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Capítulo publicado no livro: Psicologia, Família e Direito, Ed. Juruá (2013), Org.

Lúcia Vaz de
Campos Moreira.

PSICOLOGIA JURÍDICA: UMA INTERFACE ENTRE A PSICOLOGIA E O DIREITO

Elsa de Mattos*1

Os campos do Direito e da Psicologia se aproximam em razão da


preocupação com a conduta humana. Essa aproximação teve início na área do
Direito Penal, da criminologia, mais especificamente no campo da psicopatologia, a
partir da demanda de diagnósticos psicológicos – psicodiagnóstico – que pudessem
servir para classificar e controlar os indivíduos. Os psicólogos eram chamados a
fornecer um parecer técnico (pericial) elaborado a partir do uso de instrumentos e
técnicas de avaliação psicológica, informando à instituição judiciária, via seus
representantes, um mapa subjetivo do sujeito diagnosticado. O objetivo era melhor
instruir a instituição para tomada de decisões mais fundamentadas e, portanto,
mais justas. No entanto, os profissionais que executavam este tipo de trabalho
geralmente se centravam na análise da subjetividade individual
descontextualizada e objetificada. O uso dos testes psicológicos era feito de forma
acrítica, sem questionamentos, o que terminava por reificar a pessoa em estudo.
Atualmente, no entanto, outras formas de atuação dos psicólogos vêm
ganhando força no âmbito da Justiça, fazendo com que haja uma ampliação seu
campo de atuação, aumentando a interface entre as duas disciplinas. Há uma maior
reflexão em relação à avaliação psicológica e diversos instrumentos e técnicas –
além dos testes – passaram a ser utilizados no intuito de compreender a
subjetividade em seu contexto.
Do ponto de vista legal, foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em
1990, que deu um novo escopo à atuação dos psicólogos no campo jurídico. O
Estatuto obrigou o Poder Judiciário a manter uma equipe multidisciplinar
destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude. A princípio, tal equipe
não estaria vinculada às Varas de Família, pois a Justiça da Infância e Juventude
protege as crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. Nas Varas

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Doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia. Participa do grupo de pesquisa
Desenvolvimento em Contextos Culturais (UFBA). Professora de Psicologia na Faculdade
Independente do Nordeste – FAINOR (Bahia). Atuou como coordenadora de projetos sociais
voltados para crianças, adolescentes e jovens na Fundação Clemente Mariani e na ONG Cipó-
Comunicação interativa. Email: e.mattos2@gmail.com

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de Família, no entanto, correm ações que, em princípio, não representam risco


pessoal ou social, tais como aquelas ligadas à existência de núcleo familiar,
questões de guarda, regulamentação de visitas, etc. Contudo, é importante
ressaltar que o art. 151 do ECA trouxe um novo olhar relativo ao papel do
psicólogo no âmbito da justiça, indicando que uma equipe interprofissional tem
não somente a atribuição de fornecer subsídios para o julgamento do processo – o
que se alinha com a ideia de perícia – mas também acrescenta o “aconselhamento,
orientação, encaminhamento, prevenção” e outros formas de atuação que a
legislação local lhe reservar. Com isso, o ECA agregou ao trabalho do psicólogo no
âmbito jurídico funções que não se restringem à perícia stricto sensu.
Conceitualmente, portanto, a Psicologia Jurídica corresponde a toda
aplicação do saber psicológico às questões relacionadas ao campo do Direito
(LEAL, 2008). Entende-se por psicólogos jurídicos não somente aqueles que
exercem sua prática profissional nos tribunais, mas também os profissionais que
atuam com questões relacionadas em diversas interfaces com o campo do Direito,
em Varas de Família, com Direito da Infância e da Juventude, em programas
voltados para aplicação de medidas socioeducativas, Conselhos Tutelares, entre
outros.
De acordo com Lago, Amato, Teixeira, Rovinski e Bandeira (2010), a
avaliação psicológica ainda segue sendo a principal demanda dos operadores do
Direito à Psicologia. Porém, outras atividades de intervenção, como
acompanhamento e orientação, prevenção, bem como práticas alternativas de
resolução de conflitos e mediação, entre outros, passaram a adquirir igual
relevância, estendendo a atuação do psicólogo também para a área do Direito de
Família e do Direito da Infância e Juventude. Ramos e Shine (1994) sugerem que,
pela especificidade do trabalho que realizado e pela forma de inserção do
psicólogo nas instituições jurídicas, esses profissionais enfrentam conflitos em sua
atuação que, por um lado, dever orientar-se por uma ética do cuidado (ideal
terapêutico) e, por outro, tem que atentar para a lógica da Justiça, especialmente
para a necessidade de produção da “verdade” por meio da prova/avaliação
pericial.
Essa atuação, portanto, está permeada por conflitos entre saberes e
poderes. Quando o psicólogo se insere numa equipe institucional suas funções são

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distintas daquelas que se demanda ao perito stricto sensu. Ao ser convocado a


desempenhar funções de orientação, aconselhamento, ele pode posicionar-se como
agente a partir de um lugar diferente do perito. Apesar desta diferença, sua
inserção no discurso jurídico mantém-se com uma função prioritária de elaborar
um laudo/relatório que servirá de prova.
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (Resolução CFP nº 13/2007)
reconheceu recentemente a Psicologia Jurídica como uma área de especialização
da Psicologia. O CFP usa o termo Psicologia “Jurídica” para definir uma das
especialidades do psicólogo e apresenta uma ampla descrição da sua área de
atuação.

Principais campos de atuação


Um dos campos nos quais a atuação do psicólogo vem crescendo bastante é
o Direito de Família. Nessa área, as atividades realizadas pelo psicólogo vêm se
estendendo para além da avaliação psicológica, ultrapassando a prática
tradicionalmente entendida como “pericial”, buscando uma atuação que leva em
conta a subjetividade humana em sua complexidade e dinamicidade,
compreendendo as particularidades humanas e as relações entre as pessoas e os
contextos em que estão inseridas (ROVINSKI, 2009). Esse novo paradigma de
atuação, envolve o tanto o acompanhamento e aconselhamento, quanto o
encaminhamento assessoramento e mesmo a prevenção.
Nesse sentido, nas questões envolvendo Direito de Família, a intervenção do
psicólogo pressupõe uma leitura cuidadosa das relações familiares, tomando-se a
criança como sujeito inserido num sistema familiar e num contexto mais amplo.
Quando o trabalho com as famílias é possível, pode-se questionar a verdade que os
sujeitos construíram no drama familiar, que muitas vezes é ratificada pelo discurso
judiciário, ao oferecer a cada um o lugar de autor e réu, requerente e requerido,
culpado e inocente. Assim, quando atuação do psicólogo é possível, abre-se a
possibilidade de resignificar o conflito.
Lago e colegas (2010) destacam a participação dos psicólogos em processos
de divórcio, disputa de guarda e regulamentação de visitas. Os processos de
divórcio litigioso são aqueles que se caracterizam pela inexistência de um acordo
entre as partes e pode ocorrer um tipo de comunicação patológica entre o casal,

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desencadeando uma exacerbação da competitividade, e podendo acarretar um


processo de rejeição de um cônjuge pelo outro, fenômeno presente
frequentemente em conflitos maritais. Nesses momentos, conforme apontam Costa
e colegas (2009), os ex-cônjuges passam a competir entre si, Podendo inclusive
levar à eclosão de uma verdadeira guerra entre as partes, que pode resultar no
fenômeno da alienação parental.
A alienação parental ocorre nos casos mais conflituosos de divórcio, nos
quais a disputa entre os ex-côjuges/ex-parceiros pode levar um dos genitores a
promover uma destruição da imagem do outro, desmoralizando e desacreditando
o ex-parceiro/ex-cônjuge frente aos(s) filho(s) (SOUZA; BRITO, 2011). Os filhos
são utilizados como instrumento de agressividade contra o ex-parceiro/ex-
cônjuge, induzidos a odiar o outro genitor. Trata-se de uma verdadeira campanha
de desmoralização, na qual a criança é levada a afastar-se do pai ou da mãe,
gerando uma contradição de sentimentos e destruição do vínculo afetivo positivo
entre ambos. O processo cria fortes sentimentos de ansiedade e temor na criança
em relação ao outro genitor.
Em geral, o divórcio litigioso engloba partilha de bens, guarda de filhos,
estabelecimento de pensão alimentícia e direito à visitação. Nesses casos,
conforme apontam Lago e colegas (2010), o psicólogo pode atuar como mediador
ou como avaliador. No primeiro caso, ao atuar como mediador, ele vai buscar
solucionar o conflito manifesto e/ou latente entre as partes, buscando restabelecer
a comunicação, posto que a deverá ter uma continuidade, especialmente quando
existem filhos pequenos ou adolescentes. No segundo caso, a depender da
demanda do juiz, o psicólogo pode realizar a avaliação psicológica de uma das
partes ou do casal e, inclusive, sugerir o encaminhamento das partes para
tratamento psicológico quando necessário. Nessa situação é importante promover
um distanciamento entre a criança e a situação conflitiva, de forma a preservar seu
direito a viver uma condição de proteção (COSTA; PENSO; LEGANI, SUDBRACK,
2009).
Outra questão que vem demandando uma atuação do psicólogo é a
regulamentação de visitas de filhos pequenos ou adolescentes. Essa situação surge
a partir de fatos novos que ocorrem após concluído o processo de divórcio. São
questões posteriores de ordem prática, ou envolvendo novos conflitos, que

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emergem e que fazem com que as partes busquem mais uma vez o Judiciário,
solicitando uma revisão nos dias e horários ou forma de visitas que foram
anteriormente acordados. De acordo com Maciel e Cruz (2009), nesses casos, o
psicólogo deve procurar compreender a dinâmica relacional das famílias,
identificando a natureza e a qualidade dos vínculos que se estabelecem, bem como,
as formas de cuidados parentais, levando em conta o sistema familiar como um
todo em sua complexidade. Além disso, conforme sugerem Lago e colegas (201), o
psicólogo pode também atuar como mediador, procurando apontar a interferência
de conflitos intrapessoais na dinâmica interpessoal dos cônjuges, de forma a
promover a colaboração e transformar o conflito, buscando preservar a autonomia
da vontade das partes.
A disputa de guarda é conflito que emerge nos processos de divórcio
quando é preciso definir qual dos ex-cônjuges deterá a guarda ou a custódia dos
filhos. Em casos mais graves, conforme aponta Silva (2012), tais disputas podem
ocorrer em âmbito judicial e pode ser adotada a mediação para solução do conflito
ou o juiz pode solicitar uma perícia ou avaliação psicológica para que se identifique
qual dos genitores tem melhores condições de exercer esse direito. Nesses casos,
além dos conhecimentos sobre avaliação, psicopatologia, psicologia do
desenvolvimento e psicodinâmica do casal, é fundamental conhecer temas como
guarda compartilhada, falsas acusações de abuso sexual e alienação parental que
vêm emergindo com bastante frequência nesse tipo de processo. É importante
ressaltar, em casos extremos, existem pais que colocam seus próprios interesses e
vaidade pessoal acima do interesse dos filhos, na tentativa de atingir ou magoar o
ex-marido/mulher, apresentando dificuldade para exercer a parentalidade de
forma saudável e responsável (SILVA, 2012). Recentemente, com o advento da Lei
da Guarda Compartilhada (Lei 11.628/2008), determinando que ambos os
genitores dividam os direitos e deveres em relação aos filhos, os operadores do
Direito vêm se voltando para esse tipo de tutela dos direitos.
Além das áreas de atuação já destacadas anteriormente, vinculadas ao
Direito de Família, o psicólogo jurídico também tem sido chamado a atuar na
promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, especialmente após a
publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Nesses casos, destaca-
se o papel do psicólogo junto aos processos de adoção e destituição de poder

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familiar e também o desenvolvimento e aplicação de medidas socioeducativas dos


adolescentes autores de ato infracional. Em função do escopo do presente trabalho,
vamos ressaltar somente as duas primeiras formas de atuação.
Os psicólogos participam do processo de adoção por meio de orientação e
acompanhamento constante das famílias em processo de adoção, tanto antes
quanto depois da colocação da criança. Conforme apontam Lago e colegas (2010),
os psicólogos jurídicos vêm atuando no sentido de recrutar candidatos para as
crianças que precisam de uma família e de ajudar os postulantes a se tornarem
pais capazes de satisfazer às necessidades de um filho adotivo. Nesse sentido, tanto
programas anteriores quanto posteriores são fundamentais no sentido de garantir
o cumprimento da lei e prevenir a negligência, o abuso, a rejeição ou a devolução
das crianças adotadas.
Já os processos de destituição do poder familiar envolvem a suspensão,
revogação ou destituição do direito concedido a ambos os pais, sem nenhuma
distinção ou preferência, para que eles determinem a assistência, criação e
educação dos filhos. Esta medida acarreta a perda dos direitos que os pais têm
sobre os filhos, que poderá ficar sob a tutela de uma família até a maioridade civil.
Esses casos são de natureza muito séria e é preciso considerar que a decisão de
separar uma criança de sua família pode acarretar desdobramento que afetarão,
em maior ou menor grau, toda a vida futura da criança. Esses aspectos levam à
constatação, conforme propõem Lago e Bandeira (2009; 2008), de que a atuação
cuidadosa por parte do psicólogo jurídico demanda uma constante atualização
desses profissionais.
Outra possibilidade de atuação do psicólogo no campo jurídico está no
atuação como mediador de conflitos. A Mediação se origina da palavra latina
"mediatio" e corresponde a uma técnica não adversarial de resolução de conflitos
na qual um terceiro (mediador) neutro e imparcial, auxilia as partes a entenderem
seus reais conflitos e buscarem seus verdadeiros interesses, por intermédio de
uma negociação cooperativa (CEZAR-FERREIRA, 2009). É uma intervenção com
que se busca produzir uma solução pacífica de conflitos, cujo desfecho não é
imposto às partes.
A mediação tem avançado no âmbito do direito de família como uma prática
de resolução de conflitos de forma mais breve e com menor desgaste emocional

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para a família. Nela não existem ganhadores nem perdedores, pois a prioridade é
dada à cooperação entre os envolvidos, evitando processos litigiosos. Diferente do
processo litigioso, a mediação representa uma tentativa de encontrar um
denominador comum entre as partes, fomentando entre elas o diálogo. Ela é uma
ferramenta que confere mais autonomia às partes para que possam resolver suas
desavenças da maneira mais conveniente para elas, com o apoio de um terceiro
que atua como facilitador (KRUGER, 2009).
Para Gonçalves e Brandão (2008), a mediação pode ser geral ou específica.
É geral quando contempla todos os assuntos a serem resolvidos no divórcio e
específica quando aborda somente alguns aspectos. Dentre questões que podem
ser tratadas numa mediação familiar, encontram-se: definição da guarda dos filhos,
pensão alimentícia, regulamentação de visitas ou divisão de bens. Outro aspecto
frequentemente abordado nas mediações familiares é a responsabilidade pelo
cuidado com idosos.
Cabe ao mediador ouvir atentamente a necessidade das partes, com uma
postura acolhedora às diferenças, facilitando a comunicação e evitando
imposições, orientando a busca de ideias que facilitem a construção de uma
responsabilidade mútua, especialmente no que diz respeito à parentalidade.
Diferente do processo litigioso há uma tentativa de encontrar um denominador
comum entre os envolvidos. No entanto, embora a aceitação da mediação venha
crescendo no Brasil, ela não foi ainda regulamentada em nosso país.

Recursos Teórico-Metodológicos
Conforme sugere Cezar-Ferreira (2007), o trabalho dos profissionais que
atuam em Psicologia Jurídica envolve a investigação da subjetividade em
diferentes níveis de complexidade. Voltados para esse objetivo, esses profissionais
se utilizam de diferentes recursos teórico-metodológicos em suas abordagens,
podendo partir de diversas perspectivas teóricas (p. ex. Psicanálise, Terapia
Familiar, Terapia Narrativa, Gestalt, entre outras) e realizar observações,
entrevistas, testes psicológicos, trabalhos em grupos, visitas às residências das
famílias, escolas e outros ambientes frequentados pelas crianças.
De uma forma geral, a perícia psicológica ainda continua sendo o campo de
maior demanda para os psicólogos no judiciário. No campo do Direito, a perícia é

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um tipo de prova produzida durante o processo judicial. O magistrado nomeia um


perito de acordo com a necessidade que tem de conhecer melhor os fatos
envolvidos no caso. O perito, em geral, deve realizar uma avaliação da situação e
apresentar um laudo que será incluído como documento no processo (PIZZOL,
2009). A produção pericial é um elemento importante que compõe o discurso
jurídico da prova, entretanto, é preciso ressaltar que ela não define a decisão do
magistrado. Ele pode decidir contrariamente ao laudo pericial, pois sua decisão
provém do “livre convencimento”, desde que fundamentado nas normas legais.
No campo da Psicologia Jurídica, a perícia demanda um estudo detalhado da
dinâmica relacional da família em conflito, englobando aspectos tanto psicológicos
quanto sociais. Esse tipo de estudo vem recebendo diversas denominações, tais
como: estudo psicológico, estudo técnico, estudo psicossocial, estudo social,
avaliação psicológica, reavaliação psicológica. A terminologia que usaremos aqui é
estudo psicossocial, por entendermos que ele envolve simultaneamente aspectos
psicológicos e sociais, a subjetividade no contexto em que está inserida. Conforme
sugere Cezar-Ferreira (2007), o principal objetivo desse tipo de estudo é investigar
de maneira contextual as inter-relações familiares, para compreender a estrutura
do funcionamento da família e verificar a flexibilidade para a realização de
mudanças.
O estudo psicossocial envolve entrevistas e observações com os vários
membros da família, crianças e/ou adolescentes, com os genitores e com as
famílias de origem, bem como testes psicológicos e visita à residência dos dois
genitores ou dos avós, ou ainda de outro familiar envolvido no processo, quando
necessário (BRANDÃO; COSTA, 2004). Dependendo da situação encontrada junto
ao grupo familiar estudado, podem também ser feitas visitas a instituições públicas
e privadas a que a família esteja vinculada, assim como contatos com profissionais
que a acompanhem ou a tenham acompanhado alguns de seus membros (crianças
ou adolescentes).
Um dos aspectos mais relevantes do estudo psicossocial é o seu caráter
processual. De acordo com Rosenberg (2000) a essas avaliações não se aplicaria o
termo “diagnóstico”, mas sim o de "processo de estudo das dinâmicas psíquicas",
nas quais maior relevância é dada ao movimento da subjetividade da criança, no
senti de um processo dinâmico. É importante escutar as narrativas das histórias de

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vida longitudinais e transversais das famílias, afastando os psicólogos da busca por


fatos reais. O que se investiga é a potencialidade que os sujeitos envolvidos nos
conflitos judiciais teriam para criarem novos sentidos de si mesmos e do mundo
em que se inserem. O que está em jogo aqui é a possibilidade de promover uma
reorganização dos sistemas em conflito.
O estudo psicossocial pode, ao final das intervenções, conduzir
encaminhamentos para que as famílias procurem os recursos da comunidade, a fim
de serem tratados os conflitos que estão gerando sofrimento, especialmente às
crianças e adolescentes. Após a finalização do estudo, é redigido um relatório, que
se constitui em subsídio para a decisão do magistrado (COSTA; PENSO; LEGANI;
SUDBRACK (2009); GRANJEIRO; COSTA, 2008). Tal relatório contém uma
apresentação descritiva e/ou interpretativa “acerca de situações ou estados
psicológicos e suas determinações históricas, sociais, políticas e culturais” (Conselho
Federal de Psicologia, Resolução nº 17/2002). É importante ressaltar que a
elaboração desse relatório deve se revestir da necessária preocupação ética, pois
seu conteúdo tem o potencial de transformar definitivamente a organização
familiar e instaurar rupturas afetivas.
Além disso, a lei também faculta às partes a contratar o serviço particular de
um psicólogo que poderá atuar como assistente técnico, acompanhando o trabalho
do perito designado pelo juiz, confirmando, ou não, a avaliação realizada por
aquele. O psicólogo assistente técnico não deve estar presente durante a realização
dos procedimentos metodológicos que norteiam o atendimento do psicólogo
perito e vice-versa, para que não haja interferência na dinâmica e qualidade do
serviço realizado (Conselho Federal de Psicologia, Resolução nº 08/2010). O perito
e o assistente técnico, entretanto, devem atuar de forma colaborativa, cada qual
exercendo suas competências, sendo que o assistente técnico pode formular
questões que serão respondidas pelo perito.

Estruturação do Setor Psicossocial na Justiça


Desde a promulgação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – em
1990, o Poder Judiciário vem estruturando setores com equipes interdisciplinares,
especialmente destinadas a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.
Progressivamente, essas equipes passaram também a atender as Varas de Família.

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Sendo assim, os Tribunais de Justiça de todos os Estados contam com um Setor


Psicossocial no qual atua uma equipe composta por profissionais de Psicologia, de
Serviço Social e Terapia Familiar.
Na Bahia, o Setor de Atendimento e Orientação Familiar – SAOF – encontra-
se em funcionamento desde 1999, sofrendo algumas modificações em sua
estrutura ao longo do tempo. Sua principal responsabilidade é o desenvolvimento
das atividades de apoio técnico especializado, nas áreas de psicologia e serviço
social, às Varas de Família, ao Núcleo de Conciliação de Primeiro Grau e às Varas da
Infância e da Juventude, dos feitos Relativos aos Crimes contra a Criança e
Adolescente e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Considerações Finais
Este artigo buscou esclarecer pontos de convergência entre as áreas da
Psicologia e do Direito. Em especial, destacamos o papel do psicólogo que atua no
campo do Direito de Família e do Direito da Infância e Juventude. Ao analisar os
campos de atuação do psicólogo jurídico, percebe-se um predomínio da atuação
desses profissionais enquanto peritos/avaliadores. Contudo, a demanda pela
atuação do psicólogo no campo jurídico vem se ampliando cada vez mais: são
acompanhamentos, orientações familiares, participações em políticas de cidadania,
combate à violência, participação em audiências, entre outros. Nesse sentido, os
profissionais da área precisam buscar constante atualização.
Finalizando, destacamos a necessidade de ampliar o espaço para discussão
acerca da Psicologia Jurídica no ambiente acadêmico, mediante a criação de
disciplinas nos cursos de Direito e de Psicologia, além da promoção de encontros
voltados para ampliação do conhecimento e troca de experiências. Um grande
desafio que se apresenta para os profissionais de psicologia jurídica é não se
limitar aos conhecimentos de uma única área, buscando redimensionar a
compreensão do agir humano, considerando a complexidade da subjetividade
humana em seus aspectos legais, afetivos e comportamentais.

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