CURSO DE PSICOLOGIA Prof.ª Dr. ª xxxxxxxxxx Acadêmica: Carolina
O artigo “O Estudo Psicossocial Forense como Subsídio para a Decisão Judicial
na Situação de Abuso Sexual”, das autoras Ivonete A. C. L. Granjeiro e Liana F. Costa, publicado no ano de 2008, tem como objetivo abordar a interlocução entre o Direito e a Psicologia, a partir da utilização do Estudo Psicossocial Forense. O artigo se trata de um estudo de caso, realizado com os atores do judiciário de um processo de violência intrafamiliar, mais especificamente, de um abuso sexual de um pai contra as duas filhas. Os participantes entrevistados foram o setor psicossocial (psicóloga e assistente social), o juiz, a promotora e a defensora pública, e o foco da entrevista se deu através da investigação da percepção desses agentes sobre o Estudo Psicossocial Forense realizado nesses casos, relacionando com a possibilidade de uma maior interlocução e diálogo entre as áreas.
Para as autoras, há uma divergência entre a visão epistemológica do Direito e da
Psicologia na resolução de problemas. O direito, com perspectiva mais positivista, busca respostas calcadas na objetividade, buscando solucionar os conflitos com base na lei. A psicologia, no setor psicossocial em questão, teria o interesse em acolher os sujeitos, compreendendo as questões da dinâmica familiar, a partir de uma perspectiva sistêmica, calcada na dinâmica relacional e na resolução e prevenção de conflitos. Desse modo, há uma evidente divisão das disciplinas e campos do saber, as quais deveriam estar em constante interlocução, em prol de tomada de decisões mais justas e vinculadas à realidade dos problemas sociais, considerando a individualidade dos sujeitos e contextos em que se encontram.
Como há mais uma relação de hierarquia do que de colaboração entre os atores
no sistema judiciário, o setor psicossocial acaba por ter um papel restrito e superficial (considerando o que poderia ser), pois sua função acaba se resumindo ao pragmatismo de dar uma sentença psicológica e em investigar a veracidade dos fatos, contribuindo no processo de forma “técnica” e pontual, a fim de sentenciar ou absolver o réu. Essa questão foi discutida pelas autoras quando abordam a diferença dos laudos e dos relatórios. A visão dos demais operadores do direito seria que o papel da psicologia seria de prover laudos conclusivos para serem incluídos no processo, podendo o juiz proferir a sentença a partir desse laudo. O laudo tem cunho técnico e objetivo. Já o relatório é mais elaborado e tem maior riqueza de detalhes dessa violência e dinâmica familiar. Porém, o potencial do relatório não é tão explorado na tomada de decisão e em posteriores encaminhamentos, também devido ao grande número de processos, necessidade de agilidade e desarticulação com outras políticas públicas de atendimento. O que as autoras colocam em questão, é a possibilidade de melhor resolutividade e atendimento aos problemas, caso houvesse de fato esse diálogo cooperativo entre a Psicologia e o Direito.
O que se percebe é que o Setor Psicossocial, quando acionado, realiza um
atendimento à vítima e à família, devendo este ser realizado em três momentos, que seriam logo após o registro da ocorrência, durante o processo legal e depois do fato judicial. Além de realizar esse acolhimento e atendimento da família e da vítima, para que a família possa ter melhor elaboração do processo e da possibilidade de realizar os encaminhamentos adequados, se faz necessário a coleta de informações que subsidiem a decisão judicial, sendo este último propósito o que possui maior ênfase, na prática.
As autoras trouxeram importantes reflexões sobre as divergências e impasses no
caminho de um trabalho interdisciplinar entre a Psicologia e o Direito, bem como sobre o sistema de resolução de conflitos e quais as prioridades que estão sendo atendidas, as quais estão relacionadas às formas diversas de compreensão da aplicabilidade do conhecimento entre as áreas. A Psicologia, no sistema judiciário, ainda está por construir um lugar, um espaço. Quando uma nova área se integra a um sistema “consolidado”, isso requer movimentação e reestruturação dos espaços já determinados, para que haja realmente uma mudança potencial.
Apesar de as autoras trazerem um olhar amplo, muitas vezes faltando a
exemplificação das posturas defendidas durante o artigo, como por exemplo, mostrando a importância e o real potencial de um trabalho mais integrado e dialógico na resolução dos problemas no âmbito judiciário, o artigo apresenta um panorama geral e contextualiza o leitor diante desses impasses. Diante disso, se fazem necessários avanços nas problematizações trazidas pelas autoras, trazendo novos estudos que mostrem a efetividade e possibilidade de práticas mais interdisciplinares e colaborativas.