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DEPARTAMENTO DE GENÉTICA E BIOLOGIA EVOLUTIVA

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

BIOLOGIA CELULAR (BIO0206)

INTRODUÇÃO AOS MÉTODOS DE ESTUDO DA


CÉLULA

Alberto de Freitas Ribeiro


I. INSTRUMENTAÇÃO EM BIOLOGIA CELULAR: O MICROSCÓPIO FOTÔNICO

A célula, o objeto de estudo da Biologia Celular, pode ser estudada sob diversos
aspectos: podemos procurar conhecer sua forma e a de seus constituintes, a natureza
química desses constituintes e seu modo de funcionamento. Em outras palavras, essas
investigações são denominadas morfológicas, químicas ou bioquímicas e fisiológicas e a
cada uma delas correspondem métodos de estudo particulares. Esta parte do curso de
Biologia Celular tratará justamente de introduzir o aluno nos diversos tipos de abordagem
normalmente utilizados no estudo da célula.
De uma maneira geral, podemos dizer que, devido às suas pequenas dimensões, um
estudo detalhado da célula e de seus constituintes com a vista desarmada é virtualmente
impossível. Para se ter uma idéia, as dimensões mais comumente observadas entre as
células de animais e vegetais superiores situam-se na faixa de 10 a 20 m (lembrar que 1 
m = 10-3 mm; 1 nm = 10-6 mm e 1 Å = 10-7 mm). Por isso, o citologista é obrigado a se
utilizar de instrumentos de aumento para a observação conveniente da célula.
Os estudos morfológicos ou morfofisiológicos da célula começam normalmente com
o emprego do microscópio óptico, mais corretamente denominado de microscópio fotônico
(por se utilizar da luz como fonte de formação de imagens) ou microscópio composto (pode
ser constituído por dois sistemas de lentes sobrepostas: a objetiva e a ocular). Este
instrumento pode ser considerado como a ferramenta básica e indispensável de todo o
citologista.
A observação da célula ao microscópio fotônico é feita por luz transmitida,
possibilitando assim que detalhes estruturais internos possam ser evidenciados. Contudo,
esta observação por transmissão de luz exige que o objeto a ser estudado responda a certas
condições. Para que a luz possa atravessá-lo, o objeto deve ser suficientemente fino. No
caso da célula, para se ter uma imagem conveniente sem grande sobreposição de estruturas,
essa espessura deve ser da ordem de 5 m. Como raramente uma célula apresenta uma
espessura tão pequena, somos obrigados a fazer fatias ou cortes da célula para atingir a
espessura desejada.
Além da espessura, a observação da célula por transmissão ao microscópio fotônico
apresenta ainda outro problema: ela só é efetiva se certas regiões do objeto absorverem mais
luz do que outras, ou seja, se esse objeto apresentar contrastes. Como em geral os
constituintes celulares têm muito pouco contraste, o citologista é obrigado a lançar mão de
certos artifícios para contornar esse problema. A alternativa mais lógica é criar,
artificialmente, este contraste, no nível de certas estruturas celulares. Isto pode ser obtido
através do uso de corantes, que são substâncias que absorvem certos comprimentos de
onda da luz visível e têm afinidade por determinados constituintes celulares. Outra maneira
de se criarem contrastes artificialmente é através da utilização de certas montagens ópticas

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especiais que são capazes de ampliar as pequenas diferenças de contrastes existentes entre
as diversas regiões da célula. Como exemplo dessas montagens, temos o microscópio de
fase, o microscópio de interferência, o microscópio de polarização, etc.

- Partes do Microscópio Composto.

Compõe-se fundamentalmente das seguintes partes:

A) Partes Mecânicas

1. PÉ - é a base do aparelho e suporta todas as outras partes.


2. BRAÇO - preso ao pé, rígido ou articulado, suporta o canhão, a platina, o condensador e
o espelho (ou fonte luminosa).
3. CANHÃO - é o tubo onde se dispõem as parte ópticas de ampliação; pode ser fixo ao braço
ou possuir movimento vertical.
4. REVÓLVER - é uma peça giratória onde se conectam as objetivas e que permite a
instantânea mudança das mesmas.
5. PLATINA - é a mesa de trabalho, onde se coloca a preparação para exame; possui uma
abertura central que dá passagem à luz proveniente da fonte; pode ser fixa ao braço (se
o canhão for móvel) ou possuir movimento vertical (se o canhão for fixo).
6. "CHARRIOT" - é um dispositivo preso à platina, dotado de movimento antero-posterior e
lateral, destinado a movimentar a preparação.
7. PARAFUSO MACROMÉTRICO - é um dispositivo destinado a dar grandes e rápidos
deslocamentos verticais ao canhão ou à platina; serve para focalização grosseira.
8. PARAFUSO MICROMÉTRICO - é um dispositivo destinado a dar pequenos e lentos
deslocamentos verticais ao canhão ou à platina; serve para focalização fina.

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B) Sistema de iluminação

1. ESPELHO OU FONTE DE LUZ DIRETA - preso à parte inferior do braço, refletindo ou


projetando a luz para a parte inferior do condensador.
2. DIAFRAGMA OU ÍRIS - colocado sob o condensador, destinado a restringir o diâmetro do
feixe luminoso.
3. CONDENSADOR - é um sistema óptico de refração preso à parte inferior do braço, sob a
platina, podendo ou não possuir movimento vertical (e lateral para centragem), destinado
a fazer convergir sobre a preparação a luz proveniente da fonte.

C) Sistema de ampliação

1. OBJETIVA
2. OCULAR

- Princípios de Formação de Imagem ao Microscópio Fotônico

A luz proveniente da fonte luminosa, seja ela direta ou refletida, após atravessar o
condensador, é concentrada sobre a preparação. A luz incidente no condensador deve ser
paralela para que toda a luz emergente possa convergir no foco daquele sistema óptico.
Assim, no caso da existência de espelho, a face plana deve ser utilizada quando a luz for
artificial e emitir luz paralela e a face côncava quando a luz for natural (difusa) ou artificial
divergente.
A preparação (objeto) a ser observado deve ter, como vimos, uma espessura reduzida
para permitir a transmissão da luz. Cada um de seus pontos funciona como fonte intensa
para a formação de imagens pela objetiva.
A objetiva fornece uma imagem real, ampliada e invertida da preparação, conforme
se pode ver na construção geométrica da Figura 1. Nessa figura, Ho é a preparação, Hi a
imagem formada pela objetiva, F1 e F2 os focos, f a distância focal da objetiva e D a distância
entre a objetiva e a imagem. Note que a objetiva foi considerada, para efeitos didáticos, como
uma lente simples, apesar de ser, na realidade, um sistema de lentes. Como veremos
adiante, o mesmo foi feito com relação à ocular. Contudo, as relações obtidas são as
mesmas.
Analisando a construção geométrica da Figura 1, pode-se tirar a relação:

Hi = D - 1
Ho f

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De onde se conclui que a distância focal e o poder de ampliação de uma objetiva são
inversamente proporcionais, ou seja, quanto menor for a distância focal da objetiva, maior
será seu poder de ampliação (maior o Hi).
A imagem fornecida pela objetiva será novamente ampliada pela ocular, funcionando
essa imagem, portanto, como "preparação" ou "objeto" para a ocular. Assim, esta lente
fornecerá uma imagem virtual, ampliada e direta dessa imagem já formada pela objetiva,
como se pode ver na Figura 2. Nessa figura temos também que o Ho é a preparação (no
caso a imagem formada pela objetiva), Hi a imagem formada pela ocular, F1 e F2 os focos, f
a distância focal e D a distância entre a lente e a imagem.
Analisando-se a construção geométrica da Figura 2, temos:

Hi = D + 1
Ho f

De onde se conclui que, similarmente à objetiva, a distância focal e o poder de


ampliação da ocular são inversamente proporcionais, ou seja, quanto menor for a distância
focal de uma ocular, maior será seu poder de ampliação.
Na Figura 3 podemos observar a marcha dos raios luminosos em um microscópio
fotônico, desde a preparação até a formação de imagem virtual da ocular e convertida em
imagem real na retina do observador.
Nessa figura existem alguns parâmetros considerados importantes. Um deles é a
distância de trabalho, que é simplesmente a distância entre a preparação e a lente frontal da
objetiva. No caso, quanto maior for o aumento da objetiva (menor distância focal), menor será
a distância de trabalho.
Outro parâmetro é a região crítica, que é a região onde devem ser formadas as
imagens fornecidas pela objetiva, para que a ocular possa torná-las virtuais e ampliadas e
situadas a uma distância que não pode ser menor que a d (distância mínima de visão distinta).
O comprimento óptico é simplesmente a distância entre os focos da objetiva e da
ocular.

- Poder de Resolução

O poder de resolução de um microscópio fotônico ou outro instrumento óptico


qualquer, pode ser definido como a capacidade que este sistema possui de formar imagens
distintas e nítidas de dois pontos situados muito próximos em uma preparação. O limite
máximo de resolução teórico é aproximadamente a metade do comprimento de onda da fonte
luminosa. Como o microscópio fotônico usa luz visível (4000 a 7000 Å ou 400 a 700 nm),
o máximo de poder de resolução deste aparelho estaria em torno de 2000 Å (ou 200 nm).

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- Abertura Geométrica de uma Objetiva

É um parâmetro que caracteriza uma objetiva, sendo definido como o ângulo máximo
formado pelos raios luminosos extremos que partem de um ponto da preparação, situado
sobre o eixo óptico, atingindo os bordos da lente. Na Figura 4:

ag = 2

- Objetivas de Imersão - Abertura Numérica de uma Objetiva

Para se aproveitar uma maior quantidade de luz quando a objetiva é de grande


aumento e, portanto, de pequeno diâmetro e sendo utilizada a uma distância de trabalho
muito pequena, trabalha-se com a lente frontal imersa em um líquido de alta refringência, em
geral óleo de cedro (índice de refração de 1,575). Com o emprego deste óleo, pode-se fazer
convergir o feixe luminoso proveniente do condensador, captando-se aqueles raios
luminosos que, com objetivas secas, seriam perdidos. Estas objetivas são denominadas de
objetivas de imersão. A conseqüência direta do emprego dessas objetivas é o aumento da
luminosidade.
Como o índice de refração do líquido de imersão (n) altera a distância de trabalho e,
consequentemente a abertura geométrica da objetiva, foi criado um novo parâmetro que é a
abertura numérica. Este parâmetro, normalmente impresso no próprio suporte metálico da
objetiva, é definido como (Figura 5):

an = n . sen 

Onde n = índice de refração do meio


 = metade da abertura geométrica

No caso de uma objetiva seca, não existe óleo, e o índice de refração (n)
corresponderá ao do ar que é 1. Portanto:

an = sen 

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Poder Penetrador

É a capacidade que tem uma objetiva de permitir a observação simultânea de pontos


situados em diferentes níveis de preparação. Pela Figura 6 pode-se verificar que a distância
entre as imagens dos planos extremos da preparação, com objetivas de pequena distância
focal (F2) é bem maior do que com objetivas de grande distância focal (F1). Assim, podemos
concluir que quanto maior for o aumento da objetiva (e menor sua distância focal), menor
será seu poder penetrador.

II. EXAME A FRESCO E COLORAÇÃO VITAL

1. EXAME A FRESCO

O exame a fresco é um método muito simples, consistindo na observação ao


microscópio de células, pequenos organismos vivos ou fragmentos de tecidos vivos, num
meio líquido o mais próximo possível do meio natural desses organismos.
A finalidade desse método é permitir a observação de estruturas "in vivo", de modo a
poder observar manifestações funcionais, como a ciclose, reações a estímulos, etc., além de
ser importante na contraprova de outros métodos de estudos de estrutura celular que utilizem
o estudo de células mortas.

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Para que a célula sobreviva o maior tempo possível, é necessário o uso de líquidos chamados
conservadores fisiológicos, que são soluções que proporcionam às células que estão sendo
observadas condições as mais aproximadas possíveis do seu ambiente natural. Isso
possibilita um exame mais prolongado.
Podemos classificar os líquidos conservadores em naturais e artificiais:

(a) Líquidos naturais: água doce (organismos aquáticos), água do mar (para organismos
marinhos), humor aquoso (do globo ocular de bovinos), soro sangüíneo (técnicas de
cultura de tecido), líquido amniótico, líquido ascítico (obtido de processos patológicos),
etc.

(b) Líquidos artificiais:


- Soro Fisiológico
NaCl em água - 0,9% para mamíferos
0,8% para anfíbios
0,6% para insetos
- Líquido de Ringer
Cloreto de sódio
Cloreto de potássio
Cloreto de cálcio
Bicarbonato de sódio
Água destilada
- Líquido de Knop - para órgãos e tecidos vegetais.
- Líquido de Tyrode - para hematologia.

(Esses últimos, além dos sais acima, levam em sua composição magnésio, glicose, etc.).

A grande vantagem desse método é não produzir modificações nem na forma nem na
função do objeto examinado, servindo, portanto, de contraprova para outros métodos. Outra
vantagem é a sua rapidez.
O emprego do exame a fresco está restrito dentro de estreitos limites: só se aplica a
objetos finos e transparentes; não permite observações prolongadas e mostra apenas uma
pequena parte dos detalhes das estruturas. É, portanto, relativamente grosseiro e leva
eventualmente à morte celular.
O exame a fresco pode ser feito entre lâmina e lamínula, utilizando-se líquidos
fisiológicos. O condensador deve ser abaixado nos microscópios comuns ou a observação
deve ser feita em fase. Se for necessário, para evitar o esmagamento (por exemplo, para
visualizar o movimento de protozoários), deve-se suspender a lamínula entre quatro pilares

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de cera, ou utilizar o método da gota pendente, que tem a vantagem de criar uma micro-
câmara úmida para observações mais prolongadas. Consiste na utilização de uma lâmina
escavada com uma lamínula contendo uma pequena gota de material nessa região. A gota
deve ficar suspensa. A câmara assim construída pode ser vedada com parafina.

2. COLORAÇÃO VITAL

O método da coloração vital constitui um procedimento intermediário entre a


observação a fresco e a observação após a fixação. Constitui-se o uso de corantes não
tóxicos que permitem que as células continuem vivas, embora penetrem facilmente no
organismo.

Corantes vitais
- Azul de Metileno - para observação, por exemplo, de protozoários entre lâmina e lamínula.
- Vermelho Neutro.
- Verde Janus - cora mitocôndria.
- Carmin Lítico.

Esses corantes se empregam em grandes diluições, de 1:500 até 1:100.000, variando


a diluição para cada corante e para cada uso, por exemplo, se destinar a ser injetado, ou se,
simplesmente, o organismo for mergulhado no corante.
Esses corantes não reagem quimicamente com nenhuma estrutura celular. A
coloração vital se processa apenas por atração eletrostática entre o corante e a estrutura.
Uma função importante deste tipo de coloração é evidenciar algumas estruturas mantendo a
célula viva e demonstrar a existência real dos diversos elementos morfológicos revelados
pelos materiais fixados. É, entretanto, uma técnica limitada pelo pouco detalhe de estrutura
que fornece.

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III. FIXAÇÃO

Os métodos de exame a fresco dão apenas informações insuficientes sobre a célula


viva porque os elementos que a constituem possuem mais ou menos o mesmo índice de
refração, o que de certo modo é resolvido pelo microscópio de contraste de fase ou outras
montagens ópticas especiais.
Um pedaço de tecido cortado de um organismo não mantém sua estrutura, ao nível
microscópico, por causa principalmente da:
. evaporação
. diferenças osmóticas
. ataques de microorganismos
. autólise (auto digestão das células pelas suas próprias enzimas ativadas pela cessação da
atividade metabólica vital e normal das células).

Para estudar a estrutura da célula é necessário proceder à coloração, suprimindo com


a cor a falta de contraste das células. A coloração é muito limitada e quase impossível no
estado vivo, por isso é necessário matar as células para se proceder à coloração.
A fixação é uma operação destinada a matar as células, conservando-as o mais
próximas possível do seu aspecto quando vivas. O fixador, portanto, deve imobilizar a célula,
conservar exatamente todas as suas partes constituintes e não fazer aparecer novos
detalhes de estrutura (artefatos). Desse modo será possível ao pesquisador utilizar corantes
tóxicos, fazer testes histoquímicos que raramente são aplicáveis a células vivas, manter
preparações permanentes, cortar os tecidos em secções finas, para o estudo da estrutura
intracelular e principalmente das relações intercelulares.
Não existe um fixador absolutamente perfeito; portanto, o melhor fixador será aquele
que apresentar o menor número possível de modificações secundárias no tecido analisado.
Um tecido bem fixado mostrará células bem preservadas, permitindo a visualização de
detalhes de sua estrutura fina.

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- A Qualidade dos fixadores

1) Poder de Penetração: o fixador deve penetrar rapidamente tanto nas camadas superficiais
como nas profundas; de outro modo, as camadas internas poderão se necrosar antes de
serem atingidas por ele.

2) Deve alterar os constituintes da célula, de modo a torná-los insolúveis: esta ação não deve
ser violenta e instantânea; ao contrário, deve-se produzir secundariamente em relação à
morte das células, de modo a não produzir contrações.

3) A acidez é uma qualidade importante, sendo o ácido acético um dos mais empregados. O
meio alcalino dificulta a coagulação, nos fixadores que agem desta maneira.
Em resumo, o bom fixador deve: favorecer a observação das estruturas; impedir o
aparecimento de alterações; impedir o aparecimento de estruturas artificiais; não impedir
colorações posteriores; aumentar a afinidade do tecido pelos corantes; impedir o
desaparecimento dos elementos solúveis e possuir alto poder de penetração.

Agentes Fixadores

Podem ser Físicos e Químicos.

Físicos

O frio não é, em geral, um bom agente fixador, no máximo ele suspende as alterações
devidas à necrose e à digestão enzimática. Além disso, a formação de cristais e o aumento
de volume dos líquidos com o congelamento acarretará distorções no material.*
O calor exerce uma ação bem diferente, segundo seja aplicado a objetos úmidos ou
secos. Os fixadores em ebulição são utilizados para certos casos. O calor seco tem uso em
esfregaços previamente desidratados, podendo, entretanto, provocar distorções.

*
Empregado juntamente com agentes crioprotetores (como o glicerol), que impedem a
formação de cristais, é muito utilizado em exames citológicos rápidos como, por
exemplo, em patologia.

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Químicos

São preferíveis para o estudo dos tecidos. Podemos classificá-los de modo a reuni-
los em dois grandes grupos de acordo com seu efeito sobre as proteínas (o que pode ser
testado com uma solução de albumina).

1) Coagulantes - agem como o calor, coagulando as proteínas, transformando o protoplasma


celular numa rede. Ex.: metanol, etanol, acetona, ácido nítrico, ácido pícrico, etc.

2) Não coagulantes - ex: ácido acético, formaldeído, tetróxido de ósmio e dicromato de


potássio.

Esses agentes fixadores, entretanto, não são capazes de reunir, individualmente,


todas as qualidades necessárias para um bom fixador. É raro, portanto, que se empregue,
hoje em dia, um fixador único. Utilizam-se, isso sim, misturas de fixadores de maneira a que
um componente complete a ação do outro. Algumas das misturas fixadoras mais usadas:
(a) Bouin - ácido pícrico, formalina e ácido acético glacial. Trata-se de um fixador
extremamente penetrante, que praticamente serve para todas as espécies de trabalho.
(b) Zenker - dicromato de potássio, cloreto de mercúrio e sulfato de sódio. Esse fixador
apresenta o inconveniente de exigir uma lavagem cuidadosa do material por tempo
prolongado.
(c) Carnoy - ácido acético, metanol e clorofórmio. Usado em citogenética.

A fixação química é normalmente realizada imergindo-se a peça a ser estudada no


fixador. O volume deve ser 20 a 30x da peça a ser fixada. Para peças de grande tamanho, é
útil usar-se o método da perfusão, que consiste em injetar o fixador através da rede vascular
do organismo.

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IV - COLORAÇÃO

Os processos de coloração têm um papel importante na técnica histológica. Uma boa


parte do conhecimento a respeito dos corantes é devida a Otto Witt que em 1876 apresentou
uma teoria sobre a coloração. Segundo Witt a cor é condicionada por certos grupos ou
radicais que ele chamou de cromóforos. De acordo com as idéias atuais, esses seriam
constituídos por conjuntos de átomos não saturados, responsáveis pela cor das moléculas
das quais eles fazem parte. Em sua maioria são substâncias aromáticas que têm a
possibilidade de alterar rapidamente a configuração da molécula entre os vários estados
possíveis, sendo essas alterações denominadas ressonância, envolvendo a absorção de
ondas eletromagnéticas.
As substâncias que possuem um ou vários cromóforos são chamadas cromogênios.
Dito de outro modo, os cromóforos são grupamentos atômicos que dão a potencialidade de
coloração às moléculas que são então chamadas de cromogênios.
Um exemplo de cromóforo é a quinona. A quinona por si só não tem a tendência a se
ligar a uma substância de uma preparação microscópica, pois as substâncias que
apresentam essa tendência se ionizam em solução aquosa e a quinona não. Portanto, não
basta somente que a substância tenha cor, isto é, um cromóforo por si só não confere à
molécula a capacidade tintorial. Um grupo ionizável é também necessário. Esses grupos
ionizáveis que transformam substâncias coloridas em corantes são denominados
auxocromos. Além de geralmente conferir o poder tintorial, os auxocromos aumentam a
intensidade da cor, como seu nome sugere. Um dos auxocromos mais comuns em corantes
é o grupo -NH2, grupo amida.
Tintóforos por outro lado, são grupos que não modificam o espectro de absorção e,
portanto, a coloração de um cromogênio, mas fazem aparecer o poder tintorial, agindo nesse
sentido da mesma forma que os auxocromos.
Dentre os radicais que agem como tintóforos, temos, por exemplo, o grupo carboxila,
-COOH.
A finalidade da coloração não é a obtenção de uma imagem de diversos coloridos,
mas acentuar os contrastes das estruturas celulares.

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Classificação dos Corantes

Os corantes podem ser classificados, de acordo com sua origem, em naturais e


artificiais (ou sintéticos).
A) Naturais - produtos extraídos de animais, como o carmin, ou dos vegetais, como a
hematoxilina, a orceína, etc.
B) Artificiais ou sintéticos - derivados da destilação da hulha e, genericamente conhecidos
como corantes de anilina. Do ponto de vista químico, esses corantes são sempre sais,
podendo assim ter caráter ácido, básico, neutro ou indiferente.

(a) Corantes ácidos:


Nesses corantes a base é incolor e o ácido é colorido (cromóforo). Temos por ex.: a
Eosina em que a propriedade do corante é devida ao ácido eosínico; na parte básica, temos
o sódio que é incolor. Outros exemplos: Fucsina ácida, Vermelho congo, Eritrosina. Tingem
o citoplasma, a quitina, etc., de reação básica (acidófilos).

(b) Corantes básicos:


Possuem a base colorida e o ácido incolor. Temos por exemplo, o azul de metileno,
que é um cloridrato de azul de metileno; o poder do corante é devido ao composto básico de
azul de metileno e não ao ácido clorídrico que é a parte incolor. Outros exemplos: Fucsina
básica, Azul de Toluidina, Violeta de Genciana. São corantes absorvidos com certa avidez
pelas estruturas celulares de reação ácida (basófilas) como a cromatina.

(c) Corantes neutros:


Tanto o ácido como a base são coloridos. Ex.: o Eosinato de Azul de Metileno. Esses
corantes se obtêm misturando partes convenientes de corantes ácidos e básicos e têm
grande importância em estudos hematológicos.

(d) Corantes indiferentes:


Não são nem ácidos nem básicos e são incapazes de formar sais. São insolúveis em
água, mas solúveis em álcool e nos lipídios. São desse grupo os corantes de lipídios Sudan
III e Vermelho Escarlate.

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- Mordente

Uma coloração pode ser direta ou indireta, dependendo do fato de haver ou não uma
substância intermediária entre o corpo a ser colorido e o corante.
Os sais de certos metais alteram radicalmente o comportamento de certos corantes.
Esses sais metálicos são chamados mordentes. Forma-se um complexo tecido-mordente-
corante e, uma vez formado, ele é insolúvel em todos os fluidos neutros usados
ordinariamente em histologia, de modo que facilita os procedimentos posteriores. O mordente
provoca uma combinação química entre dois corpos que não têm afinidade química entre si.
Forma-se então o precipitado fortemente colorido e insolúvel em água.
Exemplo: os alúmens que, em geral, são sulfatos duplos de alumínio e outro metal,
têm a propriedade de formar, com certos corantes, soluções intensamente coloridas e com
propriedades seletivas.

- Marcha de Coloração

Coloração Progressiva - nesse tipo de coloração, a absorção do corante pelas células


é controlada e interrompida no ponto desejado.

Coloração Regressiva - nesse caso, há um exagero de absorção do corante, ou super


coloração que, em seguida deve ser extraído novamente. A diferenciação consiste na
remoção do excesso de coloração até que o corante fique retido apenas pelos componentes
celulares ou tissulares que interessam ao estudo. Pode ser obtida pelo emprego do álcool
etílico puro ou acidificado, por exemplo.

Tipos de Coloração

Ortocromática - quando o tecido aparece corado nas cores do próprio corante.


Metacromática - quando o tecido aparece com cor ou cores diferentes das do corante.
Ex.: Azul de Toluidina, entre pH 4,5 e 5,0 cora o DNA em azul e o RNA em vermelho.

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V. INCLUSÃO E MICROTOMIA

A maior parte das peças fixadas deverá ser tratada posteriormente, de modo a permitir
sua observação por meio da luz transmitida.
Para isso, é preciso reduzi-la a fatias delgadas, obtidas por cortes. Esses cortes, com
espessura de 3 a 4 m são impossíveis de obter em tecidos frescos ou mesmo fixados. Desse
modo, faz-se a inclusão da peça numa substância plástica que permita a obtenção de
secções finas do tecido. A substância deve penetrar totalmente até os componentes celulares
mais delicados, de modo a preservar a estrutura fina.
É possível então orientar e manusear as peças.

- Meios ou Massas de Inclusão

1) Meios aquosos - não é necessário, neste caso, desidratar as peças. Utilizados


principalmente para pesquisas de fisiologia celular e histoquímica ou anatomia vegetal.
- gelatina glicerinada: para organismos delicados;
- goma (arábica) glicerinada: para objetos duros e quitinosos, como pelos de
mamíferos, por exemplo.
2) Meios anidros - são muito comuns nos estudos gerais de Histologia. Utilizam produtos de
inclusão insolúveis em água, sendo, portanto, imprescindível a desidratação da peça, uma
vez que a água é parte integrante dos tecidos. Após a desidratação, impregna-se a peça
com o solvente do meio de inclusão.

(a) Celoidina
Nesse caso, é feita a impregnação a frio dos objetos com nitrocelulose dissolvida
numa mistura de álcool e éter. O uso dessa massa de inclusão permite executar cortes de
grandes diâmetros, sem riscos de quebras, como ocorre com a parafina. É conveniente para
objetos pouco homogêneos ou que apresentam grandes cavidades, para materiais duros ou
fibrosos (artrópodos, por ex.), ou para tecidos que suportam mal as elevações de
temperatura. Não há necessidade de remover a celoidina dos cortes, o que facilita o manejo.
Entretanto, é um processo muito demorado (pode levar meses), sendo muito difícil obter
cortes finos e quase impossível obtê-los em série. A conservação dos blocos é difícil e é
necessário o uso de um micrótomo de deslizamento, especial, que molha automaticamente
o bloco e a navalha com álcool 70%, à medida que vai cortando.

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(b) Inclusão em parafina
A parafina é uma mistura de hidrocarbonetos saturados sólidos extraídos por
resfriamento dos resíduos pesados do petróleo. Tem pouca afinidade (parum affinis) química
(inerte). É muito solúvel no xilol, sendo, entretanto, insolúvel no álcool e na água.
As vantagens da parafina consistem em permitir a obtenção de cortes finos; o
processo de inclusão é rápido (24 horas); é possível obter cortes seriados pela facilidade de
produção de fitas; os blocos podem ser guardados indefinidamente.
Existem, também, algumas desvantagens, como, por exemplo, tecidos de difícil
penetração, tais como ossos, dentes, etc. Estes tecidos necessitam de longo tempo de
inclusão, o que é desaconselhado, pois este processo extrai lipídeos, uma vez que os
agentes de diafanização e desidratação são solventes de lipídios.

(c) Inclusão em resinas plásticas - particularmente as resinas acrílicas têm sido cada vez
mais empregadas em histologia no lugar da parafina, principalmente por permitirem cortes
mais finos (1-3 m) e, portanto, com melhor definição das estruturas celulares.

- Procedimento para a inclusão em parafina

1) Desidratação pelo álcool - com duração variável, de acordo com o tamanho da peça.
2) Impregnação em solvente de parafina - consiste em trocar por um solvente de parafina o
álcool que impregna o objeto desidratado. Essa operação é chamada diafanização, uma
vez que os líquidos utilizados tornam o material transparente. Os líquidos devem ser
solúveis em álcool em todas as proporções. O xilol é bastante utilizado neste
procedimento.
3) Impregnação em parafina - não pode ser feita a frio, uma vez que a parafina é sólida à
temperatura ambiente. Durante a impregnação, a parafina deve ser mantida na estufa,
próxima ao seu ponto de fusão (aproximadamente 60oC).
4) A peça agora é retirada do banho de parafina e levada para uma forma vaselinada cheia
de parafina fundida. A peça deve ser orientada. A parafina se solidifica rapidamente, de
modo que a orientação do corte fica fácil. Esfria-se rapidamente a parafina, de modo a
não formar cristais de grande tamanho ou bolhas.
Quando o processo é bem feito, pode-se guardar o material indefinidamente.

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• Corte dos blocos - usa-se um micrótomo automático que regula a espessura dos cortes,
aderindo-se uns aos outros, de modo a se obter uma fita. As fitas são fáceis de manipular,
com o auxílio de um pincel e se pode obter cortes em série (cortes seriados).
• Montagem dos cortes - os cortes são esticados em água aquecida a 40oC e "pescador"
com uma lâmina albuminizada com o auxílio de um pincel o excesso de água é escorrido
e os cortes secos em estufa a 40oC. Posteriormente a parafina é retirada das preparações,
banhando-se as lâminas em xilol.

- Coloração dos cortes com hematoxilina-eosina (HE)


Para se fazer a coloração do material (esfregaço de mucosa bucal, por ex.), este
precisa ser hidratado de maneira lenta através de uma série de álcoois em concentrações
cada vez menores. A razão disto é que os corantes são aquosos. Para montagem
permanente, o material precisa ser diafanizado pelo xilol e montado em Bálsamo do Canadá
(ver mais abaixo). Assim, o xilol age como diafanizador e também como solvente do bálsamo.
Uma vez que o xilol não é miscível em água (nem o bálsamo), o material deve ser desidratado
novamente. Se o xilol ficar turvo, ou aparecerem bolhas de água na preparação, é porque o
material não foi convenientemente desidratado.

• Montagem permanente - consiste em colocar o objeto entre lâmina e lamínula, em um


líquido refringente, que servirá de meio de conservação e meio de observação. Esse meio
deve se tornar sólido posteriormente.
O meio de montagem deve ter índice de refração próximo ao do vidro, deve secar
rapidamente, não rachar, nem se alterar. Os meios de montagem mais usados são o Bálsamo
do Canadá, resina proveniente de coníferas da América do Norte (sendo que o material,
nesse caso, deve estar totalmente desidratado), o Euparal que tem a desvantagem de não
secar muito rapidamente e o Permount que seca rapidamente.
Além dos processos de inclusão acima discutidos, existem outros métodos que
permitem o corte do material biológico a ser estudado ao microscópio de luz. Um destes
métodos envolve, por exemplo, o congelamento do material em nitrogênio líquido e seu corte
posterior em um micrótomo refrigerado denominado de criostato. Em método rápido, muito
útil em patologia quando, por exemplo, se necessita de uma análise imediata de um tecido.
Para determinados tipos de material que tenham certa consistência é possível fazer ainda
cortes a mão livre, com resultados razoáveis. É o caso de alguns tipos de tecidos vegetais,
como caules e folhas.

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