,
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Contas cotidianas de água, energia, etc.
além do cunho social, de discutir desde a surdez até os Direitos
Humanos, consideramos “Sophia” uma peça importante para nosso
cinema! (...) “Sophia” foi um filme feito com muito amor, por uma
equipe tanto de profissionais como de iniciantes dedicados, onde
pudemos levar para as telas um pouco do que fomos naquele set. Hoje
o filme tem vida própria e que ele continue ganhando o coração das
pessoas, provocando debates e reflexões. O cinema do interior
paraibano é riquíssimo em histórias, que se possa filmar cada vez mais
por aqui! O audiovisual além de janela é também o grito das culturas
que ainda precisam ser vistas! Viva a descentralização e a produção
interiorana do Brasil! (RÓGIS, 2014)10
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Entrevista de Kennel Rógis para a 9ª Mostra de Cinema dos Direitos Humanos da América do Sul.
Todas as citações atribuídas a Rógis, daqui em diante, são extraídas dessa mesma entrevista.
possibilitou começar o processo de pré-produção de fato do filme. Mas somente em
2013, a verba seria entregue aos contemplados, possibilitando Rógis produzir
efetivamente o seu curta-metragem nas cidades de Patos e Coremas, no Sertão da
Paraíba:
Apesar de não possuir nenhuma fala em seu roteiro, as ações das personagens
permitem o perfeito entendimento da história e orientam a cadeia de eventos que
mantêm uma relação de causalidade, seguindo os padrões clássicos. O fato de não haver
fala de personagens funciona como um recurso com o propósito de ocultar do
espectador a deficiência auditiva da personagem principal - que, inclusive, dá título ao
filme -, seguindo uma prática bastante utilizada de retenção de informações para
aumentar a expectativa da trama, muito comum na narrativa clássica.
O diretor optou por apresentar a forte ligação afetiva entre Sophia e sua mãe
através de uma seqüência de planos em flashback, fornecendo ao espectador elementos
para a melhor compreensão do perfil psicológico das personagens e justificando suas
ações de acordo com a narrativa clássica.
Embora o diretor afimre não ter sido influenciado por filme algum para
escrever e dirigir Sophia, não seria exagero aproximar, em primeiro lugar, por força de
sua temática, o curta “Sophia” do premiado filme "Filhos do Silêncio" (Children Of A
Lesser God) do diretor Handa Haynes, de 1986. Este filme foi vencedor dos Oscares de
melhor ator, melhor atriz e melhor fotografia e sua história também trata da questão da
deficiência auditiva. Em segundo lugar pelo fato de “Sophia” e “Filhos do Silêncio”,
em sua abordagem, darem enfoque maior ao amor existente entre os personagens
principais, recebendo mais relevância do que a própria questão da deficiência auditiva.
Outra possível referência-aproximação é a utilização da dança para estabelecer uma
ligação sensorial entre o mundo dos ouvintes e dos não-ouvintes, verificada na cena de
"Filhos do Silêncio" em que Sarah (Marlee Matlin) e James (Willian Hurt) dançam no
restaurante e na cena em que Sophia e a mãe dançam na cozinha. Por fim, a cena na
qual a mãe de Sophia banha-se no açude buscando novas experiências sensoriais pode
ser considerada uma referência direta à cena de "Filhos do Silêncio", na qual Sarah
banha-se na piscina para relaxar depois de ter passado por uma situação de stress.
A fotografia de “Sophia” – Fábio Tadeu
A fotografia traz uma série de informações e signos aos quais devemos nos ater
para efetuarmos uma análise consistente da obra fílmica. Iremos nos ater,
especificamente nesta parte de nossa análise, à luz e à cor expostas por uma obra. Mas
quais são seus propósitos? A luz e a cor contribuem para imprimir ao espectador a
noção de realidade e construir um sentido ao filme. Esses elementos não podem ser
analisados desconectados do contexto histórico, político, social e cultural, no qual o
filme está inserido. O curta "Sophia" do diretor Kennel Rógis foi rodado no Nordeste
brasileiro, mais precisamente na cidade de Coremas na Paraíba, por esse mesmo motivo,
a obra opta por usar e abusar da luz natural, construindo sentido à história de uma mãe
angustiada (interpretada por Joana Marques) em proporcionar uma vida digna à filha
Sophia (vivida por Isabelly Domingos), portadora de necessidades especiais.
A região geográfica de certo modo vai influenciar na escolha das cores dos
figurinos e das edificações para as filmagens. Sendo assim, destacamos que a localidade
do município de Coremas no Sertão Paraibano também influenciou a escolha do diretor
de fotografia, Breno César, para a composição de uma fotografia peculiar ao
local/região, mas sem se esquecer de dedicar uma luz mais suave para narrar essa
história de amor entre mãe e filha. Já o diretor de arte Carlos Mosca, em seu processo
decisório da paleta de cores para a cenografia e para a indumentária das personagens do
curta "Sophia", optou por associar a mãe aos tons mais amarelo-terrosos, vinculados
culturalmente ao desespero, e a filha, aos tons mais azulados, mais vivos e
esperançosos.
Vemos assim que as cores quentes tais como amarelo, laranja e vermelho
predominam nas cenas, sejam nas gravações internas ou externas. A presença dessas
cores representa e está associada ao fogo, sol e calor típicos do sertão, isto é, transmitem
a sensação de calor inerente ao espaço geográfico, no qual a história está inserida. Mas
há ainda a presença dos tons de azul, também associados às águas dos rios e açudes
sertanejos e ao céu nordestino, geralmente, em toda a sua generosa abóboda, limpo de
nuvens.
Os olhos dos seres humanos captam as chamadas cores primárias formadas pelo
vermelho, azul e verde, as demais que conseguimos identificar são variações destas três
cores. No filme "Sophia", as cores quentes citadas um pouco mais acima também se
misturam às cores primárias em seus enquadramentos. Nos ambientes fechados, as cores
laranja, amarelo e vermelho são mais comuns, principalmente na residência e no
ambiente de trabalho da mãe da menina.
Por outro lado, encontramos também a presença da luz natural somada à luz fria
da confecção, onde as operárias estão com camisas amarelas que contrastam com as
paredes brancas. Durante a cena do banho entre mãe e filha, a intenção foi deixar
exposto o alívio da dificuldade financeira, parcialmente vencida e a satisfação em poder
proporcionar à filha momentos de alegria, dentro de um ambiente azul em alusão à água
corrente, à saúde e à vida dos personagens.
Metodologicamente, para que possa ser mais bem observado o que trilharemos
nesta parte do trabalho, oferecemos em anexo a ele a Análise de Plano a Plano (APP) de
“Sophia”, à qual se pode remeter antes, durante ou depois de sua leitura, conforme
melhor aprouver a quem o ler.
(...) por mais que o som se assemelhe a algo natural, ele sempre será
uma fabricação inerente ao processo criativo de todo filme nos mais
variados estilos. Até mesmo o som direto se torna diegético, na
medida em que é sua adequação ao espaço criado que o integra à
narrativa. (FLÔRES, 2013, p. 37)
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No original: “Music appears in classical cinema as a signer of emotion. Sabaneev describes the image-
track, dialogue, and sound effects as “the purely photographic”, objective elements of film, to which
music brings a necessary emotional, irrational, romantic, or intuitive dimension. Music is seen as
augmenting the external representation, the objectivity of the image-track, with its inner truth. We know
that composers add enthralling music to a chase scene to heighten its excitement, and a string orchestra
inflects each vow of devotion in a romantic tryst to move spectators more deeply, and so on. Above and
beyond such specific emotional connotations, though, music itself signifies emotion, depth, the observe of
logic.” (Livre tradução de SILVA, V. O. de)
Frames de “Sophia” – Planos 18 e 19 da Cena 14- Reprodução
Mas o silêncio também é nele utilizado para que o espectador possa se
identificar, como dissemos antes, com o ponto de não-escuta da personagem surda
Sophia, como percebemos nitidamente nos citados planos 18 e 19 de sua derradeira
cena.
Concluímos como Orlandi (1993, p. 94) em sua pesquisa acerca da questão do
silêncio que “há um trabalho silencioso na relação do homem com a realidade que lhe
propicia a sua dimensão histórica, já que mesmo o silêncio é sentido.” Sophia e sua mãe
conseguem, enfim, se comunicar com plenitude e eloqüência tanto através da
cumplicidade do olhar, quanto por meio da vibração física que a música imprime aos
seus corpos e aos objetos que ambas tocam em mútuo silêncio. Nós, espectadores,
também nos sentimos tocados pelo muito que é dito neste momento, mesmo que nele
não seja pronunciada palavra alguma. Eis a força da arte cinematográfica.
Referências
ANDREW, Dudley. As principais teorias de cinema. Uma introdução. RJ: Zahar, 1989.
AUGUSTO, Maria de Fátima. A montagem cinematográfica e a lógica das imagens.
SP: Annablume, 2004.
AUMONT, Jacques e Marie, Michel. A análise do Filme, Edições & Fotografia. Lisboa,
Portugal, 2004.