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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.

Santo Antonio dos Anjos da Laguna: um patrimônio, muitas histórias

Ricardo Neumann 1

Desde março de 2008 venho atuando como professor colaborador do curso de


Arquitetura da Universidade Federal de Santa Catarina, no centro de Educação Superior da
Região Sul, que se situa na cidade de Laguna. Durante esses três semestres, em minhas
caminhadas pelo centro histórico da cidade, por suas ruas antigas de arquitetura luso-brasileira
ou de grandes casarões de estilo eclético, muitas dúvidas a respeito das ricas histórias que
essas ruas poderiam contar brotaram em minha mente. A indagação que me surgia era: que
histórias poderiam existir por trás das datas e memórias oficiais.
A maioria das produções historiográficas afirma que Laguna foi fundada em 1676,
“por ser de muito gosto do Rei de Portugal” (Dall`Alba), D. Pedro II, pelo paulista capitão
Francisco de Brito Peixoto, com o nome de Vila de Santo Antonio dos Anjos da Laguna.
Após uma primeira expedição marítima fracassada, o bandeirante Domingos de Brito, pai de
Francisco de Brito, em uma expedição terrestre chega a então enseada de Mampituba. Nessa
marcha para a conquista do território onde se fundaria a Vila, acompanharam o bandeirante,
muitos escravos e funcionários do mesmo. Em sua busca pelo domínio do território mais ao
sul da colônia portuguesa, estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, Domingos de Brito
travou uma guerra de conquista contra os “gentios” que habitavam a região. Nessa guerra
“estabeleceram e principiaram a dita povoação afugentando muitos gentios, onças e tigres, de
que estava mui povoada aquela paragem, com perca de muitos escravos” (Dall`Alba), e com a
morte do próprio capitão Domingos de Brito Peixoto. Com sua morte a empresa da fundação
da cidade ficou a cargo de seu filho, Francisco de Brito Peixoto. Nessa empreitada foram
construídas primeiramente as casas para o abrigo dos novos moradores da Vila e uma
edificação que acompanhou a fundação de inúmeras cidades no ocidente, uma Igreja.
Durante o final do século XVII e o século XVIII, Laguna serviu de base para as
conquistas frente aos espanhóis de territórios ao sul do Tratado de Tordesilhas e que
formariam o território de São Pedro do Rio Grande, atual Rio Grande do Sul.
No século XIX podemos observar uma das mais fantásticas histórias da Vila de
Laguna, a sua participação na Revolução Farroupilha. Os rebeldes farrapos em sua busca por
um porto, já que os portos do Rio Grande estavam tomados pelas tropas imperiais, tomaram a

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Professor colaborador da Universidade Estadual de Santa Catarina, CERES

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Vila de Laguna e nela fundaram a Republica Juliana em 29 de Julho de 1839. No entanto sem
o apoio dos republicanos rio-grandenses, a Vila, atacada por terra e por mar, é novamente
incorporada ao Império brasileiro, em 15 de novembro do mesmo ano.
No final do século XIX, por volta de 1880, a cidade volta a ganhar importância no
cenário estadual com a entrada de imigrantes italianos por seu porto, que também ganhou
importância como ponto de saída para a produção de carvão, que se iniciava nessa época mais
ao sul de Santa Catarina. A paisagem se modificava, o porto crescia, os casarões ecléticos
eram construídos e a estrada de ferro trazia o “progresso” à cidade.
Durante o século XX várias regiões se emanciparam de Laguna: Tubarão, Araranguá,
Criciúma. O porto da cidade foi perdendo importância para o de Imbituba, de maior calado. A
cidade foi se estagnando. No entanto, minha intenção como já afirmei, não é contar uma
história factual da cidade de Laguna. Muitas biografias da cidade já foram redigidas por
historiadores ou amadores da história local. Assim me propus a estudar não a cidade dos
heróis fundadores, dos donos do poder, dos eruditos, dos poetas e historiadores oficiais
(Bresciani), mas a cidade dos homens e mulheres, negras e índios, portugueses, brasileiros,
italianos, que nela nasceram, morreram, ouviram, cantaram, sofreram, trabalharam, sorriram e
choraram. Nesse sentido me pus a buscar que não seja a mera ordenação cronológica de datas
e fatos (Bresciani).
Na busca por uma história subterrânea da cidade vou analisar a princípio alguns
símbolos da cidade, que tem por função afirmar uma versão da história de Laguna a seu povo,
mas que, no entanto, se observados criticamente podem nos contar outras versões das mesmas
histórias.
Um dos símbolos da cidade é o marco do Tratado de Todesilhas e é daí que podemos
partir, já que para muitos foi um tratado do século XV, feito na Europa que primeiro colocou
Laguna na história. Todavia não é essa a história que os lindos monólitos dos sambaquianos
expostos no museu da República ou os enormes montes de cascalho do farol de Santa Marta,
nos contam. A arte e a arquitetura dos sambaquianos nos mostram que antes mesmo dos
Carijós, os indígenas mortos e expulsos pelos bandeirantes habitarem a região, chamada pelos
mesmos de Ibiriça, povos neolíticos deixaram a sua história nestas terras.
Quando se observa outro símbolo da cidade, a estátua de Francisco de Brito Peixoto,
eternizado como fundador de Laguna, podemos, através de algumas leituras sobre a história
da cidade, ver que o herói da cidade é, por outro ponto de vista um vilão. E, respeitando as
opiniões contrárias, para mim, mesmo com a importância do bandeirante para a efetivação do
domínio português no sul de sua colônia, sua estatua me dá arrepios, quando penso nas vidas

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que o mesmo tirou ou ordenou que seus escravos tirassem dos povos indígenas que habitavam
a esquecida pela história Ibiriça.
O esquecimento recai não apenas sobre as atrocidades cometidas pelo fundador da
cidade, mas também sobre a história de suas vitimas e daqueles que obrigados tiveram que
sujar as mãos de sangue inocente e depois lavar as mesmas para construir a cidade, os
escravos, que juntamente com os indígenas são seres quase que invisíveis para a historiografia
da cidade.
Subtrações por um lado, adições por outro. Quando se vai ao centro histórico dá
cidade se pode observar ao lado da Igreja Matriz, uma CSA em estilo luso-brasileiro
apresentada a todos que a visitam como casa de Anita. Anita Garibaldi, que é intitulada “a
heroína dos dois mundos”, mulher guerreira, que seguiu, após a queda da República Juliana, o
revolucionário italiano, Guioseppi Garibaldi, e que para aminha surpresa, após algumas
pesquisas, nunca havia morado na casa a que chamam de sua. Essa casa era na verdade um
lugar onde as noivas se arrumavam antes de se casar e no qual Anita, em seu primeiro
casamento, antes de fugir com Garibaldi, também havia se arrumado, mas jamais morado.
A encenação feita anualmente na cidade, por atores globais como Tiago Lacerda, a
respeito do episodio da proclamação da República Juliana e do romance entre Guioseppi e
Anita Garibaldi é um outro símbolo da cidade. No entanto, a versão romantizada do episodio
da tomada de Laguna, apesar de emocionante, não mostra ao público o episodio do “massacre
do Imaruí”, uma das muitas atrocidades cometidas pelos farroupilhas na sua aventura
republicana no sul de Santa Catarina.
Esses símbolos da cidade afirmam uma versão da história de laguna, que deixa de lado
muitas outras leituras da mesma e submete muito de seus personagens ao anonimato.
Sambaquianos, carijós, afrodescentes, imigrantes e seus mundos de diversidade cultural ficam
ocultos sobre o espectro da história dos “heróis” da cidade.
Os símbolos aqui explorados expõe uma ínfima parte daquilo que podemos escavar do
subsolo da história lagunense, porém em outras fontes, nem sempre oficiais ou examinadas
com olhar critico, muitas outras histórias esperam latentes por mais estudos e novos olhares .
Nesse sentido o projeto por nos desenvolvido no Centro de Educação Superior da Região Sul,
Universidade Estadual de Santa Catarina, “Brincando e Aprendendo”, visa trazer, através de
uma forma lúdica, uma história em quadrinhos e jogos didáticos, uma história de Laguna
embasada em uma pesquisa que percebe não apenas aquilo que a historiografia oficial da
cidade narra, mas, principalmente, aquilo e aqueles a que está subtrai e delega ao ostracismo.

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