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Vanessa Fidalgo

PORQUE
SE CHAMA
ASSIM?
A
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nomes
de
aldeia
se
vilas
portug
uesas
Ficha Técnica
Título: Porque Se
Chama Assim?
Autor: Vanessa
Fidalgo
Editor: Francisco
Camacho
Capa: Rui Rosa
Revisão: António
Ribeiro
ISBN:
9789896615307
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LIVRO
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Fidalgo
e Oficina do
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Índice
Capa
Ficha Técnica
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1. -
DE METER
MEDO AO
SUSTO
Aranhas
Mulher
Morta
Almas e
Covas
Rego do
Azar
Cemitério
Covas do
Rio
Vale
Cobrão
Cova da
Serpente
Poço do
Luto
Urros e
Matança
Ponta da

Merenda
Vale da
Bicha I
Vale da
Bicha II
Degolados
Cabeças
Velhas
Corgo do
Remexido
Purgatório
Vale de
Azares
Rio Mau
A-da-Perra
Foros da
Pouca
Sorte
Pena
CAPÍTULO 2. -
PURA POESIA
POPULAR
Rapada
Boa
Farinha
Filha Boa
Borracheira
Pescansec
o Cimeiro
Almijofa
Pardieiros
Curral das
Freiras
Aboim das
Choças
Carne
Assada
Minhocal
Mioma
Nariz
Sarnadas
de Ródão
Beijós
Freixo de
Espada à
Cinta
Fonte
Arcadinha
Senhor
Roubado
Palhaça
Ranholas
Maljoga
Penafalcão
Santiago
dos Velhos
Tapada dos
Pés
Vila Facaia
Pousafoles
do Bispo
A-dos-
Cunhados
Vilgateira
Cela
Alfaiates
Carvalho
de Egas
Manteigas
Taberna
Seca
Porqueira
Coedo
Benlhevai
Cabeça
Gorda
Venda
Seca
Rio Seco
Bondança
Serra do
Porto de
Urso
Amor e
Cegovim
Triste Feia
Amparo
Cai Logo
Deixa o
Resto
Boidobra
Alfanados,
Vale
Fanado e
Fanates
Muxagata
Olhos de
Água e
Fuzeta
Catefica
Cucujães
Gostei
Albergaria
dos Doze
Rabo de
Peixe
Espadaned
o
Abadinho
Onça
Dois Portos
Alhadas
Canal-
Caveira
Imaginário
Matacães
Dourada
CAPÍTULO 3. -
COM DIREITO
A “BOLINHA”
Picha
Panasco
Colo do
Pito
Praia da
Rata
Vale da
Rata
Bicos
Albergaria
das Cabras
Pega
Coito
Porca
Anais
Ancas
Pau Gordo
Chiqueiro
Beco do
Olho do Cu
Betesga do
Olho
CAPÍTULO 4. -
OS ILUSTRES
Maçãs de
Dona Maria
Jerusalém
do Romeu
Manique
do
Intendente
Angústias
A-do-
Cavalo
Paz e
Achada
CAPÍTULO 5. -
ASSIM REZA A
LENDA
Linda-a-
Pastora,
Linda-a-
Velha e
Cruz
Quebrada
Trute
Pousaflore
s
Eira do
Lobo
Furna de
Frei Matias
Santa
Marta de
Penaguião
Vale da
Madre de
Deus
Lamas de
Orelhão
Nordestinh
o
Balsemão
Torre de
Dona
Chama
Ninho da
Águia
Portela da
Cruz dos
Fiéis de
Deus
Quatro
Irmãos
Pedra
Mourinha
São
Sebastião
de Gomes
Aires
Murça
Vila Seca
Coto da
Moura
Calheta de
Nesquim
Porto de
Vacas
Juromenha
Bobadela
Caveira
Beselga
Figueiredo
das Donas
CAPÍTULO 6. -
O APELO DA
NATUREZA
Amareleja
Avô
Esfrega
Serra
Dormida
Biscoitos
Palhotas
A-dos-
Ruivos
Penaferrim,
Penha
Longa,
Penha
Verde,
Penha e
Peninha
Cortiçada
Bico Sacho
Raposa
Vale de
Asnes
Muda
Montes da
Senhora
Feliteira,
Fetais,
Feitada,
Feteira,
Feiteira,
Feitos E
Feitosa
Água
Longa
Água d’Alto
Vila Franca
das Naves
Murtal,
Murtede,
Murteira e
Murtosa
Carril
Cimeiro
Pias
Vale do
Grou
Carapito
Aboboreira
Bogalheira
Bazanca
Antacal
Zibreira
Calveiras,
Calvaria,
Calves,
Porto
Covo,
Calvino,
Calvinos e
Calvos
Alcolombal
e
Columbeira
Malavado
Arruda dos
Vinhos
Paços de
Vilharigues
Fraga dos
Mal
Casados
Palheiros
Água de
Todo o Ano
Folgosinho
de Ar
Cuba do
Alentejo
Estremoz
AGRADECIME
NTOS
BIBLIOGRAFI
A
ARQUIVO
S
BLOGUES
IMPRENS
A
TV
SITES
INTRODUÇÃO
Se há coisa que
nunca faltou aos
portugueses foi
imaginação.
Temos, desde
tempos remotos,
um certo talento
para solucionar
problemas,
abreviar caminho
e sair
airosamente de
complicações,
conforme rezam
os livros de
história.
Se procurarmos
a explicação para
muitos dos
nomes de aldeias,
terriolas e lugares
deste cantinho à
beira-mar
plantado,
percebe-se que
foi esse o espírito
que presidiu à
atribuição de
muitas das
designações que
dão um enorme
colorido ao mapa
de Portugal. Em
boa verdade, na
toponímia
portuguesa, há
espaço para
quase tudo menos
para a monotonia.
O território
continental tem
pouco mais de 92
mil quilómetros
quadrados. Um
país pequeno
com 18 distritos e
duas regiões
autónomas, que
se organizam em
308 concelhos e
3092 freguesias.
Uma pequena
amostra de terra,
mas onde cabe
um universo
inteiro de
temáticas. Entre
as nossas
localidades, há
espaço para a
mais estranha
anatomia (como
se constata pelos
nomes das
aldeias de Nariz,
Ancas ou Pau
Gordo), para a
paixão (Amor,
Romeu) ou os
prazeres da mesa
(Boa Farinha,
Biscoitos ou
Taberna Seca). A
zoologia deu azo
a uma série de
topónimos (Urso,
Raposa, Porca,
Rabo de Peixe,
Praia da Rata,
Vale do Grou ou
Porqueira), mas a
botânica
(Palhotas,
Panasco,
Aboboreira,
Feliteira, Zibreira
ou Malavado)
também não lhe
fica atrás.
Há sítios que
davam
certamente bons
cenários para
filmes de terror
(Mulher Morta,
Cemitério,
Purgatório, Lugar
das Almas, Rio
Mau ou Rego do
Azar), outros
onde a família é
quem mais
ordena (Avô,
Filha Boa). Há os
que nos impelem
à descontração
(Deixa o Resto) e
outros que até
podem fazer
corar um
camionista:
Picha, Panascoso,
Pega, Bico,
Coito, Anais.
Muitos destes
locais têm sido
dignos de visita
mesmo pelo
próprio nome –
até porque na era
das redes sociais
uma boa selfie
junto a uma placa
de toponímia
original dá
certamente uma
avalancha de
likes – mas
também há quem
prefira escondê-
los no currículo
ou jamais
confesse por lá
ter morado.
Graças à parte,
a verdade é que o
significado dos
nomes dos
lugares mais
antigos foi-se
perdendo com o
correr dos
séculos, sendo às
vezes quase
impossível
perceber a sua
origem. Todavia,
ao ir buscar
justificação em
lendas, na
história ou em
factos
relacionados com
a geologia ou a
biologia, o nome
passa também a
fazer parte da
identidade
coletiva de um
lugar. É desta
curiosidade e
desta necessidade
de encontrar uma
explicação que
enaltecesse a
comunidade que
surgem, de forma
natural, muitas
lendas para
explicar a razão
de ser dos nomes:
“Já pus o pé
nela!”, por
exemplo, teria
dado origem ao
concelho de
Penela. Maljoga
resultou de uma
crítica no final de
uma partida de
cartas entre dois
aldeões (“Eh pá,
que tão mal
jogas!”, disse um
para o outro). E
Rapada terá esta
denominação por
causa de uma
vendedora que
um dia voltou
para casa de
canastra vazia.
Remontam
principalmente ao
século XVIII as
histórias mais
curiosas, muitas
delas narradas
por Pinho Leal,
Gentil Marques
ou Leite de
Vasconcelos, de
inegável interesse
cultural, mas
longe da
validação
científica que o
estudo rigoroso
da toponímia nos
proporciona.
A toponímia,
um dos ramos
principais da
onomástica,
dedica-se ao
estudo da origem
e da etimologia
dos nomes dos
locais e tornou-se
uma preciosa
ciência auxiliar
da história. Sendo
uma ciência
difícil, requer o
domínio da
paleografia, da
epigrafia, da
arqueologia e da
etnologia, além
de bons
conhecimentos
filológicos,
dialetológicos e
uma metodologia
segura. Todavia,
não é dessa
ciência que este
livro trata, mas
sim das histórias
e explicações
vulgares que o
maravilhoso
popular não se
inibiu de criar
para dar
justificação
àquilo que, de
outra forma,
permaneceria
inexplicável. Até
porque qualquer
terra é, entre
outras coisas, um
lugar de
memória. E para
abreviar a
curiosidade, os
próximas páginas
con-vidam a
descobrir a
origem destes e
de muitos outros
nomes criados
por esta estranha
forma de ser
português…
CAPÍTUL
O 1.

DE
METER
MEDO
AO
SUSTO
PALA
VRAS
PARA
QUÊ?
ESTA
S SÃO
TERR
AS
ONDE
OS
MAIS
MED
ROSO
S
EVIT
AM
PASS
AR,
SEJA
PORQ
UE
SERV
EM
DE
CASA
A
TERR
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OU
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ÇÃO
É
COIS
A
QUE
NÃO
SE
DOMI
NA.
PELO
SIM
PELO
NÃO,
SE LÁ
FOR,

COM
CUID
ADO

∙∙∙
ARANHAS
É uma freguesia
do concelho de
Penamacor e,
segundo dados
disponíveis no
site oficial do
município,
poderá dever o
nome tanto aos
aracnídeos, que
em tempos mais
recuados ali
proliferavam,
como aos teares
para fabrico de
tecidos e
tapeçarias que
também existiram
em número
abundante, e aos
quais o povo
popularmente
identificava como
aranhas.
MULHER
MORTA
E como se uma
não bastasse para
causar arrepios,
existem duas
localidades com
o nome de
Mulher Morta em
Portugal. Uma
fica na freguesia
de Mexilhoeira
Grande, em
Portimão, outra
na de Nossa
Senhora das
Misericórdias,
em Ourém. O
nome da segunda
deve-se a uma
conhecida lenda
local.
Em tempos que
já lá vão, um
jovem e valente
cavaleiro
enamorou-se de
uma rapariga
residente na
aldeia. Ela
correspondeu ao
seu afeto, mas o
pai da rapariga,
contudo, não
aprovou este
amor por um
forasteiro.
Naqueles
tempos, não valia
a pena
argumentar com
os mais velhos, e
as coisas
resolviam-se de
outras maneiras...
Certo dia,
numa tentativa de
fugir da aldeia e
ficar para sempre
junto do amado, a
rapariga saiu de
casa pela calada
da noite,
correndo pela rua
fora. O pai,
enfurecido com
tamanha
desobediência,
perseguiu-a e
arremessou-lhe
uma enxada, que
lhe acertou em
cheio e ditou a
morte imediata.
Os vizinhos,
afetados pela
tragédia,
sepultaram a
moça no local
onde perdeu a
vida e ali mesmo
ergueram um
cruzeiro. Pelo
menos é isso que
se conta sobre a
origem do
cruzeiro, um dos
principais pontos
de referência da
terra, que integra
inclusivamente o
circuito turístico
medieval que
parte do centro
histórico da
cidade de Ourém.
ALMAS E
COVAS
Almas e Covas
são duas
localidades da
freguesia de
Carvalho de
Egas. Apesar de
serem dois nomes
bastante
estranhos, a
explicação para a
sua existência é
bastante
corriqueira: foi o
sítio onde
decorreu a última
e derradeira
batalha entre
mouros e cristãos
na região e onde
os primeiros
ficaram mortos e
enterrados e
onde, pelos
vistos, as suas
alminhas teimam
em permanecer…
REGO DO
AZAR
Em abono da
verdade, esta
pequena
localidade de
Santa Comba,
Ponte de Lima,
tanto é conhecida
por “Rego do
Azar” como por
“Rego do Azal”.
O nome é muito
antigo. Vem do
tempo de D.
Afonso
Henriques, dos
movimentos da
reconquista e da
guerra com a
Galiza. Consta
que era neste
local que os
cavaleiros do
primeiro rei de
Portugal e
cavalos se
abasteciam de
água e
retemperavam
forças, antes de
partirem de novo
para a frente de
batalha.
Depois de uma
dessas contendas,
num dia bafiento
de verão,
seguiam os
cavaleiros suados
e sequiosos por
um atalho que
descia de um
pequeno planalto
quando
depararam com
um pequeno rego
de água. Deu
ordem o chefe
dos Portucalenses
para
desmontarem,
darem água aos
animais e eles
próprios
beberem. Eis
senão quando,
ainda mal
saciados daquela
água fresquinha,
foram atacados
por um numeroso
grupo de
partidários
galegos.
Apanhado de
surpresa pelo
inimigo, o
exército de D.
Afonso
Henriques sofreu
enormes baixas
naquele reduto. A
sangria da
batalha fez que o
local ficasse
desde então
conhecido como
“rego do azar”.
O sítio da luta
está até
assinalado por
um nicho onde
repousa o Senhor
dos Aflitos, e que
alude às
“alminhas” dos
que ali
pereceram. Hoje
em dia, tantos
séculos depois, o
Rego do Azar é,
curiosamente, um
local de visita
obrigatória em
Ponte de Lima,
sobretudo pelos
que vão movidos
pela fé. Em
tempos difíceis,
quando o
desespero aperta,
duplicam-se as
romarias e as
preces em busca
de um atalho para
chegar aos
céus…
CEMITÉRIO
Na freguesia de
Paços (em Paços
de Ferreira) há
um lugar que dá
pelo nome de
Cemitério.
Segundo
explicação do
município, a
designação está
ligada aos
vestígios
romanos
encontrados na
região, várias
“ânforas de
sepultura, em
bom estado de
conservação,
atribuídas ao
século IV”. E uma
vez lugar de
mortos, para
sempre assim
ficou conhecido.
COVAS DO
RIO
Dizem os mais
velhos da
freguesia de
Covas do Rio, em
São Pedro do Sul,
que antigamente
havia por lá “uma
serpente muito,
muito grande”
que ia beber água
nas margens do
rio de Bronhedo,
onde nessa altura
ainda habitava
gente.
O seu tamanho
era descomunal e
na aldeia
contava-se até
que já tinham
desaparecido
pessoas,
provavelmente
devoradas pelo
bicho.
Os aldeões
tinham tanto
medo que, a dada
altura,
resolveram sair
dali e mudar-se
para outro lugar
onde estivessem
mais seguros.
Foram com pena,
pois o lugar era
muito bonito e
fértil, mas desta
vez precaveram-
se e ergueram as
suas casas num
vale de difícil
acesso, onde a
serpente não os
conseguia
alcançar. Diz-se
que, por isso,
chamaram Pena
ao lugar para
onde a população
fugiu.
Mas nestas
coisas há sempre
alguns que são
mais teimosos.
Os poucos que
ficaram tinham
de levar, todos os
dias, uma rês ao
pé do rio, para
matar a fome à
serpente, não
fosse esta vir
atrás deles.
Certo dia, uma
menina levava
uma rês lá para o
sítio onde a cobra
vivia mas,
coitadinha, ia a
chorar, cheia de
medo. A meio do
caminho,
encontrou um
barbeiro, que
andava no seu
ofício, de aldeia
em aldeia.
O homem
perguntou-lhe
porque é que ia a
chorar e ela
contou-lhe o que
se estava a
passar. O
barbeiro disse-lhe
que não chorasse
mais, que ele
próprio iria matar
a serpente com as
suas próprias
mãos! Quis saber
todos os detalhes
sobre a besta: por
onde é que ela
passava, quando
ia beber ao rio.
A menina
mostrou-lhe o
caminho e o
barbeiro afiou
muito bem as
suas tesouras e
navalhas e
colocou-as em
jeito de escamas,
de tal maneira
que, nesse
mesmo dia,
quando a
serpente desceu
para ir beber ao
rio, passou em
cima das
navalhas. Só que
o diabo do bicho
era duro como
tudo e só no
caminho de
regresso é que
realmente se
esvaiu em sangue
e morreu. O
sangue correu rio
abaixo e ela ficou
para sempre na
sua cova. Ainda
hoje, diz-se, a
cova do rio onde
morava a
serpente é um
local que
suscitava a
curiosidade de
quem visita a
aldeia de Covas
do Rio e tem o
privilégio de
ouvir contar as
histórias que
enformam o
nosso património
oral.
VALE
COBRÃO
É um território
impróprio para
quem tem medo
de cobras. O
nome vem
mesmo de um
bicho, uma cobra
muito grande,
diz-se, que há
muitos anos
costumava
aparecer por ali e
matar todo o
gado que
encontrasse no
vale. Cansados de
perder cabeças de
gado para a fera,
um dia os
pastores juntaram
esforços e
resolveram
montar um
pelotão na
Portela da
Milhariça para
ver se davam
cabo do bicho.
Levaram armas e
paus para matar o
cobrão e, depois
de uma estoica
espera, foi assim
à paulada que o
mataram. Desse
dia, restou apenas
uma coisa: o
nome, para fazer
lembrar a todos o
tamanho da fera e
a coragem dos
homens.
COVA DA
SERPENTE
Em Santa
Maria de Fiães,
no município de
Santa Maria da
Feira,
encontramos a
Cova da
Serpente. O lugar
ganhou este
nome no dia em
que várias
pessoas ali
avistaram uma
serpente enorme.
A história foi
passando de boca
em boca e
quando assim é já
se sabe que vai
ganhando
pormenores ao
sabor da
imaginação
popular. O caso
da serpente de
Santa Maria de
Fiães é, no
mínimo, curioso.
Diz o povo que,
além de gigante,
a cobraria tinha o
rabo em forma de
maçaneta e, na
cabeça, trazia
uma tesoura de
ouro. Por isso
todos, sem
discrepâncias,
deram como
certo que se
tratava de uma
moura encantada
que faria feliz o
que tivesse a
sorte de a
desencantar.
POÇO DO
LUTO
Para uma terra
ter um nome
destes, a história
não podia ser
boa. Chama-se
Poço do Luto e é
a designação de
um lugar em
Sever do Vouga
onde morreu
afogado um
moço cristão que
se apaixonou por
uma jovem e bela
moirinha. A
rapariga, ao saber
da morte do seu
amado, passou o
resto da vida a
chorar
amargamente e
viveu todos os
anos que lhe
restavam vestida
de negro. Por
isso, o local onde
morreu o cristão
passou, dali em
diante, a ser
conhecido por
Poço do Luto.
URROS E
MATANÇA
Situada na
margem direita
do rio Douro,
Urros é uma
povoação muito
antiga que
remonta a épocas
pré-romanas.
Situada no
concelho de
Torre de
Moncorvo, a
localidade é
rodeada pelos
cumes do Poio e
do Castelo,
ambos de
importância
arqueológica
relevante e com
quota parte de
responsabilidade
na origem do
nome da terra.
Durante a
formação de
Portugal, Urros
surgiu como uma
fortificação
utilizada na zona
fronteiriça com
Leão, sendo
palco de lutas
devido às
discórdias de D.
Afonso II e suas
irmãs e também
dos movimentos
da reconquista.
Conta-se, aliás,
que D. Afonso
Henriques
expulsou dali os
mouros com tal
violência que eles
desceram o
monte quase à
reboleta, e com
muitos urros à
mistura!
Verdade ou
mentira, facto é
que em 1182, D.
Afonso
Henriques
concedeu foral a
Urros, e batizou
para sempre a
terra.
Durante quase
dois séculos o
forte foi
independente e só
a 7 de maio de
1370 passou a
estar integrado no
concelho de
Torre de
Moncorvo, por
carta de foral de
D. Fernando.
Mas o mais
curioso é que a
cerca de dois
quilómetros de
Urros existe um
outro monte, que
dá pelo nome de
Matança.
Segundo reza a
tradição oral,
também ali houve
uma grande
batalha, entre
cristãos e
mouros, pois
claro, não tendo
escapando nem
um único vivo de
ambos os lados
da contenda.
Ainda hoje, os
mais antigos de
Urros e de
Matança, que
cresceram a ouvir
e a acreditar
nestas histórias, é
capaz de jurar a
pés juntos que
debaixo daqueles
montes ainda
existem restos de
ossos humanos,
desde o tempo da
tal batalha!
PONTA DA MÁ
MERENDA
Hoje, a Ponta
da Má Merenda,
na Terceira
(Açores), é uma
povoação e um
dos mais belos
miradouros da
ilha. O que
poucos sabem é
que aquela idílica
vista sobre o azul
do mar tem
também um
belíssimo
passado para
contar.
De acordo com
Ângela Furtado-
Brum – escritora
açoriana que
dedicou uma boa
parte da sua vida
a desvendar e a
registar o
património oral
do arquipélago –
no início do
século XVII, ainda
no tempo do
domínio filipino,
viviam na ilha
uns fidalgos
muito abastados,
que tinham uma
única filha, muito
bonita e em idade
casadoira.
O único
problema é que a
rapariga, apesar
de já estar
prometida a um
outro fidalgo da
corte, bem mais
velho do que ela,
apaixonou-se por
um jovem
lavrador da ilha.
Escusado será
dizer que os pais
não estavam
pelos ajustes!
Mas o rapaz
estava mesmo
disposto a lutar
por aquele amor e
resolveu
embarcar à
procura de
fortuna, pensando
que, se pelo
menos fosse rico,
o fidalgo não se
iria certamente
opor ao
casamento.
Só que
enquanto o rapaz
corria o novo
mundo, nas
nossas caravelas,
o fidalgo fazia
tudo o que podia
para obrigar a
filha a casar com
quem ele
desejava. Ela
arranjava mil e
uma artimanhas
para se esquivar
ao compromisso:
ora estava doente,
ora não
conseguia andar
porque tinha um
espinho no pé,
ora trancava-se
no quarto a
chorar. Com tudo
isto não havia
maneira de o pai
conseguir enfiá-la
num barco e
rumar ao
continente para a
apresentar ao
noivo.
As semanas
foram passando e
o fidalgo estava
cada vez mais
ofendido e
irritado com a
desobediência da
filha. Castigou-a
e ordenou que a
prendessem num
velho forte que
havia numa ponta
da ilha, perto da
praia. A rapariga
passou a viver
enclausurada,
sem ver nem falar
com ninguém,
alimentada
apenas a pão e
água, por
determinação do
pai.
Só que a jovem
fidalguinha era
frágil. O desgosto
e a parca
alimentação que
lhe davam – que
não passava de
uma má merenda
– conduziram-na
a um estado de
fraqueza tal que
não resistiu muito
tempo.
Sentindo a
morte a
aproximar-se sem
oportunidade de
rever o seu
amado, expressou
o seu último
desejo: pediu
para ser sepultada
no lugar onde
tinha vivido os
seus últimos
tempos por
obrigação. E a
sua vontade
cumpriu-se.
Alguns anos
depois, o rapaz
voltou e, mal pôs
um pé em solo
firme, tomou
conhecimento da
tragédia.
Desgostoso e
frustrado,
recolheu a um
convento.
Por vezes o
rapaz saía do
convento e ia
pousar os olhos
tristes no mar, na
ponta onde a
amada tinha sido
encarcerada e na
qual fora
sepultada. A
mágoa consumiu-
o e também não
viveu muitos
anos. Quando
morreu, foi
enterrado junto
da fidalguinha,
tal como tinha
pedido em vida
aos frades, para
que ficassem
unidos na morte,
já que na vida os
tinham separado
de forma tão
brutal e injusta.
Quem conhece
os Açores sabe
que a paisagem
ajuda à
melancolia e ao
misticismo.
Talvez por isso,
ainda hoje,
quando o mar
está bravo, os
terceirenses
garantem ouvir
os lamentos dos
dois jovens
amantes. Já em
dia de sol e
calmaria, podem
escutar-se as suas
vozes
sussurrando,
naquele lugar da
Praia da Vitória
que passou a
chamar-se Ponta
da Má Merenda
por causa do
sofrimento dos
dois apaixonados.
VALE DA
BICHA I
Junto à
velhinha ponte
que antigamente
se debruçava
sobre a ribeira de
Silvalde, havia
um campo onde
uma mulher
trabalhava quase
de sol a sol. Um
dia, não ganhou
para o susto
quando, de
repente, do meio
das sebes lhe
salta ao caminho
“um bicho nunca
antes visto, que
só de cabeças
tinha muitas e
que vinha
acelerado na sua
direção”,
segundo contam
em tom aflitivo
os registos da
Câmara
Municipal de
Espinho. A
mulher não
ganhou para o
susto e largou a
correr no meio do
vale, gritando
“bicha, uma
bicha horrível!”
que logo punha
também a correr
todos os outros
que por ali
amanhavam as
suas terras.
O episódio
passou-se,
chegando alguns
a duvidar do
juízo da pobre
mulher, e logo
teria sido
esquecido não
fosse o povo,
nessa mesma
noite, ter
acordado com o
alvoroço dos
animais, tendo
encontrado
depois vários
exemplares
mortos e
esquartejados.
Um pastor que
tinha ficado de
vigia contou ter
visto uma bicha
“que só de
cabeças tinha
muitas”, tal e
qual como a
mulher
descrevera, mas
que fugira assim
que os cães foram
largados.
A aldeia ficou
em pânico e
decidiu que era
preciso travar
aquela ameaça
naquela mesma
noite, mesmo que
ninguém
soubesse bem do
que se tratava.
Os homens
armaram-se até
aos dentes e
foram à procura
de tal bicho.
Depois de muitos
dias e muitas
noites, acharam-
no. Ainda foi
preciso travar
uma luta renhida,
na qual “um
camponês
pereceu” mas
lograram matar a
bicha. Já cadáver,
“cortaram-lhe as
cabeças e
acharam o
número sete”.
Enterraram-na
junto a um pilar
da velha ponte e
ali construíram
uma capela para
celebrar tão
estranho caso.
Muito mais tarde,
uma cheia do rio
aliada à erosão
dos anos e à falta
de manutenção,
levou a capela,
mas ainda hoje
há, no lugar de
Vale da Bicha,
uma pequena
placa em azulejo
a contar a lenda
que deu origem
ao nome do sítio.
VALE DA
BICHA II
Mas este não é
o único vale em
Portugal onde
uma bicha deu
que fazer à
população. No
concelho de Fafe,
mais
concretamente
Moreira de Rei,
tem também
direito ao seu
Vale da Bicha,
igualmente com
origem numa
antiga lenda
muito popular na
região.
Há muitos,
muitos anos,
existia em
Moreira de Rei
uma bicha
escondida que
viveu durante
muito anos
escondida nos
silvados, mas
fazia que toda a
gente vivesse
aterrorizada pois
diz-se que comia
pessoas e animais
que por ali
passavam.
Fartinhos de
viver com medo,
os habitantes do
lugar, hoje
denominado Vale
da Bicha,
resolveram atear
fogo às silvas e,
assim, destruírem
a bicha para todo
o sempre! Só que
se esqueceram de
uma coisa: a
bicha tinha asas e
voava!... Voou na
direção de
Ribeiros, vindo a
poisar no lugar
do Vinco, onde
hoje existe o
cemitério... E aí,
jura o povo,
aumentou ainda
mais a sua
ferocidade.
Indignado, um
nobre da Casa de
Paços resolveu
matá-la. Calçou
as suas botas,
vestiu o capote,
pegou na sua
espada e
acompanhado
pela sua
cadelinha dirigiu-
se ao Vinco,
disposto a matar
a bicha num
único golpe.
Mas também o
senhor dos Paços
teve uma
surpresa: é que a
bicha já não
estava sozinha!
Tivera,
entretanto, seis
filhos, o que
explicava o seu
apetite voraz!...
Felizmente, era
um nobre às
direitas e não
desarmou.
Mandou a cadela
tomar conta dos
filhos da bicha e,
desembainhando
a espada, investiu
contra a mãe,
disposto a cortar-
lhe rapidamente a
cabeça.
Só que a bicha
era ágil e
escapava-se
facilmente aos
golpes da espada.
A luta durou e
durou…
Entretanto a noite
caiu. O homem,
temendo que a
escassez de luz
não permitisse
acabar a missão a
que se afoitara,
invocou a ajuda
de Santa Maria,
padroeira da
freguesia de
Ribeiros.
Com os olhos
postos no céu
estrelado,
exclamou: “Santa
Maria de
Ribeiros,
alumiai-me!”
Quase de
imediato, uma
estrela, descendo
lá do alto, poisou
num penedo e
alumiou-o... O
homem apressou-
se a cumprir a
missão. Degolou
a mãe e mal
acabou matou
também os filhos
da bicha!
Em seguida,
todo contente e
orgulhoso,
dirigiu-se para
casa, deitou-se
para descansar
mas jamais se
levantou! E para
aqueles céticos
que costumam
duvidar da
“verdade da
lenda”,
permanece até
aos dias de hoje
na igreja de
Ribeiros a
imagem
milagrosa da
Santa Maria e na
Casa de Paços a
escultura da
Bicha, ambas em
pedra e
antigamente até
havia quem se
lembrasse da
marca da estrela
no penedo, que
depois foi partido
para permitir a
construção do
cemitério.
Durante algum
tempo, rezou-se
junto ao túmulo
do “homem da
bicha”, que se
encontra na porta
da Travessa da
Igreja Paroquial,
junto à sepultura
da sua fiel
cadelinha...
DEGOLADOS
Não obstante o
nome ameaçador
que lhe coube em
sorte, Degolados
é uma simpática
freguesia do
concelho de
Campo Maior, de
campos abertos e
com um pitoresco
casario branco,
em pleno coração
do Alentejo.
Em abono da
verdade, o nome
oficial e
completo da
povoação é
Nossa Senhora da
Graça dos
Degolados, mas o
tempo
encarregou-se de
simplificá-lo e
reduzi-lo a
Degolados.
Segundo reza a
lenda, a terra
deve a
nomenclatura ao
antigo ribeiro dos
Degolados. Uma
explicação tão
singela como o
próprio curso de
água que ainda
hoje atravessa a
aldeia e rega as
hortas. Talvez por
isso, também o
nome do canal
mudou, sendo
hoje
simplesmente
conhecido por
Ribeiro das
Hortas.
Já a terra
mantém a sua
identidade bem
presente,
havendo quem
entenda que o
nome, de certa
forma, também
está intimamente
ligado à história
do lugar e à
“fibra” das suas
gentes.
Para perceber
isso, é preciso
voltar um pouco
atrás no tempo.
Esta aldeia fazia
originalmente
parte do concelho
de Arronches,
mas em setembro
de 1895, por
questões de
organização do
território, passou
a integrar o
concelho de
Campo Maior.
Mais tarde, em
janeiro de 1898,
voltou novamente
para as mãos de
Arronches e por
fim, em
dezembro de
1926, ficou
definitivamente a
pertencer ao
concelho de
Campo Maior.
Na verdade, a
vida dos
moradores de
Degolados foi
marcada por
muitas
dificuldades ao
longo de várias
gerações.
Calcula-se que
a primeira casa
tenha sido
construída no
século XVI, pois
há registos de
1538 que dão
conta da
existência de um
monte habitado,
que dava
precisamente
pelo nome de
Herdade de
Degolados. Em
1591 surgiu o
primeiro
aglomerado de
casas e a
consequente
fixação de
moradores e
exploração dos
campos em redor.
Entre 1640-
1668, Degolados
terá passado por
grandes
obstáculos, tal
como a sua gente.
Algumas cabeças
rolaram,
seguramente, às
mãos do inimigo!
A região do
nordeste
alentejano foi
duramente
castigada pela
Guerra da
Restauração que
atingiu
fortemente as
vizinhas
povoações
amuralhadas e
muito mais ainda
os pequenos
lugares e
herdades
indefesos
espalhados pela
área fronteiriça,
sem qualquer
proteção contra
os atacantes,
como é o caso de
Degolados.
Finda a guerra,
em 1700 reinicia-
se um processo
de reconstrução e
crescimento.
Em 1758,
segundo os
registos oficiais
da junta de
freguesia, já
existiam 42 fogos
e cerca de 170 a
180 habitantes,
vindos nas sua
grande maioria
de povoações. A
partir daí, pela
necessidade de
reparar as
lavouras
devastadas pela
guerra de
repovoar a região
fronteiriça
abandonada por
grande parte dos
seus habitantes
durante o conflito
de quase trinta
anos, muitas
famílias vindas
de outras regiões
do país (oriundas
de Campo Maior,
Ouguela, São
Vicente, Elvas,
Arronches,
Mosteiros,
Fortios,
Albuquerque,
Castelo
de Vide e
inclusive
pertencentes ao
distrito de
Castelo Branco e
Viseu), fixaram-
se em Degolados.
Muitos dos
indivíduos
identificados
como moradores
de Degolados
residiam nas
herdades situadas
na área da
freguesia e eram
empregados nos
trabalhos braçais
da agricultura, a
troco de míseros
proveitos, nos
grandes
latifúndios.
Os “ratinhos” –
assim eram
conhecidos –
vindos das
regiões da Beira
Interior, vinham a
título temporário
para as atividades
sazonais da
agricultura (como
a apanha da
azeitona ou a
ceifa do trigo),
mas iam-se
deixando ficar e,
com o tempo,
muitos acabavam
por ficar
definitivamente.
A exploração
mineira nesta
zona teve uma
importância
económica
fundamental para
Degolados, não
só pela riqueza
do solo em ferro
e cobre mas
também porque
impulsionou
criação de
empregos, sendo
fonte de
subsistência de
centenas de
trabalhadores
durante várias
décadas. Não
consta que
alguém tivesse
sido degolado nas
minas, mas esta é
sem dúvida terra
de gente dura,
que trabalhava de
sol a sol, em
condições
difíceis, para
provir o sustento
dos seus.
CABEÇAS
VELHAS
Em Cabeças
Velhas, concelho
Almodôvar, havia
lá uma bruxa que
passava o dia
bem escondida
debaixo da cama,
para que ninguém
a visse. Só saía
do seu
esconderijo pela
calada da noite,
com muitas
cautelas, para que
ninguém a
descobrisse.
Apesar de
todos os seus
cuidados, certa
noite, uns
homens da terra
viram-na e como
não conheciam
tão sinistra
personagem,
resolveram segui-
la para verem o
que andava a
fazer. Não
perderam pela
demora…
Ao chegar a
um local bem
longe da vista de
todos, a bruxa
tirou de dentro de
um saco uma
grande cabeça de
velha cheia de
moscas enormes
e ordenou-lhes
que fossem
roubar tudo o que
apanhassem a
jeito. Deviam
depois trazer o
produto da
vilanagem, para
que ela se
pudesse alimentar
a preceito. Os
homens ficaram
horrorizados. Um
deles, voltou lá
no dia seguinte e
matou todas as
moscas. A bruxa,
que se alimentava
só do que as
moscas lhe
traziam, morreu
de fome e a partir
desse dia a
localidade ficou
conhecida como
Cabeças Velhas.
CORGO DO
REMEXIDO
No tempo das
lutas entre
absolutistas e
liberais, o bando
do Remexido era
um impiedoso
grupo de
salteadores que
constantemente
saqueava as
zonas de São
Brás de Alportel,
Silves, Santa
Clara a Nova e
Gomes Aires,
deixando um
rasto de
destruição, pois
não se limitavam
apenas a roubar.
Por onde
passavam,
incendiavam os
celeiros,
soltavam os
animais e feriam
quem se
atrevesse a
atravessar-se no
seu caminho.
Nunca foram
apanhados,
porque consta
que se escondiam
num congro, ou
seja, num buraco
que havia entre as
rochas,
desembocando
numa gruta que
tinha saída por
outro local.
Ainda hoje o
local é conhecido
como Corgo do
Remexido.
PURGATÓRIO
Nem céu nem
inferno. Pelo
contrário, este
purgatório fica
mesmo na terra,
mais
concretamente
em Paderne, no
Algarve. Tudo
porque, há muitos
anos, existia
naquelas bandas
uma taberna onde
todos os homens
paravam para
beber um copo,
sobretudo depois
da missa aos
domingos e dias
santos. Como
nesses dias não
trabalhavam,
acabavam por
ficar por ali, entre
copos, conversa,
a jogar à malha
ou às cartas, de
tal maneira
entretidos que às
vezes até se
esqueciam de ir
para casa à hora
de jantar. Depois,
quando
finalmente
chegavam, iam
entornados e mal
humorados! Isto
repetia-se semana
após semana, o
que levava as
pobres mulheres
a lamentarem-se:
“Aquela casa é o
nosso
Purgatório!”,
pode ler-se numa
monografia de
Paderne, que
explica dessa
forma o nome da
terra.
VALE DE
AZARES
Segundo reza a
lenda, há muitos
séculos esta
freguesia do
concelho de
Celorico da Beira
de nome aziago e
impróprio para
supersticiosos
chamava-se,
imagine-se, Vale
de Flores! Nela
habitavam um
fidalgo, com a
sua mulher e os
dois filhos, um
rapaz e uma
rapariga.
Eram todos
muito felizes, a
aldeia vivia em
paz e podia dizer-
se que a vida em
Vale de Flores era
perfeita até que…
a sorte mudou!
O filho do tal
fidalgo arranjou
uma namorada
nascida numa
terra vizinha e,
certo dia, quando
se deslocava a
cavalo para
visitar a amada
na sua aldeia, o
bicho assustou-
se, deu um pinote
inesperado e
acabou por cair e
bater com a
cabeça numa
pedra.
Para desespero
de todos, teve
morte imediata.
A mãe,
desgostosa,
enlouqueceu, e a
irmã, com o
tempo, foi
revelando cada
vez mais
fragilidades, até
que um dia
enforcou-se.
Com desgosto
atrás de desgosto,
o fidalgo mandou
deitar abaixo a
casa onde viviam,
desapareceu para
lugar incerto mas,
antes disso,
mudou o nome da
terra para Vale de
Azares, topónimo
que ainda hoje é
usado e serve de
morada a quem
não foge de gatos
pretos nem
acredita em
lendas.
RIO MAU
O nome desta
freguesia de Vila
do Conde tem
razão de ser na
passagem do rio
Este que nesta
zona era
especialmente
perigoso e terá
arrastado muita
gente para a
morte.
Os antigos
chegavam a dizer
que nas
profundezas das
suas águas
existiam
“cavernas e
galerias,
defendidas –
imagine-se! – por
dragões,
serpentes e outros
bicharocos
medonhos, que
guardam tesouros
encantados e
muito valiosos”,
de acordo com a
descrição de
Pinho Leal (em
Portugal Antigo e
Moderno).
Existe um
outro Rio Mau,
no concelho de
Penafiel, que se
refere a um
ribeiro que
desagua no
Douro e que era
fonte de
subsistência para
muitos
pescadores que,
antes da
construção da
barragem de
Crestuma-Lever,
se dedicavam à
pesca do sável e
da lampreia.
A-DA-PERRA
No tempo de
D. João V, vivia
na Tapada de
Mafra uma velha
e enigmática
senhora. Havia
até quem
dissesse, em
surdina, que se
tratava de uma
bruxa. O rei,
talvez sensível
aos medos do
povo, um dia
disse-lhe que
queria que ela
saísse dali, para
que não tivesse
de estar sempre a
cruzar-se com a
corte e com as
gentes do
povoado. E não
iria de mãos a
abanar. Em troca,
sua majestade
oferecia-lhe uma
terra noutro lugar.
A velha,
teimosa e
apegada à casa
onde nascera,
recusou-se a
fazer a vontade
ao rei. Claro que
este, pouco
habituado a ser
contrariado, não
ficou nada
satisfeito, e
zangou-se com
ela a sério.
A velhota,
vendo que não
tinha alternativa
senão abandonar
o local que tanto
adorava, pôs
como condição
que o rei lhe
desse uma terra
de onde, pelo
menos, pudesse
avistar o
Convento de
Mafra.
Quando a
senhora
finalmente saiu
da Tapada, conta-
se, segundo
registos
históricos da
autarquia, que o
rei exclamou:
– A velha é
Perra!...
E foi assim que
a terra onde ela
foi morar se
passou a chamar
A-da-Perra.
FOROS DA
POUCA SORTE
Uma aldeia
alentejana do
concelho de
Santiago do
Cacém cujo
nome pouco ou
nada deixa por
revelar. É
sinónimo da
pobreza, da
miséria, da
submissão e da
iliteracia que
durante séculos e
gerações marcou
a vida das gentes
da terra.
PENA
Há muitos
anos, existia uma
cobra tão grande,
mas tão grande,
que da sua toca
conseguia chegar
ao rio para ir
beber. Isto era
uma grande dor
de cabeça para os
aldeões que
estavam
constantemente a
alimentar a cobra
com carne de
cabra ou de
outros animais
domésticos, para
que ela se
sentisse sempre
saciada e não
comesse pessoas.
Mas esta
medida paliativa
estava longe de
ser pacífica.
Sempre que a
cobra comia
alguma coisa, as
pessoas diziam:
“Ai que pena!”
Com o tempo,
as pessoas
cansaram-se e um
dia, todas juntas,
resolveram atacar
a cobra à
navalhada,
precisamente no
caminho que ela
percorria para ir
beber. Foi tão
violenta a sua
morte que até o
rio ficou tingido
de vermelho
sangue e, a partir
daí, a povoação
ficou conhecida
como aldeia da
Pena.
CAPÍTUL
O 2.

PURA
POESIA
POPULA
R
DIZ A
SABE
DORI
A
POPU
LAR
QUE
UMA
MEN
TIRA
CONT
ADA
MUIT
AS
VEZE
S SE
TORN
A
VERD
ADE.
ÀS
VEZE
S,
BAST
A
UMA
BOA
HIST
ÓRIA
OU
UMA
PERS
ONA
GEM
QUE
DEU
QUE
FALA
R
PARA
BATI
ZAR
OU
ATÉ
MUD
AR O
NOM
EA
UMA
TERR
A…
∙∙∙
RAPADA
Em Oliveira do
Hospital, existe
um lugar que só
pelo nome dá que
pensar: Rapada.
A denominação é
bastante antiga,
tal como a
história que lhe
terá dado origem.
Conta-se que,
num dia de sorte,
uma varina terá
vendido todo o
peixe que
carregava,
canastra e tudo.
Ficou sem nada,
ou seja, “rapada”,
como era
costume dizer-se!
Acredita-se,
todavia, que terá
regressado a casa
feliz e cheia de
moedas no bolso!
Desde então,
Rapada tem
marcado pontos.
Além do
fresquíssimo
peixe do Alva,
que continua a
ser um dos
atrativos dos
restaurantes da
terra, Rapada viu
nascer entre as
suas fronteiras
uma marca de
cerveja artesanal.
Os produtores
resolveram
batizar a ‘loira’
com o nome da
terra e agora a
refrescante
Rapada,
vencedora de
várias medalhas
em concursos da
especialidade, é
um sucesso
dentro e fora de
portas.
BOA FARINHA
Povoação do
concelho de Vila
de Rei, cuja
designação não
guarda grande
mistério: teve
origem na boa
qualidade da
farinha produzida
pelos moinhos da
região, produto
muito apreciado
pela população.
A constante
passagem dos
almocreves deu
origem à atual
povoação.
Se lá for, não
se esqueça de
provar o pão!
FILHA BOA
É uma aldeia
com pouco mais
de 40 habitantes e
cerca de uma
dezena de casas
em redor de um
velho cruzeiro. A
localidade
pertence à
freguesia da
Carvoeira,
concelho de
Torres Vedras e
quase nem se
dava pela sua
existência não
fosse o curioso
nome que a
acompanha desde
a sua fundação.
Do que hoje se
sabe sobre a
origem do
curioso
topónimo, Filha
Boa foi herança
do apelido de um
dos primeiros
habitantes a fixar-
se naquela terra.
António Filha
Boa foi um
lavrador que ali
assentou arraiais
muito novo,
dedicou-se ao
cultivo e foi
adquirindo terras
atrás de terras,
acabando por dar
nome à
povoação,
conhecida
antigamente
como a “terra do
Filha Boa”.
Filha Boa
continua a ser nos
dias de hoje um
território
predominanteme
nte agrícola, mas
também bastante
conhecido pelos
adeptos do
trekking, com
ótimos trilhos
para caminhadas,
atividade que
atrai
frequentemente
visitantes à zona
Oeste.
BORRACHEIR
A
A origem de
Borracheira,
contada pelos
mais antigos
moradores desta
aldeia do
concelho de
Proença-a-Nova,
está relacionada
com a história de
três mulheres,
almocreves que
transportavam
azeite em couros,
mas que, pelos
vistos, às vezes
ficavam bêbadas
que nem uns
cachos!
Um dia,
durante a
Quaresma,
confessaram-se
ao padre que lhes
conhecia a
propensão para a
bebida. Este
aproveitou logo a
oportunidade
para lhes dar uma
penitência:
“Vocês podem-no
beber, não podem
é falar nele.”
Desalentadas,
as três mulheres
foram depois
comer uma sopa
de pão enquanto
se lamentavam da
sua sorte. Disse
uma:
– Ai dele, ai
dele!
Disse outra:
– Mas quem é
que há de passar
sem ele?
– Põe-se o
dinheiro, puxa-se
por ele e não se
fala dele! –
sugeriu a mais
esperta.
Colocaram
então as moedas
certas no balcão e
foi-lhes servido o
vinho sem terem
falado nele.
Alguém que
assistiu à cena
comentou: “Ai as
borracheiras que
ali estão!” A
expressão foi
ficando e, ao
longo dos
tempos, serviu de
apresentação ao
sítio.
Mais tarde,
segundo o site
oficial da Câmara
Municipal de
Proença-a-Nova,
houve um padre
que se ofereceu
para tirar o nome
Borracheira,
substituindo-o
por Monte
Cimeiro, em
troca de um
cabrito. Mas
acabou por não
acontecer,
mantendo-se a
Borracheira,
aldeia encastrada
na serra entre o
Monte Rodrigo e
o Monte
Fundeiro.
PESCANSECO
CIMEIRO
Não são certas
as origens do
nome da aldeia
de Pescanseco
Cimeiro, no
concelho de
Pampilhosa da
Serra, mas de
acordo com a
enciclopédia
luso-brasileira, a
palavra
Pescanseco pode
derivar de
“piscanso”, que
signi-ficaria uma
“piscadela de
olho”, talvez o
meio de a
rapaziada da
época cativar a
atenção das
moçoilas da terra.
Mas existe uma
outra teoria, nada
descabida, que
afirma que a
palavra deriva do
hábito de pescar
“a seco” nas
ribeiras e nas
levadas da região.
O curioso e
criativo método
implicava fechar
os canais que
davam acesso aos
moinhos, fazendo
vazar a água
pelas grilhetas.
Depois, bastava
apanhar os peixes
que ficavam
presos à mão.
ALMIJOFA
Almijofa é
nome que põe
muito boa
alminha a rir e a
exercitar o bom
humor com
trocadilhos, mas
na verdade não
há nada no nome
desta povoação
de São João do
Monte, concelho
de Tondela, que
seja digno de
anedota. O
topónimo deriva
simplesmente de
al-mujaufa,
palavra árabe que
significa aldeia.
PARDIEIROS
Fica no
concelho de
Arganil, mais
concretamente na
freguesia de
Benfeita. No
passado ter-se-á
chamado Aldeia
de São Nicolau
mas uma
epidemia (muito
provavelmente de
febre tifoide),
levou a
população a fugir
em debandada.
Quando a peste e
o medo passaram,
muitos quiseram
regressar às suas
casas na aldeia,
mas a maior parte
encontrava-se em
avançado estado
de degradação e
ruína. Na época,
o povo constatou
desalentado que
aquilo que
outrora tinham
sido os seus lares
“mais pareciam
pardieiros”, o que
deu origem ao
nome atual.
O problema é
que o nome deu
sempre azo a
comentários
menos
abonatórios e, por
isso, na década
de 90 do século
passado, houve
uma tentativa
para repor o
nome original da
aldeia, através da
recolha de
assinaturas numa
petição,
movimento que
não chegou a
cumprir os seus
intentos e assim
Pardieiros ficou
até hoje.
CURRAL DAS
FREIRAS
Tinha tantos
rebanhos e tantas
pastagens a
perder de vista
que, em tempos
que já lá vão,
Curral das
Freiras, em
Câmara de
Lobos, ilha da
Madeira, era
conhecido apenas
como Curral ou,
em alternativa,
Curral da Serra.
Todavia, reza a
história, no final
do século XV, foi
adquirido por
João Gonçalves
da Câmara, que
era segundo
capitão-donatário
do Funchal, que
tinha a intenção
de o tornar o dote
de casamento das
suas duas filhas,
Elvira e Joana,
que queriam
professar no
Convento de
Santa Clara. Com
esta doação, as
freiras
receberiam as
duas jovens no
convento, a quem
deveriam tratar
com toda a
deferência e em
contrapartida
passavam a ser
proprietárias dos
terrenos, que
ficaram por isso
conhecidos como
Curral das
Freiras.
Uma outra
teoria defende,
porém, que este
nome só foi
adotado após um
sangrento ataque
de corsários
franceses, no
século XVI, que
levou as freiras
deste mesmo
convento a
refugiarem-se em
Curral que assim
passou a ser
nomeado por
Curral das
Freiras.
ABOIM DAS
CHOÇAS
Aboim é um
topónimo que se
repete em várias
terras de Portugal
e de Espanha,
surgindo muitas
vezes como parte
de um nome
composto.
Um desses
lugares é Aboim
das Choças, que
fica a cerca de
dez quilómetros
de Arcos de
Valdevez e possui
ainda um
conjunto de
vestígios
arqueológicos do
período romano,
e que terá ganho
este nome da
derivação do
topónimo em
latim Villa
Abolini, ou seja,
“a quinta do
Abolino”.
Mas quem era,
afinal, este
Abolino? De
acordo com
registos da junta
de freguesia, terá
sido um chefe
celta que em
tempos muitos
recuados andou
pelo território
lusitano e acabou
por deixar o seu
marco na
toponímia até aos
dias de hoje. O
que diferencia
este Aboim de
todos os outros
(maioritariamente
localizados em
concelhos da
zona norte do
país, como Fafe
ou Amarante) são
as Choças, ou
melhor, as
cabanas que
Afonso VII de
Leão e Castela
edificou naquele
local para que o
seu exército
pudesse
descansar durante
o memorável
Torneio de Arcos
de Valdevez, uma
das mais
importantes
batalhas da nossa
história, que
resultou numa
vitória decisiva
para os lusitanos
e para a fundação
da nacionalidade.
CARNE
ASSADA
A aldeia de
Carne Assada é
uma das mais
antigas
localidades do
concelho de
Sintra e ainda
hoje dá muito que
falar pelo seu
curioso nome:
Carne Assada.
O topónimo
surge pela
primeira vez nas
memórias
paroquiais de
1758, segundo a
Câmara
Municipal de
Sintra, mas entre
os habitantes
corre uma velha
história sobre um
incêndio numa
exploração de
gado que
deflagrou há dois
ou três séculos e
“deixou no ar,
dias a fio, cheiro
a carne
queimada!”
MINHOCAL
Na história de
Minhocal, terra
do concelho de
Celorico da
Beira, o que não
falta é
originalidade:
uma praga de
formigas numa
localidade
vizinha, a Quinta
de São João, terá
levado os
habitantes a
procurar, a certa
altura, um novo
lugar para se
instalarem.
Escolheram as
proximidades de
um ribeiro, que
deixa as terras
mais húmidas, dá
guarida a mais
vermes mas
afasta as
formigas, o que
pode desde logo
explicar a razão
do nome que
escolheram para
a nova morada:
Minhocal.
As minhocas
são mais que
muitas mas,
aparentemente,
não têm causado
grande incómodo
aos habitantes, já
que não voltaram
a fugir de malas
aviadas para
outras paragens.
MIOMA
É uma
freguesia do
concelho de
Sátão, mas
aparentemente a
sua origem não
tem nada a ver
com questões de
saúde feminina.
Dizem os
entendidos que
mioma deriva do
árabe e significa
“terra abundante
em água”, o que
condiz com a
paisagem em
redor: no sopé da
serra do Facho
ela brota de
várias fontes e
regatos, abrindo
sulcos por todo o
lado e tornando
ainda mais férteis
as terras.
NARIZ
Nem aduncos
nem grandes e
tão pouco
arrebitados. De
narizes não reza a
história da
freguesia de
Nariz, no
concelho de
Aveiro. A origem
do nome é até
bastante
corriqueira: nada
mais nada menos
que uma
derivação do
nome do santo
padroeiro da
terra, São Pedro
de Nariz que com
o tempo foi
ficando somente
Nariz.
SARNADAS DE
RÓDÃO
Nas imediações
de Sarnadas de
Ródão, aldeia do
concelho de Vila
Velha de Ródão,
ainda hoje se
podem observar
os restos de uma
fossa que noutros
tempos, segundo
dizem as gentes
da terra, desde
que os primeiros
aldeões se
instalaram e
começaram a
cultivar as terras,
terá sido a fonte
que abastecia
toda a aldeia.
Ainda hoje, a
pureza das suas
águas, aliada às
suas alegadas
qualidades
terapêuticas,
tornam esta fonte
famosa, sendo até
conhecida nas
imediações como
a Fonte Boa.
Contam-se até
casos de curas
milagrosas
consumadas pelas
águas, sobretudo
no que toca a
doenças de pele,
o que terá até
contribuído para
designar o nome
da terra.
De boca em
boca, corre até
uma história
pitoresca: diz-se
que há muitos
anos passava
todas as semanas
por esta
povoação um
homem a vender
sardinhas que
transportava em
cima de um burro
todo coberto de
feridas
provocadas pela
doença que o
afligia: a sarna.
Por sorte, este
mercador
resolveu comer o
seu farnel junto
desta fonte, ao
mesmo tempo
que aproveitou
para banhar o
animal doente.
A verdade, diz
o povo, é que em
poucos dias o
animal estava
completamente
curado e o
vendedor,
verdadeiramente
maravilhado com
as propriedades
milagrosas dos
“banhos”, passou
a aconselhar
todas as pessoas
que sofressem de
doenças de pele a
lavarem-se nesta
fonte pois a sarna
desaparecia num
instante!
Como o
vendedor corria
todas as terras em
redor, a fama
correu mais
depressa que o
vento. Acorreram
pessoas de várias
localidades da
região, na
esperança de se
submeterem ao
tratamento nestas
águas divinas,
graças às quais
não havia sarna
que durasse. O
tempo e a
memória das
gentes também
não perdoaram e,
por isso, a
localidade passou
a ser conhecida
por Sarnadas de
Ródão.
BEIJÓS
Conta-se que
no tempo dos
lusitanos e do
nosso herói
Viriato, o seu
exército de
homens, vindo de
uma contenda,
passou por uma
certa terra perto
de Carregal do
Sal, onde
resolveu
permanecer por
alguns dias.
Aí foram muito
bem tratados pela
população, que os
recebeu como
verdadeiros
heróis. Alguns
dias depois
tiveram de seguir
viagem e
acabaram por
pernoitar noutra
povoação.
Todavia, estes
aldeões eram
substancialmente
diferentes dos
anteriores.
Desconfiados,
não gostavam de
Viriato nem dos
seus guerreiros e
nem os queriam
por perto. Viriato
perdeu a
paciência e disse-
lhes:
– Vocês aqui
são tão maus,
maltratam-nos e
nós nunca vos
fizemos mal!
Aqueles ali de
trás é que são
bons.
As pessoas não
estiveram com
meias medidas e
responderam-lhe
à letra:
– Ai é? Os
outros é que são
bons? Então volta
para lá e ‘beijós’
(ou seja, ‘beija-
os’).
E dessa ‘tirada
de mestre’,
segundo a lenda,
terá resultado o
nome da
povoação de
Beijós.
FREIXO DE
ESPADA À
CINTA
De tão popular,
o nome desta
terra do distrito
de Bragança
entranhou-se de
tal maneira que já
nem nos
apercebemos da
sua
singularidade,
que advém de
uma antiga
história
tradicional,
segundo a qual,
um dia, apareceu
por ali um mouro
a fugir da guerra.
Como vinha
extremamente
cansado, resolveu
descansar à
sombra de um
freixo (árvore
comum na
região). Como
trazia uma
espada, tirou-a da
cinta e encostou-
a a meio do
freixo. O resto é
simples: o lugar,
que mais tarde
viria a
desenvolver-se e
a dar lugar a uma
simpática
povoação, passou
a chamar-se
desde então
Freixo de Espada
à Cinta.
FONTE
ARCADINHA
Fonte
Arcadinha é uma
povoação da
freguesia e
concelho de
Aguiar da Beira
que em tempos
ter-se-á chamado
Fonte Arcada,
devido à
existência de um
chafariz
protegido por um
arco. Todavia,
nesta terra não se
quiseram
confusões com a
vizinhança e, por
isso, preferiu-se
adotar antes
diminutivo para
se distinguir da
freguesia
homónima do
município de
Sernancelhe.
Contudo,
imitadores há em
toda a parte e,
apesar dos
esforços das
gentes de Fonte
Arcadinha, existe
uma outra terra
com o mesmo
nome no
concelho de
Meda.
SENHOR
ROUBADO
Situado no
concelho de
Odivelas, este
lugar às portas de
Lisboa despertou
ao longo dos
séculos a atenção
dos mais
curiosos, por ter
sido palco de um
acontecimento
histórico
significativo e
essencial para,
aos olhos de hoje,
compreendermos
como era a
sociedade do
século XVII.
Tudo aconteceu
na manhã do dia
11 de maio de
1671. O padre da
paróquia de
Odivelas deu
conta que a Igreja
Matriz tinha sido
assaltada.
Durante a noite
anterior, os
larápios tinham
entrado à socapa
no templo,
levando algumas
peças de arte
sacra, vestuário
dos santos e as
hóstias. Ora,
perante tal falta
de respeito pela
instituição
eclesiástica – e
ainda por cima
numa época em
que a Inquisição
conhecia o seu
auge – logo se
responsabilizara
m os judeus pelo
sacrilégio.
Fizeram-se
preces,
procissões,
versos
antijudaicos,
autoflagelações
indescritíveis e a
Corte ficou de
luto. Alguma
coisa há de ter
resultado, porque
cerca de um mês
depois, a 16 de
junho, foram
encontradas
algumas das
peças roubadas,
enterradas
justamente no
local onde viria a
ser edificado em
1744 o padrão ao
Senhor Roubado!
A 16 de
outubro do
mesmo ano
logrou-se
encontrar o
ladrão, que foi
preso junto ao
Mosteiro de São
Dinis – muito
perto da assaltada
Igreja Matriz de
Odivelas.
Tratava-se de
um vagabundo
sem eira nem
beira, que no dia
em que lhe
deitaram a mão
tentava roubar as
galinhas do
mosteiro.
Rapidamente foi
considerado
suspeito da
autoria do roubo
de 10 de maio.
Chamava-se
António Ferreira.
Foi interrogado
sob tortura por
dois inquisidores
e acabou por
confessar o
crime.
Concluindo-se
também que se
tratava de um
pobre diabo, sem
o juízo todo, que
ficara fascinado
com o brilho das
vestes dos santos
e, perdido de
bêbedo, comera
as hóstias, mas
nem isso lhe
valeu de
atenuante. Foi
condenado e
executado de
forma brutal:
cortaram-lhe as
em mãos em
vida, para que
fossem
queimadas à sua
vista. Depois foi
garrotado e
queimado numa
fogueira ateada
no Rossio no dia
23 de novembro
de 1671.
O lugar, esse,
ficou para sempre
conhecido como
Senhor Roubado,
até porque
algumas décadas
depois foi
erguido no sítio
onde se acharam
as peças um
painel de azulejos
que em jeito de
banda desenhada
narra a história de
um dos exemplos
mais hediondos
da atuação da
Inquisição em
Portugal.
PALHAÇA
As primeiras
referências sobre
a existência da
freguesia de
Palhaça, em
Oliveira do
Bairro, remontam
ao século XVI e,
efetivamente, é
preciso viajar no
tempo e conhecer
alguns dos
costumes da terra
para compreender
a razão de ser
deste topónimo.
A Junta de
Freguesia de
Palhaça apoia-se
na primeira
monografia
histórica da vila,
da autoria do
antropólogo
Manuel Simões
Alberto (A
Freguesia de
Palhaça, 1969),
para dar as
devidas
explicações.
Na verdade, a
atual
denominação da
vila terá derivado
da palavra
“palha”.
Aquando das
pesquisas para a
escrita da
publicação, João
Capão – um
padre que residiu
na localidade –
terá relatado ao
antropólogo e
monógrafo que,
anteriormente, a
aldeia vizinha de
Vila Nova era
ladeada por
“terrenos baixos
e encharcadiços”,
conjuntura
favorável à
criação de plantas
aquáticas como
“a espadana e a
bajunça”.
Estes materiais,
a par do junco,
eram utilizados
para a ma-
nufatura das
palhoças, uma
espécie de capas
que os aldeões
vestiam para se
resguardar das
chuvas, e que era
também usado
para o
revestimento do
telhado das
habitações.
Segundo a
pesquisa de
Manuel Simões
Alberto, eram as
mulheres quem
se dedicava ao
fabrico das
palhoças e que
por isso eram
conhecidas como
as palhoceiras.
O trabalho das
palhoceiras
representava uma
parte importante
da economia
doméstica, e por
isso dedicavam-
se quase
exclusivamente a
este trabalho,
numa época em
que a agricultura
era ainda uma
atividade
incipiente e
pouco lucrativa.
As palhoças
tornaram-se
praticamente um
fenómeno de
moda e, por isso,
eram vendidas,
com muito
sucesso, no lugar
dos Quatro
Caminhos.
Contava-se até
que “no tempo do
padre João
Capão”, o 1.º
Duque de Lafões,
também
conhecido como
o Senhor de
Soza, terá
comprado uma
palhoça
confecionada
pelas mulheres de
Vila Nova num
dia
particularmente
chuvoso e a sua
comitiva terá
seguido o seu
gesto,
contribuindo
ainda mais para a
fama do produto.
E também prova
de que o peso dos
“influenciadores”
já vem desde
tempos
remotos…
As palhoças
tiveram tanto
impacto que Vila
Nova passou a
ser apelidada de
Vila Nova das
Palhoças e o
lugar dos Quatro
Caminhos passou
a ser conhecido
como Mercado
das Palhoças.
Com o passar
do tempo, tais
lugares foram
aglutinados,
dando
simplesmente
origem à vila de
Palhaça.
RANHOLAS
Ao contrário do
que se poderia
supor, Ranholas,
uma localidade
junto a Sintra,
nada tem a ver
com as palavras
ranho, ranhoso ou
qualquer outra
alusão a um
estado gripal.
Atendendo ao
costume, supõe-
se que se trata de
um diminutivo de
Ranha, topónimo
frequente em
Portugal e na
Galiza que,
acredita-se,
significaria
“declive no leito
de um rio”, uma
vez que o nome
parece aplicar-se
sempre a locais
com elevações
acentuadas.
MALJOGA
Em Proença-a-
Nova, existe
também uma
aldeia que dá
pelo nome de
Maljoga. Os mais
velhos garantem
saber porquê. O
nome terá
surgido durante
uma partida de
cartas em que um
dos aldeões terá
dito ao outro: “Eh
pá, que tão mal
jogas!»
PENAFALCÃO
Reza a tradição
oral que um
falcão costumava
sobrevoar esta
pitoresca aldeia
do concelho de
Proença-a-Nova,
tendo por hábito
pousar no cimo
da penha,
localizada no
ponto mais alto.
Um dia deixou
cair uma pena,
dando assim o
nome à aldeia:
Penha do Falcão,
evoluindo
linguisticamente
para Penafalcão.
A história foi
passando de
geração em
geração, estando
inclusivamente
contada em verso
nas curiosas
quadras de Hélio
Proença, no livro
Um Encantador
Apelo às Raízes:
Uma pena da
ave caçadeira
onde nasceu
esta povoação
originou logo
de primeira
este seu nome
Penafalcão.
SANTIAGO
DOS VELHOS
Um ritual
cristão deu
origem ao nome
deste simpático
lugar, Santiago
dos Velhos, no
concelho de
Arruda dos
Vinhos.
Nos primórdios
do povoamento, o
lugar chamava-se
apenas Santiago,
mas consta que lá
viviam três
velhinhos muito
devotos. Tinham
um hábito que era
sobejamente
conhecido por
todos dentro e
fora da povoação:
como aos
domingos não
havia missa na
povoação, iam a
pé até Lisboa,
para assistir à
homilia. O padre,
que já os
conhecia, antes
do início da
missa perguntava
sempre pelos três
velhinhos de
Santiago. Quando
estes já se
encontravam na
igreja dava
prontamente
início à
cerimónia, mas se
o singular trio
estivesse atrasado
o padre esperava
e só depois de os
velhotes
chegarem dava
início à
cerimónia
religiosa.
Desde então, o
lugar passou a
chamar-se
Santiago dos
Velhos em
homenagem,
claro está, aos
três velhinhos de
Santiago.
TAPADA DOS
PÉS
A designação
desta aldeia
próxima de
Sarnadas de
Ródão vem do
tempo em que um
homem se perdeu
por aquelas
bandas, andando
às voltas nos
montes, até ser
surpreendido pela
escuridão da
noite.
O problema é
que as feras
abundavam e não
tardou a ser
atacado pelos
lobos que o
devoraram num
trago, deixando-
lhe apenas os pés
dentro das botas,
razão pela qual
aquele sítio ficou
para sempre
conhecido como
a Tapada dos Pés!
VILA FACAIA
Esta é uma
história curta,
mas que ilustra
bem a
simplicidade com
que por vezes
surge o nome de
muitas terras
deste nosso
Portugal.
Dizia-se,
antigamente, que
Vila Facaia se
chamava, na
realidade, Vila
Cansaia. Porquê?
Porque certo dia
o rei D. João IV
seguia de Lisboa
para o Norte a
cavalo, mas
quando chegou
ao cimo de Vila
Facaia, o animal
ficou tão
cansado, mas tão
cansado que o rei
deu o nome de
Vila Cansaia à
terra.
O nome foi
sofrendo a erosão
do tempo e as
alterações deram
origem ao atual
Vila Facaia.
POUSAFOLES
DO BISPO
Pousafoles do
Bispo é uma
freguesia do
concelho do
Sabugal que deve
o nome a uma
antiga oficina,
onde em tempos
longínquos se
forjava ferro.
Uma das
ferramentas
utilizadas neste
ofício é
precisamente o
pousafoles.
A-DOS-
CUNHADOS
Em tempos que
já lá vão, na
freguesia de A-
dos-Cunhados
existiam apenas
doze moradores.
Diz-se que eram
duas famílias e
mais três “sem
eira nem beira”,
ou seja, sem
quaisquer
ligações de
sangue entre si.
As duas
famílias, contudo,
tinham entre si
laços familiares,
nomeadamente
através dos
patriarcas, que
eram irmãos, o
que deu origem
ao topónimo de
Cunhados.
Segundo Isabel
Morgado,
investigadora e
autora de Viagens
ao Imaginário –
Torres Vedras, o
nome desta
freguesia “era
para ser A-dos-
Irmãos, mas
como essa
designação já
existia, a
freguesia acabou
por ficar
oficialmente
identificada como
A-dos-
Cunhados”.
Historietas à
parte, consta que
efetivamente a
fundação da
freguesia de A-
dos-Cunhados
data de 15 de
dezembro de
1581, tendo o
nome refletido os
seus primeiros
habitantes,
cunhados, que
habitavam uma
grande
propriedade, que
mais tarde foi
dividida entre
eles e seus
descendentes.
A paróquia de
A-dos-Cunhados
foi criada em
1581, por Jorge
de Almeida,
arcebispo de
Lisboa (com a
permissão do
bispo de Targa),
depois de em
1572 ter
autorizado as
primeiras
celebrações de
missa na capela
local. Apesar da
antiguidade, só a
21 de junho de
1995 A-dos-
Cunhados se
tornou vila.
VILGATEIRA
Antigamente, a
aldeia de
Vilgateira, no
concelho de
Santarém,
freguesia da
Várzea, tinha
uma
característica que
saltava à vista a
quem por lá
passava. Todas as
portas de todas as
casas tinham um
buraco! O buraco
era para os gatos
entrarem e
saírem, com a
liberdade que
lhes é
característica,
mas houve quem
achasse por bem
fazer deste o
argumento para
batizar a terra.
Ficou Vila
Gateira, mas com
o passar do
tempo as palavras
ficaram
aglutinadas e
hoje é conhecida
por Vilgateira.
CELA
Espera-se que
os moradores de
Cela, freguesia
portuguesa do
município de
Alcobaça, não se
sintam
aprisionados, mas
não há forma de
contornar o nome
da terra sem
lembrar a história
da senhora que,
ao morrer-lhe o
jovem com quem
estava para casar,
ficou tomada por
tal desgosto que
jurou nunca mais
pertencer a outro
homem, fazer um
voto de castidade
e “encelar-se”,
como se dizia
antigamente.
Mandou então
construir uma
cela onde se
emparedou, até
ao fim de seus
dias. O povo
tinha pena da
moça, mas nada
podia fazer
contra a sua
vontade.
Segundo
Augusto Soares
d’Azevedo
Barbosa Pinho
Leal, depois de
morta foi
santificada e a
sua cela
transformada na
ermida do Senhor
dos Aflitos, em
memória das
aflições que a
santa sofreu em
vida por causa da
morte do noivo.
ALFAIATES
É uma
freguesia do
concelho do
Sabugal, mas o
nome parece
nada ter a ver
com as artes de
costura de quem
lá vive.
Segundo os
entendidos, a
designação
resulta da
presença árabe, a
qual deixou por
herança a
expressão al-
haet, ou seja,
muralha.
O site oficial
da freguesia
refere ainda uma
antiga lenda,
segundo a qual a
terra terá sido
antes conhecida
como Castillo de
La Luna, talvez
pelas ruínas do
castelo e das suas
muralhas, que
integram os
principais
vestígios de uma
história que se
confunde com a
própria fundação
do reino.
CARVALHO
DE EGAS
É preciso
recuar atrás na
história e
relembrar um dos
seus mais
famosos
episódios, para
chegar à
explicação para o
nome da
freguesia de
Carvalho de
Egas.
Como se sabe,
logo após a morte
do Conde D.
Henrique, D.
Teresa confiou a
educação de D.
Afonso
Henriques a Egas
Moniz, um nobre
muito respeitado,
leal e corajoso,
com grande
influência no
reino: era
proprietário
abastado em Paço
de Sousa,
Penafiel e
Amarante,
governador de
Lamego, de São
Martinho do
Lima e de
Sanfins do
Douro, e que
assim se tornou
uma figura quase
paterna para o
futuro rei de
Portugal.
D. Afonso
Henriques cedo
demonstrou a
vontade de
conquistar terras
e mais terras aos
mouros,
alargando
rapidamente as
fronteiras do
Condado
Portucalense,
numa missão que
granjeou o apoio
da nobreza (que
assim ganhava
terras e maior
poder) e do
próprio Egas
Moniz, claro.
Todavia, D.
Afonso
Henriques não
gostava de ter de
prestar
vassalagem ao
primo, D. Afonso
VII de Castela e
Leão, o que
deixava Egas
Moniz numa
posição de
fragilidade, já
que ele próprio
(em 1128) tinha
dado a sua
palavra ao rei de
Castela, em como
D. Afonso
Henriques nunca
desafiaria a sua
supremacia e
autoridade.
Por isso,
quando em 1130
D. Afonso
Henriques invade
a Galiza e
repudia o ato de
vassalagem, Egas
Moniz viu-se
assim numa
situação
complicada. Não
quis deixar de
apoiar D. Afonso
Henriques, mas
não era homem
de faltar à
palavra. Assim,
com sua mulher e
filhos, descalços
e de corda ao
pescoço em sinal
de humildade e
com todo o seu
séquito de
criados e
vassalos, partem
para o vizinho
Reino de Leão a
fim de resgatar a
palavra dada e
não cumprida.
Espantado
perante tal ato de
nobreza, D.
Afonso VII
libertou-o da
promessa e
mandou-o em
paz.
De volta a
Guimarães, Egas
Moniz e o resto
do grupo,
cansados de tão
longa jornada,
descansaram à
sombra de um
grande carvalho,
de porte
majestoso,
episódio que dá
origem ao nome
da terra,
conforme foi
relatado em verso
por Ilídio
Monteiro Alves,
estudioso
empenhado na
preservação das
raízes da cultura
nortenha e, pelos
vistos, também
poeta popular:
Egas Moniz, o
aio perfeito
Regressa da
sua jornada a
Leão,
Onde foi de
corda ao peito,
Como sinal de
humilhação.
Fora a Leão
apresentar-se a
el-rei
Esperando dele
uma punição,
Pois a rebeldia
era punida por
lei
Mesmo que não
fosse sua a
rebelião
Enquanto tutor
do conde infante
Dera a sua
palavra mais
singela,
Que o luso
condado seria
constante
A D. Afonso
VII de Leão e
Castela.
Mas o conde já
não é um catraio
E tem outros
desejos e
ambições
E por isso lá
foi o pobre do
aio,
Rumo a Leão
aos tropeções.
Levara consigo
uma grande
comitiva:
Família,
vassalos e demais
criados,
Todos
penitentes de na
expectativa
De virem a
sofrer castigos
pesados.
Egas Moniz,
rumara ao
calabouço
Ou até mesmo,
quiçá, ao
cadafalso!
Levou apenas
uma corda ao
pescoço,
Modesta roupa
e o pé descalço.
Perante tal
inaudita
demonstração
De honra,
penitência e
seriedade,
Condoeu-se o
rei de Castela e
Leão
E deixou partir
o aio em
liberdade.
Agora na sua
viagem de
retorno
Caminha o aio
na estrada
agreste
Com o sol
queimando, como
um forno.
Merecia
melhor
tratamento
celeste!
Mas ao passar
por uma aldeia
modesta,
Achou uma
árvore deveras
admirável:
Dava sombra
como uma
floresta
Abrigava a
todos do calor
intolerável.
Era um
carvalho com
sombra à fartura
Oferecida por
sua folhagem
frondosa.
Nunca havia
sentido tanta
frescura,
Achou esta
árvore
maravilhosa.
Um carvalho
tão grande e
acolhedor
Que dava uma
sombra fresca e
genuína,
Aparecendo-lhe
na hora de maior
calor,
Só podia ser de
plantação divina.
Mandou parar
o seu nobre
cortejo
E montar
acampamento
naquele lugar,
Para comer,
beber e cumprir o
desejo
De ter um sítio
afável onde
descansar.
A sombra do
carvalho saciou
Egas Moniz
E também todo
o seu séquito
cansado
De tal maneira
que o notável aio
quis
Saber mais
detalhes sobre o
povoado.
Mandou
chamar um
simples lavrador
E demandou-
lhe o nome da
povoação.
“Chama-se
Lisboinha, meu
senhor.”
“A partir de
hoje, não se
chama não!”
“Este carvalho
é uma árvore
milagrosa
É certamente
obra de divina
atividade.
E em honra de
árvore tão
espantosa
Mudarei o
nome da vossa
localidade.”
“Para
comemorar a
minha passagem
E consagrar
este carvalho
imponente,
Chamar-se-á
este sítio em
homenagem
Carvalho de
Egas daqui para
a frente.”
E foi assim que
aquela aldeia
petiz
Carvalho de
Egas se passou a
chamar,
Em tributo ao
aio Egas Moniz
E ao carvalho
onde pôde
descansar.
E assim a terra
que antes era
conhecida como
Lisboinha passou
a chamar-se
Carvalho de
Egas, por ordem,
reza a história, do
próprio Egas
Moniz, que ali
encontrou o lugar
ideal para
descansar depois
da sua temerária
viagem.
Ainda hoje, diz
o site da junta de
freguesia de
Carvalho de
Egas, existe um
carvalho, símbolo
da aldeia e da
memória coletiva
das suas gentes.
Os mais velhos
lembram-se até
que antes deste
existiu um outro
carvalho, que
infelizmente
tombou por causa
de um ciclone
que arrastou
alfaias, animais e
até os telhados de
algumas
habitações.
Porém, no local
deixado vazio
remoçou um
rebento do
anterior, que hoje
continua a servir
de pretexto para
passar a história
de geração em
geração.
MANTEIGAS
Sobre a vila de
Manteigas existe
uma enorme
variedade de
teses e
explicações, quer
sejam de origem
popular quer
etimológica.
Uma das
versões mais
consensuais
aponta para o
latim nattalica-
nato, uma vez
que em tempos
remotos este
local seria
abundante em
gado ovino
fazendo-se aqui
boas manteigas, o
que resultou no
nome, segundo a
Câmara
Municipal de
Manteigas (que
cita Chorografia
Portugueza e
Descripçam
Topográfica do
Famoso Reyno de
Portugal, Padre
António Carvalho
da Costa, 1706-
1712).
Há também
quem associe o
topónimo à
palavra manteca,
que na verdade
significa manta
pequena, mas
esta é uma versão
que encerra
algumas dúvidas,
por entrar em
contradição com
a lógica da
tradição local,
concretamente o
facto de as capas
usadas pelos
pastores serem
até bastante
compridas.
Do ponto de
vista toponímico,
há ainda uma
outra versão (dos
estudiosos José
Pedro Machado e
José Mattoso),
que afirma que o
nome da terra
terá sido herdade
de Dona Urraca
Nunes Manteiga,
que seria
proprietária de
uma importante
parcela de terras
na região e que
surge como
antropónimo em
vários outros
lugares. Aliás, a
presença de
diversos outros
habitantes da
região com este
apelido poderá
igualmente
explicar a
utilização do
plural
“manteigas”. Não
será caso raro:
foram vários os
casos (alguns até
já apresentados
nesta obra) em
que pessoas ou
grupos familiares
deram origem a
povoações,
ficando estas
conhecidas pelo
seu nome.
Neste caso,
estaríamos
perante “o lugar
dos manteigas”,
que acabou por
firmar-se no
tempo, não
obstante o
crescimento da
povoação.
TABERNA
SECA
Consta que
antes de ser
conhecida por
Taberna Seca,
esta pequena
localidade com
121 habitantes do
concelho de
Castelo Branco
dava pelo nome
de Airosa, mas
mudou de
designação pouco
depois de por lá
ter passado um
grupo de
almocreves, que
acabaram com
todo o vinho que
existia na única
taberna que ali
existia na época.
E como queriam
beber mais, mas
não havia pinga,
batizaram a terra
de Taberna Seca!
Há,
curiosamente,
uma outra bizarra
história ligada a
esta povoação.
Antes de ali se
estabelecerem, os
primeiros
habitantes da
Taberna Seca
moravam a cerca
de dois
quilómetros, mais
próximos do rio
Ocreza, num
lugar que dava
pelo nome de
Casalinhos e
onde até há bem
pouco tempo se
podiam observar
as ruínas dos
casebres que
compunham a
aldeia, onde
deviam morar
umas cinco ou
seis famílias.
Rezam os ditos
do povo que esta
gente foi
obrigada a fugir
da aldeia e a
deixar as casas
para trás, porque
as formigas
comiam os olhos
dos seus filhos
recém-nascidos
quando os
deixavam a
dormir para ir
trabalhar para o
campo. Por isso,
fizeram as malas
e rumaram a
Taberna Seca,
formando aí uma
nova povoação.
PORQUEIRA
Porqueira é
mais um exemplo
da infeliz
adaptação
popular de certas
denominações
mais antigas. O
nome desta
freguesia de
Ferreira das
Aves, concelho
de Sátão, resulta,
segundo os
especialistas
(João Fonseca
Dicionário dos
Nomes das
Terras), da
palavra
“orqueira”, que
se referia à
existência de
múltiplos
conjuntos de
“orcas” ou
“dólmenes” na
região (o
conjunto mais
notável é a Anta
de Casfreires ou
Orca do Tanque,
classificada como
monumento
nacional).
Todavia, de
“orqueira” a
“porqueira” foi
um saltinho,
acabando o
segundo por
tornar-se o
segundo
topónimo oficial
da povoação.
COEDO
Segundo a
arreigada tradição
oral da região
transmontana,
cujos ecos ainda
permanecem
vivos na memória
coletiva, as
origens de
Coedo, na
freguesia de
Adoufe, concelho
de Vila Real,
remontam aos
princípios da
nacionalidade.
Todavia, a terra
nem sempre
assim foi
conhecida.
Dantes, chamava-
se Lavandeira,
pela existência de
elevado número
de aves dessa
espécie
(lavandeiras ou
lavandiscas) na
região.
Acontece que
os homens de
Lavandeira
tinham fama de
serem valentões.
Muitas vezes,
quando
chegavam às
feiras e a um
bailarico nas
imediações, às
vezes ainda
trazendo consigo
as faias na mão e
os chapéus de
palha caídos
sobre a nuca,
havia logo quem
notasse a sua
presença ou que,
em surdina,
anunciasse a sua
chegada:
– Aí vêm os da
Lavandeira!
Cuidado com
eles!
Fosse apenas
fama ou talvez
com algum
proveito, certo é
que os outros, os
das aldeias
vizinhas,
retraíam-se! Se
era a sua vez de
sair para o
terreiro para
mostrar os dotes
no jogo do pau
encolhiam-se,
escondiam as
raparigas e outras
tontices mais.
Só que os
rumores
acabaram por
galgar as
fronteiras da
terra, como
garante Joaquim
Ferreira Alves
em Lendas e
Contos Infantis –
Vila Real, e a
fama daqueles
rapazes enxutos
chegou à corte de
D. Afonso III,
que, nessa altura,
ainda andava em
guerra com os
mouros.
Consta que
quando el-rei
soube da
existência destes
homens
destemidos e sem
medo, enviou
para o povoado
um dos seus
mensageiros,
com o intuito de
os convencer a
juntarem-se ao
seu exército para
auxiliá-lo na luta
contra os
invasores.
O mensageiro
cumpriu bem as
ordens de el-rei.
Ao chegar à
Lavandeira,
hospedou-se em
casa do lavrador
mais abastado da
terra e procurou
desde logo
informar-se
acerca dos
mancebos que
estavam em idade
de prestar serviço
militar.
No dia
seguinte, mandou
tocar o tambor,
para dar a
conhecer a toda a
aldeia o honroso
convite de Sua
Majestade.
Como não era
nada habitual
terem visitas de
gente da corte, o
povo em peso
acorreu ao Largo
do Gago, para
ouvir com os
próprios ouvidos
o que o ilustre
visitante tinha
para lhe dizer.
Pausadamente,
o mensageiro
desembainhou o
pergaminho com
a mensagem de
Sua Alteza, que
fazia um grave
apelo ao
patriotismo e
coragem dos
lavandeirenses
para se alistarem
no exército e
lutarem a seu
lado contra os
mouros.
Concluída a
leitura, o
mensageiro
acrescentou:
– Assim sendo,
quem estiver
disposto a
acompanhar-me
para Lisboa
levante o braço!
Mas o mais
curioso é que
todos fizeram
ouvidos de
mercador! Nem
um único homem
da terra sequer
levantou um
dedo!
Julgando que
não o tinham
ouvido bem, o
representante da
corte repetiu o
apelo, agora com
uma entoação
mais forte e
imperativa da
voz:
– Homens e
rapazes corajosos
de Lavandeiras, a
pátria precisa da
vossa ajuda. A
sua
independência
está em perigo. É
preciso que todos
lutem por esta
terra que é nossa.
Por isso, quem
estiver pronto
para lutar, que dê
imediatamente
um passo em
frente!
Mas foi como
se falasse para as
paredes!
Ninguém se
mexeu.
Desta vez o
mensageiro real
não teve dúvidas.
Vendo que
ninguém se
oferecia para o
acompanhar e
para lutar ao lado
de el-rei, ficou
furioso e
começou a gritar:
– Afinal, tanta
fama para nada!
Vós não sois
homens nem sois
nada. Sois é uns
cobardes. Estais
com medo! E eu
vim perder o meu
tempo aqui para
este fim de
mundo!
Só que o
emissário do rei
tinha um defeito
congénito que lhe
dificultava a
articulação de
certas palavras e
que não lhe
permitia dizer o
“m”.
Por isso, em
vez de “estais
com medo” disse
“estais com êdo”.
A expressão
assim, mal
articulada, fez
que todos
desatassem às
gargalhadas.
Todavia, logo
depois começou a
ser aplicada aos
lavandeirenses e,
mais tarde,
acabou por ser
atribuída à
própria terra, que
desde esse
caricato dia,
deixou de se
chamar
Lavandeira e
passou a chamar-
se Coedo.
O mais curioso
é que o sotaque
regional está
ainda hoje de
acordo com a
lenda, pois em
Vila Real não se
pronuncia Cuêdo,
como a grafia
oficial
justificaria, mas
sim Kõêdo, com
a primeira vogal
nasal, por
influência do “m”
que desapareceu
na escrita, mas
que na oralidade
(e graças ao
sotaque típico da
região) continua
a ser pronunciado
de forma
anasalada.
BENLHEVAI
Noutros
tempos, lá para
os lados de
Benlhevai,
concelho de Vila
Flor (Vila Real),
ouvia-se contar
que os frades
vindos das Terras
de Bouro iam
muitas vezes à
aldeia para fazer
as coletas da
lavoura junto do
povo, pois a
povoação inseria-
se nas terras que
pertenciam ao
convento. Desses
tempos, aliás,
sobra ainda um
marco com
inscrições, um
pouco maltratado
pelo tempo mas
ainda legível,
localizado no
limite do
povoado, na
fronteira com
Vale Frechoso.
Felizmente, as
terras eram muito
férteis e a
colheita era
sempre muito
farta. Os frades
saíam da aldeia
sempre de barriga
cheia, bem
abonados e
genuinamente
satisfeitos.
Só um deles
vivia no povoado,
para garantir que
não havia
engodos nas
coletas.
Muitas vezes,
quando iam a
meio do caminho,
os outros frades
questionavam-se
sobre o frade
guardião dos
víveres:
– Então e como
se dá ele por lá?
Ao que
respondiam
alguns
companheiros,
em face da
fartura que
encontravam:
– A ele “a vida
bem lhe vai!”
Segundo
registos do
património
imaterial da
região
compilados pelo
professor
Alexandre
Parafita em
Património
Imaterial do
Douro (Narrações
Orais), terá sido
precisamente esta
expressão, muito
repetida ao longo
de décadas pelos
religiosos, que
deu nome à terra:
Benlhevai.
CABEÇA
GORDA
Esta terra do
concelho de
Torres Vedras
começou a
chamar-se
Cabeça Gorda
porque, segundo
consta, havia uma
senhora que
“vivia num casal,
ao pé de um
moinho situado
no ponto mais
alto da
localidade, que
tinha a cabeça
muito gorda em
comparação com
o resto do corpo”.
O nome do
casal onde
morava a
rechonchuda
senhora também
não lhe ficava
atrás em
originalidade:
chamava-se Alto
Gordo, por
vontade expressa
de um suposto rei
mouro que o
batizou com este
nome por ser a
parte mais alta do
casal.
Este topónimo
encontra-se
também no
concelho de Beja,
mas, neste caso
(de acordo com o
site da câmara
municipal), a raiz
do nome está
relacionada com
o relevo do local,
“um cabeço ou
um monte alto e
gordo”, que
segundo os
fundadores da
aldeia se
destacava na
paisagem da
povoação.
VENDA SECA
Junto à antiga
Estrada Real, que
noutros tempos
ligava Lisboa a
Sintra passando
pelo Palácio de
Queluz e pela
antiquíssima vila
de Belas, fica a
Venda Seca.
A povoação
espelha ainda
hoje essa origem:
o casario
desenvolveu-se
ao longo da
artéria que a
atravessa de lés a
lés. Todavia,
saindo da estrada
principal – ou
seja da Estrada
Nacional 250 –
surgem ainda as
velhas quintas
que outrora
deram fama e
nome à Venda
Seca.
Há mais de
dois séculos,
Venda Seca era
famosa não só em
toda a zona saloia
de Sintra como
até mesmo em
Lisboa. Era um
sítio de passagem
de gente nobre,
de festas,
piqueniques e
também um lugar
de onde brotavam
águas medicinais
com propriedades
curativas
maravilhosas.
Disso mesmo
dá conta uma
antiga edição do
jornal Gazeta de
Lisboa, de 1818,
onde pode ler-se
“na botica de
António
Feliciano Alves
de Azevedo, no
Rocio n.º 38 se
vende água férrea
da Venda Seca,
vinda todos os
dias em garrafa
de quartilho a
100 réis cada
uma, e com
garrafa a 160
réis”.
A água brotava
na Quinta das
Águas Férreas,
que
extraordinariame
nte sobreviveu
até aos dias de
hoje na malha
urbana e junto à
qual ainda é
possível
encontrar um
plátano
centenário que
cresce junto à
antiga fonte no
Largo 1.º de
Maio. A água, aí,
já não se vende,
mas o nome da
terra sobrou dos
dias em que as
garrafas
esgotavam e os
visitantes, ali
mesmo naquele
largo, eram
obrigados a
esperar ou a
voltar de mãos a
abanar.
RIO SECO
Mas isto da
secura, nunca
vem só. E como
se não bastasse
uma Vila Seca e
uma Venda Seca,
existe também,
no concelho de
Castro Marim,
um Rio Seco,
com uma
particularidade
especial: a
história é
primorosamente
contada em verso
pelo investigador
Morais Lopes,
que dedicou uma
boa parte da sua
vida à recolha
etnográfica, em
particular na
região algarvia. E
sobre Rio Seco,
rezam assim
algumas das
páginas da sua
obra Algarve: As
Moiras
Encantadas.
Diz a longa
tradição
Que foi, por
nossas avós,
Passada de
mão em mão
Ou, talvez, de
voz em voz,
Que naquel’
lugar havia
Um poço de
água, sem fundo,
E dentro dele
vivia,
Desde o
princípio do
mundo,
Uma serpente
tão bela,
Co’uma voz tão
maviosa,
Que mais
par’cia uma
estrela
Ou a haste
duma rosa.
À noite,
quando o luar,
Era mais
branco que a luz,
As aves vinham
trinar
Sobre os
braços duma
cruz.
Era tão doce o
seu canto,
Tão suave de
se ouvir,
Que a serpente
dava ao pranto
Sons de cristal
a tinir.
Chorava, que
até parece
Que era choro
de mulher
Que de amor
inda vivesse,
Mas que ali
vinha morrer.
Também os
astros dispersos
Paravam, de
entontecidos,
Para ouvir os
lindos versos
Cantados nos
seus gemidos.
Dizem, até, que
do alto,
Por aquelas
horas mortas,
Vinham cristais
de basalto
Brilhar em
todas as portas.
Às tardes,
quando o sol
posto
Era um pincel
de mil cores,
Havia pranto
no rosto
Das ervinhas e
das flores.
Tudo, enfim, ali
chorava...
Por quem? que
sabemos nós?
A lenda não
nos narrava,
Nem sequer
nossas avós.
Era tudo tão
estranho,
Naquele poço
sem fundo,
Que a lenda
não tem tamanho
Desde o
começo do
mundo.
Diz coisas
tristes, assim,
Que é de gente
arrepiar…
o pranto não
tinha fim,
Nessas noites
de luar,
Por quem
chorava a
serpente
Aqueles ais tão
magoados,
Que os ouvia
só a gente,
Tão tristes,
despedaçados?
Que história
linda de amores
Esses choros
traduziam,
Que a
decifravam as
flores
E as gentes não
o sabiam?
Calemos,
agora, o canto
Deste nosso
linguajar.
Calemo-nos,
pois, enquanto
Outras vozes
vão falar...
Também diz a
tradição
Que ali bem
perto existiu
Um palácio
feito de oiro,
Que outro
assim nunca se
viu.
Quando o sol
deitava nele,
De fogo, os
ardentes raios,
Ouviam-se, ao
seu redor,
Vãos gemidos e
desmaios.
Eram as aves e
os cisnes,
Nas gaiolas e
nos lagos,
Que
suspiravam de
longe
Por carícias,
por afagos.
E dizem, até,
que as fontes
Tinham outro
murmurar;
Par’ciam
deusas de além,
Com vozes de
outro cantar.
Entonteciam-se
as árvores
E as cisternas
de água doce;
Também uma
rosa negra
Murchava,
como se fosse
Bafejada do
suão,
Vento sinistro
que traz,
Nas suas asas
de fogo,
A guerra...
jamais a paz.
Até as águas
do rio
Que os lagos
azuis banhavam,
Ao chegar às
pedras de ouro,
Eram mudas...
suspiravam.
E o rio de
longe trazia
Outras
canções, outros
ares,
Que aos
poucos, depois,
lançava
Nas águas
verdes dos mares,
Deste modo,
era o palácio
Mais belo que
outro qualquer;
Nel’ se
beijavam as
rosas,
O cravo e o
malmequer.
Os jardins
eram suspensos,
Como suspenso
era o ar.
Toda a gente
desejava
Ali viver e
acabar.
No palácio
então vivia
Uma princesa
tão linda,
Linda, que
nenhum poeta
Pôde assim
cantar ainda,
Que lhe
faltavam os
versos
Que a
pudessem
descrever,
E nem mesmo a
própria música
O pôde, ao
certo, fazer.
Parecia a linda
moira
Luz dalgum
astro brilhante,
Que viesse, a
horas mortas,
Dum outro céu
mais distante.
E, se às janelas
chegava,
Com o seu
meigo sorrir,
Os mundos
emudeciam
Só para a ver e
a ouvir.
Um dia… que
dia aquele!...
Alguém, ao
perto, acampou.
E bem logo ali
o dia,
Mais formoso
se tomou.
E nunca mais,
nunca mais,
Outro dia
assim nasceu,
Porque diz a
tradição
O que então
aconteceu.
Porque esse
alguém que
chegara
Era um
príncipe cristão,
Que vinha
salvar a moira
De morrer na
solidão.
E ela também o
sabia,
Pelos sonhos
que sonhara;
Por isso, umas
vestes de oiro
Para si então
tomara.
Abrira de
manso as portas,
Por onde fria
sair
Ao encontro
desse amor,
Sem mais coisa
alguma ouvir.
Foi então,
como dizê-lo,
Que à morte
Alguém a levou;
E a moirinha,
de encantada,
Não mais
sorriu nem amou.
Allah, que tudo
sabia,
Por ser deus ou
outra cousa,
Ali encantou os
dois,
Coisa horrenda
e temerosa!
Por isso, os
tempos passaram
E tal poço ali
ficou
Co’uma
serpente tão bela,
Morta de amor,
porque amou.
E o rio ficou
sem águas,
Porque Allah
assim o quis;
Foi nele que se
tornou
O corpo desse
infeliz.
E foi tudo
quanto a lenda
Me contou,
como é narrado;
E tal lugar,
desde então,
Rio Seco ficou
chamado.
BONDANÇA
Bondança é
uma pequena
povoação da
freguesia de
Manhouce, no
município de São
Pedro do Sul,
com pouco mais
de meia centena
de habitantes e
situada numa
fértil garganta
entre a Serrinha
(Outeiro do
Cabrito) e o
Outeiro dos
Lobos, às
margens do
ribeiro com o
mesmo nome.
No início do
século XIX eram
seis as famílias
residentes no
lugar, entre elas,
os Souto, que terá
sido, aliás, o
primeiro clã a
habitar o lugar.
A agricultura,
mais
concretamente a
produção de
milho, e a criação
de gado são ainda
nos dias de hoje
as principais
fontes de riqueza
da povoação, mas
em tempos
remotos, mesmo
antes da fundação
da aldeia, toda a
zona era ocupada
por centenas de
frondosos
castanheiros. No
outono, a
paisagem
‘pintava-se’ com
as cores da
estação e saltava
à vista uma
verdadeira
“abundância” de
castanhas e
folhas amareladas
pelo chão.
Mas como na
região já existiam
os lugares do
Souto e dos
Castanheiros,
então este lugar
ganhou o nome
de Abundância,
que através da
oralidade foi
sofrendo alguma
distorção e
transformou-se
primeiro em
Abundança e
mais tarde
chegou ao nome
pelo qual hoje a
terra é conhecida:
Bondança.
Além desta
explicação
lógica, a lenda
contribuiu
também para dar
nome à terra.
Conta-se que o
primeiro patriarca
da Casa dos
Souto, de nome
António e dono
da maior parte
daqueles
frondosos
castanheiros, era
amante dos viras
e das modinhas
de roda, por isso,
um dia, convidou
vários rapazes e
raparigas dos
lugares mais
próximos para
um bailinho.
No final de
mais uma jornada
nos campos,
depois da ceia
oferecida pelos
da casa, o
acordeão, a banza
e a sanfona,
tocadas por mãos
adestradas,
começaram a
fazer-se ouvir no
largo frente à
casa. Os pares
rodopiavam ao
desafio, com os
pés saltitantes no
chão, numa
animação de
gente moça e
gaiteira.
Quem tinha
voz, cantava as
modas daqueles
tempos, a três
vozes: o Vira
Flôr, o Vira da
Aldeia, o Vira de
Trempes, o
Tareio, a Tirana,
a Cana Verde, o
Velho, o Senhor
da Pedra, as
Marrafinhas, a
Dolaidinha, Vai o
Paspalhão p’ro
Meio, D. Solidão,
entre muitas
outras.
As horas
corriam depressa
e a dança não
parava
praticamente até
o Sol nascer. Ou
melhor até
António, já de
madrugada, gritar
aos bailarinos:
– Bonda de
dança! Bonda de
dança!
A dança e a
festa acabaram
por fim, mas a
memória desses
dias nunca mais
se extinguiu
porque ficou até
aos nossos dias
como nome
daquela
povoação.
SERRA DO
PORTO DE
URSO
É bem
conhecido o
legado que o rei
D. Dinis deixou
ao país, e em
particular na
região de Leiria,
onde a corte
passava a maior
parte do seu
tempo. O rei que
mereceu os
cognomes de
“Lavrador” e de
“Poeta/Trovador”
, por ter sido
responsável por
obras
verdadeiramente
pioneiras no seu
tempo (como o
assoreamento e a
domesticação do
rio Lis, a
plantação do
famoso pinhal de
Leiria, ou a
criação da
primeira
universidade
portuguesa), é
também o
principal
protagonista que
alguns episódios
que estão ligados
ao surgimento de
muitas das
povoações
leirienses.
Conta-se, por
exemplo, que D.
Dinis e a sua
mulher, a Rainha
Santa Isabel,
costumavam
procurar a zona
de Monte Real
para gozar alguns
dias de descanso,
talvez para que a
rainha pudesse
usufruir dos
tratamentos das
águas sulfúreas
que ali se
encontram e que
tinham à época
grande fama, o
que permitia ao
rei entreter-se
percorrendo os
campos
matagosos em
exercícios
venatórios.
Foi num desses
dias que o
improvável
aconteceu. D.
Dinis saiu muito
cedo e
teimosamente
quis ir sozinho
em busca de caça
grossa. Por mais
que os seus
cavaleiros
tentassem
contrariá-lo, saiu
montando no seu
cavalo mais
fogoso, a galope,
em busca da
adrenalina.
A natureza não
tardou a
satisfazer os seus
intentos. O rei
correu, correu, e,
já longe da corte,
surgiu-lhe ao
caminho um
corpulento e
assustador urso
que, num
movimento
brusco derrubou
o rei da sua
montada,
agarrou-o pela
cintura e quase
lhe ia caindo em
cima.
O rei não
ganhou para o
susto e por
instantes temeu
pela própria vida.
Não havia
ninguém por
perto para o
ajudar e a fera –
de dentes
aguçados e garras
raivosas –
rugindo aos sete
ventos, estava
pronta para lhe
desferir o golpe
final.
Tentando
manter a calma e
a fé, D. Dinis
procurou
conforto e força
lembrando-se dos
milagres que se
atribuíam a São
Luís, bispo de
Tolosa,
supostamente
ainda parente da
Rainha Santa
Isabel, sua
mulher. Ao
lembrar-se da
rainha, a sua bela,
terna e tão
especial
companheira,
ainda mais
depressa invocou
o santo, em busca
de proteção.
A ajuda divina
não tardou e num
instante apareceu
São Luís que diz
ao rei para matar
o urso com o
punhal que trazia
preso à cinta.
O rei obedeceu,
enterrando a
lâmina aguçada
no corpo do
pesado animal,
que caiu,
redondo, no chão,
libertando
imediatamente D.
Dinis.
Num pulo, o rei
ergueu-se do
chão e sem
sequer perder
tempo a olhar
para trás, montou
no seu cavalo,
galopando célere
em direção ao
Paço onde estava
a rainha.
A meio do
caminho, porém,
encontrou um
lavrador sozinho
e resolveu
abeirar-se dele.
Perguntou-lhe de
onde era, ao que
o bom do homem
não fazendo a
mínima ideia de
quem era o seu
interlocutor,
respondeu:
– Eu sou
daquela aldeia
mais adiante, já
aqui na serra,
onde todos os
dias fazem o
comer para El-
Rei a quem Deus
deve dar má
sorte.
D. Dinis ficou
perturbado.
Sempre tentara
ser um bom rei
para os seus
súbditos, tratando
todos com
justeza, baixando
os impostos,
provindo o
socorro para os
enfermos nos
mosteiros e,
como tal,
estranhava que
alguém lhe
desejasse mal…
não teve por isso
outro remédio
senão perguntar
ao aldeão que
mal lhe tinha
feito El-Rei para
o deixar tão
revoltado assim,
ao que o lavrador
respondeu:
– Digo-vos
porque me
pareceis um
homem de bem,
que o oficial do
rei, encarregado
dos mantimentos
para a cozinha de
sua majestade,
me tomou à força
uma vaca, três
carneiros e quatro
galinhas, sem
nada pagar,
dizendo que era
para El-Rei.
Depois seguiu
para a aldeia e
fez o mesmo:
comeu e bebeu e
não pagou coisa
alguma. Tem
pouco respeito
pelos pobres este
rei e eu pouco
respeito por ele
tenho também!
Ao ouvir tais
acusações, D.
Dinis ficou muito
pensativo, mas
depois convidou
o lavrador a
acompanhá-lo,
coisa que o bom
homem fez
prontamente
convencido de
que falava apenas
com um
escudeiro da
corte.
Chegados ao
paço, a Monte
Real, o rei
chamou um dos
seus homens e
mandou pagar
todas as despesas
feitas com as
gentes da terra e
castigou
severamente o
oficial que
tomara os gados e
géneros do povo,
sem nada lhes dar
em troca, para
que servisse de
exemplo aos
outros oficiais
régios e para que
todos
percebessem
como é que ele
queria governar.
D. Dinis,
homem dado à
poesia, à música
e muito
espiritual,
entendeu que
aquele enorme
urso tinha
aparecido com a
missão de o
ajudar a corrigir
os vícios da
nobreza. Para que
todos
aprendessem
também a lição,
D. Dinis mandou
os seus cavaleiros
irem buscar o
urso e ordenou
que o exibissem
pelas ruas de
Monte Real.
Em toda a
região começou a
espalhar-se a
notícia, havia até
quem falasse em
milagre, e por
isso o local onde
o corpo do
animal caiu por
terra passou a
chamar-se Serra
do Porto de Urso.
AMOR E
CEGOVIM
Outra velha
narrativa dos
tempos de D.
Dinis fala-nos da
origem das
localidades de
Amor e Cegovim
e lembra a fama
da Rainha Santa
Isabel: uma
mulher
particularmente
bondosa, que
nunca virava as
costas aos que a
ela recorriam.
Um dia, a
rainha foi dar um
passeio pelo
povoado e numa
rua encontrou um
mendigo muito
doente, muito
frágil e esquivo,
aparentando ter
sido escorraçado
por todos.
– Está doente?
– perguntou-lhe a
rainha, curvando-
se perante o
indigente.
O mendigo
nem sequer a
reconheceu.
Habituado a que
apenas lhe
dirigissem
palavras duras,
tentou fugir
dela…
– Espere um
pouco, homem,
precisa de ajuda?
Em que posso eu
ajudar? Fique
quietinho – pediu
a rainha.
– Senhora, por
favor, afaste-se!
Fuja de mim que
eu sou leproso…
A rainha não se
amedrontou com
tais palavras,
apanhou algumas
amoras e
ofereceu-as ao
leproso.
Enquanto o
homem,
esfaimado, as
comia, deu-se um
milagre… as
chagas do leproso
desapareceram.
As feridas
sararam. As dores
passaram.
Reconhecido, o
leproso nunca
mais abandonou
a rainha. Para
onde ela ia, o
homem seguia-a
e passou a dormir
à porta do
castelo.
Numa noite, o
mendigo viu
alguém sair a
cavalo, envolvido
numa capa negra.
Mais adiante, o
vulto tirou a capa
e o leproso viu
que era o rei.
Nesse dia, o
mendigo calou o
que viu. Mas as
saídas noturnas
de D. Dinis
repetiam-se noite
após noite e
aquilo repudiava
o mendigo,
porque
adivinhava a dor
da mulher
bondosa que o
salvou.
Indiferente a
tais
preocupações, D.
Dinis galopava
pelos campos
fora, e, lá longe,
num pequeno
lugarejo, visitava
uma camponesa
formosa como
nenhuma outra
em redor.
Era primavera,
estação fatal para
corações jovens e
viris. Naquele
lugar coberto de
papoilas e
malmequeres, o
rei apaixonou-se
pela camponesa.
As visitas de Sua
Alteza ao seu
novo amor
continuaram e
deram muito que
falar. Nas
redondezas,
começaram a
chamar Amor
àquele lugar.
Quem não
aceitava tamanho
desaforo era o
mendigo. Doía-
lhe o coração ver
a sua rainha ser
assim traída com
o conhecimento
de todos. Um dia,
encheu-se de
coragem, entrou
no castelo e foi
avisá-la. A rainha
ouviu-o com
muita atenção,
mas sem
surpresa. Há
muito que o seu
coração sabia a
verdade e, afinal,
um rei nunca foi
de uma mulher
só…
Mesmo assim,
a Rainha Santa
Isabel resolveu
mandar uma
mensagem ao rei.
Mandou chamar
todos os
cavaleiros da
corte, ordenou-
lhes que
trouxessem os
archotes e que
saíssem em busca
do rei, e que
iluminassem o
caminho que ele
tinha tomado.
Quando D.
Dinis finalmente
regressava dos
braços do seu
amor, deparou-se
com o trilho da
floresta todo
iluminado.
– Para que
servem todos
estes archotes? –
perguntou o rei,
surpreendido.
– Para vos
iluminar o
caminho, Senhor
meu Rei… A
rainha acha que
vindes cego pelo
negrume da
noite!… –
respondeu um
dos cavaleiros
Imediatamente,
o rei
compreendeu o
subtil recado que
a sua rainha lhe
mandava.
– Cego vim,
rainha! –
reconheceu D.
Dinis
embaraçado.
E a terra que o
rei pisava nesse
momento passou
a chamar-se, daí
em diante, de
Cegovim. Com o
tempo, o nome
corrompeu-se
naturalmente, e
hoje trata-se do
lugar de
Cegodim.
– E a terra de
onde vindes?!
Chamar-se-á
Aldeia do Amor
– ripostou a
rainha,
compreensiva,
mas fazendo o rei
saber que
conhecia bem os
intentos das suas
fortuitas saídas…
TRISTE FEIA
A freguesia de
Milagres, em
Leiria, foi criada
a 24 de junho de
1750, sendo
composta por
treze lugares.
Mais tarde,
juntaram-se a
estes outras nove
localidades, entre
os quais a de
Triste Feia.
Consta que o
nome inicial era
apenas Triste
mas, vá lá saber-
se porquê, certo
dia, o cónego
José Ferreira de
Lacerda
acrescentou à
designação
original a palavra
‘feia’. O nome
ficou até hoje,
para tristeza das
cerca de três mil
pessoas que lá
vivem e que
gostariam,
certamente, de
carregar uma
referência mais
feliz na morada.
Por que razão o
cónego Lacerda
acrescentou tal
adjetivo à terra é
coisa que
ninguém sabe
explicar! Não
terá sido por
maldade, pois
seria homem
“muito bom”, de
acordo com as
memórias da
freguesia.
Acredita-se que
talvez quisesse
passar alguma
mensagem
através de uma
alegoria, como é
comum na
homilia.
Natural de
Leiria, o cónego
Lacerda (1913-
2000) era uma
figura muito
acarinhada pelos
leirienses, pelos
ex-combatentes
em particular (foi
cónego militar) e
pela comunidade
católica em
particular, tendo
sido o fundador
do jornal: O
Mensageiro. Hoje
tem até direito a
uma rua em seu
nome e uma
estátua na cidade,
em homenagem à
sua obra.
Mas esta não é
a única Triste-
Feia do país.
Escondida entre o
final da Rua
Maria Pia e a Rua
Costa, mesmo ao
lado da estação
ferroviária de
Alcântara-Terra,
em Lisboa, fica a
Travessa da
Triste Feia, que
deve
supostamente o
seu nome a uma
mulher que que
todos os dias se
sentava à posta
do número 28.
A pobre
rapariga bem
podia lamentar-
se, fazendo jus ao
jargão popular de
que “o azar nunca
vem só”.
Parece que a
moça não devia
muito à beleza…
e, ainda por cima,
andava sempre
triste! Talvez não
tenha arranjado
um mancebo para
casar e fazê-la
esquecer-se de tal
fardo, tendo
vivido infeliz e
sozinha toda a
vida. Já não lhe
servirá de grande
consolo, mas a
sua existência
não foi em vão:
acabou por ficar
na história e na
toponímia de
Lisboa, ao dar
nome à rua onde
nasceu e sempre
viveu. Pelo
menos, é isso que
rezam as
memórias de uma
das mais antigas
freguesias da
capital.
AMPARO
Existem vários
lugares com a
designação de
Amparo
espalhados por
terras lusas
(Funchal,
Guarda, Ponte de
Lima, Paredes de
Coura, entre
outras) mas a
explicação é só
uma: a devoção a
Nossa Senhora
do Amparo,
muito venerada
desde tempos
recuados.
CAI LOGO
Cai Logo é o
nome de um
monte em
Melides,
Grândola, que
poderia ser igual
a tantos outros da
região não fosse
o topónimo
despertar sorrisos
e a curiosidade de
quem com ele se
depara.
E a explicação
é simples e
castiça, como é
apanágio das
histórias do nosso
Alentejo: é que
este era um
monte tão
íngreme, mas tão
íngreme, que,
quando o mais
novo dos miúdos
da família que lá
morava começou
a aprender a dar
os primeiros
passos não se
aguentava por
muito tempo nas
pernitas e caía.
Por causa disso,
quando
familiares,
vizinhos ou
amigos
perguntavam se a
criança já andava,
a resposta vinha
pronta e
escorreita: “Cai
logo”!
Existem, pelo
menos, mais dois
Cai Logo em
Portugal: um em
Monchique, outro
em Odemira, mas
desses não
sobrou ninguém
que soubesse (ou
quisesse) contar a
sua história.
DEIXA O
RESTO
Deixa o Resto
é uma aldeia
portuguesa na
freguesia de Vila
Nova de Santo
André, entre
Santiago do
Cacém e a Lagoa
de Santo André.
A região atrai
muitos turistas,
pela proximidade
de maravilhosas
praias – um dos
ex-líbris da
região – e a
aldeia, que é
atravessada pela
estrada nacional,
acaba por ter uma
das placas
toponímicas mais
fotografadas do
país.
E basta parar
em qualquer café
ou tasca nas
imediações para
ficar a par do
significado do
nome. Reza a sua
história que, certo
dia, chegou à
aldeia um homem
trabalhador mas
bastante pobre,
que na mercearia
e na taberna os
populares
tentaram ajudar
como podiam.
Ofereciam-lhe
bens alimentares
e outros produtos
e, quando
sobravam,
diziam-lhe:
“Deixa o resto.”
Deixa o Resto
assim ficou até
hoje, terra
alentejana com o
mar à beira, sítio
de gente pacata e
acolhedora. No
lugar da antiga
mercearia e
taberna de então
existem hoje
restaurantes que
servem aos
forasteiros as
especialidades da
região: o porco
preto e a melhor
enguia prateada
da lagoa de Santo
André. O nome
da terra continua
a assentar-lhe
como uma luva:
convida à evasão
e a deixar
momentaneament
e tudo o resto
para trás das
costas…
BOIDOBRA
O site da Junta
de Freguesia de
Boidobra, no
concelho da
Covilhã, cita uma
versão inserida
“num dicionário
corográfico
existente na
Biblioteca
Nacional de
Lisboa”, segundo
o qual “em
tempos muito
remotos num
lugar chamado
Quinta da
Abadia, existiam
os celeiros de
uma das guardas
avançadas da
Ordem de Malta
(….) Nessa
altura, andava
em construção o
edifício da
referida abadia e
para transportar
as pedras para a
construção era
necessário o
auxílio de juntas
de bois. Acontece
que as pessoas
começaram por
chamar-lhe ‘Boi-
da-Obra’. Com o
andar dos
tempos, essa
palavra sofreu
transformação e
deu origem à
palavra ‘Boi-D`-
Obra’. Esta
mesma palavra
acaba mais tarde
por sofrer a sua
modificação e
uniu-se ou ligou-
se, formando a
palavra
Boidobra, nome
desta povoação”.
O povo,
entretanto,
transformou a
história em lenda,
acrescentando-
lhe um pormenor:
um boi
desajeitado para
o trabalho,
segundo reza o
registo de Isabel
Lopes Fale, em
Narrativas
Populares da
Covilhã.
“Era uma vez
um boi que vinha
a passar e
engalhou-se a
corda no corno
do boi e o sino
começou a tocar:
dão, dão, dão...
– Olha, o boi
dobra!
– Olha, o boi
dobra!
Ficou o nome
de Boidobra por
o boi estar a tocar
no cordão”, pode
ler-se na obra.
Já Alexandre
Carvalho Costa,
em Lendas,
Historietas e
Etimologias das
Cidades, Vilas,
Aldeias e Lugares
de Portugal
Continental diz
que embora “a
origem seja
justificada, de
certo modo, pela
lenda, pensa-se
ser pura invenção
explicativa.
Estudos mais
profundos
apontam para
coisa diferente”,
o que nos remete,
mais uma vez,
para a linguística.
A origem mais
provável de
Boidobra será,
por isso, o
topónimo céltico
Botóbriga, que
terá sido o nome
da localidade
durante o período
de ocupação
celtibero. Outra
teoria minoritária
diz que a origem
do nome poderá
antes ser o árabe
Abu ad-Dobra,
que teria
pertencido a um
general mouro
que,
eventualmente,
terá passado pela
região.
ALFANADOS,
VALE FANADO
E FANATES
Seja Alfanados
(em Ponte de
Lima), Fanadia
(em Leiria), Vale
Fanado (em Beja)
ou Fanates (em
Coimbra), a
origem é comum:
todos estes
topónimos
portugueses
relacionados com
“Fanu”, palavra
moçárabe para
templo e com o
verbo fanar, do
latim fanare, mas
que nada tem a
ver com roubar.
Neste caso, o
termo significa
consagrar, que,
por sua vez, por
influência
hebraica, evoluiu
semanticamente
para circuncidar e
daí para castrar
ou amputar,
sentido em que o
verbo foi usado
(num português
arcaico) por
Fernão Lopes:
“…mamdou
tomar huus seis
ou sete
Portugueeses (…)
e mandouhos
todos deçepar das
maãos e fanar dos
narizes…”, num
excerto de
Crónica de D.
João I (parte I, p.
382).
MUXAGATA
Muxagata é
uma das 12
freguesias do
concelho de
Fornos de
Algodres, no
distrito da
Guarda. A
origem desta é
incerta, mas sabe-
se que, em 1942
se chamava
Mocegata, em
1600 Muxigata e
no século XVIII

era conhecida
como
Muxiguata.
Tem pouco mais
de 200
habitantes, que ao
longo dos tempos
foram emigrando
para França,
Suíça,
Luxemburgo,
Itália, Alemanha,
EUA, o que
poderá explicar
as constantes
readaptações e a
particularidade
do nome.
OLHOS DE
ÁGUA E
FUZETA
Desde tempos
remotos que
tradições, usos e
costumes ficam
registados em
cantigas e versos
populares – ou
não fosse
Portugal um país
de nostálgicos
poetas. Lá para
os lados do
Algarve, houve
quem desse a
volta à lenda e a
transformasse
num poema (da
autoria de Morais
Lopes, autor
português com
ligações ao Brasil
e à Academia de
Letras
Itaocarense), que
desvenda as
origens de duas
conhecidas
povoações
algarvias e ainda
hoje é usado em
escolas e
coletividades
para explicar as
raízes e a história
dos nossos
antepassados.
Se há lendas do
tempo antigo
Que a nós nos
fazem pensar,
Esta agora que
vos digo
É daquelas de
encantar.
E não só... de
entristecer...
E das muitas,
certamente...
Foi há tanto...
vamos ler
Histórias duma
outra gente.
Por esta terra
de aquém
Que Fuzeta foi
chamada,
Linda moira,
que era alguém,
Ficou p’ra
sempre
encantada.
Era alguém,
por ser infanta,
Inda que fosse
islamita;
Era deusa ou
uma santa
Daquela raça
maldita,
Que, se
Zhagma
professava
As tais leis do
Al-Corão,
Aos mais
pobres entregava,
Com risos, seu
coração.
E dava, com o
dinheiro,
O trigo de cada
pão,
E, ao seu povo
aventureiro,
O vinho, por
sua mão.
Quando aos
seus jardins saía,
Para colher
uma rosa,
Uma alegre
cotovia
Vinha logo,
pressurosa,
Pousar nos
ombros morenos
Daquela
infanta real,
Cujos olhos
agarenos,
Brilhantes
como cristal,
Agradeciam,
chorando,
Os afagos da
avezita
Que bebia,
doce e brando,
O choro da
islamita...
Porque a
infanta chorava
Como outra
qualquer mortal,
Pois tinha no
peito a lava
De algum
vulcão infernal.
Era o amor que
transbordava
De um coração
de mulher,
Que há muito
em si o guardava
P’ra o
entregar, por
mister,
A alguém que o
merecesse
Por sua honra
ou valentia,
Fosse quem
fosse ou viesse
De além da
hora do dia.
Podia ser infiel
Por ser um
cristão, talvez...
Não importava,
se aquele
Fosse um forte
Português.
Podia ser um
irmão
Da sua raça
mourisca...
Alguém que à
luz do Corão
A tomasse uma
odalisca.
E levava as
horas nisto,
Essa infanta
casadoira,
Renegando a
Jesus Cristo,
Por ser
levantina e
moira.
‘Té que um dia,
há sempre um
dia,
Em cada alma
enamorada,
Ela viu da
alcaçaria
Uma forte
cavalgada
Acercar-se do
castelo,
Em remoinhos
de pó.
À frente, que
homem tão belo
Às paredes se
achegou!
E pondo a mão
em funil
Sobre o seu
lábio tão fino,
À luz do sol
desse abril,
Assim falou de
contínuo:
“Moira virgem
que vieste
“Mais de além
dum outro mar,
“Por tarde de
vento agreste
“Ou por noite
de luar,
“Se acaso não
és nascida
“Já na terra do
Chenchir,
“Vem até mim,
minha qu’rida,
“Dá-me o teu
lindo sorrir...
“Vem, que
tenho p’ra te dar
“Toda a
riqueza da terra,
“E um coração
para amar,
“Que te livre
desta guerra...
“Vem!... vem,
Zhagma, meu
amor!...”
Mais não disse
o português,
Afagando,
sedutor,
As peças do
seu arnês...
Logo a moira,
descuidosa,
Cabelos soltos
ao vento,
Exprimiu, ali,
chorosa,
O seu triste
pensamento:
“Se me queres,
rei cristão,
“Por tua
esposa e rainha,
“Vem trazer-me
à minha mão
“A água toda
inteirinha.
“Que há de
haver em todo o
mar...
Assim falou a
princesa
Ao chefe do
cavalgar
Dessa gente
portuguesa.
Partiu de ali,
de repente,
A fogosa
cavalgada,
Levantando o
pó ardente
Que cobria
aquela estrada.
E chegou-se à
beira-mar,
Onde, em
tempo muito
breve,
Principiou a
cavar,
Mais cél’re que
quem descreve,
Um canal que
assim levava
As águas do
grande mar
Aonde a moira
habitava,
Que era coisa
de pasmar.
Numa só noite
findou
O trabalho ali
proposto,
E a água do
mar chegou
Ao outro dia,
ao sol-posto,
Ao solar da
moira Zhagma,
Onde uni
paredão se
erguia,
Que par’cia
um diafragma,
À luz vibrante
do dia,
P’ra prender a
água toda
Que vinha de
além do mar...
E ali mesmo,
em toda a roda,
Alguém se pôs
a cantar:
“Tens aqui o
que pediste,
“Princesa,
filha de Allah...
“Não te quero
mais ver triste,
“Mulher que
Deus me dará...
Vem a meus
braços, infanta
“Do Reino de
Portugal...
“Toda a
natureza canta
“Este feito sem
igual...”
Ia-se já
entregar
Zhagma ao
valente cristão,
Quando ouviu
o ribombar
Dum fortíssimo
trovão.
Era Allah, que
tudo vira
Com olhos de
deus supremo...
E, jamais
isento de ira,
Pô-la ali em
grande extremo.
“Vou encantar-
vos os dois
“Em prémio de
feia ação.
“Pois nunca, à
luz dos meus sóis,
“Pode amar
homem cristão
Mulher nascida
agarena,
“E a partir
deste momento
“Eu vos dou,
por negra pena,
‘Este duro
encantamento:
“O rio será
secado,
“Mas, por ti,
filha cruel,
“Há-de ser
alimentado
“Com teu
choro de infiel.
“Tu, cristão,
hei de encantar
“Doutro modo,
é minha ideia:
“Hás de ser
deitado ao mar,
“Já desfeito em
grãos de areia”.
E cumpriu-se o
encantamento
Que sempre
aflige a Fuzeta,
Pois vive até
ao momento,
Mesmo que
pareça peta.
Da moirinha a
grande mágoa
Do choro
contínuo e
brando,
Traduziu-se em
“Olhos de Água”
Que vão aos
poucos secando.
E a areia posta
no mar,
Em silêncio,
sem fanfarra,
É que anda
agora a fechar,
Dia a dia, a
velha barra.
CATEFICA
Sobre a origem
de Catefica,
localidade do
concelho de
Torres Vedras, a
história é fácil de
contar: uma vez
passou por lá
uma rainha
emproada, que a
meio do caminho
deixou cair o seu
lenço. O rei
mandou os
súbditos
apanharem o
lenço, mas a
altiva rainha já
não o quis: “Cá
fica”, vaticinou.
Ficou o lenço
caído pelo chão e
também o nome
da terra: Catefica.
CUCUJÃES
O canto dos
cucus (cuculus
em latim) terá
dado azo ao
nome de
Cucujães, no
concelho de
Oliveira de
Azeméis, que
existe desde o
século XII, tendo
chegado a ser
coutada por D.
Afonso
Henriques a 7 de
julho de 1139.
GOSTEI
Datam do
tempo de D.
Afonso III, mais
precisamente de
1258, por conta
das inquirições
realizadas na
povoação, as
primeiras
referências à
aldeia de Gostei,
na arcaica grafia
Goetey,
presumindo os
etimologistas
“que se tratará de
evoluções da
forma genitiva do
nome pessoal
germânico
Gudesteus”, lê-se
na página oficial
da Câmara
Municipal de
Bragança.
ALBERGARIA
DOS DOZE
A existência de
uma albergaria à
beira do caminho,
que em tempos
mais recuados fez
movimentar
muita gente e
algum negócio, e
deu origem a uma
nova localidade:
Albergaria dos
Doze fica no
concelho de
Pombal e os
‘Doze’ dizem
respeito à
tradicional feira
que aqui se
realiza no décimo
segundo dia de
cada mês.
RABO DE
PEIXE
Em meados do
século XV,

surgiam na ilha
de São Miguel,
no arquipélago
dos Açores, os
primeiros
aglomerados
populacionais,
muitos deles à
beira-mar, onde a
subsistência era
sobretudo
assegurada pela
pesca, já que o
cultivo da terra
muitas vezes não
chegava para
provir sustento às
famílias.
Um dia, os
pescadores de um
desses lugares
sentaram-se à
beira-mar e
discutiram entre
si o nome que
haviam de dar ao
povoado. Uns
sugeriam, outros
também,
esgrimiam razões
mas não havia
maneira de
chegarem a
consenso.
Estavam no
meio desta
animada
discussão quando
avistaram, nas
ondas rasas, o
rabo de um
pequeno peixe a
flutuar, que
acabou por
encalhar junto a
uma pedra polida
pelo mar.
A visão trouxe
à memória de
todos uma cena
que tinham
presenciado dias
antes: um grande
peixe esfomeado
tinha perseguido
um pequeno
peixito ali mesmo
junto à costa. O
desgraçado bem
tentou nadar e
fugir, mas
cansou-se
depressa e foi
devorado. Sobrou
apenas o rabo,
que a corrente
acabou por levar
para terra, para
junto dos
pescadores.
Um deles,
apontou para os
restos mortais e
disse:
— Olhem
vocês, é um rabo
de peixe. É assim
que a nossa
freguesia se vai
chamar, Rabo de
Peixe.
Todos riram
com a ideia
estranha mas,
depois, acabaram
por reconhecer
que até era um
nome bastante
apropriado para
um lugar
povoado por
pescadores.
Foi assim que
nasceu Rabo de
Peixe, hoje uma
das maiores
freguesias de São
Miguel, onde os
seus habitantes
continuam a ser
na sua grande
maioria
pescadores.
ESPADANEDO
Segundo o
escritor e
investigador de
património
imaterial
Alexandre
Parafita, num
sítio que
antigamente se
chamava Vila dos
Mouros, próximo
de Macedo de
Cavaleiros, vivia
um mouro muito
poderoso, que
exigia
anualmente dos
povos cristãos
um certo número
de donzelas para
o seu harém.
Um dia, os
lusitanos,
decididos a
acabar com tão
vexatório tributo,
revoltaram-se ao
grito de “Espada
nele! Espada
nele!”, ou seja,
“mata-o” ou
“passa-o à
espada”. E assim
se deu nome à
povoação, que
ficou
Espadanedo.
ABADINHO
O topónimo
Abadinho refere-
se a uma área dos
arredores da
antiga vila de
Montemor-o-
Novo, a norte da
mesma, e que
hoje está
integrada na
cidade. Deriva de
Abadim, palavra
de origem árabe
(abbâdîn), que
significa lugar de
‘sufis’, ascetas
místicos do Islão.
Abadinho foi
mencionado pela
primeira vez em
1442 na escritura
de venda de um
olival.
ONÇA
Numa rápida
viagem pelo
mapa do país,
salta à vista a
predominância de
muitas onças por
aí espalhadas!
Travessa da Cova
da Onça nas
Caldas da Rainha
(Leiria), a
Azinhaga da
Cova da Onça em
Carnide (Lisboa)
e até uma
localidade com o
nome de Cova da
Onça, em Olhão.
Ora numa terra
onde não existem
onças, esperemos
que também não
indique a
proliferação de
‘amigos da onça’
por aí…
Tentando
perceber a sua
origem, chega-se
à conclusão de
que este zoónimo
também existe
noutras línguas
de origem
europeia, com
configurações
muito
semelhantes às
do português
‘onça’. É o caso
de onza
(espanhol), onça
(catalão), once
(francês) ou
ounce (inglês). A
etimologia de
onça e das
palavras suas
homólogas
noutras línguas é
incerta, mas à
falta de certezas
aceita-se
geralmente a
proposta do
filólogo alemão
Friedrich C. Diez
(1794-1876).
Segundo este a
palavra deriva do
latim luncea
adaptação do
vocábulo grego
lúgks, kós, que
significava lince.
O termo do latim
vulgar deu, em
italiano, lonza,
que ainda hoje se
utiliza, e lonce,
em francês
antigo.
Terá sido por
via do francês,
que o português
recebeu no seu
dicionário a
palavra onça, o
mesmo
acontecendo com
as outras línguas
românicas
ibéricas
mencionadas, que
a fizeram depois
viajar até ao
Brasil e aos
outros países do
sul do continente
americano, por
via dos
Descobrimentos.
Ainda assim,
não se explica
que a palavra
tenha resultado
em tantas
referências
topográficas, pois
não reza a
história que
onças – ou
mesmo linces –
andassem assim à
solta pelos quatro
cantos de
Portugal, o que
abre espaço à
imaginação… e
até à poesia! É
que pelo menos
no caso da Cova
da Onça de Olhão
existe um poema
popular (que na
verdade traduz
uma lenda), da
autoria de Morais
Lopes, que cheio
de romantismo
nos leva a viajar
pelo Algarve de
outros tempos.
Chama-se
precisamente A
Lenda da Cova
da Onça e reza
assim:
Naquele tempo
em que os
mouros
Traziam,
presos p’las
mãos,
Os povos do
nosso Algarve,
Que todos
eram cristãos,
Naquele tempo,
dizia,
Até as ervas do
chão
Morriam,
abandonadas,
Que metiam
aflição.
As rosas que
em outros tempos
Viviam a
gargalhar,
Estavam
murchas, agora,
Morriam com
falta de ar.
E os cravos, as
açucenas,
Os goivos,
mais os
martírios,
Finavam-se,
pelos caminhos,
Torturados de
delírios.
Toda a fonte
que cantasse
Já seca e muda
era agora,
E até as águas
dos rios
Não corriam
como outrora.
Jamais as aves
trinavam
Nos braços dos
figueirais;
Todo o ser,
feito vivente,
Sofria, sofria
mais.
Era a terra
deste Al-Gharb,
Que jardim já
fora então,
Pedra só e
cinza solta,
Como se fora
um vulcão.
Mas... a lenda
o diz também...
um castelo era
sustido,
Ali à beira do
mar,
Sobre uma só
rocha erguido.
Ben-Ahmede
estanciava
Com sua filha,
Djahira,
Que chorava
amargamente,
Porque de
longe saíra.
Nem o cuidado
do pai,
Com extremos
de doçura,
À doença da
saudade
Dava alívio ou
dava cura.
Nem os
perfumes do
campo,
Ao redor do
seu castelo,
Todo feito de
jardins,
Podiam,
também, fazê-lo.
Nem as falas,
nem os risos,
Das suas
damas de honor,
Nos seus lábios
descorados,
Lhe punham
rosas de cor.
P’r’ali vivia,
doente,
Tão sozinha e
entristecida,
Que, p’ra ver
um rei cristão,
Dava metade
da vida.
E assim
chorava e
sonhava
Com um
príncipe
encantado,
Mas o seu pai,
Ben-Ahmede,
Tinha-a ali
aferrolhado.
Não qu’ria,
fosse quem fosse,
Tontura de
homem já velho,
Que lhe
levassem a filha
Que era luz e
seu espelho.
Nem os vális
sarracenos
Ali podiam
chegar,
Porque Allah
os afundava
Nas águas
verdes do mar.
Assim, Djahira
murchava
Como as rosas
dos canteiros,
Enquanto o
pai, tresnoitado,
Gritava dias
inteiros.
E a pobre
moça, coitada,
Cada dia era
pior,
Sem carinhos
de ninguém
E sem ternuras
de amor.
Mas uma vez,
uma vez,
Era já ao pôr
do sol,
Pôde ela ouvir,
no seu leito,
O trinar dum
rouxinol.
Diz aqui a
lenda antiga,
Que sempre a
ouço falar,
Que Ben-
Ahmede não
‘stava
No castelo à
beira-mar.
Tinha ido a
mais longes
terras
À procura de
doutores,
Pra salvar, se
inda pudessem,
A filha dos seus
amores.
Assim ela pôde
ouvir
Um tão doce
gorgear
Que durou, por
noite fora,
À luz branca
do luar.
Ao outro dia, a
princesa,
Vestida toda de
branco,
Esperou que a
ave canora
Descesse sobre
um barranco.
E, à hora do
sol poente,
Já de novo, o
rouxinol
Encheu o ar de
canções
Rezadas em si
bemol.
Era tão doce o
trinar
E tão suave era
o canto,
Que a
moirinha,
prontamente,
Nas faces
secou seu pranto.
Diferente da
ave
Outra voz ali
se ouvia.
Era doce, era
mais doce,
E docemente
dizia:
“Mulher bela
entre as mais
belas,
“Irmã das
noites de v’rão,
“Se tu
quisesses
moravas
“Aqui no meu
coração...
“Tenho
palácios,
castelos,
“Forrados a
folhas de ouro,
“Mas, p’ra ti, é
tão pequeno,
“Inda assim,
esse tesouro...
“Nada mais
tenho p’ra dar,
“Mas tudo o
que tenho é teu,
“E, se
mandares, eu vou
“À conquista
de outro céu...
“Vem aqui,
mulher amada,
“Té junto do
coração,
“Deixa, p’ra
sempre,
esquecida,
“A iníqua lei
do Corão...
Já ia a lua
mais alto,
Deitando sobre
o castelo
Alvo manto de
luar
Com pér’las do
sete-estrelo.
E Djhaíra
então saiu,
Pisando de leve
o chão,
E ali mesmo se
aninhou
Nos braços do
rei cristão.
Quantos beijos,
quantas juras,
Trocaram nesse
momento.
E entregaram-
se um ao outro,
P’ra sempre,
por juramento.
Mas logo a
noite apagou
As luzes que
tinha acesas,
E não mais eles
se viram
Por aquelas
redondezas.
Passaram-se,
assim, três dias
Sem mais sol e
sem luar,
Três noites
longas que foram
Um constante
clamorar.
Depois... ah!...
não sei dizê-lo...
A lenda fala
por mim:
Houve um
grande terramoto
Que a tudo em
breve pôs fim.
Aonde fora o
castelo
Uma cova
havia agora,
Onde ao fundo
não chegava
Luz do sol a
qualquer hora.
Nunca mais se
soube, então,
Da moira
princesa amada,
Nem do leal
cavaleiro
Que a tinha
por desposada.
El-rei cristão lá
ficara
Soterrado
nessa cova,
Onde uma fera
dormia
Ao chegar da
lua nova.
Fora Allah que
de outros mundos
Ditara a
separação
Entre uma
Infanta da Pérsia
E um valente
rei cristão.
É a lenda
ainda um pouco
Que nos diz o
que depois
Se passou
nesse lugar
Amado dos
rouxinóis.
Mas o sono do
animal
Era um choro
continuado,
Que durou por
muitos séculos
Naquele chão
requeimado.
Só depois então
se viu
Regressar
gente cristã,
Passados tão
longos anos
Sobre tão triste
manhã.
E dizem que
inda se ouvia,
Se a lua nova
chegava,
Lá para os
lados do mar,
O chorar da
fera brava.
Quiseram
então chamar
Àquele sítio um
nome
Que pudesse
inda lembrar
Quem de amor
morreu de fome.
Consultados os
antigos,
Que dos seus
avós ouviram
A lenda que
vos contei,
Por entre si
decidiram:
– ‘Porque a
fera ali passava,
“Fugidia e
absconsa,
‘O lugar terá
por nome
“Sitio da Cova
da Onça.
Pois assim
ficou chamado,
Dos tempos
p’la imensidão,
O lugar onde
se amaram
Moira infanta e
el-rei cristão.
DOIS PORTOS
Uns dizem que
o nome desta
terra do concelho
de Torres Vedras
se deve à
existência de dois
pórticos que dão
acesso a duas
quintas
contíguas, mas
independentes,
pertencentes a
diferentes
proprietários.
Mas esta tese não
reúne
unanimidade. Há
também quem
jure a pés juntos
que é culpa dos
santos, dois por
sinal, que os
camponeses
invocavam em
momentos de
aflição, ou seja,
dois “portos” de
salvação.
ALHADAS
É caso para
dizer que estamos
perante uma
verdadeira
alhada! Como em
tantos outros
topónimos
espalhados por
Portugal fora, não
há consenso
sobre o
aparecimento da
freguesia de
Alhadas no
concelho da
Figueira da Foz.
Os estudiosos
vão beber à fonte
da linguística e
da etimologia,
defendendo que a
palavra deriva do
árabe alheda,
uma conjugação
do verbo hadda,
que nos tempos
da ocupação
mourisca
significaria
“terminal” ou
“limite”.
Todavia, nestas
coisas de nomes,
a voz do povo
também conta (e
muito). Por isso,
existem outras
versões assentes
na tradição oral.
Há quem defenda
que o batismo da
terra fez-se em
memória de uma
antiga aliança
entre esta
povoação e os
coutos de
Maiorca e
Quiaios, a fim de
garantirem uma
defesa mais
eficaz e
organizada contra
as arremetidas
dos árabes,
resultando a
palavra do termo
medieval
“alhadias”, ou
seja “alliadas”
(aliados), em
português antigo,
que por
corrupção
linguística teria
resultado em
“alhadas”,
segundo explica
o site oficial da
freguesia.
CANAL-
CAVEIRA
Canal-Caveira,
no concelho de
Grândola, é –
convenhamos –
um nome bizarro
para uma
localidade mas já
ninguém o
estranha, de tão
familiarizados
que estamos com
a existência e a
dinâmica desta
localidade
plantada à beira
da Estrada
Nacional 259-
IC1.
Quem não se
lembra que antes
da construção da
autoestrada A2,
Canal-Caveira foi
durante largas
décadas um local
de paragem quase
obrigatória para
quem se dirigia
ao Algarve?
Parar em Canal-
Caveira estava
longe de ser mau
agoiro. Pelo
contrário, parar
aqui significava
estar a caminho
das férias e da
diversão.
Graças à sua
excelente
localização, que
abençoou a terra
com a passagem
sistemática de
viajantes, a
restauração
desenvolveu-se
consideravelment
e e ganhou fama
em particular
pela preparação
do tradicional
cozido à
portuguesa,
servido a preceito
nos seus diversos
restaurantes à
beira da estrada.
O que poucos
sabem, mesmo
entre os que lá de
deleitavam com
tais iguarias, é
que Canal-
Caveira chama-
se, na realidade,
Aldeia Nova de
São Lourenço.
A designação
de Canal-Caveira
advém de uma
série de
referências que se
encontraram
naquele território,
que fica entre
duas freguesias
do concelho de
Grândola e local
privilegiado na
ligação Norte/Sul
e Este/Oeste. Por
um lado, a
exploração
mineira, mais
concretamente a
atividade da
Mina de Caveira.
É precisamente
por causa desta
que aqui nasce a
estrada nacional
e, posteriormente,
a linha de
comboio. Com a
estação surge
também pela
primeira vez o
nome: Canal-
Caveira,
exatamente assim
como ainda hoje
está escrito na
parede da
estação, embora a
linha esteja
atualmente
encerrada. Os
comboios
deixaram de lá
parar quando o
interesse pela
produção de
minérios
desapareceu e a
exploração
restante mudou-
se para o Lousal.
Todavia, a
economia de
Canal-Caveira
não esmoreceu,
ao tornar-se um
importante ponto
de abastecimento,
animado pela
restauração, para
quem viajava
pelo país. A
localização
geográfica
ajudou, mas foi a
perícia dos
cozinheiros que
fez o resto, claro.
Para perceber a
história do
famoso cozido à
portuguesa de
Canal-Caveira,
por exemplo, é
preciso recuar
pelo menos até
25 de agosto de
1939 e ir até ao
Monte dos
Padrões. Foi
neste monte que
nasceu José
Trindade Mateus,
o homem que
fundou o
próspero e
afamado
restaurante Canal
Caveira, no final
da década de
1940.
Nessa época, a
estrada nacional e
a linha de
comboio já
existiam, mas
junto ao
apeadeiro só
havia uma
taberna – a de
Manuel
Lagarinho.
A população
era escassa para
sustentar mais
negócios e os
trabalhadores
resumiam-se ao
pessoal ligado ao
caminho de ferro
(um chefe, um
fator e dois
agulheiros) e ao
próprio dono da
taberna.
Mesmo assim,
a mãe de José
Mateus sonhava
montar um
negócio naquele
local, antevendo
o seu crescimento
no futuro.
Convenceu o
marido, que falou
com o
proprietário
daquelas terras,
António Joaquim
da Mata, para lhe
vender um
bocado em avos.
O proprietário
cedeu “510
metros quadrados
por 229$50”,
conforme
recordou José
Trindade Mateus,
numa reportagem
do Diário do
Alentejo,
publicada a 26
agosto de 2018.
Mas só a terra
não bastava e os
tempos eram
difíceis. A mãe
de José deitou
mãos à obra:
arranjou umas
tábuas velhas,
aplainadas por
um vizinho, José
Borges, que até
tinha jeito para os
trabalhos de
carpintaria, e
forrou-as com
papel
plastificado,
daquele que
antigamente se
usava, com flores
e quadradinhos.
O sonho foi
ganhando forma.
“À mercearia
juntámos uma
taberna e em
simultâneo
começaram
outras pessoas a
construir as suas
casas por aqui.
Era tudo uma
pobreza infernal,
desde os meus
pais aos clientes,
pense só que uma
saca de cimento
custava 25$00”,
esclarece José
Mateus.
Foi assim,
graças a este
estabelecimento,
ponto anímico do
lugar, que nasceu
a Aldeia Nova de
São Lourenço,
conhecida como
Canal-Caveira.
O cozido, esse,
ainda vem
depois.
Os pais de José
já tinham por
hábito fazer a
matança do
porco, o que
garantia carne
fresca e saborosa
à taberna, mas foi
quando o filho
assumiu o
negócio e
dinamizou o
menu de petiscos
com novas
iguarias – como o
lombo de porco
na banha e a
carne grelhada e
os enchidos com
pão amassado à
mão – que a casa
prosperou.
O pai afastou-
se da taberna para
se dedicar à
produção de
vinhos, o que fez
que o petisco
também fosse
bem regado. A
fama começou a
crescer e cada
vez apareciam
mais clientes das
redondezas –
Grândola,
Alcácer do Sal,
Ferreira do
Alentejo,
Santiago do
Cacém. Nos anos
1960, já José
trabalhava com
oito fogões ao
mesmo tempo,
para não fazer a
clientela esperar.
Nessa altura,
com uma certa
melhoria das
condições de
vida, também iam
aparecendo cada
vez mais clientes
ao fim de
semana, à
procura do sol e
das temperaturas
amenas da região
sul. Mais uma
vez, José viu ali
uma
oportunidade e
passou a ir a
Grândola de
bicicleta comprar
peixe para fazer
almoços. Em
pouco tempo
passou a ter de
mandar vir 60
quilos de peixe
por semana de
Sines.
Já a criação do
cozido é da
responsabilidade
de um cliente
assíduo, Daniel,
oriundo da
Malveira. Um dia
desafiou a mãe de
José, para lhe
fazer um cozido,
comprometendo-
se a levar-lhe as
carnes.
“A reação foi
boa e como eram
pessoas que
falavam muito e
alto, disseram a
toda a força que
era o melhor
cozido do mundo.
Não imagina a
novidade e a
procura, o
negócio cresceu e
o restaurante na
sua maior fase
chegou a ter mais
de 30
trabalhadores
permanentes”,
recorda José, que
nunca imaginaria
que tal
“brincadeira”
daria a Canal-
Caveira o epíteto
de “capital do
cozido”.
Quando veio a
autoestrada para
o Algarve e a
clientela foi
desviada, notou-
se uma baixa
significativa, mas
aos poucos o
negócio
recuperou. O
caminho até
podia ser mais
rápido, mas
faltava qualquer
coisa. Talvez
fosse o cozido ou
talvez fosse a
hospitalidade de
uma terra cujo
estranho nome
não é sinónimo
de mau agoiro,
muito pelo
contrário…
IMAGINÁRIO
Lisboa teve
direito a um Beco
do Imaginário,
mas por incrível
que pareça, a
palavra
Imaginário
designa mais
duas povoações
no resto do país.
Uma fica em
Mesão Frio, em
Vila Real, e outra
nas Caldas da
Rainha, distrito
de Leiria. E sobre
esta última até é
possível
mergulhar no
tempo para
encontrar a lógica
que a associou a
um dos nomes
mais poéticos do
mapa de
Portugal.
Tudo começa
com a própria
localização
geográfica.
Imaginário é o
ponto mais alto
das Caldas da
Rainha, e dali
avistam-se todas
as localidades das
redondezas, da
Nazaré a São
Martinho do
Porto e até o mar,
que fica a cerca
de dez
quilómetros de
distância. Ora a
partir daqui
adivinha-se a
razão do nome:
deve-se à
fantástica
paisagem que
rodeia a terra e
que remete
claramente para a
ideia de que ali,
qualquer um,
pode dar largas
ao seu
imaginário.
Há cerca de
uma década, o
impacto deste
cenário idílico
adensou-se com a
criação do Jardim
das Artes, que
agora integra o
miradouro. Trata-
se de um espaço
dedicado à arte,
cultura e lazer,
implantado numa
vasta área verde,
com uma lagoa
artificial, onde a
criatividade e a
imaginação são
bem-vindas e
admiradas.
MATACÃES
O nome desta
localidade de
Torres Vedras
leva-nos a recuar
séculos e a ir para
um cenário de
guerra. Quando
chegou a hora de
expulsar os
invasores, o povo
não foi de “de
modas”: “Matem
esses cães,
matem esses
cães!”, conta uma
recolha de
etnográfica de
Ana Sofia Paiva
(2012). E como a
batalha fez correr
rios de sangue,
durante muito
tempo houve
também uma
fonte que era
conhecida como
a “Bica do
Sangue”.
DOURADA
É uma das
localidades mais
conhecidas de
Alvor, no
Algarve, e o seu
nome, segundo
consta, surgiu
logo a seguir ao
grande terramoto,
a 1 de novembro
de 1755. Depois
daquela dança
diabólica que
durante fatídicos
minutos sacudiu
também
violentamente a
costa algarvia,
toda a gente, que
se recolhera em
pânico dentro da
igreja de Alvor,
foi saindo
assustada para se
deparar com o
choque dos
estragos
provocados pelo
tremor.
Em seu redor,
era a desolação
total. Nem uma
casa de pé, ruas
cheias de
escombros,
mortos e feridos
por todo o lado e
até a ermida da
praia
desaparecera,
engolida pela
fúria das águas
agitadas. A terra
tinha sido de tal
maneira
revolvida que as
árvores tinham as
raízes
desnudadas, até
que a dado
momento alguém
notou que junto a
uma oliveira
havia qualquer
coisa que se
contorcia numa
réstia de vida. O
povo aproximou-
se e viu então
que, entre as
raízes, tinha
ficado presa uma
dourada, peixe
assim conhecido
pelos reflexos
dourados das
suas escamas. Por
causa daquela
imagem
perturbadora, no
dia mais longo e
trágico da
história de
Portugal, o sítio
da dourada ficou
assim conhecido
e a designação,
que ilustra bem a
violência da
catástrofe,
mantém-se até
hoje.
CAPÍTUL
O 3.

COM
DIREIT
O
A
“BOLIN
HA”
A
MAL
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ICE É
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QUAS
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QUE

SÃO
FAM
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CAUS
A
DEST
ES
NOM
ES!
∙∙∙
PICHA
Com pouco
mais de 50
habitantes,
distribuídos por
algumas dezenas
de habitações, a
aldeia de Picha,
em Pedrógão
Grande, tem
muito
provavelmente
um dos nomes
mais difíceis de
digerir neste
bizarro mapa de
Portugal.
Não obstante
tal designação,
Picha é um lugar
bonito, onde a
maioria da
população vive
da indústria
florestal. O que
poucos sabem é
que este
topónimo teve
precisamente
origem na
predominância
dessa nobre
atividade
económica, mais
concretamente na
recolha da resina
do pinheiro, a
qual foi durante
vários anos a
principal fonte de
subsistência da
aldeia. Durante
séculos, a cada
pinheiro é
acoplado um
recipiente onde a
resina vai caindo,
gota a gota, e que
normalmente é
fixo no pinheiro
com um prego, e
que dá pelo nome
de… picha!
Ao longo dos
tempos, o
significado
original quase se
perdeu, sobretudo
porque os
próprios
resineiros
começaram a
evitar usar a
palavra, optando
por usar
sinónimos mais
conhecidos e sem
conotação
malandreca,
como púcaro,
vaso ou caneco.
A população da
aldeia é,
atualmente,
bastante
diversificada,
integrando desde
uma geração
mais velha e hoje
maioritariamente
na reforma, a
jovens famílias
naturais da terra
ou que para lá se
mudaram em
busca de
melhores ares e
até mesmo um
cidadão inglês
que resolveu
escolher este
lugar para viver
em sossego e em
comunhão com a
natureza a sua
velhice.
De tantas vezes
serem referidos e
apontados no
mapa, os
pichenses já se
habituaram às
perguntas dos
forasteiros sobre
tão invulgar e
brejeira
toponímia.
Habituaram-se
aos trocadilhos e
às piadas quando
a conversa passa
pela morada, mas
reagem com
sentido de humor.
E até houve quem
o quisesse
perpetuar no seu
próprio negócio.
É o caso de um
certo restaurante
na zona baixa da
aldeia, junto à
estrada nacional
n.º 2, chamado
Café da Picha.
Famoso pelo
nome, mas
também pela
chanfana e pela
simpatia dos
proprietários.
É por lá que se
conta uma
história que
ilustra bem o
efeito que o nome
da terra tem sobre
os forasteiros.
“Um dia houve
aqui um grande
nevão e a estrada
da Picha ficou
intransitável. E
houve um rapaz,
novito até, que
ficou aí preso. E
ligou para a
mulher: Estou?
Estou preso na
Picha. E ela
desligou. E ele
ligou de novo:
Amor, estou na
Picha. E ela
voltou a desligar.
E tive de ser eu a
explicar à
senhora que era
mesmo verdade,
que há uma
localidade
chamada Picha e
que ele estava cá
preso”, contou
Manuel José,
numa reportagem
da Rádio
Observador.
Mas também
houve quem
quisesse trocar a
tabuleta que
indica o desvio
para entrar na
localidade por
outra menos
pecaminosa, mais
concretamente
Nossa Senhora
do Carmo, que é
a Santa Padroeira
da Terra. O
assunto chegou a
andar de mãos
em mãos, para
que fossem
recolhidas as
devidas
assinaturas mas,
afinal, concluiu-
se que os
pichenses gostam
de ser da Picha,
pois, apesar das
piadas, nem
metade assinou o
tal papel! E assim
ficou Picha até
hoje.
PANASCO
Do mapa do
concelho de
Torres Vedras faz
atualmente parte
a aldeia de Nossa
Senhora da
Glória, mas o que
poucos sabem é
que esta nem
sempre se
chamou assim!
Antes, a terra
era conhecida
como
Panasqueiro, por
culpa de uma
erva muito
comum que
cresce na região,
o panasco. Na
verdade, e
segundo rezam os
manuais de
botânica, trata-se
de uma planta
herbácea, muito
comum e de
origem
espontânea no
território
português, que
pertence à família
das gramíneas e
que é muito
apreciada por
pequenos
mamíferos, o que
não foram
atributos
suficientes para
tornar
Panasqueiro um
nome muito
apreciado pelos
moradores.
Segundo
consta, para a
maioria dos que
lá viviam, era
difícil admitir
perante amigos,
familiares ou
colegas de
trabalho que se
tinha vindo do
Panasqueiro. A
revolta popular
não se fez esperar
e, em 1937, por
iniciativa de José
Maria Baltazar –
que promoveu
um abaixo-
assinado para dar
andamento à
mudança – a
terriola foi
rebatizada e
acabaram-se as
piadinhas, as
zangas e as
confusões!
COLO DO
PITO
Fica em
Monteiras, Castro
Daire, no
noroeste da Beira
Alta, e é uma
das pérolas mais
faladas da
toponímia
nacional.
A história da
aldeia de Colo do
Pito, porém, nada
tem de brejeiro
nem se escreveu
com segundas
intenções. Em
boa verdade, o
nome tem origem
no latim: os
romanos que
invadiram e
colonizaram a
Península Ibérica
acharam o lugar
tão belo que lhe
chamaram Colum
Pictum que, em
abono da
verdade, significa
‘colina pintada’.
Só que a língua
foi mudando ao
longo dos
séculos,
adaptando-se
mais à fala do
povo do que aos
requintes
linguísticos, e de
colum pictum a
Colo do Pito foi,
digamos, um
pulinho, que até
aos dias de hoje
dá muito que
falar.
As gentes da
terra – são cerca
de duzentos os
seus habitantes –
não se importam.
“De outra
forma”,
garantem,
“ninguém saberia
que existiam”
algures em
Portugal.
PRAIA DA
RATA
A Praia da Rata
é uma pequena
enseada frente ao
edifício do antigo
hotel Estoril-Sol,
no Monte Estoril,
que, até há
algumas décadas,
era a praia
exclusiva dos
hóspedes.
Ao longo do
tempo, foram
várias as
tentativas para
rebatizá-la como
Praia das Moitas,
mas não pegou. E
a justificação
para as “ratas”
nem parece coisa
digna da linha de
Cascais: deve-se
aos roedores que
por ali
deambulavam em
abundância
devido aos
antigos esgotos
que desaguavam
em pleno areal.
Ao menos,
hoje, o problema
está sanado, pois
a água está limpa
e a praia é aberta
a todos. Ou
melhor, aos que
conhecem a
forma de lá
chegar. Situada
junto ao espaço
pedonal, a meio
caminho entre
Cascais e o
Monte Estoril, a
praia não tem
estacionamento
para automóveis,
sendo apenas
acessível por via
pedonal ou de
bicicleta.
O que ninguém
conseguiu ainda
apagar é a piada
comum entre
veraneantes:
“Vou apanhar sol
na Rata.”.
Mas esta não é
a única Rata
famosa do país.
Lá para os lados
de Aveiro, junto à
localidade de
Eirol, existe o
lugar de Fonte da
Rata e a Ponte da
Rata. Para o
nome da terriola
parece não haver
explicação, mas a
ponte partilha
com Cascais a
invasão de
roedores.
Existem várias
teorias sobre o
nome mas uma
delas diz
precisamente
que, quando
estavam a
projetar a
estrutura, uma
ratazana
atravessou o rio a
nado de um lado
ao outro,
batizando o
projeto.
A edificação
original,
construída para
ligar as
localidades de
Eirol e Almear,
fazia parte da
estrada que
ligava Aveiro a
Águeda. Foi
desativada e
demolida em
2002, dando
lugar a uma nova
ponte, mas
também esta,
curiosamente,
continuou a ser
conhecida por
Ponte da Rata.
VALE DA
RATA
Por conta da
desertificação
que se abateu
sobre o Alentejo,
em Vale da Rata,
lugar do concelho
de Almodôvar, já
quase não resta
ninguém para
contar a história
de tão intrigante e
maroto nome. A
muito custo, um
repórter do jornal
on-line O
Observador, lá
conseguiu achar a
D. Maria,
senhora de
noventa e muitos
anos, sem papas
na língua, que
não se inibiu de
falar das ratas:
“Oh, isso é
muito antigo.
Aquilo era um
vale, não vivia lá
ninguém, não
tinha nada, e
quando as
primeiras
pessoas foram
para lá construir
casas, contava-
se, tinham
problemas com
os ratos, que
atacavam a
comida e as
plantações. E
ficou o Vale da
Rata, contou
Maria, ao portão
de sua casa, a
fazer sombra com
a mão na testa,
de olhos
semicerrados,
que o sol ia
baixando.”
Ela, como o
sobrinho Zé,
nunca tiveram
problemas com o
nome do lugar
onde cresceram,
de onde são
naturais. Mas
outras gerações
sim. “Vou-lhe
contar uma
história: certo
dia o meu neto
foi sair à noite
para Almodôvar
e conheceu uma
moça. E ela
perguntou-lhe de
onde ele era. Ele
respondeu: ‘Sou
do Vale da Rata’.
A moça desatou a
rir e ele, chegado
a casa, muito
envergonhado,
disse para a mãe:
‘Nunca mais digo
a ninguém de
onde sou’.”
Escusado será
dizer que a moça
escapou-lhe e o
idealizado
namorico nem
chegou a
começar. Hoje, é
apenas uma
história que os
moradores
contam, com
algum desdém
até, e pouco ou
nada
incomodados
com os sorrisos e
as piadas que a
placa a indicar o
desvio na estrada
que vai dar a
aldeia costuma
provocar….
BICOS
Não deixe a
imaginação voar
já para onde não
deve… Bicos,
freguesia do
concelho de
Odemira, surgiu
precisamente no
ponto de união de
quatro grandes
herdades. Ora aí
foi erguido um
monte, ao qual se
deu o nome de
Bicos da Ponta,
em alusão ao
encontro de
territórios. Em
redor do monte,
desenvolveu-se a
atual povoação,
elevada a
freguesia em
1988.
ALBERGARIA
DAS CABRAS
Mais um nome
maroto, com uma
explicação
bastante
corriqueira.
Albergaria das
Cabras é uma
localidade da
freguesia de
Nossa Senhora da
Assunção,
concelho de
Arouca, que deve
o seu nome à
obra e graça de
D. Mafalda,
primeira rainha
de Portugal, que
resolveu mandar
ali construir um
albergue para
acolher pessoas
doentes, junto à
atual igreja
matriz. No
entanto, como
existiam outros
abrigos do género
em povoações
vizinhas, os
daquele tempo
não estiveram
com meias
medidas e
aproveitaram o
facto de muitos
dos que ali
moravam se
dedicarem à
criação de
caprinos para
batizar o abrigo
como “o das
cabras”,
simplesmente
pela necessidade
de o distinguirem
dos demais... para
azar de quem,
graças a este
espírito
pragmático, ficou
para sempre com
este nome
inscrito na
certidão de
nascimento.
PEGA
O nome desta
localidade da
freguesia da
Campanhã, Pega,
na cidade do
Porto, advém
muito
provavelmente da
palavra pelagus
que, segundo os
linguistas, serve
para designar
ribeiro, rio ou
riacho. Mas há
contradições.
Outras teorias,
como a que foi
defendida pelo
cónego Arlindo
da Cunha em Os
Tecidos na
Toponímia,
admitem que
Pega vem de
pego, ou seja, a
tarefa de curtir o
linho.
COITO
Uma
visualização
rápida pelo mapa
de Portugal
permite chegar a
uma conclusão
óbvia: este é um
país de coitos.
Coito dá nome
a várias
localidades
espalhadas pelo
território (como,
por exemplo, em
Tomar e em
Alcoutim) e da
palavra formaram
muitas outras
variações: Fonte
de Coito
(também em
Tomar), o Monte
do Coito Grande
(Almodôvar),
Vila Nova de
Coito (Santarém),
Moinhos do
Ribeiro do Coito
e até a povoação
de Nossa Senhora
do Coito (em
Gouveia), o Coito
da Enchacana
(Rosmaninhal).
Mas desengane-
se quem pensa
que a inspiração
veio do desejo
carnal. Coito é na
realidade couto,
que significa
terra ou território
de alguém ou
terra que se
distingue por
uma qualquer
característica
singular (ex.
Couto de Baixo e
Couto de Cima,
ambos no distrito
de Viseu).
O investigador
e arqueólogo
Manuel Sabino
Perestrelo, num
artigo publicado
no jornal O
Interior, sobre a
origem do culto a
Nossa Senhora
do Coito, deixa
bem explícita
esta relação entre
o conceito de
propriedade e a
origem
etimológica da
palavra, que
surge desde os
tempos da
formação do
território
português.
“Na pequena
povoação de
Nabais (concelho
de Gouveia),
localizada em
plena vertente
norte da serra da
Estrela, a
caminho de
Folgosinho,
realiza-se uma
festa na última
semana de maio
em honra de
Nossa Senhora
do Coito.
Curiosamente,
uma capela de
Nabainhos,
freguesia de
Melo, construída
nos séculos XV ou
XVI tem como
padroeira a
Senhora do
Coito. Como se
terá formado este
culto? Qual terá
sido a sua
origem?
Embora se
possa pensar em
explicações
mágico-religiosas
relacionadas com
antigos rituais de
fertilidade, a
origem deste
nome será
meramente
profana. Estará
relacionado com
a existência de
uma propriedade
senhorial com
certos
privilégios. Com
efeito, a aldeia de
Nabais seria, na
Idade Média, um
couto, ou seja,
uma terra imune
pertencente a um
fidalgo. E o
maior fidalgo da
região na Idade
Média era o
senhor de Melo,
uma povoação
vizinha de
Nabais, terra de
Vergílio Ferreira.
No século XIII, em
pleno reinado de
D. Afonso II, a
povoação foi
doada ao homem
que viria a
fundar a casa
nobre de Melo, o
cavaleiro D.
Mem Soares de
Melo. Junto à
povoação
edificou o seu
paço cujas ruínas
ainda podem ser
vistas na encosta
da serra.
As cartas de
couto eram
concedidas pelos
reis aos membros
da nobreza, aos
mosteiros ou às
igrejas. O
proprietário de
uma terra
coutada podia
exercer o
domínio pleno
sobre o terreno e
sobre os homens
relativo à justiça,
à cobrança de
impostos entre
outros. As cartas
de couto foram
muito frequentes
entre os séculos
XI e XIII e os
funcionários
reais estavam
proibidos de
entrar nessas
terras, os
moradores
estavam isentos
do servir no
exército real ou
de pagar
qualquer multa
ao fisco real.
Em geral, um
couto
correspondia à
área de uma
paróquia como
parece ter sido o
caso de Nabais.
A tradição oral
popular terá
identificado o
nome da senhora
da paróquia com
a natureza
jurídica da terra
onde se invocava
a senhora. A
palavra com
origem na
palavra latina
cautum
(guardado,
garantido)
passou para o
português como
couto, coto ou
coito. Muitos
outros coitos
foram semeados
pela Beira
Interior. Por
exemplo, na
freguesia do
Salgueiro,
concelho do
Fundão,
encontramos o
Coito de Cima e
o Coito de Baixo.
Nas
proximidades da
Guarda, em
Santana da
Azinha, outra
propriedade
aparece
designada como
Coito.
Voltando ao
coito de Nabais,
a história da
aldeia não se
esgota no coito
medieval. Os
sinais presentes
em muitas casas
da zona antiga
assinalam a forte
presença judaica
e cristã-nova
nesta povoação
serrana desde
tempos muito
recuados. As
inúmeras cruzes
gravadas nas
pedras de
entrada das
habitações
assinalam que ali
havia cristãos e
não marranos
(….).”
Tendo em
conta esta
explicação, não
há nada que
enganar: o Monte
do Coito Grande
inseria-se em
tempos numa
grande
propriedade rural,
enquanto Fonte
do Coito era,
claro está, a
nascente de uma
grande quinta
tomarense onde
antigamente se ia
buscar água para
matar a sede!
PORCA
Perto de Ponte
de Lima, no lugar
da Porca, há
quem não se
conforme com o
nome da terra que
lhe coube em
sorte. Tanto que,
quem precisa de
encontrar a terra,
costuma deparar-
se com
dificuldades: uns
dizem ser “mais
acima”, outros
garantem que fica
“mais abaixo”,
mas certo e
sabido é que
ninguém quer ser
da Porca.
Esforços
redobrados e lá se
encontrou alguém
disposto a dar
uma digna
explicação: “A
minha avó
contava-me que
era uma mulher
muito porca que
aqui vivia, que
não lavava a
roupa ou que não
se lavava ela,
não sei. Já não
era do tempo da
minha avó sequer
– e ela já morreu
há 30 anos. Mas
a história que eu
sei é essa. Eu
tenho três tias-
avós, todas com
os seus 90 anos,
que vivem numa
daquelas
primeiras
casinhas à
entrada da
Porca. É a
segunda à
direita, mesmo na
curva. Batam lá à
porta que elas lhe
contam esta
história melhor
do que eu”,
sugeriu a
interlocutora aos
repórteres do site
O Observador.
ANAIS
Desengane-se
quem pensa que
houve malícia na
escolha do
topónimo de
Anais para
batizar uma
freguesia do
concelho de
Ponte de Lima.
Muito pelo
contrário: esta
terra é santa!
Tal como em
muitas outras de
Portugal, o nome
deriva da sua
padroeira, Santa
Marinha de
Anais. Nas
inquirições
(registos
administrativos)
no reinado de D.
Dinis, em 1290,
encontra-se a
primeira
referência à
existência da
localidade de
Santa Maria de
Asnães, na altura
integrada na
chamada Terra de
Penela.
ANCAS
Ancas existe
desde o século
XII, altura em que
D. Afonso
Henriques terá
doado este
espaço – na
altura, uma
propriedade – a
D. Marinha
Soares.
Mas nada na
história oficial
indica que esta
senhora fosse
dona de uma
silhueta
impactante! Na
verdade, o nome
desta localidade
de Anadia,
conhecida pela
sua corrida anual
de burros em
agosto, terá
resultado de uma
evolução natural
da grafia ao
longo de quase
900 anos – de
Enchas passou a
Encas, chegando
nos últimos
séculos a Ancas.
PAU GORDO
Mais um nome
que não lembra
ao diabo: Pau
Gordo. E nem
sequer é uma
aldeia perdida no
interior, mas com
uma localidade
do concelho de
Cascais.
Segundo quem
lá mora, os
comentários e as
piadas são
frequentes, bem
como as
confusões: de
quem não fixa o
nome da terra à
primeira, ouvem-
se enganos ainda
mais
interessantes:
“pau grosso”,
“pau feito” e
outras variações
pecaminosas,
segundo uma
reportagem do
jornal I,
publicada a 25 de
janeiro de 2017 e
assinada por
Joana Marques
Alves. Mas
segundo o livro
Toponímia do
Concelho de
Cascais não há
nada de lascivo
por estas
paragens, bem
pelo contrário: o
nome faz alusão à
vegetação,
concretamente a
um pinheiro
especialmente
corpulento que
existiu na terra
noutros tempos.
CHIQUEIRO
Entre as
belíssimas e
tradicionais
aldeias de xisto,
existe pelo menos
uma que se
distingue pelo
nome caricato.
Trata-se de
Chiqueiro, que
nos anos 1940
chegou a ter 45
habitantes dos
quais agora
restam apenas
dois, um casal, na
única casa ainda
habitada da
aldeia. A razão
de ser do nome
também é fácil de
contar: a criação
e a matança de
porcos era a
principal fonte de
subsistência do
lugar, por isso,
quem o batizou
não foi mais
longe… e
chiqueiro a aldeia
ficou!
BECO DO
OLHO DO CU
Beco do Olho
do Cu. Custa a
acreditar que
exista mesmo um
sítio com tal
nome, que mais
parece um insulto
ou uma piada de
mau gosto, mas o
lugar de
Nespereira da
Beira Alta, em
Gouveia, desafia
todas essas
probabilidades.
Não se sabe
que demónio
tomou conta da
alminha que
escolheu este
nome para uma
rua onde mora
gente (mas
provavelmente
será algum
inimigo!) mas há
algumas décadas,
quando mudou o
presidente da
junta, e todo o
restante
executivo,
considerou-se
que o nome Beco
do Olho do Cu
não dignificava a
terra e numa das
reuniões da nova
assembleia
decidiu-se retirar
a palavra cu,
passando a rua a
designar-se
apenas Beco do
Olho.
Curiosamente, a
decisão não
chegou a bom
porto e, desta
vez, por causa da
iniciativa
popular.
Colocou-se por
cima da velha
placa uma
novinha em
folha, com o
nome
reformulado pela
sensatez. Passado
uns dias, durante
a noite, uns
mariolas
resolveram
desenterrar o cu,
que as
autoridades
tornaram a tapar
mas que acabou
novamente
destapado. Após
meses de tapa e
destapa, venceu a
guerrilha e, hoje,
lá continua a
existir, em
Gouveia, um
Beco do Olho do
Cu. Mas não é
caso único no
país…
BETESGA DO
OLHO
Uma pequena
viela de Chaves
quase tira a
exclusividade ao
brejeiro beco de
Gouveia. Na
verdade, durante
muitas e longas
décadas, os
flavienses
trataram-na como
Rua do Olho do
Cu, apesar de a
toponímia oficial
a anunciar
somente como
Betesga do Olho.
Mas a razão é
simples, segundo
a Toponímia
Flaviense, de
Firmino Aires. O
livro desvenda
que dantes
“existia ali uma
taberna
conhecida como
Taberna do Olho
do Cu, que
costumava ter
sempre vinho
apreciado pelos
bebedores. Era
propriedade de
Artur Rogério
Freire, onde
vendia o bom
vinho da sua
quinta do
Pedrete, em
Casas-dos-
Montes. Deu-se o
citado nome
como lembrança
para os
vindouros
daquela patusca
taberna, lá
existente”. Pelo
menos neste caso
não restam
dúvidas sobre os
efeitos de uns
copitos a mais na
sui-generis (e
nem sempre
ilustre!)
toponímia de
Portugal.
CAPÍTUL
O 4.

OS
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MAÇÃS DE
DONA MARIA
Entre os
séculos XII e XIII,

o território de
Maçãs de Dona
Maria, concelho
Alvaiázere, era
pertença de D.
Maria Pais
Ribeiro, amante
de D. Sancho I de
Portugal. Um
affair que era do
conhecimento de
todo o reino e
que terá até tido
grande influência
nos destinos de
Portugal.
“Ribeirinha” –
como era
conhecida na
corte – terá tido
seis filhos do rei
e era, segundo
relatam os
historiadores, a
sua amante
“favorita”, pela
sua “inigualável
beleza, espírito
audaz e
inteligência”.
Embevecido, o
monarca doou-
lhe uma
gigantesca
propriedade, rica
em vinha e
pomares, como
reconhecimento
do seu afeto e
lealdade. Essa
propriedade onde
“Ribeirinha”
recebia Sua
Alteza e onde
criou os filhos era
precisamente
Maçãs de Dona
Maria.
Mas quem era
afinal D. Maria
Pais Ribeiro?
Sabe-se que terá
nascido por volta
de 1189 e
falecido depois
de 1245. Era de
sangue azul, filha
de D. Urraca
Nunes de
Bragança e de
Paio Moniz de
Ribeira e
Cabreira, primo e
alferes-mor de D.
Sancho I e um
dos seus homens
de maior
confiança.
“Ribeirinha” era,
por isso, muito
respeitada na
corte.
Ainda em vida,
nas Cortes de
Lamego de 1208,
o rei doou-lhe
não só Maçãs de
Dona Maria,
como também
herdades em Vila
do Conde,
Quintela,
Touguinha e
Formariz, dando-
lhe assim o título
de Senhora de
Vila do Conde e
fazendo dela uma
figura ilustre da
História de
Portugal.
JERUSALÉM
DO ROMEU
No concelho de
Mirandela,
encontramos uma
das
denominações
mais poéticas do
mapa do país. A
aldeia de
Jerusalém do
Romeu, que terá
o seu nome para
sempre ligado a
uma família da
burguesia,
verdadeiros
benfeitores, cujo
percurso e
generosidade é
inseparável da
história da
freguesia.
Tudo começou
há mais de um
século. De
passagem pela
região, Clemente
Menéres, um
grande
negociante
agrícola nos
ramos da
produção
vitivinícola e da
cortiça,
apaixonou-se
pela luz, os
riachos e as
colinas floridas
que formavam a
paisagem.
Oriundo da vila
da Feira,
Clemente
Menéres
ambicionava
expandir o
comércio e a
vertente da
exportação de
vinhos e cortiças
para o norte da
Europa e para o
Brasil. Chegou a
Romeu em 1874
com a intenção
de adquirir uma
propriedade que
lhe assegurasse a
contínua
produção de
sobreiros.
Conseguiu os
seus intentos e
assim nasceu a
Quinta do
Romeu, onde
refez vinhas e
alargou os olivais
existentes. À
quinta seguir-se-
ia a fundação da
Sociedade
Clemente
Menéres, Lda.,
dedicada à
produção de
vinhos e
exportação de
cortiça, unidade
que
continuamente
foi crescendo ao
longo do tempo.
Tornou-se
rapidamente no
maior
empregador da
região. Atento às
necessidades da
população local,
o negociante
construiu uma
escola primária,
assegurando do
seu próprio bolso
os salários dos
professores.
Também a
passagem dos
caminhos de
ferro pela aldeia
– o comboio
chegou a Romeu
em Agosto de
1905 – ficou a
dever-se ao seu
poder de
influência junto
das autoridades e
poderes públicos
do norte do país,
os quais
conseguiu
convencer da
importância do
apeadeiro para o
desenvolvimento
económico do
setor e da região.
Mas a história
deste
enamoramento
pela terra perdura
há mais de 130
anos,
prevalecendo
após a morte de
Clemente
Menéres e
perpetuando-se
através de cinco
gerações.
O seu filho
José deu
continuidade à
sua missão,
fundando a
Cooperativa Por
Bem (que
abastecia os
habitantes locais
com produtos de
mercearia e
primeira
necessidade) e
uma Casa do
Povo com
consultório
médico, farmácia
e biblioteca, onde
mais tarde
também se criou
um grupo de
teatro e onde se
começaram a
passar filmes.
A José
Menéres sucedeu
o seu irmão,
Manuel,
responsável por
uma melhoria
significativa de
condições de vida
das populações
de Vale de
Couço, Vila
Verdinho e
Romeu e que
ainda hoje é
recordado com
profundo carinho
pelas gentes da
terra.
Manuel
Menéres criou
uma creche, um
jardim-de-
infância,
recuperou a
antiga estalagem
Maria Rita (onde
o seu pai
costumava ficar
instalado antes de
se mudar
definitivamente
para aquele
lugar),
transformando-a
num restaurante
que ainda hoje é
uma referência na
região e até
fundou o Museu
de Curiosidades,
uma das atrações
turísticas da terra
e ponto de
paragem
obrigatório.
Recheado com
objetos antigos
recolhidos por
elementos da
família Menéres,
o espaço permite
conhecer antigos
documentos deste
núcleo, bem
como carros,
aparelhos de
música e cinema,
roupas, máquinas
fotográficas,
relógios e
máquinas de
costura, entre
outros.
Além do
legado dos
Menéres, o
peculiar nome da
atual freguesia de
Jerusalém do
Romeu (que
atualmente
integra as aldeias
de Vimieiro e
Vale de Couço),
deve-se ainda à
junção do nome
da quinta da
família Menéres
com a designação
da Ordem do
Hospital de São
João de
Jerusalém, mais
tarde conhecida
como Ordem de
Malta, que ali
teria uma
dependência na
época medieval.
Muito do
antigo edificado
do convento já
desapareceu, mas
resta ainda o
santuário
dedicado a Nossa
Senhora de
Jerusalém,
supostamente
construído “a
pedido de uma
pastora, a quem a
Santa apareceu”.
Trata-se de um
belo templo,
rodeado por um
lago e paisagens
soberbas, que
pode ser visitado.
Quanto à
família Menéres,
continua a viver
em Jerusalém do
Romeu, sendo o
negócio do clã
atualmente gerido
por João
Menéres, neto de
Manuel. Na
Quinta do Romeu
continuam a
extrair cortiça,
além de
produzirem azeite
e vinho (com selo
de Agricultura
Biológica
Certificada), e
detêm o
restaurante Maria
Rita, mas o
objetivo é levar o
nome do Romeu
pelo mundo fora,
através da
exportação.
A fama,
principalmente
do vinho e do
azeite, deve-se à
utilização de
fruta própria
cultivada nas
suas propriedades
e ao seu trabalho
em acompanhar
de perto a
produção. Numa
entrevista dada
recentemente a
um blogue de
viagens
(lagos.wasthere.
wordpress.com),
João Menéres
explicava que
parte do sucesso
e longevidade do
projeto se deve a
“uma relação de
‘interdependência
’ entre a Quinta
do Romeu e os
seus
trabalhadores,
que formam uma
equipa única, e o
resultado são os
seus produtos de
excelência”.
Os tais
produtos da
Quinta do Romeu
podem ser
encontrados
também em
Portugal, mais
concretamente
em algumas
mercearias
históricas junto
do mercado do
Bolhão, no Porto,
como é o caso da
Comer e Chorar
por Mais, Casa
Chinesa e
Mercearia do
Bolhão. Na sua
diáspora pelo
mundo, os
produtos de
Jerusalém do
Romeu já
chegaram ao
Japão e aos
Estados Unidos.
MANIQUE DO
INTENDENTE
Manique do
Intendente, na
Azambuja, é a
terra que acolheu
uma das mais
ilustres figuras da
sociedade
portuguesa do
século XVIII, o
magistrado e
intendente Diogo
Inácio de Pina
Manique, e que
dele, obviamente,
herdou o nome.
Manique é, na
verdade, uma
palavra de
origem
germânica, ou
melhor, um
aportuguesament
o de Meineken –
sobrenome
herdado do avô
paterno do
Intendente, que
era de
ascendência
alemã. Intendente
veio, obviamente,
do cargo que
ocupava e graças
ao qual se
destacou na
História de
Portugal.
Diogo Inácio
de Pina Manique
nasceu em
Lisboa, em
outubro de 1733.
Por altura do seu
nascimento, os
pais viviam
humildemente no
Beco do
Carrasco, perto
da Sé de Lisboa e
da antiga cadeia
do Limoeiro, mas
como tinham
algumas
poupanças
guardadas,
enviaram-no para
Coimbra, onde se
formou em Leis
pela
Universidade.
Ocupou
diversos cargos
sempre ligados à
justiça, antes de
ser designado
Intendente-Geral
da Polícia. Foi
juiz,
desembargador
da Relação do
Porto (1768),
desembargador
dos Agravos da
Casa da
Suplicação
(1771),
superintendente-
geral de
Contrabandos e
Descaminhos dos
Reais Direitos
(1775), contador,
da Fazenda
(1776),
desembargador
do Paço (1786),
provedor dos
feitos das
alfândegas do
Reino (1781) e
chanceler-mor do
reino (1803).
Homem da
confiança do
Marquês de
Pombal, só após
a morte deste foi
nomeado
Intendente-Geral
da Polícia da
Corte (1780), o
que lhe dava
estatuto de
ministro, no
reinado de D.
Maria I.
Em 1781,
fundou a Cada
Pia de Lisboa,
que deu os
primeiros passos
no Castelo de São
Jorge. Na época,
a instituição
recolhia ladrões,
prostitutas,
proxenetas,
mendigos e
meninos de rua.
Aqui, juntamente
com as melhores
figuras culturais
da época, criou
uma via de
ensino e
ocupação para
que os
delinquentes
tivessem
trabalho,
dignidade e
futuro.
Pina Manique
era um homem à
frente do seu
tempo. Numa
lógica de impedir
o crime antes de
o reprimir,
inspirada em
Rosseau, acabou
por ser pioneiro
no conceito da
reintegração
social e da
promoção da
educação como
vias para uma
sociedade mais
pacífica e justa.
A fundação da
Casa Pia é
representativa
disso mesmo:
tirar as crianças –
maioritariamente
órfãos em
consequência do
grande terramoto
– das ruas da
Lisboa para delas
fazer homens
úteis ao país.
Pina Manique
foi pioneiro em
muitas outras
áreas da justiça.
A ele se deve a
criação da
Guarda Real de
Polícia (1801), a
introdução do
primeiro sistema
de iluminação de
Lisboa, assim
como os
primeiros planos
para a construção
de cemitérios
(uma ideia
inovadora no
dealbar do século
XIX, mas que,
infelizmente, só
foi atendida
muito mais
tarde), além de
ter participado
ativamente na
fundação do
Teatro Nacional
de São Carlos.
Apesar do
brilhantismo do
seu pensamento,
porém, nem tudo
correu de feição.
Depois de acesas
desavenças com
João Lannes,
embaixador
francês em
Portugal, foi
vergonhosamente
demitido do
cargo a pedido de
Napoleão
Bonaparte e,
pouco depois,
morto num
atentado
precisamente a
caminho da sua
vila de Manique
do Intendente, no
concelho da
Azambuja. Tinha
71 anos e,
certamente, mais
ideias para deixar
em legado. Está
sepultado num
jazigo
subterrâneo de
família, em
Lisboa, no
Convento de
Nossa Senhora da
Penha de França.
ANGÚSTIAS
Com um nome
destes, só se
consegue
imaginar um
longo rol de
mágoas
profundas por
trás do nome
desta localidade
da freguesia de
Padornelo, em
Paredes de
Coura, mas, na
realidade, trata-se
de um
hagiotopónimo,
ou seja, um
topónimo com
origem em nomes
de santos.
Neste caso em
particular, por
profunda devoção
do filantropo José
Narciso
Monteiro, um
filho da terra mas
homem culto e
viajado, que
erigiu naquele
lugar a Capela de
Nossa Senhora
das Angústias, de
quem era
particularmente
devoto, no ano
1912.
Os motivos que
lhe deram origem
são também
dignos de ser
contados. Antes
da atual capela,
existiu noutro
local da mesma
freguesia uma
outra ermida
integrada na Casa
de Senrelas,
propriedade da
família Pereira
Varajão, que
infelizmente foi
devastada por um
grande incêndio
na primeira
metade do século
XIX.

Pouco ou nada
se salvou da fúria
das chamas, a
não ser a imagem
sagrada da santa,
que por volta do
ano de 1881 foi
comprada por
José Narciso
Monteiro, que a
levou para o
Brasil, onde
mantinha
negócios. Terá
sido, aliás, em
Terras de Vera
Cruz que foi
crescendo a sua
devoção. E foi
por lá que
prometeu à santa
que, no dia em
que voltasse à
terra, mandaria
erguer uma
capelinha em sua
homenagem.
Retornou
definitivamente a
Paredes de Coura
em 1903 e,
poucos anos
volvidos, tratou
de cumprir a
promessa. Em
1906 adquiriu um
amplo terreno
com o objetivo de
aí instalar a
ermida. A 31 de
janeiro de 1907
entregou nos
serviços
competentes da
Câmara
Municipal de
Paredes de Coura
um pedido de
licença para ali
edificar
legalmente a
Capela de Nossa
Senhora das
Angústias.
Por motivos
desconhecidos,
retirou pouco
depois o pedido,
mas não
abandonou os
seus intentos…
muito menos
desistiu da sua fé!
Em 1911,
retomou
novamente o
projeto, agora
mais
consubstanciado,
voltando a pedir
autorização para
a construção
“num terreno
improdutivo, que
ficava à margem
esquerda da
estrada que segue
para Insalde,
entre a estrada e a
levada da Chã da
Várzea, em
Padornelo”,
conforme se lê
numa petição
entregue pelo
próprio à
edilidade e
datada de 20 de
abril de 1911.
Nesse mesmo
ano, a 11 de
maio, José
Narciso Monteiro
é recebido pelos
representantes da
câmara, que
aprovam por
unanimidade o
projeto.
Oficialmente, o
monumento é
inaugurado a 7 de
julho de 1912,
com a bênção de
D. Manuel Vieira
de Matos,
arcebispo primaz
de Braga.
O culto a
Nossa Senhora
das Angústias foi
conhecendo
expressiva
expansão na
região de Paredes
de Coura, o que
curiosamente
também se
refletiu na
toponímia.
Alguns decénios
depois, verificou-
se que muitos dos
lugarejos em
redor, como
Portelas e Curro,
perderam a sua
original
denominação (de
modo progressivo
mas espontâneo),
para adotarem a
denominação de
Angústias.
Resta apenas
acrescentar que
José Narciso
Monteiro é ainda
hoje recordado
em Paredes de
Coura não só
como um homem
de fé, mas
também como
um ser
extremamente
“bondoso e
humanista” que,
segundo o blogue
Padronelo, soube
“partilhar com a
comunidade as
graças e a fortuna
que conseguiu
conquistar ao
longo da vida”.
A-DO-CAVALO
Esta freguesia
de Moreira de
Rei, no concelho
de Trancoso deve
o nome, imagine-
se, a uma mulher!
Consta que
seria a donatária
de uma antiga
quinta medieval,
a partir da qual se
desenvolveu
depois a
povoação, que
costumava
passear pela
região no dorso
de um cavalo.
Claramente
respeitada pelos
demais, reza a
história que o
pároco de
Moreira de Rei
não iniciava a
missa sem a
presença da
devota senhora,
que os outros
fiéis
identificavam
como “a do
cavalo”,
expressão pela
qual ficou
também
conhecida a sua
quinta e,
posteriormente, a
povoação.
PAZ E
ACHADA
Reza a história
que um dia a
rainha D.
Mariana de
Áustria fugiu do
Convento de
Mafra, onde vivia
e, quando o rei D.
João V deu por
isso, foi logo
procurá-la. Sua
majestade
procurou,
procurou até que
a achou, não
muito longe dali.
Então disse:
– Aqui achei a
minha rainha!
Por isso, por
decreto, esta terra
vai passar a
chamar-se
Achada!
Depois, quis
levar Sua Alteza
de volta a casa,
tarefa que não se
adivinhava fácil.
Durante todo o
caminho foram a
discutir os males
do seu enlace!
Mas num
determinado local
lá fizeram as
pazes. Então, o
rei disse:
– Aqui fiz as
pazes com a
minha mulher.
Pois esta terra vai
passar a chamar-
se Paz. E foi
assim de uma
assentada – e
graças a um
“real” conflito
conjugal – que
nasceram as
localidades de
Paz e Achada, no
concelho de
Mafra.
CAPÍTUL
O 5.

ASSIM
REZA
A
LENDA
LINDA-A-
PASTORA,
LINDA-A-
VELHA
E CRUZ
QUEBRADA
Linda-a-
Pastora, Linda-a-
Velha e Cruz
Quebrada são três
localidades
vizinhas do
concelho de
Oeiras, situadas
entre as
freguesias de
Algés e de
Carnaxide e
Queijas, e com
nomes que
curiosamente (e
caso único em
Portugal)
partilham a
mesma origem,
concretamente
numa
antiquíssima
lenda que reporta
aos tempos em
que o progresso
estava bem longe
e que apenas
montes
verdejantes e
pequenas quintas
circundavam os
arrabaldes da
cidade de Lisboa.
Conta essa
mesma lenda
perpassada
através dos
séculos que, em
tempos remotos,
um dos fidalgos
mais queridos do
reino, pela
nobreza da sua
linhagem e autor
de grandes feitos
na guerra, veio
instalar-se a
convite do rei
nestas bandas.
Era ainda muito
jovem, mas
rapidamente se
tornou num
senhor feudal de
grande prestígio,
dono de terras a
perder de vista,
com as quais
tinha sido
contemplado pela
graça régia.
Longe das
gloriosas batalhas
de África, a vida
naquele recanto à
beira-mar
plantado não lhe
trazia grandes
emoções.
Entretinha-se a
cavalgar pelos
montes e vales,
acompanhando a
labuta dos
campos e em
caçadas com
alguns dos seus
cavaleiros ou
outros nobres da
região. Um dia,
no meio de uma
dessas
perseguições,
afastou-se um
pouco do grupo e
acabou por
deparar-se com
uma moça muito
bonita e serena,
com longos
cabelos lisos e os
olhos muito
azuis, que
pastava um
pequeno rebanho.
O jovem fidalgo
tinha muita
experiência com
a espada, mas
pouca com o
coração e logo ali
se quedou de
amores pela
pastora, não
conseguindo
resistir aos
encantos com que
a natureza,
generosa, a tinha
dotado.
Indiferente aos
preconceitos
ligados à sua
condição de
nobre, voltou
logo no dia
seguinte para a
namorar e, pouco
depois, numa
capelinha do
sítio, jurava-lhe
amor eterno e
unia-se o seu
destino ao da
jovem pastora
para todo o
sempre.
Os dias
passaram-se,
felizes, até que
um dia a jovem
esposa anunciou
ao fidalgo,
timidamente, que
iria ser mãe. Sete
meses decorridos
após o
casamento,
nascia no solar
dos nobres uma
encantadora
menina mas,
longe de vir
trazer mais
alegria ao lar,
trouxe mágoas e
desilusão, porque
o fidalgo, pouco
dado a livros e
totalmente
desconhecedor da
possível variação
do ritmo da
gestação, viu no
parto prematuro
um sinal da
infame traição de
sua esposa!
Passou
sucessivas noites
a magicar e a
remoer, e no
meio de mais
uma tortuosa
vigília resolveu
arrumar as joias e
as espadas, armar
o seu cavalo
preferido, e
partir, com o
objetivo de ir
esconder-se bem
longe do olhar de
todos e para
sempre deixar
para trás a
presumida
desonra. Não
disse adeus a
ninguém. De
cabeça perdida,
rumou ao porto, e
uns dias depois
embarcou a
bordo de uma
caravela com
destino incerto,
mas que
orgulhosamente
se balouçava nas
águas do Tejo.
Nesse momento,
pela primeira vez
no seu curto
tempo de vida, o
fidalgo chorou e
deixou que as
lágrimas se
fundissem com as
do rio.
Cheio de
mágoa,
embarcou, não
sem antes ter
deixado uma
tosca cruz
cravada na areia
da praia, em
memória do seu
infortúnio e ter
olhado uma
última vez para
as terras onde,
um dia tinha sido
feliz e acreditado
no amor. Quando
as velas de
desfraldaram ao
vento e o barco
cortou a barra,
não mais olhou
para trás,
desejando apenas
chegar a uma
qualquer outra
terra onde
pudesse, no meio
do frenesim da
guerra e da luta
pela
sobrevivência
perante o
inimigo, esquecer
o seu desgosto.
Assim que
desembarcou em
terras estranhas e
exóticas, não foi
difícil arranjar
um lugar
prestigiado num
dos exércitos
dessas cortes.
Não lhe
interessava por
quem lutava,
apenas não
suportava
entregar os seus
dias ao silêncio.
Depressa o seu
valor como
guerreiro hábil,
exímio e
destemido e as
suas nobres
qualidades de
carácter,
cativaram a
atenção do rei
dessas terras
longínquas, que o
colocou ao seu
serviço como
conselheiro e
confidente.
Acontece que o
rei que servia era
praticamente um
jovem da sua
idade. Mandava a
tradição que
buscasse esposa
para assegurar
descendência e
não tardou muito
a eleger uma
nobre candidata.
O fidalgo ficou
então
encarregado de
vigiar os
preparativos e
assegurar a paz e
a tranquilidade
aos esponsais,
tarefa que
assegurou com
grande empenho
e dedicação, o
que reforçou
ainda mais o seu
papel na corte
estrangeira.
O destino
estava prestes a
dar uma terna e
suave lição ao
nobre português.
Volvidos sete
meses do
casamento, a
exótica rainha
presenteava o seu
amado esposo
com um formoso
bebé, o que veio
encher de
surpresa o
fidalgo, mas
também
devolver-lhe a
amargura. Correu
até a vários
físicos da corte a
perguntar-lhes se
havia razão
natural para tal
fenómeno, pois
não via o rei nada
chateado e em
poucas palavras
os entendidos
esclareceram-lhe
todas as dúvidas.
O fidalgo ficou
envergonhado.
Compreendeu
imediatamente o
seu fatal erro, e a
grande
desconsideração
que tinha
mostrado para
com aquela que
tanto o havia
amado. O seu
coração apertou-
se de dor. Sabia-a
desprovida de
recursos, e
imaginava-a
agora coberta de
miséria,
abandonada pelo
marido com uma
criança inocente
nos braços, que
agora crescia sem
pai…
Resolveu então
voltar a Portugal
assim que o
primeiro barco
partisse daquele
porto remoto.
Sabia que
demoraria muitas
semanas, meses
até, e por isso não
havia tempo a
perder. Da
mesma forma
obsessiva com
que deixou tudo
para trás, nada
mais agora lhe
importava a não
ser regressar e
procurar a esposa
para lhe pedir
perdão pela falta
cometida. Uma
falta tão ou mais
grave que uma
traição!
Com este
pensamento
sempre a
martelar-lhe a
mente passou
tortuosos dias em
alto-mar, até
finalmente chegar
ao seu solar, que
agora se quedava
abandonado e
espectral no meio
da paisagem,
como se também
ele tivesse sido
alvo de uma
terrível maldição.
Ao chegar a
casa, o fidalgo já
não corria… bem
pelo contrário.
Caminhava
lentamente
passando pelos
restos das
recordações
felizes mas
almejando o
momento em que
poderia abraçar
de novo a bela
camponesa, por
quem tanto havia
já sofrido.
Nesta tormenta,
deparou-se ao
longe com uma
encantadora
criança, uma
menina duns 7
para 8 anos, que
descuidada e
alegremente
cantarolava e
pastoreava um
pequenino
rebanho.
O fidalgo nem
pensou duas
vezes e largou a
correr monte
abaixo.
Interpelando a
rapariga,
perguntou-lhe:
– Linda
pastorinha, sabeis
por acaso dizer-
me onde poderei
encontrar algures
por estas bandas
uma mulher que
tendo sido casada
com um dos
maiores fidalgos
destes reinos foi
por ele
tristemente
abandonada?
– Claro que sei,
meu senhor! –
retorquiu toda
desembaraçada a
pequenina.
– Vinde agora
comigo, que vos
levo ao seu
encontro. Essa
mulher, coitada,
leva a vida a
chorar o seu
azar… é a minha
mãe, e mora
além, naquele
casal, com a
minha avó!...
As palavras da
criança, como
facilmente se
imagina, caíram
como um raio
sobre o fidalgo.
Não abriu mais a
boca e seguiu a
sua filha,
galgando a seara
em passada
largas…
Chegado ao
local indicado, a
menina
encaminhou-o na
direção de um
velho casebre, a
limpeza e a
arrumação
indicavam que ali
vivia gente
cuidadosa mas
muito humilde. A
miséria saltava à
vista. Junto à
porta assomou
então uma
mulher ainda
nova, de uma
formosura natural
evidente, mas de
cabelos grisalhos,
mãos grossas e
calejadas e os
olhos vincados
por muitas
lágrimas e
profundos
desgostos.
Apesar do tempo
e da distância, o
fidalgo
reconheceu de
imediato a sua
mulher.
Com um ar
alucinado caiu-
lhe aos pés,
exclamando:
– Linda velha!
Perdoa o meu
grande erro e a
minha estupidez.
Perdoa-me e vem
comigo reatar os
laços do nosso
amor!
Mas ao
contrário do que
seria de esperar, a
mulher não
parecia nada
surpreendida por
o ver ali. Poderia
dizer-se até que
sabia que um dia,
mais cedo ou
mais tarde,
aquele reencontro
iria acontecer.
– Não! –
exclamou a
mulher furiosa.
Tiveste a
crueldade de pôr
em causa a minha
honestidade e que
essa tua terrível e
imperdoável
arrogância
apregoaste
perante todos a
minha
infidelidade,
desprezaste a tua
filha que teve de
crescer sozinha,
na miséria, sem
pai. Tu que nos
desgraçaste…
jamais poderás
voltar a ser o meu
leal
companheiro!...
Como tens o
desplante de
voltar e achar
que… está tudo
bem? Vai-te
embora! Não
quero saber nada
daquele que tanto
me magoou e que
desgraçou a única
coisa que nós, os
pobres,
possuímos: a
honra!
O fidalgo não
esperava aquela
robustez de
carácter. As
palavras da
mulher deixaram-
no aturdido,
cheio de repulsa e
arrependimento.
Voltou pelo
mesmo caminho,
curvando-se de
vez em quando
para gritar, a
única forma que
naquele momento
tinha de
extravasar a
mágoa, antes que
ela o matasse por
dentro! Foi
andando à deriva,
outra vez em
direção às águas
do Tejo.
Sem saber
como, deu com a
cruz que havia
deixado cravada
na areia quando
embarcou para
longínquas terras
para lutar. Em
fúria, dirigiu-se a
ela, derrubou-a
aos pontapés
enquanto
vociferava:
– Cruz d’um
raio! Parto-te
toda, para que
não fiques aí a
mostrar aos
vindouros a
injustiça que
pratiquei contra a
mais virtuosa de
todas as mulheres
destas terras!...
Depois disso,
nunca mais
ninguém soube
do fidalgo.
Muitos
acreditavam que
tinha voltado a
embarcar, sem
coragem de
encarar a sua
dura realidade.
Mas a sua
história foi
contada durante
muitos anos, e a
muitos dos que
nasceram depois
dele, através dos
séculos e até aos
dias de hoje. Terá
sido assim
também, e
segundo reza a
lenda, que
nasceram os
nomes das três
mais antigas
povoações da
freguesia de
Carnaxide:
Linda-a-Pastora,
Linda-a-Velha e
Cruz Quebrada.
TRUTE
Há uma antiga
lenda que fala de
Trute, uma
localidade no
concelho de
Monção, e sobre
uma rainha do
reino de Aragão
que, traída por
uma intriga dos
criados, foi
sentenciada à
morte pelo rei,
seu marido.
Consciente da
sorte que a
esperava, antes
da execução da
sentença
disfarçou-se e
fugiu. Mas o rei
não se podia
prestar a tal
vexame e foi no
seu encalço, com
um grande
séquito de
homens. Por
pouco, o rei não a
apanhou junto ao
rio Minho, só que
a rainha, arguta,
pediu aos
barqueiros que o
demorassem,
para que tivesse
tempo de se
recolher num
certo castelo. O
rei impôs-lhe
então um cerco,
pensando fazê-la
render-se pela
fome e pela sede.
Todavia, ela
descobriu dentro
das muralhas
uma fonte que a
alimentava de
água pura.
Quinze dias
volvidos, veio
sobre os rochedos
pousar uma
águia, que trazia
no bico uma
truta, que deixou
cair junto às
ameias.
Em vez de
aproveitar para
saciar a fome
com o saboroso
peixe, a rainha
mandou-o de
presente ao rei,
que a cercava, e
tinha o seu
acampamento no
lugar onde hoje é
Trute.
O rei ficou
assim convencido
de que o braço
divino de Deus a
amparava e
levantou o cerco,
perdoando-lhe as
supostas faltas. A
rainha não quis,
porém,
acompanhá-lo e
por estes lugares
ficou até ao fim
da vida, sozinha e
entregue à
contemplação e
às orações.
POUSAFLORE
S
Pousaflores é
uma freguesia do
concelho de
Ansião, que em
tempos se
chamou Pousa-
Foles, por ser o
local onde os
moleiros
descansavam e
pousavam os
foles, ou seja, as
sacas de farinha.
Ninguém sabe
muito bem como
é que de “foles” o
nome passou a
“flores”, mas há
quem acredite
que o motivo
resida num
conhecido conto
tradicional
português.
Segundo esta
antiga narrativa,
um dia um rei
resolveu
organizar um
banquete e pediu
às filhas que
durante a festa,
perante vários
convidados
ilustres, lhe
demostrassem o
quanto o
amavam. Uma
delas, porém,
afirmou que
queria tanto o pai
“como a comida
queria o sal”, o
que não agradou
nada ao monarca!
Sentindo-se
vexado perante a
fidalguia e até
perante os seus
vassalos,
resolveu castigá-
la, desterrando-a
para uma
propriedade rural
que detinha em
Palhais (hoje
Chão de Couce).
A princesa não
desarmou e um
dia, sabendo que
o pai iria passar
pela quinta numa
caçada, resolveu
também
organizar um
banquete mas deu
ordens para que
todas as iguarias
da mesa do rei
fossem
confecionadas e
servidas sem sal!
Todos os outros
convidados
teceram rasgados
elogios à comida,
que estaria
deliciosa…
menos o rei, que
teve direito a um
almoço insonso
mas finalmente
percebeu a
mensagem! Fez
as pazes com a
filha e fez dela
senhora da
povoação de
Pouso da Flor
que, acredita-se,
evoluiu para o
atual topónimo
Pousaflores.
EIRA DO
LOBO
Nesta narrativa
popular não entra
o Capuchinho
Vermelho, mas
mesmo assim
mostra que os
homens e os
lobos sempre
tiveram uma
relação difícil,
cuja lembrança
permanece até
hoje na memória
das gentes de
Eira do Lobo,
localidade de
Tavira, que
ganhou este
nome
precisamente às
custas do “bicho
mau”. A lenda
reza assim:
“Dizem que
antigamente ia
um homem em
cima de um burro
e que de repente
apareceram
vários lobos à
frente dele. E
pronto, os lobos
atacam o burro, o
burro cai (…) e
depois a pessoa
também cai.
Comem-no vivo.
Depois no outro
dia acho que
passaram por lá
umas pessoas e
viram umas
botas, e estavam
os pés dentro
dessas botas, os
pés da vítima. E
descobriram
quem foi. E
começaram a ver
que ali havia
muitos lobos (…)
e então ficou a
Eira do Lobo.”
Pelo menos é isto
que reza a
história, tal como
foi recolhida
pelos
investigadores do
Centro de
Estudos Ataíde
Oliveira e consta
no Arquivo
Português de
Lendas, da
Universidade do
Algarve.
FURNA DE
FREI MATIAS
Na ilha do
Pico, arquipélago
dos Açores, a
Furna de Frei
Matias é um dos
locais que mais
atraem os
amantes da
natureza. A
origem do nome
traz à baila um
eremita que, há
vários séculos,
escolheu deixar o
continente para
viver descansado
na então quase
despovoada ilha
do Faial.
O velho
homem passava o
inverno na ilha
praticamente
sozinho e só no
verão, quando
vinham pessoas
da ilha Terceira
visitar as suas
terras no Faial, o
ermita via outros
seres humanos.
Num dia de
inverno, ao pôr-
do-sol, o solitário
foi orar diante do
mar e então
reparou que no
meio de um
denso nevoeiro
aparecia uma
ponte luminosa.
Vagarosamente,
sobre ela vinha a
Virgem Maria,
vestida de longas
roupas brancas,
fazendo-lhe um
gesto de
chamamento.
A visão durou
ainda alguns
minutos e o
velho,
estupefacto, nem
se mexeu. Aquela
noite foi passada
em sobressalto e
no dia seguinte,
ainda aturdido, o
eremita voltou ao
mesmo lugar e
dirigiu toda a sua
atenção para o
lugar onde na
tarde anterior
tivera tão mansa
e,
simultaneamente,
tão estranha
visão.
Acabou por
passar o dia
inteiro a olhar,
ainda meio
atordoado. Mas
sobre as ondas
cintilantes do mar
nada viu. As
horas passaram e
o homem
resolveu, ao
entardecer, voltar
para casa quando,
de repente, viu
reaparecer no
meio do nevoeiro
a mesma visão.
Perturbado,
pediu a Deus que
lhe explicasse
aquele mistério, o
motivo daquele
chamamento, e
então, durante a
noite, ouviu uma
voz que lhe dizia:
– Meu filho,
aquela que vês
além é Nossa
Senhora. Mostra
a tua confiança
em Deus,
constrói um
barco e parte ao
encontro da Mãe
do Senhor.
Sem saber bem
porquê, frei
Matias sentiu o
seu alento
revigorado com
aquela
mensagem.
Embora fosse tão
misteriosa como
a visão,
desafiava-o a agir
e isso, de certa
forma, atraía-o.
Com grande
entusiasmo, na
manhã seguinte,
frei Matias deitou
mãos à obra e
construiu uma
barcaça, junto à
praia.
Trabalhou
muito, de sol a
sol, durante
meses a fio, mas
conseguiu
construir um
barco. Forrou-o
com peles e
recusou a ajuda
dos que
entretanto tinham
chegado à ilha
para passar o
verão e queriam
ajudar, mesmo
não sabendo para
onde nem porquê
queria frei Matias
aventurar-se
naqueles mares
bravios. Numa
certa manhã deu
a obra por
terminada,
ajoelhou-se na
praia e rezou.
Depois, movido
pela fé, fez-se ao
mar, em busca da
sua maravilhosa
visão. Não foi
tranquila a
viagem. A meio
do canal,
levantou-se uma
tempestade,
daquelas que de
vez em quando
açoitam as ilhas
sem dó nem
piedade.
O barco
galopava nas
ondas,
esgueirava-se aos
raios e rangia por
todos os lados,
mas o frade
seguia confiante,
clamando pela
intervenção de
Deus.
De repente, o
barco foi atirado
com violência
contra a costa de
uma ilha que o
frade nunca tinha
visto, porque
estava sempre
envolta em
nuvens densas.
Era a ilha do
Pico. Era essa
nova e abençoada
terra que, afinal,
Nossa Senhora
lhe queria
mostrar.
Ao chegar ao
Pico, frei Matias
não pôde voltar
para trás porque o
seu barco de pele
de porco tinha
ficado desfeito,
mas em
contrapartida
tinha agora muito
mais com que se
entreter.
O frei andou
algum tempo
pelo interior da
ilha, deslumbrou-
se com a sua
vegetação
frondosa e as
magníficas vistas
sobre o azul sem
fim, até que
encontrou um
lugar especial: a
entrada de uma
gruta coberta de
fantásticas
estalactites. Ficou
tão maravilhado
que escolheu esse
sítio para se
abrigar do frio da
noite e das
tempestades que
assolavam os dias
e aí viveu o resto
dos seus dias, em
tranquilidade e
protegido pela fé.
Muito mais
tarde, esta ilha do
Pico foi
finalmente
povoada mas
durante muitos
anos ainda a
seguir à morte do
eremita os
pastores
afirmavam que, à
noite, depois de
recolherem o
gado, viam, lá
bem ao longe, o
frade com uma
tocha na mão à
procura da ponte
luminosa de
Nossa Senhora
para o conduzir
ao céu.
Por isso, há
ainda hoje quem
diga que o
primeiro
descobridor da
ilha do Pico foi a
Virgem
Santíssima e que
o segundo foi o
santo ermitão,
que deu o nome à
furna que lhe
serviu de casa e
abrigo e que
ainda hoje é um
dos lugares
mágicos da ilha –
a Furna de Frei
Matias.
SANTA
MARTA DE
PENAGUIÃO
Reza a lenda
que Santa Marta
de Penaguião,
hoje concelho do
distrito de Vila
Real, foi há
muitos séculos
tomada pelos
sarracenos, e
estes, para
consolidarem a
sua permanência
na região,
construíram um
castelo, lá bem
no alto da serra,
que na altura se
cobria de
cerrados matagais
e floresta. De lá
do alto, os
mouros podiam
facilmente
descortinar no
horizonte a
aproximação de
outros cavaleiros
e antecipar
possíveis ataques
para os desalojar
do poder.
A inacessível
localização das
muralhas do
castelo, o
armamento
poderoso e a
força física dos
seus ocupantes,
homens
habituados à
guerra e ao
combate,
mantinham os
pobres aldeões
debaixo de
forçada
submissão, sendo
pouco provável
que ousassem a
esboçar qualquer
ato de rebelião.
Mas apesar do
clima de terror
em que baseavam
o seu governo, os
sarracenos eram
desconfiados e,
por isso,
vigiavam
constantemente
os habitantes das
aldeias em redor,
pois nunca se
sabia quando é
que o perigo se
escondia mesmo
ao lado…
E assim os
aldeões lá iam
suportando
abusos e
impropérios,
sonhando com o
dia em que
voltariam a ter
um dos seus a
tomar conta
daquela parte do
reino.
Trabalhavam de
sol a sol, comiam
pouco, davam o
melhor que
tinham aos
invasores.
Faltava-lhes
acima de tudo um
chefe capaz de
aproveitar todo
aquele
descontentament
o e convertê-lo
em força e
energia para lutar
e espantar o
invasor.
Só que
nenhuma tirania
dura para sempre
e o dia em que o
poder dos mouros
seria ameaçado,
inevitavelmente,
chegou! Foi a
vinda de dois
fidalgos, irmãos
de sangue, ágeis
cavaleiros e
lutadores, que
marcou o ponto
de viragem.
Ninguém sabia
de onde vinham,
e muito menos
porque quiseram
ficar naquelas
terras, mas desde
logo fizeram
saber que traziam
vontade de
chefiar a revolta
contra os
indesejáveis.
Chamavam-se
D. Telo e D.
Rausendo. Eram
homens que
faziam justiça
àquela expressão
“antes quebrar
que torcer, que
punham o amor à
terra acima do
amor à vida”,
conforme
descreve Joaquim
Alves Ferreira,
numa das suas
obras dedicadas
aos mais novos
(Lendas e Contos
Infantis), sobre os
usos, os costumes
e as histórias do
distrito de Vila
Real.
Nos primeiros
tempos, D. Telo e
D. Rausendo
fizeram por não
causar grande
alarido, evitando
chamar as
atenções dos
mouros.
Chegaram
mesmo a vestir-se
como os aldeões
e a misturar-se
com eles nos
campos, para que
a sua presença
não fosse notada.
À socapa,
traçaram um
plano astucioso,
para tomar de
assalto o castelo
de forma certeira
e eficaz.
Para os
acompanhar na
missão,
escolheram os
mais fortes,
audazes e
inconformados,
como convém.
Distribuíram-lhes
armas que
estavam à mão,
deram-lhes todas
as instruções
necessárias e
marcaram um dia
para o derradeiro
combate, para
que pudessem
mentalizar-se,
antecipar os
golpes e treinar
às escondidas.
Quando a data
chegou, os
escolhidos
reuniram-se aos
fidalgos na
capela onde
estava a imagem
de Santa Marta,
da qual eram
muito devotos.
Num momento
de silêncio e fé,
suplicaram-lhe
proteção para a
luta, justa mas
arriscada, e
comprometeram-
se a dar o seu
nome àquela
região se os
ajudasse a
alcançar a vitória
contra os infiéis.
Ao anoitecer,
encaminharam-se
finalmente em
direção ao
castelo, em
rigoroso silêncio,
mentalizados e
protegidos pela
total escuridão.
Fortes como
eram, galgaram
sem esforço pela
colina, protegidos
pelo esconderijo
que o frondoso
matagal oferecia.
Chegados ao
topo, esperaram
que os guardas
caíssem para o
lado de sono.
Depois, D. Telo
lançou uma corda
às ameias mais
próximas do
portão principal,
enquanto D.
Rausendo lançou
outra às ameias
junto da torre de
menagem.
Escalaram a
muralha
divididos, e
enquanto o
primeiro desceu
pela corda para o
interior e abriu as
portas de par em
par, o segundo
subiu ágil como
um gato até à
torre onde
desfraldou e içou
o guião (a
bandeira) que
levava consigo.
Depois, no
silêncio da noite,
gritou então com
todas as forças
que tinha: Pena!
Guião!
Era a senha
pré-estabelecida,
a dar conta de
que o castelo
tinha sido tomado
de assalto. Ao
som do grito de
guerra, os
companheiros
irromperam como
um furacão pelas
portas
escancaradas e
rapidamente
derrotaram os
sarracenos que
quase não
tiveram tempo de
abrir a pestana,
quanto mais
oferecer
resistência.
A luta, rápida e
implacável, pôs
fim à tirania dos
muçulmanos e
restabeleceu a
liberdade e a
soberania dos
cristãos.
Só faltava
cumprir uma
última promessa:
a que fora feita à
Santa Padroeira.
E assim, a partir
desse dia, as
terras de toda
aquela região
passaram a ser
conhecidas por
Santa Marta e
acrescentaram-
lhe as palavras da
senha: Pena
Guião, que
permanece
intacto até aos
dias de hoje.
VALE DA
MADRE DE
DEUS
A memória
popular recua até
à época da
reconquista para
explicar a origem
do Vale da Madre
de Deus, no
concelho de
Mogadouro.
Conta-se que os
mouros tinham
ocupado um
pedaço da
belíssima serra de
Mogadouro, mas
os cristãos não
estavam pelos
ajustes e foram
ao seu encontro,
prontos a resgatar
a pátria, nem que
para isso
tivessem que dar
a própria vida!
A batalha, no
meio do vale, foi
renhida e
sangrenta,
fazendo ecoar
“urros” e “ais”
pelos montes
fora. No meio da
aflição, os
cristãos pediram
ajuda a Nossa
Senhora,
prometendo dar
àquele lugar o
nome de Vale da
Madre de Deus.
Apesar do
sangue
derramado, os
cristãos lograram
ganhar a batalha
e cumpriram a
promessa que fez
nascer o nome
desta terra do
concelho de
Mogadouro.
LAMAS DE
ORELHÃO
Existem duas
explicações
possíveis para a
origem do nome
desta aldeia típica
do concelho de
Mirandela com
cerca de 400
habitantes.
Uma das
perspetivas
enquadra-se
numa lenda
bastante antiga,
transcrita por
Gentil Marques
na sua obra-
prima, Lendas de
Portugal. A
segunda revela-se
numa recolha
etnográfica mais
recente (1997),
levada a cabo por
Alexandre
Parafita,
professor e
investigador da
Universidade do
Minho no âmbito
do património
oral. Este relatou
o que ouviu a
uma habitante da
aldeia de Lamas
de Orelhão
(Maria Emília, na
época com 78
anos), narrativa
que integrou no
livro A Mitologia
dos Mouros:
Lendas, Mitos,
Serpentes,
Tesouros.
Ora, a primeira
versão reza que
há muito, muito
tempo viviam em
Trás-os-Montes
dois irmãos, um
rapaz e uma
rapariga, que ali
tinham aparecido
já adultos e sem
que ninguém
soubesse muito
bem onde é que
tinham nascido.
Ela era muito
jovial e alegre,
ele mais velho e
dono de uma
sabedoria e
eloquência
incomuns para a
época. As
pessoas gostavam
muito de o ouvir,
mas
frequentemente
também ficavam
embaraçadas
perante o
profundo saber
que demonstrava.
Os dois irmãos
adoravam passear
e era durante
esses passeios
que encontravam
as gentes da terra
e acabavam a
falar das coisas
do campo que o
irmão mais velho
ia explicando à
irmã empregando
conceitos
complexos de
biologia e
ciências.
Na época,
aquelas terras
eram ainda
governadas por
um rei mouro que
de tanto ouvir
falar nos dois
irmãos, um dia
resolveu meter-se
ao caminho e ir
ao seu encontro,
mas sem revelar a
sua identidade.
Quando os achou,
num caminho da
serra, trocaram
algumas palavras
circunstanciais. O
encontro não
correu bem. A
moça apercebeu-
se logo que o
cavaleiro não
gostava que lhe
falassem em
Deus e o rei, por
seu turno, ficou a
saber que os dois
irmãos também
não o viam com
bons olhos assim
que estes lhe
contaram que
eram órfãos por
causa de um rei
mouro: “Um
tirano que matou
os nossos pais!”,
disseram.
O cavaleiro
afastou-se à
cautela, mas não
foi para longe.
Ficou a vigiá-los,
seguiu-os até à
casa onde
moravam e, pela
calada da noite,
raptou a rapariga
“que era tão
bonita e fresca,
de fazer
enlouquecer o
coração de
qualquer
homem”, assim
pensava o
cavaleiro. Cego
de desejo, levou-
a até uma
pequena comba
convencido de
que ali ficava em
segurança.
Afastou-se para
apagar os
vestígios do rapto
e horas depois
voltou ao local,
deparando-se
com a comba
vazia. Desatou
então a
amaldiçoar a
rapariga, gritando
alto e acreditando
que ela só podia
ser uma bruxa,
para conseguir
desaparecer
assim…
Por essa altura
o irmão acordou
e ficou aflito ao
não ver a irmã
nos seus
aposentos. Saiu à
pressa e mal pôs
o pé na rua ouviu
os gritos do
cavaleiro. Deu
com ele no fundo
da pequena
comba e
acabaram os dois
a lutar. Na refega,
o cristão
descobre que,
afinal, o outro era
mouro, mas de
nada lhe valeu a
clareza de
espírito, pois num
derradeiro golpe
fatal caiu morto.
A jovem,
entretanto, voltou
ao local, talvez
alarmada pelos
gritos da luta,
mas assim que o
mouro a viu
avançou para ela.
“Se deres mais
um passo que
seja… ficarás
atolado nesse
lodo que está em
vossa frente”,
berrou-lhe na
tentativa de se
defender. O
mouro não quis
saber. Cortou-lhe
o pescoço e
escondeu os
corpos dos dois
irmãos na lama.
O sanguinário
fugiu logo em
seguida e nunca
mais foi visto por
aquelas bandas,
mas as pessoas da
aldeia acabaram
por descobrir os
cadáveres
atoladas na lama.
A morte dos dois
jovens causou
profunda
consternação às
gentes da terra,
que não os
tinham visto
nascer, mas por
eles
desenvolveram
alguma afeição, e
quando
recolheram os
corpos do
lameiro, notaram
que no local onde
jazia a rapariga
tinha nascido
uma flor
lindíssima,
branca, viçosa e
pura…
A notícia
espalhou-se de
terra em terra,
contada como se
fosse um milagre
e o povo
encarregou-se de
santificar a
jovem, que
morreu
injustamente às
mãos de um
infiel. Como o
trágico episódio
se tinha passado
numa pequena
comba perto de
uma terra que se
chamava
Orelhão, o sítio
passou a ser
conhecido por
Santa Comba das
Lamas de
Orelhão.
A segunda
versão também
recorre à figura
do rei mouro,
mas é bem mais
popular e
original.
“Era um rei
mouro muito mau
que viveu nestas
terras há muitos e
muitos anos.
Dizia-se até que o
rei Orelhão tinha
uma orelha de
gato e outra de
cão. Portanto,
não era só mau…
era mau e feio”,
relatou uma
aldeã.
Nesses tempos,
vivia também por
lá uma pastora
“muito boa e
bonita” chamada
Comba, que
costumava
acompanhar um
irmão, Leonardo,
quando este
levava o rebanho
para o monte.
Um dia, o rei
Orelhão viu-a e
ficou logo
apaixonado.
Esperou que o
irmão se
afastasse para a
abordar. Quando
a viu sozinha,
juntou-se a ela e
numa voz mansa
pediu-lhe que lhe
catasse os
piolhos.
A pastorinha,
ao ver que se
tratava do rei
mouro que
governava
aquelas terras,
mesmo
contrafeita,
obedeceu.
Escolheu uma
fraga para se
sentar e deixou o
rei encostar a
cabeça ao seu
colo. Estiveram
assim um par de
horas, até que o
mouro
adormeceu. A
menina, ao vê-lo
a dormir tão
profundamente,
desatou muito
devagarinho o
avental que trazia
à cinta e, com mil
cuidados, pousou
a cabeça do
mouro na pedra e
desatou a fugir.
Pouco depois,
o mouro acordou
e, ao ver que a
moça tinha
desaparecido,
resolveu ir no seu
encalço. Ela
correu o mais
depressa que
pôde por entre os
montes mas
quando percebeu
que o mouro
estava quase a
alcançá-la,
abeirou-se de
uma enorme
fraga e, num ato
de desespero,
gritou-lhe
– Abre-te fraga
bendita e salva
Comba catita!
E até para seu
grande espanto, o
milagre deu-se!
A fraga abriu-se
de par em par,
emanando uma
luz mansa do seu
interior, e a
menina entrou
nela,
desaparecendo da
vista do mouro.
O homem,
perturbado, numa
última tentativa
para alcançá-la,
lançou contra a
pedra granítica a
sua lança, e esta,
ao embater na
fraga, deixou lá
um golpe tão
profundo que,
dizem as gentes
de Lamas do
Orelhão, ainda
hoje se pode ver.
Mas a história,
de acordo com a
obra de
Alexandre
Parafita, não se
fica por aqui. Ao
ver que a irmã
estava em apuros,
o seu irmão,
Leonardo, corre
para ajudar
Comba. Quando
o mouro o viu, e
já que não podia
ter a rapariga,
vingou-se nele. E
não se limitou a
matá-lo.
Estripou-o!
Mais tarde, os
outros pastores
da serra acharam
as tripas do
Leonardo atrás de
um juncal. E
nesse mesmo dia,
nesse mesmo
sítio, nasceu uma
fonte, com água
milagrosa, jura o
povo. A fonte
ainda hoje existe
e chama-se Fonte
de São Leonardo.
No lugar da fraga
onde Comba
desapareceu, os
aldeões
construíram
depois uma
capela, que ainda
preserva o nome
de Santa Comba.
Já a aldeia
ficou para sempre
Lamas do
Orelhão, graças
ao rei que tinha
uma orelha de
gato e outra de
cão.
NORDESTINH
O
Fica na ilha de
São Miguel e tem
uma das mais
bonitas igrejas do
arquipélago, à
qual, aliás, está
ligada a história
do topónimo.
Conta a
professora
Ângela Furtado-
Brum, no livro
Açores: Lendas e
Outras Histórias,
que nos
primórdios do
povoamento este
lugar era
habitado por
homens tão
devotos de Santo
António que
quiseram não só
dar o nome do
santo à terra,
como distingui-la
como uma das
mais belas
ermidas em sua
homenagem. Aos
poucos e poucos,
com o pulso de
todos os homens
da terra,
ergueram uma
pequena ermida,
lá no alto, cuja
silhueta até ao
longe se
distinguia no
verde imenso.
Com o tempo e o
aumento da
população, a
ermida tornou-se
pequena para
acolher todas as
pessoas da terra.
Aos domingos,
dia em que
ninguém falhava
a homilia, mais
de metade ficava
do lado de fora
da igreja, o que
não agradava a
muita gente.
Certo dia, um
novo padre,
Manuel Raposo,
chegou ao lugar
de Santo António
e, como era
muito
empreendedor e
gostava de
trabalhar em prol
da comunidade,
resolveu
arregaçar as
mangas e
construir uma
igreja que
servisse melhor a
população.
O dinheiro não
abundava nos
bolsos daquele
rebanho, mas fé e
vontade não lhe
faltavam. Tal e
qual como da
primeira vez,
homens e
mulheres
deitaram braços
ao trabalho,
ajudando como
puderam.
O padre
desenhou o
projeto da igreja,
os homens
acartaram a
pedra, que vinha
de longe, em
carros de bois a
chiar pelas
ladeiras e, na
subida da Ribeira
Despe-te-que-
Suas (assim
conhecida pela
sua acentuada
inclinação e
altitude) tiveram
muitas vezes de
trocar de papéis:
ou seja, empurrar
os carros para
que os bois
conseguissem
subir.
Também as
mulheres e as
crianças
ajudaram no que
puderam mas,
mesmo assim, a
certa altura, a
paróquia precisou
mesmo de mais
dinheiro para
conseguir
terminar a obra.
O padre,
desembaraçado,
teve logo outra
ideia:
acompanhado de
três homens,
fizeram uma
romaria, foram
pedindo por
vários lugares da
ilha e as obras
prosseguiram.
Voltaram a Santo
António com os
bolsos cheios,
mas as
necessidades
eram quase
constantes.
As coisas até
estavam a correr
bem mas, a dada
altura, o padre
começou a ficar
apoquentado
porque precisava
de madeira para
continuar a
construção e o
dinheiro que
tinha sido doado
para a comprar
tinha-se
esgotado. Por
mais voltas que
desse à cabeça,
não via grande
solução à vista.
As pessoas da
aldeia eram
pobres, já tinham
dispensado o
pouco que
tinham, não podia
pedir-lhes mais
nada. Andou a
cismar nisto dias
e dias e, sempre
que o Sol se
punha e todos
voltavam para
casa, o padre ia
ajoelhar-se aos
pés da imagem
do santo
padroeiro e
pedia-lhe com
muita fé:
– Ó Santo
António, ajudai-
nos! Deixa-nos
acabar esta igreja,
que já não falta
muito. Arranjai-
nos a madeira
que tanta falta
nos faz e que não
sabemos como
havemos de a
conseguir. Tu és
santo, eu sou
apenas um
homem. Tu… tu
saberás por certo
resolver esta
situação, não é?
E como não
obtinha resposta,
lá ia ficando o
padre cada vez
mais
amargurado…
Passados
poucos dias,
porém,
apareceram a
boiar no mar
vários rolos de
madeira! O padre
não hesitou por
um segundo:
amarrou uma
corda à volta do
próprio tronco,
desceu a colina a
passos largos e
atirou-se ao mar
revolto dos
Açores para
rebocar os rolos
para terra. As
pessoas, que
observaram a
cena admiradas e
louvaram a
coragem do
pároco, ficaram
ainda mais
estupefactas
quando, ao
içarem a madeira
do mar, viram
que em todas as
tábuas estava
escrito “Santo
António”, quase
em jeito de
remetente!
A madeira, que
era de ótima
qualidade,
chegou para
acabar a igreja e,
hoje, no lugar
que desde então é
conhecido como
Santo António do
Nordestinho,
pode ainda
admirar-se a
igreja, construída
graças ao
trabalho e à fé
dos paroquianos
e do seu corajoso
pastor, com o
auxílio milagroso
do seu padroeiro.
BALSEMÃO
Chama-se
Lenda do
Bálsamo na Mão
a antiga narrativa
que deu origem
ao nome do
Lugar de
Balsemão, na
freguesia de
Chapim,
concelho de
Macedo de
Cavaleiros. Conta
esse resquício da
nossa tradição
oral que naquela
terra existiu
outrora um rei
mouro que
mandava em toda
a região.
Dominador,
controlador e
manipulador, o
rei tinha muito
mau feitio e não
desperdiçava uma
oportunidade
para humilhar
publicamente os
seus súbditos.
Um dia, porém,
ultrapassou todas
as barreiras
morais, quando
decidiu instituir
um novo tributo:
todos os homens
que se casassem
eram obrigados a
entregar-lhe a
noiva logo após a
cerimónia do
casamento. As
novas ordens do
rei geraram
ódios,
consternação e
muita revolta.
Mas ninguém se
atrevia a
contradizê-lo.
Quem se
atrevesse a
contestar as
ordens do senhor
feudal seria
severamente
castigado.
O hábito de
vassalagem
andava a dar
voltas à cabeça
de Joaquim. Era
completamente
apaixonado por
Marianinha, a
moça mais bela
do lugar. Queria
com ela casar e
que vivessem
felizes para
sempre, como é o
desejo de todos
os apaixonados.
Já Marianinha
nem sequer
queria pensar em
entregar o seu
corpo para pagar
o infame tributo.
Joaquim sofria
em silêncio, mas
disse-lhe que não
se preocupasse
porque tinha um
plano. Acreditava
ele que com a sua
audácia e com a
ajuda de Nossa
Senhora
Marianinha não
cairia nas mãos
do cruel rei.
Num dia
ensolarado de
verão, casaram-se
numa pequena
igreja e, logo à
saída, estavam os
soldados à espera
de Marianinha.
Joaquim,
perspicaz,
convenceu-os a
juntarem-se a ele
e a alguns
rapazolas amigos
com o propósito
de levarem mais
ofertas ao senhor
mouro daquelas
terras.
O rei mouro,
que andava
sempre muito
atento às moças
da aldeia, já tinha
ouvido falar da
beleza de
Marianinha, a
jovem do lugar, e
mal podia esperar
para tê-la nos
seus braços.
Porém, quando o
dia chegou e lhe
retirou o véu,
verificou que não
era ela mas antes
Joaquim o corpo
que apertava nos
braços.
O rei rugiu
enraivecido!
Joaquim,
desembaraçando-
se das suas
roupas de mulher,
retirou um punhal
que tinha
escondido junto
ao corpo e
cravou-o com
toda a força no
peito adunco do
rei mouro.
Depois, desatou a
correr
desenfreadament
e e fugiu como
pôde.
Agonizante, o rei
gritou pelos
vassalos e pediu-
lhes que lhe
trouxessem as
cabeças de
Joaquim e de
Marianinha para
as poder pisar
antes de morrer.
Cumprindo as
ordens, os
cavaleiros
mouros
lançaram-se na
caça ao homem.
Joaquim e os
amigos ainda
tentarem oferecer
resistência mas a
desproporção de
forças e de armas
era tão grande
que rapidamente
foram quase
todos dizimados.
Marianinha,
escondida numa
capela do lugar,
prometia
fervorosamente
um novo templo
à Virgem
enquanto do
outro lado do
monte Joaquim
caía no chão
ferido de morte.
Foi então que
Joaquim reparou
que, por milagre,
nas suas mãos
nascia um
bálsamo que
curava todos os
golpes e feridas.
Até as mais
profundas.
Joaquim abeirou-
se dos amigos e
começou a gritar-
lhes, para que os
seus
companheiros
moribundos
esfregassem as
mãos com aquela
substância.
O milagre
repetiu-se.
Os guerreiros
mouros,
aterrorizados,
com os olhos
raiados de medo,
viram os mortos e
os moribundos
erguerem-se do
chão, pegarem
nas armas e
entregarem-se
novamente à luta
com uma paixão
desmedida.
Apesar da
desvantagem
numérica, agora
que tinham a fé
do seu lado, os
cristãos
conseguiram
fazer que os
mouros partissem
em debandada.
Alguns, de tão
apavorados, nem
sequer tiveram
coragem de
regressar ao
castelo, pois
achavam que
aquela força
desconhecida os
perseguiria, e
fugiram naquele
mesmo dia, para
nunca mais
voltarem a ser
vistos naquele
lugar.
Desde então,
aquela terra
passou a ser
conhecida como
Terra de Nossa
Senhora de
Bálsamo na Mão
e, mais tarde,
Lugar de
Balsemão onde
ainda hoje existe
uma ermida em
honra de Nossa
Senhora de
Balsemão, no alto
do Monte do
Carrascal.
TORRE DE
DONA CHAMA
Segundo a
lenda, o
topónimo Torre
de Dona Chama,
pertencente ao
concelho de
Mirandela, tem
origem na torre
do antigo castelo.
Junto a essa torre
vivia Dona
Chamorra, uma
senhora
mourisca, da
nobreza, que o
povo conhecida
como Dona
Chama. E
porquê? Agora
vem a parte
‘malandra’ da
explicação.
Apesar de tal
não ser nada bem
visto pelos seus,
Dona Chama
tinha uma
inclinação
especial pelos
cristãos de pele
branca. De vez
em quando
passeava em
redor do castelo
para observar os
aldeões e os
camponeses,
mandando depois
chamar à sua
presença os mais
bem parecidos,
que convidava a
pernoitarem na
sua torre a
satisfazer o seu
desejo.
Para não ser
descoberta, Dona
Chama mantinha
os rapazes no
castelo, não
fossem eles sair e
dar a conhecer ao
mundo a verdade.
Um dia, porém,
Dona Chama
perdeu-se de
desejo por um
que era mais
avisado. Crescera
a ouvir as
histórias sobre os
moços que iam
para o castelo e
de lá nunca mais
voltavam. A
curiosidade fê-lo
aceitar o convite,
mas assim que
satisfez o seu
apetite e deu com
ela adormecida
ao seu lado,
tratou de elaborar
o plano de fuga.
Aproveitou que
a moura dormia
para lhe tirar
subtilmente do
dedo um anel,
peça de grande
valor, e que era
bem conhecida
pelos criados,
pois a senhora
andava sempre
com ele. Cobriu-
se com um manto
e sempre com o
anel em riste foi
pedindo
passagem aos
guardas, que
assim se
deixaram
enganar.
Já o rapaz ia
bem longe do
lugar quando
Dona Chamorra
despertou e
percebeu que,
desta vez, tinha
sido enganada.
Desesperada
chamou os
guardas, para que
fossem no seu
encalço e
passassem uma
mensagem: que
voltasse ali, e
bem depressa,
que a “Dona
Chama”!
Mas não houve
tempo. Com
medo de ser
descoberta e
lançada à
fogueira, Dona
Chama matou-se
e dela restou
apenas esta
história que as
gentes de Torre
da Dona Chama
adoram contar.
Da lenda,
ficaram ainda
alguns versos
populares, que
hoje integram o
folclore da
região:
Dona Chama
chamorra
Pernas de cabra
Cara de
senhora...
Isto é o que
reza a lenda, que
coexiste com
outras
explicações no
âmbito da
etimologia. O site
da Câmara
Municipal de
Mirandela
confirma que o
topónimo existia
já antes da
formação de
Portugal,
evidenciando
“claramente a
indicação de uma
torre”, e uma
senhora local
“Dona” do lugar,
que se chamava
“Chama “,
proveniente de
“Flamula” que
deu “Chamôa” e
depois “Chama”.
Esta ligação de
palavras é tão
identificativa,
que existe uma
lenda local que
nos mostra a
relação dessas
palavras com
clarividência (…)
Nas chancelarias
medievais surge
com a designação
de: Turris de
Domina Flamula.
Já no século XIII,
no Foral de D.
Dinis, aparece
com o nome de
Torre de Dona
Cliâmoa. Alguns
historiadores
indicam até uma
certa
coincidência com
a lenda atrás
transcrita, que
uma nobre dama,
Dona Châmoa
Rodrigues, que
ali teria vivido
pelo ano de 960,
e por isso
consideram-na a
fundadora da
localidade. Tem
vastos achados
arqueológicos, e
vestígios que
ainda hoje
podemos
testemunhar no
local como o
monumento tipo
berrão “a Ursa”
de pedra junto ao
pelourinho que
nos fazem pensar
em povoamento
muito remoto
(…)
Entre a lenda e
os registos
oficiais, uma
coisa é certa: por
aquelas bandas
viveu, de facto,
uma Dona
Chama. Se tinha
ou não um apetite
voraz por
homens, é coisa
que nunca
saberemos ao
certo, mas não
deixa de ser
fascinante este
cruzamento entre
a história e a
crença…
NINHO DA
ÁGUIA
Nada como pôr
tudo em pratos
limpos: o nome
desta localidade
no Cercal,
concelho de
Ourém, nada
deve ao mundo
do futebol e vai
buscar a sua
origem aos ditos
do povo. Reza a
lenda que neste
lugar havia um
enorme ninho,
guarida de uma
águia de grande
porte. Certo dia, a
águia aproveitou
a distração de
uma mulher,
afadigada a
esfregar a roupa
nos seixos do
ribeiro, e raptou-
lhe a filha
pequena, que
dormia aninhada
numa manta ali
ao seu lado. A
mãe, em
desespero, largou
tudo e gritou aos
céus, para que o
bicho lhe
devolvesse a
pequenina.
Quando parou
de correr, caiu de
joelhos mas
manteve o olhar
no alto e pediu
ajuda a Nossa
Senhora da
Conceição.
Rogou-lhe que
lhe devolvesse a
filha sã e salva e
prometeu-lhe, em
lágrimas, que lhe
erigiria uma
ermida caso a
menina voltasse a
casa. E contra
todas as leis da
lógica, foi mesmo
isso que
aconteceu. Nesse
mesmo dia, os
homens bateram
tudo em redor e
encontraram a
bebé naquele
mesmo local,
embrulhadinha na
manta, sem um
arranhão sequer
das garras da
águia.
A criança foi
resgatada e por
volta de 1639 foi
construído um
edifício em honra
de Nossa Senhora
da Conceição.
Esta ermida
sofreu profundos
danos e atos de
vandalismo
durante as
invasões
francesas, altura
em que serviu de
abrigo para os
cavalos, mas foi
reconstruída e
ainda hoje é
possível visitar
Ourém e o local
desta
homenagem.
PORTELA DA
CRUZ DOS
FIÉIS DE DEUS
Perto da vila de
Mação existe um
lugar conhecido
como Portela da
Cruz dos Fiéis de
Deus e que deve
este nome a uma
velhinha lenda
religiosa ainda
hoje célebre por
aquelas bandas.
Este nome teve
origem na lenda
que se segue:
velhas crenças
contam que
antigamente as
almas das
criancinhas
inocentes que
morriam – os
anjinhos – antes
de entrarem pela
porta do Céu,
andavam ainda a
vaguear algum
tempo pela terra,
numa espécie de
“procissões das
alminhas”,
fazendo
penitência pelos
pecados da
humanidade.
Ora tais
procissões
aconteciam longe
do olhar dos
comuns mortais,
a altas horas da
noite, quando
toda a gente
dormia, para que
a elas não
assistisse alma
alguma deste
mundo.
Certa noite,
porém, algo de
incrível
aconteceu. Uma
mulher que
morava junto da
igreja e que se
levantara de
madrugada para
ter tempo de
amassar o pão
para levar no dia
seguinte à família
foi, por acaso,
respirar um
pouco de ar
fresco à janela e
ficou estarrecida
com o que viu e
ouviu: uma
enorme multidão
de anjinhos, ou
seja, muitas
crianças vestidas
de branco, a
saírem da igreja
todas
perfiladinhas em
procissão,
entoando cânticos
religiosos, num
andor
fantasmagórico
que seguia pela
rua acima até à
praça da vila.
A mulher,
tomada por um
estranho torpor,
uma espécie de
hipnose, talvez
propagada por
aquele coro
espectral, deixou-
se ir também
procissão.
Andou e
andou, sempre
naquele estado
encantatório, até
que depois de já
ter caminhado
bastante na
escuridão da
noite, chegou
junto ao ribeiro
do Paiafome.
Nessa altura,
grande parte dos
anjinhos já
tinham passado
para o lado de lá
do ribeiro, mas
algumas crianças
tinham-se
atrasado e, em
visíveis
dificuldades,
caminhavam
mais
vagarosamente.
A mulher, que
continuava
pasmada com
tudo aquilo,
encheu-se de
coragem e
resolveu
perguntar a um
dos anjinhos,
porque não
estavam ao pé
dos outros, que já
subiam a encosta.
As crianças não
tiveram qualquer
problema em
responder-lhe
prontamente:
– Não
conseguimos
andar tão
depressa como
aqueles nossos
companheiros
porque as nossas
mães, quando nos
amortalharam,
esqueceram-se de
atar os nastros
das vestes que
levamos para a
cova e agora elas
embaraçam-nos a
marcha!
A mulher ao
ouvir esta
resposta percebeu
finalmente que o
que tinha diante
dos seus olhos
eram almas do
outro mundo e
ficou aterrada.
Em grande
aflição pediu
proteção à
primeira entidade
que se lembrou:
– Ai, Valha-me
Nossa Senhora da
Conceição!!
Então, nesse
momento,
apareceu-lhe a
Virgem Maria
que lhe disse:
“Nada temas.
Volta para tua
casa e louva a
Deus. A
procissão que
vês, ao chegar
além à Portela,
desfaz-se e vai
juntar-se de novo
noutra freguesia a
rogar a Deus
pelos homens.
Não é lícito a
nenhum ser
vivente assistir a
elas; mas a ti
concedeu-te Deus
a mercê de
assistires a esta,
para ires dizer ao
mundo que faça
penitência para
redenção das
almas”, conforme
descreveu
Francisco
Serrano, nos
registos
etnográficos da
Câmara
Municipal de
Mação.
Naquele exato
instante, todas as
fantásticas visões
da mulher
desapareceram e
ela deu consigo
de volta a sua
casa. Se não
fosse estar
cansada, com os
pés doridos e a
tremer de medo,
dir-se-ia até que
nunca teria saído
da sua cozinha.
Como não era
pessoa de guardar
segredos, no dia
seguinte relatou a
toda a gente da
aldeia tudo o que
lhe acontecera de
sobrenatural
naquela bizarra
noite em que se
tinha levantado
mais cedo para
amassar o pão.
O povo de
Mação acreditou
em cada palavra e
nos dias que se
seguiram foi ao
sítio onde a
procissão
desaparecera e lá
colocou uma
cruz, batizando o
sítio com o nome
de Portela da
Cruz dos Fieis de
Deus, designação
que ainda hoje
conserva.
Outro detalhe
não menos
arrepiante que
ainda hoje se
conta em Mação
tem a ver com
esta cruz. Diz-se
que ali está há
séculos e que
sempre que fica
envelhecida e
enferrujada é
substituída por
mãos invisíveis…
QUATRO
IRMÃOS
Coisa que não
falta nos nomes
que identificam o
nosso território
são referências
familiares. Na
pitoresca aldeia
de Sande,
próximo de
Guimarães, deu-
se o nome de
Quatro Irmãos a
um conjunto de
quatro pequenos
penedos que mais
parecem tampos
de sepulturas.
Nunca se
levantaram as
pedras para
comprovar esta
teoria, mas
segundo a
tradição oral
encontra-se uma
explicação bem
curiosa: diz a
lenda que os
quatro irmãos
eram filhos de
Maria do Canto e
amavam – todos
eles – uma jovem
e formosa
menina, que era
sobrinha do
abade da
freguesia.
Ardendo em
amor, ciúme e
cega competição,
os quatro irmãos
desafiaram-se
para neste lugar
decidirem à
paulada, quem
havia de casar
com a rapariga.
Tragicamente,
três ficaram logo
mortos no campo,
e o quarto, que
ainda viveu
algumas horas, já
meio moribundo,
contou tudo ao
abade que,
condoído, os
mandou enterrar
no sítio da
contenda. Diz o
povo que é por
essa simples
razão que o lugar
ficou, até hoje, a
denominar-se
Quatro Irmãos.
PEDRA
MOURINHA
Este bairro da
cidade de
Portimão deve a
sua nomenclatura
a uma antiga
lenda algarvia
que, como não
podia deixar de
ser, mete mouros
à mistura. Consta
que numa certa
pedra “em forma
de vaca” que fica
à beira da estrada
que leva ao
centro da
Portimão, se
encontra um
mouro que foi
encantado!
Até aqui nada
de novo, não
fosse a história
ter tido
continuidade.
Diz-se que a
rapariga que
sonhar “três
vezes com um
mouro que está
encantado na
pedra, vai-lhe
tirar o
encantamento”. E
talvez com ele
também casar e
viver feliz para
sempre, tal como
rezam todas as
histórias com
final feliz…
SÃO
SEBASTIÃO
DE GOMES
AIRES
São Sebastião
de Gomes Aires,
no concelho de
Almodôvar, tem
também direito à
sua lenda.
Quando D.
Afonso
Henriques, o
primeiro rei de
Portugal,
percorria as
planícies nas suas
investidas
militares para
expulsar os
mouros que
ocupavam as
terras do
Alentejo, era
ajudado por
vários nobres e
cavaleiros
naturais da região
que, embora
vivendo entre os
mouros, eram
cristãos e
conhecidos pelo
nome de
moçárabes.
De todos,
houve um que
sobressaiu pela
sua bravura e
valentia. Era
Gomes Aires, que
demonstrou a sua
lealdade e
coragem na
mítica batalha de
Ourique, na qual
a sua espada foi
decisiva para a
vitória lusitana.
Diz a lenda que
assim que os
mouros saíram
das planícies, El-
Rei quis
recompensar o
bravo cavaleiro,
até para que
servisse de
exemplo para
todos os outros, e
então decidiu
fazer-lhe uma
doação em terras,
onde ao longo
dos séculos foi
crescendo uma
aldeia que ainda
hoje preserva o
seu bom nome e
perpetua a sua
bravura.
MURÇA
Segundo
alguns
etimologistas, o
nome da cidade
de Murça deriva
de Ursa, nome
antigo que está
ligado à lenda da
porca. Todavia,
nos antigos forais
e noutros
documentos
régios, a
palavra aparecia
nas várias
formas: “Muça”,
“Muçam” e
“Mussa”.
Outras
correntes
divergem desta
explicação. O
etimologista
Correia de
Azevedo refere
que o nome terá
vindo de “algum
mouro chamado
Muça” que
povoou,
admitindo
também a
hipótese de ser
uma derivação de
“Muçauns”, ou
seja,
“árabes/africanos
”, que invadiram
a Lusitânia antes
da ocupação da
Península
Hispânica pelos
mouros entre 713
e 716. Segundo a
explicação oficial
do site do
município, outro
especialista,
David Lopes,
defende que
Murça é um
nome próprio
entre os hebreus,
associando-se a
formas antigas de
Moisés, Musa,
Muza ou Muça.
Já Pedro
Machado
apresenta a
palavra Murça,
como sendo um
vocábulo
pertencente “à
abundante família
de palavras
românicas, entre
as quais o
castelhano
‘muceta’”.
Quanto à lenda
da Porca de
Murça, conforme
a transcrição feita
por Augusto
Soares de
Azevedo Barbosa
de Pinho Leal em
Portugal Antigo e
Moderno, reza
assim: “Era no
século VIII esta
povoação e seu
termo assolados
por grande
quantidade de
ursos e javalis.
Os senhores da
vila, secundados
pelo povo,
fizeram tantas
montarias, que
extinguiram tão
daninha fera ou a
escorraçaram
para muito longe.
Entre esta
multidão de
quadrúpedes,
havia uma porca
(ursa) que se
tinha tornado o
terror dos povos,
pela sua
monstruosa
corpulência, pela
sua ferocidade, e
por ser tão
matreira, que
nunca poderia ter
sido morta por
caçadores.
“Em 775, o
Senhor de Murça,
cavaleiro de
grandes forças e
de não menor
coragem, decidiu
matar a porca, e
tais manhas
empregou que
conseguiu,
libertando a terra
de tão incómodo
hóspede.
“Em memória
desta façanha, se
construiu tal
monumento
alcunhado a
Porca de Murça,
e os habitantes da
terra se
comprometeram,
por si e seus
sucessores, a
darem ao senhor,
em
reconhecimento
de tal benefício,
para ele e seus
herdeiros, até ao
fim do mundo,
três arráteis de
cera anualmente,
por cada fogo,
sendo pago este
foro mesmo junto
à porca.”
VILA SECA
Era uma tarde
de muito calor,
em pleno estio,
aquele dia em
que um cavaleiro
misterioso e
desconhecido
passou, solitário,
por Vila Verde.
O homem
vinha de longe,
cansado e cheio
de sede. Apeou-
se e, no meio da
aldeia, bateu à
porta de um
habitante e em
parcas palavras
pediu-lhe um
púcaro com água.
Só que naquele
dia de sol
escaldante, as
batidas na porta
foram acordar o
dono da casa que
dormia a sesta e
acordou
maldisposto! Em
vez de matar a
sede ao
forasteiro, como
manda a boa
educação,
resmungou, bateu
a porta com
estrondo e negou-
lhe a água.
O cavaleiro,
surpreendido e
desconsolado,
lançou alto e bom
som uma
pavorosa
maldição sobre a
terra. Mesmo
quem dormia
acordou, e a
ninguém escapou
o mau presságio:
− Nunca mais
serás Vila Verde!
Faltar-te-á água e
passarás a ser,
para sempre, Vila
Seca.
Depois partiu,
sem olhar para
trás, cavalgando
furioso pelo
monte. Ninguém
soube sequer o
seu nome ou
porque tinha
aparecido ali,
mas a verdade é
que a partir daí as
fontes secaram e
a vila, que fica
em Armamar
(Viseu), passou
efetivamente a
ser conhecida por
Vila Seca.
COTO DA
MOURA
Embora a
presença
muçulmana no
norte de Portugal
tenha sido muito
curta quando
comparada com o
sul do território,
deixou algumas
marcas na
toponímia e no
património
imaterial da
região. São disso
exemplo os
nomes de
algumas terras
como Lamas de
Mouro, Riba de
Mouro ou mesmo
Vilar de Mouros,
mas não só.
Também o
folclore inspirado
no tempo da
Reconquista
trouxe ao místico
lendário
nortenho, muito
ligado ao
paganismo dos
anteriores povos
celtas, a magia e
a leveza das
mouras
encantadas.
Na mitologia,
estas mouras
encantadas são
espíritos (ou
seres fantásticos)
com poderes
sobrenaturais, de
longos cabelos
louros como o
ouro ou negros
como a noite,
associadas aos
antigos cultos da
fertilidade. E é
precisamente
disso que nos fala
ainda nos dias de
hoje a lenda do
Coto da Moura,
que surge
associada a um
lugar com o
mesmo nome,
que fica em
Chaviães, no
concelho de
Melgaço.
A lenda diz que
há muitos, muitos
anos,
precisamente
nesse lugar, onde
hoje ainda existe
uma fonte que
todos os dias
enche um regato
que rega todos os
campos em redor
e é responsável
pela fertilidade
daquelas terras,
havia uma moura
encantada que
todos os dias, ao
nascer do Sol,
saía para estender
o seu tesouro no
cimo de um
monte, a que
chamaram Coto
da Moura.
Enquanto
deixava o seu
ouro reluzir ao
sol a moura
aproveitava para
descontrair e
aproveitar o ar
livre. Sentada no
cimo do penedo
cantava e
penteava os seus
longuíssimos
cabelos louros
com um
maravilhoso
pente, todo
trabalhado e
também ele feito
de ouro. Como é
de calcular, tudo
aquilo reluzia ao
longe, mas
pensava-se que a
moura cumpria
todos os dias este
ritual para atrair,
com o
deslumbramento
das joias, alguém
disposto a
desencantá-la e a
livrá-la da sua
terrível maldição.
Os que por ali
passavam pela
primeira vez
ficavam tão
incrédulos que,
mal desciam
apressados o
monte,
desatavam a
contar a toda a
gente aquilo que
lhes parecia ter
sido fruto do
vinho ou de uma
visão, mas a
maior parte do
povo da aldeia
sabia que era a
magia
inexplicável da
pobre moura
encantada e,
mesmo os que
nunca a tinham
visto, temiam
aproximar-se.
Certo dia, um
dos homens mais
corajosos da
aldeia quis tirar
teimas e foi ver
se o que
contavam era
verdade.
Não perdeu
pela demora.
Quando chegou
junto da fonte,
viu uma
mourinha a
pentear o cabelo
com um pente de
ouro. Depois de
alguns instantes
de incredulidade,
o homem
aproximou-se
lentamente, para
a surpreender,
não fosse ela
assustar-se e
escapar.
A moura não
olhou para ele,
mas pressentiu a
sua presença
desde o primeiro
minuto. Agitando
os cabelos,
voltou-se e disse-
lhe:
– Homem bom,
aproxima-te!
Vieste para me
ver? Tenho um
pente e uma farta
cabeleira de ouro.
Qual de nós vais
querer levar?
O homem ficou
estarrecido, por
vários motivos.
Primeiro pelo
som daquela voz
etérea, depois
pela sua beleza e,
finalmente,
porque não
esperava tal
oferta!
Na aldeia,
todos diziam que
a moura guardava
com grande
cuidado o seu
tesouro, porque
havia de lho
oferecer?
Passados uns
instantes, um
pouco mais
restabelecido da
surpresa, mas
ainda assim
julgando pouco
provável que os
cabelos da moura
fossem de ouro
verdadeiro,
apesar de
brilharem como
ele, respondeu
por breves
momentos:
– Quero o
pente!
– Ai homem,
que fizeste tu?
Acabaste de
dobrar a
maldição!
Fixando-o com
um olhar triste, a
moura,
desiludida, atirou
o pente para o
regato. O homem
foi logo apanhá-
lo, mais motivado
pela ganância do
que por outra
coisa qualquer e,
talvez por
perceber isso,
nesse mesmo
instante a moura
e o pente
esvaneceram-se
imediatamente.
Desesperado, o
homem
esgravatou tudo
em redor à
procura do pente.
Em vão. Desde
esse dia nunca
mais ninguém
naquele lugar
voltou a ver a
linda moura a
pentear os seus
cabelos de ouro
ao sol. Mas ainda
hoje se julga que
o som das águas
a cair no regato
se parece com o
choro de uma
donzela. E diz-se
que o fado da
moura mantém-
se, já que o seu
encanto só
poderia ser
quebrado se o
homem tivesse
pedido o amor da
moura, que é
como quem diz a
sua bela e farta
cabeleira...
CALHETA DE
NESQUIM
No século XVI,

o oceano
Atlântico era
cruzado por
caravelas
carregadas de
riquezas vindas
do Brasil e que
passavam mesmo
ao largo das ilhas
do arquipélago
dos Açores.
Uma lenda
muito conhecida
sobre as Lajes do
Pico conta que
dessas
aventurosas
viagens que os
marinheiros
portugueses
empreendiam,
uma caravela que
transportava pau
brasil – uma
madeira de
grande qualidade
e altamente
apreciada na
Europa – foi
assolada por uma
terrível
tempestade,
precisamente ao
largo dos ilhas do
grupo central
Açores, na costa
sul do Pico,
acabando por
naufragar.
Sacudida pela
fúria do mar e
perdida na
escuridão da
noite, a tripulação
depressa
desapareceu no
meio das grandes
vagas. A caravela
afundou-se,
arrastando
consigo todas as
riquezas que
transportava.
Mas nem todos
tinham chegado
ao fim dos seus
dias naquele
naufrágio. No
meio da aflição,
três homens
conseguiram
livrar-se do
emaranhado de
cordas e madeiras
partidas, do
açoite das ondas,
nadar e manter-se
juntos,
orientando-se
pelos latidos do
Nesquim, o fiel
cão de bordo,
cujo faro apurado
adivinhava terra
não muito longe.
Estavam
enregelados e
esgotados, quase
lamentando que o
seu último sopro
de vida não
tivesse chegado
ainda, quando a
certa altura
aperceberam-se,
pelo barulho da
água a bater nas
rochas, que a
terra estava
mesmo muito
perto. A custo
vislumbraram as
sombras de um
enorme rochedo e
isso deu-lhes
força para
continuar a lutar
pela vida.
Um dos
homens,
recuperando
subitamente a
coragem e o amor
à vida, exclamou:
— Vai
Nesquim, vai,
nada! E salta para
terra, Nesquim,
salta!
O cão
obedeceu e logo
trepou para uma
rocha. Os três
homens aturdidos
seguiram-no.
Espantados,
olharam para
aquela estranha
terra, tão
acolhedora no
meio da
desgraça:
encontravam-se
numa pequena
baía (ou calheta,
como dizem os
açorianos), onde
o mar se
aninhava nas
lajes escuras e
pequenas. Por
trás erguia-se a
silhueta de uma
grande encosta,
toda ela coberta
de faias e urzes.
Naquele
preciso momento,
os homens
resolveram
chamar a esta
terra Calheta do
Nesquim, nome
que perdura até
hoje, numa
sentida
homenagem ao
cão que tão
corajosamente
lhes tinha salvo a
vida.
Os nomes dos
náufragos ainda
hoje são
lembrados
naquela ilha
verde. Um deles
era João Valim
que resolveu ficar
a morar em
Ribeira do Meio.
O segundo, João
Redondo, foi
andando pela
ilha, até que se
fixou no lugar
que é hoje a
Madalena. Diogo
Vaz Dourado, que
por acaso era o
capitão do veleiro
acidentado,
passou a viver
num lugar que
hoje é conhecido
por Foros,
desenvolvendo a
partir daí a
freguesia de
Calheta do
Nesquim.
Nesquim, o cão
fiel e corajosos,
ainda viveu
alguns anos e
morreu com a
cabeça pousada
nas pernas de
Diogo Vaz
Dourado, que o
depositou então
no lugar que ele
próprio tinha
descoberto e do
qual fez tábua de
salvação. Com o
tempo, uniu-se à
terra virgem da
ilha, debaixo de
faias e urzes que
crescem
livremente.
Acredita o
povo, crença que
a escritora e
professora
Ângela Furtado
Brum explicou
em Açores:
Lendas e Outras
Histórias, que “a
coragem e a
inteligência de
Nesquim
penetrou na terra
e nas plantas e
alimentou o
corpo e a alma
dos habitantes
desta freguesia
que se fizeram
destemidos
pescadores e
baleeiros,
afamados em
toda a ilha”.
PORTO DE
VACAS
Existem pelo
menos duas
localidades com
o nome Porto de
Vacas no
território
português.
Uma fica na
pitoresca
freguesia de
Janeiro de Baixo,
concelho de
Pampilhosa da
Serra, à beira do
rio Zêzere. Toda
a vida desta
aldeia gira, aliás,
em torno deste
elemento natural
desde tempos
seculares, como o
demonstram o
antigo açude que
culmina nas
velhas ruínas das
azenhas ou a
ponte que desde
os anos 1970 faz
a ligação entre as
duas margens.
Mas é da
memória da
antiga barca
pública, que antes
da existência da
ponte
transportava
pessoas e animais
de um lado para o
outro, que resulta
o curioso e
inesquecível
topónimo que dá
nome à aldeia –
Porto de Vacas.
Mas para
chegar ao
segundo Porto de
Vacas, é preciso
atravessar o
Atlântico e
chegar à
formidável ilha
Graciosa, nos
Açores.
Aqui, como nas
restantes ilhas
açorianas, desde
sempre se
celebrou o divino
Espírito Santo
com rezas,
procissões,
coroações e
outros rituais
muito próprios
que incluíam
oferendas. Isto
acontecia mesmo
quando a fartura
não era muita,
pois quando as
pessoas da ilha se
viam em
dificuldades, não
se inibiam em
prometer a sua
melhor vaca ao
Espírito Santo.
Na cidade da
Praia, era
costume porem
os animais
destinados às
festas num
pequeno ilhéu
frente à costa,
para que
comessem mais
e, sem gastar
energias a pastar,
engordassem
mais depressa e a
carne saísse tenra
– só com o gado
bem gordo a
promessa seria
paga com
dignidade.
Um dia,
também o próprio
mordomo das
festas fez uma
promessa ao
Espírito Santo e
colocou as suas
vacas a engordar
no ilhéu.
Só que naquele
ano a primavera
tinha sido muito
má, fria, ventosa
e com o mar
sempre bravo.
Todos esperavam
que o tempo
melhorasse
depressa, para
que pudessem
fazer a travessia
das vacas a
tempo das festas,
mas tal não
aconteceu!
Parecia que,
naquele ano, nem
o Espírito Santo
estava de feição.
Chegou a última
sexta-feira antes
do Domingo do
Espírito Santo,
dia em que era
suposto ir ao
ilhéu e trazer os
animais que iam
ser servidos no
jantar mas o
tempo continuava
tão mau que não
se podia sequer
pensar em sair do
porto.
O mordomo,
aflito, olhava o
mar e o céu,
rezava e fazia
mais promessas,
sempre na
esperança de que
o tempo mudasse.
Mas nada. Tão
desesperado
estava que,
apesar de não ter
dinheiro, pediu
emprestado e
decidiu ir
comprar mais
gado, do que já
estava bem
gordo, para
cumprir o que
tinha prometido à
entidade divina.
Graças ao
esforço do pobre
mordomo, no
sábado de manhã
estava tudo
preparado para
matar as reses
compradas à
última hora
quando,
inesperadamente,
e apesar de o mar
estar bravo e
cavado como
nunca, as vacas
que estavam no
ilhéu lançaram-se
à água sem que
nenhum homem
as guiasse,
enfrentaram
corajosamente as
vagas, saltaram
para terra na
praia e
surpreendenteme
nte foram ter à
porta de casa do
homem,
oferecendo-se
para serem
mortas.
O povo ficou
tão maravilhado
com este
acontecimento
que, sempre que
lembravam ou
relatavam a
alguém o
sucedido,
chamavam Porto
das Vacas ao lado
da Praia, onde as
vacas aportaram,
movidas –
acreditavam as
gentes – pela mão
do Divino
Espírito Santo. O
nome foi
pegando e assim
ficou até hoje.
Também a
mística e
encantadora
história perdura
na memória
popular das
gentes da
Graciosa, que
celebram ainda o
Divino Espírito
Santo no Dia de
Pentecostes.
JUROMENHA
Diz a lenda que
um rico e nobre
godo que, por um
lado, nutria um
amor incestuosos
pela irmã, Dona
Menha, e por
outro queria
espoliá-la da
herança herdada
dos pais, resolveu
prendê-la no
castelo, no intuito
de a convencer a
ceder aos seus
intentos. Mas a
jovem nunca lhe
fez a vontade e
sempre que o
irmão fazia uma
das suas
investidas, dizia:
– Jura Menha
que não…
Ainda hoje
uma das torres do
castelo desta
povoação do
concelho de
Alandroal tem a
denominação de
torre da Menha,
por supostamente
ali ter estado
aprisionada, anos
a fio, a dita
donzela.
BOBADELA
Existe mais do
que uma
localidade com
este nome, mas a
história que em
seguida se conta
diz respeito à
Bobadela
pertencente ao
concelho de
Oliveira do
Hospital, no
distrito de
Coimbra. Faz
parte de uma das
maravilhosas
narrativas
lendárias de
Gentil Marques e
reza assim: “Lá
fora, as nuvens
erguiam-se em
novelos furiosos
anunciando
tempestade. O
vento assobiava
pelas frinchas da
janela e uma
inquietude
estranha parecia
ter-se apoderado
do sítio. Em
silêncio absoluto,
uma jovem
rapariga, Beatriz,
bordava, sozinha
na pequena sala.
Bordava
rapidamente,
quase ao mesmo
ritmo que na sua
cabeça se
cruzavam os
pensamentos,
igualmente
inquietos. Quanto
tempo mais teria
de estar privada
sem ver nem
poder ouvir o seu
amor? Sem poder
falar dele ao
mundo inteiro?
Beatriz amava
em silêncio. O
pai, sisudo, altivo
e pouco dado a
diálogos, achava-
a muito nova para
casar. Já a
madrinha, que a
criara desde
pequena após a
morte da mãe,
educara-a, mas
não lhe dera
amor! E embora
o pai sempre lhe
tivesse dedicado
grande carinho,
tinha os seus
inúmeros
problemas e
pensava que uma
donzela que
tivesse um
palácio, bom
nome, fortuna e
uma família que a
amasse... só
poderia sentir-se
feliz! Mas, na
verdade, Beatriz
tinha tudo isso
mas estava longe
de ser feliz! Pelo
menos desde o
dia em que dera
de caras com
Pedro de Trava,
pela primeira vez,
no meio da praça,
o que não
impediu que os
olhos de ambos
tivessem gritado
em silêncio uma
jura de amor.
E a verdade é
que Beatriz era
totalmente
correspondida,
Pedro amava-a
profundamente!
Apenas esperava
o momento certo
para a pedir a sua
mão ao pai.
Esperava, aliás,
que fosse Beatriz
a indicar-lhe o
derradeiro
momento.
É que Beatriz,
apesar da sua
tenra idade, sabia
que nem todas as
ocasiões servem
para estas coisas.
Por isso aquela
sua espera
inquieta e em
silêncio. Uma
espera que a
atormentava e
consumia por
dentro.
E de repente,
enquanto Beatriz
remoía mais uma
vez estes
pensamentos, a
porta da salinha
abriu-se para dar
entrada a D.
Ximena, a
madrinha. Trazia
um brilho
estranho no olhar,
que Beatriz desde
logo desconfiou
que nada tivesse
a ver com a
tempestade.
Numa voz que
procurava ser
amável, D.
Ximena sentou-se
a seu lado e
perguntou-lhe
docemente:
– Beatriz... Que
tens? Porquê
tanto azáfama
nesse teu
bordado?
Beatriz
esboçou um
sorriso.
– Trabalho para
não me aborrecer.
D. Ximena
sorriu também,
mas era um
sorriso estranho,
ao ponto de fazer
paralisar o braço
de Beatriz.
Quando a
madrasta
despertava este
tipo de dúvida,
tentava ler o seu
íntimo.
Aprendera a
guardar distância,
daquela que a
tinha criado mas
que não amava
verdadeiramente.
A dama parecia
adivinhar os seus
pensamentos
também. Olhou-a
e com uma voz
que soou falsa
aos ouvidos da
donzela, disse-
lhe:
– Beatriz, sei
que a minha
presença não te
basta… e o teu
pai tem vários
assuntos que lhe
roubam o tempo
para estar
connosco aqui
em casa. A tua
idade é perigosa.
Estás na idade de
amar... daí o tédio
que disfarça os
teus nervos.
Dito isto, Dona
Ximena calou-se,
esperando
alguma reação de
Beatriz. A jovem
sentiu-se a corar
e para disfarçar a
sua atrapalhação
foi dizendo:
– Minha
senhora, as
donzelas como eu
quase não sabem
se devem ou não
amar... se é que
isso é algo que se
possa dominar!
A dama então
sorriu
placidamente.
– Não há nada
mais dominável
que o amor,
minha querida!
Beatriz olhou-a
de novo, mais
nervosa ainda e,
sobretudo,
intrigada.
A madrinha
continuava a
sorrir, cada vez
mais satisfeita.
Depois, pousou-
lhe uma das mãos
num ombro e
anunciou num
tom triunfal:
– A tua hora
chegou, minha
pequena Beatriz!
O coração da
jovem bateu tão
forte que Beatriz
temeu que lhe
fosse saltar do
peito a qualquer
momento. A
muito custo
disfarçou o
tumulto que lhe
tomara conta da
alma.
– Meu pai não
será talvez da
mesma opinião...
D. Ximena
passou-lhe os
dedos
suavemente pelos
cabelos, gesto
que Beatriz não
reconhecia.
Nunca a madrasta
lhe tinha tocado
de forma
carinhosa.
– Se há coisa
que conheço bem
é a opinião de teu
pai sobre esse ou
sobre qualquer
outro assunto.
Por isso estou a
falar contigo
sobre esse
assunto, para te
dizer que podes
contar com a
minha ajuda...
Beatriz olhou a
madrinha bem de
frente, tentando
mais uma vez
adivinhar-lhe os
pensamentos,
receosa de que
fosse apenas
ilusão sua ou até
mesmo uma
brincadeira. E na
sua atrapalhação
acabou mesmo
por confundir os
sentimentos da
madrasta, que
tomou por
sincera.
E nesse preciso
momento
cometeu um dos
seus maiores
erros: confiou.
Levantou-se e
tomou-lhe a mão:
— Ai, minha
madrinha, então
compreendes?
Como estou
contente! Pedro é
bom... é valente...
tem uma alma
nobre...
Mas assim que
Beatriz proferiu
estas palavras, a
expressão de D.
Ximena alterou-
se por completo
e, num gesto
seco, sacudiu a
mão de Beatriz.
O sorriso
sumiu-se da sua
cara num ápice
dando lugar a
uma expressão
perturbada. A voz
saiu-lhe áspera e
irritada.
– Pedro?... Mas
quem é Pedro?
Atordoada e
ainda mais
confusa, Beatriz
acenou com a
cabeça, já a
medo.
D. Ximena
baixou o tom de
voz e sussurrou,
parecendo ter
medo de que as
paredes a
ouvissem:
– Referes-te...
ao conde Pedro
de Trava?
Cada vez mais
assustada, Beatriz
achou que não
tinha outro
remédio senão
confirmar:
– Sim... refiro-
me a Pedro de
Trava... Não era a
Pedro que
desejavas ajudar?
A resposta veio
breve e seca:
– Não! Mas é
claro que não!
– Então... não
compreendo...
afinal, como
quereis ajudar-
me?
– A minha
intenção é casar-
te com o meu
sobrinho, o nobre
Raimundo de
Toscana. Esse
sim é um bom
homem para ti. E
deves casar-te
com ele o quanto
antes!
Beatriz olhou-a
com pavor.
– Não, a
senhora não faria
isso!... Nem
sequer conheço o
vosso sobrinho...
Nenhuma afeição
nos une. Como
podes pensar em
casar-me com
alguém que não
conheço e… e
sem sequer me
perguntar se o
desejo?
D. Ximena
encolheu os
ombros.
– Terás tempo
de sobra para o
conhecer. E uma
donzela como tu
faz o que for o
desejo da sua
família! Estamos
entendidas? Não
quero sequer
ouvir, nunca
mais, o nome
desse tal Pedro!...
Beatriz abriu
muito os olhos e
mordeu os lábios
para evitar
chorar.
– O meu pai
não quer ver-me
casada por
enquanto!
D. Ximena
olhou-a muito
séria, encostou-se
à poltrona e
cruzou os braços.
– Não me
aflige a vontade
do teu pai. O que
sabe ele sobre o
que se passa
nesta casa? Vive
agarrado às suas
terras, aos
negócios e ao seu
dinheiro. Não sei
se percebe o
quanto cresceste!
Já é tempo de ir
pensando no teu
dote… que deve
ser bem
avultado!...
Beatriz olhou a
madrasta com
súbito desprezo.
Percebeu
finalmente as
intenções da
madrinha! E a
raiva devolveu-
lhe a força.
– Ah!... Então
o que está aqui
em causa é meu
dote. Devia ter
percebido logo
que não se tratava
de mim...
Subitamente, o
rosto de D.
Ximena ficou
branco.
– Como ousas
falar-me assim,
fedelha? A mim
que te criei como
uma filha? Ouve
bem o que tenho
para te dizer. Não
sei quando nem
como conheceste
Pedro de Trava e
também não me
interessam nada
as promessas de
amor que tenham
trocado. Se eu
decidi que casar-
te com Raimundo
é o melhor para ti
e para a nossa
família, então
casarás com ele!
E mesmo que o
teu coração neste
momento não lhe
pertença, com o
tempo esquecerás
essa tua
paixoneta infantil
e ficarás
extremamente
agradecida pela
escolha que fiz
para ti! Amanhã
mesmo, logo pela
manhã, falaremos
com teu pai. E
amanhã terá mais
uma coisa para
acrescentar à sua
infindável agenda
de afazeres:
anunciar o
noivado!
E sem querer
ouvir mais nada,
D. Ximena saiu a
passos largos da
salinha.
Beatriz ficou
atordoada com
aquele inesperado
desenlace e
desesperada com
a perspetiva de
ser obrigada a
casar com um
homem que não
amava. Curvou-
se sobre a
poltrona com a
cara enfiada nos
braços e os dedos
enterrados na
cabeça, e estava
neste sofrimento
quando a sua
dama de
companhia
entrou.
– Estais bem,
D. Beatriz? O
que se passa?
Não vim mais
cedo porque
estava aqui D.
Ximena…
Ao ver aquela
sua fiel
companhia, a
jovem recuperou
um pouco a
lucidez.
– Ainda bem
que apareceste,
Juliana. Preciso
de ti. A minha
madrinha ainda
anda por aí ou já
se recolheu nos
seus aposentos?
– Penso que se
recolheu… via-a
quando saía... Ia
tão apressada, tão
pálida, tão
nervosa, que me
assustei! O que se
passou?
Discutiram?
– Ouve,
Juliana, é muito
grave! Ela quer
casar-me com o
sobrinho, D.
Raimundo! E
depressa! Quer
que o meu pai
anuncie o
noivado já
amanhã!
A rapariga
abriu os olhos
muda de espanto.
– Aquele
gorducho
desajeitado que
só faz o que ela
manda?
– Sim, esse
mesmo.
– Ó céus! Para
o que lhe havia
de dar! E que
havemos de
fazer?
– Vais sair. Vais
imediatamente ao
castelo dos
Travas e pede
para falares com
o jovem conde.
Vê lá, não te
enganes! Só
falarás com
Pedro! Só com
ele. Mais
ninguém pode
saber. E conta-lhe
tudo.
– Sim, D.
Beatriz, assim
farei. Mas terei
de sair daqui sem
ser vista ou D.
Ximena pode
tentar impedir-
me.
– Arranja-te
como puderes. E
diz-lhe mais
ainda: é
necessário que
ele venha já
amanhã de
manhã, bem
cedo, pedir-me a
meu pai! Tens de
deixar isso bem
claro, ouviste?
A noite
começou a cair
mansamente. Nas
horas que se
seguiram, Beatriz
não viu mais a
sua dama de
companhia. Em
dado momento,
até D. Ximena
estranhou a
ausência e
perguntou por
ela. Beatriz
sobressaltou-se
mas mentiu-lhe:
— Foi arranjar-
me linhas para o
meu bordado.
Deve andar por aí
a fazer o que lhe
pedi.
D. Ximena, que
não era nada
parva, franziu as
sobrancelhas e
ficou pensativa
por alguns
momentos.
Depois saiu da
sala apressada.
Quando voltou,
vinha colérica.
— Encontrei
Juliana, imagina!
Mas justificou a
sua ausência com
o arranjo de um
vestido teu... e
estava totalmente
esquecida das
linhas. Para
castigo de ambas,
vais já para a
cama... sem a
ajuda de Juliana!
Beatriz
obedeceu,
sorrindo. Sabia
então que Juliana
já voltara, o que
significava que
tinha conseguido
alcançar os seus
intentos. E até o
facto de poder
estar um pouco
sozinha com os
seus pensamentos
era apetecível.
Mas ao entrar
no quarto, Juliana
apareceu-lhe de
repente. Pelos
vistos conseguira
iludir mais uma
vez a vigilância
de D. Ximena.
– D. Beatriz!
Dei o recado! O
senhor conde diz
para ficar
descansada. Ele
virá de manhã
falar com o vosso
pai!
E, dando meia
volta,
desapareceu nos
corredores, veloz
como uma
gazela.
Beatriz não
conseguiu pregar
olho toda a noite.
Como eram
longas as noites
de nervos! Jamais
o sol lhe viria a
parecer tão
preguiçoso. Mas
quando o dia
nasceu, a
inquietude de
Beatriz não
serenou. Pelo
contrário.
Todo o seu
pensamento
estava preso na
decisão do pai, a
sua derradeira
esperança. Se ao
menos o tivesse
visto… se lhe
tivesse falado!
Mas D. Ximena
afastara-a dele.
Propositadamente
, bem o sabia.
Oh! que espécie
de mulher era que
lhe calhara como
madrinha!
O sol subia na
linha do
horizonte, mas
algo de estranho
se passava. Nem
D. Ximena nem
Juliana
apareciam.
Ninguém vinha
chamá-la para
tomar o pequeno-
almoço, nem a
ama aparecia
para a ajudar a
vestir-se. Teria
acontecido
alguma coisa à
rapariga? Talvez
D. Ximena a
tivesse castigado,
quando se vira
em face do outro
pretendente à sua
mão, pensou
Beatriz. E qual
seria a decisão do
pai? Qual seria?
O cérebro de
Beatriz parecia
que ia explodir de
tantas dúvidas.
Foi então que
decidiu ir até à
porta para tentar
perceber o que se
estava a passar.
Porém, a porta
estava fechada! A
fúria tomou conta
dela. Estava
presa! D. Ximena
estava a mantê-la
em clausura, o
que significava
que algo se tinha
passado.
Provavelmente,
Pedro de Trava
viera, queria
Beatriz acreditar.
Enlouquecida,
começou a bater
com os punhos na
porta de madeira.
Bateu e bateu,
quase até não
suportar mais as
dores nos nós dos
dedos. Ouviu
então passos
apressados.
Depois, a porta
abriu-se de par
em par e o pai
entrou, sozinho e
com um ar
contrariado.
– Mas que raio
de alarido afinal
vem a ser este?
Beatriz engoliu
um soluço.
– Senhor!
Queria sair... e a
porta não se
abria!
– Que ideia a
tua minha filha!
Abri-a sem
qualquer esforço.
Onde está
Juliana?
– Ainda hoje a
não vi.
– E a tua
madrinha?
– Também não.
Estive sempre só,
meu pai.
– Que dia
estranho! – soltou
o pai. Agora já
mais calma,
Beatriz reparou
então que o pai
trazia um
semblante
transtornado.
Olhando para a
filha, respirou
fundo e uma
pequena pausa.
– Beatriz!
Acabo de receber
dois pedidos de
casamento para a
minha única
filha. Dois
pedidos... e quase
à mesma hora!
O coração de
Beatriz disparou.
Perguntou a
medo:
– E... que
respondestes,
meu pai?
O fidalgo
coçou as barbas
já grisalhas. E
sorriu
misteriosamente,
mas intimamente
satisfeito.
– Respondi um
“sim”, mas
daqueles à minha
maneira!
Desta vez, foi
Beatriz quem
ficou intrigada.
– Um “sim”…
aos dois?
O pai
continuava a
sorrir...
– Pois é
verdade: um
“sim” aos dois!
Alarmada,
julgando não ter
ouvido bem,
Beatriz
exclamou:
– Mas isso é
impossível!
Uma risada
ecoou no quarto.
– Claro que é
impossível! Mas
a ideia é essa.
Nenhum dos teus
pretendentes
poderá dizer que
o excluí! Serão
eles os primeiros
a desistirem...
Beatriz estava
queda e muda de
espanto:
– Mas…
senhor meu pai…
O fidalgo riu
de novo, todo
satisfeito. Os seus
olhos brilhavam e
poderia dizer-se
que estava feliz
com a sua
malícia.
– Usei um
velho ardil.
– Um ardil?
– Ora, devo
dizer-te, primeiro
que tudo, que
estes pedidos de
casamento
surpreenderam-
me bastante.
Confesso que não
esperava fazer-te
sair já da minha
tutela. Todavia…
se houvesse entre
os teus
determinados
pretendentes
alguém que
pudesse portar-se
à altura de te
merecer...
O fidalgo fez
uma ligeira
pausa. Beatriz
nem respirava.
Então, o pai
continuou:
– Enfim, livrei-
me deles dizendo
que cederia a
mão de minha
filha Beatriz
àquele que
primeiro
cumprisse um
destes meus dois
desejos: um dos
pretendentes, à
escolha, teria de
colocar,
completamente
sozinho, a cúpula
na igreja. O
outro, teria de
trazer a água da
levada de São
Romão até aqui à
beira deste solar.
Desalentada,
Beatriz atirou-se
para um cadeirão.
– Mas o
primeiro é
inteiramente
impossível! O
meu pai sabe-o
bem!
O fidalgo riu e
ajeitou-se
confortavelmente
noutra cadeira.
– O que
elimina já um dos
concorrentes!
Quanto à levada,
bom não marquei
um tempo... e até
lá...
– Qual deles
escolheu a
levada? –
perguntou ainda
mais nervosa
Beatriz.
O fidalgo
sorriu com um
certo desprezo.
– A tua
madrinha, vê
bem, exigiu essa
cláusula para o
seu sobrinho,
Raimundo de
Toseana. Mas
está furiosa
comigo. Acha-a
abominável! E
provavelmente
também achava
que entregava a
minha filha de
ânimo leve para
aquele seu
sobrinho.
O fidalgo
continuava
sereno e
divertido, não
reparando – ou
fazendo de conta
não reparar – na
aflição que
tomara conta da
filha.
Ela, numa
réstia de forças,
perguntou-lhe
ainda:
– E... o outro?
O que disse
Pedro de Trava
sobre o desafio
que lhe coube em
sorte?
– O outro? Oh!
O outro é decerto
um espertalhão
visionário. Em
vez de desistir
logo desta minha
ideia louca, ainda
agradeceu a
grande honra que
lhe concedia e...
aceitou!
Beatriz sentiu a
cabeça a andar à
roda com tanta
informação difícil
de digerir e o
coração a bater
descompassado.
Só nesse
momento o pai
pareceu reparar
na perturbação
que tudo aquilo
lhe causara.
Passando
carinhosamente o
braço pelos
ombros da filha,
convidou-a a
descer.
– Vamos
passear um pouco
lá fora. Acho que
estamos todos a
precisar de um
pouco de ar puro!
Alguns dias
passaram sem
quaisquer
novidades sobre
as missões dos
pretendentes de
Beatriz. Mas para
a rapariga foram
dias de grande
ansiedade e
solidão. Nunca
mais pôs os olhos
em Juliana, que
segundo lhe
haviam garantido
tinha ido a casa
dos pais tratar de
um deles que
adoecera.
E D. Ximena
parecia andar
demasiado
ocupada com
outros assuntos,
que nem
encontrava um
pouco de tempo
livre para fazer
companhia à
jovem afilhada.
Parecia querer
evitá-la a todo o
custo.
Quanto a Pedro
de Trava, só
alguns dias
depois lhe
enviara um
estranho e
enigmático
recado pelo
tratador dos
cavalos.
Beatriz leu e
releu o recado,
repetiu-o vezes
sem conta
matutando no seu
significado mas,
quanto mais se
moía, menos
entendia o que
lhe quisera Pedro
transmitir. “Só
Deus nos poderá
ajudar amanhã” –
dizia o papelinho
amarrotado que o
rapaz trouxera da
casa de Trava.
Beatriz
confiava
cegamente no seu
amado, mas não
via como poderia
Pedro sair-se bem
na missão de que
o pai o incumbira
e o bilhete
também parecia
deixar adivinhar
que não tinha
qualquer plano
para que
augurasse o
sucesso.
De súbito, D.
Ximena entrou na
salinha, cortando-
lhe os
pensamentos.
Vinha mais fria e
altiva que nunca.
Foi logo direita
ao assunto:
– Beatriz! Meu
sobrinho, D.
Raimundo,
começou já a dar
provas do seu
grande amor por
ti! Um fidalgo
como ele,
cavando, sozinho,
a terra dura, para
ter direito à tua
mão, é na
verdade
enternecedor!
Beatriz
respondeu-lhe à
letra:
– Não sei se
será amor mas,
pelo menos, dá
provas de uma
cega obediência!
A dama olhou-
a com despeito,
fazendo de conta
que não
entendera:

Obediência?... A
quem?
Altiva, a jovem
respondeu:
– A vós…
minha madrinha!
D. Ximena
falou com
severidade:
– Deixa-me ver
se percebi bem.
Pensas então que
ele age somente
por obediência?
Enganas-te,
minha menina.
Ele ama-te,
Beatriz!
Enquanto o outro
nada faz para
merecer-te!
Beatriz sentiu-
se ferida e
derrotada. Então
revoltou-se.
– O outro,
como a madrinha
diz, também me
ama. Verá! Irá em
breve à igreja
colocar a cúpula,
na presença de
muitas
testemunhas.
Verá!
A dama
sobressaltou-se:
– Como o
sabes? Quem te
disse tamanha
mentira?
– O meu
coração que não
falha!
– É mesmo
louca a menina
Beatriz! Ora…
colocar a cúpula!
Bem sabes que
isso é
humanamente
impossível.
Pensas que o teu
pai não é
inteligente? O teu
pai exigiu duas
provas para que
só um fosse
beneficiado. E o
primeiro a
escolher a única
realizável foi o
meu sobrinho…
sim, aquele que
em breve será o
teu noivo!
Beatriz sabia
que nas palavras
da madrinha
podia haver um
fundo de verdade
e talvez por isso
mordeu os lábios
antes de
responder.
– A levada
ainda vem muito
longe!
– Talvez. Mas
conheço o meu
sobrinho. Ele
trabalhará noite e
dia sem
descanso! E
chegará aqui!
Enquanto o
outro… ó minha
querida, nem hoje
nem nunca
colocará a cúpula
na igreja!
– A Deus nada
é impossível!
Pedro e eu
acreditamos que
o Senhor nos
ajudará... para
confundir e
derrotar os
falsos!
– Decerto estás
louca e ofendes-
me! Esquece esse
homem... porque
já é tarde demais
para pensares
nele!
– Nunca é tarde
quando Deus
quer! Pedro é
bom e leal. Nós
confiamos em
Deus!
– Não estás em
teu juízo! Porque
repudias
Raimundo, o
único que poderá
ser teu esposo?
Um rapaz bom,
que fará tudo
para te fazer
feliz?
Quanto mais a
madrinha falava,
mais Beatriz
tremia de
desespero:
– Deixai-me
sozinha! Preciso
orar!
D. Ximena riu
com nervosismo.
– Orar! Orar!
Deus tem mais
que fazer!
Do corredor,
ouviram-se então
passos
apressados. As
duas mulheres
calaram-se,
olhando
ansiosamente a
porta de entrada.
E de lá viram
surgir o velho
fidalgo, com uma
expressão de
espanto no olhar.
Dirigiu-se à filha:
– Beatriz! Não
sei como mas o
conde Pedro de
Trava acaba de
colocar a cúpula
na igreja, perante
numerosa
assistência! O
caso não tem
precedentes! Não
tive outro
remédio se não
dar-lhe a tua
mão!
A jovem caiu
nos braços do
pai, soluçando de
felicidade. Já D.
Ximena saiu a
correr porta fora,
toda espavorida.
Finalmente a
sós, pai e filha
ficaram por um
longo tempo
abraçados.
Depois,
meigamente, o
velho e sábio
fidalgo tomou a
palavra:
– Como
poderia supor que
amavas tanto esse
homem e que ele
te amava tanto?
Nunca o soube,
minha filha. Dei-
lhe um desafio
que julguei
claramente
impossível de
cumprir. Mas ele,
depois de orar
largo tempo,
colocou sozinho
a cúpula, sem
demonstrar
grande esforço. A
jovem conseguiu
falar:
– Louvado seja
Deus! Sabia que
nos iria ajudar. E
onde está Pedro?
– Continua lá
na igreja. Voltou
a prostrar-se de
joelhos. Mais
logo será
recebido aqui,
com as honras
que ele e tu
merecem.
Convidei vários
amigos nossos
para
testemunharem
também este
momento. Espero
que sejas feliz!
Beijando as
mãos do pai,
Beatriz
exclamou:
– Serei a mais
feliz de todas as
mulheres ao cimo
da terra, meu pai!
Quem não
parecia nada feliz
era D. Ximena
que corria como
louca direita à
levada que já
vinha próxima.
Ao chegar junto
do sobrinho,
gritou-lhe com
fúria:
— Que fazeis,
meu imbecil?!
Surpreendido,
o rapaz parou de
cavar e tentou
explicar.
– Falta já
pouco, madrinha!
Dentro de
algumas horas
estarei à porta do
solar! Vede como
corre esta água
cristalina!
– Pois então
beba dela, seu
pateta! Beba dela
porque o outro já
colocou a cúpula
em primeiro
lugar!
Raimundo,
cansado e
confuso, sentou-
se com desânimo
no próprio chão
molhado. Alguns
populares que
ainda por ali
deambulavam
riram à socapa,
repetindo
disfarçadamente
a frase de D.
Ximena...
— Que beba
dela!... Que beba
dela!...”
E assim foi
passando de boca
em boca e nasceu
o nome da
povoação de
Bobadela,
pertencente ao
concelho de
Oliveira do
Hospital.
CAVEIRA
Em meados do
século XVI, a ilha
das Flores, no
arquipélago dos
Açores, ficava na
rota das caravelas
que passavam
rumo às
Américas, de
onde voltavam
depois carregadas
de preciosas e
exóticas riquezas.
Nem sempre,
porém, chegavam
a bom porto. Ali
mesmo ao largo
das Flores era
comum serem
devastadas por
terríveis
tempestades, das
quais não se
salvavam nem
homens nem
tesouros.
Um dia, depois
de uma dessas
noites
aterradoras, em
que a tragédia se
abateu sobre os
marinheiros sem
dó nem piedade,
deu à costa, nas
Flores, um
náufrago.
Enregelado,
cheio de fome e
ferido, foi ter a
um lugar agreste,
muito acidentado
e ventoso, do
lado nordeste da
ilha, mas onde
encontrou
pessoas lhe
deram comida,
roupa e,
sobretudo, a sua
fraternidade.
O homem, que
se chamava
Demétrio,
rapidamente se
afeiçoou ao lugar
e às gentes e
decidiu viver
para sempre no
pequeno lugarejo.
Pouco tempo
depois, casou-se
com uma moça
da terra. Como
era trabalhador e
afável,
rapidamente
tornou-se muito
querido das
gentes do lugar.
Havida, contudo,
um pequeno
problema…
Apesar de ser um
bom cristão,
Demétrio tinha
ideias que alguns,
quando ouviam,
desatavam a
benzer-se, porque
as consideravam
heréticas.
Dizia, por
exemplo, que as
orações pelos
mortos não
tinham qualquer
valor, pois não os
traziam de volta e
também não valia
a pena rezar pela
sua alma, que era
coisa que não
existia.
Negava a
existência do
Purgatório e do
Inferno e
acreditava que a
alma residia no
corpo e por isso,
no derradeiro
sopro de vida,
separava-se do
corpo sob a
forma de uma ave
a qual pousa
numa planta
próxima, até que
o corpo fosse
queimado ou
comido pela
terra.
Para horror de
todos os que às
vezes o
escutavam,
Demétrio
acreditava que
essa ave era uma
espécie de
encarnação de
Morana, a deusa
da morte, e que
cantava para
facilitar a
passagem do
moribundo para o
sono eterno.
Foi com esta
crença que
Demétrio sempre
viveu e nela
educou os filhos.
E embora os
vizinhos não
acreditassem
nele, nunca
deixou de viver
em sã
convivência com
eles, sendo muito
estimado por
todos.
Com os anos,
vieram os cabelos
brancos e os
netos. Um dia,
Demétrio, já
idoso, adoeceu e,
depois de passar
algum tempo
recluso em casa,
na cama, morreu.
Nesse mesmo
momento, diz o
povo da ilha das
Flores segundo a
escritora Ângela
Furtado-Brum,
em Açores:
Lendas e Outras
Histórias, uma
“lavandeira
levantou voo e
foi pousar sobre a
faia mais
próxima, mas não
se ouviu o canto
facilitador da
entrada da alma
no Paraíso”. Sem
cantos de aves de
qualquer espécie,
Demétrio foi
sepultado no
cimo da
montanha.
A mulher, que
ao longo de
tantos anos de
convivência tinha
acabado por ser
influenciada
pelas crenças do
marido, ficou
muito perturbada
por a ave não ter
cantado mas, por
embaraço, nada
disse.
O pior veio
depois! Volvidos
alguns dias após
o enterro,
começou a
aparecer sobre a
colina uma
caveira, do
interior da qual
emanava uma luz
perturbadora. As
pessoas ficaram
aterradas com a
visão e depressa
começaram a
acreditar que era
a caveira de
Demétrio, cuja
alma vinha pedir
orações aos vivos
para poder ser
recebida no
Purgatório!
Alguém que
conhecia bem as
crenças do velho
náufrago, decidiu
mandar rezar
umas quantas
missas em sua
homenagem e
oferecer terços
por intercessão
do bom mas
herético
Demétrio. A
verdade é que,
passado pouco
tempo, a mansa
lavandeira que
andou todo
aquele tempo a
esvoaçar sobre a
colina finalmente
cantou sobre a
faia e a caveira
desapareceu dos
céus noturnos e
deixou de
apoquentar as
gentes.
Lá no alto
pedregoso onde
Demétrio estava
enterrado, a
família e os
vizinhos
construíram um
nicho dentro do
qual fizeram um
pequeno painel
de azulejo
representando a
caveira. Mas a
aparição, essa,
nunca mais saiu
da memória das
pessoas e àquela
freguesia da ilha
das Flores passou
a chamar-se
Caveira, nome
que ainda hoje se
mantém.
BESELGA
A aldeia de
Beselga fica em
Tomar, no distrito
de Santarém, e é
o cenário de
umas das mais
românticas lendas
do nosso lendário
oral (transcrita
originalmente por
Gentil Marques),
e à qual deve
também o seu
nome.
Conta o
escritor que numa
certa noite de
primavera, ao
regressar de festa
de jogos florais
na cidade de
Viseu, parou para
descansar
naquele lugar
ribatejano.
Ficou desde
logo encantado
com a beleza do
local, e perguntou
a dois aldeões
como se
chamava,
disseram-lhe que
tinha o mesmo
nome da ribeira
que atravessava a
aldeia, Bezelga.
Gentil Marques
achou piada ao
nome e quis saber
mais. Os seus
interlocutores não
se fizeram
rogados.
Apontaram-lhe
um velho outeiro,
no cimo de um
monte suave.
Respondia pelo
nome de ‘Outeiro
da Cevedade’
porque, juravam
os homens a pés
juntos, outrora
tinha ali havido
uma cidade. Dela
nada restava a
não ser um
enorme tesouro
escondido
debaixo da terra.
O caso
remontava à
época dos
romanos e terá
começado,
segundo os
aldeões, no dia
em que uma
princesa, Bezulce
de seu nome,
visitou a cidade
remota que ali se
erguia,
imponente e
sumptuosa.
Em honra da
tão nobre
visitante, e tal
como mandavam
os costumes da
época, fizeram-se
festas e
combates.
Todavia, um
desses combates
ficou para a
história. Nele
defrontaram-se
dois rivais, Elga e
Flavius, o
primeiro muito
rico, o segundo
muito pobre, mas
ambos com um
desejo em
comum:
conquistar a bela
Bezulce.
A luta foi
terrível e
impiedosa, quase
fatal. O vencedor
foi Flavius. E
assim que este
ergueu o braço
em sinal de
vitória, a formosa
Bezulce chamou-
o à sua tribuna.
– Vem até mim.
Quero felicitar-
vos por tão
brilhante
vitória!...
Os olhos azuis
do triunfador
luziram de
entusiasmo.
– Senhora,
nada mais
pretendi do que
agradar-vos.
Ela, sentindo-
se lisonjeada,
sorriu-lhe toda
dengosa e
resolveu provocá-
lo. Flavius era
bem parecido e
não era qualquer
um que se atrevia
assim a cortejar
uma princesa. E
por mais que o
quisesse negar,
algo nessa
ousadia a
atraía…
– Oh, não
posso acreditar!
Então e a vossa
valentia não
contou para
nada?
Do azul dos
olhos de Flavius,
o entusiasmo deu
lugar a um olhar
lânguido e
doce…
– O que pode
valer a minha
valentia… como
dizeis... ao pé da
vossa
extraordinária
beleza?
Bezulce
compreendeu
então que
também
despertara o
interesse do
lutador, mas não
se deu por achada
e mudou
rapidamente de
assunto.
– Dizei-me,
bravo Flavius...
Que prémio
desejais afinal
por esta tão
surpreendente
vitória?
Ele ergueu a
cabeça. E num
ímpeto
impensado, saiu-
lhe uma frase
atrevida:
— Senhora,
perdoai a minha
ousadia... mas só
há um prémio
que desejo: o
vosso coração,
Senhora! O vosso
amor!
Em redor,
homens e
mulheres
soltaram um “ah”
de assombro.
Cavou-se então
um abismo de
silêncio. Ela, a
refletir. Ele, a
fitá-la, ansioso. O
povo expectante.
A princesa
Bezulce refletiu,
lançou-lhe um
olhar acutilante e
depois fingiu-se
surpreendida
– Que dizeis,
Flavius? Creio
que não percebi
bem…
Mas também o
cavaleiro já
compreendera
que não era
indiferente à
formosa e
inteligente
princesa. Sem
demoras, com o
ímpeto da
juventude e do
seu ofício da
guerra, reforçou o
seu amor.
— Digo-lhe
senhora, sem
mais rodeios...
que estou
apaixonado por
vós, Senhora!... E
coloco-me assim
diante de si
porque... aguardo
a sua decisão.
Bezulce sorriu.
O seu sorriso era
contido, mas
também havia
algo nele que
transparecia
alegria, o que
dava alento ao
cavaleiro. Porém,
diante dos outros
fidalgos da corte
que a olhavam de
soslaio, Bezulce
não podia vacilar
nem mostrar os
seus verdadeiros
sentimentos. Quis
então parecer
severa e justa:
– Terá de ter
paciência,
Flavius!... Tenho
outras pessoas a
atender... Aliás,
entre elas, está o
vosso adversário
de há pouco, o
nobre e rico Elga.
– Tende
cuidado com ele,
Senhora!
As palavras
fugiram-lhe dos
lábios sem
controlo. Logo
depois o
cavaleiro sentiu-
se envergonhado
por ter
confessado o seu
amor em voz alta,
perante tanta
gente. E sem
nada mais dizer,
retirou-se
rapidamente e em
silêncio.
Bezulce
hesitou e ainda
esboçou um gesto
com o intuito de
deter o cavaleiro,
mas já era tarde
demais.
De repente,
surgiu-lhe à
frente o altivo e
arrogante Elga,
cavaleiro e
fidalgo daquele
castelo.
— Princesa…
desculpe que lhe
diga, mas desde
já vos aviso que
não gosto nada de
esperar...
sobretudo por
causa de outros
que me são bem
inferiores!
Bezulce não
gostou de ver os
seus atos
censurados e
ripostou.
– Elga,
permita-me
lembrar-lhe que
quem acabou de
sair foi o vosso
vencedor!
O nobre
limitou-se a
encolher os
ombros e dirigiu-
lhe a palavra com
desdém.
— Ora, não
passou de um
simples acaso...
Minha Senhora,
Flavius, o
humilde Flavius,
não mais me
vencerá!
Por momentos,
a princesa e o
arrogante fidalgo
fitaram-se
apenas. Ela com
surpresa. Ele com
despeito.
A princesa
decidiu passar à
frente do
sucedido. Com
um gesto largo,
sem direito a
palavras, deu a
entender que
estava pronta
para ouvir o
motivo que ali o
levara. Mas como
ele não se decidia
a responder,
insistiu com
firmeza:
– Que
pretendeis afinal
de mim, Elga?
O nobre e rico
fidalgo teve um
sorriso triunfante.
Os seus olhos
encheram-se de
fulgor e soberba.
Depois, numa
voz clara e forte,
anunciou como
se fosse ele
próprio o arauto
do reino:
— Quero que
sejas minha
esposa, princesa!
– Elga...
Ele
interrompeu-a,
num novo
arremesso de
força e poder:
– Posso
oferecer-vos tudo
o que quiseres!
Vê estas terras
todas aqui em
redor? Serão
suas! Vê estes
homens?
Cumprirão as
suas ordens!
Sem a deixar
falar, e perante o
ar surpreso dos
presentes,
apontou para o
outro lado da
cidade.
– Vê aquele
outeiro, princesa?
Pois eu posso
oferecer-vos, por
exemplo..., um
outeiro assim,
mas repleto de
pepitas de ouro!
Que mais
podereis desejar,
princesa?
Mas Bezulce,
que tinha sido
criada com todos
os privilégios e
regalias inerentes
à sua nobre
condição, não se
deixou
deslumbrar pela
promessa de
riquezas.
Com um
semblante
pensativo, os seus
olhos azuis
olharam o campo
onde, momentos
antes, se realizara
o torneio entre os
dois homens.
Com um ar
sonhador, reflexo
do que lhe ia na
alma, respondeu-
lhe então:
– Penso que
posso desejar
mais... talvez…
mais um pouco
daquilo que a
fortuna não nos
pode oferecer: o
verdadeiro amor!
No rosto do
fidalgo
escancarou-se
uma expressão de
espanto.
– Que dizeis,
princesa? Que
parvoíce é essa?
Mas ela
manteve-se
calada, olhando-o
de modo frio e
distante.
O rico e nobre
Elga, pouco
habituado a ser
contrariado,
explodiu numa
crise de cólera:
– Por acaso
quereis dizer,
princesa Bezulce,
que preferes o
amor à riqueza?
— E porque
não, meu caro
Elga? Sabeis tu
do que falas? A
riqueza pode
desfazer-se dum
momento para o
outro, mesmo
quando é
verdadeira... Mas
o amor... O amor,
se é verdadeiro...
torna-se eterno!
Ele continuou,
tomado pelo
ódio:
– Palavras,
palavras, nada
mais do que
isso!... Se eu
quisesse fazer
essa figura de
louco que
vocemecê está
fazendo, poderia
dizer-vos também
que o amor nunca
consegue sozinho
alcançar a
felicidade... Mas
a riqueza..., oh, a
riqueza, quantas
vezes a
conquista!
– Ou compra!...
– retorquiu
corajosamente
Bezulce.
Aquilo era
demais para os
nervos
impulsivos do
agressivo Elga.
Felizmente,
preferiu despedir-
se a continuar ali
e ter de acabar
por ser grosseiro
com uma mulher,
ainda por cima
tratando-se de
uma princesa
jovem e bela
como Bezulce.
– Pois bem,
retiro-me... Mas
não me diga que
pretende mesmo
casar com esse
mísero Flavius,
que não tem onde
cair morto!
Irritada, a
princesa tornou a
olhá-lo de frente,
mesmo olhos nos
olhos.
– Bom… sois
inteligente,
senhor... portanto
sabeis que a
Flavius lhe sobra
em valentia o que
lhe falta em
riqueza!
Então, um
brilho mau
passou pelo olhar
de Elga. Mas era
um brilho cruel.
Um brilho de
ódio, a prometer
vingança.
— Tendes
razão, princesa
Bezulce. Sobra-
lhe alguma
coisa... mas
talvez não lhe
sobre por muito
tempo.
Deixando a
ameaça a
agigantar-se no ar
rodou nos
calcanhares e,
sem mais
qualquer palavra,
sem mais
qualquer gesto de
cortesia,
abandonou a
tribuna. Tal como
entrara, assim se
foi, a resmungar.
Bezulce ficou
então sozinha.
Em vão,
aguardou que
Flavius voltasse,
mas ele
desaparecera
como que por
encanto.
A princesa
sentiu então, pela
primeira vez na
vida, a amargura
de um amor não
correspondido.
Por sua culpa
talvez. Se calhar
tinha levado as
coisas longe
demais… sem se
aperceber tinha-
se apaixonado
por Flavius.
Os dias foram
passando e o
arrependimento
de Bezulce foi
crescendo.
Apenas aos que
lhe eram mais
íntimos
confessou a razão
da sua tristeza,
quando as
lágrimas de
desilusão o
permitiram:
– Que tola eu
fui em mandá-lo
aguardar!... a esta
hora, outra
donzela de
alguma terra
próxima o terá
conquistado
certamente...
Porque é que não
acreditei logo no
seu amor?...
Agora, só me
resta esperar!...
E esperou.
Mais tempo.
Muito tempo.
Nem novas
nem mensagens
de Flavius, o
cavaleiro valente.
Pelo contrário.
Para desespero da
princesa, foi
Elga, cada vez
poderoso e dono
de maior fortuna,
que voltou à
carga.
– De nada vos
serve chorar,
princesa, por
aquele que tão
cobardemente
vos abandonou...
O mais curioso
é que estava tão
determinado a
conquistar
Bezulce que se
tornou solícito e
carinhoso, até
onde lhe foi
possível.
– Porque não
aceitais a minha
oferta?... Eu, sim,
eu sou o homem
que poderei
fazer-vos feliz…
dar-vos tudo o
que uma princesa
bela e jovem
como vós pode
desejar...
Acreditai que vos
amo!
E tantas vezes
disse isto, tantas
repetiu as
mesmas palavras,
que a princesa
Bezulce, já sem
qualquer
esperança no
regresso de
Flavius, acabou
por aceitar!
O casamento
de Bezulce e Elga
foi
espantosamente
sumptuoso. Os
ecos da festa
chegaram aos
quatro cantos do
reino. Durante a
cerimónia, o
nobre e rico
fidalgo deu a
grande novidade:
– De hoje em
diante, minha
princesa amada,
já não vos
chamareis
Bezulce... e, sim,
Bezelga! Para
que os nossos
nomes fiquem
ligados para
sempre!
E no final da
cerimónia, tal
como prometera
à mulher que
disputou no dia
do torneio, Elga
levou a esposa
até junto do
outeiro que
ficava mesmo em
frente ao seu
palácio.
– Minha
querida... eis a
minha promessa
cumprida: aqui
tendes para vós,
Senhora, um
outeiro coberto
de pepitas de
ouro!
Deslumbrada,
pois nunca tinha
visto tal coisa, a
princesa segurou
o braço do
fidalgo seu
marido. Estava
finalmente
rendida aquele
amor.
— Sois
maravilhoso!
Ele riu-se,
vaidoso e sentiu-
se o homem mais
poderoso à face
da terra.
Mas depois,
apesar do enlevo
do jovem casal,
algo de estranho
aconteceu.
Estavam sozinhos
na noite, mas de
repente ecoou
junto a eles uma
terceira voz.
— Não
acrediteis nele,
princesa... Isto é
o máximo que
vos dará!... E
para o conseguir
teve de deixar o
povo na miséria!
Assustada, a
princesa largou o
braço do marido
e perscrutou a
escuridão.
— Que voz é
esta? De onde
vem?
Elga não estava
preocupado com
a sua origem.
Apenas queria
disfarçar o teor
daquelas
misteriosas
palavras…
– Não deveis
dar importância!
São alucinações
que temos às
vezes... talvez
tenhamos bebido
um pouco demais
na festa! Vinde
para dentro
princesa, que está
a ficar frio.
Mas de novo, a
voz soou, mais
cavernosa e
sombria do que
antes:
– Calai-vos
tirano
mentiroso!...
Bem sabeis que
me mandastes
matar e enterrar
aqui mesmo!
O medo que
Bezelga sentia
deu lugar à
desconfiança.
– Isto é
verdade Elga? O
que fizeste tu?
Elga segurou-a
impetuosamente,
sem dar
explicações.
– Vamos
embora!
– Não! Agora
não quero ir...
quero ouvir tudo!
– respondeu
Bezelga.
– Falai, voz
misteriosa!
Como se
esperasse apenas
essa ordem, a voz
do além fez-se
ouvir. Agora mais
clara. Mais triste,
também.
– Ele comprou
a minha morte…
para que eu não a
voltasse a ver.
Mas esqueceu-se
de que a alma é
imortal!
O rosto da
princesa perdeu o
medo e a calma.
De repente,
tornou-se feroz.
– Dizei-me,
Elga... É verdade
o que acabo de
ouvir?
Embaraçado,
Elga bem tentou
explicar-se:
– Bem… tive
de agir... Ele era
meu rival... Só
um de nós
poderia casar
convosco!
Um grito
histérico cortou-
lhe a palavra. A
princesa parecia
agora possuída
pelo demónio. Os
seus olhos azuis
pareciam
enegrecidos pelo
rancor.
– Cala-te,
monstro! Nunca
mais te quero
ouvir. E fica
sabendo que eu
também tenho
grandes
poderes... Mas os
meus só podem
ser utilizados
uma vez... e será
hoje! Agora
mesmo!
Elga, por
incrível que
pareça, começou
a tremer. Quis
fugir rapidamente
para bem longe
dali. Mas já não
teve tempo.
Enraivecida,
Bezulce parecia
tomada pelo
demónio. Com
uma força que
não se sabe de
onde veio,
empurrou-o e fê-
lo cair no chão. A
seguir, com uma
estranha
expressão no
rosto e a voz
sibilante,
começou a
proferir aquilo
que pareciam ser
palavras mágicas.
Aterrado e sem
ter como se
defender daquela
força invisível,
Elga sentiu então
o seu corpo
começar a
transformar-se
em pedra!
Depois, a
própria princesa
caiu por terra,
chorando
compulsivamente
. As suas
lágrimas foram
deslizando
suavemente pela
terra, abrindo
sulcos e
formando um
caudal cristalino.
Mas a magia
ainda não a tinha
abandonado. No
lugar das pepitas
de ouro que
enchiam o
outeiro, surgiram
calhaus e
pedregulhos.
O povo das
redondezas diz,
até nos dias de
hoje, que o
tesouro do rico e
nobre Elga
continua lá, no
“Outeiro da
Cevedade”, à
espera de ser
desencantado um
dia...
No meio das
pedras, garante o
povo, existem
três que
representam os
três protagonistas
desta lenda e nas
quais os locais
adivinham o
rosto belo e firme
de Bezulce, o
rosto enamorado
de Flavius e o
rosto colérico do
nobre arrogante e
rico Elga.
A terra passou
a denominar-se
Bezelga, bem
como a ribeira
que a atravessa,
nascida das
lágrimas da
princesa, segundo
reza o povo.
FIGUEIREDO
DAS DONAS
Conta a lenda
que o nome da
freguesia de
Figueiredo das
Donas, no
concelho de
Vouzela, se deve
a Mauregato das
Astúrias, filho
bastardo de D.
Afonso – o
Católico – que
para conseguir
usurpar o trono
ao legítimo rei
(que era seu
sobrinho), fez
uma aliança com
o Califa de
Córdova, Abd-el-
Rahman de seu
nome.
O pacto, selado
no ano de 783,
estipulava que o
Califa trocaria o
auxílio das suas
tropas por um
tributo anual, que
consistia no
envio de cem
donzelas
lusitanas para os
haréns
mouriscos.
Destas
donzelas, 50
poderiam ser
provenientes do
povo mas, pelo
menos 50, teriam
de ser de origem
nobre.
Apesar da
bizarria,
Mauregato
aceitou as
condições e o
acordo foi em
frente. Por isso,
no ano seguinte,
para pagamento
do tributo ao
Califa, os
cavaleiros de D.
Mauregato
andaram pelo
reino a escolher
as mais formosas
donzelas, para
enviar ao aliado.
Da região de
Lafões, foram
escolhidas seis
formosas
donzelas, que
seguiram viagem
rumo ao sul
escoltadas por
vinte mouros e
quarenta
castelhanos,
todos guardas de
cavalaria, e ainda
por alguns
guardas a pé. Os
homens
cumpriam
ordens, as
donzelas seguiam
chorosas, quando
algures por entre
montes e vales,
perto de uma
aldeia que dava
pelo nome
Figueiredo,
foram
intercetados por
um pequeno
grupo de
atacantes.
Primeiro, árabes
e castelhanos
pensaram tratar-
se de uma
quadrilha de
ladrões, mas
depressa se
aperceberam que
era muito mais do
que isso…
Tratava-se de
um grupo de
trinta homens de
Lafões, fidalgos e
os seus mais
valentes criados,
liderados por
Guesto Ansur,
um valente nobre
lafonense, que
atacou a escolta
que se dirigia
para Mérida, para
libertar a sua
amada, de nome
Orélia.
Tal era a fúria e
a revolta dos
lusitanos e de D.
Guesto, que
depressa fizeram
os estrangeiros
tombar, salvando
as donzelas.
Conta a lenda
que, no auge da
luta, D. Guesto
partiu a sua
espada e a parte
que se saltou
arrancou um
grosso ramo de
uma figueira, o
que não impediu
o nobre de
continuar a lutar
e libertar as
donzelas.
Em memória
desta façanha, D.
Bermudo I das
Austúrias, em
789, terá
atribuído a D.
Guesto o apelido
de Figueiredo e,
por armas e
brasão, um ramo
de figueira.
Determinou ainda
que o lugar da
batalha passasse
a chamar-se
Figueiredo das
Donas, em
memória das
donzelas.
Tal e qual
como num conto
de fadas, Guesto
e Orélia casaram
e viveram felizes
para sempre.
Lenda ou
verdade?
Ninguém sabe ao
certo. Mas de
acordo com os
arquivos da
Vouzelar –
Associação de
Promoção de
Vouzela, existem
mesmo algumas
referências muito
antigas de que o
nome de família
‘Figueiredo’
descende mesmo
desta mesma
história,
alvitrando-se a
hipótese – não
confirmada – de
que Guesto (ou
Goesto) Ansures,
seria filho do
cavaleiro Goestis
Ansures e de D.
Eleva, residentes
no território de
Viseu.
Certo é que o
Califa Abd-el-
Rahman existiu
mesmo e ajudou
Mauregato I das
Astúrias,
conhecido pelo
cognome O
Usurpador, a
tornar-se rei.
Mauregato I era,
efetivamente,
filho ilegítimo do
rei Afonso I das
Astúrias com
uma escrava e
subiu,
ilegitimamente,
ao trono entre
783 e 788,
depondo o seu
próprio sobrinho.
Os
historiadores
espanhóis
admitem que este
tributo (em
donzelas) existiu
e que durou cerca
de seis anos,
exatamente o
mesmo tempo
que Mauregato
esteve no trono e
que só cessou
quando este
faleceu, em 789.
Nessa altura,
subiu ao trono D.
Bermudo I, que
lutou e venceu as
tropas do Califa
Abd-el-Rahman,
junto de Aledo,
libertando os
cristãos do reino
vizinho de tão
humilhante
serventia.
A título de
curiosidade,
refira-se que
existe um velho
cancioneiro
(Figueiral
Figueiredo),
conhecido deste e
do outro lado da
fronteira pelas
gentes da
lavoura, que
relata esta
história assim:
No figueiral
figueiredo
a no figueiral
entrey
seis ninas
encontrara
seis ninas
encontrey
para ellas
andara
para ellas
andey
lhorando as
achara
lhorando as
achey,
logo lhes
pescudara
logo lhes
pescudey
quem las
maltratara
y a tão mala
ley.
No figueiral
figueiredo
a no figueiral
entrei
Vma repricara
infançon nom
sey
mal ouuesse la
terra
que tene o mal
Rey
seu las armas
vsara
y a mim sse
nom sey.
Se hombre a
mim leuara
de tão mala ley,
A Deos vos
vayades
Garçom ca
nom sey
se onde me
falades
mais vos falarei
No figueiral
figueiredo
a no figueiral
entrei.
Eu lhe
repricara
amim sse nom
irey
ca olhos dessa
cara
caros los
comprarei
a las longas
terras
entras vos me
irey,
las compridas
vias
eu las andarei,
lingoa de
arauias
eu las falarei.
Mouros se me
vissem
eu los matarei.
No figueiral
figueiredo
a no figueiral
entrey.
Mouro que las
goarda
cerca lo achei,
mal la
ameaçara
eu mal me
anogei,
troncom
desgalhara
troncom
desgalhei,
todolos
machucara
todolos
machuquei,
las ninas
furtara
las ninas furtei,
la que a mim
falara
nalma la
chantei.
No figueiral
figueiredo
a no figueiral
entrei!
CAPÍTUL
O 6.

O
APELO
DA
NATURE
ZA
A
PROX
IMID
ADE
DA
ÁGU
A, A
PRED
OMIN
ÂNCI
A DE
CERT
AS
ESPÉ
CIES
HERB
ÁCEA
S,
FLOR
ES
OU
ANIM
AIS
OU
ATÉ
MES
MO
UM
DECL
IVE
MAIS
ACEN
TUAD
O DA
PAIS
AGE
M
SÃO
FATO
RES
QUE
DERA
M
ORIG
EM A
UMA
SÉRI
E DE
NOM
ES DE
TERR
AS
EM
PORT
UGAL
.
É
IMPO
SSÍVE
L
OLH
AR
PARA
O
MAP
A
DEST
E
PAÍS
E
NÃO
REPA
RAR
NO
PESO
QUE
OS
CAPR
ICHO
S DA
NATU
REZA
TÊM
NA
TOPO
NÍMI
A.
∙∙∙
AMARELEJA
Goste-se ou
não, foi a cor
amarela que deu
nome à
Amareleja,
concelho de
Moura, que é vila
desde 1991.
Há quem
“culpe” os
primeiros
povoadores do
sítio, que terão
ficado de tal
forma
deslumbrados
pelos imensos
campos de flores
amarelas que
tomavam conta
do lugar, que não
de abstiveram de
se inspirar na
luxuriante
paisagem para
dar nome ao sítio.
Todavia, o
historiador Pinho
Leal, embora não
descarte
completamente
esta versão mais
popular sobre a
origem do
topónimo, põe
também em cima
da mesa a
hipótese de esta
referência sobre a
predominância do
“amarelo” advir
antes do trigo que
durante séculos e
séculos cobria as
planícies e era o
principal sustento
das gentes da
terra.
Há ainda
teorias de que
“amareleja” é
uma palavra de
origem
castelhana, tese
que não é
totalmente
descabida, dada a
proximidade de
Espanha. E até há
quem acredite
que o nome da
terra não passa de
uma brincadeira
traquina de
miúdos: em
tempos que já lá
vão, teriam por
hábito atirar ovos
à fachada branca
da igreja, fugindo
e gritando assim
que viam o
resultado final de
tal patifaria: “já
amareleja! Já
amareleja!”
AVÔ
A localidade de
Avô fica em
Oliveira do
Hospital, distrito
de Coimbra, e
nada tem a ver
com ligações
familiares, apesar
do que o nome
sugere. Dizem os
historiadores e os
entendidos em
matéria de
linguística, que o
nome da
povoação de Avô
vem da expressão
“a vau” e esta,
por seu turno,
tem origem na
proximidade
geográfica do rio
Alva, que banha
a localidade.
Noutros
tempos, não
tendo o povo uma
ponte para fazer a
travessia para o
castelo em
segurança, era
necessário
atravessar o rio
“a vau” (a pé ou a
cavalo). O rio,
aliás, sempre foi
de extrema
importância para
as atividades
económicas da
terra.
Ainda hoje a
freguesia de Avô
é bastante
conhecida pela
sua praia fluvial
formada pelo rio
Alva e pela
ribeira de
Pomares, junto à
ilha do Picoto,
onde existe
também um
parque de
merendas que
sobretudo no
estio atrai muitos
turistas e chama
os migrantes.
Existe uma
outra explicação,
igualmente aceite
pelas entidades
locais, que liga a
designação à
antiga Quinta do
Avô, outrora
situada neste
local, o que terá
justificado o foral
dado a D. Urraca
de Castela.
ESFREGA
Por causa da
aparatosa queda
de um fidalgo
desajeitado numa
ribanceira, a
aldeia de Esfrega,
no concelho de
Proença-a-Nova,
ganhou um novo
nome! Não é
difícil, mesmo
nos dias de hoje,
encontrar entre os
atuais moradores
quem se lembre
de ouvir contar
que em tempos a
localidade dava
pelo nome de
Cerejeirinha ou
Vale de Cerejeira,
numa óbvia
referência aos
inúmeros cerejais
que abundam por
aquelas bandas,
conferindo-lhe na
primavera, por
altura da
floração, uma
atmosfera mágica
e muito especial.
Mas para azar
de quem lá vive,
certo dia, um
desafortunado
visitante – que
segundo consta
era uma figura
com algum poder
– estatelou-se ao
comprido,
ficando em tão
mau estado
depois do
trambolhão, que
das cerejas nunca
mais rezou a
história da aldeia
e o sítio passou a
chamar-se
Esfrega, segundo
as memórias da
terra guardadas
nos arquivos da
Câmara
Municipal de
Proença-a-Nova.
SERRA
DORMIDA
Muitos dos
primeiros
habitantes da
povoação de
Pedreiras, na ilha
Graciosa,
arquipélago dos
Açores, eram
colonos oriundos
da ilha Terceira,
na sua grande
maioria vindos de
São Pedro de
Angra.
Procuravam
novas terras para
cultivar, que
fossem férteis e
entre eles veio
um casal que se
encantou pela
paisagem e ali se
estabeleceu com
os filhos. Um
deles era
Sebastião, um
jovem com um
espírito inquieto
e aventureiro,
para quem a
aldeia das
Pedreiras era um
lugar demasiado
pequeno e
apertado para os
seus sonhos.
Muito esperto e
precoce,
Sebastião
conseguiu que os
pais o deixassem
ir para a Terceira,
para casa de uns
parentes para
continuar os
estudos. Na ilha
estudou, leu
muito e acabou
por se ordenar
sacerdote.
Mas Sebastião,
apesar de ser
padre, continuava
a ter sede do
mundo e talvez
por isso gostava
muito de
conversar com os
viajantes. Estava-
se nos finais do
século XVII. O
Brasil era uma
terra nova,
exótica e o padre
deixou-se
deslumbrar, tal
como os seus pais
quando chegaram
à Graciosa. Partiu
com um sonho
nobre na
bagagem: pregar
evangelho aos
gentios e ensinar
os mais novos.
Por lá ficou
alguns anos,
concretizou os
projetos que
levava na mente,
amealhou alguma
fortuna e voltou à
Graciosa, terra
dos pais, com a
ideia fixa de
construir uma
ermida em honra
de Nossa Senhora
de Monserrate,
próximo de um
dos montes mais
altos da ilha. Mas
não só. Também
comprou muitas
terras, fez o seu
testamento e
dotou a futura
ermida com
algum dinheiro
para a sua
conservação
futura.
Mas o mundo
às vezes é irónico
e o padre
Sebastião não
logrou cumprir os
seus intentos.
Teve de se
ausentar da
Graciosa por
algum tempo e
acabou por
adoecer longe da
terra e morrer. Os
seus bens
passaram então
para os parentes
mais próximos,
que gastaram o
dinheiro naquilo
que bem
entenderam, mas
esquecendo-se de
erguer a ermida,
como era a
suprema vontade
do padre
Sebastião do
Conde. Assim, a
Ermida de
Monserrate nunca
chegou a existir,
mas a ideia
manteve-se na
memória do povo
que a pouco e
pouco passou a
chamar serra da
Ermida à parte
oposta à serra da
Cova.
Os anos foram
passando e outras
gerações vieram.
Olhavam para a
serra e como não
viam lá nenhuma
ermida –
juntando a
tendência natural
que o povo tem
para alterar as
palavras a seu
bel-prazer –
passaram a
chamar-lhe serra
Dormida.
BISCOITOS
Um nome doce
e saboroso coube
em sorte a uma
freguesia do
concelho de Praia
da Vitória, na ilha
Terceira, Açores.
Mas a designação
nada tem a ver
com bolachas.
Biscoitos são os
terrenos cobertos
pela lava
proveniente das
erupções
vulcânicas que
deixaram um
rasto muito
característico na
paisagem desta
zona da ilha,
tingindo a terra
de negro, com
sulcos irregulares
e algo
misteriosos.
Por existirem
no arquipélago
outras zonas de
aspeto
semelhante,
Biscoitos é um
nome comum nas
várias ilhas
açorianas, que
designa também
localidades nas
ilhas do Pico e da
Horta.
PALHOTAS
Percorrendo a
Estrada Nacional
351, junto a
Proença-a-Nova,
saltam à vista as
planícies
douradas que se
estendem até ao
rio Ocreza.
No final de
uma estrada
estreita, sai-se
para a aldeia da
Palhota, na
freguesia de São
Pedro do Esteval.
E porquê
Palhota? Tudo
por culpa das
marcas da
paisagem, que
ainda hoje
revelam a
presença das
eiras, locais onde
se malhava o
trigo, o centeio e
o milho, e onde
se erguiam
amontoados de
palha que se
tornaram
característicos da
paisagem da
povoação.
A-DOS-
RUIVOS
Há muitas
razões que
podem levar uma
qualquer terriola
a ficar famosa: a
história, a
paisagem, a
gastronomia ou
uma tragédia
qualquer que,
sem dó nem
piedade, põe de
repente um lugar
que ninguém
conhece nos
títulos dos
jornais. Mas
também há sítios
como A-dos-
Ruivos, uma
aldeia do
concelho do
Bombarral que
finta qualquer
lógica por ter
ficado conhecida
pela cor
alaranjada do
cabelo dos seus
habitantes.
Mas vamos por
partes: “A”
significa “a terra
dos”, neste caso,
“terra dos
ruivos”. O
epíteto, apesar de
curioso, não
podia estar mais
próximo da
verdade. Consta
que nesta aldeia
vivia uma
quantidade
incomum de
gente ruiva, facto
que pode ser
explicado pela
história.
Durante a
segunda metade
do século XIII,

após a
reconquista
cristã, instalaram-
se nesta região
algumas famílias
francas, povo
vindo do norte da
Europa. Não seria
caso único.
Também em
Atouguia,
Lourinhã ou Vila
Verde dos
Francos, nas
imediações,
rezam registos da
presença de
estrangeiros. Mas
foi em A-dos
Ruivos que os
cabelos
avermelhados
mais perduraram
através dos
tempos.
Nos
primórdios, era
uma aldeia onde
se vivia
essencialmente
da agricultura, da
criação de gado e
da vinicultura.
Nas casas,
abundavam os
lagares, as
adegas, os currais
e os palheiros
para o gado. Em
1527 já havia
registo de uma
grande
diversidade de
profissões, entre
elas sapateiros,
alfaiates e
oleiros, o que lhe
garantia até uma
certa
prosperidade
económica. Mas
A-dos-Ruivos era
também uma
aldeia muito
isolada e, face às
dificuldades que
as deslocações
acarretavam, as
pessoas
acabavam por
casar entre si, o
que levou a uma
melhor
preservação do
gene MC1R que
dá origem ao
rutilismo, ou seja,
ao cabelo ruivo.
Sendo um gene
recessivo, para
que nasça um
bebé ruivo é
preciso que ele
esteja presente
tanto na linhagem
genética do pai
como da mãe.
Além da
peculiar falta de
pigmentação da
pele e do cabelo,
o MC1R é
responsável por
outras
características
curiosas: os
ruivos
envelhecem mais
devagar, são mais
resistentes à dor e
às anestesias, mas
as chances de os
filhos nascerem
sem cabelos
ruivos ronda os
25%.
Apesar de
existirem países
onde os ruivos
são mais
frequentes, como
é o caso da
Irlanda, da
Escócia ou dos
países
escandinavos, os
ruivos são raros
em todo o
mundo. Apenas
1% a 2% da
população
mundial é ruiva
(cerca de 70 a
140 milhões de
pessoas) e apenas
cerca de 1% dos
ruivos têm olhos
azuis, sendo uma
das combinações
de cabelo e cor
de olhos mais
raras do mundo.
Cerca de 10%
deste total são do
Reino Unido e
estima-se que
cerca de meio
milhão viva na
Escócia. De
acordo com o
antropólogo e
médico Eusébio
Tamagnini, numa
pesquisa
realizada sobre a
pigmentação de
cabelo dos
portugueses e
publicada em
1936 pela
Universidade de
Coimbra, a média
de ruivos em
Portugal no
século XX era de
0,17%.
Com o
desenvolvimento
das estradas e das
acessibilidades,
em A-dos-
Ruivos, hoje em
dia, já quase não
há ruivos, a não
ser no dia em que
a coletividade
local acolhe um
grande encontro
de ruivos a nível
nacional
(organizado pelo
Reddish Paradise,
um grupo de
ruivos
dinamizado
através de uma
página na
internet), que já
foi até motivo de
várias
reportagens.
Por estes dias,
que são de
“festa” para a
aldeia, os anciões
da terra têm
argumento
legítimo para sair
de casa, conviver
com os
forasteiros, com
os quais fazem
questão de
partilhar as
memórias dos
seus antepassados
“cenourinhas” …
PENAFERRIM,
PENHA
LONGA,
PENHA
VERDE,
PENHA E
PENINHA
Uma das mais
conhecidas
lendas da serra de
Sintra parece ter
nascido para dar
sentido aos
nomes de várias
localidades do
concelho, mais
concretamente
Penaferrim,
Penha Longa,
Penha Verde,
Penha e Peninha.
Segundo a versão
do site serra de
Sintra
(serradesintra.net
), dedicado à
divulgação da
história, da
cultura e das
lendas do
concelho, a
narrativa reza
assim:
“O Senhor,
Deus Todo-
Poderoso, criava
o mundo e
preparava-se
para moldar e
edificar a serra
de Sintra, quando
ouviu solicitações
dos materiais a
empregar
naquele
cometimento.
(…) O Criador
ouviu um a um os
solicitantes e de
comum acordo
arranjou solução
para os pedidos
formulados. O
Grande
Arquiteto, afável
e sorridente,
docemente
reparou em cinco
rochas que nada
pediram.
Inquirindo do seu
mutismo, aqueles
fraguedos
solicitaram
mudança de
nome. Não
desejavam ser
chamadas
rochas,
penhascos ou
fraguedos.
Serão Penhas!
– disse.
Ficaram as
fragas
contentíssimas e
aproveitando o
feliz momento,
rogaram do
Criador mercê
para lhes dar o
respetivo apelido.
Ele assim fez.
– Serás Penha
Ferrim, por seres
firme nos intentos
e pertinaz nos
cometimentos; e
tu, Penha Longa,
por seres a maior,
serás sede de
grande
comunidade
cristã; já tu,
serás a Penha da
Pena, fervorosa
na devoção a
Santa Maria; e tu
Penha Verde,
porque viva e
verdejante verás
e albergarás leal
e santo varão,
dos maiores que
habitaram estes
sítios.
E olhando
depois a mais
pequena, disse o
Criador:
– E tu serás a
Peninha, na qual,
um dia aparecerá
a minha Mãe”.
CORTIÇADA
Em Cortiçada,
localidade do
concelho do
Fundão, distrito
de Castelo
Branco, conta-se
uma história
muito curiosa e
antiga sobre as
origens da
povoação.
Diz o povo que
o seu nome –
Cortiçada – está
relacionado com
o desejo expresso
por um dos
habitantes da
aldeia que, certa
noite, vendo a
Lua a brilhar
intensamente no
firmamento, quis
tocar-lhe. Terá
partilhado os seus
pensamentos com
os outros aldeões,
que se
manifestaram
disponíveis para
o ajudar. Só que
não sabiam como
lá chegar!…
Decidiram ir
colocando
cortiços sobre
cortiços e assim
sucessivamente,
durante semanas
e depois meses a
fio, foram
construindo uma
torre.
Um que era
mais corajoso do
que os outros
todos trepava por
ela acima para
colocar cada
novo pedaço de
cortiço, até que a
dado momento
gritou cá para
baixo que só
faltava mais um
pedaço para
chegar à Lua.
Mas cá em baixo
já não havia mais
nenhum cortiço!
Então alguém,
que pelos vistos
não tinha grandes
dotes de
engenharia,
alvitrou que se
tirasse o do fundo
e se passasse para
cima. Tão parca
inteligência para
tão alta
construção!
Com a
deslocação da
tábua, deu-se o
inevitável: uma
brutal derrocada!
Quem assistia,
observou o
óbvio:
– Lá se vai a
cortiçada!
E assim, no
meio de uma
nuvem de pó e
carradas de
tábuas partidas,
nasceu o nome da
povoação.
Existe,
contudo, uma
outra explicação
para o nome
desta aldeia, bem
mais simples e
realista, por sinal:
sendo
obviamente
grande a riqueza
corticeira da
zona, o poder
local elegeu esta
designação.
Mesmo assim, há
quem preferia a
versão da lenda,
bem mais
divertida e
pitoresca, afinal.
BICO SACHO
Bico Sacho é
um pequeno
lugar da freguesia
e concelho da
Batalha, que tem
quase tantos
hectares quantas
explicações já lhe
arranjaram para
dar sentido à
denominação que
lhe calhou em
sorte.
Segundo os
especialistas, o
topónimo pode
derivar da
expressão latina
vicius sacius, que
quer dizer “vila
farta” ou “lugar
fértil”. A
expressão não
podia ser mais
acertada, pois
coisa que não
falta em Bico
Sacho são
pinhais, hortas e
pomares.
Porém, parece
que nos
primórdios o
lugar dava pelo
nome de
Boquisacos, tal
como surge no
recenseamento de
1527, mas aqui o
caso já muda de
figura, porque
esta expressão –
de acordo com
Moisés Espírito
Santo, em O
Concelho da
Batalha. A Terra
e a Gente –
quererá dizer
“terra que
termina em
saco”, numa
alusão ao formato
das suas
fronteiras
geográficas.
Uma outra
teoria defende a
origem na
expressão
“boquisacos” mas
remetendo-a mais
uma vez para a
fartura,
atribuindo-lhe o
significado de
“boca farta”, mas
no meio de tudo
isto também há
quem simplifique
e aponte o dedo
ao tradicional
sacho, ferramenta
agrícola
pontiaguda que,
no fundo,
também cava a
terra para a
fartura.
Resumindo e
concluindo: as
teorias são mais
que muitas, mas
todas vão dar à
barriga cheia!
RAPOSA
A identidade e
o património oral
ditou o nome à
freguesia de
Raposa, no
concelho de
Almeirim.
Com um
passado
intrinsecamente
ligado à caça,
esta simpática
terra ribatejana
ficou assim
batizada por
causa de um
intrépido grupo
de caçadores, que
se deparou com
um desses
mamíferos, sem
que o encontro
tivesse terminado
da maneira que
desejariam.
Como seria de
esperar, assim
que a viram
tentaram
prontamente
capturá-la, mas
sem qualquer
sucesso. Consta
que o animal não
só era esperto
como muito
bonito: o seu pelo
era branco como
a neve, o que
cativou ainda
mais a atenção
dos caçadores.
Persistentement
e, o bando voltou
várias vezes ao
lugar para
consumar os seus
intentos, mas
segundo rezam as
vozes do povo,
apesar de verem
o animal com
frequência, nunca
lhe terão
conseguido deitar
a mão! Passaram
então a referir-se
ao lugar como “o
sítio da Raposa”,
cenário natural da
sua frustração…
VALE DE
ASNES
Longe vão os
tempos em que
Vale de Asnes, no
concelho de
Mirandela, era
um importante
centro de
decisões. Local
de passagem e
pernoita de
alguns reis de
Portugal, como
D. Sancho I e D.
Manuel, nas suas
constantes
deslocações a
Espanha, Vale de
Asnes chegou a
ser vila e sede de
concelho. Hoje
restam apenas
alguns vestígios
desse tempo, mas
numa visita à
parte medieval da
aldeia ainda é
possível visitar o
tribunal, a cadeia,
a casa da guarda
ou a forca onde
eram condenados
os criminosos e
os traidores!
Os primeiros
registos oficiais
sobre Vale de
Asnes são muito
antigos. Nas
inquirições de
1258, Vale de
Asnes surge com
o nome de Vallis
de Asinis, o que
leva os
especialistas a
crer que a origem
do seu nome se
deve ao facto de
aí existirem
imensos asnos,
muito
provavelmente de
natureza
selvagem.
A raça asinina
evoluiu,
domesticou-se e
perdurou no
tempo, apesar das
várias ameaças à
sua conservação.
Atualmente, os
burros são um
dos ex-líbris
desta região de
Trás-os-Montes,
onde nos últimos
anos se tem feito
um esforço
adicional para
preservar esta
nobre espécie que
até tem
corresponsabilida
de na toponímia
da região.
MUDA
A existência da
localidade de
Muda no mapa da
freguesia de
Guilhofrei, no
concelho de
Vieira do Minho,
deve-se à
história: era este
o local onde
tradicionalmente
se trocavam os
cavalos que
vinham
carregados de
mercadorias até
ao norte do país.
A “muda”,
assim se chamava
o procedimento,
era feita numa
casa com
cavalariça que
ainda hoje se
mantém de pé à
beira da Estrada
Nacional 205.
Durante séculos,
foi local de
paragem de
pessoas e animais
que ali
encontravam um
poiso para se
refrescar e
descansar antes
de continuar o
caminho de
Braga para
Cabeceiras de
Basto. Note-se
que, naquele
tempo, esta era
uma das
principais e mais
populares
estradas da
região, sendo
constantemente
cruzada por
homens e
mercadorias.
Hoje, o
panorama
mudou. E de que
maneira!
Cavalos, na
nacional, nem vê-
los! Deram lugar
aos motores e ao
asfalto. Mas
segundo a junta
de freguesia de
Guilhofrei, do
passado, além da
casa onde se
faziam as trocas,
ainda existem “as
alminhas da
Muda e um
riacho com o
mesmo nome que
vai desaguar no
rio Ave”.
MONTES DA
SENHORA
Montes da
Senhora é uma
freguesia
portuguesa do
concelho de
Proença-a-Nova,
cujo nome deriva
claramente da
geografia: montes
refere-se
obviamente ao
terreno bastante
acidentado que
caracteriza a
região.
Já a explicação
encontrada para
senhora é bem
mais
surpreendente:
trata-se, afinal, de
uma referência à
“buraca da
mouta” uma
gruta na serra do
Chão do Galego,
que o povo assim
batizou por causa
dos vestígios do
povoamento
árabe na região,
que deixou a
memória coletiva
impregnada de
histórias sobre
mouras
encantadas que
apareciam à
noite, à entrada
das grutas, para
atentar os
homens com os
seus encantos
mágicos.
FELITEIRA,
FETAIS,
FEITADA,
FETEIRA,
FEITEIRA,
FEITOS E
FEITOSA
Feliteira, no
concelho de
Torres Vedras, tal
como Fetal,
Fetais, Feitada,
Feteira, Feiteira,
Feitos ou Feitosa
são nomes de
lugares presentes
um pouco por
todo o país e que
testemunham a
abundância de
fetos no nosso
território,
segundo Maria
Luísa Seabra
Marques de
Azevedo, em
Moçarabismo e
Toponímia em
Portugal.
ÁGUA LONGA
Em Água
Longa, freguesia
do concelho de
Santo Tirso,
quando a chuva é
muita, o rio Leça
e os seus
afluentes formam
nesta zona uma
larga bacia que
chega mesmo a
galgar os leitos
invadindo os
campos em redor.
O leito de cheia
ganhou por isso o
nome de Água
Longa.
ÁGUA D’ALTO
É preciso
cruzar o
Atlântico para
chegar a Água
D’Alto, já que
esta freguesia
pertence a Vila
Franca do
Campo, na ilha
de São Miguel,
Açores. Numa
terra abundante
em cursos de
água e paisagens
fantásticas, a sua
existência é
muito simples de
explicar: uma
maravilhosa
queda de água,
com mais de 30
metros de altura,
que faz parte da
bela geografia da
ilha.
VILA FRANCA
DAS NAVES
Entre os
documentos
históricos e
registos oficiais
da freguesia de
Vila Franca das
Naves (concelho
de Trancoso) não
se afigura
nenhuma prova
de que alguma
vez tenha dado
guarida a naves
espaciais, mas
sabe-se que
também vem “lá
do alto” a
explicação para o
seu topónimo.
De acordo com
o site da junta de
freguesia,
primeiramente a
localidade
respondia
somente pelo
nome de Vila
Franca (apesar de
ter conquistado o
estatuto de vila
apenas em 2004),
depois chegou a
chamar-se Vila
Franca do Conde
(por ter sido
coutada do conde
de São Vicente) e
só muito mais
tarde foi
rebatizada com a
atual
denominação de
Vila Franca das
Naves.
Acredita-se que
o acrescento está
relacionado com
o planalto da
Nave, que se
estende até à
povoação.
MURTAL,
MURTEDE,
MURTEIRA E
MURTOSA
Sendo a murta
uma planta
abundante em
Portugal, é
natural que dela
derivem
numerosos
topónimos:
Murtal, Murtede,
Murteira,
Murtosa, todos
eles de origem
moçárabe.
A título de
curiosidade
refira-se que
antes de a
pimenta ser
abundante entre
nós, as bagas
deste arbusto
eram usadas para
condimentar os
enchidos, o que
deu origem aos
bem portugueses
enchidos
mortadela e
morcela, segundo
a investigadora
Maria Luísa
Seabra Marques
de Azevedo em
Moçarabismo e
Toponímia em
Portugal.
CARRIL
CIMEIRO
Os
especialistas são
consensuais
quanto à origem
da primeira
palavra que
constitui o
topónimo da
povoação de
Carril Cimeiro,
na freguesia do
Carvalhal,
concelho de
Abrantes:
alegadamente,
pitoresca
expressão diz
respeito a uma
via de circulação
viária. Já o
Cimeiro nasceu
apenas da
necessidade de
distinguir esta
povoação da sua
vizinha, Carril
Fundeiro, que
geograficamente
se situa um pouco
mais abaixo.
PIAS
É caso para
dizer que em
Portugal há pias
para todos os
gostos. Se
olharmos
atentamente para
o mapa do
território
nacional,
verificamos que
Pias é um dos
nomes mais
comuns,
nomeando pelo
menos três
freguesias, nos
concelhos de
Ferreira do
Zêzere, Lousada,
Monção e Serpa.
Já as razões,
essas, variam
consoante o caso.
No caso de
Lousada, a
explicação para a
denominação
parece residir na
existência neste
território de
pedras com
cavidades em
forma de pias,
que se julga
terem sido
lagares ou
sepulturas da era
pré-medieval. Já
no caso da
localidade do
concelho de
Monção, o mais
provável é estar
ligado, segundo
registos locais, a
um convento de
mulheres “pias”,
ou seja, piedosas,
que em tempos
ali existiu.
Em Ferreira do
Zêzere, as duas
pias que se
encontram no
chafariz instalado
no princípio da
vila, abertas na
rocha, terão dado
origem ao
topónimo.
VALE DO
GROU
Vale do Grou
fica no concelho
de Vila de Rei e
não podia haver
mais lógica na
explicação deste
nome: foram os
grous, ave
abundante por
estes montes e
vales, que
batizaram a
localidade.
CARAPITO
Foi uma
questão de trocos
que deu origem
ao nome da
freguesia de
Carapito, em
Aguiar da Beira.
Reza a história
que um dia
passaram por lá
três forasteiros
esfaimados, que
pararam numa
taberna da aldeia
para matar a
fome. Pediram
frangos, que
ainda hoje na
região são
conhecidos como
pitos, mas
quando veio a
conta já não
acharam piada e
então desataram a
reclamar: “Caro
pito! Caro pito!”,
expressão pela
qual a terra
passou a ser
conhecida.
Contudo, existe
uma outra tese,
mais académica,
que aponta para a
origem latina da
palavra que
nomeia uma das
árvores mais
comuns e
queridas da
região, pela sua
importância
económica: o
pinheiro.
Supostamente os
antigos referiam-
se aos seus
“queridos
pinheiros”, ou
seja, carus pinus.
E como não há
duas sem três,
alguns linguistas
defendem que a
árvore em
questão não seria
o pinheiro mas
sim o carvalho,
popularmente
designados pelos
habitantes locais
como
“carapichos”,
cuja adaptação
deu origem ao
topónimo que
identifica muitas
outras localidades
portuguesas,
nomeadamente
em São Cristóvão
de Nogueira
(Cinfães), Sé
(Guarda), ou Pêra
Velha (Moimenta
da Beira).
ABOBOREIRA
Aboboreira é
uma freguesia do
concelho de
Mação, onde
muitos acreditam
que tal nome
deriva da
abundância de
abóboras que,
pelos vistos, vem
desde tempos
remotos e deu
origem a uma
série de iguarias
bem típicas na
região.
Contudo, a
opinião dos
habitantes não é
unânime.
Os mais velhos
da terra
relacionam o
topónimo com o
facto de ali
nascerem muitas
figueiras da
variedade
abebora, que são
até conhecidas
como
“abebereiras”.
Existe ainda
outra explicação
menos virada
para as virtudes
agrícolas da
região, que
defende a origem
da localidade
num dote em
terras, a que
chamavam eira, e
que foi doado a
alguém que se
chamava
Abraãm, o que
resultaria em
“eira de Abraãm”
e que por
aglutinação terá
resultado em
Aboboreira.
E não é caso
único em
território
nacional. No
concelho de
Mafra, também
se vive em Val de
Abóbora, pelo
menos desde
1780, data da
primeira menção
ao lugar nos
chamados Róis
dos Confessados,
antigos registos
locais.
BOGALHEIRA
A aldeia de
Bogalheira fica
em Padornelo e
tem origem na
palavra bugalha –
hoje desaparecida
do vocabulário
corrente – mas
com origem no
latim bucula, ou
seja, a bezerra,
por causa do
estilo de vida
ligado à atividade
pastoril que
durante muitos
séculos foi
predominante na
região.
BAZANCA
Bazanca fica
igualmente em
Padronelo,
concelho de
Paredes de
Coura. A
primeira
referência que se
encontra sobre o
lugar surge nas
Inquirições de
1258: sobre a
forma de deinde
ad xaxeum
basarum, que
segundo os
estudiosos
significa qualquer
coisa como um
terreno de
“pedras,
pedregal,
pedregulho”.
Segundo os
especialistas, a
sua origem é pré-
romana (“bas” e
“basa”), mas
estas palavras
deram origem a
uma consistente
família de
topónimos em
terras de
Portugal: Bajanca
(Castelo de
Paiva), Bajoca
(Ponte de Lima),
Bajoco (Ponte de
Lima), Bajoiuca
(Lanheses),
Bajouco
(Barcelos),
Bazanca
(Padronelo),
Bazeira
(Amarante),
Bazorra (Paredes
de Coura),
Bejanca
(Vouzela), entre
outros.
ANTACAL
Antacal fica em
Paredes de Coura
e deriva da
locução medieval
“ante da cale”,
que devido ao
típico fenómeno
de contração
originou Antacal.
“Ante” expressa
a ideia de
qualquer coisa
que vem “antes
de outra” e “cale”
surge com o
significado de
“canal, calha ou
rego”, ou seja, o
sítio por onde
corre água para
fins de regadio.
Mas para que
ninguém se perca
ou engane, “ante
da cale” refere-se
ao sítio que “está
diante do rego de
água”, o que
condiz
claramente com a
geografia da
região.
ZIBREIRA
Existem duas
versões para a
origem deste
topónimo, que dá
nome a uma
localidade do
concelho de
Torres Vedras: ou
descende de mata
de Zimbros
(árvores da
família das
pináceas, que são
comuns na
região) ou de
Zebreira, que
nomeia um local
de abundância de
zebras ou gamos.
A primeira
hipótese é aquela
que reúne maior
consenso entre os
especialistas. A
título de
curiosidade,
refira-se que das
bagas de zimbro
extrai-se a
genebra, um licor
digestivo suave
feito de
aguardente.
CALVEIRAS,
CALVARIA,
CALVES,
PORTO COVO,
CALVINO,
CALVINOS E
CALVOS
Calveiras da
Granja (Beja),
Calvaria (Leiria),
Calves, Quinta de
Calvel (Lisboa),
Porto Covo
(Sines), Calvino
(Coimbra),
Calvinos (Tomar)
ou Calvos (Póvoa
do Lanhoso) são
todos ilustres
descendentes do
latim calvu, que
designa calvo e
que na toponímia
portuguesa não se
refere
propriamente aos
carecas mas sim a
“lugares de pouca
vegetação”.
ALCOLOMBA
LE
COLUMBEIRA
Em Sintra,
existe
Alcolombal e no
concelho do
Bombarral a
aldeia histórica
de Columbeira.
Estas duas terras
têm mais em
comum do que se
pode imaginar:
ambas derivam
do latim
columbario, que
significa pombal
ou columba,
sinónimo de
pomba. Reza a
história que os
pombais eram
comuns em
ambos os lugares.
MALAVADO
Um nome
curioso, que
calhou em sorte a
pelo menos duas
localidades
portuguesas.
Uma fica em São
Teotónio,
Odemira, na
costa alentejana,
e a outra na zona
rural do concelho
de Sintra.
No caso
alentejano, o
génio popular
achou por bem
explicar que o
nome da terra
fica a dever-se ao
sal da água do
mar, que não
permite
resultados
eficazes nas
lavagens. Os
especialistas,
todavia, têm
outra opinião.
Em
Apontamentos
sobre Toponímia
Portuguesa,
Fernando
Almeida escreve
que topónimos
como
“Malavado”,
“Mal Lavada” ou
“Malvado”
resultam da
“justaposição de
radicais fenícios
‘ml’+ ‘avad’ com
o significado de
“poço de águas
subterrâneas que
transborda”. A
ideia de
“transbordar” ou
“encher
completamente”
é dada pela raiz
“ml”, enquanto o
“avad” ou “abad”
corresponde à
ideia de “poço de
águas
subterrâneas”.
Uma coisa é
certa: com ou
sem sal, a palavra
remete para
“abundância de
água”, segundo o
mesmo autor.
ARRUDA DOS
VINHOS
Tendo recebido
carta de foral das
mãos de D.
Afonso
Henriques no
recuado ano de
1160, Arruda dos
Vinhos é uma das
mais antigas vilas
de Portugal e o
seu nome,
embora envolto
em polémica,
espelha bem a
sua origem
ancestral.
A arruda,
também
conhecida pelo
nome científico
de ruta
graveolens, é um
subarbusto
originário do sul
da Europa,
reconhecido
desde a
antiguidade pelas
suas qualidades
terapêuticas mas
também por ser
usado em
mezinhas e
bruxarias, que
abundam nesta
região da zona
Oeste. Segundo
Guilherme
Cardoso e José
D’ Encarnação
no artigo,
“Arruda dos
Vinhos – Uma
rota privilegiada /
A Origem do
Topónimo”
(2010), essa
profusão da
espécie terá sido
o suficiente para
batizar a terra.
Ao encontro
desta tese vai
também Filipe
Soares Rogeiro,
que na sua
monografia
Arruda dos
Vinhos – Das
origens à
restauração do
concelho em
1898, associa o
nome ao arbusto
e acrescenta até
um pormenor
engraçado: terá
sido “por este
motivo que o rei
D. Manuel se terá
retirado para
Arruda, com a
sua corte,
refugiando-se de
uma peste em
Lisboa, até que
esta cessasse”.
Mas há
opiniões díspares
entre os
especialistas,
como indica o
site oficial do
município.
Guilherme
Cardoso e José
D’ Encarnação,
por exemplo,
enveredaram por
outro caminho,
remetendo para
factos e
documentos
históricos:
Arruda foi
referenciada por
D. Afonso
Henriques num
pergaminho
guardado na
Torre do Tombo
datado do ano de
1172, no qual
tudo aponta para
que a palavra seja
fruto “da
latinização do
nome pelo qual a
terra era
conhecida”.
Outra teoria
conhecida
prende-se com a
sua localização
geográfica.
Sendo um ponto
de passagem para
os viajantes (e
que faz
inclusivamente
parte dos
Caminhos de
Santiago), com
terrenos muito
férteis e
conhecida desde
os tempos mais
remotos pela
prática do cultivo
de produtos
hortícolas e de
vinha, Arruda
podia muito bem
ter herdado o
nome não só do
néctar dos deuses
que se gerava no
seu território mas
também por ser
um itinerário
obrigatório para
os vinhos
produzidos nos
concelhos
vizinhos, como o
de Torres Vedras,
cujas pipas
atravessam as
serras e estradas
de Arruda até
chegarem ao Tejo
e seguirem para
exportação em
navios mercantes.
Neste caso,
Arruda dos
Vinhos,
significaria “a
rota dos vinhos”,
fazendo jus a
uma importante
atividade
económica da
região.
PAÇOS DE
VILHARIGUES
Paços de
Vilharigues é um
topónimo
composto, cuja
primeira palavra
deriva do latim
palatium, ou seja,
palácio. Já o
segundo
elemento,
Vilharigues, tem
origem no baixo-
latim Viliarici, ou
seja, “a quinta de
Viliarico”.
Todavia, segundo
a Junta de
Freguesia de
Paços de
Vilharigues
(concelho de
Vouzela), a
primeira
referência ao
atual nome surge
no texto das
Inquirições de
1258, onde
Vilharigues vem
grafado como
“Oveliarigos” e
“Ovelarigues”, o
que poderá
indicar que a
criação de
ovelhas (ovis em
latim) teve peso
económico
significativo na
constituição da
povoação e, por
conseguinte, no
seu nome.
FRAGA DOS
MAL
CASADOS
Um capricho
da natureza, que
colocou no alto
da serra dois
penedos que
fazem lembrar
duas pessoas de
costas uma para a
outra, e uma
belíssima lenda
sobre amores e
desamores estão
na origem da
povoação de
Fraga dos Mal
Casados, na
freguesia de
Carvalho de
Egas, no
concelho de Vila
Flor.
A lenda conta a
história de
Beatriz, uma
moça alegre,
honesta e
decidida, que
casou com José,
o seu grande
amor. O dia da
boda amanheceu
luminoso e
tranquilo, como a
noiva, que ainda
dormia serena
enquanto as
mulheres da
família já se
afadigavam na
cozinha em redor
das sobremesas
para servir,
depois do
casório, aos
convidados: leite-
creme queimado
e o arroz-doce
polvilhado com
canela.
Lá fora, com a
ajuda de um
animado grupo
de jovens, o
senhor António
colocava um
belíssimo o arco
de flores na porta
principal da
capela de Nossa
Senhora do
Rosário, onde os
noivos trocariam
alianças e juras
de amor eterno
daí a algumas
horas.
Na aldeia,
praticamente
todas as ruas
estavam
engalanadas para
a festa. De porta
em porta, os
habitantes iam
saindo em
direção à casa da
noiva, levando
consigo os
presentes. Uns
levavam um
cabrito, outros os
dois mais belos
galos da sua
capoeira ou
cestas enfeitadas
cheias de licores
e rebuçados
caseiros.
Escusado será
dizer que a festa
iria ser grandiosa
e farta.
A meio da
manhã o sino
finalmente tocou.
Beatriz acordou,
abriu as janelas
de par em par e
sorriu cheia de
felicidade. Ia
casar! O vestido
cor de pérola; as
meias de seda, o
véu curto e o
ramo de açucenas
esperavam por
ela na salinha,
onde as tias a
ajudariam a
vestir-se.
Pouco depois
da hora marcada
desceu as escadas
em direção à sala,
onde uma
multidão a
aguardava com
um olhar de
ternura e espanto.
O cortejo,
radiante, saiu em
direção à capela.
Porém, pelo
caminho, cruza-
se com uma
mulher que nunca
ninguém vira na
aldeia e que olha
intensamente
para Beatriz. A
noiva estremece,
sem saber bem
porquê, mas o
seu coração de
menina, embora
ingénuo, sente
que algo estranho
está para
acontecer.
A cerimónia
decorre
normalmente.
Depois há lugar a
banquete,
foguetes, baile,
tudo tal e qual
como estava
previsto. Quando
o longo dia
finalmente
chegou ao fim, de
mãos dadas,
Beatriz e José
recolhem à sua
casa.
Uma casa
pequena de
granito, muito
arranjada; havia
toalhas de linho e
flores por cima
das mesas. No
quarto, a colcha e
os lençóis de
linho aguardavam
os noivos. Mas
José, em vez de
abraçar e carregar
nos braços aquela
a quem um dia
jurou amar,
afirmou estar
maldisposto e
cansado daquele
longo e
enfadonho dia.
Beatriz ficou
desiludida, mas
não teve outro
remédio se não
adormecer
pensando que um
novo dia viria e,
de certeza, tudo
seria diferente.
Mas os outros
dias
amanheceram e
José continuou
distante e
resmungão.
Chegava sempre
muito tarde e
para Beatriz
apenas reservava
o seu mau-humor
e discussões
mesquinhas. Era
um homem
diferente daquele
que um disse
afirmou amá-la
mais do que a
própria vida.
Os anos foram
passando, os
sonhos de Beatriz
caíram por terra e
cada vez mais foi
ficando sozinha.
José sempre de
rosto fechado e
coração
amargurado. Um
dia Beatriz saiu
de casa, a
caminho do
monte. O vento
gélido percorreu-
lhe o corpo e de,
repente, já a noite
caía, sentiu sobre
o ombro uma
mão pesada. Uma
voz rouca fá-la
parar,
recordando-lhe o
longínquo dia do
seu casamento.
Era a mesma
mulher que a viu
caminhar em
direção à Capela.
– Naquele dia,
levaste para
sempre o homem
da minha vida.
– Levei? Não
estou assim tão
certa disso! Se
não o tendes,
também não o
deixaste livre
para amar a
mulher que levou
ao altar. E que
quereis agora de
mim?
– Nesse dia
jurei tornar as
vossas vidas num
inferno. E agora
que ambos estão
gélidos, de
corações
endurecidos e
sonhos desfeitos,
vou transformar-
vos em duas
pedras, para que
todos saibam que
assim acabaram
os “mal casados”,
voltadas de
costas uma para a
outra! Os dois
pedregulhos lá
estão até hoje e
fizeram que a
localidade
passasse a ser
conhecida como
Fraga dos Mal
Casados.
PALHEIROS
Integrada pelas
aldeias de
Salgueiro,
Palheiros, Varges
e Paredes, a
freguesia de
Palheiros
(município de
Murça) abrange
uma densa
“reserva florestal
onde aparecem
ainda com
frequência as
medas de palha”,
ou seja,
palheiros, o que
explica a origem
do seu nome.
Mas existem
muitos outros
Palheiros pelos
caminhos de
Portugal.
Alvaiázere,
Penacova e
Lamego também
têm localidades
com este nome,
além de existir
um número quase
infinito de
variações como
os Palheiros da
Tocha (em
Cantanhede), o
Outeiro dos
Palheiros (em
Tomar) os
Palheiros de
Baixo e os seus
vizinhos
Palheiros de
Cima (em
Mortágua). Em
qualquer um dos
casos pensa-se
que o topónimo
se refere ao
aspeto das
primeiras
edificações
erguidas nestas
localidades, que
muito
provavelmente
teriam telhados
ou parte da
estrutura feitos
em palha.
ÁGUA DE
TODO O ANO
A avaliar pelo
nome, nesta
localidade da
freguesia de
Tramaga, no
concelho de
Ponte de Sor, não
deveria haver
memória de
longos períodos
de seca… mas,
afinal, parece que
a realidade não é
bem assim!
Originalmente,
uma única aldeia
integrava o lugar
que hoje é
conhecido como
Água de Todo o
Ano e a atual
aldeia de
Tramaga. Ora o
nome deste
aglomerado era
precisamente
Água de Todo o
Ano, por estar
diretamente
relacionado com
a proximidade da
Ribeira de Sor,
do Ribeiro do
Padrão e do
Ribeiro das
Ónias.
Mas os
sucessivos
reordenamentos
geográficos
ditaram a
separação dos
dois lugares e
quis o génio
popular criar um
novo nome para a
parte da aldeia
que ficou isolada
das ribeiras.
Escolheu-se
então o nome de
Água de Todo o
Ano, com um
único senão… a
terra, afinal, já
não tinha água!
O resto da
aldeia passou a
chamar-se
Tramaga, e
também tem uma
história gira para
ser contada. A
invenção do
nome, rezam os
naturais da terra,
é da autoria de
um lavrador,
António Manuel
Roças, que todos
os dias passava
pela aldeia para
chegar à sua
herdade. Um dia,
pôs-se à conversa
com um
habitante,
elogiando o
desenvolvimento
que o lugar
estava a ganhar.
O seu
interlocutor
acabou por
afirmar que, a
continuar assim,
a povoação
dentro em pouco
se tornaria numa
aldeia, ao que o
outro retorquiu,
num tom de
desdém: “Ora,
ora aldeia de
Tramaga!”, por
causa da
abundância de
tramagas (um
arbusto da
família das
tamaricáceas) na
região.
Certo é que a
história caiu no
goto dos
moradores, foi
passada e
repassada de
geração em
geração, e o
nome do povoado
acabou mesmo
por mudar
oficialmente para
Tramaga, a 11 de
junho de 1993,
por um decreto-
lei que o constitui
como freguesia.
O lugar, mais
acima, porém,
permaneceu com
o nome Água de
Todo o Ano. É
praticamente
contíguo a
Tramaga, mas
não tem vestígios
de água alguma.
FOLGOSINHO
DE AR
Folgosinho é
uma freguesia do
município de
Gouveia, na
encosta noroeste
da serra da
Estrela. Há quem
lhe chame
Folgosinho da
Serra pela sua
situação
privilegiada no
alto dos Montes
Hermínios, e será
sempre associada
a uma das figuras
lendárias da
História de
Portugal: é a terra
onde nasceu
Viriato.
Talvez por isso,
há um ditado
popular famoso
por aquelas
bandas: “Água da
serra, soldado
para a guerra.”
Até porque as
menções e
referências a
Viriato são
constantes por
toda a vila,
incluindo em
representações
impressas em
mosaicos
situados junto às
suas tradicionais
fontes. É o caso
da fonte do
Gorgulhão, na
qual podemos até
encontrar uma
inscrição com
citações dos
Lusíadas em
homenagem ao
bravo guerreiro
lusitano:
“Desta o
pastor nasceu,
que no seu nome
Se vê que de
homem forte os
feitos teve;
Cuja fama
ninguém virá que
dome,
Pois a grande
de Roma não se
atreve.”
Dos tempos de
Viriato e da
reconquista ficou
ainda a história
que deu origem
ao nome da terra,
nascida, afinal de
um folgozinho de
ar…
Conta Gentil
Marques, que
desenvolveu um
magnífico
trabalho de
recolha de lendas
de Portugal que,
certo dia, el-rei
D. Afonso
Henriques, na sua
desvairada tarefa
de conquistar
novas terras aos
mouros, passou
por aquele lugar.
Vinha satisfeito,
porque a batalha
tinha corrido bem
e ao mesmo
tempo cansado,
pois galgar a
serra a cavalo não
era tarefa para
meninos e
obrigava sempre
a grande esforço
tanto por parte
dos animais
como dos
homens.
Esfalfado, e
antevendo um
esforço inglório,
deu ordem ao seu
exército para
parar.
– Parai! Parai!
Eles já vão longe
demais para que
os possamos
agarrar!
Disse-o
sorrindo, pois
naquele dia
tinham sido bem-
sucedidos.
Expulsaram
muitos mouros
das aldeias e
obrigaram-nos a
fugir a sete pés.
Com sorte,
continuariam a
correr para sul,
enquanto eles
descansavam.
Um dos nobres
cavaleiros que
acompanhava el-
rei, porém, não
parecia satisfeito.
– Mas… Meu
senhor, há ainda
muita moirama
viva por aqui!...
Deixai-me, por
favor, ir no seu
encalço!
– Já disse que
não Pêro
Vasques. Aqui
não há lugar para
loucuras. Preciso
dos homens
valentes que vós
sóis para outras
batalhas – disse o
primeiro rei de
Portugal,
mirando serena e
altivamente todos
os que o
escutavam para
ter a certeza de
que a sua ordem
estava a ser bem
compreendida e
acatada.
Assim sendo,
Pêro Vasques,
que era muito
jovem e cheio de
sangue na guelra,
não teve outro
remédio senão
acatar as ordens,
apesar de
contrariado. O rei
olhou-o de
soslaio e quase
disfarçou um
sorriso, quando
Pêro Vasques
desceu com má
vontade da sua
montada.
– Pronto, está
bem, majestade.
Farei como dizes.
Vou descansar…
como se eu
precisasse de
descanso!
– Pois se não
precisais...
preciso eu! –
exclamou D.
Afonso
Henriques sem
dar margem de
manobra para
mais conversas.
A noite foi
caindo e os
homens
acamparam ali
mesmo no sopé
da serra, mas o
calor era tão
grande que nem
as sombras o
aplacavam, e nem
mesmo o exército
do rei conseguia
descansar
condignamente.
Enquanto os
homens tentavam
retemperar
forças, de
repente, o
silêncio da noite
é quebrado pelas
sonoras
gargalhadas de D.
Pêro Vasques.
– Quieta!...
quietinha, minha
cabrita
montesa!... Onde
é que tu pensavas
que ias? Pensavas
que conseguias
escapar-te assim?
O jovem não
vinha sozinho.
Trazia presa
pelos cabelos
uma rapariga
jovem. Os
homens
levantaram-se e
miraram a cena
atordoados mas
logo apareceu el-
rei, sempre atento
a qualquer
movimento
inesperado.
O seu
semblante era
carregado, talvez
por ter a clara
sensação de que,
mais uma vez,
Pêro Vasques lhe
tinha
desobedecido.
Num tom
rígido,
perguntou-lhe:
– Que barulho
vem a ser este,
afinal?... Achais
pouco o inferno
do calor, e ainda
somos obrigados
a suportar as
vossas
brincadeiras a
meio da noite?
Pêro Vasques
emproou o peito,
meio ofendido.
Pensando que iria
surpreender el-
rei, avançou
resoluto com
nova informação:
– Senhor,
perdoai-me toda
esta confusão.
Bem sei que nos
mandaste
descansar… mas
como eu não
conseguia dormir,
achei que era
melhor aproveitar
o tempo e
capturei para vós
uma boa presa!
Dito isto,
empurrou uma
rapariga para a
frente,
desgrenhada e
vacilante.
O rei mirou-a
de alto a baixo.
Parecia
surpreendido,
mas, acima de
tudo, estava
preocupado. A
aparição daquela
rapariga não
estava nos seus
planos.
– Uma jovem
sozinha e perdida
na serra a estas
horas?... Onde
diabo a
encontrastes,
Pêro Vasques?
O cavaleiro
aproximou-se e
sussurrou:
– É uma espia
desses malditos
mouros!
Encontrei-a atrás
das sebes, junto
ao mato, lá mais
abaixo. Andava
por aqui a rondar
o acampamento.
Quando a vi, quis
fugir... mas já era
tarde demais!
Apanhei-a!
Pêro Vasques
fechou o seu
entusiástico
depoimento com
uma gargalhada
triunfante, mas
D. Afonso
Henriques não
achou graça.
Olhou para a
frágil criatura
encolhida a seus
pés. Não queria
fazer-lhe mal,
mas precisava de
saber quem era e
o que a trouxera
ali.
– Que fazias tu
aqui, mulher, a
estas horas da
noite?
A rapariga
levantou cabeça e
encarou-o. Com
raiva. Sem temor.
Com os olhos
gélidos.
– Não tenho
nada para vos
dizer. Só falo
com o rei!
A tensão
instalou-se no ar.
Os dois homens
entreolharam-se,
mas D. Afonso
Henriques nada
disse. Parecia
avaliá-la em cada
trago de
oxigénio. Já Pêro
Vasques não se
conteve por
muito tempo e no
ímpeto da
juventude
perguntou:
– Ouvistes,
senhor?... Quer
falar com el-rei.
Tem voz de
víbora em corpo
de gazela... É
preciso ter
cuidado com ela!
O monarca
português
obrigou a
rapariga a erguer-
se e a encará-lo.
– Que queres tu
dizer ao rei,
afinal?
Ela olhou-o,
numa expressão
de ódio, desafio e
de desconfiança.
– Levai-me até
ele... e então
nessa altura
sabereis!
Afonso
Henriques quase
perdeu a
paciência e,
abdicando da
prudência,
segundo conta a
lenda, ordenou-
lhe:
– Pois então
falai, e falai bem
depressa...
porque o rei sou
eu e estou com
pressa!
Tomada de
surpresa, a jovem
recuou num
pasmo sincero:
– Vós… Sois
vós?
Num impulso
impaciente e
nervoso, Pêro
Vasques atirou-a
de novo para a
frente, avisando o
rei das suas
desconfianças.
– Como ela se
espanta, senhor
meu rei, mas
fica-se muda e
queda!... Agora
que tem o rei à
frente já não sabe
explicar o que
andava aqui a
fazer tão perto do
acampamento.
Mas a
prisioneira
ergueu-se e, com
uma certa altivez,
libertou-se das
mãos que a
seguravam e
afirmou num tom
bem firme:
– Enganais-
vos!... O que
tenho a dizer é
bem simples e
nem precisa de
quaisquer
hesitações.
Voltando-se
para el-rei,
explicou-se sem
gaguejar.
– Sou de lá do
alto da serra...
soubemos que o
nosso rei
precisava de bom
ar, de ar puro e
fresco... bem
como os seus
homens. Por isso,
senhor, venho
buscar-vos. Na
minha terra, lá
bem no alto,
tereis tudo o que
precisas para
prosseguir a
vossa missão.
Ao ouvir
aquilo, Pêro
Vasques não
conseguiu conter
a indignação:
– Cala-te!... O
que tu queres sei
eu muito bem.
Queres atrair o
nosso rei para
uma cilada!
D. Afonso
Henriques,
porém, fez de
conta que não
ouviu nada e
dirigindo-se à
pobre rapariga
perguntou-lhe:
– Vamos com
calma… afinal,
onde fica
exatamente esse
sítio que dizes?
Ela apontou
para o alto da
serra da Estrela.
– É além... lá
no alto, naquela
terra quase junto
ao céu negro da
noite. É a terra do
grande Viriato! Já
o meu pai me
contava… É terra
de guerreiros e de
proteção. Vinde!
El-rei levantou
o olhar até aos
cumes da serra
que se erguiam
na linha do
horizonte e que
no breu da noite
pareciam um
gigante a elevar-
se em direção ao
firmamento.
— Pois eu
também quero
conhecer a terra
de Viriato!
Pêro Vasques
franziu e
sobrolho e
demonstrou o seu
descontentament
o.
– Senhor,
pensai bem!...
Talvez seja uma
cilada. Uma
imprudência é de
certeza…
Só que o rei
interrompeu-o:
– Compreendo
as tuas
preocupações
muito bem Pêro
Vasques mas
agora preciso que
se cumpram as
minhas ordens!
Dai abrigo a
esta rapariga.
Assim que
romper a
alvorada, ela
leva-nos à terra
de Viriato!
E assim, mal
despontaram no
horizonte os
primeiros raios
de sol, o exército
do primeiro rei de
Portugal voltou a
pôr-se em
marcha, serra
acima.
A viagem foi
longa e penosa.
Pelos atalhos
esculpidos na
pedra, os
soldados já não
suportavam mais
o calor, cada vez
mais forte, e
rogavam pragas
surdas de revolta.
Se não fosse el-
rei a chefiá-los,
teriam acabado
com a caminhada
mais cedo.
A dado
momento, o
próprio D.
Afonso
Henriques
começou a
hesitar.
– Ouve lá,
rapariga… ainda
falta muito?
E ela, toda
fresca e saltitante,
como se tivesse
começado a
jornada nesse
mesmo momento,
respondeu
sorridente:
— Não senhor
meu rei!... É já
ali… no voltar
daquela curva do
caminho...
Pêro Vasques
resmungou,
olhando-a de
soslaio. Aliás,
não tinha feito
outra coisa
durante boa parte
do caminho, sem
nunca desviar o
seu olhar
desconfiado da
rapariga.
– Ah, pérfida
cabrita
montesa!... Já
disseste isso pelo
menos vinte
vezes… e não
chegámos! Se o
rei me deixasse,
ias ver o que te
acontecia!
E ela não o
ignorou. Olhando
friamente,
ripostou:
– Estou a falar
verdade,
cavaleiro. Vinde
comigo e vereis
como é certo.
Tanta audácia,
fê-lo perder a
paciência.
– El-rei,
permiti que vos
rogue mais uma
vez: tende
cuidado!... Tudo
isto pode ser uma
cilada miserável,
armada por esta
diabólica
rapariga, uma
tramoia deste
diabo das
montanhas!
D. Afonso
sorriu, divertido,
apesar do
cansaço, e
calmante
comentou:
— Vós
chamais-lhe
diabólica, Pêro
Vasques... Eu
acho-a
angelical... Até
me parece que foi
enviada por
Nossa Senhora,
padroeira do
Reino.
E, num tom
que não deixava
margem para
réplica,
acrescentou
ainda:
– Acho que a
devemos seguir
sem temor!
O jovem
cavaleiro,
desconsolado,
limitou-se a
baixar a cabeça e
resmungou num
tom sumido:
– Sois vós o
rei... Fazei o que
achares melhor!
E a marcha lá
recomeçou, agora
com redobrada
vontade de
chegar depressa.
– Vamos lá dar
corda aos
calcanhares,
donzela da
serra... Oxalá que
falte pouco, na
verdade! Para o
bem de todos!
A rapariga
estendeu o braço,
a apontar o
horizonte.
— Já vos disse,
senhor meu rei...
É além depois da
última curva do
caminho... vereis
como é certo!
Pacientemente,
el-rei de Portugal
lá foi
acompanhando a
rapariga, quase
lado a lado,
mirando-a de vez
em quanto de
soslaio.
E dessa vez, tal
como a rapariga
prometera, foi
mesmo certo!
Depois da última
curva da ladeira,
a mais abrupta e
difícil, erguia-se
o monte de
pedras onde a
rapariga vivia.
D. Afonso
Henriques foi o
primeiro a chegar
ao topo, com o
leal e valente
Pêro Vasques no
seu encalço.
– Meu Deus,
que magnífica
paisagem esta
montanha nos
oferece! Foi-se o
calor que nos
impedia de
dormir e lutar.
Que brisa
magnífica! Vês,
Pêro Vasques,
como a rapariga
tinha razão?
O rapaz
concordou, mas
manteve-se
desconfiado e
atento, acima de
tudo.
– Sinto o ar
fresco, sim, meu
senhor... porém, o
sítio parece-me
próprio para uma
cilada! Voltemos
para trás, senhor
meu rei, e quanto
mais depressa
sairmos todos
daqui melhor! Se
calhar o tempo
refrescou e lá em
baixo já
estaremos mais
confortáveis…
– Calai-vos,
por Deus, Pêro
Vasques!... Isto é
um presente dos
céus!
E nisto Pêro
Vasques calou-se.
Compreendeu
finalmente que
nada faria
demover el-rei.
Nada, a não ser a
sede...
– Ah, se
houvesse aqui
também um
pouco de água!...
– murmurou.
Num instante, a
rapariga
reapareceu junto
dele.
– Meu rei, água
também haverá
certamente, já
que a desejais...
Fazei das vossas
mãos uma concha
e acercai-vos
deste penedo
assim como vos
estou a mostrar...
El-rei vacilou
um pouco,
duvidoso, mas
seguiu o exemplo
da rapariga.
De súbito, a
rapariga caiu de
joelhos,
murmurando
palavras místicas,
com as mãos
postas junto ao
peito em jeito de
oração e com os
olhos presos na
rocha granítica e
dura da serra:
– Aqui viveu o
grande Viriato!...
Por isso, aqui
matará a sede el-
rei de Portugal!
Para que possa
continuar a sua
missão em nome
deste reino, com
fé e coragem, em
nome dos nossos
antepassados!
Ao som das
palavras da
rapariga, como
que por milagre,
do penedo
começou a correr
água... água boa,
cristalina, fresca
e saudável. A
mais pura água
da serra!
Os homens
juntaram-se todos
em redor do
penedo e todos
beberam
sofregamente.
Até o próprio
Pêro Vasques,
que parecia
finalmente
convertido à
estranha rapariga.
E segundo reza
a lenda que
Gentil Marques
eternizou, foi
então que el-rei
de Portugal abriu
os braços e
deitando o olhar
sobre os montes
cavados, disse o
que todos
precisavam de
ouvir:

Descansemos
aqui... e vamos
todos tomar um
folgosinho de ar!
Conta-se que
aquele momento
foi crucial para as
façanhas de D.
Afonso
Henriques e os
seus homens.
Depois de
tomarem esse
folgosinho de ar
abençoado, os
cavaleiros
abalaram serra
abaixo, com as
forças
retemperadas,
libertando as
terras que hoje
são nossas dos
mouros. Para
trás, lá no alto da
serra, ficou
apenas uma
rapariguita,
figura da Terra ou
do Céu –
ninguém
percebeu –
murmurando com
voz de profecia:
— Água da
serra, soldado
para a guerra...
Folgosinho!
Folgosinho!
Folgosinho!
E assim
nasceu, a doze
quilómetros de
Gouveia e nas
encostas da serra
da Estrela, a
bonita freguesia
de Folgosinho,
que ainda hoje
é conhecida pela
sua virtuosa fonte
do Gorgulhão, de
onde brotam
águas puras que
dão força e fibra
aos homens.
CUBA DO
ALENTEJO
Cuba do
Alentejo nada
deve a Fidel de
Castro, mas sim
aos nossos
“vizinhos” e
ocupantes árabes
de outros tempos.
Mas nesta
perspetiva
coexistem duas
versões: uma diz
que Cuba deriva
de coba, o
diminutivo árabe
para torre.
Outros
defendem que o
nome nasceu
depois da
reconquista deste
território por D.
Sancho II, que ao
chegar ali
deparou-se com
uma grande
quantidade de
vasilhas para
guardar o vinho,
ou seja, as cubas.
ESTREMOZ
Num tempo
longínquo, um
homem, uma
mulher e uma
criança viajavam
apressados numa
carroça pela
planície
alentejana.
Tinham partido
da cidade e
procuravam um
novo lar numa
terra que fosse
bem longe da
cidade.
Quanto o
cansaço apertou,
acoitaram-se
junto a um
tremoceiro, o
melhor abrigo
que encontraram
naquele caminho
inóspito.
A família
improvisou então
um abrigo com o
que encontrou em
redor, canas e
folhas, e ali
passou a noite,
sem pedir nada a
ninguém.
Na manhã
seguinte, porém,
acordaram
estremunhados
pelos gritos do
dono das terras,
furioso com a
presença da
família sem a sua
autorização. Os
adultos bem
tentaram
explicar-lhe que
eram
perseguidos,
embora
injustamente, por
delitos que não
tinham cometido,
o que ainda
deixou o velho
proprietário mais
apreensivo!
Sem pensar
duas vezes,
mandou-os sair
imediatamente. A
última coisa que
lhe faltava eram
os problemas dos
outros!
Sentindo-se
ofendidos, mas
com a
consciência
tranquila, os três
forasteiros
recusaram-se a
abandonar o
abrigo que
tinham montado
debaixo do
tremoceiro. No
meio da
ansiedade, e
passados alguns
minutos, pai e
mãe deram por
falta da filha.
Primeiro
pensaram tê-la
perdido de vista
nos campos altos,
mas depressa
perceberam que
se tinha dirigido
ao casarão
principal para
falar com o dono
do lugar.
A menina
disse-lhe que os
seus pais eram
“gente nobre e
honesta”, que
simplesmente
estava a ser alvo
de uma vingança,
mas que tinha
muita capacidade
para arregaçar as
mangas, trabalhar
e fazer daquele
local uma linda
povoação.
Cativado pela
inteligência e
pela coragem da
menina, o velho
proprietário foi
ter com os seus
pais,
concordando com
a sua presença
nas terras e
aceitando a sua
ajuda.
A família,
agradecida,
cumpriu o
prometido. Não
descurou os
campos e foi
erguendo um
povoado, onde
rapidamente se
instalaram outros
colonos. Anos
mais tarde, a
povoação recebeu
o foral de D.
Afonso III, em
sinal de
reconhecimento.
Nessa altura,
choveram
sugestões para o
nome da terra,
que o velho
proprietário
resolveu confiar
deixar à criança o
privilégio da
escolha.
Em
homenagem à
primeira árvore
que lhe tinha
servido de abrigo,
deu-lhe o nome
de Estremoços
(pois era assim
que se chamavam
os tremoços
naquela época),
mas tanto o nome
como a terra
evoluíram e,
hoje, é uma
cidade bem
conhecida por
todos: Estremoz.
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