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Cármen Cardoso | Fátima Guimarães | Francisco Carneiro da Cunha

O Gerente
em Ação
Remodelagem estratégica da gestão
SÉRIE TECNOLOGIA EM GESTÃO
 Este texto constitui o capítulo 1 do livro O
Gerente em Ação: Remodelagem estratégica da
gestão, publicado pela Editora INTG (ISBN 978-
85-98586-15-1).

 O INTG-Instituto da Gestão, detentor do direito


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PARTE I

LIDERANÇA: FUNÇÃO
INDELEGÁVEL DO GESTOR
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O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II

III
1. POSICIONANDO O TEMA LIDERANÇA IV

A reflexão sobre a liderança é tão antiga quanto o mais antigo conhecimento


sobre gestão. Mas, antes de concebida nas formulações sobre gestão, a liderança
tem sido objeto das observações relativas à realidade social.
A análise sistemática de qualquer grupo humano permite identificar que, num
dado momento, alguém se destaca dos demais integrantes, cumprindo o papel de
promover soluções diversas para os conflitos inevitáveis à vida em grupo, de consolidar
os vínculos estimulando a boa qualidade dos relacionamentos, de organizar a atividade
produtiva do grupo ou de distribuir os resultados conquistados.
Assim é, se olharmos:
• A dinâmica da vida familiar.
• O modo de funcionamento de um grupo de adolescentes.
• A organização de um grupo que se dedica aos esportes.
• A atuação de um grupo religioso.
• A militância de um partido.
• A preparação de uma viagem entre amigos.
Mesmo que, frequentemente, o líder seja um integrante do grupo, é fácil
perceber que ele se distingue pelos gestos, pelo olhar, pelas ações e atitudes. Também

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é notável que o grupo reage a ele de forma diferenciada, aceita com mais facilidade
suas sugestões, acata suas ponderações, admite suas intervenções, operacionaliza IV
suas decisões.
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Essa qualidade do líder de mobilizar, e até conduzir os liderados, leva, por
vezes, a considerar como fenômenos coincidentes a liderança e o carisma. No
entanto, embora muitos líderes sejam carismáticos, isto é, tenham uma personalidade
espontaneamente atraente, catalisando fortes movimentos positivos de admiração,
adesão e afeto, é possível que alguém se desenvolva como líder mesmo sem essa
característica.
A falsa ideia de uma conexão obrigatória entre liderança (uma qualidade
desenvolvida) e carisma (um traço espontâneo de algumas personalidades) leva a outra
concepção, equivocada, de que liderança é uma qualidade herdada, natural, induzindo
em consequência uma posição fatalista — alguns nascem líderes, outros não. E os não
líderes seriam, infelizmente, a maioria da humanidade.
Aplicar tais convicções à organização seria desastroso para a gestão. Na
carência previsível desse dom natural, privilégio de uma minoria, haveria que se
contentar, a organização, com a aplicação de métodos de gerenciamento.
Afortunadamente, para o desenvolvimento da gestão, a condição humana não
se limita aos ditames da natureza. Ao contrário, na medida em que é capaz de produzir
cultura, o ser humano é capaz de superar sua herança biológica, ultrapassando até
seus limites físicos, com apoio da tecnologia ou por esforço próprio; é capaz de
reinventar sua trajetória; é movido pela disposição de criar desafios e superá-los.
Qualquer um que não tenha o dom natural de uma personalidade carismática,
se pode aprender, ao longo de sua trajetória pessoal e profissional, o sentido e o valor
da liderança, também pode investir em desenvolver-se como tal.
Aprender a ser líder e desenvolver essa competência não significa apenas
aprender conceitos e técnicas. A liderança tem uma base afetiva que mobiliza outras
dimensões da experiência humana, ultrapassando a pura racionalidade; implica
dinamismo, atitude, vontade, sentimento. Não é uma condição só mental; envolve o
coração e até esta outra dimensão humana que alguns chamam de espírito. A paixão

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pelo que faz, o entusiasmo e o gosto por desafios, traços comuns nos líderes, são
uma expressão dessa dimensão. IV
Mesmo que muitos líderes, no exercício da atividade profissional, busquem V
desenvolver técnicas para apurar sua capacidade de influenciar, estimular e motivar
seus liderados, o puro uso da técnica não assegura resultados. Liderança tem um
tanto de técnicas aprendidas e muito de arte.
Gestão também é um misto de técnica e arte. Há métodos para a gestão,
sim, mas não há receitas prontas, válidas para qualquer um. O resultado obtido
nas diversas situações, além de depender das condições a serem gerenciadas e das
pessoas envolvidas, depende também do estilo do gestor, do seu modo peculiar de
fazer as coisas, que dá um tom próprio ao que realiza, um jeito especial, um toque
pessoal.
É exatamente essa diferenciação entre técnica e arte que vincula a condição
de líder ao gestor.
Líder é o gestor que usa as técnicas de gestão de modo não mecanicista,
participando por inteiro daquilo que faz, com seu jeito de ser, sua história, seu estilo
pessoal.
Líder é o gestor que sabe que não é apenas um técnico planejando, organizando,
dirigindo e controlando outros técnicos para realizarem tarefas.
O líder não tem dúvida de que, na mesma intensidade em que tem
responsabilidade por uma dada tarefa, é, simultaneamente, uma pessoa mobilizando
pessoas, respeitando suas condições, considerando suas demandas.
O gestor líder considera que as pessoas são matéria-prima da sua atuação.
Torná-las produtivas é seu objetivo; promovê-las à realização, seu desafio permanente.
É nessa perspectiva que a marca da liderança é inalienável da condição de
gestor.

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2. APRENDENDO COM OUTROS IV

CAMPOS DO CONHECIMENTO V

Na mesma proporção em que ultrapassa a dimensão da técnica, no campo


do conhecimento a gestão também extrapola a Administração, ciência cujo objeto
lhe é mais diretamente afeto.
Para além das formulações da ciência da Administração, o saber sobre a gestão
se tem beneficiado dos conhecimentos produzidos pela Antropologia, Biologia, Física,
Psicanálise e Ciência Política, entre outros campos.
Incursões pela Antropologia e pela Psicanálise, por exemplo, podem trazer
contribuições significativas a serviço da compreensão da liderança.

A CHEFIA EM TRIBOS
Pierre Clastres é um etnólogo e pesquisador de um ramo da Antropologia cujo
objeto de estudo são as sociedades primitivas denominadas por ele como sociedades
não históricas, isto é, sem escrita e com um modo de organização das relações de
poder em que não existe a separação entre estado e sociedade.
Num dos seus livros, intitulado A Sociedade contra o Estado – Troca e Poder:
Filosofia da Chefia Indígena (1974), ele estuda várias tribos (entre elas, os ianomâmi,
no Brasil) e formula interessantes hipóteses para a compreensão da liderança.
Não existe, nos grupos estudados, nenhuma entidade diferenciada, como no nosso
modelo social, a quem caiba a função de governo. O chefe, na tribo, não está vinculado a

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nenhuma estrutura; é apenas um índio que deve ter qualidades específicas para ser legitimado
nessa condição de chefe. Dentre as qualidades do chefe indígena, ressaltam-se três: IV

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• Ele é um fazedor de paz, ou seja, como chefe, é-lhe impossível permitir
disputas internas na tribo.
A tribo, em geral não muito numerosa, tem que ser um grupo coeso, sem
disputas internas, que seriam fatais à sua sobrevivência como grupo. Por isso, o chefe
precisa ter a habilidade de dissolver os conflitos.
Nesse exercício de mediação a favor da paz, não aplica seus próprios
posicionamentos. Atua sempre exortando os valores tradicionais, as histórias dos
antepassados, as conquistas da tribo — resultantes da união de todos. Com sua
intervenção, faz com que prevaleçam os interesses da tribo sobre os interesses individuais.

• O chefe é generoso. Se um dos índios quebra seu arco e apela ao chefe,


este lhe dá seu próprio arco.
O ato, porém, tem finalidades que se podem chamar econômicas. Como o chefe
não caça, o arco doado permite ao índio beneficiado trazer o alimento, que serve a todos.
A generosidade tem, pois, uma função provedora, o que não lhe tira, porém, o mérito.

• O chefe é um pregador. Todo dia, ao cair da tarde, enquanto todos estão


cumprindo seus ofícios, ele fala, conta histórias que exaltam os valores da
tribo, rememora os feitos e as conquistas dos antepassados, faz referência
aos mitos e às tradições.
A exortação tem, para a tribo, a função de consolidar a identidade e o
sentimento de pertinência, reforçando a adesão aos propósitos que mantêm o
grupo unido. Dá energia para o trabalho e ânimo para a guerra.
Ressalta-se, de forma óbvia, a conexão entre o chefe índio e o líder gestor.
Suas qualidades são bastante similares:
• O líder é um mediador de conflitos, de modo contínuo e interminável,
promovendo um bom clima.

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Resolver conflitos é sua tarefa cotidiana; ser facilitador de soluções, sua missão
permanente — usando, nesse exercício, as referências da instituição, os valores, as IV
normas e as propostas da organização, mais do que aplicando ideais pessoais ou
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posições individuais.
• O líder é um provedor, cabendo-lhe a responsabilidade de prover os recursos
para que seu grupo tenha adequadas condições de trabalho. E deve ser
também generoso na capacidade de compreender as demandas, necessidades
e singularidades dos seus liderados.
• O líder é persuasivo quando orienta, quando defende projetos, quando
informa para mobilizar, quando estimula para envolver, quando propõe
desafios ou faz acordos sobre metas ambiciosas.
Nem sempre os grupos estão alinhados com os objetivos da instituição, e cabe
ao líder o esforço de tornar esses objetivos compreendidos, primeira condição para
desenvolver-se o compromisso de buscar realizá-los.
Há um pouco de chefe índio em cada gestor e um pouco de índio em cada
integrante da organização. Não por acaso, há um modo de falar sobre organizações
com excesso de funções de gestão, dizendo-se que “há muito chefe para pouco índio”.

O VÍNCULO AFETIVO ENTRE LÍDER E LIDERADOS


Sigmund Freud, ao fundar a Psicanálise, no ocaso do século 19, terminou por
criar um saber que revolucionou muitos dos conhecimentos até então estabelecidos
em relação à compreensão do que é próprio do humano.
Na concepção psicanalítica, a especificidade da condição humana está
associada a dois aspectos que dão à humanidade uma espécie de marca fundamental:
• O ser humano não é senhor de sua razão, faz coisas que não quer, não
consegue realizar coisas que se determina a fazer, não compreende tudo
que faz ou tudo que sente, vive angústias que não programa viver, sente
inquietações que não lhe agradam sentir.

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Essas constatações implicam dizer que é submetido a forças inconscientes,
que não controla e até não conhece racionalmente. IV

• A condição social do ser humano — suas relações com os outros — é regulada V


por um conflito interminável entre seu desejo e os limites estabelecidos pelos
pactos sociais.
Há algo na dinâmica desses relacionamentos que se torna fonte constante de
infelicidade e que é a expressão permanente desse conflito: as ações do ser humano
devem ser reguladas pela lei, pelos parâmetros de sua cultura e do seu grupo social,
mas seu desejo é insubordinado e prevalece sobre a realidade — continua a desejar
o que não pode e até o que não deve.
Um dentre os muitos textos de Freud, intitulado Psicologia das Massas e Análise
do Eu (1921), é um ensaio sobre o comportamento de grandes grupos organizados sob
forte disciplina, tomando como exemplo a Igreja e o Exército. A motivação freudiana
era compreender como tantos indivíduos, sendo tão diferentes isoladamente, tornam-
se tão homogêneos, abdicando de sua individualidade e se comportando de modo
tão submisso ante o poder de um grande líder.
A hipótese da Psicanálise é de que há uma força de natureza afetiva que gera
o poder do líder, induz o grupo à coesão e mobiliza uma submissão fascinada.
Para Freud, os grandes líderes religiosos e os grandes comandantes militares
têm traços comuns:
• São o chefe inconteste do grupo, o número-um, sem substituto.
Concentram o saber e o poder e são avalistas das conquistas do grupo, seja
a glória divina, a bem-aventurança ou a vitória sobre o adversário.
Líderes religiosos e militares trazem respostas para as angústias, soluções para
enfrentar os perigos e garantem a segurança quanto ao futuro. Entregando-se ao
saber e ao poder do líder, o grupo se protege de suas próprias fraquezas.
• São a encarnação dos ideais do grupo, a própria personificação dos valores.
Seus atos evidenciam seu poder de controle e sua sabedoria.

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O discurso do líder fascina, e a admiração autoriza a submissão, na medida
em que se justifica por uma grande causa. IV

• Tratam todos igualitariamente e amam a todos com amor igual. V

Só o líder se diferencia, o grupo é constituído por irmãos, ou companheiros


(compartilham o mesmo pão, como revela a etimologia dessa palavra).
O cuidado do líder com todos mantém o grupo coeso. Sem preferências,
não há disputas; em troca, todo o afeto é dirigido ao líder e dele retorna, repartido
igualmente entre todos.
Chama a atenção, nessa dinâmica, a dimensão de alienação dos liderados.
Fascinação, admiração inconteste, anulação da crítica e submissão podem chegar a
níveis tão intensos que conseguem superar o impulso básico de preservar a própria
sobrevivência. Mor­re-se por uma grande causa; a vida eterna ou os louros do heroísmo
são uma promessa compensatória.
É esse o tipo de liderança que, superdimensionado, alimenta a tirania,
particularmente em situações de muita carência ou intensa insegurança.
Um texto atual do jornalista italiano Antonio Ghirelli (2001), denominado Os
Tiranos, é um interessante ensaio sobre o fenômeno histórico do processo de tirania
— a dominação de um sobre muitos. Uma parte da apresentação do livro expressa
bem o sentido e a motivação das reflexões de Ghirelli:
[...] grandes ditadores, homens de personalidade ambígua e muitas vezes cruel,
oradores brilhantes, por vezes com grande capacidade de liderança, mestres
na arte da propaganda e da mentira, impiedosos em relação aos inimigos e,
não raro, em relação aos próprios amigos. Porém, muitas vezes, demasiadas
vezes mesmo, estes violentos tiranos gozaram da cumplicidade tácita, do apoio
ou até mesmo do afeto dos povos que dominaram.
Outro texto, um tanto mais antigo (1574), aborda a mesma natureza de
reflexão, com um quê de perplexidade. O livro intitula-se Discurso da Servidão
Voluntária, de Etienne de La Boétie, e pode ser considerado um estudo clássico sobre
a liderança nessa dimensão político-afetiva com consequências alienadoras.
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Por hora, gostaria apenas de entender como pode ser que tantos homens, tantos
burgos, tantas cidades, tantas nações suportem às vezes um tirano só, que tem IV
apenas o poderio que eles lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão
V
enquanto têm vontade de suportá-lo, que não poderia fazer­-lhes mal algum senão
quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo. Coisa extraordinária, por certo; e porém
tão comum que se deve mais lastimar-se do que espantar-se ao ver 1 milhão de
homens servir miseravelmente, com o pescoço sob o jugo, não obrigados por
uma força maior, mas de algum modo (ao que parece) encantados e enfeitiçados
apenas pelo nome de um, de quem não devem temer o poderio, pois ele é só,
nem amar as qualidades, pois é desumano e feroz para com eles.
Voltando para a reflexão sobre a liderança na gestão, podem ser feitas
articulações, a partir do texto de Freud, na medida em que, também na organização,
a liderança tem implicações afetivas:
• O gestor líder concentra vínculos pelo seu potencial de saber e de poder,
a serviço de orientar, estabelecer diretrizes, promover soluções e buscar
resultados. Nesse sentido, também lhe cabe responder mais diretamente pelos
riscos e pela segurança do grupo ou da atividade.
• Como líder, o gestor promove, defende e alimenta os ideais da organização,
seus valores e propósitos e mobiliza a construção de uma visão do futuro,
potencializando o sentimento de orgulho e o entusiasmo pelas conquistas. O
líder celebra vitórias e envolve o grupo no sentimento de conquistas coletivas.
• O líder é justo; não estabelece relações de privilégio, não faz concessões
para alguns escolhidos; premia com senso de equidade; reconhece méritos
a partir de critérios pactuados; estimula qualquer um que percebe com
dificuldades a superar suas fraquezas; e estabelece condições para apoiar,
capacitar e promover o desenvolvimento do grupo, considerando objetivos
compartilhados.
Decerto, o potencial afetivo da atuação de qualquer líder sempre corre o risco
de resvalar para formas diversas, sutis ou ostensivas, de dominação.

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Tomar o desejo dos outros como igual ao seu desejo e decidir pelo que
acha melhor sem consultar ninguém; não admitir contestação às suas formulações, IV
tomando-as como verdade; ser excessivamente cuidadoso no provimento de condições,
V
protegendo o grupo de enfrentar dificuldades e retardando assim o desenvolvimento
da autonomia; premiar a obediência passiva e classificar como insubordinação qualquer
exercício de questionamento, relegando os supostos insubordinados a espaços mais
limitados; considerar-se com direito a estabelecer privilégios sem admitir que o grupo
tenha o direito de conhecer os critérios de concessão de vantagens são formas diversas
de exercício do poder dominador, assentado no fundamento afetivo do vínculo.
O que permite a um gestor desenvolver a dimensão afetiva da liderança sem
deslizar para a dominação é o balizamento ético. Um posicionamento sólido de
respeito ao outro, de tolerância e de capacidade de conviver com a diferença, além
de uma convicção radical sobre os limites do exercício do poder, é o fundamento de
uma liderança não dominadora.
Essa é uma das razões pela qual a equidade das decisões do líder não se
confunde com igualitarismo, que é uma forma de evitar o reconhecimento das
diferenças, muitas vezes sob a falsa hipótese de “não estimular competições”. O que
o igualitarismo promove, ao contrário, é um sentimento de injustiça, pois implica
tratar os diferentes como iguais e nega o reconhecimento dos méritos singulares.

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3. UMA VISÃO CLÁSSICA DA LIDERANÇA IV

A análise de textos diversos no campo da Administração, assim como de livros


sobre a história das organizações, evidencia uma articulação estreita entre o exercício
da gestão e a hierarquia das funções na organização. As funções da gestão se definem
conforme os gestores sejam dirigentes, superintendentes, gerentes, coordenadores,
supervisores...
A associação da função de gestão com as posições hierárquicas implica
outra articulação, com a autoridade, em geral definida com duplo significado — ora
autoridade associada ao exercício do poder, ora autoridade vinculada ao domínio de
um campo de conhecimento técnico.
A descrição das práticas de gestão, tradicionalmente chamadas de chefia,
enquanto vinculadas ao exercício da autoridade, envolve um tipo de relação predominante
de comando, disciplina e controle. Os comportamentos desejados, com o efeito dessas
práticas, são a obediência, a inibição do que é interditado pela organização e a submissão
— a normas, regras, padrões e manuais de procedimento.
Disciplina e controle são atividades que podem ser exercidas apenas pelo uso
formal do poder hierárquico e da autoridade concedida ao cargo. Já o comando
efetivo requer liderança. Só com liderança o gestor consegue que seus comandos
sejam acatados de forma que signifiquem menos obediência e mais envolvimento e
compromisso.
O avanço dos conhecimentos sobre gestão vem trazendo novas compreensões
ao exercício da chefia. No caso brasileiro em particular, algumas distorções históricas

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das práticas gerenciais — a maioria associada aos percalços do nosso desenvolvimento
sociopolítico-cultural — foram agregando ao termo chefe uma conotação negativa, IV
por vezes pejorativa, com frequência expressando dificuldades no uso do poder,
V
distanciamento na relação com os chefiados ou excessiva concentração na dimensão
burocrática da gestão.
A denominação gestor foi uma das alternativas de designação genérica que
começaram a ser utilizadas em tempos recentes com a intenção de evitar que os
ocupantes de cargos com responsabilidade de gestão fossem demonizados pelos
significados negativos associados à expressão chefe.
Há nesse recurso, no entanto, um risco implícito de mudar o nome sem mudar
as práticas. Por isso, ser um gestor comporta um desafio central: merecer esse nome
com o que implica de mudança, exercendo o cargo de um modo que ultrapasse a
mera competência formal delimitada pela designação da função.
Na conquista desse desafio, o exercício da liderança é a “pedra de toque”.

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4. A LIDERANÇA ESTRATÉGICA IV

O uso do adjetivo estratégica aplicado à palavra liderança agrega a este termo


novas significações.
Para facilitar a exploração dos sentidos associados à expressão, é oportuno
explicitar um enquadramento conceitual básico, que será tratado mais detalhadamente
na Parte II.
Caracterizamos liderança como uma forma específica de alguém exercer a
gestão, com habilidade para mobilizar, envolver e comprometer as pessoas cuja
atuação está sob sua responsabilidade. Implica ascendência e influência sobre o grupo,
além de vínculos de natureza afetiva que legitimam o exercício da autoridade.
Já gestão estratégica caracteriza-se como um modo de gestão cuja finalidade
principal é levar uma organização para um objetivo desejado no futuro. Requer o
exercício de três capacidades: antecipação, mobilização e realização.
Sendo assim, liderança estratégica pode ser definida como um estilo de gestão
que implica exercer a liderança a serviço de construir, para a organização, de modo
compartilhado com os pares e as equipes, um futuro que interesse a todos1.
Abordar a gestão na sua dimensão estratégica tem sido uma perspectiva
das mais eficazes para responder aos inúmeros e expressivos desafios de gerenciar
organizações nos tempos atuais.

1
Cardoso, C.; Cunha, F. In: texto em elaboração sobre desenvolvimento de equipes, INTG

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Formular modelagens estratégicas da gestão tem favorecido, por um lado,
uma boa compreensão do dinamismo da gestão; por outro, tem facilitado a discussão IV
de alternativas práticas para equilibrar, nos procedimentos de gestão, o foco nos V
resultados e nas pessoas, a preservação do interesse da organização, a criação
simultânea de um ambiente em que seus integrantes se sintam satisfeitos, a busca do
lucro e o exercício da responsabilidade social, o estabelecimento de normas firmes e
o exercício da flexibilidade, entre outros desafios próprios da gestão contemporânea.
É curioso notar, porém, que, muitas vezes, embora os desafios sejam formulados
com uma linguagem bem moderna, os problemas que eles implicam são bem antigos —
resolver disputas fraternas, enfrentar ameaças externas, atender a expectativas e anseios,
estabelecer boas práticas de relacionamento, controlar comportamentos impulsivos e até
destrutivos, conquistar espaços no ambiente ou lidar com sentimentos tais como ciúme,
inveja, insegurança, dependência...
Nada espantoso nesse aparente paradoxo. A condição humana supõe determinadas
experiências vitais — sentimentos, emoções, percepções — que não são muito diferentes
na sua dinâmica básica. Passam os séculos, avança a tecnologia, sofisticam-se as teorias,
mas não há muita diferença quando se trata de amor, ódio, tristeza, inveja, ciúme, medo,
angústia, agressividade, insegurança, compaixão, solidariedade.
Liderança é, justamente, o exercício da gestão com atenção às pessoas, com
seus desafios e paradoxos. É tratar as responsabilidades do cargo sabendo que cumpri-
las não significa, apenas, realizar uma tarefa, e sim promover um bom ambiente de
trabalho, estimular as pessoas para que sintam orgulho do que fazem, reconhecer
os bons resultados e compartilhar as conquistas.
Nesse contexto, a reflexão anterior sobre a contribuição da Etnologia e da
Psicanálise para melhor entender a liderança ajuda a marcar a amplitude da liderança
estratégica.
Um líder estratégico tem qualidades similares às de um chefe índio (Clastres),
diferenciadas apenas por uma tradução mais afinada com a realidade moderna: é um
mediador de conflitos, tem função provedora e exerce uma influência muitas vezes
persuasiva sobre seus liderados.

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O líder estratégico tem também um quê de grande chefe (Freud) — sem,
obrigatoriamente, conotações religiosas ou desafios bélicos. Cabe-lhe preservar a coesão IV
do grupo, alimentar os ideais, mobilizar para as conquistas. Ele é ainda o principal
V
avalista dos riscos implicados na atividade que lidera. Além disso, a autoridade do
cargo o credita para a função de comando, que, no entanto, só é legitimada quando
há reconhecimento da sua competência como líder.
A liderança está, ainda, vinculada a um conjunto de responsabilidades que
podem ser sintetizadas em alguns papéis:
Mobilização: o líder é, para o grupo, o catalisador da possibilidade de concretizar
ideais, construir sonhos, realizar projetos; é também ele quem mais propõe metas e desafios.
Representação: o líder é o principal representante da instituição perante sua
equipe, sendo, ao mesmo tempo, o principal representante de interesses, demandas
e necessidades da equipe ante a organização.
Autoridade: ao líder é atribuído um poder formal, num dado âmbito de
competência para decisão, variável conforme o cargo. Cabe-lhe a missão de usar bem
essa autoridade, sem omissão nem excessos, e todos esperam que tome decisões
sempre que preciso e que essas decisões sejam predominantemente acertadas.
Responsabilidade: dentre todos os envolvidos numa atividade, é o líder que,
em última instância, responde pela atividade, seja pelos resultados, pelas condições
necessárias ou pela qualidade dos processos. Mesmo que reparta essa responsabilidade
com outro gestor, por delegação, o líder continua corresponsável. Pode-se dizer até que
a delegação amplia a responsabilidade, pois significa compartilhar o poder decisório,
permanecendo o compromisso de acompanhar as consequências da decisão e mesmo
de dar apoio em eventuais dificuldades.
Articulação: o líder faz contatos em todos os níveis e sobre diversos assuntos;
promove aproximações e, particularmente, promove a comunicação, favorecendo
uma prática de diálogo e entendimento.
Mediação: tratando o conflito como mais uma matéria-prima2 do seu trabalho,

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Se as pessoas, como dito na página 18, são a principal matéria-prima do gestor, conflitos não só são inerentes ao seu trabalho,
como são inevitáveis.

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o líder atua sob as diversas formas de mediação, seja como facilitador do
entendimento entre partes, seja como coordenador de acordos, seja como árbitro IV
de impasses.
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Negociação: o líder negocia em tempo integral com a equipe, com seus
pares, com outros gestores a quem está subordinado. Negocia para fazer acordos,
supondo ouvir o outro, considera e respeita seus posicionamentos e, em movimentos
equilibrados, tanto conquista espaços quanto cede posições.
Monitoramento: não há como pensar um líder que não esteja perto da sua
equipe, acompanhando, avaliando os resultados, ajustando ou corrigindo o rumo
das ações sempre que preciso, com um olhar antecipatório. Um bom líder não espera
que os problemas aconteçam para intervir nem, muito menos, busca culpados para
os insucessos.
Implícitas nesses papéis, estão as expectativas a que o líder tem que responder:
De um lado, expectativas legítimas de que ele cumpra seus papéis e seja
exemplo daquilo que propõe como prática desejável para o grupo; que patrocine
iniciativas de melhoria e processos de mudança; que seja capaz de propor soluções
para os impasses do grupo e da tarefa; que oriente a equipe nas dificuldades ou na
formulação de caminhos para seu próprio desenvolvimento.
Uma outra expectativa importante, apesar de incluída nos papéis estratégicos,
merece realce especial — as equipes esperam que o líder não permita que os conflitos
se acumulem, interna ou externamente à equipe, e lhe creditam a capacidade de mediar
todas as situações conflituosas, interna ou externamente à equipe, promovendo a paz.
São expectativas vinculadas àquilo que o líder simboliza.
Por outro lado, a equipe tem demandas impossíveis de atender, originadas
no mundo psíquico imaginário do grupo, pouco explicitado, mas com insistente
capacidade de produzir efeito. São fantasias associadas a medos, inseguranças,
disputas e até a um movimento inconsciente de competição com o próprio líder.
Apesar de admirado e legitimado, seu poder é desejado e causa inveja, muito pouco
confessável.
Essa dimensão imaginária de demandas se expressa, por exemplo, numa

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percepção de que o líder poderia resolver até coisas que estão para além do seu limite
de atuação ou que são definições institucionais bem estabelecidas; o grupo reage IV
como se pensasse: “Se quisesse, ele conseguiria”.
V
Pode expressar-se, também, num excesso de idealização da capacidade do
líder, o que dificulta aceitar suas falhas, por vezes formulando-se como uma fantasia
de onipotência, como se ele pudesse superar qualquer tipo de dificuldade ou eliminar
qualquer tipo de ameaça e assegurar o futuro.
Até na expectativa do exercício da mediação, essa dimensão imaginária pode
atuar — o grupo espera que o líder seja justo, mas, se está diretamente envolvido no
conflito, deseja que tome partido a seu favor, independentemente do que seria justo;
e se são dois integrantes do grupo em conflito, cada um quer que o líder considere
sua demanda a mais importante ou sua causa a mais legítima.
Nesse campo do imaginário, o líder pode ser investido de papéis que extrapolam
o âmbito da gestão a partir de projeções que tomam como referência experiências
em outros campos da vida social. Assim é que se pode pensar o líder como pai/mãe
ou como um juiz, um professor, um psicólogo. Por vezes, como um mágico.
O que torna esse processo mais peculiar não são apenas as projeções do
grupo, mas o fato de o próprio líder absorver essas fantasias e tentar corresponder
às expectativas consequentes.
A observação sistemática da dinâmica das expectativas em relação ao líder
permite formular uma hipótese aparentemente estranha, mas que tem fundamento
nos processos psicossociais da relação entre líder e liderados: junto com a demanda,
legítima, de que o líder sustente sua liderança, há, em todo grupo, um desejo
inconsciente de enlouquecer o líder.
Cabe a ele, conhecendo essa hipótese, administrar esse movimento e não se deixar
enlouquecer. Não é fácil, principalmente porque, pela posição que ocupa em relação ao
grupo e mesmo à organização, qualquer que seja seu nível de hierarquia, o líder costuma ser
depositário (um alvo que absorve o que lhe é destinado) de pressões, anseios e inquietações
que têm muitas causas e vêm de muitas fontes.
O líder absorve pressões da empresa geradas por ameaças externas, disputas

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internas, contradições ou movimentos de entropia do processo institucional; a
causalidade é ilimitada. E é sensível às pressões da equipe: os movimentos defensivos IV
ou destrutivos, a dificuldade de aceitar as impossibilidades, a frustração que resulta
V
do confronto entre os desejos e a realidade. Há, também nesse aspecto, uma geração
ilimitada de causas.
Um caso real, identificado num programa de desenvolvimento de gestores
vinculados a empresas diversas, demonstra bem esse dinamismo.
Os líderes foram instados a pesquisar, nas suas empresas, o que esperavam
deles os dirigentes (representando a demanda da empresa) e suas próprias equipes.
Quando foram consolidados os resultados, um dos líderes se assustou com o que
apareceu na pesquisa e que nunca havia sido dito a ele de modo tão explícito.
Da parte dos dirigentes (a empresa) e da equipe, esperava-se dele:

Empresa Equipe
1. Fazer a equipe produzir resultados. 1. Perceber necessidades.
2. Usar bem a autoridade investida. 2. Oferecer condições.
3. Funcionar como filtro dos problemas da 3. Ser porta-voz dos interesses.
equipe.
4. Resolver conflitos. 4. Negociar com outras áreas.
5. Preservar os interesses da organização. 5. Conquistar reivindicações.
6. Fazer cumprir as normas e respeitar os limites. 6. Usar bem o poder.
7. Ajustar-se ao estilo da empresa. 7. Ouvir mais.
8. Promover e provocar mudanças. 8. Aceitar críticas.

O mais curioso, porém, é que, uma vez comparados os resultados, ficou


evidente que não era só direcionada a ele essa overdose de demandas. Com palavras
diferentes e ênfases variadas, as demandas para todos os líderes participantes do
programa eram muito similares.
E uma das conclusões convergentes do grupo foi: um líder tem uma
responsabilidade adicional: administrar as demandas e expectativas que lhe são dirigidas.
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5. “PATOLOGIAS” DA LIDERANÇA IV

O conhecimento do dinamismo que caracteriza o relacionamento entre líder e


liderados permite fazer uma abordagem clínica da atuação do líder, analisando seus
vínculos com a equipe.
Entende-se por abordagem clínica uma forma de analisar a realidade dos
vínculos que consideram a singularidade da dinâmica psicossocial implícita nos
relacionamentos.
Usando, em parte como metáfora, uma diferenciação de tipos de comportamento
advinda da clínica psicológica, podem-se classificar os relacionamentos como saudáveis
quando permitem relações mais produtivas, mais cooperativas e criativas, sem estresse
excessivo; ou patológicos, condição que pode ser atribuída aos tipos de relacionamento
que provocam excesso de tensão e estresse, inibem a criatividade, acirram as disputas
ou dificultam a produtividade.
Embora impreciso e incompleto — como toda classificação de comportamentos,
que sempre são singulares o suficiente para resistir a quaisquer classificações —, esse
modo de tentar aprofundar o conhecimento sobre a qualidade dos relacionamentos
entre líderes e liderados ajuda a entender algumas reações que ocorrem nos grupos.
Seu aproveitamento, porém, deve complementar-se com o cuidado de não usar
a classificação como forma de rótulo sobre as pessoas muito menos atribuir-lhes
qualquer valor de julgamento moral.
Abaixo, algumas situações que podem ser identificadas utilizando essa classificação.

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Saúde Patologia
Função provedora: responsabilidade de buscar Paternalismo: preocupação excessiva com IV
as condições adequadas ao trabalho da equipe. vantagens para o grupo, protegendo-o do
enfrentamento de dificuldades. V

Tolerância: capacidade de conviver com as di- Omissão: falta de posicionamento em


ferenças, mas com limites claros para o que é relação ao que não deve ser tolerado,
inadmissível à organização. que termina por ser ação contrária à ins-
tituição.

Delegação: disposição para compartilhar poder Repasse: uma delegação aparente que,
e responsabilidade, preservando a função de de fato, entrega ao delegado todo o risco
monitoramento e a corresponsabilidade. da atividade, sem acompanhamento e
eximindo-se da corresponsabilidade.

Bons vínculos: empenho em conhecer cada li- Privilégios: reforço de alguns vínculos com
derado, estabelecendo relações singulares, mas nível de proximidade tão diferenciado que
sempre focadas no conjunto, com atenção a tende a criar, nos demais integrantes da
considerar as diferentes necessidades, atenden- equipe, sentimentos de exclusão; con-
do-lhes com equidade. cessão de vantagens sem cuidado com a
equidade.

Autoridade: exercício do poder decisório do Autoritarismo: exercício voluntarista e per-


cargo, mas considerando a condição de repre- sonalista do poder da função, sustentado
sentação de valores e normas da instituição; em valores, desejos e convicções pesso-
capacidade de decidir e assumir as posições com ais, com tendência a perceber-se com o
a necessária flexibilidade. monopólio ou a prerrogativa da verdade.

Responsabilidade: capacidade de responder por Centralização: excessiva concentração da


aquilo que lhe é dado como atribuição, repartin- responsabilidade no líder, inibindo o de-
do e compartilhando atribuições com a equipe senvolvimento e a capacidade de iniciativa
para estimular seu desenvolvimento; supõe re- da equipe; com frequência, está vinculada
partição de saberes e de poder. a atitudes de perfeccionismo.

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IV
Dupla representação: exercício simultâneo da re- Indefinição: não exercício de qualquer
presentação da instituição e da equipe, atuando, lado da representação, quando necessá-
V
ao mesmo tempo, como elo entre a equipe e a rio, a pretexto de considerar o outro lado.
organização.
Ascendência: capacidade de influência sobre o Dominação: controle excessivo sobre o
grupo, gerando aceitação e legitimação de suas grupo, gerando aceitação passiva ou
proposições; autoriza e não inibe a crítica. comportamentos de submissão; anula a
crítica.

É evidente que qualquer desses padrões, quando predominantes, produzem


reações específicas.
Prevalecendo relações mais saudáveis, a equipe responde com aceitação às
iniciativas do líder e se identifica com suas características, algumas vezes até tomando-o
como modelo. Há respeito por suas decisões e comprometimento em relação aos
acordos estabelecidos.
É frequente observar, nesse padrão, a tendência a relações mais simétricas, no
sentido do uso do poder — os liderados reconhecem a diferença de poder do líder,
mas se sentem à vontade para fazer críticas ou tomar a iniciativa de propor melhorias.
Além disso, esses efeitos positivos repercutem sobre a equipe, criando um clima de
camaradagem, cooperação e competição solidária.
Se, ao contrário, predomina o que foi denominado de padrão mais patológico,
as reações mais fáceis de serem observadas são a não adesão espontânea às propostas
do líder, mesmo que haja obediência aos seus comandos, por vezes com uma carga
grande de ressentimento; ou irritação e estresse constantes do próprio líder ante o
modo de funcionamento do grupo.
É comum, também, serem identificadas formas diversas de expressão de raiva
ou alternância entre dependência (o grupo não toma nenhuma iniciativa sem que
haja o comando do líder, sob o pretexto do “medo de suas reações”) e rebeldia (o
grupo simplesmente não cumpre o estabelecido, embora se justifique pelas falhas).

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Sendo as relações de poder estabelecidas sobre padrões mais assimétricos, em
geral, há pouco espaço para um diálogo efetivo e franco, e, por isso, as críticas são IV
veladas ou surgem reações de “vingança” disfarçadas, como quando, por exemplo,
V
uma equipe faz com que um líder centralizador fique cada vez mais sobrecarregado;
ou quando, na relação com um líder mais explosivo, a equipe provoca, como que
“sem querer”, suas reações impulsivas.
Cria-se, assim, um padrão repetitivo e estressante — a equipe se queixa e,
ao mesmo tempo, repete os comportamentos que todos já sabem que vão provocar
reações indesejáveis. É um ciclo de estresse contínuo para todos.
Uma dinâmica desse tipo costuma provocar sentimentos de ambivalência,
que se caracterizam pelo fato de que as reações dirigidas ao líder, além de fortes e
intensas, são, simultaneamente, positivas e negativas — a equipe admira e critica
com igual intensidade, se entusiasma e se frustra na mesma velocidade. E, como
não poderia deixar de ser, esse padrão se desdobra nas relações internas à equipe
sob formas diversas — insuficiente integração, ruídos constantes na comunicação,
competição muito acirrada ou baixo nível de cooperação.
Não é demais, ao final dessas reflexões, reforçar que essas condições quase
nunca são encontradas em forma pura. Mesmo nas melhores empresas, há variáveis
que não são tão saudáveis; e até nas mais estressantes, nem tudo é patológico.
Também não se pode pensar que basta responsabilizar o líder pelas patologias
e tudo estará resolvido. Organizações funcionam em rede e têm história; por isso, se
as formas inadequadas de liderança não são isoladas e se a organização tolera tais
comportamentos, há de se considerar que é provável existirem fatores institucionais
significativos induzindo esses comportamentos. É raro que um padrão assim resulte,
tão somente, da ascendência de perfis pessoais.
De novo, destaca-se a importância de uma gestão claramente balizada por valores.
Quando a organização explicita seus valores, quando estabelece modelos em que ficam
claros os padrões esperados e não se deixa a gestão por conta do estilo de cada um, a
tendência é que vá havendo crescente convergência em relação aos padrões desejados.
Em suma, se uma organização quer ser saudável e cria mecanismos para isso,
ela o será.
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6. UMA DIGRESSÃO PELA LITERATURA IV

Fica evidente, por tudo que já foi dito, que a liderança tem duas faces: uma,
que se pode chamar de edificante; e outra, mais pesada, a da exigência.
Exercer a liderança é um ofício rigoroso, submetido a constantes e elevadas
pressões, com muitos riscos. Não é fácil ser líder.
Uma forma de expressar essa exigência usando uma instigante metáfora foi
formulada por Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas.
“Ser chefe, às vezes, é isto: que se tem de carregar cobras na sacola, sem
concessão de se matar.”
De fato, o líder exerce uma função de importância política vital na organização.
Ele é um sintetizador das pressões e dos riscos, buscando sempre um equilíbrio, nunca
de todo alcançado, e perseguindo continuamente um resultado que seja o melhor
para a organização.
Muitas vezes, a liderança é solitária; há de se correrem os riscos e há de se
assumi-los sem concessão de se matar; inclusive porque seria injusto consigo mesmo
deixar-se fracassar.
Demandado por expectativas legítimas e, ao mesmo tempo, provocado a
cair em armadilhas pelas demandas imaginárias, é preciso equilíbrio para sustentar-
se enquanto líder, particularmente porque sempre existe a tentadora sedução de
optar por alternativas menos exigentes. Mandar é mais cômodo que fazer acordos;
fiscalizar é mais fácil que acompanhar; centralizar é mais rápido, e mais seguro, do
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que delegar; repassar informações requer menos que dialogar... São intermináveis as
opções aparentemente mais protegidas. IV
Valores bem estabelecidos são o principal antídoto para essas venenosas V
seduções.

O INTERMINÁVEL DESAFIO DO AUTODESENVOLVIMENTO


Ninguém tem dúvida sobre a missão do líder de estimular o desenvolvimento da
sua organização ou da sua equipe nem sobre o fato de que cumprir essa missão implica
sempre uma dimensão de desafio. Mas nem sempre se diz o quanto desenvolver-se,
seja como profissional, seja como pessoa, é, em igual proporção, seu desafio constante.
Desafio constante e sem fim, especialmente exigente quando o líder está num
estágio de domínio da atividade mais evoluído do que o de sua equipe ou quando sua
equipe é de gestores, também líderes, e sua prática gerencial já é mais consolidada.
A diferença de experiência, especialmente quando muito acentuada, corre o risco de
ser uma grande armadilha.
Sentir-se um mestre ao ensinar, orientar e repassar experiência ou sentir-se
reconhecido e valorizado quando é continuamente demandado para definir o que
deve ser feito são experiências gratificantes, mas enganosas, que podem induzir o
líder a pensar que não tem mais o que aprender ou até que já passou seu tempo de
fazer mudanças expressivas.
Como bem disse o personagem Riobaldo, “Mestre não é quem sempre ensina,
mas quem de repente aprende”1.
Por isso o desafio de preservar a consciência alerta, sabendo que a experiência
pode “cegar”. Os mais novos, com muita frequência, com questionamentos
aparentemente simples, obrigam a reverem-se coisas já tão estabilizadas que sobre
elas não pensam os mais experientes com um senso crítico aguçado. Por isso também
os desafios:
• De estar atento às próprias atitudes, com cuidado para perceber se a
1
Guimarães Rosa in: Grande Sertão: Veredas.

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forma de orientar e direcionar não se confunde com dominação, reforçando
a dependência dos liderados e um ilusório sentimento de que só o líder vai IV
saber a melhor solução.
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• De permanecer disponível para mudar e rever posições sempre que necessário.
• De não ocultar suas próprias vulnerabilidades, com a clareza de que a
responsabilidade de liderar não diminui em nada a responsabilidade maior
de reconhecer e assumir os próprios limites e, não com menor importância,
os próprios erros.
Concordamos com W. G. Bennis quando diz: “Liderança é a capacidade de
transformar a visão em realidade”2. Uma capacidade orientada para mobilizar os
liderados e também para perseguir em si mesmo as mudanças desejadas.

2
Warren G. Bennis in: Revista Executivedigest, Portugal, novembro de 2002.

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