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O Direito pode ser entendido como uma importante área do conhecimento que tem
origem nos fatos sociais que envolvem aspectos culturais, valores, e costumes. Sendo assim,
objetiva, diante dos conflitos que se apresentam ao Sistema de Justiça, encontrar uma
resolução pacífica para os mesmos. Segundo Sanches (2011) as normas jurídicas são os
recursos utilizados pela ciência do Direito para alcançar a pacificação dos conflitos.
Sendo assim, ao Direito cabe a utilização das leis como instrumento para a organização
das relações sociais, sendo o cumprimento das mesmas elemento essencial para uma boa
convivência social. Mas e como pensar a interface então com a Ciência Psicológica?
Num primeiro momento histórico dessa parceria entre Direito e Psicologia, é possível
observar especial interesse entre a produção de instrumentos de medida e avaliação do
A relevância dos Direitos Humanos para a formação em Psicologia em geral poderá ser
melhor compreendida a partir do acesso ao texto original da Declaração dos Direitos Humanos
da ONU (ONU, 1948). A relação desses princípios com a prática em psicologia jurídica está nas
recorrentes situações de violação de direitos que caracterizam muitos dos conflitos
judicializados e tratados pelo Sistema de Justiça e correlatos.
É importante ter claro que ao falar em Direitos Humanos se fala da necessária garantia
e afirmação de todos os direitos e liberdades considerados fundamentais para todas as
pessoas, sem distinção. É neste sentido que tal temática encontra estreita relação com a
prática em Psicologia Jurídica; em especial no que tange à valorização da pessoa humana
quando da avaliação, análise e intervenção junto aos conflitos representados no cenário
jurídico.
Para isso a Psicologia deve considerar a noção de cidadania, direitos e a qualidade da
relação do Estado com seus cidadãos, assumindo o compromisso com uma postura ética e de
proteção de tais direitos. Segundo Rosato (2011), os Direitos Humanos devem ser
fundamentados no respeito à igualdade entre os homens sem qualquer tipo de distinção,
assim como a proteção à dignidade humana. Tal perspectiva fundamenta-se numa teoria
moderna e contemporânea que considera que todos os seres humanos possuem o mesmo
valor e que por isso compartilham de um rol comum de direitos considerados inalienáveis.
Assim como o é para os Direitos Humanos, a dignidade humana também deve ser
entendida como um princípio fundante para a prática psicológica, na medida em que visa o
desenvolvimento do ser humano e de suas condições de vida (ROSATO, 2011).
Esta perspectiva de cuidado e proteção aos direitos humanos como inalienáveis deve
permear a prática psicológica em geral e em especial no contexto jurídico quando a mesma se
aplica a referência de práticas avaliativas. No campo prático do psicólogo jurídico várias
situações de violação de direitos humanos são frequentes e exigem desse profissional um
olhar ampliado para com a compreensão dos diferentes atores envolvidos. São comuns
pericial está prevista nos normativos brasileiros enquanto uma ação auxiliar do juízo,
na medida em que representa a decisão do magistrado pelo uso do recurso de uma avaliação
realizada por um especialista na matéria em análise, permitindo um maior embasamento
teórico-científico quando da sua tomada de decisão.
Desta forma, o profissional de psicologia poderá atuar como perito junto ao Sistema
de Justiça sempre que convocado pelo juiz, sendo portanto considerado um profissional “de
confiança do juiz”. O perito deve utilizar pesquisas e estudos técnicos especializados para
fundamentar suas conclusões, bem como sua experiência profissional especializada no tema
em análise. Deverá ainda respaldar sua avaliação e a produção do seu laudo pericial numa
análise criteriosa dos quesitos apresentados, respaldado por um reconhecido saber teórico-
técnico e científico sobre o tema. Sua prática se caracteriza como uma importante
contribuição na avaliação do tema em questão, assim como dos envolvidos no conflito, a partir
de aspectos subjetivos e emocionais implicados no mesmo.
Para isso é fundamental a atenção à situação de validade e autorização para uso dos
recursos de testes psicológicos nos termos do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos, de
responsabilidade do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2018). Para conhecer um pouco
mais sobre as especificidades da prática psicológica configurada como perícia ou assistência
técnica no âmbito da Justiça, acesse as Resoluções do Conselho Federal de Psicologia que
tratam do tema, assim como da produção dos respectivos documentos técnicos – Resoluções
CFP: 08/2010, 17/2012 e 06/2019 anexas).
Uma das temáticas que mais demanda a atuação de profissionais de psicologia jurídica
junto às crianças e adolescentes envolve a vivência de situações de violência. Segundo Chauí
(1999) a violência pode ser entendida como a “conversão de uma diferença e de uma
assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, exploração e
opressão... Uma ação que trata o ser humano não como sujeito, mas como coisa”.
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Diante da suspeita e/ou identificação de alguma situação que represente uma ameaça
ou a violação explícita dos direitos das crianças e adolescentes o Estatuto prevê em seu Art.
98 a possibilidade da aplicação, pelo Sistema de Justiça, das medidas protetivas. Entende-se
que tais medidas de proteção são prioritárias e devem ser acionadas adequadamente quando
da suspeita, mesmo que ainda precoce, de que a criança ou adolescente encontra-se em
situação de risco.
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Todas as ações que visam assegurar a proteção e o bem estar das crianças e
adolescentes têm por objetivo possibilitar uma convivência familiar e comunitária saudável e
favorável ao desenvolvimento infanto juvenil. Diante de impossibilidade dessa convivência
cabe ao Sistema de Justiça a avaliação e aplicação de medidas que possibilitem o
encaminhamento de tais crianças e/ou adolescentes em situação de vulnerabilidade e/ou
risco às famílias substitutas.
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Esta temática tem exigido de profissionais da Psicologia Jurídica que atuam nas Varas
de Família uma leitura crítica e contextualizada, de forma a evitar que estereótipos de gênero
sejam fomentados, assim como a problematização dos riscos da patologização excessiva de
conflitos interpessoais e familiares.
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Segundo Ribeiro & Bareicha (2008) a violência se constrói no contexto relacional e por
isso deve ser entendida para muito além do espaço físico em que ocorre. O nível de assimetria,
as condições de hierarquização e subordinação entre os envolvidos devem ser objeto de
análise e avaliação por parte dos psicólogos jurídicos que atuam com essa temática. Inúmeros
são os casos em que a convivência das mulheres em relações violentas ocorre por muitos anos
até que a denúncia ocorra e o sistema de justiça seja acionado como alternativa de
intervenção e proteção das mulheres.
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Torna-se relevante ainda a indicação de que A Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) em
seu Art. 35 prevê a criação e implementação de Centros de reeducação e reabilitação para
agressores, o que permite a interpretação de que ao buscar estratégias e recursos para coibir
e enfrentar a ocorrência de violências contra a mulher, o normativo também está interessado
num recurso que possa intervir junto aos agressores, compreendendo que a problemática
precisa ser enfrentada a partir de todos os envolvidos no conflito e numa perspectiva
relacional.Essa perspectiva fundamenta-se na crença e expectativa de que o trabalho a ser
realizado com os autores de violência não se restringe a uma terapêutica que vise a
recuperação do indivíduo, considerando que a violência não deve ser entendida como um
atributo pessoal, mas sim um fenômeno construído e naturalizado cultural e
psicossocialmente. A proposta da intervenção portanto não deve fundamentar-se enquanto
tratamento, na medida em que não se deve patologizar a violência, sob o risco de limitar a
compreensão sobre tal fenômeno (ANDRADE & BARBOSA , 2008).
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A medida de segurança é aplicada pelo juiz nos casos em que, mediante prévia
realização de exame de sanidade mental realizado por perito médico psiquiatra, sejam
identificados indícios diagnósticos de transtorno mental que caracterizem o sujeito como
alguém perigoso e que, portanto, oferece risco quando do convívio social. Sendo assim, o
elemento decisivo para a indicação ou não da aplicação do recurso da medida de segurança é
o grau de periculosidade identificado no portador de transtorno mental que cometeu o crime.
Segundo Daufemback (2012), “o conceito de periculosidade está reservado apenas às pessoas
que infringiram a lei e foram consideradas doentes mentais, elas não são responsáveis pelos
seus atos, mas são socialmente perigosas” (p. 58).
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A primeira vez, no entanto, que o termo psicopatia foi utilizado, foi na obra do médico
Kraepelin ao referenciar o termo personalidades psicopáticas para indicar uma forma de estar
no mundo e não uma condição de adoecimento; sendo tais indivíduos considerados
deficientes quanto à afetividade e a volição. É na obra de Hervey Cleckley intitulada “A
máscara da sanidade” que os transtornos psicopáticos da personalidade passaram a ser
entendidos como um quadro de insanidade sem a presença dos sintomas típicos das psicoses
(PERES, 2008). Foi Clekley o responsável pela identificação de uma listagem de critérios
amplamente utilizada para o diagnóstico até então de psicopatia.
Dentre alguns dos fatores elencados na PCL-R proposta por Hare para caracterizar
indivíduos psicopatas, é possível identificar os seguintes:
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A mediação pode ser entendida como uma forma amigável e pacífica de tentativa de
solução de conflitos, na qual as próprias pessoas envolvidas podem construir a solução do
problema através do diálogo, com ajuda de uma terceira pessoa imparcial – o mediador – que
facilita a comunicação entre eles. Trata-se assim de uma alternativa consensual, dinâmica e
mais célere de promoção da pacificação social almejada no cenário jurídico e legal.
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Este recurso tem uma forte aplicabilidade no cenário dos conflitos familiares, em
especial em situações de litígio que envolvem a necessidade de reorganização da dinâmica
familiar em função da manutenção de vínculos, considerando a existência de filhos menores
ou a aplicação da proposta de guarda compartilhada.
Esta é uma abordagem que oferece aos ofensores, vítimas e comunidade um caminho
alternativo para a justiça; promovendo a participação segura das vítimas na resolução da
situação e oferecendo às pessoas que assumem a responsabilidade pelos danos causados por
suas ações uma oportunidade de se reabilitarem perante aqueles a quem prejudicaram. Sua
fundamentação é o reconhecimento de que o comportamento criminoso não apenas viola a
lei, mas também prejudica as vítimas e a comunidade e por isso as pessoas envolvidas ou
afetadas pelo crime devem ter participação ativa na reparação do dano, amenizando o
sofrimento que o crime causou e, sempre que possível, tomando providências para prevenir
a recorrência do dano.
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