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DA CONJUGALIDADE À PARENTALIDADE: IMPACTOS PSICOLÓGICOS EM

FILHOS/AS DE PAIS EM LITÍGIO

FROM CONJUGALITY TO PARENTALITY: PSYCHOLOGICAL IMPACTS ON


CHILDREN OF PARENTS IN LITIGATION

Aline Arruda Cavalcante1


Aline Daniele Hoepers2
Priscila da Silva Tomaz3

RESUMO
No campo subjetivo em que ocorrem as separações conjugais, especialmente nos casos
permeados por litígio, os impactos emocionais não se limitam ao par conjugal, reverberam junto
aos filhos e às filhas destes casais. Frente a isso, este artigo tem como objetivo apresentar
reflexões sobre possíveis efeitos psicológicos vivenciados por crianças e adolescentes, filhos/as
de pais em litígio em processos judiciais nas Varas de Família. A construção teórico-reflexiva
proposta se fundamenta em revisão da literatura cientifica sobre o tema, visando dialogar com
autores/as da Psicologia e áreas afins. Os debates trazidos evidenciam a complexidade das
implicações emocionais experimentadas pelos sujeitos em desenvolvimento inseridos nestas
dinâmicas familiares conflitivas, apontando para a necessidade de aperfeiçoamento das redes
de cuidado nos espaços familiares e comunitários.
Palavras-chave: Conjugalidade. Parentalidade. Filhos. Psicologia.

ABSTRACT
In the subjective field in which marital separations occur, especially in cases permeated by
litigation, the emotional impacts are not limited to the conjugal couple, they reverberate with
the sons and daughters of these couples. In view of this, this article aims to present reflections
on possible psychological effects experienced by children and adolescents, children of parents
in litigation in court cases in Family Courts. The proposed theoretical-reflective construction is
based on a review of the scientific literature on the subject, aiming to dialogue with authors
from Psychology and related areas. The debates brought up show the complexity of the
emotional implications experienced by the developing subjects inserted in these conflicting
family dynamics, pointing to the need to improve care networks in family and community
spaces.
Keywords: Conjugality. Parenting. Children. Psychology.

1
Graduada em Administração e Ciências Contábeis pela Faculdade de Presidente Prudente - FAPEPE.
Discente do curso de Psicologia da Faculdade de Presidente Prudente - FAPEPE. Coordenadora de Polo
do Projeto Guri pela Sustenidos - Organização Social de Cultura.
2
Psicóloga, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá - UEM.
Especialista em Proteção Social pela Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR. Psicóloga
Judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP e Docente do Curso de Psicologia da Faculdade
de Presidente Prudente - FAPEPE. Pesquisadora na área de violência intrafamiliar.
3
Graduada em Direito pela Faculdade de Presidente Prudente - FAPEPE. Discente do curso de
Psicologia da Faculdade de Presidente Prudente - FAPEPE. Prestadora de Serviços Terceirizados pela
empresa Plansul - Planejamento e Consultoria na Delegacia de Polícia Federal em Presidente Prudente-
SP.
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1 INTRODUÇÃO

A separação do casal pode provocar efeitos variados nos sujeitos envolvidos. Impactos
materiais, financeiros, psicológicos, familiares, sociais, dentre outros, podem se performar nas
dinâmicas de vida das pessoas em situação de ruptura da conjugalidade. Entretanto, este
processo de afetação não se limita ao par conjugal, atinge também demais membros que
compõem o sistema familiar. Em meio a tais conflitivas, as consequências emocionais
vivenciadas por crianças e adolescentes admitem proporções ainda mais complexas.
Frente a este cenário multifacetado, este artigo tem como objetivo propor reflexões
sobre efeitos psicológicos vivenciados por filhos/as de pais em litígio em processos judiciais
nas Varas de Família. Para tanto, optamos por realizar discussão de natureza teórica sobre o
assunto em tela, com base em revisão bibliográfica de artigos científicos e livros, articulada
com contribuições da legislação oficial brasileira, conforme exposto nas seções que se seguem.

2 PSICOLOGIA EM INTERFACE COM O DIREITO: PRÁTICAS PROFISSIONAIS


NAS VARAS DE FAMÍLIA

A atuação da Psicologia no âmbito do Sistema de Justiça abrange muitos campos, não


se limitando ao espaço forense. As práticas dos/as psicólogos/as jurídicos/as têm raízes na área
penal, inicialmente, como instrumento de avaliação de criminosos, a partir de 1950, segundo
autores como Coimbra (2003) e Lago et al. (2009).
Pouco a pouco, Lago et al. (2009) destacam que os/as psicólogos/as passaram a
desenvolver trabalhos para além dos espaços dos estabelecimentos prisionais. Um marco
importante, segundo apontam, foi a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente,
em 1990, que contribuiu com a expansão dos trabalhos desses profissionais. A partir daí,
instituições de cumprimento de medidas socioeducativas, varas da infância e juventude, varas
de família, organizações não-governamentais ligadas à defesa de direitos humanos, defensorias
públicas, passaram a demandar o trabalho de psicólogos/as de forma mais expressiva e a partir
de uma abordagem mais diversificada e menos tradicional.
Dentro deste vasto e complexo campo de articulação entre a Psicologia e o Direito,
particularmente nas Varas das Famílias, os/as psicólogos/as têm sido desafiados/as a atuarem
com demandas diversas que surgem em processos de divórcio, guarda de filhos/as,
regulamentação de visitas e alienação parental.

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Especificamente no que tange às demandas inerentes aos casos de separação litigiosa,


as problemáticas emergentes nestes sistemas familiares tomam dimensões ainda mais
plurifacetadas, tendo em vista que, historicamente, as famílias vêm sofrendo transformações
intensas em suas possibilidades de configuração e, por conseguinte, nos modos de estabelecer
suas relações.
Nos processos judiciais que envolvem separação de casais, principalmente naqueles
casos em que figura conflitos intensos, os/as profissionais do Direito (Promotores/as de Justiça
e Juízes/as), diante do desafio de construírem decisões que implicam no estabelecimento da
guarda de crianças e adolescentes, devem se atentar para uma análise ampla no sentido de
verificar se não há por parte de algum dos genitores ou de ambos manipulação dos/as filhos/as
com objetivo de se beneficiar(em) no processo de obtenção da guarda.
Nessa direção, o Direito de Família vem, cada vez mais, tentando se adequar às
mudanças das realidades sociais e familiares, levando, inclusive, em consideração o estado
emocional dos sujeitos em desenvolvimento ali envolvidos, cenário em que a Psicologia e o
Serviço Social, podem ser acionados para colaborar com subsídios técnicos, a fim de
fundamentar as decisões judiciais no que se refere à guarda.
No presente contexto, a legislação prevê que a guarda compartilhada é a forma mais
eficaz de minimizar possíveis danos emocionais aos filhos e às filhas ante à falta de convivência
direta com um dos pais. Inclusive, a Lei n. 13.058/2014 estabelece que esse modelo de guarda
será aplicado prioritariamente, salvo nos casos em que um dos genitores não se encontrar apto
para exercer as funções parentais.
Este âmbito, costumeiramente atravessado por elementos de ordem psicológica, traz em
cena a importância da atuação dos/as psicólogos/as judiciários/as, bem como de outros/as
profissionais que compõem as equipes interdisciplinares em cooperação com o Direito.
Conforme Miranda Junior (1998, p.3),

As disputas pelas guardas dos filhos, as acusações mútuas, as intimidades


expostas num processo judicial, assim ocorrem muitos processos nas Varas de
Família. Como ficam as crianças nestas situações? Em geral, não muito bem.
E o que se percebe na prática é que estes litígios relacionam-se muitas vezes
a problemas particulares que os ex-cônjuges não conseguiram elaborar após a
separação. Então chegam ao Judiciário com uma construção litigiosa
imaginária muito bem estabelecida na qual, em geral, os filhos estão como
objetos de disputa, sendo que a preocupação com seu bem-estar fica em
segundo plano. Se os filhos estão mal, a culpa é sempre do outro. As crianças
e adolescentes envolvidos transformam-se em objetos de ataques e defesas
[...]. O trabalho do psicólogo é desconstruir o litígio, escutar de cada um qual
a sua parte naquela história [...].

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A partir dos apontamentos do autor, podemos observar algumas nuances de como se


configura o complexo trabalho de atuação dos/as psicólogos/as judiciários/as dentro das Varas
de Família no Sistema Judiciário brasileiro, notadamente nas demandas de litígio.
Este trabalho de escuta e acolhida das subjetividades presentes em processos de
divórcios litigiosos se mostra de grande relevância para o campo do Direito de Família, tendo
em vista o seu potencial de alcance tanto no que se refere ao casal, como no tocante às crianças
e aos adolescentes envolvidos/as nestas complexas situações, o que permite amenizar as
consequências do divórcio dos pais sobre a prole.

3 SEPARAÇÃO: CONJUGALIDADE X PARENTALIDADE

O processo de separação de casais, por si só, já é um fenômeno de grande complexidade.


Quando ocorre de forma litigiosa, entra em cena a importância de que o casal compreenda que,
naquele momento, estão desfazendo o vínculo conjugal, porém a relação parental com os/as
filhos/as permanece.
Importante destacar que, segundo dispõe o Código Civil brasileiro (2002), no artigo
1.576, a separação encera os deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens,
mas, mesmo após a separação, as partes só poderão se casar novamente quando ocorrer o
divórcio, de fato. Podemos compreender, portanto, que a separação pode ser considerada como
uma etapa anterior ao divórcio, que será a fase em que as decisões se consolidarão legalmente.
A separação nem sempre é de comum acordo entre as partes. Em muitos casos,
configura-se como separação litigiosa, o que requer iniciar um processo judicial, no qual cada
parte terá um advogado representando seus interesses, quais sejam: separação de bens, guarda
de filhos/as e até mesmo a separação entre si. Quanto à guarda de filhos/as, essa deve seguir
estritamente o significado etimológico do termo, que no francês garde é utilizado
genericamente para designar: proteger, conservar, olhar e vigiar.
Há em nosso ordenamento jurídico supracitado duas modalidades de guarda previstas.
A guarda unilateral é o tipo de guarda delegada a apenas um dos genitores, ficando a outra parte
com direito de visitas e de acompanhar e supervisionar as decisões inerentes a prole. Nesta
modalidade, o genitor que não a detém deverá contribuir para o sustento dos/as filhos/as
mediante o pagamento de pensão alimentícia. Já na guarda compartilhada, todas as decisões
que digam respeito à criação dos/as filhos/as devem ser partilhadas entre as partes. Nesta
modalidade, a prole reside com um dos genitores e o outro possui livre acesso à criança ou ao
adolescente. Ambos os pais compartilham as responsabilidades, decisões e participam de forma

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igualitária do desenvolvimento daqueles, devendo o genitor que não reside com eles/as pagar
pensão alimentícia, objetivando o auxílio em seu sustento.
Embora a alteração trazida pela Lei n. 13.058/2014 ao Código Civil, torne a modalidade
de guarda compartilhada prioritária, as disputas e os conflitos são recorrentes. O litígio que
perpassa a dinâmica do casal pode trazer consequências graves ao desenvolvimento saudável
dos/as filhos/as, as quais serão abordadas na seção seguinte. Por ora, cabe-nos apontar algumas
demarcações sobre conjugalidade e parentalidade, para que tais dimensões fiquem claras aos
leitores e às leitoras.
A relação conjugal pode ser compreendida como a união de duas individualidades, que
trazem consigo projetos, histórias, desejos diferentes e que se unem através da conjugalidade
dando início a uma terceira instância, que é a identidade conjugal. Além dessa dimensão,
inerente ao par conjugal, quando há a presença de filhos/as, as relações familiares se ampliam
e passam também a se dimensionar como parento-filiais. A seguir os autores apontam algumas
demandas sensíveis que podem emergir nesta complexa teia de conjugalidade e parentalidade:

Com o nascimento de um(a) filho (a), a conjugalidade é transformada e, ainda


que não perca sua importância, muitas vezes, vê-se subordinada à
parentalidade, aumentando o risco de insatisfação conjugal, sendo comum a
maior dedicação feminina à maternidade. Em caso de separação, muitos casais
recasam, juntando os filhos de diferentes casamentos em uma mesma família.
O recasamento aumente a complexidade quanto à definição das regras e dos
diferentes papéis conjugais e parentais. Essas diferentes formas conjugais
repercutem no modo como os pais participam na vida de seus(suas) filhos(as),
desde a infância até a vida adulta (PONCIANO; FÉRES-CARNEIRO, 2017,
p. 279).

Assim, quando ocorre a separação, a família passa a ser nomeada como parental. A
parentalidade mantém o grupo familiar, mesmo quando este já está extinto pela separação e/ou
divórcio do par conjugal.

Para pais e filhos(as), não há dissolução dos laços parentais, estabelecidos pela
herança biológica e pelo Estado, em última instância. Dessa forma, o casal
perde a sua centralidade na família conjugal para a centralidade da relação
parental, que é indissolúvel (DURKHEIM, 1975 apud PONCIANO; FÉRES-
CARNEIRO, 2017, p. 3).

Sob este enfoque, podemos considerar que o vínculo parento-filial convoca os pais a
assumirem papéis por meio dos quais se deve preconizar a liberdade, a autonomia e o
crescimento dos/as filhos/as. Mesmo não formando mais um casal conjugal, pai e mãe, devem
continuar exercendo suas funções – papéis parentais – que serão mantidas pela dimensão da
parentalidade.

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Crianças e adolescentes que experienciam a vivência da separação conjugal de seus pais


estão ativamente envolvidos/as neste processo, que pode ser mais ou menos angustiante, a
depender das posturas assumidas pelos genitores. Quando esses não entram em acordo e buscam
o Sistema Judiciário para a resolução do conflito, os/as filhos/as acabam por serem lançados
em meio a uma batalha judicial entre pai e mãe, na qual a conjugalidade se confunde com a
parentalidade.
Em meio às conflitivas emergentes nestes processos, intencionalmente ou não, os
genitores acabam emitindo julgamentos, culpabilizações, depreciações ao/à outro/a, por
estarem emocionalmente afetados pelos motivos que levaram ao rompimento da conjugalidade.
Contudo, por vezes, esquecem-se que tais sinais são percebidos, ouvidos, vistos pelos/as
filhos/as. Esses, pressionados negativamente por tais vivências, acabam, por vezes, entendendo
que devem tomar partido apenas de um dos genitores, o que indica o quanto a dimensão da
parentalidade já está, também, tomada por elementos de uma conjugalidade mal resolvida.
Por tudo isso, infelizmente, acaba sendo comum casais sentirem dificuldade em colocar
os/as filhos/as em primeiro lugar durante e/ou após a separação conjugal, tendo em vista vários
fatores emocionais, relacionais, financeiros, etc. inerentes ao término. Nessas situações, os pais,
deliberadamente ou não, podem estar afetando sobremaneira a vida emocional dos/as filhos/as
de forma negativa.
Uma possível repercussão, que vem sendo discutida por teóricos/as da Psicologia
Jurídica e do Direito, é o fenômeno da alienação parental, por meio do qual pode também se
instaurar a Síndrome de Alienação Parental na criança ou no adolescente.

A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que


aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças.
Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos
genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma
justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a
“lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria
criança para caluniar o genitor-alvo (GARDNER, 2002, p. 1).

Segundo a perspectiva do autor, o ato de alienação parental se refere a um conjunto de


ações e estratégias de uma das partes que visa influenciar a criança ou o adolescente a se
distanciar e a odiar o/a outro/a genitor/a, sem justificativas plausíveis, utilizando o/a filho/a
como instrumento para desmoralizá-lo/a. A depender da duração e intensidade dos atos, seus
efeitos podem provocar a Síndrome de Alienação Parental, a qual se configura, propriamente,
como os impactos emocionais e consequentes condutas comportamentais desencadeadas na
criança ou no adolescente que é ou foi vítima do processo de alienação.

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A Síndrome da Alienação Parental não se confunde, portanto, com a mera


alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação
parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro,
mais comumente o titular da custódia. A síndrome, por seu turno, diz respeito
às sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança
vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere à conduta do
filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com um dos
progenitores e que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a
alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor
que intenta arredar o outro genitor da vida do filho (FONSECA, 2011 apud
VIEIRA, 2013, p. 4).

No campo da Psicologia, há estudos (XAXÁ, 2008) que destacam que, enquanto não se
instala a Síndrome da Alienação Parental propriamente, a reversão de seus efeitos, pela via
terapêutica, comina chances maiores se comparado com os casos em que tais impactos
emocionais já se instalou na criança. Seja como for, partimos do entendimento que ambos os
fenômenos precisam ser considerados com atenção pelas equipes multidisciplinares envolvidas,
já que o limite entre o ato com intenção alienante e a instauração de quadro emocional negativo
na criança ou no adolescente é muito tênue e o que está em jogo é a vida psicoemocional de
sujeitos em desenvolvimento.
Pelo fato de estes fenômenos, acima discutidos, ultrapassarem os muros das relações
conjugais/parentais e se configurarem como problema social recorrente, o ordenamento
jurídico, tem se debruçado sobre o tema e, inclusive, foi instituída a Lei n. 12.318/2010, que
trata do combate aos atos de alienação parental.
Por todo o exposto, resta claro que os processos de dissolução conjugal litigiosos
acabam por admitir uma marca singular, isso porque além da presença de sentimentos múltiplos
e, por vezes, paradoxais próprios aos processos de separação, nestes casos, os conflitos se
dimensionam de forma mais acirrada, tornando os/as filho/as potenciais alvos de disputas, fato
esse que pode culminar em violações de seus direitos.

4 EFEITOS PSICOLÓGICOS EM FILHOS/AS DE PAIS EM LITÍGIO

Os efeitos psicológicos que se manifestam em crianças ou adolescente que vivenciam


separações conflituosas de seus pais não se limitam ao tempo cronológico do processo judicial
propriamente dito. A vida emocional, por sua natureza dinâmica, não se restringe ao que se
desvela na dimensão dos autos dos processos de separação litigiosa.
Podemos refletir, portanto, que antes mesmo de os genitores ingressarem, de fato, com
um processo judicial para formalizar o divórcio, os/as filhos/as já podem estar sendo afetados

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pelas dinâmicas conflitivas que se estabelecem no convívio familiar. Estes casais, se encontram,
comumente, em um embaralhado de conflitos e emoções, que pode fragilizá-los a ponto de
dificultar a resolução de seus conflitos de modo a preservar as crianças e os adolescentes que
pertencem àquele sistema. Nessas realidades, os/as filhos/as, muitas vezes, acabam sendo
tratados/as como depositários das verdades individuais de um dos pais, gerando o sentimento
de que devem se portar de modo adversarial quanto ao/à outro/a genitor/a.
A autora Cesar-Ferreira (2007) pontua que “alguns sinais indicadores de prejuízos na
área afetiva começam a ser dados pelas crianças, já na fase dos desacertos anteriores à
separação” (p. 52). Temos que considerar, portanto, que, mesmo nestes casos, tidos como
supostamente amenos, por não terem se configurado como ato de alienação parental ou como
síndrome da alienação parental, as crianças e/ou os adolescentes que vivenciam as divergências
de seus protetores são atravessadas/os em seu desenvolvimento constitutivo por sofrimentos e
perdas, que embora não sejam inerentes as relações pais-filhos, são significadas como tal.
Quando a convivência em comum se torna insustentável e o casal não encontra mais
dispositivos para lidar ou para suportar os impactos advindos dos intensos conflitos conjugais,
acabam, muitas vezes, recorrendo ao Judiciário. O conflito experimentado no cotidiano passa a
reverberar seus efeitos também nos autos dos processos. Neste cenário é que se estabelece a
atuação conjunta dos operadores do Direito com a Psicologia Jurídica, visando a condução de
resoluções mais plausíveis para cada caso, cuja prioridade é destinada ao bem-estar das crianças
e dos adolescente envolvidas/os.

Nas Varas de Família e das Sucessões dos Foros Regionais e dos Tribunais de
Justiça estaduais, priorizam-se casos em que há filhos envolvidos (direta ou
indiretamente) nas relações processuais. Isso porque, como membro da
família afetivamente mais sensível, a criança percebe mais facilmente os
efeitos nocivos de uma desestruturação familiar e, por esse motivo, sofre os
maiores prejuízos emocionais e comportamentais (SILVA, 2003, p. 112).

Nestas circunstâncias, em que ocorrem conflitos de interesses pelos genitores e disputa


judicial pela guarda de filhos/as após rompimento conjugal, a alienação parental pode surgir
como uma extensão das emoções hostis advindas destes adultos, passando a ser depositadas nas
crianças e/ou adolescentes e podendo gerar a síndrome de alienação parental, fenômenos esses
já descritos na seção anterior.
Os prejuízos ao desenvolvimento pessoal de crianças e adolescentes inseridos/as em
contextos de separação litigiosa dos pais e, especificamente, submetidos à alienação parental
ou à referida síndrome revelam-se de muitas formas e acarretam consequências que podem
estender-se ao longo da vida do indivíduo, trazendo, em alguns casos, padrões de repetições já

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na fase adulta, conforme apontado por Sousa (2010): “(...) quando adultos, reproduzirão o
mesmo comportamento manipulador do genitor alienador em suas relações, ou ainda, terão
dificuldades de relacionamento e adaptação” (p. 167). Na mesma direção, outra autora discorre:

Uma outra consequência da síndrome pode ser a repetição do padrão do


comportamento aprendido. Na medida em que um dos pais é colocado como
completamente mau, em contraste com o que detém a guarda, que se coloca
como completamente bom, a criança, além de ficar com uma visão
maniqueísta da vida, fica privada de um dos pais como modelo identificatório
(FÉRES-CARNEIRO, 2007, p. 76).

Tais apontamentos refletem a lacuna que se estabelece de maneira diretiva no


desenvolvimento subjetivo destas crianças e/ou adolescentes que vivenciam tais interferências
emocionais por uma ou ambas as figuras parentais. Vale apontar que os efeitos psicológicos
impetrados aos filhos/as de pais em litígio podem emergir de inúmeras formas e intensidades,
a depender das características particulares tanto da criança e/ou adolescente alienado/a quanto
do grau de alienação acometido pelo alienador. Alguns pesquisadores sinalizam diferentes e
possíveis sintomas, como vemos a seguir.

Como decorrência, a criança passa a revelar sintomas diversos: ora apresenta-


se como portadora de doenças psicossomáticas, ora mostra-se ansiosa,
deprimida, nervosa e, principalmente, agressiva. (...) a depressão crônica,
transtornos de identidade, comportamento hostil, desorganização mental e, às
vezes, o suicídio. (...) a tendência ao alcoolismo e ao uso de drogas também é
apontada como consequência da síndrome (FONSECA, 2007, p. 10).

Em conformidade, Trindade (2007) faz menção aos danos emocionais e


comportamentais possíveis acarretados aos alienados, nos seguintes termos:

Esses conflitos podem aparecer na criança sob forma de ansiedade, medo e


insegurança, isolamento, tristeza e depressão, comportamento hostil, falta de
organização, dificuldades escolares, baixa tolerância à frustração,
irritabilidade, enurese, transtorno de identidade ou de imagem, sentimento de
desespero, culpa, dupla personalidade, inclinação ao álcool e às drogas, e, em
casos mais extremos, ideias ou comportamentos suicidas (p. 104).

Além disso, Fonseca (2007) e Silva (2003 apud SOUSA, 2010) apontam que crianças
e/ou adolescentes que vivenciam a alienação parental tendem a se afastar, comumente, do/a
genitor/a alienado/a, bem como de demais membros da família dele/a, o que gera um acúmulo
de emoções negativas advindas do distanciamento imputado.
A prática de manipular a criança e/ou o adolescente, em virtude do rompimento da
conjugalidade ou disputa de guarda pelos genitores, ameaça o desenvolver saudável de fases da
vida daqueles, que estão atravessando períodos de significativo desenvolvimento
psicoemocional, fato gerador de efeitos drásticos, visto por uma perspectiva de saúde mental.

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O estímulo para que odeiem um dos pais revela a estas crianças e/ou adolescentes sentimentos
que ultrapassam seu controle, emergindo patologias de cunho psicológico e/ou psiquiátrico que,
quando não acolhidas e trabalhadas preventivamente, podem produzir efeitos ao longo da vida,
acarretando em consequências também na idade adulta.
Outra condição apontada por pesquisadores/as, relaciona-se às falsas
acusações/denúncias que podem produzir prejuízos similares a um processo de acusação real,
sendo tendência à sua condição uma intensa necessidade de vingança por uma das partes. Esse
fenômeno pode provocar a implantação de memórias falsas nos/as filhos/as, que passam a
viverem em uma condição de não-verdade dos fatos.

O que se denomina de implantação de falsas memórias advém, justamente, da


conduta doentia do genitor alienador, que começa a fazer com o filho uma
verdadeira “lavagem cerebral”, com a finalidade de denegrir a imagem do
outro - alienado -, e, pior ainda, usa a narrativa do infante acrescentando
maliciosamente fatos não exatamente como estes se sucederam, e ele aos
poucos vai se “convencendo” da versão que lhe foi “implantada”. O
alienador passa então a narrar à criança atitudes do outro genitor que jamais
aconteceram ou que aconteceram em modo diverso do narrado (GUAZZELLI,
2010, p. 20).

Crianças ou adolescentes envolvidos/as nestas situações passam a absorver falsas


acusações como verdadeiras e vivenciadas, por meio das quais o/a alienador/a manipula suas
memórias reais, condicionando a estas fatos e acusações inexistentes. De acordo com a referida
autora, essa condição seria recorrente em separações de um alto grau de litígio e disputas pela
guarda dos/as filhos/as.
Vemos, pois, que os efeitos psicológicos que podem ser provocados, deliberadamente
ou não, por um ou ambos os genitores em situação de litígio, antes, durante ou depois do
rompimento conjugal, podem admitir nuances variadas a depender de inúmeros fatores. Seja
como for, é fato que a vida emocional destas crianças e adolescentes acaba por ser afetada
negativamente, demandando ações de cuidado rumo a preservação de sua saúde mental,
temática sobre a qual passamos a abordar na seção que se apresenta.

5 CONSTRUINDO ALTERNATIVAS: CRIAÇÃO E FORTALECIMENTO DAS


REDES

Diante dos impactos subjetivos que a confusão entre as dimensões conjugalidade e


parentalidade podem provocar nas crianças ou nos adolescentes inseridos em dinâmicas
familiares em que os pais estão em conflito intenso, entra em cena a necessidade de refletirmos

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sobre dispositivos de enfrentamento quanto à problemática em pauta. Para isso, consideremos


importante acionar a compreensão de redes de apoio familiar e social para que esbocemos aqui
algumas possíveis estratégias de acolhida das demandas emergentes nestes complexos cenários
familiares.
Brito e Koller (1999) argumentam que a rede de apoio social é um “(...) conjunto de
sistemas e de pessoas significativas, que compõem os elos de relacionamento recebidos e
percebidos pelo indivíduo” (p. 115), ou seja, podemos compreender que esta rede de cuidado
se dimensiona tanto por meio das relações familiares e comunitárias dos sujeitos, como através
das estruturas formadas por setores e profissionais que trabalham alinhados/as ao objetivo de
suprir ou minimizar determinadas demandas sociofamiliares.
Nesta vasto campo em que se performam as redes de apoio, a atuação da Psicologia,
especificamente no âmbito do Sistema de Justiça, pode colaborar com possíveis acordos
judiciais que venham priorizar o bem-estar das crianças e dos adolescentes envolvidos/as.
Diversos autores, como Bonfim (1994), Ramos e Shaine (1994) e Brito e Koller (1999),
defendem a ideia de que intervenções por parte destes/as profissionais atuantes nas Varas de
Família devem ocorrer em contexto anterior à audiência, a fim de que se possa trabalhar junto
aos conflitos emergentes, buscando de forma conjunta e colaborativa aos familiares soluções
mais adequadas àquela realidade e à dinâmica de cada família, o que também permite priorizar
a acolhida das demandas dos/as filhos/as envolvidos/as.
Embasadas nessa perspectiva, algumas equipes passaram a adotar novas posturas na
prática profissional, tal como salienta Sousa (2010): “essas equipes perceberam como
inadequada a realização de avaliações individuais dos membros do grupo familiar, e passaram
a privilegiar a dinâmica relacional da família, buscando os recursos próprios a cada contexto
familiar para a resolução do conflito vivido” (p. 47). A adoção desta postura instiga uma
participação mais ativa de cada membro familiar, trazendo possibilidades de relações com
maior nível de funcionalidade e responsabilização. A autora pondera ainda:

(...) enfatiza-se a importância de um espaço no qual o psicólogo possa intervir,


refletindo com as partes sobre a responsabilidade pela superação dos impasses
e um possível acordo judicial. O que, acredita-se, contribuir para a separação
emocional do ex-casal e para uma maior convivência e participação de ambos
genitores na vida dos filhos. (SOUSA, 2010, p. 47-48).

Ademais, além desta atuação no âmbito do processo, é importante considerar a


disponibilidade da rede de apoio durante ou após o divórcio propriamente, atuando em
conformidade às demandas dos genitores e das próprias crianças, contexto em que ambos
estarão diante de novas perspectivas de reconstrução de vivências relacionais. Inclusive, a

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Constituição Federal (1988), em seu artigo 227, dispõe que é dever do Estado, da sociedade e
da família assegurar todos os direitos e garantias às crianças, entre os quais: à liberdade e
convivência familiar e comunitária. Ao menor rompimento de tais garantias, cabe a intervenção
da rede, via Conselhos Tutelares, cujas atribuições estão dispostas no Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990), aplicando-se as medidas cabíveis a cada caso.
Ainda, como fonte de apoio no que se refere à complexa problemática em pauta, é
relevante salientar que diversas instituições executoras de políticas públicas exercem papel
fundamental na prevenção e atenção a vulnerabilidades familiares, bem como na atuação junto
às demandas psicológicas e psicossociais atinentes ao campo da saúde mental. A título de
ilustração podemos citar, respectivamente, o Centro de Referência da Assistência Social
(CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) no âmbito do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS); e as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e o Centro
de Atenção Psicossocial (CAPS) no campo do Sistema Único de Saúde (SUS). As instituições
escolares, também como parte desta rede, desenham-se como lócus de atenção e acolhida, haja
vista que crianças e adolescentes podem ali manifestar sinais emocionais ou relevar situações,
as quais devem ser encaminhadas aos órgãos competentes para os devidos procedimentos.
Não menos importante, enquanto instrumento de enfrentamento, cabe refletirmos sobre
a relevância de que a alienação parental seja reconhecida enquanto violação de direitos,
considerando a criança e/ou o adolescente em questão como sujeito a quem deve ser garantida
a plena convivência com seus genitores. Eis que para que se possa haver o reconhecimento do
direito do sujeito em sua forma ampliada é necessário, primeiramente, que se faça o
reconhecimento da violação, o que envolve uma construção de uma consciência subjetiva por
parte dos genitores. Nesse processo de sensibilização, emerge, por conseguinte, a necessidade
de se redimensionar olhares para as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos,
convidando os genitores a refletir que eles devem ser facilitadores de uma convivência familiar
saudável, mesmo após o rompimento do subsistema conjugal. Circulação de campanhas
informativas se desenham como possíveis dispositivos para trabalhar essa dimensão educativa
junto aos pais e à comunidade em geral.
Além das alternativas já postuladas, cabe destacar algumas outras pontuações sobre a
relação familiar após o acordo ou decisão judicial. Os elementos ali estabelecidos devem
subsidiar a nova dinâmica familiar, após rompimento do vínculo conjugal por parte dos
genitores, porém, não precisará, necessariamente, congelar o processo criativo familiar,
reduzindo-se a uma rígida execução do que fora instituído. Para tanto, a manutenção do diálogo

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entre o ex-casal é imprescindível, visando um regular prosseguimento das decisões a serem


tomadas quanto ao desenvolvidos dos/as filhos/as.
Neste ponto, torna-se possível refletir que, se é fato que é no campo das relações
familiares que os impactos negativos sobre o psiquismo de crianças e adolescentes podem se
inscrever, é também por meio destes mesmos vínculos que inúmeras estratégias produtivas
podem ser construídas colaborativamente com os sujeitos que compõem famílias com casais
em litígio, visando o redimensionamento destes laços rumo à preservação das relações parento-
filiais.
Neste sentido, a psicanalista Kehl (2003) dispõe que a dinâmica familiar ocorre de forma
particular trazendo muitas possibilidades na construção de laços. A família, outrora idealizada
em uma concepção monogâmica e patriarcal, em que cada um de seus membros possuíam
funções pré-determinadas e específicas atreladas a uma compreensão de casamento como base
de procriação, passa a abrir espaços para novos modos de configuração. Essas novas e possíveis
construções familiares, não mais concebidas pela exclusividade de uma trindade (mãe, pai e
filho/a) ganham novas caras e formas, e o rompimento conjugal, casamentos homoafetivos,
filhos e filhas de mães e pais diferentes, entre tantos outros modelos, não denotam mais
condições de exceção.
Inclusive, Kehl (2003) pontua que o sofrimento que pode emergir em crianças, em
contexto de separação dos pais, não se estabelece em face do rompimento ali gerado e da criação
de novos laços, mas sim, relaciona-se ao modo como os responsáveis direcionam tais
circunstâncias a elas. Isso nos indica que as crianças podem passar por estas transições de forma
positiva, uma vez que estejam envolvidas por cuidado e sensibilidade por parte dos pais, o que
não ocorre quando são expostas aos impactos de disputas e conflitos intensos, por exemplo.
Por todo o exposto, não poderíamos deixar de destacar que, além do suporte que deve
ser fomentado pelas redes de apoio aos filhos e às filhas de pais em litígio durante e depois das
separação, tal como discutido acima, ações preventivas também devem ser priorizadas. Isso
significa que mesmo antes de a separação do casal ocorrer, diante dos primeiros sinais
emocionais de sofrimento destas crianças ou adolescentes envolvidas/os em conflitivas
familiares, redes de cuidado podem e devem ser acionadas. Nessa direção, Sousa (2010) realiza
uma crítica a ausência de programas continuados de acesso simplificado direcionados para as
famílias em litígio, nos termos a seguir:

Na discussão sobre o SAP ou alienação parental não se pensa a existência de


serviços multidisciplinares disponibilizados pelo poder público, ou por
organizações, em que as famílias pudessem recorrer para obter informações,

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tirar dúvidas, refletir sobre possibilidades para convivência após o divórcio.


(p. 186).

Ainda sob este enfoque preventivo, na contramão de uma lógica na qual a punição do/a
genitor/a alienador/a surge como foco central no contexto nacional, a autora discorre sobre
alternativas outras em que se considera medidas que se aliam à convivência familiar como
prerrogativa. Cita medidas adotadas em outros países, como: na França (PERDRIOLLE;
HOCQUET, 1998 apud SOUSA, 2010), onde a criança reside com o genitor ao qual revela
maior aceitabilidade de convivência com o outro, maneira identificada para que ambos possam
desfrutar e apropriar-se de seu lugar; e na Suécia (BRITO, 2001 apud SOUSA, 2010), onde,
por meio do Serviço “Conversas Cooperativas”, tornou-se possível o atendimento das famílias
por equipes multiprofissionais, objetivando auxiliá-las em questões relacionadas aos cuidados
com os/as filhos/as após o rompimento conjugal. Entendemos que tais alternativas, adotadas no
âmbito internacional, podem ser repensadas e ajustadas ao nosso contexto, como algumas
possíveis formas preventivas ao adoecimento em contextos de litígio conjugal.
Nossa pretensão, nesta seção, não foi a de esgotar as alternativas de enfrentamento às
vulnerabilidades as quais crianças e adolescentes podem estar expostas/as em cenários
familiares atravessados pela separação conjugal conflituosa de seus pais, mas sim refletir sobre
alguns possíveis eixos estratégicos, enquanto fios que se entretecem nesta plurifacetada teia.

6 REFLEXÕES FINAIS

O fim de um relacionamento conjugal pode proporcionar sentimentos paradoxais nos


membros de grupo familiar. Tais efeitos impactam não apenas o casal que dissolve seu enlace,
mas também os/as filhos/as, cujas consequências emocionais podem se dimensionar em formas
e intensidades variadas. Quando este rompimento se delineia, particularmente, com contornos
altamente conflitivos por parte dos genitores, os impactos vivenciados por crianças ou
adolescentes tendem a se configurar como reações emocionais negativas, expressas por sinais
e manifestações de sofrimentos variados.
Para além de um viés de culpabilização de um ou de ambos os genitores – os quais, em
meio a uma profusão de sentimentos, manifestam dificuldade de separar as dimensões de
conjugalidade e parentalidade, acabando por, intencionalmente ou não, provocar impactos
psicológicos negativos em seus/suas filhos/as –, cabe a nós colaborarmos com a criação de
estratégias que realcem a atenção às crianças e aos adolescentes, para que, de ferramentas de

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disputa nas lides conjugais, passem a ser percebidos/as e tratados/as como de fato são: sujeitos
de direitos em pleno processo de desenvolvimento biopsicossocial.
Ademais, tal como assevera Brandão (2011), crianças e adolescentes têm o direito de
manterem regularmente a relação com ambos os pais, visto que, embora o casal conjugal se
separe, o casal parental se conserva. Para que isso se efetive, é imprescindível que, no decurso
do período que antecede a separação ou mesmo durante e depois dela, seja viabilizado o acesso
das famílias às redes de apoio do território ao qual ela pertence. Os conflitos intensos no campo
familiar precisam ser acolhidos e trabalhados de modo a evitar violações dos direitos das
crianças e dos adolescente e garantir a convivência familiar deles/as com ambos os genitores.
Nos casos em que tais violações já aconteceram, práticas dialógicas entre profissionais e
famílias precisam ser fomentadas rumo a alternativas resolutivas, visando a conformação do
sistema familiar como um campo que ainda se preservará pelos elos parento-filiais.

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