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A Ordem Das Messalinas - Eva - Caroline Andrade
A Ordem Das Messalinas - Eva - Caroline Andrade
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(hum) ano, ou multa, a violação de direito de autor que não tivesse como intuito a obtenção de lucro
com a reprodução da obra intelectual protegida.
Sumário
AVISO DA AUTORA
SINOPSE
PLAYLIST
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Ramsés de Naca
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 1
O jardim do Éden
Eva Fishie
Tempo atual
CAPÍTULO 2
A pecadora inocente
Eva Fishie
CAPÍTULO 3
A isca
Dama Emanuelle
CAPÍTULO 4
Esqueletos no armário
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 5
O paraíso escondido de falésias
Eva Fishie
CAPÍTULO 6
A panela de bronze
Eva Fishie
CAPÍTULO 7
Trovão e escuro
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 8
A fera
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 9
Trsitão e Isolda
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 10
Maçã do pecado
Eva Fishie
CAPÍTULO 11
A maldição da primeira pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 12
Demônios silenciosos
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 13
A pecadora e a serpente
Eva Fishie
CAPÍTULO 14
A maçã podre
Nolan
Camaleoa
CAPÍTULO 15
Pequena pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 16
A intuição da serpente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 17
Meus olhos
Seita Gregovivk
CAPÍTULO 18
Pecadora inocente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 19
Messalina
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 20
O pecado de Herodias
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 21
A desfiguração da alma
Eva Fishie
CAPÍTULO 22
A lei do mais forte
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 23
Tempo de carnificina
Sieta Gregovivk
CAPÍTULO 24
Livre
Eva Fishie
CAPÍTULO 25
SODOMA
Oliver Pellegrini
Hector Pellegrini
EPÍLOGO
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 1
Purgatório de Mical
Seita Gregovivk
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS
Outras obras:
Únicos
AVISO DA AUTORA
Nica - França
— O que é um desperdício?
— Nada, apenas pensando alto... — Ela me vira lentamente e me dá
mais uma olhada, antes de soltar um suspiro. — Quero que me acompanhe,
Eva, pelo menos olhe a festa. Se achar que não gosta, então saberei que
tomei a decisão correta.
Emanuelle vira e anda para a porta do quarto, abrindo-a e apontando
para fora, me deixando perdida com suas palavras. Não entendo a qual
decisão ela se refere. Caminho lentamente e olho para os meus pés, rezando
para não tropeçar enquanto ando devagar.
— Venha, pequena, ou ficaremos velhas aqui, até você conseguir
sair desse quarto... — Emanuelle solta uma grande gargalhada e me segura
pelo braço, me fazendo andar ao seu lado.
A única vantagem de ter me arrumado no quarto dela, é que pelo
menos consegui escapar das escadas. Com toda certeza, eu quebraria meu
pescoço se tentasse descê-las usando esse salto alto. Escuto o som de
música alta, que toca pelo corredor, ficando mais intenso conforme ela nos
conduz. A risada das meninas estão mais alegres do que de costume, até os
cheiros estão mais estranhos, são de bebida e tabaco. Uso meu outro braço
para manter a saia presa no lugar pela minha mão que a segura com força,
para não subir.
— C’est parfait[15], não precisa ficar assim... — ela fala, rindo para
mim quando vê o nervosismo ainda mais estampado em minha face quando
nos aproximamos das grandes portas do salão, de onde a música alta vem.
— Não estou te levando para a forca, apenas desejo saber qual será seu
destino...
— Se pudesse vestir minhas próprias roupas, acho que me sentiria
melhor. — Respiro fundo e sinto meus dedos suados. A angústia vai
aumentando cada vez mais, conforme vou andando em cima desse troço
alto. — E não preciso usar isso para saber meu destino, dame Emanuelle,
madrinha vai vir me buscar... Ela ficaria muito brava se me visse usando
isso.
Seu riso morre e ela olha para mim pensativa, respirando fundo.
Seus olhos se fecham e ela nega com a cabeça.
— Freire não está aqui para decidir seu destino. Pelo contrário, ela
lhe deixou comigo para que eu fizesse isso. — Emanuelle abre seus olhos e
os deixa presos aos meus. — Às vezes penso: por que Deus deixou uma
criatura como você parar nas mãos de Freire? E então percebo que pior do
que ela, foi eu, por ter aceitado lhe recolher.
— Madrinha nunca foi ruim para mim... — Nego com a cabeça, não
entendendo por que ela está falando assim, com tanto ressentimento, de
Freire. — Ela cuidou de mim quando minha mãe morreu...
— Cieux.[16] — Ela ergue suas mãos para suas têmporas, as coçando.
— Da mesma forma que sua ingenuidade é uma bênção, também é sua
ruína, Eva.
Ela solta um longo suspiro e balança a cabeça para os lados, me
deixando confusa com suas palavras. Emanuelle abaixa suas mãos e vira
seu rosto para a porta, estufando seu peito para frente.
— Iremos conversar, mas só depois que entrarmos nesse salão. —
Emanuelle solta meu braço e dá um passo à frente, abrindo as portas e
sorrindo alegremente. — Bonne nuit mes chers.[17]
Ouço sua voz alegre saudando as pessoas lá dentro, enquanto ela
caminha para o interior do salão. Emanuelle para logo à frente e se vira para
mim, esticando sua mão e a balançando no ar, me chamando.
— Venha, mon cher! — Esfrego as palmas das minhas mãos na
lateral da minha perna com força, respirando mais angustiada e sentindo
meu coração disparado, como se algo dentro de mim me avisasse que eu
não vou gostar do que tem aí dentro.
Ando lentamente, dando um passo de cada vez, sentindo minhas
pernas pesadas e o ar entrando com mais dificuldade em meus pulmões,
pelo nervosismo que vai ficando ainda mais forte. Os odores de tabaco, que
se misturam a perfumes enjoativos, ficam mais intensos, me fazendo ficar
ainda mais enjoada. A música alta que tocava, se silencia, fazendo o lugar
cair em um grande silêncio esmagador. Sinto como se estivesse sendo
engolida, engolida por um monte de pares de olhos fixados em mim.
Homens de várias etnias, espalhados pelo salão, estão com suas
faces voltadas para mim. As garotas que vivem aqui estão sérias. Algumas
estão sentadas em seus colos, outras os abraçando de um jeito íntimo,
algumas me olham com melancolia, e outras parecem sentir raiva de mim.
Fico ainda mais nervosa, enquanto respiro com desespero, olhando tudo. As
roupas curtas delas são ainda mais promíscuas que as minhas. Sinto como
se estivesse em um zoológico, onde todos olham para o animal que está
quase extinto preso na gaiola. Mas, nesse cenário, eu não sou os visitantes
do zoológico, mas sim o animal.
Minhas pernas estão trêmulas e meu corpo frio transpira. Viro meu
rosto e passo meus olhos pela face de todos, me sentindo uma mercadoria
exposta, sendo avaliada com grande interesse, causando burburinhos e
olhares lascivos. Minhas vistas queimam, com lágrimas brotando em meus
olhos enquanto sinto medo.
— Mon cher, venha... — Emanuelle balança sua mão e a estica para
mim, me fazendo olhar para ela. Minha atenção recai para seus dedos, que
me chamam para segurá-los. — Precisa vir, se quiser fazer parte da
família...
— E-eu... — Minha voz está presa, como se não conseguisse sair,
tendo apenas o pavor me consumindo. Respiro mais rápido e sinto o dobro
de medo. Minhas unhas se movem e arranham meu pulso lentamente,
enquanto tento focar minha mente na dor e não em todos essas pessoas me
encarando.
E entre todos os olhares que me causam medo, sinto a força de um
olhar se destacando entre eles. Ergo minha face e olho por cima do ombro
de Emanuelle, vendo o homem silencioso com seu terno negro ao fundo do
salão, com seus cabelos negros e longos penteados para trás, apoiando sua
mão na bengala, que está à frente do seu corpo. Os olhos azuis e frios estão
cravados em mim, como se ele pudesse rasgar a minha alma. Seu maxilar se
esmaga, com sua face completamente sombria, como uma escultura de
gesso zangada, me encarando entre os convidados como um anjo negro, me
dando o pior dos olhares entre todos aqui. Esse é o mesmo que ele me
destina desde que chegou aqui, sempre que me vê.
— Eva, segura minha mão... — Desvio meus olhos dos seus para
Emanuelle, abraçando meu corpo e me encolhendo, como se eu pudesse
tapar as partes do meu corpo de fora, para que eles parem de olhar para
mim. — Eva, venha!
Sinto a quentura das lágrimas que escorrem por minhas bochechas,
enquanto abaixo meu rosto e nego com a cabeça, andando para trás.
— Não quero... não quero ficar aqui — falo, soluçando, movendo a
cabeça, me virando na mesma hora e saindo para fora da porta do salão.
Tento correr em direção à escada, mas desequilibro na porcaria do
salto alto e caio no chão, o que me faz chorar ainda mais, desejando que
minha madrinha viesse me buscar, que me levasse embora daqui. Arrasto
minha perna e deposito meu queixo em meu joelho, chorando enquanto
retiro as sandálias dos meus pés, sentindo dor no meu tornozelo direito.
Ergo minha mão e limpo as lágrimas das minhas bochechas, fungando
baixinho. O som do batuque, o qual eu reconheço, da bengala batendo no
chão, se aproximando de mim, faz eu me encolher e abraçar minhas pernas,
como se fosse uma criança assustada.
Assim que o brilho dos bicos dos seus sapatos lustrados param perto
de mim, fecho meus olhos e os aperto com força. Viro meu rosto de
mansinho, enquanto eu choro, abrindo os olhos e encontrando sua face
voltada para mim, me encarando. Seus olhos azuis estão ainda mais frios. O
vejo inclinar lentamente seu rosto para o lado, parando seus olhos em meu
tornozelo, com sua boca cerrando. Ele troca a bengala de mão, a usando
para se apoiar quando suas pernas se flexionam, com ele se agachando perto
de mim. Choro ainda mais, me sentindo uma mulher promíscua quando seu
olhar se ergue para minhas pernas desnudas. Seus dedos se esmagam com
força na cabeça da cobra, a cada canto do meu corpo que seus olhos tocam,
até ter seu olhar glacial preso ao meu. Se pensava que ele me via como uma
doença contagiosa, agora tenho certeza, porque é apenas repúdio que tem
em seu olhar.
— Que desastre! — Emanuelle sai do grande salão fechando a porta
atrás dela, enquanto respira fundo e resmunga. — Não pensei que ela se
assustaria...
— Leve-a para o quarto e retire isso tudo que fez com ela! — ele
rosna, baixo, de forma agressiva, enquanto mantém seus olhos nos meus. —
Agora.
— Bom, ninguém pode dizer que eu não tentei. — Emanuelle me
olha com decepção e balança a cabeça para os lados. — Vem, mon cher.
Vamos limpar esse rostinho, não foi minha intenção lhe assustar...
— Partiremos em quinze minutos, arrume suas coisas. — Pisco
rapidamente, olhando para o estranho homem que se levanta, ficando de pé
ao meu lado e me encarando.
— Partiremos? — Fungo, baixinho, e limpo meu rosto, sem
entender o que ele quer dizer com isso.
— Eva, seu lugar não é aqui, não posso mais permitir que fique
nessa casa... — Emanuelle fala lentamente as palavras, enquanto me olha
com tristeza. — Monsieur Pellegrini vai cuidar de você. Oui[18], será uma
espécie de tutor, um guardião.
— N-não... — Nego com a cabeça e me sinto ainda mais perdida. —
Madrinha vai vir me buscar, ela vai cuidar de mim, eu não preciso de um
guardião. E muito menos desse homem...
— Eva, Freire não vai vir lhe buscar! — Emanuelle abaixa o tom de
voz e vira sua face para ele, olhando-o nervosa.
Meu rosto se ergue para Pellegrini e o vejo sério, com seus olhos
desprovidos de emoção focados em mim. Entendo agora o porquê ele
estava aqui, porque ele me olhava sempre daquele jeito, como se eu fosse
um estorvo. Ele veio aqui para me buscar.
— Não... não, eu não vou... — Levanto na mesma hora, correndo na
direção das escadas, sem virar meu rosto para trás, desejando apenas estar
longe daqui, longe dele.
— Eva... Mon cher, espere!
Não quero esperar, quero apenas correr para longe, buscar segurança
dentro do meu quarto, tirar essas roupas do meu corpo. Não quero ficar
perto do senhor Pellegrini.
— Eva! — Escuto a voz de Emanuelle assim que entro no quarto.
— Hector vai cuidar de você, seu lugar não é em minha casa...
— Não, madrinha vai vir, ela me prometeu que viria... Ligue para
ela, Emanuelle, não quero ir com esse homem.
— Eva, me escute, criança. — Suas mãos se prendem em minha
face enquanto me faz a olhar.
— Por favor... Ligue para ela, eu quero ir embora, mas não com
ele... — Nego com a cabeça, tendo minha visão turva pelas lágrimas. —
Liga...
— Eu não posso ligar para Freire, Eva — Emanuelle fala séria,
limpando meu rosto. — Freire está morta.
— O que... — Seguro em seu ombro e dou um passo para trás, não
sabendo se ouvi direito o que ela acabou de dizer.
— Freire se matou um mês depois que deixou você aqui em minha
casa. Ela se enforcou dentro do apartamento que ela vivia em Nova York.
Meus joelhos fraquejam e tombo com eles no chão, esmagando meu
corpo enquanto me abraço, chorando com dor.
— Não... Não, a madrinha prometeu que voltaria, ela não se
mataria... Ela me disse que iríamos ficar juntas... — Choro, sentindo como
se tudo que eu tinha fosse tirado de mim. Eu não tenho mais ninguém. A
única pessoa que eu podia ter como família era Freire. Estou sozinha agora.
Sempre fui sozinha, a verdade é essa, mas, agora, mais do que nunca, eu
não tenho ninguém.
— Freire não sabia se voltava, tanto que foi por isso que ela me
autorizou a transformar você em uma das minhas garotas, se ela não
conseguisse vir lhe buscar... — Emanuelle se abaixa e segura meu rosto em
suas mãos, respirando fundo. — Cristo, Eva! Eu não posso ficar mais com
você, aqui não é lugar para uma criatura como você. Eu tentei ter calma e
esperar que talvez você pudesse aceitar ser como minhas garotas... Mas
depois de ver a forma como você ficou apenas de entrar dentro do salão,
imagina o que aconteceria quando um dos meus convidados te levasse para
o quarto...
— Para o quarto... — Nego com a cabeça, caindo de bunda no chão,
a olhando mais assustada. — Por que deixaria eles me levarem para o
quarto...
— Para ganhar muito dinheiro, em troca deles dormirem com você
— ela fala à queima-roupa, não usando de mais palavras para descrever o
meu fim. — Ainda estava pensando o que fazer com você, até que Hector
apareceu e informou que ele é seu novo tutor...
— Não, não... Por favor, não faz isso comigo... — Nego com a
cabeça, segurando em seus braços e implorando para ela não me entregar a
ele. — Eu posso fazer outras coisas, limpo a casa, até posso cozinhar...
Emanuelle, eu não tenho mais ninguém, por favor, não me entrega para esse
homem!
— Eu não posso ficar com você, Eva. — Ela envolve seus braços
em minhas costas e me abraça, me fazendo esconder meu rosto em seu
peito. — Monsieur Pellegrini vai cuidar de você... Irá para Paris com ele, eu
não posso voltar atrás com minha palavra, não com ele...
— Por favor, Emanuelle, por favor... — Choro com mais desespero,
sendo tomada por tudo.
O medo do meu futuro, a morte da minha madrinha, tudo vem em
cima de mim como uma avalanche, sendo soterrada com todas essas
informações de uma única vez. Passei a minha vida toda dentro do colégio
interno, eu não sei nada sobre o mundo, para onde ir ou o que posso fazer.
O que aprendi no colégio interno das freiras não me garante uma formação
em nada. Eu sobrevivia àquele inferno, apenas esperando pelo dia que
minha madrinha finalmente me levaria para morar com ela. Tive apenas um
pouco de paz quando vim para cá, mas agora tudo está desmoronando. Não
conheço esse homem, eu nem sei porque ele quer cuidar de mim. Não quero
ser entregue a ele, como se eu fosse um animal sendo doado.
— Vai ficar tudo bem, não precisa chorar. Quando chegar a hora,
Hector irá conversar com você, porque é mais seguro ficar com ele agora do
que aqui...
— Por favor, por favor, não me entrega para esse homem! — Meu
rosto se ergue para ela e choro, enquanto nego com a cabeça. — Ele me
assusta...
O rosto de Emanuelle vira na direção da porta do quarto aberta,
enquanto me abraça com mais força, alisando meus cabelos. O som seco do
batuque da bengala estoura no chão, seguido de uma longa respiração
pesada, o que me faz encolher, sabendo que ele me ouviu. Meus olhos
fecham com força e giro meu rosto para outra direção, abraçando-a com
mais angústia, sentindo o olhar de gelo do monsieur fixos em mim.
— Nos deixe só, Ema!
Me abraço mais forte à Emanuelle quando ouço o timbre da sua voz
mandando ela sair do quarto.
— N-não... Não, Emanuelle, por favor... — Nego com a cabeça e
me agarro à sua cintura.
— Hector, me deixa apenas acalmá-la... — A voz de dame
Emanuelle se cala ao mesmo tempo que eu me encolho ainda mais de
medo, com o latente som da ponta da bengala explodindo no chão.
— Por favor, Emanuelle... — Meus joelhos se dobram e tombam no
chão quando ela puxa com força meus braços da sua cintura, me olhando
com tristeza.
— Pardon[19], pequena! — ela murmura e corre para fora do quarto,
enquanto me abraço e fecho meus olhos, soluçando baixinho.
Me sinto sendo engolida por uma tristeza sem fim, me deixando
menor que um grão de areia. Estou completamente solitária. Meus ombros
chacoalham e meus soluços de dor, junto com meu choro, rompem por
minha garganta. Freire era tudo o que tinha, e agora que ela morreu, a vida
que eu desejava tanto começar longe daquele maldito colégio interno
acabará comigo presa ao lado de um homem que me assusta. Meu corpo
fica imóvel, completamente retraído, quando o som dos seus passos, com o
batuque da bengala dentro do quarto, se faz. As lágrimas escorrem com
mais sofrimento pelo meu rosto quando ouço o barulho da porta se
fechando.
Sento-me no chão e arrasto minhas pernas, escondendo meu rosto
em meus joelhos, espremendo bem forte os meus olhos, como se assim ele
pudesse desaparecer. Mas ele não desaparece, nem se mantém longe, pelo
contrário, seus passos se aproximam mais, e o toque frio da ponta da
bengala batendo em minha perna é suave, enquanto a sobe lentamente, até
parar em meus cabelos e empurrar as mechas lisas para trás.
— Olhe para mim, mademoiselle! — Sua voz em comando sai
ríspida e ele afasta a bengala do meu rosto.
Queria poder dizer que me mantive imóvel, agarrada às minhas
pernas, com minha face escondida em meus joelhos, mas é assustador como
meu corpo o responde no segundo que ele decreta uma ordem. Minha
cabeça se ergue e acato sua ordem, enquanto choro ainda mais
amedrontada, o vendo parado diante de mim, me olhando de cima a baixo,
sentada ao chão diante dos seus pés, o deixando ver minha alma solitária e
melindrada. Ele leva sua mão ao bolso do terno e retira um lenço, apoiando
a outra mão na bengala enquanto se agacha, deixando seus olhos na altura
dos meus.
— Há poucas pessoas que podem se dar ao luxo de não precisar
sentir medo de Hector Pellegrini. — Seu olhar de gelo fica preso em minha
boca enquanto arrasta o lenço lentamente sobre ela, como se estivesse
concentrado em retirar o batom. — E posso lhe garantir que você é uma
delas. — Seu peito estufa e ele inala o ar pesadamente, erguendo o lenço
para minhas bochechas e as secando, mantendo sua face zangada.
— Vai me obrigar a ir com você, monsieur? — Fecho meus olhos e
choro quando ele passa o lenço na minha outra bochecha, limpando as
lágrimas que escorrem por ela. Cravo as unhas em minha perna, me
arranhando com mais força. — Mesmo eu dizendo que não desejo ir...
— Oui! — ele me responde de forma tão fria, como se eu não
passasse de um objeto que ele arrematou, um objeto sem vontade ou
sentimento.
Abro meus olhos e o vejo sério, com sua face próxima a mim,
afastando o lenço do meu rosto, como se estivesse estudando uma pintura.
Seu olhar recai para meus tornozelos e observa as arranhaduras que eu faço
em minha perna.
CAPÍTULO 3
A isca
Dama Emanuelle
— Eva... — Olho para a mão dela com remorso, não desejando ter
a machucado, e muito menos fazê-la me olhar com medo.
Ela abaixa seu rosto e me deixa ver a lágrima rolando por sua
bochecha, caindo em seus joelhos. Sua mão ferida se afasta do seu peito e
se estica para mim, deixando o frasco de remédio à minha frente, de pé, no
chão.
— Eu sinto muito, monsieur.
Fecho meus olhos e respiro fundo, esmagando meus dedos na
cabeça da cobra, tendo a face triste dela completamente nítida em minha
mente.
— Então, sir? — Abro meus olhos e viro a cadeira do escritório
com rodinhas, ficando de frente para Edmundo, que está conversando
comigo.
— Desculpe, Edmundo, poderia repetir o que disse? — Esfrego
minhas têmporas, não conseguindo manter minha mente focada em sua
conversa.
— Disse que as ações das empresas irão cair, como o senhor
solicitou. Serão vendidas a preço de banana na bolsa de valores.
— Ótimo, está tudo correndo como planejado. — Abaixo minha
mão e fico em silêncio, olhando a maldita cabeça de cobra, como se
pudesse ver o sangue dela ali ainda.
— Será um golpe e tanto para o seu pai. — Sorrio com amargura ao
escutar Edmundo.
— Não tanto quanto o golpe final — rosno, baixo, deixando as
palavras amargas saírem da minha boca.
— Mas, sir, acredita mesmo que seja correto levar à falência a
empresa que seu avô lutou tanto para erguer? — Ergo meus olhos para os
seus e vejo a lealdade a Gusto brilhar nos olhos de Edmundo. — Foi uma
das primeiras que ele abriu, não tendo vínculo com o submundo.
— A empresa não irá à falência, Edmundo, apenas trocará de dono
temporariamente. — Levanto e apoio minha mão na bengala, para sustentar
meu peso. — Pelos relatórios que recebi dos detetives durante essa viagem,
meu pai conseguiu gastar até o último vintém da parte da herança que meu
avô lhe deixou. Ele não terá alternativa a não ser vender a fábrica de tabaco.
E garanto que o novo comprador está ansioso para arrematá-la.
Sorrio e caminho lento na direção da estante de livros, observando
os exemplares que estão na prateleira. Talvez, em outra época, eu teria me
recusado a arruinar a fábrica que foi o maior sonho do meu avô. Mas agora
não sinto remorso e nem pena, muito menos solidariedade. Não quando
minha vingança é exatamente acabar com tudo que é valioso para o meu
pai, e nada melhor do que começar pela fábrica, que deveria ter pertencido
ao meu irmão. Gusto iria deixar a fábrica de tabaco para Joseph, mas a
morte do meu irmão foi afortunada para Oliver, nosso pai, que recebeu a
herança no lugar dele. Gusto havia construído um grande império ao longo
da sua vida e desejava que seus netos cuidassem de tudo. Joseph ficaria
com a fábrica, eu cuidaria das outras empresas de tecelagem e dos negócios
ilegais da família. Talvez, para quem não conheça meu pai, pense que meu
avô era um homem ruim por ter tirado seu filho da divisão do testamento,
mas poucos sabem o real motivo.
Oliver sempre foi incapaz de cuidar dos seus bens, é um porco de
merda, que gosta de se afundar na lama, enquanto se esconde por trás dos
seus ternos caros. Patético e amargo, se casou com minha mãe apenas
visando a fortuna dela. Pobre mamãe, morreu amargurada em cima de uma
cama, com a tuberculose já no nível mais agressivo, tendo apenas uma
criada ao seu lado, enquanto meu pai estava em algum puteiro imundo,
desgraçando a vida de alguma criança. Julgo que meu avô descobriu a
doentia atração de Oliver, por isso, apenas a presença do meu pai perto dele
o enojava tanto. Por muito tempo, não entendi por que meu avô e meu pai
se odiavam tanto, e nem porque meu pai nutria raiva de mim com todas
suas forças. Joseph dizia que era porque eu parecia mais com Gusto do que
com o próprio Oliver, tanto fisicamente como em alma, o que eu acredito
que seja verdade, já que Gusto para mim era mais um pai do que avô.
Gostava de estar ao seu lado, de aprender tudo com ele, desde as
empresas, ao poder do nosso sobrenome e até o legado das gerações dos
Pellegrini. Tudo que tinha para aprender, foi Gusto que me ensinou. Gusto
sempre dizia que uma alma dominadora não era aprendida ou um gosto que
se nutria ao longo dos anos. Para ser um dominador, você tem que nascer
com o sadismo entranhado em suas veias, e desde feto, no ventre de minha
mãe, até o escroto do meu pai, cada célula minha é dominadora e sádica. E
meu avô sabia disso, tanto que foi exatamente por isso que a porta de outros
mundos foi aberta por ele para mim.
Sodoma é perigosa, mas envolvente e sedutora, como uma mulher
sexy e encantadora, que mesmo lhe alertando do seu amor perverso, lhe
promete um prazer indescritível. E foi assim que eu descobri o meu mundo,
um lugar que acalmava meus demônios, e eu gostava. Amava e vangloriava
a vida nefasta de luxúria e dominação que Sodoma me dava no passado.
Já Joseph não, ele era diferente de mim, do meu avô, e graças a
Deus do meu pai. Meu irmão era emotivo, governado por suas emoções, um
romântico por natureza, tanto que foi por isso que meu avô queria que ele
ficasse com a fábrica de tabaco. Joseph era o nosso legado bom, que tinha
conseguido não ser infectado. Tudo que se propunha a fazer, era com uma
entrega absoluta, um amor pelo trabalho e suas conquistas, pela família. Ele
não desejava apenas os louros e a glória do sobrenome Pellegrini, como
Oliver, ele suava, entrava na linha de frente se fosse preciso. Joseph era
tudo o que eu, Gusto e Oliver jamais seríamos, um homem do bem, com a
alma boa. Enquanto a de Gusto era orgulhosa, a do meu pai invejosa e a
minha traz apenas ira.
Quando acordei naquele leito de hospital, com ferros e metais
ligados aos meus ossos, recebendo a notícia que Joseph havia falecido, o
último laço de humanidade que ainda me restava morreu junto a ele. Não
foi a fé que me tirou daquela cama, nem o desejo de continuar vivo, mas
sim o ódio, a amargura e a raiva que nutria pelo meu pai. Ele nem sequer
esperou a missa de sétimo dia da morte do meu irmão, para obrigar o velho
Gusto a mudar seu testamento, passando a empresa de tabaco para ele. Mas
o velho preparou uma pegadinha para Oliver no final. Eu ainda estava
ligado a tubos, entre a vida e a morte, quando meu avô faleceu. No
testamento do meu avô, ele deixou a fábrica para o meu pai, mas apenas
isso e mais nada. O resto dos seus bens, propriedades, as fábricas de
tecelagem, o vilarejo de Fleur, que por oito gerações pertence à nossa
família, as contas recheadas de dinheiro na Suíça, Milão, Estados Unidos e
Rússia, e nossos serviços ilegais, ficaram para mim. E se por um acaso eu
viesse a falecer, não resistindo, tudo seria doado para a caridade. Fora a
fábrica e o sobrenome dos Pellegrini, meu pai não tinha direito a mais nada.
E para a desgraça do meu pai, sendo a cereja do bolo, eu sobrevivi,
para poder tomar posse do que era meu. Só que não era mais o mesmo
homem, algo morto e amargo tinha ficado em meu lugar. Gusto queria que
depois da sua partida, eu assumisse seu lugar entre o conselho de Sodoma,
mas não havia mais lugar para mim naquele mundo, não quando eu lutava
diariamente para conseguir ficar de pé, aprendendo a andar novamente,
aprendendo a conviver com as barras de metais dentro da minha perna, que
foram adaptadas aos ossos fraturados e quebrados. Por muitos anos,
amaldiçoei Deus por ter poupado a minha vida e tirado a do meu irmão.
Não entendo por que justo eu tinha que sobreviver, qual propósito, além de
fazer eu pagar os meus pecados em vida, da minha alma obscura, poderia
ter.
Era isso que pensava até conhecer a pequena criatura de sorriso
alegre e olhar gentil, que Ramsés trouxe para mim. Reconheci a bondade
que existe em seu olhar, a mesma bondade que brilhava nos olhos de
Joseph. Era como se eu tivesse voltado ao passado, um passado há muito
tempo esquecido, trancafiado no fundo da minha alma, no qual eu via o laço
de sangue que nos une. E soube, naquele segundo, que se Deus tinha
poupado a minha vida, tinha sido por ela. Para arrastar Oliver Pellegrini
para o inferno, onde ele me aprisionou por toda minha vida, para ser seu
carrasco e o fazer pagar pelo mal que ele tinha feito à jovem Mina. E eu irei
fazer isso. Com todo o prazer do mundo, eu o farei pagar, destruindo cada
coisa que ele ama, até o ver na merda, se arrastando como um verme no
chão, antes de eu fazer a última jogada.
Só que toda teoria do caos se modifica ao mais simples bater de asas
de uma borboleta, e algo mudou quando meus olhos encontraram a única
criatura que a minha alma escura jamais poderia ambicionar.
A inocente e jovem Eva.
— Conseguiu descansar bem, sir? — Edmundo me pergunta, baixo.
Apenas balanço minha cabeça em positivo, mantendo meus olhos
nos livros, buscando por um em especial, ainda sem entender o porquê
estou a perder meu tempo o procurando.
— Deseja que os homens nos passe informações diariamente, sir...
— Sim, sim — o respondo, encontrando o livro e o tirando da
prateleira. — Acha que a história de Tristão e Isolda é melhor que Romeu e
Julieta? — pergunto para ele, observando o livro em meus dedos.
— Desculpe, como? — Sua voz soa confusa, sem entender minha
pergunta.
Viro e balanço o livro, lhe mostrando a obra literária baseada em
uma lenda celta.
— Desconfio que cada obra aborda uma forma diferente do amor,
sir — Edmundo responde de forma cautelosa, como se estivesse pensativo
com a minha pergunta.
E é exatamente isso que admiro nele, essa expressão pensativa, de
um homem culto que aprecia literatura clássica, mas que consegue ser cruel
e fazer uma obra-prima com uma navalha em sua mão, quando está
destripando um corpo.
— Um amor mórbido, julgo. — Repuxo meu nariz e abaixo o livro,
andando lento até minha mesa. — Afinal, nos dois casos amorosos, o casal
tem seu desfecho de forma trágica e melosa. Um toma o veneno, não
aguentando a morte do outro, e no segundo caso, Isolda morre de tristeza ao
perder seu cavalheiro. — Solto o livro sobre a mesa, dando a volta nela e
me sentando em minha cadeira. — Penso ser patético essa ilusão do amor
verdadeiro dessa juventude. E quem diabos é Gomes e Mortícia, afinal?!
Isso é literatura americana?
— Não, sir, é um programa de TV antigo — ele fala para mim, me
olhando com interesse. — E se o sir me permite uma observação em
relação a Tristão e Isolda... — Edmundo dá um passo à frente e pega o livro
em seus dedos, olhando para mim e esperando minha permissão.
— Prossiga. — Ergo meu dedo e o movo lentamente no ar, para que
ele fale logo.
— Creio que vá além disso. Não da ilusão, mas sim do desejo de ser
amado e amar alguém. — Ele abaixa seus olhos e encara a capa do livro. —
De sentir que verdadeiramente encontramos alguém para compartilhar
nossas vidas.
— Não sabia que por trás desse terno, existia um coração tão
romântico, Edmundo. — Estreito meu olhar e o estudo, notando suas
bochechas ficando coradas.
— Nenhum coração se julga romântico, até encontrar sua Isolda —
ele me responde de forma polida, devolvendo o livro para cima da mesa.
— Encontrou sua Isolda, Edmundo?
Antes que ele possa me responder, o som de batidas na porta nos
interrompe. Edmundo toma à frente e caminha até a porta, abrindo-a,
deixando Marrie passar com a bandeja de chá.
— Oh, está aqui! — Ela sorri para ele e deixa suas covinhas à
mostra, lhe dando um olhar doce. Marrie caminha até minha mesa e deixa a
bandeja ao centro, me estendendo a xícara de chá. — Fico feliz, sir, que
conseguiu encontrar Edmundo, eu ia atrás dele logo que servisse o chá.
— Me encontrar? — Edmundo me olha sem entender.
Pigarreio, disfarçando uma tosse, enquanto lhe dou um olhar para
ficar em silêncio.
— Sim. Na hora que fui atrás de você no jardim... — Ergo a xícara
aos meus lábios, olhando-o pela borda da cerâmica. — Passei na cozinha
para ver se estava lá, antes de ir ao jardim.
— Oh, sim! — Ele confirma com um balançar de cabeça minha
mentira.
Não estava atrás dele, a verdade é que queria vê-la. O resto da
madrugada tinha sido longo, enquanto comtemplava minha desgraça,
sentado no chão, olhando o frasco de remédio sujo de sangue. Me odiei por
ter a machucado, a detestei por ter entrado naquele quarto e me visto como
um aleijado odioso, mas, ao fim, foi a porra do remorso, com um misto de
raiva, que me fez ir atrás dela, para me desculpar por ter lhe acertado com a
bengala. Mas me senti como um tolo ansioso parado na porta da cozinha,
olhando-a sentada, cabisbaixa, na cadeira, se negando a me olhar. Em toda
minha vida, nunca me desculpei com ninguém, muito menos fui atrás de
alguma mulher, e me vê ali, naquela posição, a qual a pequena Eva me
impulsionava a fazer, isso me deixava com raiva.
— Está bom o chá de camomila? — ela me pergunta de forma
provocadora.
— Esplêndido. — Tomo um pequeno gole e sinto meu paladar
amaldiçoar o sabor adocicado. — Merci, Marrie — falo, tentando soar
educado, abominando tomar o chá de camomila. Deveria ter recusado.
Devolvo a xícara para a bandeja e a empurro lentamente, para que ela a
leve.
— Mandei Fila à vila, para buscar algumas coisas para o almoço. —
Ela segura a bandeja e me olha com insistência.
— Oui! — A encaro, sem entender por qual motivo estou sendo
informado sobre os afazeres das empregadas da casa. — Está precisando de
dinheiro para pagar as compras, é isso...
— Oh, não, não! — Marrie sorri e nega com a cabeça. — Apenas
queria que sir soubesse. Bom, tenho que voltar à cozinha agora.
Edmundo se apressa e anda rápido à frente de Marrie, segurando a
porta da biblioteca e a mantendo aberta para ela. Sustento meu olhar no
livro sobre a mesa, revirando meus olhos, esmagando meus dedos na
bengala.
— Marrie — a chamo antes que mude de ideia, soltando uma bufada
de ar pelas narinas. — Peça para mademoiselle vir até a biblioteca.
Estico meu braço e puxo o livro, o guardando na gaveta da
escrivaninha.
— Aiii, eu esqueci de comentar! — Meus olhos se erguem para ela e
empurro a gaveta, a fechando, quando ela fala com um tom fingido de
esquecimento.
— O quê?
— Eva foi para a vila com Fila. — Sinto a veia na lateral da minha
garganta ficar agitada, com a corrente sanguínea aumentando, encarando
Marrie me contar isso.
— Mademoiselle foi para a vila sem minha permissão? — rosno,
baixo, e esmago mais forte a cabeça da cobra.
— Oui! Tomei a liberdade de autorizar, achei que seria bom para
ela. A pobre estava com o olhar triste, tão abatida, como se tivesse passado
a noite em claro. — Marrie se vira e faz uma cara triste para Edmundo. —
Presumo que seja por conta da dor.
— Dor? — Arqueio minha sobrancelha, indagando para ela.
— Sim, muita dor! — ela fala de forma firme, dando ênfase mais
forte à palavra dor. — Veja se pode, se feriu com a pazinha da lareira, sir.
— Marrie vira sua face para mim e comprime seu olhar. — Passou a
madrugada com a mão ferida e apareceu hoje cedo na cozinha, com um
pedaço de uma fronha enrolado sobre sua mão, tentando esconder de mim.
Chegou a chorar quando tive que desinfetar o ferimento com álcool, de tão
feio que estava.
— Mademoiselle chorou? — murmuro e recaio meu olhar para a
bengala, não imaginando que a tinha ferido tão seriamente.
— De soluçar, foi de cortar o coração. — Marrie faz eu repuxar meu
nariz e cerrar meus lábios ao ouvir isso. Não queria causar dor a ela, e
muito menos lágrimas. — Penso que fiz bem em mandá-la passear com
Fila, não fiz, sir Hector?
— Oui! — A palavra sai ríspida pela minha boca e mantenho meus
olhos presos na cabeça de cobra.
— Deseja que a busque, sir? — Edmundo me pergunta seriamente,
depois que Marrie parte da biblioteca.
— Non, deixe-a sair um pouco — respondo a contragosto, não
sabendo se ainda gosto da ideia dela andando pela vila. — Mademoiselle
está em minha casa como uma convidada, não como prisioneira.
Solto o peso do meu corpo de forma rabugenta na cadeira e olho
desgostoso para os papéis em cima da mesa.
— Sir deseja mais alguma coisa?
Nego com a cabeça a pergunta de Edmundo, enquanto a visão dela
caminhando feito uma borboleta, radiante naquele vestido amarelo de
alcinha, o qual ela está usando hoje, até seus joelhos, faz meu humor ficar
ainda pior.
— Preciso ir até a vila resolver umas coisas. — Ergo meu rosto para
Edmundo na mesma hora que ele fala.
— Vai para lá agora?
— Acho que o carro está com um barulho estranho, seria bom o
mecânico dar uma olhada...
— É, seria. Faça isso, vá até a vila. — Concordo rapidamente com a
cabeça.
— Sir Hector não gostaria de ir junto? — Repuxo meu nariz, não
simpatizando com esse convite. Sinto-me entediado andando pela vila.
Nego rapidamente com a cabeça. — Está tendo uma feira na praça da vila,
passei por lá ontem à noite e a vila está repleta de marujos, que têm seus
navios ancorados na baía das falésias, próximo aos rochedos, enchendo os
olhos das mulheres com seus uniformes brancos e medalhas pomposas. Mas
não se preocupe, eu irei sozinho, já que sir não deseja ir.
Estreito meu olhar e encaro Edmundo, sentindo a veia pulsar
duplamente mais forte, ao compreender o que ele quer dizer. O vejo virar e
caminhar em direção à porta da biblioteca, me largando para trás.
— Espere! — Me levanto e bato a ponta da bengala com força no
chão, o vendo se virar e me olhar com interesse. — Pensando bem, acho
que um passeio até a vila seria bom.
CAPÍTULO 10
Maçã do pecado
Eva Fishie
— Por que tenho a sensação de que algumas pessoas estão olhando
diretamente para mim? — Sorrio, nervosa, e empurro meu cabelo para trás
da orelha, desviando meus olhos de alguns comerciantes das barracas da
feira, que estão me encarando com interesse.
— É porque eles realmente estão olhando interessados em você. —
Fila ri e bate lentamente seu ombro no meu. — A chegada de uma visitante
no casarão Black rendeu muito o que falar para os moradores por esses dias
na vila...
— Não tenho nada de interessante que possa despertar a curiosidade
dessas pessoas, e não sou bem uma visita. — Olho de esguelha para a
senhora em uma barraca de flores, que cochicha com a outra mulher parada
ao lado dela, enquanto as duas me encaram.
Não sou realmente uma visita, e para ser franca, nem sei o que eu
sou dentro daquela casa. Penso em silêncio e desvio meus olhos dela.
— Claro que é interessante, para a gente você é — Fila fala e ri,
balançando sua cabeça para os lados. — Nunca ninguém tinha vindo de fora
para ficar naquela casa. Sir Pellegrini não é conhecido por aqui, por ser um
anfitrião hospitaleiro. — Ela acelera o passo e ergue sua mão, acenando
para o rapaz do outro lado da rua. — Se incomoda se eu for ali rapidinho,
dar um oi para meu amigo?
Apenas sorrio e nego com a cabeça, notando como os olhos de Fila
ficam brilhosos por conta do jovem menino. Ela sorri de orelha a orelha e se
vira, caminhando na direção dele. Solto um suspiro baixo e balanço meu
corpo lentamente para frente e para trás, olhando em volta. É tudo cheio de
tanta cor e pessoas. Umas caminham, outras estão paradas, olhando as
barracas. Tem variados odores de hortaliças, barracas de comida e peixe. E
eu me sinto curiosa em relação a tudo, nunca tinha visto nada além das
paredes do colégio interno e os jardins da propriedade de dame Emanuelle.
Me sinto como Dorothy, que foi carregada por um ciclone até a terra de Oz,
encontrando um lugar repleto de cores vibrantes e pessoas diferentes.
Observo tudo com atenção, desde as crianças correndo atrás de
cachorros, até a mulher da banca de peixe, que grita e tenta atrair a
freguesia, aos cantores de rua tocando o violão. Estudo os gestos deles e
caminho lenta, olhando para as pessoas, com gestos rápidos e as mãos
gesticulando enquanto falam, sorrisos amistosos e falas altas. Me sinto
perdida, como se aqui, entre eles, não fosse meu lugar. Havia imaginado
tantas vezes como seria desbravar o mundo além dos muros do colégio
interno, vivendo minhas próprias aventuras além dos livros, que agora que
estou aqui, não me vejo como um deles. Minha testa franze, enquanto tento
entender o que tem de errado comigo. Me sentia confortável na casa de
dame Emanuelle, junto com as meninas; até no casarão do senhor
Pellegrini, depois que comecei a desbravar a grande residência, eu me
sentia confortável. Mas fora daquelas paredes, me sinto como um peixe que
viveu a vida toda dentro de um aquário e agora fica perdido ao entrar no
mar aberto.
— Veja, veja, são perfeitas para você! — Um velho sorridente na
banca de bijuteria balança as pulseiras pratas à minha frente, quando passo
perto de sua barraca. — Delicadas e feitas especialmente para serem usadas
por uma jovem bela.
Rio com a forma como ele fala, mexendo suas sobrancelhas grossas
e me fazendo girar, para acompanhar seus passos, já que ele fica andando
em volta de mim.
— Experimente, veja como ficam belas em seu pulso! — Ele me
deixa nervosa quando tenta segurar meu braço, para me fazer experimentar
as pulseiras. — Não acha que elas são lindas?! Prata... prata pura.
— São belas, mas eu não desejo experimentar...
— Oh, prefere brincos! — Ele me deixa confusa com seu jeito
agitado, voltando a caminhar e me circular. — Colares, ou melhor, anéis...
— Bom, eu...
— Já sei! — Seu dedo estala à minha frente, com sua voz saindo
alta. — Algo mais perfeito e único para uma jovem bela.
Sua outra mão se ergue, não tendo mais as pulseiras em sua mão,
mas sim um prendedor dourado para cabelos, no formato de uma delicada
rosa, com pedras brilhantes nele, deixando o adereço de cabelos mais lindo
ainda. Sorrio ao olhar o prendedor, ainda não entendendo como ele o fez
aparecer em sua mão, como se fosse um mágico.
— Gosta? — Seu tom de voz fica baixo e ele suaviza seu sorriso. —
Apenas cinco euros e pode levar essa joia com você.
— Ele é lindo — cochicho, encantada com o prendedor tão bonito,
esticando meu dedo e tocando as pedrinhas brilhantes dele. — Mas eu não
tenho como pagar. — Nego com a cabeça e suspiro baixinho.
— Embrulhe para ela, Abenard. — A voz masculina falando ao meu
lado me faz girar minha face e encontrar os olhos azuis de sir Hector presos
em mim.
Seus olhos mudam de direção e param em minha mão erguida,
observando o curativo. Puxo meu braço rapidinho e o escondo atrás das
minhas costas, inalando o ar depressa, girando minha face para frente.
— Oh, milorde Pellegrini, que honra o ter em minha humilde
barraca! — O velho animado fala alegremente, cumprimentando o homem
taciturno. — Me dê apenas um segundo que vou embrulhar...
— Não precisa! — falo depressa e nego com a cabeça. — É muito
educado da sua parte, monsieur, mas preciso recusar...
Calo-me e mordo o canto da minha boca, quando ele me silencia
apenas com um gesto de sobrancelha, que arqueia para cima.
— Não será necessário embrulhar, Abenard. — Sir Hector estica seu
braço e deixa sua mão suspensa no ar, na direção do velho. — Vire-se,
mademoiselle...
Quero entender porque não consigo apenas manter minha recusa em
aceitar seu presente, mas, ao invés de fazer minha voz ser ouvida, apenas
giro lentamente e tiro minha mão das minhas costas, a trazendo para frente
do meu corpo e abaixando meus olhos para meus sapatos.
— Não acha que está muito distante da sua acompanhante? — A
voz pergunta séria, enquanto sinto o toque dos seus dedos nas mechas da
frente do meu cabelo. O ar quente é soprado no topo da minha cabeça e ele
arrasta os cachos, os prendendo atrás. — Não devia estar sozinha andando
pela feira.
Viro quando ele dá um passo para trás, deixando meus olhos presos
em sua gravata, esmagando meus dedos na frente do corpo. Olho para os
lados rapidinho, fazendo uma varredura, compreendendo que meus passos
se empolgaram ao ponto de nem notar. Fiquei tão curiosa com tudo que
meus olhos enxergavam pela primeira vez, que não me dei conta que me
distanciava de Fila, ao ponto de não conseguir encontrá-la.
— Por que Fila não está com você? — O homem de face fechada
pergunta baixo, apoiando os dedos na bengala parada à frente do seu corpo.
— Eu acho que me perdi dela. — Volto meu rosto para ele e mordo
minha boca com mais angústia, ao ver seu cenho franzido. — Fila não tem
culpa, eu que acabei me distanciando, ficando atraída pela feira...
Encolho meus ombros e abaixo meu olhar para o chão, rezando para
que ele não ache que a pobre Fila tem culpa pela minha curiosidade em ver
mais da feira.
— Nunca fui em uma feira, a verdade é que nunca nem andei em
uma rua. — Dou um sorriso fraco, falando apressada. — Apenas fiquei
curiosa, não a culpe pela minha ignorância, monsieur.
Mantenho meu olhar cabisbaixo, não desejando lhe mostrar como
me sinto uma tola por não ter controlado os meus passos e me mantido ao
lado de Fila. Não fiz por mal, para ser franca, eu nem sequer notei que tinha
feito isso, até ele perguntar sobre Fila.
— Sinto muito, monsieur. — Meus olhos ficam focados em sua mão
presa à bengala, batendo lentamente seu polegar sobre a cabeça da cobra.
— Edmundo, encontre Fila e a leve de volta para casa. — A sombra
do homem que sai de trás dele se faz ao nosso lado quando sir Hector fala,
soltando uma respiração pesada. — Mademoiselle e eu ficaremos mais um
pouco.
Meu rosto se ergue assim que ele fala, o que me faz o encarar com
surpresa. Edmundo consente com a cabeça e vira rapidamente, se afastando
de nós. Pisco, confusa, olhando Edmundo andar rapidinho, se misturando
na multidão.
— Então, mademoiselle, pretende continuar seu passeio ou prefere
criar raízes aí? — Giro meu rosto para sir Hector quando sua voz carregada
de ironia resmunga, o vendo a três passos de mim, caminhando de costas.
Ando apressadinha, para poder o acompanhar, sorrindo de ladinho
por ele ter me deixado ficar mais um pouco. Dou uma olhada de canto de
olho para o homem mal-encarado, andando de forma dominadora ao meu
lado. Minha cabeça automaticamente se abaixa, quando ele vira a face
rapidamente, como se soubesse que eu o estava olhando.
— Merci — digo, baixinho, sentindo os pelos da minha nuca se
arrepiarem, sabendo que ele ainda está com seus olhos azuis cravados em
mim.
Sir Hector é um homem que eu não compreendo. Não que eu tivesse
ficado perto de muitos homens para os compreender, mas eu não o entendia.
Sei que minha presença o desagrada, e que ele deve estar zangado comigo
por ter invadido seus aposentos, mas ainda assim optou por me deixar ver
um pouco mais da feira do que me levar de volta para a casa dele.
— Por que nunca tinha saído nas ruas?
— Cresci em um colégio interno de freiras, não tinha permissão
para sair do quarto onde ficava. — Sorrio e vejo as crianças brincando perto
de uma fonte. — Tudo parece tão alegre aqui fora, não acha?
Sorrio mais animada, ficando arrebatada pela forma livre como as
crianças brincam. Giro meu rosto, o olhando, disfarçando meu sorriso,
notando que nem tudo traz alegria. Sua expressão é amarga, com os olhos
cínicos me encarando, como se discordasse das minhas palavras.
— As freiras não permitiam as jovens saírem?
— Bom, na verdade, era só eu — falo e volto a me distrair com as
barracas quando paro diante de uma delas. — Eu não tinha permissão.
Estico meus dedos e toco nos lenços pendurados, sentindo a maciez
do tecido.
— Por que não tinha permissão? — Meu rosto se vira para sir
Hector, que está parado ao meu lado, olhando para a faixa em minha mão.
— Minha madrinha não permitia. — Abaixo minha mão e levo a
outra para cima dela, como se assim pudesse tapar aquela faixa, retornando
a andar devagarinho, com ele ao meu lado. — Ela me dizia que eu ficaria
mais segura lá dentro.
Sua cabeça se move em positivo e ele anda devagar, puxando o ar
com força por suas narinas.
— E era?
— O quê? — Pisco, confusa, quando ele me pergunta e gira seu
rosto de uma única vez para mim.
— Segura? — Seus olhos estão frios novamente, como se estivesse
vasculhando minha alma. — Estava segura lá dentro?
— Oh... — Sorrio e abaixo meu rosto, balançando a cabeça em
positivo. — Sim, estava... — falo, nervosa, não querendo conversar sobre
isso com ele.
— Quais eram os tipos de atividades que fazia nesse colégio,
mademoiselle?
Meu corpo fica rígido e sinto uma sensação esmagadora me pegar
por dentro, ficando imóvel assim que sua bengala se ergue e toca em minha
perna, nos fazendo parar de andar. Eu não converso sobre o que acontecia lá
dentro, evitava pensar, como se assim toda aquela dor pudesse ficar
trancafiada em algum canto, escondida das minhas memórias.
— Eva, olhe para mim. — Sua mão se move rápido e retira a
bengala da minha perna. Toca a ponta do meu queixo com ela, me fazendo
erguer a cabeça. — Quando estiver conversando com você, mantenha seus
olhos nos meus.
Fico congelada, parada, sem me mover, apenas olhando e sentindo
meu coração batendo depressa. Madrinha nunca perguntou para mim o que
acontecia no colégio, apenas uma vez, quando eu tinha oito anos, eu tentei
contar para ela, mas ela me disse que era para o meu bem, que eu precisava
aprender, se quisesse ir morar com ela.
— O que aprendia, Eva? — Seu tom de voz se abaixa e dá mais um
passo à frente, mantendo meus olhos presos aos seus de uma forma
hipnótica.
— Milorde Pellegrini. — A voz suave de uma mulher de idade
falando alegre com ele, me faz conseguir quebrar o contato de visão, me
desvinculando desse poder estranho que ele exerce em mim. — Me permita
lhe presentear...
Sorrio sem graça e dou um passo para trás, ficando de frente para
mulher, a vendo segurar um quadrado grande de isopor, com maçãs
carameladas espetadas no palito. Ela pega uma em suas mãos e estende para
ele. Eu não olho, muito menos me movo, penso que até a respiração fica
presa, ainda sentindo seus olhos em mim, em vez de dar atenção para a
senhora.
— Merci! Pode entregar a mademoiselle! — Sua voz soa séria e vira
para ficar de frente para ela finalmente.
A senhora sorri de orelha a orelha, como se o fato dele ter aceitado
seu agrado fosse o melhor acontecimento que tivesse acontecido com ela
hoje.
— Merci. — Sorri com carinho para ela quando estica a maçã
caramelada para mim.
Ela move sua cabeça para frente rapidinho, antes de sair e retornar
para as vendas.
— Por que eles o chamam de milorde? — Pisco, confusa, ficando
intrigada com isso. — Parece ser ainda mais pomposo que sir... — Mordo a
maçã e rio, olhando para ele.
— Minha família vem desde o império francês, é uma linhagem
antiga da monarquia — ele responde de forma seca, me olhando de uma
forma irônica, como se eu tivesse obrigação de saber quem é a família dele.
— A dinastia dos Pellegrini. Sou a oitava geração dos Pellegrini a continuar
comandando as falésias.
Pisco, ainda perdida, ganhando em vez de uma resposta prática, uma
aula de história sobre os burgueses Pellegrinis. O que explica o porquê
desse ar aristocrata e nariz empinado, olhando de forma superior para todos
à sua volta. Seguro a maçã e sorrio, segurando a lateral do meu vestido e
cruzando minhas pernas, fazendo uma pequena reverência.
— Milorde! — digo, brincando, achando graça de toda essa
formalidade.
— Está debochando de mim, mademoiselle?! — Minha cabeça se
ergue, com meu corpo se endireitando quando sua voz sai zangada.
— O que eu... — Nego rapidinho com a cabeça, sentindo minhas
bochechas queimarem de vergonha. Apenas achei engraçado, mas não
estava debochando dele. — Bom, e-eu... — Me calo, sem saber o que dizer,
ficando ainda mais nervosa com essa face taciturna dele, que o faz estreitar
seu olhar. Mordo a maçã para disfarçar minha vergonha e estico logo em
seguida o braço na direção do rosto dele. — Quer um pedacinho?
Vejo o olhar azul se comprimir, com ele me encarando por cima da
maçã caramelada, desviando sua atenção para a faixa em minha mão.
— Como está sua mão? — Sua voz sai em um tom diferente, o qual
eu nunca tinha ouvido sair da boca dele, com seus lábios finos se
comprimindo.
— Foi apenas um arranhão. — Giro meu rosto para o lado e observo
as barracas de flores, vendo tantas cores bonitas, retornando a caminhar. —
Eu sinto muito por ter invadido seu quarto, monsieur — suspiro com pesar,
me desculpando por ter invadido sua privacidade.
— Não tive a intenção de lhe ferir, mademoiselle. — Minha boca,
que estava se abrindo para morder a maçã, fica entreaberta, enquanto olho
para ele, caminhando do meu lado, tendo seu pomo de adão mexendo. — E
muito menos que sentisse medo de mim. — A face dele, de pele clara, tão
branca como uma estátua de marfim, gira para mim, tendo um olhar
diferente preso ao meu, mas logo se apaga, com ele retornando à frieza
costumeira. — Peço par... pardon! — Sua boca se comprime, com as
palavras quase lhe sufocando quando saem da sua boca.
— Cristo, isso foi tão doloroso de ver como de ouvir! — Rio e
mordo a maçã, não conseguindo segurar o riso ao ver a expressão rabugenta
dele. — Julgo que milorde não se desculpa com tanta frequência, certo?
Ergo os dedos para minha boca e limpo o cantinho dela, que está
lambuzado com caramelo. Observo seus lábios se esmagarem e ele girar sua
face para mim.
— Na próxima vez que... — Ele se cala e fica em silêncio, me
vendo sugar meus dedos, chupando a calda da maçã.
— Sir, quer um pedacinho? — murmuro e sorrio, esticando a maçã
mordida para ele novamente, escorregando minha língua pelos lábios, ainda
sentindo eles colando com tanto caramelo. — Está bem doce...
— Non. — Ele pigarreia e vira seu rosto para o outro lado, voltando
a andar.
Fico parada, o olhando sair caminhando a passos duros, me largando
para trás, contendo aquele olhar, de quem está diante de algo que ele não
gosta. Suspiro e balanço a cabeça para os lados, mordendo minha maçã, não
entendendo por que ele faz isso. O som de um trovão alto explode no céu, o
que me faz encolher meus ombros e repuxar meu nariz.
Ergo minha cabeça e olho as nuvens cinzas se aproximando.
Rapidamente, meus pés começam a se moverem, e ando às pressas atrás de
sir Pellegrini. Já estamos descendo a rua, nos distanciando da feira, quando
as primeiras gotas de chuva começam a cair, nos atingindo. Ele nos conduz
entre as ruas, enquanto eu rio, vendo as crianças passando, correndo,
gritando de alegria, ao mesmo tempo em que a chuva vai ficando mais
forte. Meu rosto vira por cima do ombro e as olho pulando nas poças, à
medida que brincam, subindo a rua. Ergo a maçã para a morder novamente,
mas no segundo que vou fazer isso, sinto o solavanco de algo me puxando,
me pegando de surpresa quando sua mão se fecha em meu pulso, me
levando para a entrada de uma porta aberta.
— Oh, meu Deus! — Rio e passo a mão no meu rosto, retirando as
gotas de chuva e empurrando as mechas de cabelo que se soltaram e
ficaram coladas em minha testa. — Por um momento, jurei que tinha
tropeçado e ia cair.
Pisco meus cílios e ergo a maçã, a mordendo, mastigando o pedaço
que derrete o caramelo em minha boca. Minha mão se eleva e limpo meus
lábios. Quando levanto minha cabeça, noto a forma como seus olhos azuis
estão colados em mim novamente, com ele parado à minha frente, tão perto
que posso sentir o raspar dos tórax um no outro, causando um arrepio em
minha pele.
— Sir, mudou de ideia... — Engulo o pedaço que eu estava
comendo, sentindo minha pele se arrepiar, mas não pelas gotas geladas da
chuva, mas sim por me sentir sendo afogada em seu olhar, que é dividido
entre minha face e a maçã erguida entre nós dois. — Deseja experimentar
um pedaço...
É como uma energia magnética, como se estivesse sendo puxada
para ele. Aquela sensação de despertar retorna, parecendo que dentro de
mim um ímã me atrai para seus olhos azuis. Mordo minha boca lentamente
e escorrego a ponta da minha língua pelo cantinho, olhando seus lábios e
tendo meu corpo ficando mais desperto por causa das lembranças da última
vez que ele ficou assim, tão perto de mim. Eu não sei o que me leva a
impulsionar meu corpo para frente, ficando nas pontinhas dos pés e tocando
seus lábios com os meus. Fico em choque por ter feito isso e me afasto dele
na mesma rapidez com a qual me aproximei. Meu coração bate forte e sinto
minha mente confusa, não entendendo porque agi assim, o que me levou a
ter essa iniciativa.
— E-eu... — Meu peito sobe e desce mais depressa. Esmago o
palito da maçã em meus dedos, olhando assustada para ele, não sabendo
como explicar o que aconteceu, já que nem eu entendo.
Não compreendo o que me levou a tocar seus lábios com os meus,
nem porque meu corpo agiu por impulso. É como se algo dentro de mim
tivesse feito aquilo, algo que eu não sei o que é e nem como controlar. E se
eu achei que estava confusa quando meu corpo se moveu rápido para perto
dele, simplesmente fiquei mais perdida ainda quando seu corpo se chocou
com o meu, esmagando minhas costas contra o umbral da porta, prendendo
sua mão em minha nuca, com seus dedos segurando meus cabelos, não
tendo a mesma timidez que eu tive quando o beijei. Meus dedos, que
estavam congelados em um primeiro momento, retraídos com o ataque ágil
de sir Hector, se amolecem quando eu espalmo minha mão em seu peito e
sinto seu coração bater tão disparado como o meu.
Sua língua é cruel, assim como o esmagar da sua boca contra a
minha, que se infiltra sem modéstia ou acanhamento, não tendo um traço do
primeiro beijo calmo que ele me deu no jardim de dame Emanuelle. É um
beijo agressivo, como uma punição, mas uma punição que não me causa
dor, pelo contrário, me faz desejar ser mais castigada. A maçã vai ao chão,
junto com a bengala, quando sua mão a solta para se prender em minhas
costas, esmagando meus seios contra seu tórax. A pele, que tinha ficado
arrepiada apenas com um olhar, agora está queimando, como se tivesse
gasolina correndo em minhas veias.
Meus braços circulam seu pescoço. Preciso me apoiar nele para
conseguir amenizar esse efeito de queda que me acerta, por conta do seu
beijo. Um rosnado escapa da sua boca e me beija mais forte quando gemo
baixinho, me rendendo a ele. Meus passos são atrapalhados quando ele nos
move para trás, nos tirando da porta, tendo o baque seco das minhas costas
em uma parede.
— Ohhh... — Meus olhos se comprimem mais fortes e gemo com
dor, sentindo a ardência no couro da minha cabeça, com a densidade que
seus dedos estão se esmagando em meus cabelos.
Mas a dor não me faz o querer parar, pelo contrário, ela me faz
desejar mais. E meu corpo o responde, não mostrando resistência quando
sua mão em minhas costas desliza como uma serpente por minha bunda,
arrastando o vestido para cima, afligindo uma dor à carne, ao ter seus dedos
a esmagando com brutalidade.
— Sir... — gemo, baixo, e minha cabeça tomba para trás quando ele
força esse movimento com um puxar de cabelos.
Inalo o ar depressa, como se ele tivesse tirado meu fôlego, quando
sua boca liberta meus lábios. Um prazer, carregado de pecado e luxúria, se
acende dentro de mim, ficando sem controle, forte, me consumindo quando
sua língua desliza pelo meu queixo e ele acerta minha pele com sua
respiração quente. Minha pele está em brasa, me fazendo não saber se quero
chorar ou rir, se quero gritar ou morder minha boca para abafar essa agonia
que está aumentando. Respiro mais depressa e seguro em seus ombros,
tendo uma alma pecadora tomando conta do meu ser. Uma parte minha, que
eu não conhecia, mas que parecia ter esperado anos para poder se libertar,
sai. Ele a libertou, tirou as correntes que a prendiam em meu ser, a incitando
a se abrasar com mais profanação. Não me conheço, não sei quem é essa
parte minha que está me governando, apenas que ela é forte demais para eu
trancafiá-la novamente, porque ela não deseja mais ficar abafada.
— É uma terrível perdição, pequena pécheur[27]. — Sua voz rouca
ruge, zangada, e ele morde meu pescoço, me fazendo tremer, gemer mais
forte quando ele força meu quadril a se chocar com o seu.
Não tenho tempo nem de raciocinar que estou sendo esmagada
contra uma parede e que seu pênis acabou de raspar a frente da minha
vagina, por cima da calcinha, porque logo minha mente é desligada por sua
boca, que se cola à minha novamente, arrancando toda consciência ou razão
que podia ter sobrado para o fazer parar.
Gemo com angústia e sinto vontade de chorar, de implorar para que
ele faça essa agonia que está afligindo meu corpo parar. Minhas coxas se
fecham e esmago minhas pernas uma na outra, como se assim pudesse
aliviar o pulsar que tem entre minhas pernas. O beijo com mais desespero,
não compreendendo o que meu corpo está precisando. Meu peito raspa em
sua camisa, que está úmida, e sinto os bicos sensíveis ficarem mais eretos e
uma vibração diferente me atingir. Repito outra vez o movimento e seguro
com mais força seus ombros, cravando minhas unhas no terno, ganhando
outro pico de dor quando sua mão esmaga minha coxa, escorregando para a
minha bunda.
— Sir... — Retiro meus lábios dos seus, gemendo baixo, fechando
meus olhos e escondendo meu rosto em seu ombro.
Mordo com agonia sua pele por cima do tecido e me sinto doente,
com uma febre que aumenta a cada segundo, causando dor e angústia em
meu corpo inteiro. O movimento abrupto me assusta quando seu corpo se
empurra para trás, se afastando de mim, tendo uma expressão horrorizada
em sua face. Fico confusa e não entendo o que eu fiz para o fazer me olhar
dessa forma. Ele gira e respira rápido, passando seus dedos em seus
cabelos, enrijecendo sua postura.
— Merde! — Meu corpo se encolhe e fico ainda mais assustada
quando um xingamento, junto com um rosnado, sai alto da sua boca, com
ele chutando uma lata de lixo com raiva.
Abraço meu corpo depois de arrumar meu vestido torto, não
sabendo o que lhe dizer, nem o que eu fiz de errado para ele ter ficado tão
nervoso. Permaneço parada no momento em que ele inclina seu tórax para
frente e estica o braço para pegar sua bengala, com dificuldade, porque não
consegue dobrar sua perna. Eu não atrevo a querer lhe ajudar, não quando
ele está furioso, com seus olhos azuis parecendo duas pedras frias. Abaixo
minha cabeça e olho para o chão no instante em que ele se endireita e fica
de frente para a porta. O som do carro do lado de fora, estacionando, se faz,
e logo em seguida uma porta é aberta.
— Sir! — O som baixo da voz Edmundo é cordial. — Presumi que
teria vindo para cá, por causa da chuva.
— Leve mademoiselle para casa. — Minha cabeça se ergue ao ouvir
sua ordem. Olho para ele e o vejo com sua face endurecida como mármore,
encarando a rua. — Irei depois.
Os olhos de Edmundo param em mim, encolhida perto da parede,
antes de desviar para o chão, apenas consentindo com um leve balançar de
cabeça.
— Mademoiselle. — Edmundo dá um passo para o lado, se
afastando da entrada da porta aberta, esticando seu braço para o carro.
Sinto-me triste, com vontade de chorar, como se tivesse feito algo
muito ruim para o deixar bravo, mas eu não sei o que foi. Abaixo meu rosto
e abraço mais forte meu corpo, me desencostando da parede e andando
apressada para a porta, não querendo mais ver a raiva em seu olhar. A
chuva ainda está caindo, só que mais fraca, como uma garoa, o que ajuda a
camuflar as lágrimas que escorrem por minhas bochechas.
Edmundo abre a porta do carro para mim, ainda mantendo seus
olhos abaixados. Sento no banco de trás do carro e fico encolhida no
assento, esmagando meus dedos na lateral do meu corpo e fungando
baixinho. Meus cabelos, que se desprenderam do prendedor de cabelo,
caem soltos por meus ombros, fazendo uma cortina na frente do meu rosto,
quando eu abaixo minha cabeça. Mantenho meu olhar caído, sentindo as
gotas de lágrimas que rolam por minhas bochechas e desabam em meu colo,
quando o carro é ligado, com Edmundo me levando de volta para casa.
CAPÍTULO 11
A maldição da primeira pecadora
Eva Fishie
Tento me levantar, para impedir que ela se aproxime de Ana, mas
sou imobilizada pela madre, que me puxa pelos cabelos.
— ANAAAA... — grito e estico minha mão para ela, a vendo me
olhar com tristeza.
— Me perdoa, mas eu não aguento mais — murmura para mim,
negando com a cabeça, enquanto chora. — Eu prefiro morrer a continuar
aqui...
Ana abre seus braços lentamente, me dando um último sorriso antes
de impulsionar seu corpo para trás e se atirar da janela.
— NÃOOOOOO!
O suor escorre por minha face, com meu peito acelerado, enquanto
me tremo por inteira. Abro meus olhos quando sento e enxergo meu braço
esticado, com minha mão aberta, como se pudesse segurar os dedos de Ana,
mas novamente é apenas o vazio do quarto que tenho à minha frente. Sinto
aquela agonia, aquele terror, que está três vezes pior desde quando os
pesadelos começaram. Nesse sonho que acabei de ter, a cena se repete
constantemente, como se fosse um disco arranhado dentro da minha cabeça,
tocando o mesmo refrão da melodia. Assisti Ana se jogar da janela cinco
vezes, até conseguir despertar, revendo e revendo a face dela de choro, com
seus braços se abrindo e seu corpo se atirando da janela.
Soluço baixinho e tombo minha mão para frente, fechando meus
olhos, mantendo meu braço ainda esticado, desejando que eu pudesse ter
conseguido segurar sua mão. Não entendo por que nunca saí desse
pesadelo, por que ele sempre me deixa presa a esse segundo, me torturando,
me obrigando a assistir sua morte novamente.
Minha cabeça se eleva e abro meus olhos, assustada, quando sinto o
contato de calor humano, que se prende em meus dedos e segura minha
mão. Giro minha face e encontro os olhos azuis de gelo a centímetros dos
meus. Seu braço alongado, rente ao meu, entrelaça seus dedos com mais
firmeza em minha mão. Não sei o que ele está fazendo dentro desse quarto,
nem como tinha entrado, mas aqui está o estranho homem silencioso, de
olhar intenso e peculiar, como se conhecesse o inferno que eu visito todas
as noites quando fecho meus olhos.
Abaixo minhas pálpebras e soluço baixinho. Seu braço movimenta o
meu, o dobrando em cima da minha barriga, tendo o outro enlaçando minha
cintura, me fazendo deitar. Inclino minhas costas para o colchão e viro de
ladinho, como uma criança que acorda assustada por causa do pesadelo. O
colchão se movimenta, com seu corpo se deitando atrás de mim, colando
seu peito em minhas costas. Sinto tudo sendo tão pesado dentro do meu
coração: a confusão que me encontro, as coisas que ele desperta em mim, a
tristeza por ter entrado naquele carro sem saber o que eu fiz, Ana que me
visita em meus sonhos, torturando minha alma sempre na mesma cena...
Isso me faz chorar ainda mais, por tudo. Sinto com uma intensidade maior o
caos que está dentro de mim, como se estivesse perdida, perdida dentro do
meu ser, e algo que eu não compreendia tivesse tomando o meu controle,
algo que não o repele, pelo contrário, que se submete a ele.
— Foi só um pesadelo, pequena — sussurra em meu ouvido, tendo a
face dele encostada em meus cabelos. Sua outra mão alisa meu braço e sobe
lento até o ombro, descendo novamente.
E eu choro mais, choro por saber que não é um pesadelo, que não é
invenção da minha mente, assim como choro por não entender, por que
mesmo sabendo que não devo aceitar seu abrigo que seu abraço me fornece,
eu ainda aceito. Há caos e demônios dentro de mim, desordem, angústia,
agonia, algo que me desmorona por dentro, e não me recordo de senti-los
tão aflorados, como eles andam agora, desde o segundo que Hector
Pellegrini entrou na minha vida. É como se me transformasse em Babilônia,
me arrastando para a desgraça que ele me puxa. Minha face vira por cima
do meu ombro e olho para esse homem que me repudia com tanta raiva em
seu olhar, não escondendo o desagrado que lhe causo, e que ao mesmo
tempo, agora está aqui dentro desse quarto, deitado ao meu lado, como um
anjo de asas negras e olhos azuis celestiais, me acalmando. Fungo com
tristeza e olho para ele, sentindo o toque da ponta dos seus dedos em minha
bochecha, escorregando seu polegar na maçã do meu rosto.
— Por Dieu[28], pequena pécheur, não dê esse olhar para um
homem... — ele murmura, com seus olhos presos aos meus, que estão
marejados, e olho perdida para ele.
— Eu não entendo... — Soluço e nego com a cabeça.
Não entendo como eu lhe olho, não entendo por que ele me chama
de pecadora e nem o que está acontecendo comigo. Por que tudo está uma
bagunça em minha mente, em meu corpo e em minha alma?
— Não entendo, monsieur. — Choro, mais confusa, não importando
de o deixar ver o caos que está dentro de mim.
Meus olhos se fecham no segundo que sua cabeça se move para
frente e toca meus lábios com os seus. Os dedos em minha bochecha se
deslocam e se fecham ao redor do meu pescoço, silenciando o caos, como
se o congelasse, o domando. Minha mão se ergue e seguro atrás da sua
cabeça, mantendo meu pescoço torto, morrendo em perdição em seus
beijos. Talvez ele realmente esteja correto e minha alma seja tão pecadora
quanto meus demônios, por isso se sente atraída por ele, gemendo baixo e
ficando em chamas a cada deslizar de língua.
Os dedos em minha garganta se fecham com mais pressão, causando
dificuldade de respirar, mas é como se eu não me importasse. Quero que ele
tire todo meu oxigênio, que me condene de vez, ao invés de me deixar
perdida, não entendendo o que me arrasta para ele. Seu braço, que está
circulando minha cintura, se move sobre a camisola e esmaga um dos meus
seios em sua mão, arrancando outro gemido dos meus lábios, enquanto me
beija. Cravo com mais agonia as unhas em sua nuca, me perdendo em seu
beijo, ficando submissa a qualquer coisa que ele queira fazer comigo. O
toque, que antes era tão desconhecido pelo meu corpo, de dedos masculinos
acariciando meus seios, me faz arfar e contrair os músculos internos das
minhas coxas, sentindo a umidade começando a se fazer em minha
calcinha. Sua cabeça começa a se afastar, mas não deixo e o beijo com mais
desespero, cravando mais forte minhas unhas em seu pescoço.
— Eva, não posso... — Meu nome sai dos seus lábios como um
rosnado quando ele comprime meu pescoço, me fazendo o soltar, não me
deixando continuar o beijando. — Inferno!
Pisco, confusa, não compreendendo por que novamente ele me beija
com tanta fome, despertando sensações em meu corpo e me deixando com a
sensação de vazio quando se afasta. Sento e seguro a coberta diante do meu
corpo quando ele se levanta e fica de costas para mim. A iluminação da
lareira acesa dentro do quarto, deixa eu ver sua forma rígida esmagando
seus dedos ao lado do corpo, a camisa branca com as mangas dobradas e a
barra para fora da calça negra social.
— Não entendo... — murmuro e abraço minhas pernas quando
arrasto meus pés na cama, me encolhendo. — Monsieur não entrou no
quarto por que desejava me tocar...
— Entrei no quarto porque ouvi seus gritos, Eva. — Sua voz sai
ríspida e ele respira depressa, virando sua face para mim e me dando um
olhar gélido, retornando àquela expressão de asco. — Estava andando no
corredor quando gritou. Não entrei porque tinha outra coisa em mente...
Sir Hector xinga baixo, soltando outro rosnado e caminhando lento
para perto da lareira, ficando de costas para mim.
— Por que me tirou da casa de dame Emanuelle então? — Abaixo
meu rosto, olhando para o lençol. — Não entendo porque me trouxe para
cá, se tem tanto nojo de mim. Podia ter escolhido uma das outras meninas
que lhe agradasse mais...
— Não te tirei da porra daquele lugar para ter o seu corpo. — Fico
em silêncio quando ele rosna com ódio e gira sua face para mim,
esmagando sua boca. — E muito menos tenho nojo de você, Eva...
Ele inala o ar com força e esfrega seu rosto, virando novamente e
me dando suas costas, não conseguindo nem continuar olhando nos meus
olhos, de tanto que não suporta me olhar.
— Se afasta de mim e me olha como se eu fosse algo horrível... —
Encolho ainda mais meu corpo e abraço com força minhas pernas. — Posso
não ter conhecido nada além das paredes do colégio interno, mas eu sei
reconhecer um olhar de repúdio, monsieur. Me devolva para dame
Emanuelle, me deixe ir embora se não me quer aqui, mas não me obrigue a
ficar quando sei que tem nojo de mim...
— NÃO TENHO NOJO DE VOCÊ! — O som da sua voz é alto
como um trovão e repercute dentro do quarto. Congelo e fico mais
assustada pela ira que o aflige. — Não tenho nojo de você, eu tenho nojo de
mim.
Meu rosto se ergue lento e olho para ele, que fala cabisbaixo, com
sua mão esticada, se esmagando no mármore da lareira, de costas para mim.
Pisco, confusa, olhando perdida para ele e esticando minhas pernas na
cama.
— Tenho de mim por desejar lhe tocar de todas as formas que lhe
fariam me temer. — Seus dedos soltam o mármore e sua cabeça se ergue,
com ele enrijecendo os músculos das suas costas. — Não posso lhe tocar,
pequena pécheur, porque, ao fim, quem sentirá nojo de mim será você.
— Não entendo — sussurro para ele, não compreendendo. — Não
sinto nojo quando me toca...
— Mas o que me fez ir até a casa de Emanuelle lhe buscar, que liga
você a mim, a fará sentir. — Seu corpo vira lento, com ele me olhando sem
emoção alguma, apenas com o olhar vago e perdido. — Sua mãe.
Me arrumo na cama e estico meu tórax para frente, espalmando
meus dedos no colchão, quando ele fala da minha mãe.
— O que tem a minha mãe? — balbucio e respiro com força, vendo
sua face ficar rígida, com seus lábios se esmagando. — Sir conheceu minha
mãe? — pergunto, ansiosa, olhando para ele.
Fora madrinha, nunca tinha conversado com ninguém que a
conhecesse. Freire não falava muito sobre ela, disse que morreu ao me dar à
luz, que era adoentada. Todas as vezes que perguntava sobre minha mãe, ela
respondia de forma breve, logo mudando de assunto, me pedindo para não a
fazer ficar triste, porque ela sofria ao falar sobre minha mãe, e que pararia
de me visitar, porque não queria sofrer. Então, com medo dela não voltar, eu
não perguntava mais sobre minha mãe.
Hector move sua cabeça para os lados em negativo e estufa seu
peito quando inala o ar pesadamente.
— Porém, alguém ligado a mim, a conhecia. — Suas mãos vão ao
bolso da calça, com ele encarando os pés da cama. — Há alguns anos, uma
jovem foi transformada em uma submissa alfa, uma raça de mulheres que
foi criada para ser uma submissa dócil e obediente, que seria leal apenas às
ordens do seu dono. Existe um grupo de pessoas para o qual ela foi
apresentada, e eles tiveram conhecimento da sua criação. Essas pessoas
tiveram medo de que a existência dessa garota trouxesse muita desordem
para o mundinho secreto deles, denominado como Sodoma.
Não entendo o que ele está falando, o que apenas me deixa mais
agoniada, não sabendo o que essa história tem a ver com a minha mãe.
— Uma votação foi feita, e todos os conselheiros foram firmes em
recusar a criação de submissas alfas. — Ele esmaga sua boca com mais
força e dá um sorriso frio. — Um conselheiro decretou que a submissa
fosse morta, assim ninguém se atreveria a cometer tal abominação
novamente. Mas o que os outros conselheiros não tinham conhecimento, era
que, na verdade, a jovem foi executada não para proteger Sodoma, mas sim
para que ninguém soubesse o que foi feito a ela e o que tinha resultado da
sua desgraça. Muito menos que a linhagem nascida de um estupro seguiria
o mesmo caminho, se transformando em submissas alfas mais
aperfeiçoadas, para serem as primeiras criações da Ordem das Messalinas.
— O que isso tem a ver com a minha mãe? — Sinto como se uma
mão estivesse em meu peito, esmagando meu coração, me fazendo querer
chorar.
— A jovem que foi executada era sua mãe, Eva — ele solta as
palavras de uma vez só, erguendo seus olhos para os meus. — Mina era sua
mãe.
— Oh, meu Deus... — Rio e tapo meu rosto, negando com a cabeça
e esfregando meu peito, sentindo um alívio dentro dele. — Cristo, quase
pensei que meu coração ia sair pela boca, monsieur!
Rio, nervosa, não achando graça dessa piada mórbida, que minha
mãe tivesse envolvida em algum tipo de seita. Afasto o lençol e me levanto
da cama, caminhando para perto da parede e acendendo a luz do quarto.
— Está enganado, monsieur Pellegrini. — Viro e olho-o,
balançando minha cabeça para os lados. — Minha mãe se chamava Shei,
ela não fazia parte de nada dessas coisas que disse. Ela trabalhava na casa
da minha madrinha e um dia se envolveu com um homem que frequentava a
casa. Ele era casado, por isso não a assumiu quando ela descobriu que
estava grávida. Minha mãe morreu ao dar à luz a mim, não foi executada.
— Sua mãe morreu na Austrália, assassinada dentro de uma
banheira, seis anos depois do seu nascimento, Eva. — Sua expressão se
mantém séria quando fala. — Seu nome de batismo era Shei, ela foi a
primeira submissa alfa criada pela Ordem das Messalinas, que lhe deram o
codinome de Mina. Ela era educada por Freire, uma sádica praticante
assídua de sadismo, membra antiga de Sodoma. Freire matou Mina afogada
na banheira, depois que recebeu uma ordem direta para apagar sua mãe.
— Não... — Nego com a cabeça e me afasto dele quando estica sua
mão para segurar o meu braço. — Minha mãe morreu ao me dar à luz,
minha madrinha nunca iria machucá-la... Freire amava minha mãe, assim
como ela me amava, por que tá contando essa mentira...
— Freire amava o que ela criou, Eva. — Sir Hector mantém sua voz
séria, falando com firmeza. — O que ela sentia por sua mãe, era apenas o
amor do criador diante da sua obra-prima, assim como ela amava você, a
linhagem pura da primeira submissa alfa, a qual seria sua obra-prima
também, Herodias...
— Não... não, você está mentindo... Por que tá mentindo? Por que tá
me chamando por esse nome?! — Caminho para perto da janela, fugindo
dele, esmagando meus dedos em minha cabeça, sentindo as malditas
pontadas acertarem meu cérebro ao ouvir esse nome.
— Venha, meu amor, não precisa sentir medo... — O braço longo se
estica para mim e segura meus ombros, me puxando do cantinho escuro da
parede.
Seus olhos ficam presos em minhas mãos trêmulas, que estão
vermelhas. Há tanto sangue, sangue em meus dedos, em minha roupa...
— Sinto muito, sinto muito... — Choro com dor e fecho meus olhos,
sentindo tanto medo, tanto desespero, que consome meu magro corpo
machucado e faminto. Não sei há quanto tempo estou trancada dentro
desse quarto frio e sujo. — Eu não queria, não queria... me desculpa.
— Está tudo bem, tudo bem, eu cuido de tudo. — Ela se agacha e
deixa seus olhos na altura dos meus, segurando meu rosto, me fazendo
abrir meus olhos para ela. — Apenas esqueça, não pense mais nisso.
Seus braços se esticam e me puxam para seu peito, e eu choro,
sentindo dor em meu corpo. Estou assustada, quero que ela me leve daqui.
— Não pense mais nisso, nunca mais pense nisso, minha pequena
Herodias.
Tudo fica confuso, com as imagens se misturando em minha mente.
Os dedos de Freire retiram a coleira do meu pescoço, a deixando cair no
chão junto com a corrente, e me ergue em seus braços. Sua voz baixa e
calma mantém as palavras me mandando esquecer de tudo, e minha mente
vai se apagando.
— Minha Herodias...
— Eva... — Pulo para trás quando sinto o toque masculino em meu
ombro. — Freire era um monstro, igual ao que mandou matar a sua mãe.
Herodias foi o codinome que ela lhe deu.
— Está inventando calúnias...
Mordo minha boca e sinto uma agonia em meu corpo. Abraço com
força minha cintura e esmago meus dedos na palma da minha mão, para
tentar controlar a vontade que sinto de arranhar minha pele, até a rasgar,
como se pudesse tirar essa agonia de dentro de mim.
— Minha madrinha me amava, ela cuidou de mim... Cuidou de mim
depois que minha mãe morreu ao me dar à luz...
— Freire não amava nada, e ela não cuidou de você — ele fala com
mais força, puxando sua bengala, que estava encostada perto da cama, e a
apoiando em seu braço. — Eu ainda não sei o que ela fez com você, qual o
propósito, mas não era amor.
— Minha madrinha me amava, me amava... — Nego com a cabeça
e fecho meus olhos, repetindo as palavras, não podendo acreditar nisso.
Freire era a única pessoa que me amava. — Ela cuidou de mim, minha
madrinha cuidou de mim...
— Ela te escondeu, Eva. — O som da bengala caindo ao chão se faz
no segundo que seus dedos esmagam meu braço e me puxam para ele. —
Freire não cuidou de você, ela estava te escondendo. Assim como ela te
escondeu, te deixando na casa de dame Emanuelle, para poder ser vendida
para o primeiro filho da puta que quisesse ser seu dono.
— Freire não está aqui para decidir seu destino. Pelo contrário, ela
lhe deixou comigo para que eu fizesse isso. — Emanuelle abre seus olhos e
os deixa presos aos meus. — Às vezes penso: por que Deus deixou uma
criatura como você parar nas mãos de Freire? E então percebo que pior do
que ela, foi eu, por ter aceitado lhe recolher.
— Madrinha nunca foi ruim para mim... — Nego com a cabeça, não
entendendo por que ela está falando assim, com tanto ressentimento, de
Freire. — Ela cuidou de mim quando minha mãe morreu...
— Cieux. — Ela ergue suas mãos para suas têmporas, as coçando.
— Da mesma forma que sua ingenuidade é uma bênção, também é sua
ruína, Eva.
As palavras de Emanuelle invadem minha mente, enquanto recordo
da nossa conversa, antes dela me fazer entrar naquele salão.
— Freire apenas te escondeu, porque ela queria proteger sua obra-
prima de ser destruída, como ela e seus cúmplices, nessa abominação toda
que fizeram com sua mãe. — Sua grande mão se fecha na lateral do meu
rosto, me fazendo ficar parada diante dele. — Ela não estava cuidando de
você, minha pequena pécheur.
Seu timbre de voz sai baixo e ele respira fundo, escorregando seu
anelar por minha bochecha molhada.
— Não, não... é mentira. — Meus joelhos se flexionam e desejo cair
ao chão, sendo esmagada pela dor que me consome ao descobrir que a
única pessoa que eu tinha na face da Terra, era apenas uma mentira.
— Te peguei, minha pequena pécheur — diz, baixo, com seu queixo
em cima do topo da minha cabeça quando escondo meu rosto em seu peito.
Choro, não conseguindo suportar toda essa dor. Por dezenove anos
de mentiras, de sofrimento, de medo, onde eu fiquei presa dentro daquele
colégio... Não consigo aceitar que ela me deixou lá, para sofrer, de
propósito. Cada cintada, castigo, noite acorrentada dentro daquele quarto
pequeno, suas palavras carinhosas me dizendo que logo me levaria com ela,
que eu precisava ser forte e aguentar, porque se eu fosse uma boa menina
ela me tiraria de lá, que tudo que ela fazia por mim era porque me amava,
na verdade, era mentira, tudo mentira. Não reluto aos movimentos dele e o
deixo me embalar em seus braços, que me sustentam e me puxam para ele,
me levando consigo quando me ergue no colo e dá alguns passos para trás,
sentando-se na beirada da cama, me aninhando em seus braços. Soluço com
dor e choro convulsivamente, com meus dedos presos em sua camisa.
— Está segura, pequena pécheur. Nunca mais alguém vai te usar ou
te machucar. — Sua face raspa em meus cabelos e seu nariz se enterra entre
eles, puxando o ar com força, me aprisionando em seus braços. — Vou
fazer cada um deles pagar, Eva. Ao que fizeram a você, à sua mãe e às suas
irmãs.
Minha cabeça se ergue e olho para ele quando ouço suas palavras.
Levanto meu braço e limpo meu nariz com o dorso da mão, fungando
baixinho.
— Irmãs? — balbucio, olhando perdida seus olhos, não sabendo se
ouvi bem suas palavras.
Sir Hector respira fundo e estica seu braço, alisando meu rosto
enquanto empurra uma mecha de cabelo para trás, olhando em meus olhos.
— Sua mãe, quando deu à luz a você, trouxe outra criança junto, ela
estava grávida de gêmeos. — Ele ergue sua mão e alisa minha bochecha, a
limpando. — Assim como dois anos depois, ela também teve outra filha,
uma filha que foi resgatada por um dos conselheiros de Sodoma, e através
dela, ele descobriu a verdade sobre o que aconteceu com sua mãe, e chegou
até mim, para eu poder salvar você.
— Eu tenho irmãs? Eu tenho uma irmã gêmea? — Meus dedos,
trêmulos, soltam sua camisa, enquanto respiro mais depressa. — Sir as
conheceu?
— Sim, mas apenas uma, sua irmã caçula, e ela é linda, assim como
você, pequena pécheur. — Ele alisa a lateral do meu rosto com o dorso da
sua mão.
— Você a conheceu? — Pisco rápido, não sabendo como processar
tudo isso que ele está me contando, como uma bomba que explode dentro
de mim e aumenta ainda mais o caos que eu me encontro. — Falou com ela,
falou sobre mim...
— Eu vi Stella apenas de longe. — Seus dedos se abaixam e ele
muda o rumo do seu olhar para minha garganta.
— Stella... — O nome sai baixinho dos meus lábios, enquanto tudo
parece tão confuso. — Eu tenho uma irmã chamada Stella...
— Eva, existe mais uma parte dessa história que precisa saber. —
Sua cabeça se ergue e retorna seus olhos para os meus. — Sua mãe tinha
quatorze anos quando Freire deixou a cúmplice dela, chamada Valéria, levar
Mina para uma sala...
Sinto novamente aquela sensação esmagando meu coração,
enquanto ele fala sem emoção alguma.
— Sua mãe foi amarrada em uma cadeira, para que fosse violentada,
para poder engravidar.
Minha cabeça abaixa e tapo minha boca, mordendo minha mão com
força, abafando meu choro. Eu não tinha nascido de um amor proibido entre
minha mãe e um homem casado, como Freire me contou, eu tinha sido
concebida de um estupro, de uma monstruosidade que fizeram com minha
mãe.
— Depois que vocês nasceram, eles tiraram os bebês da sua mãe.
Freire ficou com você e lhe escondeu, para que Valéria e o outro cúmplice
não lhe encontrassem. Valéria ficou com o outro neném. — Ele retira minha
mão de perto da minha boca quando vê a faixa ficando vermelha com meu
sangue. — Há uma pessoa que está buscando pela sua irmã gêmea, e não
vamos parar até encontrá-la, assim como achamos Stella e você.
— Freire deixou machucarem a minha mãe, ela me tirou da minha
mãe... — Fecho meus olhos e nego com a cabeça. Não consigo
compreender como ela pôde ser tão monstruosa, mentindo para mim
enquanto me dizia que me amava, igual amou a minha mãe. — Por que...
por que ela fez isso?
— Porque vocês e suas irmãs são de valor incalculável, pequena
Messalina. Qualquer homem pagaria uma alta quantia, sem pensar duas
vezes, no mercado clandestino, por uma de vocês. — Ele puxa o ar com
força. — Mas ainda não tenho certeza qual realmente era o propósito de
Freire com você.
— Por isso foi até casa de dame Emanuelle, por isso me trouxe com
você... — Me sinto como um objeto criado com um propósito sujo, que teve
dezenove anos roubados da sua vida. — Porque acharam minha irmã...
— Sim, mas principalmente por conta do laço que me une à Stella.
— Meus olhos se abrem e olho para ele ao ouvir sua voz baixa. — Stella é
o fruto da monstruosidade que meu pai fez com Mina.
Meu corpo pula longe e me afasto do seu toque no segundo que suas
palavras são proferidas. Respiro depressa, olhando para ele.
— Monsieur Pellegrini é irmão então... — Meus passos vão para
trás e me viro, para esconder minha face de horror. Eu o beijei, o deixei me
tocar...
— Eva, apenas de Stella. — Sua voz sai depressa, como se estivesse
lendo o que está passando por minha cabeça. — Meu laço de sangue é
apenas com Stella.
Viro e olho-o, ficando ainda mais perdida em toda essa podridão,
nessa história feia que me liga às minhas irmãs.
— Não disse que tinha algo que nos liga... Eu achei que... — falo,
confusa, e desvio meus olhos para a lareira, recordando das suas palavras.
— Oliver Pellegrini foi o primeiro homem a tocar Mina. Quando ela
estava amarrada, ele a estuprou. Mas foi o segundo homem que Valéria
levou para a sala que engravidou Mina. Adrien é o nome do seu pai, e ele
não sabia que era uma criança que estava naquela sala.
Meu corpo se encolhe e olho com dor para ele, sentindo como se
uma bala atingisse meu peito e me desfigurasse por dentro. Minha mãe foi
condenada ao inferno, sendo violentada por dois homens dentro de uma
sala, amarrada em uma cadeira, como um bicho que servia apenas para
procriar.
— É por isso que me condeno e sinto nojo de mim, Eva. Que me
odeio por desejar lhe tocar, por minha alma dominadora ansiar tanto se
apossar pelo seu cerne submisso — ele fala em um tom rouco, mantendo
seus olhos nos meus. — Porque o homem que destruiu a vida da sua mãe,
que gerou Stella e sentenciou Mina à morte, é o meu pai. O mesmo homem
que está caçando você, porque você, minha pequena pécheur, não é apenas
a filha de Mina, você é a cópia viva da sua mãe. — Sir Hector se levanta e
respira fundo, levando seus dedos ao bolso da calça.
Caminho lentamente para trás, com meu corpo girando e entrando
no banheiro, fechando a porta atrás de mim. A tranco e encosto na porta.
Minhas unhas se erguem e arranho meu pescoço, desejando sentir qualquer
outro tipo de dor em minha pele, para conseguir diminuir a que consome
minha alma. Rasgo com força, sentindo a ardência me queimar, mordendo
minha boca enquanto desabo em meus joelhos e choro caída no chão.
— Você é especial, minha doce Eva. — Minha madrinha estica sua
mão e alisa minha face, escorregando seus dedos em minhas bochechas
lentamente. — Por isso precisa permanecer aqui.
Minha face se abaixa e olho meus dedos em minha perna, enquanto
fico em silêncio, não a deixando ver minha dor, por saber que ela não veio
me buscar para me levar embora com ela ainda.
— Ande, agora levante e me deixe ver a mocinha linda que está se
transformando. — Freire levanta e segura meus dedos em sua mão, me
fazendo ficar de pé à sua frente.
Meus olhos se abaixam e encaro o chão, me mantendo em silêncio,
sentindo seus dedos alisarem meus cabelos.
— Está linda, meu amor — ela fala alegremente e dá um passo para
trás. — Trouxe um presente para você.
Levanto minha cabeça com curiosidade, me sentindo animada ao
saber que ela trouxe algo. Ela caminha para sua bolsa, que está em cima
da minha cama, no quarto onde eu durmo, e abre. Vejo o pacote
embrulhado com um papel vermelho e um laço grande branco em cima
dele, quando ela vira, o segurando em suas mãos.
— Onde estão os modos, Eva? A freira regente não anda lhe
educando corretamente? — ela pergunta, séria, me encarando. — É assim
que tem que ficar?
— Me desculpa, madrinha — balbucio, nervosa, e abaixo minha
cabeça, retornando a olhar o chão. Meus joelhos dobram lentamente e
tocam o piso bruto. Me ajoelho, até minha bunda aterrissar nas batatas das
pernas, espalmando minhas mãos em minhas coxas, permanecendo com a
cabeça baixa.
— Perfeita. — Sua voz retorna a ficar alegre e aproxima seus
passos de mim, se abaixando e deixando a caixa de presente no chão, à
minha frente. — Abra.
Balanço minha cabeça em positivo rapidinho e estico meus dedos
com agonia, abrindo o lacinho e rasgando a embalagem. Abro a caixa,
ansiosa para ver o que tem dentro dela. Sorrio ao ver a delicada fita
vermelha de seda para prender os cabelos.
— Pertenceu a uma pessoa muito importante para mim. — Minha
face se ergue para Freire quando ela fala com brandura. — Me deixe
colocar em você.
Ela retira a fita de dentro da caixa e fica de pé, se posicionando
atrás de mim. Seus dedos mexem no meu cabelo e arruma a fita em minha
cabeça. Escuto seus passos se afastando quando ela termina. Mexe em sua
bolsa e retira um pequeno espelho compacto, parando-o à minha frente e
segurando meu queixo, percorrendo seus olhos por minha face.
— Está linda, tão linda, minha pequena Mina... — Seus olhos
brilham e ergue o espelho para mim. Estou tão feliz por ter ganhado um
presente, que não presto atenção ao nome que ela me chama. — Linda, meu
amor!
Seguro o espelho, olhando o lacinho vermelho em meus cabelos,
enquanto ela se levanta e fica parada à minha frente, comigo ajoelhada
diante dela. Minha cabeça se inclina quando seus dedos tocam meus
cabelos, os acariciando, e esfrego meu rosto em sua perna, sorrindo
contente por ela me amar.
Vivencio a dor ficando maior dentro de mim, enquanto minhas
unhas rasgam a pele do meu braço e me arranho com agonia. Sinto o peso
da maldição da primeira pecadora esmagando minha alma. Freire nunca me
amou, ela não estava me vendo, ela via minha mãe, era a criadora
apreciando sua obra-prima.
Uma obra-prima amaldiçoada!
CAPÍTULO 12
Demônios silenciosos
Hector Pellegrini
— Julgo que talvez vá demorar um pouco mais de tempo do que eu
imaginava — o homem do outro lado da tela do computador fala baixo,
soltando um suspiro pesado.
— Ainda nada? — Meu indicador bate lentamente na cabeça da
cobra e vejo sua cabeça balançar em negativo.
— Pensei que seria mais rápido encontrá-la pelo sistema de
reconhecimento facial. Já que são gêmeas, as características são quase as
mesmas. — Ele nega com a cabeça, se encostando na cadeira. — Estendi o
programa para que buscasse no banco de dados do mundo inteiro via
satélite, se Mical, a terceira Messalina ainda estiver viva, ele vai detectá-la.
Czar[29], conselheiro da Rússia, que está empenhado em conseguir
encontrar a terceira Messalina, me repassa a situação da busca pela jovem.
— Há algo mais que queira conversar, Hector? — A voz de Czar sai
baixa, com ele me olhando atento.
Esmago minha boca e olho na direção das prateleiras dos livros,
ficando em silêncio por alguns segundos.
— Nos documentos que Ramsés me deixou, estava bem
autoexplicativo o conceito da criação das Messalinas. Vi o relatório sobre
sua esposa, Mabel[30], e Stella. — Retorno meus olhos para ele e o vejo com
sua sobrancelha arqueada. — Mas não existe nada falando sobre a criação
de Eva, por quê?
— Não existe — ele responde de forma rápida e solta o ar
lentamente pela boca. — Freire era esperta, apagou todos os rastros. Se não
fosse pela informante que Ramsés encontrou no Cairo e o que ela nos
contou, nunca saberíamos sobre o vínculo sanguíneo delas.
— O colégio interno, o que descobriram? — Balanço a ponta do
meu pé lentamente, olhando para a tela do computador.
— Não existe sistema de informática, por isso fiquei impossibilitado
de acessar. As informações que levantei foram ligadas ao nome do colégio
de freiras. A princípio, não mostra nada de irregular. Ramsés tentou
encontrar um informante lá dentro, para nos contar mais, e principalmente
qual tipo de ligação existia com Freire. Mas até agora não temos notícias
reais, além de especulações. — Ele respira fundo e cruza seus braços em
cima da mesa, aproximando sua face da tela. — Ela apresentou algum traço
diferente, como as outras?
Eva em si é diferente. Cada pedaço do seu corpo emana uma
essência submissa, mas há algo mais, algo que eu não consegui decifrar. O
que me deixa incomodado por não saber qual era o verdadeiro objetivo de
Freire com a jovem.
— Por que acha que Freire a escondeu em um colégio de freiras? Se
tinha a intenção de criar uma Messalina, lá não deveria ser o lugar mais
apropriado...
— Freire era uma sádica, fria e calculista, mas, ainda assim, uma
sádica com uma mente brilhante na prática de Sodoma. — Czar repuxa seu
nariz e esmaga sua boca. — Meu pai contava que Freire tinha meios muito
ortodoxos para disciplinar seus submissos, um dom alarmante para entrar na
mente deles, os quebrando lentamente, até se transformarem no que ela
queria. O único que ela não conseguiu manipular a mente foi Jonathan
Roy[31], e Roy não fala sobre isso. Eu já tentei uma vez conversar com ele,
sobre como eram as dominações de Freire...
Conheço o conselheiro de Sodoma da Austrália por relatórios. Tinha
tido conhecimento que ele foi preparado por Freire para se desenvolver
como mestre, para poder assumir a cadeira herdada do seu pai em Sodoma.
Freire não tinha conseguido manipular a mente de Roy, porque cada
molécula dele é dominante. Uma alma sádica e dominadora nunca se dobra
diante de outro mestre.
— Ela contou alguma coisa sobre como era a relação de Freire com
ela, ou como foi educada nesse colégio interno?
— Freire inventou mentiras e mais mentiras para ela. — Troco a
bengala de mão e descruzo minhas pernas, recordando da sua face molhada.
— Não conversa sobre o colégio. Perguntei a ela ontem, mas deu uma
resposta breve.
— Breve o suficiente para lhe deixar desconfiado? — ele rebate
com curiosidade.
— Sim!
Meus olhos estudaram sua face pequena enquanto ela me respondia.
A veia em sua garganta disparou, ficando agitada. Seu peito subiu e desceu,
e um leve tremor passou em seu corpo quando desviou seus olhos dos
meus, me contando muito mais do que suas palavras breves.
— Freire não a permitia sair de dentro do quarto. — A expressão de
Czar não mostra surpresa e muito menos confusão, é como se já esperasse
por isso.
— Como ela lida com dor, Hector? — ele me pergunta, baixo, e
desvia seus olhos dos meus.
— Julgo que Eva não seja masoquista, Czar — falo sério, negando
com a cabeça. — Ela lida de outra forma com a dor...
A imagem dela caída no chão do banheiro, quando estourei a porta
do banheiro para tirá-la de lá, enche minha mente. Seu corpo pequeno
deitado ao chão, em posição fetal, com sangue escorrendo de suas pernas e
braços, por conta dos arranhões que ela causou a si mesma. Eu senti a
quentura da face molhada enquanto chorava baixinho, quando a peguei em
meu colo, a tirando de lá.
— Não entendi... — o russo fala, confuso, me fazendo olhar sério
para ele.
— Desconfio que a pequena Eva busque se livrar da dor causando
uma nova dor. — A boca de Czar se abre, compreendendo o que eu estou
falando.
— Autoflagelação! — ele solta a palavra e retorna suas costas para a
cadeira, soltando um longo assobio e levando suas mãos à cabeça. —
Droga!
Eu tinha notado esse pequeno traço em Eva, no dia que Emanuelle a
levou para aquela sala, cheia de clientes. A forma nervosa como ela ficou,
com seus dedos trêmulos raspando as unhas em seu braço, e depois caída no
chão do quarto, quando eu entrei para conversar com ela, machucando seus
tornozelos. Ela se autopune para aliviar a dor que está sentindo.
— Pessoas com esses distúrbios não buscam dor erótica, como a dor
do masoquismo, elas buscam dor real, não por prazer, mas para aliviar a
outra dor que está sentindo por dentro — digo sério, ainda recordando dos
machucados em suas pernas e braços. — O ato em si, de se autoferir, já
mostra que ela não é masoquista. Eva é diferente...
— Isso é recente ou acha que ela anda se punindo há algum tempo?
— Czar muda sua expressão e fica pensativo, me perguntando ansioso.
— Pelo que pude notar, é recente. A observei por algum tempo na
casa que ela vivia, antes de trazê-la para cá, e foi apenas quando ela ficou
exposta diante de uma situação que a fazia sofrer, que apresentou esse
comportamento...
— Ela está entrando em conflito — Czar fala rápido e abaixa sua
mão da cabeça, inclinando seu tórax para frente novamente.
— Explique-se. — Olho-o com atenção.
— Veja... Minha esposa, quando sua alma masoquista começou a
aflorar com mais força, desencadeou uma série de conflitos dentro dela, que
a levaram a agir por impulso. Ela estava tão confusa, sem entender o que
ela era, que chegou a pagar para um estranho lhe espancar. — Ele respira
fundo e range seus dentes. — Mabel não entendia que sua confusão vinha
do fato da sua alma submissa alfa estar querendo se libertar. Assim como a
esposa de Ramsés, que lutou com ele ferozmente, sempre tentando o manter
longe. Ramsés me relatou que ela não compreendia e mostrava confusão, e
por isso lutava com selvageria com ele. Se estiver correto em sua análise,
Hector, julgo que tem grandes chances da alma submissa de Eva ter
despertado.
Levanto e afasto a cadeira, absorvendo as palavras do conselheiro da
Rússia.
— O que provocou o despertar? — Giro meu rosto para a tela, o
encarando.
— Ramsés e eu pensamos na teoria dos ímãs, os polos magnéticos.
— Czar gesticula com sua mão, falando pensativo. — O positivo sendo
atraído pelo negativo. Uma alma submissa sempre reconhece uma
dominante, e elas foram criadas especialmente para serem submissas, o que
para elas é duplamente mais forte. Talvez Freire tenha a ativado, mas isso
seria muito estranho, já que confirmou que é recente, e pelo que eu conheço
da casa de prostituição de Emanuelle, seus clientes são homens normais. A
não ser que Eva...
Ele se cala e solta o peso das suas costas na cadeira, fechando sua
boca enquanto me olha, descobrindo a resposta que procurava.
— Merda, foi você! — murmura, enquanto eu sento na cadeira,
soltando o peso do meu corpo. — Você é o polo negativo que despertou a
alma submissa dela.
Sim, tinha sido eu. E ao mesmo tempo que meu lado sádico se
vangloria por isso, inflamando meu peito com orgulho, por ter despertado
sua alma submissa, outra parte minha me condena, me amaldiçoando por
não ter resistido à Eva, por me perder no encanto daquele olhar doce que
me chama para ela, sem conseguir esconder o que ela quer, me mostrando
cada pensamento que ela tem em sua mente. A forma como seu corpo
vibrou em meus braços naquele jardim, quando lhe beijei a primeira vez, foi
submisso, assim como ontem de tarde, quando não resisti à tentação ao tê-la
à minha frente. Eu sabia o que ela queria, o que me pedia com seu olhar, e
cedi, mesmo tendo consciência que meu toque jamais poderia ter se
aproximado dela.
— Como posso reverter isso?
— Isso foi uma boa pergunta, mas, infelizmente, não tenho resposta
para ela. — Ele nega com a cabeça e me dá um olhar de quem sabe que
estou ferrado. — Tentar tirar a alma submissa dela é o mesmo que alguém
querer tirar a dominadora nossa. Não tem como, está entranhado dentro de
nós, faz parte de quem somos. — Ele ergue suas mãos. — O que pode fazer
é se afastar dela. Se quiser, posso pedir para Sieta[32] ir até a França buscar
Eva.
Minha face se endurece, com meus olhos desviando dos dele, tendo
meu lado sádico ficando agressivo apenas com a possibilidade dela sair de
perto de nós.
— Isso, claro, se você desejar...
— Agradeço pelas informações, Czar, continue me mantendo
informado. — Ergo meu rosto para ele, finalizando o assunto.
— Pode deixar, manterei. Assim que tiver novas informações, tanto
da terceira Messalina ou do colégio interno, eu lhe repasso.
— Merci! — Balanço minha cabeça lentamente e estico meu braço
para encerrar a videoconferência com o conselheiro da Rússia.
— Hector! — Meu braço congela quando ele fala meu nome com
ênfase, me mostrando preocupação em seu olhar. — Algo mais que precisa
saber, não sei se Ramsés lhe repassou isso...
— O quê? — pergunto, sério, o estudando.
— Elas não vão ter uma vida normal, não como uma pessoa fora do
nosso mundo, sem um mestre para cuidar delas. Viveriam em um eterno
conflito interior, onde a alma submissa sempre é mais predominante. — Ele
bate lentamente a ponta do seu dedo sobre a mesa, falando calmamente,
como se estivesse ponderando suas palavras. — E isso as deixaria propícias
a ficarem nas mãos de alguém abusivo, que não tem ideia do que elas são e
do que elas precisam. Há uma coleira invisível em seus pescoços, Hector, e
no caso de senhorita Eva, julgo que deva ser duas vezes pior que Mabel ou
Stella. Pelo pouco de histórias de alguns praticantes de autoflagelação que
ouvi, nenhuma delas acabou bem.
Ele me dá um olhar de pesar e balança sua cabeça em positivo, antes
de encerrar a ligação. Eu compreendi exatamente o que Czar quis dizer. Eva
não ficará estável em um mundo normal, perto de outros pessoas que não
entendem o que ela é. Seu próprio conflito já está causando o caos dentro
dela. Arranhões serão a menor punição que ela se aplicará se não for parada
agora.
— Sir! — Ergo meu rosto quando Edmundo me chama, batendo na
porta do meu escritório.
— Pode entrar, Edmundo. — Fico sério e olho para ele enquanto
entra, fechando a porta atrás dele. — Como ela está?
Solto um suspiro baixo e esfrego as minhas têmporas, perguntando
por ela.
— Marrie me disse que ela dormiu, depois que tomou um chá. —
Ele para de frente para mim, perto da minha mesa. — Marrie trocou a faixa
do seu machucado, assim como limpou os outros ferimentos.
Balanço minha cabeça em positivo e me apoio na bengala quando
me levanto, repuxando minha face ao sentir uma fisgada de dor no meu
joelho.
— E sua perna, sir? — Ele abaixa seus olhos e encara minha perna.
— Como está?
— O que tem? — pergunto para ele, não entendendo o porquê dessa
pergunta agora.
— Foi o senhor que a socorreu. Não sentiu dor em sua perna quando
a pegou no colo e a levou para a cama? — Edmundo desvia seus olhos da
minha perna e me olha intrigado. — A dor não se agravou?
Minha cabeça se abaixa e olho minha perna, esmagando meus dedos
na muleta, enquanto noto que não tinha pensado nisso, nem sequer me
preocupei com a porra da minha perna quando me abaixei para tirá-la do
chão, e muito menos senti dor alguma naquele segundo. Estava tão focado
em Eva, que não pensei em mais nada, além de segurá-la em meus braços.
— Não tem com o que se alarmar, meu caro — o respondo e ergo
meu rosto para ele. — Preciso que ache alguém para descobrir algumas
informações para mim. — Mudo o rumo da conversa e ando lento até a
janela, olhando o céu negro sem estrelas.
— Só pedir, sir.
— Descubra tudo sobre o local onde mademoiselle foi criada, e qual
vínculo ligava Freire a um convento. Preciso de respostas e não tenho
paciência para ficar aguardando que Czar ou Ramsés as consiga.
— Providenciarei elas, sir, o mais breve possível — Edmundo fala
rápido, me conhecendo há tempo suficiente para saber que preciso de
respostas para ontem, e sei que ele irá me dar. — Sir deseja mais alguma
coisa?
— Não, apenas isso. — Balanço minha cabeça em negativo e
mantenho meus olhos no céu. — Pode se retirar, não vou mais precisar dos
seus serviços por agora.
Edmundo sai silencioso da sala, me deixando só no escritório,
enquanto minha mente fica aglomerada com vários pensamentos, tendo
apenas um se sobressaindo entre eles.
Eva!
CAPÍTULO 13
A pecadora e a serpente
Eva Fishie
Meu corpo se encolhe ao som do ensurdecedor trovão, que explode
no meio da tempestade, enquanto ando apressada e nervosa, com o corpo
úmido ainda, por causa do banho. Desço as escadas sentindo meu coração
palpitando. Meus dedos se abrem e fecham, e tento amenizar meu
constrangimento por estar indo no meio da madrugada bater na porta do
quarto de Marrie. Eu tinha acordado com o som da chuva forte desabando
lá fora. Quando um trovão seguido de um relâmpago cortou o céu, me
sentei na cama, assustada, ao sentir a umidade entre minhas pernas, o que
me fez pular para longe do colchão e acender a luz do quarto. A mancha do
meu sangue marcava o lençol branco, enquanto outra se destacava na frente
da camisola, com minhas pernas escorrendo minha menstruação.
Corri para o banheiro e tirei minha roupa, entrando no banho para
me limpar, olhando agoniada para o sangue. Eu sabia que aquilo era algo
normal no corpo de uma mulher, tinha aprendido isso quando cheguei na
casa de dame Emanuelle, que espancou a porta do quarto depois do terceiro
dia que fiquei trancada dentro dele, quando minha menstruação desceu
umas duas semanas depois de eu ter chegado em sua casa. Quando ela
perguntou porque eu estava trancada dentro do quarto, contei para ela que o
sangue impuro do meu corpo estava saindo, que eu estava suja e não podia
ficar perto das outras pessoas, porque era isso que a freira regente me
falava, por isso ficava trancada em meu quarto, isolada das outras. Meu
sangue era impuro e o que saía do meu corpo era um castigo pelo qual todas
as mulheres passavam, todos os meses, para nunca esquecerem de como
nossas almas são sujas e impuras.
Eu não tinha ninguém mais para me explicar sobre ciclo menstrual,
e quando se tem dez anos e se acorda em uma cama suja de sangue, é claro
que acredita no que um adulto fala, ainda mais sendo a freira regente, que
era a responsável por cuidar de mim no convento. Recordo que naquele dia
eu chorei, achando que estava morrendo, que minha alma era tão suja e
impura, que o sangue todo do meu corpo iria vazar pelo meio das minhas
pernas, até eu cair seca e morta no chão, o que, claro, não aconteceu.
Apenas tive que me acostumar com o acontecimento que vinha todo mês.
Nos primeiros anos, eu ficava sentada no chão, esperando os dias passarem,
até o sangue acabar de sair; nos outros comecei a usar qualquer coisa que
pudesse como proteção em minha calcinha, outras calcinhas dobradas,
pedaço de papel... Teve uma vez que usei a fronha do travesseiro, a rasguei
em várias partes, e levei uma surra da freira regente quando ela quis saber
onde estava a fronha do meu travesseiro.
Não foi de admirar que dame Emanuelle teve uma crise de riso,
quase se mijando nas calças, quando lhe contei o que a freira regente me
falava. E depois de rir, ao ponto de precisar se apoiar na parede para não
cair no chão, com seus olhos lacrimejando de lágrimas pelas gargalhadas,
dame Emanuelle me explicou que não tinha nada de sujo ou impuro dentro
de mim, que a menstruação era algo normal, que se toda mulher que
menstruasse se trancasse em um quarto, para não encher a sociedade de
impureza, a população viveria seus dias sendo apenas de homens. Ela me
ensinou como usar absorvente e me mandou a procurar quando minhas
regras retornassem, que não podia ficar usando retalhos de pano. E era o
que eu fazia desde então, por todos os meses que fiquei morando em sua
casa.
Só que não trouxe nenhum absorvente comigo. E agora rezo,
enquanto caminho às pressas, na direção da cozinha, que Marrie possa me
ajudar. Eu não tive corregem de rasgar as fronhas dos travesseiros, ainda
mais sendo tão finas e de um material caro, e eu já tinha estragado uma,
para estacar meu machucado em minha mão. Podia ter usado papel
higiênico, mas a desgraça parece que nunca vem sozinha. Por ter ficado
trancada dentro do meu quarto por dois dias, Fila não pôde entrar para o
limpar e trazer mais papéis. Levo minhas mãos à frente da minha pélvis e
rezo para que não escorra por minhas pernas. Entro na cozinha e acendo a
luz, seguindo em direção ao corredor que vai para o quarto de Marrie.
— Marrie... — Bato na porta do quarto, a chamando baixinho. —
Marrie, preciso de ajuda! Está aí?
Mordo minha boca e sinto minhas bochechas queimando de
vergonha, com meu coração palpitando, mais assustado a cada trovão que
estoura lá fora.
— Droga! — Encosto minha testa na porta, cochichando, batendo
com mais persistência. — Marrie, está aí?
Minhas coxas se colam, ficando unidas, como se isso de alguma
forma pudesse ajudar o problema. Bato mais depressa na porta, agoniada,
rezando para ela acordar. Meu rosto se ergue quando a luz da cozinha se
apaga e se acende novamente, como se a luz tivesse acabado e voltado em
segundos.
— Merda, merda! — Bato mais forte na porta, retornando a olhar
para ela. — Marrie...
Minha mão para de bater quando minha cabeça se inclina para baixo
e sinto a quentura de um risco fino de sangue escorrendo por minhas
pernas. Olho para a porta e sei que não tem como esperar mais. Corro para a
cozinha e pego um papel toalha, retirando um pedaço e passando em minha
perna, vendo que a frente da camisola limpa, que eu tinha vestido após o
banho, já está suja novamente. Esmago o papel em minha mão e corro para
fora da cozinha, subindo as escadas às pressas, parando meus dedos na
frente da camisola. A colisão é quase iminente quando piso no topo da
escada, acertando meu rosto na parede de carne.
— Oh, meu Deus... — Me apoio, desesperada, nos braços que
seguram minha cintura quando meu corpo se inclina para trás, com meus
pés vacilando, e olho para trás, vendo os lances da escada.
— Teria sido uma queda e tanto, eu presumo, mademoiselle. —
Minha face gira para frente rapidamente, quando a voz masculina sai em
tom baixo. Me deparo com um par de olhos safiras preso ao meu.
Respiro mais forte, com meus olhos recaindo para seu peito despido,
com a pele pálida e suada. Se achava a pele do seu rosto parecida com
marfim, seu tórax desnudo me mostra que estava certa. Os ombros largos,
com veias saltadas no braço, acentuando sua magreza falsa, me deixa ver
que a massa magra do seu corpo é bem distribuída em seus músculos. Pisco
rapidamente, arregalando meus olhos, tendo consciência que é a primeira
vez que um homem semidespido está a poucos centímetros de mim, me
tocando. Meu cérebro, não contente em apenas ter perdido minha fala
enquanto encarava seu tórax, me faz ficar admirando a forma como o pomo
de adão em sua garganta se move lento.
— Passeios furtivos no meio da noite, mademoiselle? — Obrigo
meu cérebro a retornar a devolver minha fala quando ele me pergunta com
sua voz rouca, ficando mais intimidadora.
— E-eu... Eu... — Mordo minha boca e dou um sorriso nervoso.
Meu cérebro está de sacanagem comigo!
Me amaldiçoo e fecho meus olhos, tentando pensar em uma frase
inteira que possa sair pela minha boca, sem ficar sibilando as palavras como
uma criança que está se alfabetizando.
— Fico feliz que tenha resolvido sair do seu quarto, mesmo que seja
na calada da noite. — A ponta de ironia e recriminação em sua voz não
passa despercebida. Abro meus olhos e o encaro, encolhendo meus ombros
com a intensidade do seu olhar que recebo.
Eu não tinha a intenção de encontrá-lo agora, na verdade, pretendia
fazer isso pela manhã. Tinha consciência que não foi correto ficar dois dias
inteiros trancada dentro do meu quarto, me negando a ir à biblioteca quando
ele mandava me chamar. Mas a verdade é que dois dias ainda foram pouco
para digerir e assimilar dezenove anos de mentiras da minha vida. E por
mais que tentei nessas quarenta e oito horas, ainda não tenho ideia do que
pensar, do que será da minha vida agora. Não que soubesse antes, para ser
bem franca. Mas agora tudo é diferente, mais feio e solitário, e o caos está
mais forte e intransigente dentro de mim.
— O que está fazendo fora do quarto essa hora, Eva? — Ele muda o
tom de voz e respira fundo, esmagando seus lábios enquanto mantém seus
dedos em minha cintura.
— Eu, bom... — Abaixo meu rosto, me vendo na pontinha do pé, na
beira do topo da escada. — Precisa falar com Marrie, mas... — Mordo
minha boca, não me sentindo confortável nessa posição de queda iminente a
qualquer momento, se ele resolvesse me soltar. — Monsieur, se importaria
de dar apenas um passinho para trás... — balbucio e giro meu pescoço,
olhando para trás com medo, vendo os dezesseis degraus atrás de mim.
— Não confia em mim, pequena pécheur? — Retorno meus olhos
diretamente para ele, ao sentir o calor morno da respiração em minha
garganta.
Podia facilmente mentir, que o coração desfibrilado, com
palpitações aceleradas, é por causa de estar sendo segurada na beirada do
topo da escada, e não porque sinto como se estivesse sendo presa em seu
olhar azul tão limpo, que parece um céu celestial, pela forma que me olha.
— Penso que sim — murmuro e abaixo minhas vistas para sua boca,
a vendo se entreabrir, quase como se estivesse me provocando a lembrar de
como ela pode ser cruel e perfeita quando ele me beija.
— Pensa? — As palavras saem baixo e ele pergunta de forma
traiçoeira.
— Foi o único a me dizer a verdade. — Meus olhos se elevam para
os seus, enquanto sinto seus dedos se esmagarem lentamente em minha
cintura.
Seguro seus braços com mais força quando ele nos vira lentamente,
fazendo eu me afastar da beirada da escada, ficando de frente para mim,
ainda me mantendo presa pela cintura.
— Como se sente?
— Como uma pessoa que viveu dezenove anos no escuro. E agora
que a luz se acendeu, eu não sei o que fazer... — Dou um sorriso triste para
ele, falando a verdade.
Sua cabeça balança lentamente em positivo, enquanto ele me
observa olhando meus braços antes de voltar seus olhos para os meus.
— Marrie não está em casa, Edmundo a levou para o vilarejo depois
do jantar. — Ele ergue a cabeça para cima, prestando atenção no som das
gotas fortes de chuva caindo no telhado. — Creio que o temporal acabou os
impedindo novamente de voltar. — Quando sua cabeça se abaixa, trazendo
seus olhos para os meus, vejo um sorriso no canto dos seus lábios. — O que
começo a perceber que é muito vantajoso para eles...
Rio e abaixo meus olhos, balançando minha cabeça em positivo,
descobrindo que não sou a única a ter percebido a forma como eles ficam
perto um do outro.
— Precisava de Marrie para alguma coisa, mademoiselle? — ele
indaga, sério, o que faz eu me lembrar do motivo de ter saído do quarto
desesperada, atrás de Marrie.
Minha cabeça se ergue na mesma hora e olho na direção da minha
mão, que segura seu braço, com a bolinha de papel suja de sangue em meus
dedos.
— E-eu... rããm... — Rio, nervosa, e nego com a cabeça, soltando
seu braço e dando passinhos para trás, para que ele me solte. — Coisa
boba...
Meus dedos se esmagam com nervosismo e volto a ter consciência
que tem sangue escorrendo por minhas pernas. Minha cabeça se abaixa
assim que o risco de sangue toca o peito do meu pé, me fazendo respirar
mais depressa.
— O que... — Sua voz se cala quando ele começa a falar. Ergo
minha cabeça o e vejo olhando para minhas pernas, vendo o mesmo que eu.
— Eu sinto muito — falo, nervosa, mordendo meus lábios e levando
minhas mãos para frente da camisola, me sentindo suja diante dele. — Sinto
muito, não consegui controlar... Pensei que Marrie pudesse me ajudar...
Dame Emanuelle me dava coisas para tapar o sangue, mas eu não tenho
nada comigo...
Estou tão mortificada pela vergonha, que não consigo nem olhar
para ele. Sinto meus olhos arderem e as lágrimas começarem a ameaçar a
descer. E a única coisa que vem em minha mente são os gritos da freira
regente, me chamando de porca imunda, me condenando por estar impura
diante de um homem. Meus pés viram, enquanto corro na direção do meu
quarto, levando as mãos à frente da minha pélvis, como se pudesse conter
meu sangue. Bato a porta atrás de mim assim que passo por ela, olhando o
lençol sujo jogado no chão, o qual eu tinha tirado antes de sair do quarto.
Marrie irá ficar triste comigo, por ter sujado o lençol tão bonito com meu
sangue sujo.
Estico meu braço e raspo as pontas das minhas unhas em minha
pele, fazendo a ardência se alastrar quando começo a rasgar com mais
força, arranhando mais forte, andando assustada para o banheiro. Tiro a
camisola e entro embaixo da água, pegando o sabonete com pressa e o
esfregando em minhas pernas, vendo a água vermelha escorrer para o ralo.
Mordo minha boca e aperto forte o lábio inferior, enquanto fricciono
intensamente o sabonete contra a pele, mesmo quando ele escorrega dos
meus dedos pela forma bruta como me lavo. Continuo a esfregar minha
perna, cravando mais forte as unhas, como se pudesse fazer isso parar,
como se pudesse tirar toda essa sujeira de dentro de mim. Mas ela não para,
não vai parar, porque, no fundo, eu sou uma porca imunda, uma porca
imunda nascida da desgraçada da minha mãe, jogada dentro de um quarto
escuro, que foi tudo que eu tive a vida inteira para esconder toda a imundice
e podridão da minha criação.
— Suja... Suja... — murmuro, chorando, rasgando mais forte minha
pele, enquanto esfrego minhas pernas. — Porca imunda, imunda, Eva...
Meus olhos ficam congelados no sangue que escorre no ralo, tendo
apenas a face de Freire em minha mente, o som da sua voz, os gritos da
freira regente. Meus gritos, gritos de dor, ecoam por minha boca. A
sensação da coleira em meu pescoço, a mesma coleira que queimava a pele,
me deixando presa na parede quando eu era desobediente, porque eu era
impura. Era suja e precisava ser uma boa menina, uma menina obediente,
uma menina quietinha, mas boas meninas não eram imundas e sujas.
— Porca imunda, imunda...
Fecho meus olhos e ergo meus dedos, arranhando meu pescoço,
como se pudesse sentir o material do couro em volta dele, me lembrando da
minha sujeira, da minha desgraça. O choro vem mais forte e soluço,
rasgando minha pele, desejando que a dor me limpe, que a dor me purifique
da minha sujeira.
— Imunda... — E quanto mais eu me arranho, mais suja eu me
sinto, o que faz eu me arranhar ainda mais, desesperada.
— Pare agora! — O som da voz zangada falando ao meu lado, em
comando, me faz olhar assustada para o homem dentro do banheiro, que
estica sua mão e prende meu pulso, o esmagando com pressão. — Chega,
Eva!
— Imunda, meu sangue me deixa imunda... — balbucio e encolho
meus ombros, chorando com tanta dor.
Seus olhos desviam dos meus e observa meu braço, abaixando sua
atenção para minhas pernas, antes de olhar para meu pescoço. Vejo seus
lábios se esmagarem, enquanto inala fundo, dilatando suas narinas e
rangendo seus dentes. Ele solta meu pulso e estica seu braço para o registro
da torneira do banheiro, o fechando. Seu corpo gira e ele puxa uma toalha
do gancho da parede, deixando sua bengala encostada na pia do banheiro,
antes de jogar a toalha em volta de mim. Meu rosto encosta em seu peito
quando ele se aproxima lentamente. Choro baixinho e fecho meus olhos,
tendo seus braços me abrigando, com um ficando rente minhas costas e o
outro se abaixando para trás dos meus joelhos, me tirando do chão.
— Venha, Eva! — Escuto o timbre da sua voz murmurar perto dos
meus cabelos, com seu rosto se esfregando neles, enquanto caminha
devagar para fora do banheiro.
Sir Hector é silencioso quando me deixa no chão, de pé, aos pés da
cama, e seca meu corpo sem pressa, mantendo seus olhos concentrados na
toalha, secando cada parte da minha pele. Ele levanta, sério, e olha para
minha face, escorregando a toalha em minha garganta, tendo seus olhos
fixos nela.
— Se fizer isso de novo com você mesma, vou ser obrigado a lhe
disciplinar. — Seus olhos azuis brilham em um tom escuro quando ele os
para nos meus, falando em tom baixo, mas sério o suficiente para eu saber
que ele está falando a verdade. — Tenha isso em mente na próxima vez que
se ferir de propósito, pequena pécheur.
— Não entendi porque me chamava assim na primeira vez que disse,
mas é isso que eu sou, não é, sir Hector?! Uma pecadora... — Olho para ele,
chorando e balançando minha cabeça para o lado. — Uma alma tão suja e
pecadora quanto o meu sangue.
— Non, pequena. — Suas mãos se erguem e ele seca meus cabelos,
respirando forte. — Sua alma não é suja, pequena Eva, muito menos seu
sangue.
— O que está fazendo... — pergunto, baixinho, fungando e
erguendo meus dedos, para limpar meu rosto.
— Estou te secando, Eva, cuidando de você — ele fala direto, sem
perder sua concentração no que faz.
Sir Hector mantém os movimentos lentos, como se estivesse
secando mecha por mecha, e mesmo aqui, despida diante dele, dentro desse
quarto, eu não desejo sair, não quando pela primeira vez na minha vida
entendo o significado da palavra ser cuidada.
— Eu estou suja, monsieur, não devia estar tocando em mim... —
Meus ombros se encolhem enquanto abraço meu corpo, encarando o chão.
— Está menstruada, Eva, não suja — ele diz calmo, não tendo
pressa em terminar de secar meus cabelos.
— Mas ainda assim não penso que deva ser correto, sir, estar me
tocando comigo assim...
— Estigma da menstruação é um tipo de misoginia, Eva. Puro tabu.
— Sua voz sai baixa e ele termina de secar meus cabelos, saindo de trás de
mim e ficando à minha frente, jogando a toalha no chão junto com o lençol.
— Tabus contraproducentes, criados apenas para fazer a menstruação
feminina parecer algo vergonhoso, que deva ser escondido.
Sua face retorna para a minha e segura meu queixo, me fazendo
levantar a cabeça para ele.
— Não lhe ensinavam sobre isso no colégio? — Seu olhar me
estuda e se mantém sério, parado diante de mim.
— Não — cochicho e nego com a cabeça.
— Não sei por que isso não me surpreende... — Ele solta meu
queixo e dá um passo para trás, inalando o ar com força, como se só agora
permitisse seu olhar vagar por meu corpo. — Não há nada de errado, pelo
contrário, é algo belo, que faz parte da natureza feminina.
Sinto como se seu olhar atravessasse minha pele, podendo enxergar
minha alma com a intensidade que ele me olha, não demonstrando
desconforto algum por estar me encarando. Ele se vira e fica de costas para
mim, caminhando para o guarda-roupa e o abrindo.
— A tribo Mbendjele, da África Central, por exemplo, cultua o ciclo
feminino. Para eles é considerado algo sagrado, uma bênção poderosa da
Lua para as mulheres.
— Acho que a freira regente discordaria, e ainda alegaria que isso é
uma herança do pecado. — Sorrio sem felicidade, murmurando e fungando
com pesar.
— O pecado de Eva, eu presumo. — Ele ri com deboche e passa
seus olhos por minhas roupas. — A velha história da maçã...
— Não acredita que Eva pecou e acabou caindo em desgraça, por
não conseguir controlar seu desejo em comer a maçã... — Descruzo meus
braços e os deixo caídos ao lado do meu corpo, olhando para o chão. Meus
cabelos ficam caídos na frente do meu corpo e tapo meus seios, enquanto
respiro lentamente. — Que devia ter lutado mais contra o pecado que a
serpente lhe induzia...
— Foi com as palavras que a serpente seduziu Eva, a maçã serviu
apenas para selar o pecado. — Sua voz sai baixa e faz um som diferente em
sua garganta quando a voz dele sai rouca.
Meus olhos levantam para sir Hector e o vejo virado para mim,
segurando um vestido meu em suas mãos.
— Por que ela seduziu diretamente Eva? Por que tinha que marcar
uma alma com o pecado? — Pisco, confusa, não entendendo por que ele faz
emoções tão divergentes borbulharem dentro de mim.
E me sinto verdadeiramente como Eva, diante da serpente que a
tenta. Penso que nossas almas já deviam ter alguma marca pecadora, a qual
apenas a serpente via.
— Acredito que foi Eva que seduziu a serpente, que a enfeitiçou
com seu olhar inocente, sendo algo puro demais para a escuridão da
serpente resistir...
Não sei mais se estamos falando sobre o pecado original ou sobre
nossos pecados. Apenas fico parada, como se estivesse sentindo tudo que
Eva sentiu naquele Jardim do Éden antes de ser expulsa do Paraíso, ao
ceder ao pecado. Mas a diferença entre nós duas, é que eu não vivo no
Jardim do Éden, e muito menos tenho a alma pura como ela tinha, para
fazer a serpente desejar corrompê-la. Minha alma já nasceu suja e marcada
com o pecado muito antes de eu almejar cometê-lo. Uma alma confusa, que
não compreende o caos dentro de mim, mas se acalma perante o olhar azul,
que a deixa serena, como se ele conhecesse meus demônios.
— O que eu sou, monsieur? — pergunto, baixinho, com meus olhos
ficando marejados novamente e com minha cabeça balançando para os
lados, me sentindo tão cansada, como se tivesse milênios e séculos de vida
solitários dentro de mim, que desejam encontrar a calmaria. — O que
realmente eu sou? Uma pecadora ou uma amaldiçoada que carrega na alma
os pecados e os crimes dos outros?
Meus olhos se fecham e solto um soluço, não tendo nada mais que a
dor, aquela dor forte, me esmagando por dentro, ao ponto de me fazer
desejar arrancar meu coração para fora. Minhas unhas raspam a lateral da
minha perna e não consigo suportar isso que está dentro de mim. Sua mão
se fecha em meu pulso antes que as unhas rasguem a pele. Meus olhos
abrem e o vejo diante de mim, erguendo sua outra mão para minha nuca e
segurando forte quando prende seus dedos em meus cabelos, me olhando
com um olhar azul tão claro, que posso jurar que é o céu.
— Non, pequena. É portadora da alma mais pura e submissa que eu
já vi, uma alma pura e bela, assim como seu sangue, porque faz parte da sua
natureza. — Sua voz sai firme, enquanto todo o caos vai se dissipando,
ficando apenas o fogo ao ter seus lábios tocando os meus. — Você é a
pureza a qual minha escuridão não conseguiu resistir, Eva!
Minhas mãos trêmulas já não estão nervosas e nem angustiadas,
quando levantam e seguram em seu ombro. Assim que ele solta meu pulso,
seu braço circula minha cintura e me traz para perto dele, causando o raspar
dos bicos dos meus seios em seu tórax firme. Gemo, ficando mole em seus
braços, respirando mais depressa pelo nariz, me sentindo devastada pela
forma como ele me domina. Não existe mais o que eu sou, o que eu era ou o
que eu serei. Existe apenas o que ele me faz sentir, quando me beija com
tanta posse. Sua mão se ergue e se embrenha em meus cabelos, os
segurando com força enquanto choca seu quadril ao meu, me deixando
sentir a protuberância dentro da sua calça. E antes que possa processar,
sinto meu corpo ser tombado para trás com o peso dele se deitando por
cima de mim no colchão.
Seus lábios soltam dos meus e me faz arfar meu peito quando
respiro rápido. Os olhos expressivos azuis avaliam meu rosto, e ele encaixa
sua pélvis sobre o meu quadril, empurrando minhas pernas para o lado,
dando passagem para sua pélvis se encaixar entre a minha virilha. Suas
mãos erguem meus braços e os leva para cima da minha cabeça, as
deixando presas lá pelo pulso. Ouço um rosnado suave saindo dos seus
lábios, deixando sua atenção cair para os meus seios eretos, que sobem e
descem rapidamente.
— Vou lhe arrastar para o pecado junto comigo, Eva. — Sua voz
vibra em meus ouvidos quando um toque quente da sua respiração próxima
a minha garganta me acerta, me fazendo gemer baixinho. Me sinto
derretendo, como um sorvete sendo chupado por sua boca, com sua língua
me torturando ao deslizar em minha pele. — Mas se aceitar cair em pecado
comigo, pequena pécheur, não terá volta, porque a serpente é gananciosa
demais.
Ele ergue sua cabeça e a deixa parada diante da minha, com seus
olhos azuis me consumindo, como uma fogueira perigosa e diabólica. Qual
volta minha vida podia ter? Para o inferno que eu vivi durante dezenove
anos, na esperança de um dia ir morar com a pessoa que desgraçou a vida
da minha mãe? Viver sem saber o que sou ou aceitar o que a serpente me
oferece de tão bom grado, me seduzindo com suas palavras? Não é a maçã
que sela meu pecado, são os seus lábios, quando minha cabeça se ergue e o
beijo, aceitando o que ele me oferece. E ele pega tudo, me conduz ao
inferno, onde minha alma queimará pela eternidade, mas ao lado da dele.
— Não ouse abaixar suas mãos, pequena pécheur. — Ele solta meu
pulso e segura meu queixo com pressão entre seus dedos.
Gemo quando seus dentes mordiscam meu lábio inferior, o
prendendo entre sua boca e o sugando lentamente, me fazendo sentir como
se uma revolução estivesse sendo travada dentro de mim, um combate entre
o céu e o inferno, onde meus anjos lutam contra os meus mais perversos e
nefastos demônios, demônios bestiais, que gritam com fúria, desejando sua
liberdade. E sir Hector os liberta, os solta, os enchendo de mais fome e
incitando a guerra. A pele do meu pescoço se arrepia, sendo queimada por
cada pedaço que seus lábios tocam, junto com sua respiração morna. Suas
mãos escorregam pela lateral do meu corpo, como se seus dedos
mapeassem as linhas dos meus contornos.
— Deus! — Abro meus olhos, tendo um movimento involuntário do
meu corpo, que se arqueia imediatamente para frente, quando sua boca para
em cima do meu peito.
Meu pescoço levanta e olho no mesmo segundo para o homem que
abre sua boca e abocanha meu seio. Minha cabeça se afunda no colchão e
um grito rasga por minha garganta, ao ter essa nova sensação alastrando
choques por meu ser. Eu vibro, mordendo minha boca, me sentindo viva a
cada deslizar da ponta da sua língua no bico do meu seio. Os dedos que
esmagam minha cintura, se prendem com força na lateral do meu corpo.
Sua boca solta a minha e captura meu seio, o sugando com a mesma
selvageria, e não sei o que é mais intenso: a besta sobre mim, que me
despedaça, cravando seus caninos na pele do seio quando morde, causando
um pico de dor que ricocheteia diretamente no centro das minhas pernas; ou
a besta dentro de mim, que me rasga de dentro para fora, querendo mais dos
seus toques pecaminosos.
Minhas unhas cravam nas palmas das minhas mãos e as mantenho
no alto da minha cabeça, com meus braços esticados no colchão, não
desobedecendo sua ordem. Meu rosto tomba para o lado e entreabro meus
olhos, o vendo deslizar sua língua pelo vale dos meus seios, descendo para
minha barriga. Suas costas estão arqueadas, com os músculos dos ombros e
dos braços saltados. Os cabelos negros são escuros como a noite, e um olhar
feroz reluz em seus olhos azuis, quando ele morde minha barriga com força,
mantendo seu contato visual comigo. Respiro mais forte e sinto meu corpo
inteiro responder ao seu ataque, não com medo ou pavor, mas com deleite,
com luxúria, uma dor selvagem, que silencia o caos dentro de mim, o
varrendo para longe. Sinto o toque perverso da sua língua, que escorrega
em volta do umbigo e faz círculos, esmagando minhas coxas em seus dedos
com brutalidade, ao ponto de me fazer gemer, sem saber se é dor que sinto
ou prazer em o ter me machucando. Meu corpo se retrai e tento fechar
minhas pernas quando sua cabeça se move junto ao seu corpo, se
abaixando.
— Monsieur! — falo, assustada, não entendendo o que ele está
fazendo. — Não... OHHH, DEUS! — grito no segundo que ele esmaga com
mais força minhas coxas, as obrigando a se manter abertas, causando uma
ardência na região.
Mas qualquer dor apaga e fica distante, assim que sua respiração
acerta em cima do centro das minhas coxas. Um rosnado alto sai da boca
dele, e eu simplesmente me sinto vibrando, ao sentir o toque da ponta da
sua língua em cima da minha vagina, tocando um nervo pequeno e
escondido acima entre os lábios. Fecho meus lábios e minha boca se
entreabre. Sinto como se meu coração fosse pular para fora, de tão rápido
que bate. O fôlego fica mais eufórico e não sei em qual patamar de pecado
isso condiz, mas é como se meu corpo não se importasse. Ele deseja ser
arrastado para esse paraíso deturpado que sir Hector me arrasta. Recordo da
freira regente falando que o pecado da luxúria condenaria as almas a
arderem nas profundezas do inferno, que a mulher que buscava alívio carnal
em um homem, tinha sua alma carregada para os demônios. Mas não é um
homem que me toca, é o verdadeiro demônio, que me faz pecar não só
como uma mulher que tem seu corpo transbordando luxúria, mas como uma
que acha correto ele me possuir assim, com meu sangue impuro escorrendo
por minha vagina.
— Ohhh, Deus! — Minhas unhas cravam mais forte na palma da
minha mão, enquanto sinto meu estômago se contraindo e as solas do meu
pé queimando, com os dedinhos se contorcendo, fincando no colchão. —
Cristo, eu vou para o inferno! — balbucio entre um gemido, não
conseguindo manter minha mente em ordem a cada deslizar da sua língua
em cima do meu clitóris, o circulando mais depressa.
Sua mão escorrega das minhas coxas para minha bunda e me
mantém presa no lugar, me fazendo sentir tanta dor pelo aperto forte que dá,
como prazer. Escuto um riso baixo e diabólico escapar da sua boca, feito
uma serpente astuta e maligna, que acabou de corromper de vez a minha
alma, meu corpo. Minha cabeça gira para o outro lado e arqueio meu tórax
para cima, tendo os tremores aumentando e a euforia se transformando em
agonia. E eu caio, caio diante da besta, que me suga com tanta força,
libertando de vez a besta que está dentro de mim.
— Ohhh... — Abro meus olhos e gemo com puro delírio quando me
sinto sendo cortada por uma descarga insuportável de energia, a tendo
correndo por minhas veias, disparando choques dentro do meu cérebro. —
Monsieur, está queimando, eu estou sentindo minhas veias queimando...
Minhas mãos não são mais obedientes e nem ficam quietas acima da
minha cabeça, quando meus braços se esticam e seguram em seu ombro,
com tremores fortes sendo disparados em minhas coxas, retraindo meus
músculos. Me sinto caindo e caindo, não tendo nada além dos seus ombros
para me amparar. Os movimentos circulares em cima do meu clitóris se
tornam mais densos e ferozes. Suas mãos, abaixo do meu rabo, se soltam e
param à frente do meu corpo, com seus dedos esmagando meus seios. E o
pequeno beliscão no bico da mama é o suficiente para me desestabilizar de
vez, como uma chave que foi virada dentro de mim no segundo que a dor e
o prazer se chocam, causando uma explosão dentro da minha mente, me
dando a sensação de que meu cérebro se tornou várias partículas, que ficam
boiando dentro da minha cabeça, e meu corpo nada mais é que uma massa
mole e gelatinosa.
Minhas pernas desabam e meus pés escorregam da beirada do
colchão, ficando com elas penduradas, tendo apenas choquinhos causando
tremores em meus pés. Respiro depressa, com um sorriso fraco se
esboçando em meus lábios, enquanto meus braços caem lentos ao lado do
meu corpo. O som do seu corpo se levantando entra em minha mente pouco
a pouco, seguido do barulho do zíper da sua calça. Meus olhos se abrem
devagar, molengas e preguiçosos, e encontro sua imagem parada aos pés da
cama, com seus olhos pregados em minha face, enquanto retira o cinto
lentamente.
Seu peito sobe e desce depressa, com ele tendo seus cabelos negros
bagunçados, sendo a mais devassa e perigosa personificação da serpente, o
vermelho se destacando em sua pele. E nesse segundo, olhando o demônio
diante de mim, com seus olhos safiras queimando como duas pedras de
fogo azul, passando a língua lentamente pelo canto da sua boca, eu não me
sinto mais como Eva, eu me sinto como a maçã.
Respiro fundo e mordo minha boca, não conseguindo controlar
meus olhos de desvendar seu corpo, e dessa vez não como uma intrusa
bisbilhoteira, que o assiste pela fresta da porta do banheiro, mas sim o
admirando de verdade, o tendo me tocando. Observo a magreza falsa, com
os músculos disciplinados, que vão ficando mais rígidos conforme ele
respira; as pernas longas com cicatrizes nas coxas, estigmas finas, as quais
mostram a precisão cirúrgica de cada linha que foi aberta em suas pernas.
Sinto minha bochecha queimar, ainda não entendendo o que poderia ter
sobrado de vergonha dentro de mim depois dele ter acabado de me tocar de
uma forma que nunca nenhum homem me tocou. Mas, ainda assim, fico
tímida, desviando meus olhos do seu quadril quando ele abaixa sua cueca.
Seus olhos azuis estão presos nos meus, quando caminha para a cama. Vejo
seus olhos com um brilho diferente por um segundo, antes de retornar à cor
escura predominante, com ele mantendo o cinto em suas mãos, o segurando
com força.
— Não faço esse tipo de sexo, Eva. — Pisco, confusa, quando sua
voz sai pesada e ele inala o ar com força. — Mas, apenas dessa vez, abrirei
uma exceção.
Fico sem entender, olhando para o cinto em suas mãos. Não é o tipo
de assunto que eu possua entendimento, até então a única coisa que aprendi
é que só podia deixar um homem tocar em mim quando ele fosse pôr um
filho dentro do meu corpo. Meus pensamentos são dissipados quando sua
mão se move e segura meu pulso, passando o cinto em volta dele e
repetindo o mesmo no outro, os deixando unidos.
— Monsieur, vai me pôr de castigo? — Olho para o cinto e ergo
meus braços, olhando meus pulsos contidos. — Por isso me amarrou...
Sua face demonstra confusão e olha para mim sem entender minha
pergunta.
— Fiz algo que lhe desagrada... — Respiro depressa e viro meu
rosto para o canto do quarto, tentando entender o que eu fiz de errado para
ele me castigar.
Sinto sua mão segurar meu rosto, enquanto me olha e estuda minha
face, abaixando seus olhos lentamente para os meus pulsos.
— Por que pensa que fez algo que me desagradou, pequena
pécheur? — Sir Hector ergue seus olhos para os meus, esmagando sua boca.
— Monsieur me amarrou... — Nego com a cabeça e sinto meu
corpo todo perdendo o calor, com apenas o medo crescendo. — Não quero
ficar no escuro de novo, é vazio e solitário lá.
Mordo minha boca e olho para o cantinho da parede, não desejando
ficar lá. Meu rosto se volta para o seu assim que sinto meus braços sendo
erguidos, com sua cabeça passando entre eles, deixando meus pulsos atrás
da sua nuca. Seus olhos estão presos nos meus e seu quadril se arruma entre
minhas pernas, as afastando. Segura minha coxa e a faz se erguer, passando
por sua cintura, com seu outro antebraço apoiado na cama e sustentando seu
peso que paira acima do meu.
— Nunca mais ficará sozinha no escuro novamente, Eva! — Sua
voz sai baixa e ele empurra seu quadril para frente, me deixando sentir seu
pênis se encaixando na entrada do meu corpo. — A única dor que seu corpo
irá conhecer, será a dor erótica, a qual eu ensinarei a ele. Por isso, pense
bem se realmente deseja o que vai acontecer agora, se quer ficar presa a um
demônio que nunca mais permitirá que você fique sozinha no escuro.
Porque depois que meu pau se afundar até o último centímetro dentro da
sua boceta, não terá mais volta, porque será apenas minha, pequena
pécheur.
Me perco em seus olhos, vendo o perfeito paraíso destruído que ele
me oferece, e mesmo sendo uma ruína, eu aceito, porque ele é a única coisa
real que eu já tive na minha vida. Minha cabeça balança em positivo e
prendo mais forte minhas pernas em sua cintura, quando ergo a outra e o
enlaço.
— Ninguém pode dizer que o diabo não deu uma chance à doce
Eva! — Um sorriso fraco se forma ao canto dos seus lábios. — Sangue,
carne e pecado.
— O que...
Minha voz é calada quando sua cabeça se abaixa, esmagando minha
boca com a sua. Meus olhos se arregalam e retraio as pontas dos meus
dedos da mão, mordendo sua boca com força assim que seu quadril se
empurra de uma única vez para dentro de mim, me fazendo gemer de dor e
de agonia, como se estivesse sendo rasgada. Sinto o sabor do seu sangue,
que sai da sua boca pela mordida que dei, se misturando com o próprio
sangue que tem em seus lábios. É como se fosse uma assinatura perpétua
selando nosso pecado, com meu coração disparado e batendo depressa a
cada segundo que ele se move lento para trás, retornando a me invadir.
Meu corpo fica perdido, sem saber lidar com o despejo de emoções
que vai se misturando dentro do meu ser. Dor, angústia, prazer, tudo vai
ficando maior, se tornando algo que não consigo entender, e apenas me
tomando, tendo a posse dele sobre mim, me submetendo a cada canto que
seu pênis invade. Meu corpo é erguido por ele, que me segura pela bunda,
ficando em seus joelhos na cama, me fazendo o sentir mais fundo dentro de
mim. Minhas unhas arranham suas costas, dividindo minha agonia e
loucura com ele, apenas sendo arrastada para o inferno e queimando em
seus braços. Seu beijo fica mais dominante e ergue sua mão para minha
cabeça, puxando meu cabelo para trás. Gemo, alto, e respiro depressa,
sentindo sua língua escorregar por meu queixo e chupar minha garganta.
Meus olhos se abrem e ficam presos no teto do quarto. Sinto tudo,
desde o couro da cabeça, que arde ao ter os cabelos puxados para trás, até a
mordida dos seus dentes, que perfura a pele. Meus seios são esmagados
pelo seu peito, os ossos do seu quadril estouram em minha virilha, minhas
coxas esmagam mais forte sua cintura, e apoio meus pés em sua bunda. Sua
mão está como aço, prensada em minha bunda. Ele movimenta meu corpo
junto com o seu, enquanto seu pau me invade, e eu me sinto livre, livre pela
primeira vez na minha vida, como se tudo que ele me faz sentir fizesse parte
de mim. Não estou mais perdida ou confusa. Porque cair em pecado não me
destruiu, mas sim quebrou as correntes que me trancafiavam por dentro.
— Tão quente, minha pequena pécheur — rosna, com ele
esmagando mais bruto minha bunda, mordendo com o dobro de força meu
pescoço, largando-o apenas para marcar o outro lado.
Sim, eu sou uma pecadora. Uma pecadora que queima no inferno,
mas se sente viva nos braços da serpente, não impura, mas sim dele. Não
entendo o que sou, nem para o que fui criada, mas nesse momento sinto que
em toda minha vida, eu estava sendo preparada para ele. Meu perfeito
paraíso destruído, onde Eva não é expulsa, mas sim retorna para casa. Sinto
nossas peles colando, os movimentos ficando mais desesperados, um
mundo de ruína encontrando paz e meu demônios encontrando seu lar a
cada batida do meu coração. A sensação do fogo me queima, correndo sua
lava por minhas veias, retorna mais densa, intensa e selvagem, e minha
mente cai em desgraça, virando apenas moléculas, várias partículas de
moléculas.
Sua mão solta meus cabelos quando um grito rasga minha garganta.
Meu rosto se apoia em seu ombro e o mordo com a mesma agressividade
que ele me morde, sentindo o gosto do seu sangue em meus lábios, o
sugando com força, tendo seus braços me prendendo pelas costas, me
abraçando com força. Tremo por inteira, com os músculos das coxas se
comprimindo ao redor da sua cintura, e caio no mais perfeito e nefasto
pecado, com todo prazer da minha vida, tendo um som grotesco e rouco
saindo da sua boca, quando se afunda, até me fazer o sentir por inteiro
dentro de mim, com seu corpo tremendo e ele marcando minha garganta
com seus dentes.
Meus olhos se abrem e vejo o espelho da porta do guarda-roupa
aberto, virado para nós, e pela primeira vez eu concordo com a freira
regente. O vermelho do meu sangue realmente simboliza meu pecado, mas
ele não é imundo. É o vermelho do pecado da minha alma, da minha
rendição diante desse perverso diabo, da tentação na qual eu decaio, da
paixão que me incendia, da minha entrega carnal e submissão a ele, que nos
liga em sangue, carne e pecado.
CAPÍTULO 14
A maçã podre
Nolan
A boca do jovem Nolan se entreabre, soltando um gemido rouco
dentro do carro, com suas costas se inclinando no encosto do banco de
couro do carona, enquanto os músculos das suas pernas ficam rígidos e seu
pau pulsa, ejetando toda sua porra dentro da pequena boca que o suga com
esfomeação. A mulher loira o chupa mais forte, enquanto engole sua porra
até a última gota.
— Cristo, Stacy, está acabando comigo! — Nolan fala com a voz
arrastada, sentindo a forma preguiçosa que seu corpo se encontra quando o
gozo acaba.
— Você que está acabando comigo — ela murmura e escorrega sua
língua uma última vez por cima da cabeça do pau do rapaz, antes de afastar
sua cabeça e se arrumar no banco do motorista. — Desde o segundo que
seus olhos se encontraram com os meus.
Nolan gira seu rosto para ela e sente o afago brando em seu queixo,
que recebe da linda mulher com quem ele anda passando suas tardes em
encontros furtivos, em locais sem movimentação, para manter a discrição
deles. Nolan sente como se esses momentos com Stacy, nessas últimas duas
semanas, fossem a única coisa que o faz se sentir bem de verdade, desde a
partida de Eva. A revolta tinha o tomado com pura força, o fazendo sofrer
por ela ter sido entrega àquele filho da puta velho e aleijado. O ódio por sua
mãe ficou aflorado, o fazendo condená-la por ter sido gananciosa e vendido
Eva. Nolan não é ingênuo, sempre soube exatamente quem sua mãe é.
Torna-se meio difícil ser filho da cafetina mais conhecida da França, morar
dentro do bordel dela e não saber o que ela faz. Mas ela mentiu para Nolan,
e a sensação de traição no coração do jovem é inevitável. Emanuelle tinha
quebrado sua palavra. Ela tinha prometido a Nolan que não faria com Eva a
mesma coisa que ela faz com as outras meninas, e Nolan acreditou de
verdade na palavra da sua mãe, porque assim como ela, também sabia que
Eva era doce e ingênua para essa vida de prostituição.
Quando Eva chegou na casa parecia um filhotinho de cachorro
perdido, assustado e carente, que ao primeiro afago se transformava em um
filhotinho risonho e brincalhão, que vivia perto dele. Nolan se afeiçoou por
ela assim que a viu, sentiu seu coração disparado, e fazia de tudo para
conseguir tirar um sorriso da face de Eva. Mas sua mãe o traiu, entregou
Eva para aquele velho de merda, um maldito velho! E o ódio se enraizou no
coração do jovem, o fazendo não ouvir as falsas alegações da sua mãe, que
tentou justificar o que ela fez. Nolan não acreditava em suas palavras ao
dizer que era o melhor para Eva, que a jovem precisava ser cuidada por
aquele aleijado. Eva não precisava de um velho de merda na vida dela, sua
mãe apenas foi uma cafetina gananciosa, essa era a verdade.
A partida de Eva desencadeou a rebeldia em Nolan, o fazendo ficar
mais tempo fora de casa, e foi assim, ao sair da academia, que sua vida se
cruzou com Stacy, quando ele praticamente a atropelou, quando os dois se
esbarraram na rua. Nolan recorda de ter perdido o fôlego. Nunca tinha visto
uma mulher tão linda, com cabelos loiros longos e bonitos, assim como
seus olhos acastanhados, que o fazia ficar encantado. Um sorriso
envergonhado saiu dos lábios dela, um pedido de desculpa saiu dos dele, e
uma conversa brincalhona começou para quebrar o clima. Um convite para
tomar café na esquina para continuar o bate-papo foi feito, o qual ela
aceitou. Ela era tão encantadora, que apenas nas poucas horas que passaram
juntos, ele já tinha contado sobre sua primeira decepção amorosa, por ter
perdido sua Eva. Ela, triste e sofrendo em seu casamento abusivo, com um
marido violento, contou sobre sua vida para ele. E antes do fim daquela
noite, Nolan e Stacy estavam trepando no banco de trás do carro dela, e
continuaram. Ela ia encontrar com ele todos os dias depois da academia,
para os dois foderem como loucos. Só que Stacy era diferente, ela não era
como as garotas da idade de Nolan, com quem ele saia, e nem como as
garotas da academia, muito menos como as meninas do bordel da sua mãe.
Nolan achava que mesmo sendo jovem, já era experiente pelo tanto de
boceta que ele já tinha comido. Mas nas mãos de Stacy ele se sentia um
virgem que estava descobrindo um prazer melhor do que outro a cada
encontro.
— Como andam as coisas entre você e sua mãe? — ela pergunta,
baixo, fechando os botões da sua camisa e empurrando seus cabelos para
trás.
— A mesma merda de sempre — Nolan responde com melancolia e
guarda o pau esfolado pela boca dela dentro da cueca, arrumando sua calça.
— Mamãe é mentirosa.
— Ainda está bravo com ela por conta da jovem? — A face da loira
carinhosa se vira para ele, o olhando com brandura. — Ela realmente devia
ser especial para você a amar tanto.
— Eva era única.
— Tenho certeza que sim. — Ela alisa os cabelos de Nolan e tomba
sua face para o lado. — Apenas uma jovem muito especial para conseguir
fazer um amor tão lindo assim nascer em seu peito.
O que Nolan aprecia em Stacy é que ela o compreende, ela o ouve,
ao contrário da sua mãe. Stacy entende o quanto ele ama Eva, e mesmo os
dois trepando, ela não se importa em saber que é apenas isso que eles
podem ter, até porque ela é casada e ele já tem Eva em seu coração.
— Por que não vai atrás dela? — Stacy bate a ponta do dedo em seu
queixo. — Procure por ela e conte que a ama.
— Não posso. — Ele respira fundo e vira seu rosto para o lado,
observando a fábrica abandonada do outro lado da rua, vazia, onde eles
costumam ficar para fazer sexo.
— Por quê? — Stacy pisca e olha confusa para ele. — Me disse que
ela também sentia amor por você. Se for atrás dela e se declarar, ela vai
gostar...
— Não é isso, eu apenas não posso ir atrás de Eva. — Ele esmaga
sua boca, negando com a cabeça. — É complicado, você não entenderia...
— Me explique, então, tenho certeza de que vou entender. — Stacy
estica sua mão e segura o queixo dele, o fazendo voltar sua face na direção
dela. — Talvez eu possa te ajudar.
— Não me leve a mal, Stacy, mas...
Ele se cala e abaixa seu olhar. Nolan sabe que Eva nunca mais
voltará para ele.
— Não confia em mim, mon cher? — ela pergunta e deixa sua voz
sair magoada, enquanto solta seu queixo. — Apenas queria poder lhe
ajudar. Eu sei que meu casamento nunca vai mudar, mas ficaria feliz em
saber que você encontrou seu amor.
— Eu confio em você — Nolan fala depressa e segura sua mão. Não
quer deixar Stacy triste, ainda mais porque ela é a única que o entende. — É
que não tenho permissão para falar para ninguém onde Eva está.
Sua mãe tinha o proibido, foi clara ao afirmar que ninguém dentro
do bordel pode falar com qualquer pessoa que seja, sobre Eva, para onde ela
foi e, principalmente, com quem. Mesmo não acreditando nas mentiras dela
ao dizer que é para o bem de Eva, Nolan respeita sua ordem.
— Ela está em perigo? Por isso não tem permissão? — Stacy
pergunta, aflita, olhando assustada para Nolan.
— Tenho certeza de que não, minha mãe só inventou mais
mentiras... — A voz de Nolan soa ressentida, enquanto a raiva por sua mãe
se mantém cada dia mais forte.
Stacy segura a face do rapaz e inclina seu corpo para frente,
beijando seus lábios com lentidão, escorregando sua língua para dentro da
boca dele, o fazendo sentir seu pau ficar duro de novo, apenas com um
beijo dela, de tão intenso que é, nem parecendo que ele a tinha fodido
instantes atrás e gozado na boca dela. A mão de Nolan se ergue e alisa seus
seios por cima da camisa, ouvindo um gemido fraco sair da boca de Stacy
enquanto lhe beija.
— Se acha que é mentira, vá atrás dela! — Stacy murmura e se
afasta apenas um pouco, com sua face perto da dele, olhando-o com paixão.
— Encontre sua amada e a ame como você me ama quando me toca.
Antes que Nolan possa lhe responder, Stacy já está novamente em
seu colo. A saia ainda está torta, assim como sua calcinha, raspando sua
vagina em cima do pau dele dentro da calça, que está ficando em alerta com
o carinho que recebe.
— Não deseja a amar com toda as forças do seu coração, desse
jeito?! — Ela lambe seu rosto e ronrona, fazendo sua mente ficar nublada
de tanto desejo.
Sim, ele deseja mais do que tudo amar Eva, sentir o calor dos seus
beijos e tocar em seu corpo. Quer amá-la, como ela realmente merece. As
mãos de Nolan alisam a bunda de Stacy, imaginando que seja a pele de Eva,
que a mulher sentada em seu colo é a doce jovem por quem ele tinha se
apaixonado. Stacy segura seus cabelos e o faz empurrar a cabeça para trás,
afastando sua boca do rosto dele e o olhando com carinho.
— Se a ama tanto, não devia abrir mão dela. — O quadril de Stacy
para de se mover, com ela falando calmamente.
— Eu não sei como posso chegar até ela. — Nolan confuso, fala
perdido, realmente não tendo ideia. — A pessoa que está com ela...
Ele se cala e morde sua boca, sentindo ódio em apenas lembrar
daquele homem aleijado, parecendo uma maldita sombra dentro da casa.
Tinha desconfiado dele no segundo que o viu olhando Eva distraída na
cozinha, em uma noite, quando Nolan estava indo diretamente para lá atrás
dela, porque o jovem sabia que Eva costumava se sentar de noite sozinha na
cozinha, depois que todos iam se deitar, para comer biscoito e tomar leite.
Nolan quem tinha lhe oferecido a primeira vez, e se agraciou quando a viu
arregalar seus olhos, mastigando com esfomeação o biscoito. Eva o tinha
confidenciado que nunca tinha comido biscoito de chocolate, na verdade,
nenhum tipo de biscoito, ou nada com um sabor tão bom, e que seria sua
comida predileta. Desde então, todos os dias, à noite, ela fugia na pontinha
do pé para comer escondida na cozinha, mesmo Nolan falando que não
precisava comer escondida, que ninguém brigaria com ela.
Mas naquela noite ele não conseguiu chegar até ela, não quando o
manco bloqueou sua passagem no corredor, deixando a bengala na frente do
seu corpo e o encarando, como se soubesse onde Nolan estava indo, lhe
dizendo que já estava tarde para Nolan estar fora do quarto e que seria mais
correto ele retornar para lá. Nolan não teria obedecido sua ordem e muito
menos deixado de ir atrás de Eva, se não fosse por sua mãe, que apareceu
no corredor e os viu ali, se confrontando. Foi a primeira vez que viu
Emanuelle nervosa e assustada, por conta de um simples olhar que o idiota
do aleijado deu para ela. A mãe de Nolan o obrigou a voltar para o quarto,
lhe dando uma bronca e dizendo que era para ficar longe daquele homem e
não o confrontar. Quando Nolan perguntou por que ela tinha tanto medo,
sua mãe apenas disse uma única frase.
— A última coisa que vai desejar na sua vida, é ter Hector
Pellegrini como inimigo, Nolan!
E assim o fez, ele respeitou o pedido da sua mãe e o aviso dela.
Sabia que aquele homem tinha alguma coisa estranha, parecia um morto-
vivo sem alma. Mas um corpo sem alma que não tinha ido lá para foder
com as vadias que sua mãe oferecia para os clientes, aquele filho da puta
tinha ido lá por causa da Eva.
— Esqueça Eva, Nolan. Precisa esquecê-la, se não quiser trazer
morte para dentro dessa casa. Hector Pellegrini é o guardião dela agora.
Nolan se recorda das palavras da sua mãe no dia que Eva partiu,
enquanto ele a olhava ir embora dentro daquele carro com aquele homem
maldito.
— Eu não posso ir até ela, não quando aquele demônio se apossou
da minha Eva.
Os dedos de Stacy se prendem em seu queixo, enquanto ela alisa sua
face com a outra mão.
— Não precisa ter medo do demônio, apenas me diga o nome dele e
eu descubro como o exorcizar para você, meu amado Nolan.
Nolan sabe que Stacy tem boas intenções, mas não acredita que ela
possa fazer alguma coisa. Nolan havia pesquisado sobre o babaca aleijado.
Ele é de uma família nobre e importante, cheia do dinheiro, praticamente
intocável. Não entende ainda por que justo Eva tinha que ter chamado a
atenção dele.
— Ninguém pode fazer nada, Stacy. — Nolan respira fundo e nega
com a cabeça, voltando a olhar para ela. — Hector Pellegrini tirou Eva de
mim para sempre — Nolan fala tristemente e fecha seus olhos, inalando o
ar com força.
Eva tinha ido para sempre.
— Merci! — Seus olhos ficam presos no sorriso largo e contente
que ela lhe dá, ficando confuso, não entendendo o porquê dela estar lhe
agradecendo.
— Não entend...
As palavras da boca do jovem se calam, assim como a vida, no
segundo que seu pescoço é quebrado pelo giro com pressão e preciso de
Stacy, que esmaga seus dedos na lateral do rosto dele, lhe dando uma morte
rápida.
— Ora, ora, por essa eu não esperava. Hector Pellegrini... — Suas
mãos se afastam da cabeça de Nolan. — Veja se o destino realmente não é
brincalhão, Freire! — Ela afasta um pouco seu tórax, soltando a face do
rapaz, conversando sozinha. — Por essa nem eu esperava!
Camaleoa
— Por que essa porra está fechada a essa hora, Amiel? — O homem
grisalho vira seu rosto para seu segurança, andando rápido, a passos duros,
e observando o salão do casarão onde funciona Sodoma em Paris, que está
completamente vazio.
Nunca sua casa esteve vazia, principalmente em um sábado à noite.
Seus olhos vasculham todo o lugar, não encontrando nem os funcionários.
Está absorto com a raiva que vem passando nos últimos dias, tendo sua
mente povoada com tanta coisa, que nem conseguiu prestar atenção na
ligação inteira do funcionário, que o ligou solicitando que viesse com
urgência para o casarão, antes de desligar.
— INFERNO! Estou rodeado de incompetentes! — Sua boca se
esmaga e rosna com ódio, não acreditando que seu casarão está vazio numa
noite de sábado, que sempre é o dia que a casa mais lota de praticantes de
Sodoma. — ACHE ALGUÉM PARA ME EXPLICAR O QUE ESTÁ
ACONTECENDO, AO INVÉS DE FICAR ME SEGUINDO, SEU
MERDA! — ele grita com raiva para o segurança, o ordenando para sair do
seu calcanhar e ir fazer algo de útil, ao invés de ficar como uma sombra,
andando atrás dele. — Cambada de filho da puta!
Sua mão se ergue e esfrega sua face. Já tinha perdido muita coisa
nesses últimos dias, mas não irá perder Sodoma, a deixando se arruinar por
conta de funcionários inúteis.
Retira o celular do bolso e disca novamente o telefone de Andrei, o
juiz de Sodoma. O cretino continua com seu aparelho desligado, a chamada
cai sempre direto na caixa postal.
— Deveria ter acabado logo com esse cretino, como Valéria sugeriu!
— ele rosna, baixo, e desliga o celular, o guardando no bolso. — Outra
cretina miserável!
Sente raiva apenas em falar o nome da cadela de Valéria, que nem
serviu para descobrir o verdadeiro paradeiro da Messalina que Freire
escondeu. Uma cachorra vigarista, assim como a cadela da Freire e a burra
da Morgana!
Ele caminha em direção ao escritório, para saber se a secretária que
trabalha para ele está lá dentro, mas a luz vinda debaixo da porta, ao fim do
corredor, chama sua atenção. Ele caminha para lá, seguindo com seus
passos pesados, imaginando suas mãos esmagando ao redor do pescoço da
incompetente da secretária, que provavelmente deve estar lá dentro. Sua
mão se ergue e abre a porta, a escancarando e entrando como um trem
desgovernado cômodo adentro.
— Que porra é essa? — Sua boca se esmaga e seus olhos ficam
semicerrados, encarando cada fodido dentro da sala grande, sentados em
suas cadeiras. — Isso é algum tipo de brincadeira idiota?
Oliver dá mais um passo à frente e passa seus olhos na face de cada
um. Hu-Li está sentado à esquerda, tendo Santana ao seu lado, fumando um
charuto. Fica ainda mais sem entender o que está acontecendo ali, ao ver
Baby Roy sentada na cadeira que é designada para Jonathan, seu irmão,
quando ele vem à França para alguma reunião. Czar Gregovivk tem seus
olhos cravados em Oliver, tendo Ramsés de Naca ao seu lado.
— Se aproxime, Oliver — Hu-Li é quem fala, com seu olhar sereno
e voz calma. — Estávamos lhe aguardando, conselheiro de Sodoma.
— Por que não fui comunicado dessa reunião? E que diabos Baby
Roy está fazendo sentada na cadeira de um conselheiro? — Oliver diz,
irritado, erguendo seu braço e apontando para a intrusa entre os
conselheiros.
— Meu irmão está cuidando da sua esposa e do seu filho recém-
nascido. Jonathan me mandou em seu lugar, para lhe representar. — A loira,
com um sorriso falso e frio nos lábios, o encara e cruza suas pernas. — O
que eu aceitei com puro prazer, conselheiro Oliver, diga-se de passagem!
— Quem vai me explicar que porra estão fazendo aqui?! E por que
eu não fui comunicado dessa reunião?! — ele rosna com raiva e esmaga os
dedos ao lado do corpo.
— Porque não é uma reunião, meu caro Oliver Pellegrini. — Quem
responde é Ramsés de Naca, conselheiro do Egito, soltando os botões do
seu terno.
— E sim um juicio[45], mi[46] amigo. — Santana traga seu charuto,
soltando a fumaça em sua direção.
— O seu, a propósito. — Czar Gregovivk, o russo de face fechada,
cruza seus braços à frente do corpo, soltando as palavras de forma lenta.
Um riso que começa baixo na boca de Oliver, aumenta, se
transformando em uma gargalhada, enquanto os olha, achando tudo isso
uma grande piada.
— Meu julgamento?! — Olivier ri mais alto, negando com a cabeça.
— Sério, e quais seriam as acusações?
— Oliver Pellegrini está sendo julgado por Sodoma pelos crimes de
usar seu poder diante do conselho ao seu próprio benefício, por mentir e
omitir que está envolvido com a Ordem das Messalinas, assim como
violentar e ordenar matar Shei, que possuía o codinome de Mina.
O riso de Oliver cessa quando Czar começa a proferir as palavras
lentamente, tendo sua face endurecida, como se fosse esculpida em
mármore.
— Vocês estão loucos?! — Ele esmaga sua boca e encara a face de
cada conselheiro, um de cada vez. — Eu fui contra essa ideia horrenda que
Freire trouxe diante de Sodoma, assim como eu tive que tomar a decisão
que nenhum de vocês teve coragem, em obrigar aquela cadela a sumir com
a aberração que estava criando...
— Ordenou a morte Mina não visando a proteção de Sodoma, mas
sim a sua! — Ramsés o corta, enquanto o encara, tendo seus dedos se
esmagando no braço da cadeira. — Ordenou uma das suas cúmplices, a
limpar a sujeira, porque você estava até o pescoço metido nisso tudo.
— Como ousa abrir sua boca arrogante para inventar calúnias contra
mim, Ramsés? — Oliver dá um passo à frente, apontando o dedo para a
face do cretino egípcio. — Posso te banir da minha casa, assim como da sua
cadeira entre o conselho, apenas por ousar falar mentiras. Acho que
esqueceu com quem está falando. Todos aqui esqueceram! Minha família é
uma linhagem direta dos primeiros conselheiros de Sodoma, possuímos a
cadeira mais antiga por anos, tenho todo o direito de chutar seu rabo para
bem longe se não retirar essas mentiras que disse agora!
Ramsés de Naca se mantém sério, apenas observando-o, enquanto
tomba sua face para o lado. Os olhos de Oliver passam lentamente pela face
de cada conselheiro, os vendo com a mesma expressão de Ramsés.
— Não estão acreditando nesse egípcio mentiroso, não é? — Ele
abre os braços, estreitando seu olhar. — Santana, sabe que é mentira, certo?
O espanhol de olhar negro traga novamente seu charuto, não lhe
respondendo, apenas o encarando de forma cínica, da mesma forma que
Baby Roy, Czar e Hu-Li.
— Não acredito que são tão burros por estarem realmente cogitando
que eu faria isso, se deixando levar por um conselheiro burro, que está
fodendo uma das cadelas adestradas de Freire! — O som da cadeira caindo
para trás se faz alto, quando Ramsés de Naca se levanta em um rompante.
— Ramsés! — Czar segura seu braço, contendo o egípcio, que
espuma de raiva pela boca, com seus olhos marrons cravados em Oliver. —
Se sente, meu amigo!
— Seja um bom garoto e escute o conselheiro de Moscou, egípcio!
— Oliver estufa seu peito, enquanto respira com força e dá um passo à
frente, ficando a poucos centímetros de Ramsés, o provocando. — Sente-se
na cadeira.
Sente ódio por esse intrometido de uma figa, que tinha lhe roubado
seu prêmio quando a cadela burra de Valéria deixou de entregar a Messalina
para ele, preferindo a vender no mercado clandestino no Cairo, e
posteriormente ela acabou indo parar nas mãos de Rasmés, que a salvou.
Teria apreciado muito mais a submissa alfa do que Ramsés um dia sequer
poderia apreciar. Os olhos castanhos de Ramsés lhe fitando com puro ódio,
lhe confirmam que ele realmente sabe sobre sua ligação com Valéria, mas
tem certeza de que não pode provar. Quem acreditaria na vaca de Valéria?
Freire já está morta, assim como Mina, e Adrien é um covarde de merda
que jamais teve boca para nada. Ninguém pode provar seu envolvimento
nessa história.
— É um mentiroso, Ramsés, e nós dois sabemos disso! — Oliver
sorri e leva seus dedos ao bolso da calça. — Não devia inventar calúnias
que não tem como provar.
— Saketa rask[47] — o egípcio rosna em árabe e ergue seus dedos à
testa, tocando lentamente, antes de esticar seu braço e apontar para Oliver,
que está confuso, sem compreender o que ele fala. — Ramsés de Naca fez
uma promessa, Oliver Pellegrini. — Ele inala o ar com força e esmaga seu
maxilar. — E antes do fim dessa noite, eu irei cumprir minha palavra!
Oliver se mantém sério, encarando o egípcio que se vira e ergue sua
cadeira, sentando-se novamente nela. Czar se senta também novamente,
dando um olhar sério para Ramsés.
— Vieram à minha casa, sem me comunicar, armados de mentiras,
querendo me julgar, apenas acreditando na palavra de um homem
visivelmente instável?! — Oliver fala com desprezo e abre seus braços,
olhando a face de cada um deles. — Não sou obrigado a ficar aqui e
participar disso. Quero todos fora da minha casa, agora. Ainda sou o voto
mais forte desse conselho, essa palhaçada acabou agora!
O som da porta sendo fechada com força atrás dele, o faz se virar,
estreitando seus olhos no segundo que enxerga Raja, o gigante mal-
encarado que sempre está colado a Ramsés.
— Realmente estão dispostos a levar esse circo adiante? — Sua face
retorna para os conselheiros, com sua boca se esmagando.
— Como disse, são só calúnias. — A voz sedosa de Baby soa
baixinho, com ela batendo seus cílios de forma branda para ele. — Se não
tem nada a esconder, quando o julgamento terminar, então todos nós nos
retrataremos com você e continuaremos nossas vidas como se nada tivesse
acontecido, esquecendo desse inconveniente.
— Se não tem o que esconder, não tem motivos para evitar. —
Santana estica sua mão e gesticula no ar. — Como mi amigo sabe melhor do
que ninguém dentro dessa sala, Sodoma leva todos os julgamentos até o
fim!
Oliver rosna, baixo, e estreita seu olhar. Sodoma não recuará, ele
melhor do que ninguém sabe disso. As leis dos julgamentos valem para
todos. Se alguém é acusado, Sodoma tem que julgar, não importa quem
seja.
— Estou sendo acusado e não tenho nada para esconder, porque são
mentiras. — Oliver pondera suas palavras, as escolhendo com cuidado,
ciente que terá que sair dessa sala sem deixar nenhuma suspeita no ar. —
Como sei que todos os julgamentos têm que ser finalizados, também tenho
ciência que esse julgamento não pode ser levado adiante sem um juiz. Não
serei insultado e ao mesmo tempo desrespeitado diante de um circo armado
por esse egípcio.
— Como pode ter tanta certeza de que foi Ramsés? — Quem
surpreende Oliver com a pergunta é Hu-Li, o conselheiro da Tríade de
Lótus, a sede de Sodoma na Ásia. — Em nenhum momento foi dito que
Ramsés foi o responsável pela convocação do seu julgamento.
Oliver pisca, confuso, sendo pego desprevenido. Retorna seus olhos
para o egípcio, que tem sua face endurecida, o encarando.
— Porque o único louco para inventar essas calúnias seria ele... —
Oliver alivia o nó da sua gravata, apontando para Ramsés. — Porque fora
ele, o único a ter envolvimento com essas aberrações de Freire, é
Gregovivk! — O francês fica em dúvida quando olha o russo, que o
observa. — Não me diga que foi você, Czar?
— Não! — Czar estufa seu peito e cruza as pernas, batendo a ponta
do seu dedo lentamente no apoio de braço da cadeira.
A confusão toma conta de Oliver, enquanto ele olha a face dos
outros conselheiros, entendendo menos ainda que porra de jogo estão
fazendo com ele.
— Fui eu! — A voz alta e firme, que sai do fundo da sala, o faz
erguer a cabeça, olhando na direção do interior do cômodo, atrás das
cadeiras dos conselheiros.
Oliver estreita sua boca e encara o maldito traidor que caminha a
passos lentos, com suas mãos no bolso, não desviando os olhos dele.
— Você?! — Oliver ri e abaixa sua cabeça, a balançando para os
lados. — Você pediu o meu julgamento? Inacreditável!
— Eu, Adrien, juiz de Sodoma, confirmo toda as acusações feitas
contra Oliver Pellegrini! — o juiz fala firme, enquanto caminha e para ao
lado da cadeira de Baby. — Confirmo o envolvimento de Oliver na criação
das Messalinas.
— Seu filho da puta! — Oliver nega com a cabeça, não acreditando
que o puto do Adrien teve coragem de lhe trair.
— Adrien, conte aos outros conselheiros, com as mesmas palavras,
o que testemunhou para Ramsés — Ramsés fala baixo, mantendo seus
olhos em Oliver.
— Só pode ser uma palhaçada, isso é uma armadi...
— Cale-se, Oliver! — O som potente da voz do espanhol se faz alta,
como um trovão, silenciando Pellegrini, usando do poder que sua cadeira
lhe dá, pois a segunda família mais antiga dentro de Sodoma, depois dos
Pellegrini, é a dos Santana. — Conte-nos, Adrien, cada palavra que disse a
Ramsés.
— Há dezenove anos, Valéria me convidou para participar de uma
festa particular na casa de Freire. — As palavras baixas saem da boca de
Adrien, enquanto seus olhos se prendem aos de Oliver. — Eu era jovem, era
novo em Sodoma, tudo era tão contagiante e atraente, queria cada vez mais
estar nesse mundo. Em uma certa altura da festa, eu estava fodendo uma
garota que eu conheci. Valéria entrou no quarto e riu para mim, me
perguntou se eu queria experimentar uma coisa nova, algo completamente
diferente, que iria me dar muito prazer. Eu pensei que era um jogo ou
alguma brincadeira, estava alto, tinha bebido bastante, e topei. Topei na
mesma hora, larguei a garota no quarto e segui Valéria.
Adrien sorri, sem um traço sequer de felicidade, enquanto range
seus dentes, esmagando seus punhos ao lado do corpo.
— Entrei em um cômodo que tinha as luzes apagadas. Antes de
Valéria fechar a porta, consegui ver uma maca de ginecologista, com uma
mulher amarrada nela e um homem a fodendo. — Ele deixa seu sorriso
morrer e abaixa seus olhos para o chão. — Valéria disse que fazia parte da
brincadeira a luz apagada, e que eu não podia tocar na mulher na maca com
minhas mãos, apenas podia transar com ela. Eu não me importei, estava
excitado. Valéria me chupou, me fazendo ficar ainda mais eufórico, e o som
baixo de um grunhido aumentou dentro da sala. Era uma submissa
amordaçada, que queria trepar com dois homens, foi o que eu imaginei...
O único som dentro da sala é da respiração pesada de Adrien, que
mantém seus olhos abaixados e nega com a cabeça.
— Eu fiz o que ela me disse que tinha que fazer, transei com a
mulher da maca... — Um som rouco, como de um soluço, escapa da boca
de Adrien, com ele erguendo sua cabeça e olhando para Oliver. — Eu tinha
acabado de gozar e tentava voltar a respirar normalmente quando as luzes
da sala acenderam. Seus olhos vermelhos, com a face coberta de lágrimas,
estavam presos nos meus, enquanto ela mordia a mordaça de couro que
estava em sua boca, olhando para mim. Era uma criança, uma criança três
vezes menor do que eu, amarrada e amordaçada na maca... Eu tombei para
trás assim que tive consciência do que eu fiz, olhando horrorizado para ela.
Valéria sorria enquanto se aproximava dela, tocando sua vagina e vendo
minha porra escorrendo de dentro do pequeno corpo. Ela levou seu dedo
para dentro do órgão da menina e o chupou lentamente depois que o retirou,
me dando uma piscada. Oliver Pellegrini estava lá dentro, nu, parado perto
da cabeça de Mina, alisando o rosto dela. Oliver Pellegrini foi o primeiro a
tocar em Mina...
— Meu Deus, Adrien! — A voz de Baby se faz, com ela tendo sua
face completamente pálida, olhando com horror para ele.
— TRAIDOR FILHO DA PUTA! — Oliver grita com raiva e
avança para cima de Adrien, mas é bloqueado quando Hu-Li se levanta e
fica como uma estátua, cheia de raiva, à sua frente, retirando o revólver da
cintura e apontando a arma para sua cabeça.
— Continue, juiz de Sodoma — Hu-Li sibila sério, não desviando
seu olhar de Oliver, mantendo a boca do revólver mirando em sua testa.
— Juro que eu nunca teria feito aquilo se a luz tivesse acesa. Se eu
ao menos desconfiasse que era uma criança em cima daquela maca, eu
nunca teria entrado lá dentro... — O juiz vira e olha Baby, negando com a
cabeça. — Nunca, Baby! Eu saí de lá correndo, sentindo nojo de mim, nojo
do que eu fiz com aquela menina... Nojo das palavras de Valéria, contando
sobre as submissas alfas. — Ele ergue seu rosto para Oliver e esmaga sua
boca. — Eu ia, ia contar a verdade para vocês... Mas então Valéria me
ameaçou. Eu estava concorrendo para ser o juiz de Sodoma naquela época,
ela disse que destruiria minha vida se eu contasse sobre as submissas alfas...
— Ele esfrega seu rosto com nervosismo, rangendo seus dentes. —
Walkiria, uma das minhas esposas, estava grávida na época, e Valéria
ameaçou contar tudo para ela, dizendo que eu violentei a menina de
propósito... Minha esposa jamais me deixaria chegar perto dela e do meu
filho novamente... E por covardia, eu me calei.
Oliver sente seu rosto congelar, enquanto o sangue bombeia mais
rápido e seu coração fica disparado, desejando meter uma bala na cabeça do
filho da puta de Adrien.
— Quando soube da morte de Mina e confirmei o que eu já
suspeitava ser o motivo que Valéria me levou até a jovem aquele dia,
apenas para a engravidar, eu fiquei furioso, com ódio de mim por ter me
calado por todos aqueles anos, não salvando a vida de Mina, com raiva de
Valéria por ter me usado. Com o dobro de ódio de Oliver, por ter
participado daquilo aquela noite. Nós dois brigamos, eu estava pouco me
fodendo para as consequências, queria apenas descarregar toda a minha
raiva nele e o fazer pagar pelo que ele fez a ela. Mas Oliver disse que daria
o mesmo fim às minhas filhas, o qual ele deu à Mina, se eu trouxesse esse
assunto à tona...
— Esse cretino está mentindo, acham mesmo que eu... — Oliver se
cala quando Czar se levanta.
— Está banido da Sodoma de Moscou, Oliver Pellegrini — o russo
o sentencia lentamente, enquanto o olha.
— Assim como da Austrália! — Baby Roy é a segunda a proferir as
palavras enquanto se levanta.
— As portas da Sodoma do Egito estão fechadas para sempre para
você! — Ramsés fala baixo, esmagando seus dedos ao lado do corpo.
— Não podem fazer isso, não podem me expulsar de Sodoma... —
Oliver dá um passo para trás.
— Está banido da Sodoma da China, Oliver! — Hu-Li abaixa seu
braço e guarda o revólver em sua cintura.
— Santana... Santana! — Os olhos de Oliver buscam pelos do
espanhol, com desespero, negando com a cabeça. — Não pode acreditar
nisso, sempre fomos aliados, Santana...
— Está banido da Sodoma da Espanha, mi amigo! — Santana traga
seu charuto, enquanto lhe dá um sorriso breve e se levanta com calma.
— Não, não, esse julgamento foi uma armação... Não podem me
expulsar de SODOMA! Minha família é a mais antiga, eu sou a porra de um
CONSELHEIRO...
— Não estamos expulsando sua família, apenas você, Oliver! —
Czar é quem o responde, o olhando com nojo. — E você não é um
conselheiro, apenas um regente.
— Sua merdinha miserável...
— Está banido da Sodoma da França, Oliver Pellegrini! — A voz
familiar soa baixa, como um eco vindo das profundezas do inferno, o qual
Oliver reconheceria em qualquer lugar.
Seu corpo se vira e olha na direção do fundo da sala, no segundo
que a luz do abajur ao lado da sua cadeira se acende. Os olhos azuis e frios
do homem de terno negro, o encarando, sentado na cadeira que pertence a
Oliver dentro de Sodoma, o faz sentir até os ossos do seu corpo congelarem.
A mão de Hector segura a bengala com força, esmagando seus dedos na
cabeça da cobra.
— Hector! — O nome da prole maldita sai com desprezo da boca de
Oliver, com ele dando um passo à frente, vendo seu filho sentado na
cadeira. — Sua cobra asquerosa, está metido nisso, não é...
Oliver caminha com mais raiva, se aproximando dele, mas seu
corpo congela, ficando a cinco passos de Hector, quando uma sombra
pequena sai de trás da cadeira. Os olhos negros o fitam em silêncio e ela dá
um passo à frente, ficando ao lado da cadeira de Hector. Os cabelos longos
e negros, assim como sua pele de ébano, o fazem enxergar sua submissa
mais preferida diante dele.
— Mina... — A voz é um sussurro quando sibila o nome da jovem,
a qual era sua mais perfeita submissa. Ele podia ter dado o mundo para ela,
teria lhe dado tudo se ela não o tivesse rejeitado, mas ela está aqui, diante
dele agora.
Com o mesmo olhar, como se o tempo nunca tivesse passado e ela
tivesse retornado dos mortos para ficar com ele.
— Veja, Oliver, se não é uma joia preciosa! — A voz de Valéria soa
baixo, e ri, entrando na sala.
Ele se mantém de costas e leva seu copo de bebida à boca, enquanto
observa o lado de fora da janela. Ainda estava incerto quando aceitou o
convite de Valéria para ir até a casa de Freire.
— Espero que não tenha me trazido aqui para me fazer perder meu
tempo, Valéria...
Suas palavras se calam quando ele se vira, não encarando Valéria,
mas sim o pequeno e delicado anjo ao lado dela. Os cabelos compridos
caem pelos ombros e tem seu olhar cabisbaixo, com seu corpo retraído.
— Oliver, me permita lhe apresentar Mina. — A voz de Valéria é
baixa, enquanto sorri e caminha com a pequena ao seu lado, se
aproximando de Oliver. — Cumprimente o senhor Pellegrini, Mina.
Oliver sente a garganta seca e esmaga seus dedos no copo, não
conseguindo desviar seus olhos da pequena face delicada.
— Olá, senhor. — Ela estica sua mão para ele e ergue sua cabeça
lentamente, olhando-o com pura timidez.
As palavras não saem da boca de Oliver, nem seus olhos conseguem
desviar do rosto pequenino.
— Eu disse que tínhamos encontrado algo único — Valéria o
provoca, falando em deboche.
— Nos deixe a sós! — Oliver entorna de vez o resto da sua bebida,
dando uma ordem para Valéria, ainda mantendo seus olhos presos no
pequeno anjo.
Sua respiração se acelera e dá mais um passo à frente, sentindo o
mesmo feitiço que os olhos negros lhe jogaram sobre sua alma dezenove
anos atrás, quando a viu pela primeira vez. Seu olhar vaga pelo corpo
delicado da reencarnação de Mina à sua frente.
— Nunca vou ser sua, Oliver. — A voz dela grita alto, enquanto
chora. — Pode ter me violado, ter me destruído de todas as formas, me
tirado meus filhos... Mas eu nunca, nunca vou ser sua...
Seu corpo cai para trás assim que o tapa forte é desferido em sua
face. Mina se mantém caída e chora, segurando seu rosto. Amaldiçoa o dia
que pôs os olhos nessa criatura desgraçada. Tinha a desejado mais do que
qualquer outra, seria capaz de lhe dar o mundo se ela não o tivesse
rejeitado, fugindo com a cria que lhe pertencia. Valéria havia garantido
que a entregaria depois que os filhos de Adrien nascessem, mas ela não o
fez. Freire alegava que precisava continuar com ela, que Mina ainda não
estava pronta para ser entregue. Ele sentiu ódio, fúria, e tomado por uma
ira, foi atrás da maldita que tinha lhe roubado a paz. A tomou dentro
daquele escritório novamente, a fodendo no chão como a cadela que era,
quando ela se negou a ir embora com ele. Ficou tão fora de si, que acabou
se descuidando, plantando uma semente dentro do ventre dela, a qual
novamente a faria ficar afastada dele. Só que ela fugiu, fugiu e se
escondeu, e ele a caçou, a caçou com todas as forças, e não descansaria
até encontrá-la. E quando Valéria a achou, ordenou que a levasse
imediatamente para ele. Estava magra, abatida, como uma cadela vira-lata
de rua, que abria as pernas para vários homens enquanto se escondia em
um puteiro sujo, preferindo ficar lá a lhe aceitar como seu dono, seu único
e verdadeiro dono.
— É minha, está me entendendo?! Não importa para onde vá,
sempre será minha, sua cadela maldita! — A primeira cintada desferida
com ódio acerta o pescoço dela, a fazendo gritar e se torcer de dor. — POR
QUE NÃO PODE SIMPLESMENTE ACEITAR QUE VOCÊ ME
PERTENCE?!
Ele a odeia, se odeia por esse sentimento doentio que ela plantou
dentro dele, a amaldiçoa por ela se recusar a lhe aceitar.
— PORQUE EU NUNCA VOU SER! — Os pequenos dedos se
apoiam na cama e se levanta, tendo suas pernas trêmulas. — Pode ter me
machucado, imposto seu corpo nojento contra o meu, me fazendo aceitar
seu toque, ter me destruído, Oliver, tirado meus bebês... Mas nunca vai ser
dono da minha alma. Minha alma é minha! Prefiro morrer a um dia lhe
aceitar como meu senhor.
As palavras ditas dos lábios trêmulos, que estão machucados, saem
a plenos pulmões dentro do quarto, com seus olhos o encarando.
— Eu escolho morrer, Oliver! Morrer a ser sua!
A lembrança da última vez que ficaram sozinhos inunda sua mente.
Recorda das palavras dela, do seu choro enquanto lhe quebrava, desferindo
as cintadas em suas costas. Lembra do cheiro da sua pele, de tudo. O calor
da pele colada, seu pau se afundando dentro dela, a marcando com tanto
ódio, por ela preferir morrer a ser dele. E foi exatamente o fim que ele lhe
deu. Se Mina não fosse dele, não seria de mais ninguém. Mas a doentia
obsessão por ela lhe fazia covarde. Não teve coragem de ser ele a dar fim na
vida dela, Freire foi incumbida disso. Ela apenas tinha que lhe olhar, apenas
se submeter, e ele a teria salvado, teria a poupado do seu fim. Mas Mina
preferiu a morte a ser dele.
Seus olhos não se cruzaram com os seus uma única vez que fosse
diante daquele julgamento, mesmo ela sabendo qual seria seu fim. E agora
volta dos mortos, lhe assombrando com seu olhar, lhe condenando,
enquanto se mantém parada a poucos passos dele. Em um ímpeto
governado por aquele sentimento obsessor, o qual sempre nutriu por ela, seu
braço se ergue, desejando lhe tocar, sentir o calor da sua face.
— Mina...
O corpo pequeno diante dele se retrai com nojo e dá um passo para
trás, tendo a grande sombra a bloqueando, como se fosse um ladrão maldito
que lhe rouba sua Mina novamente, assim que seu filho se levanta e fica
entre Oliver e ela. Hector prende sua mão no ombro de Oliver, o puxando
para frente em um único golpe, deixando a ponta da lâmina perfurar a
barriga do seu pai.
— Ohhhh... — A boca de Oliver se entreabre, com seus olhos se
arregalando, erguendo sua mão e prendendo-a ao braço do filho.
— Isso é por Joseph! — Os lábios de Hector se entreabrem e encara
seu pai, erguendo sua mão e espalmando ao lado do seu rosto, o vendo
agonizando, girando a lâmina dentro da barriga de Oliver lentamente. —
Meu irmão, que você matou, que pagou o preço pela sua ganância.
Ele puxa a lâmina para o lado, retalhando suas entranhas e abrindo
um buraco reto sobre a barriga ensanguentada. O som da espada caindo ao
chão, quando Hector a puxa e a joga, é o único som além dos grunhidos de
Oliver dentro da sala. Oliver cambaleia e dá um passo para trás, encarando
os olhos azuis de Hector, antes de abaixar seu rosto e ver o sangue esvaindo
do seu corpo.
— Isso é por mim! — A voz rouca do jovem Pellegrini rosna
quando seus braços se esticam e leva sua mão ao ferimento, fazendo Oliver
gritar.
— HECTOR... — Oliver tomba sua cabeça para frente e escora sua
cabeça no peito do filho enquanto sente o buraco do ferimento ser rasgado
quando a mão se empurra para dentro, esmagando seus órgãos em seus
dedos.
— Isso é por Mina! — A voz forte explode, fazendo Oliver tombar,
caindo em seus joelhos, quando a mão de Hector se retira, puxando as tripas
para fora.
O peito de Hector sobe e desce com rapidez, enquanto sua mão, que
pinga sangue, está parada ao lado do corpo. Seus olhos azuis se erguem e
encara os conselheiros, que estão com as faces pálidas, olhando a forma
patética de Oliver ajoelhado no chão, com seus intestinos pendurados para
fora e com a poça de sangue se formando em volta dele. Só Czar e Ramsés
não demonstram surpresa, pois eram os únicos que sabiam que Oliver não
iria sair vivo de dentro dessa sala. Não seria apenas a expulsão de Oliver,
mas sim sua condenação e sentença.
— Seu merdinha, ingrato... — Oliver ri fracamente, tendo o sangue
escorrendo por sua boca. — Sempre se achou melhor... — Suas palavras se
entrecortam e ele ergue a cabeça, encarando seu filho. — Mas é igual a
mim...
— Não, sempre fui muito pior, e por isso se sentia ameaçado, por
isso tentou me matar, e matou meu irmão, fazendo eu me sentir culpado
pela morte dele... Mas foi você, você o matou, você me condenou a ficar
meses em cima de uma cama, você causou aquele acidente, Oliver, quando
manipulou os freios do carro. Sabia exatamente que eu iria atrás de Joseph
quando iniciou aquela briga, o proibindo de se casar com a mulher que ele
amava...
Hector tomba sua face para o lado e encara seu pai ajoelhado diante
dele, como a barata nojenta e maldita que ele é.
— Permiti que tivesse um julgamento justo diante do conselho, mas
não vou permitir que saia vivo. — Hector ergue sua cabeça e encara os
outros, antes de retornar a olhar para o seu pai.
O braço de Oliver se move lento, com ele tossindo e levando suas
mãos para as costas.
— Se fosse você, não faria isso. — Hector não se move, nem sequer
pisca, enquanto fica sério e encara Oliver, que tenta puxar sua arma
debilmente, com seu braço molenga.
— Meu único arrependimento foi você ter sobrevivido... — Ele
golfa uma bola de sangue, com seu corpo balançando para os lados,
destravando o revólver.
Ramsés se levanta, assim como Czar, e ficam sérios, encarando
Hector, sem o compreender. Não entendem porque ele se mantém parado,
em silêncio, sem se mexer ou desarmar o seu pai.
— Se não quiser ter uma morte pior do que a que vai ter, não erga
seu braço! — Hector sibila, baixo, para Oliver.
— Foda-se você... — O braço de Oliver se ergue e usa o resto de
força para atingir seu filho com um disparo.
Os movimentos de Czar e Ramsés congelam antes mesmo que eles
possam sair do lugar, tendo os olhos deles e dos outros conselheiros
vidrados no corpo pequeno e rápido, que sai de trás de Hector, segurando a
lâmina com a cabeça da cobra em sua mão. Os olhos negros já estão a
poucos centímetros de Oliver, o fazendo arfar, tendo a lâmina atravessando
seus pulmões. A arma escapa dos seus dedos e cai no chão, enquanto ele a
olha ali, parada diante dele, tão perto, com seus olhos negros brilhando e
com a boca pequena cerrada.
— Min... — A voz se cala quando ela puxa seu braço para trás e
retira a lâmina, retornando novamente para seu peito, com seus dentes
abertos, como um animal com olhos ferozes.
O charuto dos dedos de Santana rola e cai ao chão, com os olhos
dele presos na cena, ao centro da sala. O corpo de Oliver tomba, com as
costas caindo no piso em meio à poça de sangue, enquanto a criatura
pequena sobre ele desfere a lâmina com mais força contra seu peito. Depois
da quinta golpeada, ninguém mais conta, apenas assistem, tendo os gritos
de ódio sendo rugidos pelos lábios dela, em sua forma selvagem e
assustadora, com sua face suja de sangue que voa em sua pele. E quando
não resta mais nada além de um cadáver ensanguentado, com os olhos
arregalados, ela cessa o ataque e engatinha lenta para trás, esmagando a
lâmina em seus dedos enquanto observa o moribundo.
— Cristo, isso... — Os olhos de Baby estão arregalados, ficando
presos na jovem que se levanta lentamente, fazendo a voz de Baby Roy se
calar.
— Porra! — Hu-Li solta um assobio, erguendo seus dedos e
passando por seus cabelos.
Os olhos negros se erguem e encaram cada um deles. Tomba sua
face lentamente para o lado. Ramsés ergue sua mão e toca seu peito,
fazendo um leve movimento com a cabeça quando a inclina para frente,
olhando na direção da loira alta.
— Por que ela está me encarando desse jeito, como se quisesse me
atacar? — Baby indaga, nervosa, e dá um passo para trás, se aproximando
de Santana, vendo a pequena caminhando lenta, arrastando a espada em sua
mão, com seus olhos presos em sua direção.
— Não é para você, Baby. — A voz baixa de Adrien sai rouca, com
ele tendo seus olhos ficando marejados. — Eu sinto muito...
— Ahhh! — A pequena jovem abre sua boca e mostra seus dentes,
soltando um baixo rosnado, esmagando mais forte a cabeça da cobra em sua
mão, dando um passo à frente, ficando com seu corpo em modo de ataque.
— Eva! — A voz em comando chama por ela, que estaca na mesma
hora. Sua cabeça se vira e olha para trás, vendo Hector sentado na cadeira.
Ela retorna sua cabeça e encara o juiz, rosnando baixinho, ainda
mantendo seus olhos negros presos aos seus. Sua boca se esmaga e abre
seus dedos, jogando a adaga no chão. Todos se mantêm em silêncio, a
vendo se virar e caminhar devagar na direção de Hector. Seus joelhos se
dobram e flexionam quando se aproxima dele, ficando sentada ao lado das
suas pernas, inclinando sua face para perto do seu joelho, esfregando
lentamente a bochecha na perna dele e fechando seus olhos. A mão do
francês se ergue e toca o topo da sua cabeça, lhe afagando os cabelos, com
seus olhos azuis presos ao corpo de Oliver.
— Tem uma palavra a cumprir, se não me engano, Ramsés! — Sua
voz é sem emoção, enquanto olha com nojo para a carcaça de Oliver.
— Shukra, jovem Hector! — Ramsés dá um passo à frente e toca
sua testa, esticando seu braço para Hector. — Raja, pode levar!
O som dos passos de Raja, o segurança, se faz, enquanto caminha na
direção do corpo, se inclinando e puxando o braço de Oliver, o arrastando
na direção da porta, até sair da sala levando o corpo com ele.
— Bom, julgo que por um longo tempo, longo tempo, desejo que
não me convoque para participar de um novo julgamento — Hu-Li fala
sério, olhando o rastro de sangue que ficou para trás, antes de erguer seus
olhos para Hector. — Seja muito bem-vindo, conselheiro de Sodoma. —
Seus olhos curiosos param em Eva uma única vez e dá um breve sorriso,
antes de desviar seus olhos para Andrei. — Penso que sua presença não é
mais necessária, Andrei. Decidiremos seu destino dentro de Sodoma e lhe
comunicaremos.
O juiz o olha e vira sua face para Hector, observando ele e a jovem
com a face inclinada no joelho do francês. Ele não sabia que ela estava ali,
não sabia que ouvia cada palavra do seu testemunho. Abre sua boca e
ameaça dar um passo à frente, mas se cala quando os dedos de Hu-Li
seguram seu braço, negando com a cabeça.
— Pode partir agora! — Hu-Li fala mais firme, lhe encarando.
Andrei abaixa sua cabeça e caminha para fora da sala, tendo seus
passos sendo acompanhados pelos olhos azuis de Hector.
— Nossa, acho que Jonathan não vai acreditar quando eu contar
para ele tudo o que eu vi nessa sala! — Baby inala o ar com força e passa
seus dedos pelos cabelos, antes de parar suas mãos na cintura. — Nem eu
ainda estou acreditando, por isso, senhores, me despeço. — Ela nega com a
cabeça e caminha na direção da saída. — Não quero ver sua cara russa por
um bom tempo, Czar!
— Fala isso agora, mas sabe que me ama! — Ele pisca para ela e a
vê erguer o dedo do meio enquanto se retira, não olhando para trás.
— Agora, alguém quer contar o que eu ainda não sei... — Santana
dá um passo à frente e olha para Ramsés e Czar. — Por que a conselheira
Sieta não está presente?
A boca de Czar se abre, mas se fecha no segundo que passos altos e
pesados se fazem presentes, como se fosse uma tropa inteira marchando.
Czar já está retirando a arma da cintura, assim como Hu-Li e Santana.
Hector se levanta e segura a mão de Eva, a empurrando para trás das suas
costas, a deixando protegida.
— Estamos sendo atacados? — Santana pergunta, rosnando
enquanto esmaga a arma em seus dedos, vendo o batalhão de homens
entrando dentro da sala, todos armados, fazendo um círculo em volta da
sala.
— Valéria? — Hu-Li fala alto e dá um passo à frente, olhando os
homens armados os encarando.
— Não é Valéria, é pior! — Ramsés bate o pé no chão com raiva e
vira sua face na direção da porta. — É uma praga do Egito!
— Praga? — Santana pergunta, confuso, olhando sem entender para
Ramsés.
— É a esposa dele! — Czar fala, reprimindo o riso e virando de
costas, deixando Hu-Li e Santana ainda mais confusos.
Escutam o som forte dos coturnos do pelotão de mercenários,
batendo alto no chão quando se viram, ficando de costas e abrindo
passagem diante da porta, para deixar a visão de todos concentrados na
entrada, quando a pequena figura passa por ela, com suas mãos erguidas e
espalmadas no ventre volumoso. As camadas de tecidos dourados como
ouro cobrem seu corpo dos pés à cabeça, tendo apenas os olhos negros
presos em Hector.
— Por Rá, por que nunca pode me obedecer, Corcel?! — Ramsés
bufa pelas narinas e esmaga sua boca com raiva, se virando para os outros
dois conselheiros. — Se virem logo de costas, vocês dois!
Hector Pellegrini
Fim!
EPÍLOGO
Hector Pellegrini
Fim!
A Ordem das Messalinas
MICAL – Livro 3
Caroline Andrade
CAPÍTULO 1
Purgatório de Mical
Seita Gregovivk
República de Malta – Sul da Europa
Continua...
AGRADECIMENTOS
O que posso dizer de Hector e Eva, a não ser que amei escrever cada
palavra da história deles, que não imaginava quão bela seria?!
Agradeço de coração a todas as pessoas que fizeram parte desse
projeto. Às minhas colaboradoras, que sempre fazem sucesso na revisão,
enriquecendo ainda mais a história.
Agradeço sempre à minha doce Val, por estarmos juntas em mais
um projeto, por todo seu apoio e carinho.
Agradeço especialmente a você, meu leitor, por se permitir
desbravar esses mundos novos que eu lhe apresento. Aguardo por você no
último livro da série: A Ordem das Messalinas: Mical.
OUTRAS OBRAS
Outras obras:
Séries:
KATORZE - LIVRO 1
PAOLO A RENDIÇÃO DO MONSTRO - LIVRO 2
PAOLO O DESPERTAR DO MONSTRO - LIVRO 3
ATENÇÃO: contém cenas eróticas e gatilhos que podem gerar desconforto. não indicado para
menores de 18 anos.
Um inimigo antigo uniu os irmãos Ávilas em uma derradeira vingança. Daario e Paolo juntos, lado a
lado, abriram as comportas do inferno, trazendo carnificina e sangue para aqueles que machucaram
suas famílias.
A cada percurso da caçada, em uma busca cruel e implacável pelas suas mulheres, os monstros
estavam famintos por morte e justiça, fazendo aliados poderosos e alianças inquebráveis, deixando
um rastro de corpos por onde passavam.
A pequena bruxa Yara encontrou forças para lutar pela sua sobrevivência e do seu filho quando a
destemida pantera Katorze cruzou seu caminho de uma forma inesperada. As duas mulheres traziam
fé em seus corações de que seus monstros iriam libertá-las, afinal nem todo predador é fatal, mas
todos os monstros Ávilas criados pelo cruel Joaquim são assassinos.
Um amor além do tempo, do universo, do grande desconhecido. E se nada fosse o que realmente é? E
se entre seu mundo tivesse outro, onde magia e realidade se chocassem? Onde uma maldição foi
imposta, obrigando um príncipe do submundo a enxergar com outros olhos a raça que ele julgava a
mais inferior de todas. Onde fosse condenado a vagar por eras e eras em busca de uma estrela
solitária.
E se nada fosse o que é?
Uma maldição rogada por um erro cometido no passado faz Jesse correr contra o tempo, para
conseguir se libertar antes que a Lua de sangue se erga. Porém, o que para ele é maldição, para
Constância significa liberdade. Um segredo do passado entrelaça o futuro dos dois, mas Jesse não
imagina que a única pessoa que poderá libertá-lo é a mesma que poderá odiá-lo pelo erro que
cometeu.
Maria Eloiza estava acostumada com a batalha diária que a lavoura tinha e com o esforço sobre-
humano que seu trabalho lhe trazia. Seguia batalhando mais uma vez, atrás de outra usina, dando
graças a Deus quando essa apareceu, mas nunca imaginou que o canavial lhe traria mais do que já
estava acostumada a ter, até se perder nos olhos mais verdes que as plantações de cana.
Pedro Raia trazia o legado de sua família junto com ele. Mesmo renunciando aos sonhos que tinha,
aceitou voltar para casa quando foi convocado, cuidando de perto de cada um que entrava em suas
terras, pois nunca foi de ficar dentro de quatro paredes. Sua paixão pela terra era antiga, desde
menino trabalhava na lavoura. Gostava da terra em suas mãos, sabendo que era dali que vinha toda
sua essência. Mas sua vida mudou quando, entre mais uma remessa de boia-fria, a pequena cabocla,
com olhos assustados, lhe mostrou o mais puro brilho de sua alma. Dois mundos, que andavam entre
linhas finas, se chocaram. A realidade de um contra a vida do outro.
A vida sempre foi puxada para Maria Rita, fazendo-a se tornar o alicerce da sua casa e a moldando
para ser a presença materna e paterna para suas irmãs. Não é de riso fácil, e muito menos de ser
dobrada por homem, mas algo muda em sua vida quando seus olhos se cruzam com o peão chucro,
Zeca Morais. Ele fará de tudo para laçar a mulher endiabrada, que faz seu coração disparar. Um amor
nasce sem freios entre os dois em meio aos cafezais. E juntos terão que enfrentar um grande inimigo,
que fará de tudo para acabar com a vida de Zeca Morais.
João Paulo Guerra ama a vida que leva, sem ter que dar satisfação do seu destino para ninguém. No
entanto, ele tem apenas uma fraqueza, a qual nunca permitiu nem sequer se aproximar, pois é a sua
perdição. Uma criatura pequena, de boca atrevida, que sempre lhe provoca. A cada dia está mais
difícil ele esconder o sentimento que aumenta dentro do seu peito por Maria de Lurdes. Mas, entre
intrigas, mentiras e maldades que rondam Maria de Lurdes e João Paulo, eles se aproximam,
especialmente quando Maria é condenada por toda a cidade, com injúrias e calúnias sendo desferidas
contra ela. Porém, há um mal maior a espreitando, o que faz com que João jogue as cartas na mesa e
mostre o lado cruel da família Guerra para defender a pessoa que ama.
Para conseguir se livrar da maldade do pai e de todo sofrimento que Manoel Arena lhe empunhava,
para manter o poder da herança que sua mãe deixou sob os seus cuidados, Madalena aceitou a
proposta de se casar com o taciturno homem de olhar sombrio chamado Tião Raia. Um casamento de
conveniência, onde Madalena poderia partir para bem longe da cidade e Tião Raia poderia usufruir
de todo o poder que a afortunada herança de Madalena tinha. Caminhos se separaram, com cada um
seguindo sua vida, mas cinco anos depois, Madalena retorna, não mais como a menina sofrida que
tinha partido, levando apenas um beijo de despedida do seu sombrio marido. E Tião Raia, que
conseguiu se tornar o novo prefeito da cidade, tem uma surpresa quando a mulher vistosa e cheia de
vida, com uma beleza encantadora e olhos felinos, bate em sua porta, vindo atrás do divórcio, não lhe
lembrando em nada a desnutrida menina com quem seu irmão lhe obrigou a casar. A guerra entre
prefeito e primeira-dama é declarada no primeiro contato, arrancando farpas e faíscas de uma atração
fatal, que desperta amor e ódio na mesma medida.
Ginger Fox embarca para a Austrália, com destino a uma ilha remota, cheia de mistérios e segredos
escondidos entre as paredes da mansão Roy. O que começou como uma aventura, se transforma em
perigo quando recebe a proposta de um jogo erótico e envolvente, tão pecaminoso quanto os
pensamentos devassos que ela nutre pelo seu anfitrião. O que Ginger não sabe, é que seu oponente,
Jonathan Roy, é um astuto tratante, que a prende cada vez mais entre suas teias de sedução. E em
meio à sua curiosidade descabida pelo jogo, mais fundo ela se perde no mundo sadomasoquista, e a
paixão avassaladora por seu mestre a leva às últimas consequências. Ginger lutará para conseguir
sobreviver no mar de piche e mentiras que soterram a grande mansão da família reclusa.
Mabel embarca para Moscou atrás de esquecer o passado, mas os demônios
nunca deixam seus condenados por muito tempo. Mabel descobrirá muito
mais do que apenas prazer quando adentrar em Sodoma, sendo envolvida
em um jogo perigoso por um sedutor e charmoso russo. Czar Gregovivk
despertará Mabel da vida monótona que ela vive por tantos anos,
reprimindo seus desejos. Um enlace do destino a leva direto para o mais
letal oponente que já cruzou sua vida. De volta ao jogo em Sodoma, em
uma trama repleta de sedução, luxúria, perversidade e prazer, com ameaça
de novos e velhos inimigos que os espreita. Até onde você aguentaria a
submissão, antes de dizer GOMORRA?
ATENÇÃO: CONTÉM CENAS ERÓTICAS E GATILHOS que podem gerar desconforto. NÃO
INDICADO PARA MENORES DE 18 ANOS.
Handrey, junto com seu irmão Jonny, participava ativamente de um grupo de neonazistas violentos,
pregando a supremacia branca. Seu destino mudou ao encontrar o corpo do seu irmão junto a um
homem negro dentro do seu apartamento, ambos sem vida. Ele nutriu apenas ódio e autodestruição
por catorze anos, jogado dentro da penitenciária federal, almejando apenas uma chance de descobrir
quem era o verdadeiro assassino do seu irmão. Sua chance veio acompanhada de um pro bono
misterioso, que lhe deu sua liberdade provisória.
O homem passou a ver as coisas de uma maneira diferente ao se deparar com Eme, uma stripper
negra que o levou a questionar uma doutrina de uma vida inteira. Ele já não se sentia mais à vontade
com o grupo neonazista.
Quando corpos mutilados de mulheres negras e imigrantes começaram a aparecer pelas ruelas do
porto, assombrando todas as garotas de programa ao descobrirem que tinha um assassino em série
que matava por esporte, Handrey percebeu que mais alguma coisa tinha escapado junto com ele do
esgoto imundo que era seu passado.
Dylan Ozborne sabia que a pior época da sua vida era dezembro. Ainda não acreditava que seu irmão
havia o obrigado a ser o Papai Noel para o evento beneficente.
Elly poderia ter sido a boa menina o ano inteiro, mas deixou para ser a menina má justamente três
dias antes do Natal, indignada com o nada bonzinho e muito menos velhinho Noel. Então resolveu se
vingar do tirano e por fim lhe dar uma lição que nenhum
Sedrico Lycaios, mais conhecido pelas noites quentes regadas às promiscuidades de Chicago, como
uma divindade do prazer, é proprietário do clube peculiar, nada ortodoxo e, sim, envolvente e
pecaminoso: a Odisseia, onde proporciona todas as experiências desejadas por seus clientes, para
aplacar seus prazeres mais obscuros. Mas, como todo semideus, Dom Lycaios tem sua fraqueza, e é
entre as paredes do seu templo da perdição que se vê sendo fisgado pela doce inocência de Luna, a
dançarina exótica, tão silenciosa e misteriosa, que o prende a cada movimento do corpo dela. Uma
perfeita sugar baby, que desperta o interesse do sugar daddy que ele traz aprisionado no canto mais
obscuro do seu ser. Luna não tem chances para escapar das manobras do implacável homem, que a
envolve em suas teias de aranha. Afinal, o prazer sempre fora o maior império de Sedrico.
Yane Rinna tem sua vida mudada da água para o vinho quando se torna testemunha principal de um
assassinato. Ela se vê obrigada a entrar em um disfarce para garantir sua segurança até o dia do
julgamento. E de uma stripper desastrada, inteiramente azarada, se torna uma freira monitora de
quatro adolescentes rebeldes. O que ela não imagina é que no último lugar que poderia sonhar, o
amor e o desejo puro estarão no ar. Dener Murati, o vizinho aristocrata do convento, tem seu
autocontrole testado por uma fajuta freira sexy, nada santa, que invade sua residência para se
refrescar na calada da noite, pelada, em sua piscina. A pequena feiticeira que o encanta vai virar sua
vida meticulosamente organizada de cabeça para baixo.
Cristina Self passou anos reclusa em seu mundo seguro, o qual criou para si mesma depois de uma
separação conturbada e violenta. Até que seu caminho se cruzou com o notório advogado
criminalista Ariel Miller, conhecido nos tribunais por seu cinismo e frieza calculista. Seduzida pelo
magnetismo que ele possui, a encantando com seu olhar intenso, Cristina se desprende do seu mundo
seguro, se permitindo se perder por uma única noite no calor dos braços do charmoso homem. Mas o
que Cristina não sabe é que o destino tem outros planos para eles, um que ligará as duas almas
quebradas para sempre. E de um engano nada angelical, mas sim completamente sexy e envolvente,
Cristina irá do céu ao inferno para viver sua história de amor.
AVISO DE GATILHO: o livro contém violência doméstica e relacionamento abusivo.
Doty só queria uma coisa: achar o miserável que engravidou Tifany e chutar o rabo dele até Dallas.
A única coisa que Joe queria era dobrar o demônio de olhos negros que o tirou do sério e fazê-la
pagar por sua língua afiada e boca suja.
Uma proposta!
Sete dias!
E tudo foi para os ares!
Um pacto incomum entre duas amigas, na adolescência, as precede na vida adulta. Miranda Lester,
uma jovem universitária gananciosa e cínica, prestes a ter seu sonhado diploma, não vê impedimento
algum em tirar da prostituição o dinheiro que paga por seus estudos, pelo conforto da sua família e
pela vida de luxo que ela aprecia. Focada em uma meta que deseja bater antes de largar de vez seu
trabalho, cria um esquema de prostituição usando sua loja, a BDL, como fachada, entregando aos
seus clientes as melhores babás de luxo para adultos que eles possam desejar. O caminho de Miranda
se cruza com um intenso e poderoso admirador, o qual despertará emoções e desejos antigos nela,
silenciados por sua vida adulta precoce, que a fez amadurecer rapidamente. A chegada de Mr. Red
em seu caminho a faz questionar até onde realmente ela será capaz de ir para manter sua lealdade,
sua ambição por dinheiro e, principalmente, até qual ponto o amor pode levá-la. Um romance
intenso, envolvente, sórdido, soberbo e pecaminoso, com duas almas nefastas marcadas por seus
passados corrompidos, que acarreta em um enlace que os liga além da moralidade da sociedade.
[1]
No dicionário, o termo Mestre é um sinônimo de catedrático, professor e mentor. No SM, pelo
menos em grande parte dos círculos, existem diferenças. Enquanto o Mestre seria aquele que ensina
interagindo de forma física (sem relação de posse).
[2]
Que a paz esteja sobre vós.
[3]
Personagem principal de A Ordem das Messalinas: Salomé.
[4]
Personagem principal de A Ordem das Messalinas: Salomé.
[5]
Senhor.
[6]
Sim.
[7]
Merda.
[8]
Obrigado.
[9]
Senhora.
[10]
Senhor.
[11]
Donzela.
[12]
Jovem.
[13]
Minha querida. Existem variações do termo, dependendo da intimidade e da intenção com a outra
pessoa.
[14]
Um desperdício.
[15]
Está perfeita.
[16]
Céus.
[17]
Boa noite, meus queridos.
[18]
Sim.
[19]
Perdão.
[20]
Patético.
[21]
Personagem de Shakespeare.
[22]
Obrigada.
[23]
Coelhinho.
[24]
Drácula (em inglês: Dracula) é um romance de terror gótico lançado em 1897, escrito pelo autor
irlandês Bram Stoker, tendo como protagonista o vampiro Conde Drácula. Tornou-se a mais famosa
história de vampiro da literatura.
[25]
Tristão e Isolda é uma história lendária sobre o trágico amor entre o cavaleiro Tristão, originário da
Cornualha, e a princesa irlandesa Isolda. De origem medieval, a lenda foi contada e recontada em
muitas diferentes versões ao longo dos séculos.
[26]
Casal de um programa de televisão de 1964.
[27]
Pecadora.
[28]
Deus.
[29]
Personagem principal do livro Gomorra.
[30]
Personagem principal do livro Gomorra.
[31]
Personagem principal do livro Sodoma.
[32]
Personagem secundária de Gomorra.
[33]
Adeus, meu amor!
[34]
Parafilia é um padrão de comportamento sexual no qual, em geral, a fonte predominante de prazer
não se encontra na cópula, mas em alguma outra atividade. São considerados também parafilias os
padrões de comportamento em que o desvio se dá não no ato, mas no objeto do desejo sexual, ou
seja, no tipo de parceiro.
[35]
Por Deus!
[36]
Shibari, termo japonês que significa amarrar ou ligar, é o nome dado para a prática de amarrar
uma pessoa com cordas, utilizando técnicas que atingem diferentes objetivos. Apesar de,
recentemente, o método ser associado ao BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão,
Sadismo e Masoquismo), o shibari vai além do prazer sexual.
[37]
É um fetiche, em que existe o daddy/mommy e o baby. Baby é o passivo da relação, aquele que é
mimado e recebe ordens, as quais deve cumprir. Daddy é o dominador autoritário da relação, cuida,
protege e disciplina quando necessário.
[38]
Por favor.
[39]
Bebê.
[40]
O festival Woodstock, com certeza, é um dos maiores marcos da cultura hippie e também da
contracultura.
[41]
Imaginação de si próprio na forma de um animal.
[42]
Lobotomia ou Leucotomia é uma técnica de intervenção psicocirúrgica feita no cérebro, que
consiste na retirada total ou parcial dos lóbulos cerebrais. A técnica da lobotomia foi desenvolvida
pelo neurologista português Dr. António Egas Moniz e o cirurgião Dr. Almeida Lima, em 1935.
[43]
Manipular o ambiente para enfraquecer os indivíduos.
[44]
Liberte-os.
[45]
Julgamento.
[46]
Meu.
[47]
Vou decapitar sua cabeça.
[48]
Eu te amo.
Table of Contents
AVISO DA AUTORA
SINOPSE
PLAYLIST
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Ramsés de Naca
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 1
O jardim do Éden
Eva Fishie
Tempo atual
CAPÍTULO 2
A pecadora inocente
Eva Fishie
CAPÍTULO 3
A isca
Dama Emanuelle
CAPÍTULO 4
Esqueletos no armário
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 5
O paraíso escondido de falésias
Eva Fishie
CAPÍTULO 6
A panela de bronze
Eva Fishie
CAPÍTULO 7
Trovão e escuro
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 8
A fera
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 9
Trsitão e Isolda
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 10
Maçã do pecado
Eva Fishie
CAPÍTULO 11
A maldição da primeira pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 12
Demônios silenciosos
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 13
A pecadora e a serpente
Eva Fishie
CAPÍTULO 14
A maçã podre
Nolan
Camaleoa
CAPÍTULO 15
Pequena pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 16
A intuição da serpente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 17
Meus olhos
Seita Gregovivk
CAPÍTULO 18
Pecadora inocente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 19
Messalina
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 20
O pecado de Herodias
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 21
A desfiguração da alma
Eva Fishie
CAPÍTULO 22
A lei do mais forte
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 23
Tempo de carnificina
Sieta Gregovivk
CAPÍTULO 24
Livre
Eva Fishie
CAPÍTULO 25
SODOMA
Oliver Pellegrini
Hector Pellegrini
EPÍLOGO
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 1
Purgatório de Mical
Seita Gregovivk
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS
Outras obras:
Únicos