Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Gerente
em Ação
Remodelagem estratégica da gestão
SÉRIE TECNOLOGIA EM GESTÃO
Este texto constitui o capítulo 1 do livro O
Gerente em Ação: Remodelagem estratégica da
gestão, publicado pela Editora INTG (ISBN 978-
85-98586-15-1).
Rua Barão de Itamaracá, 309 Espinheiro CEP 52020-070 Recife Pernambuco Brasil Fone: (81) 3134.1740 Fax: (81) 3134.1741 www.intg.org.br intg@intg.org.br
PARTE I
LIDERANÇA: FUNÇÃO
INDELEGÁVEL DO GESTOR
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
1. POSICIONANDO O TEMA LIDERANÇA IV
| 11
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
é notável que o grupo reage a ele de forma diferenciada, aceita com mais facilidade
suas sugestões, acata suas ponderações, admite suas intervenções, operacionaliza IV
suas decisões.
V
Essa qualidade do líder de mobilizar, e até conduzir os liderados, leva, por
vezes, a considerar como fenômenos coincidentes a liderança e o carisma. No
entanto, embora muitos líderes sejam carismáticos, isto é, tenham uma personalidade
espontaneamente atraente, catalisando fortes movimentos positivos de admiração,
adesão e afeto, é possível que alguém se desenvolva como líder mesmo sem essa
característica.
A falsa ideia de uma conexão obrigatória entre liderança (uma qualidade
desenvolvida) e carisma (um traço espontâneo de algumas personalidades) leva a outra
concepção, equivocada, de que liderança é uma qualidade herdada, natural, induzindo
em consequência uma posição fatalista — alguns nascem líderes, outros não. E os não
líderes seriam, infelizmente, a maioria da humanidade.
Aplicar tais convicções à organização seria desastroso para a gestão. Na
carência previsível desse dom natural, privilégio de uma minoria, haveria que se
contentar, a organização, com a aplicação de métodos de gerenciamento.
Afortunadamente, para o desenvolvimento da gestão, a condição humana não
se limita aos ditames da natureza. Ao contrário, na medida em que é capaz de produzir
cultura, o ser humano é capaz de superar sua herança biológica, ultrapassando até
seus limites físicos, com apoio da tecnologia ou por esforço próprio; é capaz de
reinventar sua trajetória; é movido pela disposição de criar desafios e superá-los.
Qualquer um que não tenha o dom natural de uma personalidade carismática,
se pode aprender, ao longo de sua trajetória pessoal e profissional, o sentido e o valor
da liderança, também pode investir em desenvolver-se como tal.
Aprender a ser líder e desenvolver essa competência não significa apenas
aprender conceitos e técnicas. A liderança tem uma base afetiva que mobiliza outras
dimensões da experiência humana, ultrapassando a pura racionalidade; implica
dinamismo, atitude, vontade, sentimento. Não é uma condição só mental; envolve o
coração e até esta outra dimensão humana que alguns chamam de espírito. A paixão
| 12
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
pelo que faz, o entusiasmo e o gosto por desafios, traços comuns nos líderes, são
uma expressão dessa dimensão. IV
Mesmo que muitos líderes, no exercício da atividade profissional, busquem V
desenvolver técnicas para apurar sua capacidade de influenciar, estimular e motivar
seus liderados, o puro uso da técnica não assegura resultados. Liderança tem um
tanto de técnicas aprendidas e muito de arte.
Gestão também é um misto de técnica e arte. Há métodos para a gestão,
sim, mas não há receitas prontas, válidas para qualquer um. O resultado obtido
nas diversas situações, além de depender das condições a serem gerenciadas e das
pessoas envolvidas, depende também do estilo do gestor, do seu modo peculiar de
fazer as coisas, que dá um tom próprio ao que realiza, um jeito especial, um toque
pessoal.
É exatamente essa diferenciação entre técnica e arte que vincula a condição
de líder ao gestor.
Líder é o gestor que usa as técnicas de gestão de modo não mecanicista,
participando por inteiro daquilo que faz, com seu jeito de ser, sua história, seu estilo
pessoal.
Líder é o gestor que sabe que não é apenas um técnico planejando, organizando,
dirigindo e controlando outros técnicos para realizarem tarefas.
O líder não tem dúvida de que, na mesma intensidade em que tem
responsabilidade por uma dada tarefa, é, simultaneamente, uma pessoa mobilizando
pessoas, respeitando suas condições, considerando suas demandas.
O gestor líder considera que as pessoas são matéria-prima da sua atuação.
Torná-las produtivas é seu objetivo; promovê-las à realização, seu desafio permanente.
É nessa perspectiva que a marca da liderança é inalienável da condição de
gestor.
| 13
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
2. APRENDENDO COM OUTROS IV
CAMPOS DO CONHECIMENTO V
A CHEFIA EM TRIBOS
Pierre Clastres é um etnólogo e pesquisador de um ramo da Antropologia cujo
objeto de estudo são as sociedades primitivas denominadas por ele como sociedades
não históricas, isto é, sem escrita e com um modo de organização das relações de
poder em que não existe a separação entre estado e sociedade.
Num dos seus livros, intitulado A Sociedade contra o Estado – Troca e Poder:
Filosofia da Chefia Indígena (1974), ele estuda várias tribos (entre elas, os ianomâmi,
no Brasil) e formula interessantes hipóteses para a compreensão da liderança.
Não existe, nos grupos estudados, nenhuma entidade diferenciada, como no nosso
modelo social, a quem caiba a função de governo. O chefe, na tribo, não está vinculado a
| 14
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
nenhuma estrutura; é apenas um índio que deve ter qualidades específicas para ser legitimado
nessa condição de chefe. Dentre as qualidades do chefe indígena, ressaltam-se três: IV
V
• Ele é um fazedor de paz, ou seja, como chefe, é-lhe impossível permitir
disputas internas na tribo.
A tribo, em geral não muito numerosa, tem que ser um grupo coeso, sem
disputas internas, que seriam fatais à sua sobrevivência como grupo. Por isso, o chefe
precisa ter a habilidade de dissolver os conflitos.
Nesse exercício de mediação a favor da paz, não aplica seus próprios
posicionamentos. Atua sempre exortando os valores tradicionais, as histórias dos
antepassados, as conquistas da tribo — resultantes da união de todos. Com sua
intervenção, faz com que prevaleçam os interesses da tribo sobre os interesses individuais.
| 15
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
Resolver conflitos é sua tarefa cotidiana; ser facilitador de soluções, sua missão
permanente — usando, nesse exercício, as referências da instituição, os valores, as IV
normas e as propostas da organização, mais do que aplicando ideais pessoais ou
V
posições individuais.
• O líder é um provedor, cabendo-lhe a responsabilidade de prover os recursos
para que seu grupo tenha adequadas condições de trabalho. E deve ser
também generoso na capacidade de compreender as demandas, necessidades
e singularidades dos seus liderados.
• O líder é persuasivo quando orienta, quando defende projetos, quando
informa para mobilizar, quando estimula para envolver, quando propõe
desafios ou faz acordos sobre metas ambiciosas.
Nem sempre os grupos estão alinhados com os objetivos da instituição, e cabe
ao líder o esforço de tornar esses objetivos compreendidos, primeira condição para
desenvolver-se o compromisso de buscar realizá-los.
Há um pouco de chefe índio em cada gestor e um pouco de índio em cada
integrante da organização. Não por acaso, há um modo de falar sobre organizações
com excesso de funções de gestão, dizendo-se que “há muito chefe para pouco índio”.
| 16
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
Essas constatações implicam dizer que é submetido a forças inconscientes,
que não controla e até não conhece racionalmente. IV
| 17
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
O discurso do líder fascina, e a admiração autoriza a submissão, na medida
em que se justifica por uma grande causa. IV
III
Por hora, gostaria apenas de entender como pode ser que tantos homens, tantos
burgos, tantas cidades, tantas nações suportem às vezes um tirano só, que tem IV
apenas o poderio que eles lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão
V
enquanto têm vontade de suportá-lo, que não poderia fazer-lhes mal algum senão
quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo. Coisa extraordinária, por certo; e porém
tão comum que se deve mais lastimar-se do que espantar-se ao ver 1 milhão de
homens servir miseravelmente, com o pescoço sob o jugo, não obrigados por
uma força maior, mas de algum modo (ao que parece) encantados e enfeitiçados
apenas pelo nome de um, de quem não devem temer o poderio, pois ele é só,
nem amar as qualidades, pois é desumano e feroz para com eles.
Voltando para a reflexão sobre a liderança na gestão, podem ser feitas
articulações, a partir do texto de Freud, na medida em que, também na organização,
a liderança tem implicações afetivas:
• O gestor líder concentra vínculos pelo seu potencial de saber e de poder,
a serviço de orientar, estabelecer diretrizes, promover soluções e buscar
resultados. Nesse sentido, também lhe cabe responder mais diretamente pelos
riscos e pela segurança do grupo ou da atividade.
• Como líder, o gestor promove, defende e alimenta os ideais da organização,
seus valores e propósitos e mobiliza a construção de uma visão do futuro,
potencializando o sentimento de orgulho e o entusiasmo pelas conquistas. O
líder celebra vitórias e envolve o grupo no sentimento de conquistas coletivas.
• O líder é justo; não estabelece relações de privilégio, não faz concessões
para alguns escolhidos; premia com senso de equidade; reconhece méritos
a partir de critérios pactuados; estimula qualquer um que percebe com
dificuldades a superar suas fraquezas; e estabelece condições para apoiar,
capacitar e promover o desenvolvimento do grupo, considerando objetivos
compartilhados.
Decerto, o potencial afetivo da atuação de qualquer líder sempre corre o risco
de resvalar para formas diversas, sutis ou ostensivas, de dominação.
| 19
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
Tomar o desejo dos outros como igual ao seu desejo e decidir pelo que
acha melhor sem consultar ninguém; não admitir contestação às suas formulações, IV
tomando-as como verdade; ser excessivamente cuidadoso no provimento de condições,
V
protegendo o grupo de enfrentar dificuldades e retardando assim o desenvolvimento
da autonomia; premiar a obediência passiva e classificar como insubordinação qualquer
exercício de questionamento, relegando os supostos insubordinados a espaços mais
limitados; considerar-se com direito a estabelecer privilégios sem admitir que o grupo
tenha o direito de conhecer os critérios de concessão de vantagens são formas diversas
de exercício do poder dominador, assentado no fundamento afetivo do vínculo.
O que permite a um gestor desenvolver a dimensão afetiva da liderança sem
deslizar para a dominação é o balizamento ético. Um posicionamento sólido de
respeito ao outro, de tolerância e de capacidade de conviver com a diferença, além
de uma convicção radical sobre os limites do exercício do poder, é o fundamento de
uma liderança não dominadora.
Essa é uma das razões pela qual a equidade das decisões do líder não se
confunde com igualitarismo, que é uma forma de evitar o reconhecimento das
diferenças, muitas vezes sob a falsa hipótese de “não estimular competições”. O que
o igualitarismo promove, ao contrário, é um sentimento de injustiça, pois implica
tratar os diferentes como iguais e nega o reconhecimento dos méritos singulares.
| 20
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
3. UMA VISÃO CLÁSSICA DA LIDERANÇA IV
| 21
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
das práticas gerenciais — a maioria associada aos percalços do nosso desenvolvimento
sociopolítico-cultural — foram agregando ao termo chefe uma conotação negativa, IV
por vezes pejorativa, com frequência expressando dificuldades no uso do poder,
V
distanciamento na relação com os chefiados ou excessiva concentração na dimensão
burocrática da gestão.
A denominação gestor foi uma das alternativas de designação genérica que
começaram a ser utilizadas em tempos recentes com a intenção de evitar que os
ocupantes de cargos com responsabilidade de gestão fossem demonizados pelos
significados negativos associados à expressão chefe.
Há nesse recurso, no entanto, um risco implícito de mudar o nome sem mudar
as práticas. Por isso, ser um gestor comporta um desafio central: merecer esse nome
com o que implica de mudança, exercendo o cargo de um modo que ultrapasse a
mera competência formal delimitada pela designação da função.
Na conquista desse desafio, o exercício da liderança é a “pedra de toque”.
| 22
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
4. A LIDERANÇA ESTRATÉGICA IV
1
Cardoso, C.; Cunha, F. In: texto em elaboração sobre desenvolvimento de equipes, INTG
| 23
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
Formular modelagens estratégicas da gestão tem favorecido, por um lado,
uma boa compreensão do dinamismo da gestão; por outro, tem facilitado a discussão IV
de alternativas práticas para equilibrar, nos procedimentos de gestão, o foco nos V
resultados e nas pessoas, a preservação do interesse da organização, a criação
simultânea de um ambiente em que seus integrantes se sintam satisfeitos, a busca do
lucro e o exercício da responsabilidade social, o estabelecimento de normas firmes e
o exercício da flexibilidade, entre outros desafios próprios da gestão contemporânea.
É curioso notar, porém, que, muitas vezes, embora os desafios sejam formulados
com uma linguagem bem moderna, os problemas que eles implicam são bem antigos —
resolver disputas fraternas, enfrentar ameaças externas, atender a expectativas e anseios,
estabelecer boas práticas de relacionamento, controlar comportamentos impulsivos e até
destrutivos, conquistar espaços no ambiente ou lidar com sentimentos tais como ciúme,
inveja, insegurança, dependência...
Nada espantoso nesse aparente paradoxo. A condição humana supõe determinadas
experiências vitais — sentimentos, emoções, percepções — que não são muito diferentes
na sua dinâmica básica. Passam os séculos, avança a tecnologia, sofisticam-se as teorias,
mas não há muita diferença quando se trata de amor, ódio, tristeza, inveja, ciúme, medo,
angústia, agressividade, insegurança, compaixão, solidariedade.
Liderança é, justamente, o exercício da gestão com atenção às pessoas, com
seus desafios e paradoxos. É tratar as responsabilidades do cargo sabendo que cumpri-
las não significa, apenas, realizar uma tarefa, e sim promover um bom ambiente de
trabalho, estimular as pessoas para que sintam orgulho do que fazem, reconhecer
os bons resultados e compartilhar as conquistas.
Nesse contexto, a reflexão anterior sobre a contribuição da Etnologia e da
Psicanálise para melhor entender a liderança ajuda a marcar a amplitude da liderança
estratégica.
Um líder estratégico tem qualidades similares às de um chefe índio (Clastres),
diferenciadas apenas por uma tradução mais afinada com a realidade moderna: é um
mediador de conflitos, tem função provedora e exerce uma influência muitas vezes
persuasiva sobre seus liderados.
| 24
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
O líder estratégico tem também um quê de grande chefe (Freud) — sem,
obrigatoriamente, conotações religiosas ou desafios bélicos. Cabe-lhe preservar a coesão IV
do grupo, alimentar os ideais, mobilizar para as conquistas. Ele é ainda o principal
V
avalista dos riscos implicados na atividade que lidera. Além disso, a autoridade do
cargo o credita para a função de comando, que, no entanto, só é legitimada quando
há reconhecimento da sua competência como líder.
A liderança está, ainda, vinculada a um conjunto de responsabilidades que
podem ser sintetizadas em alguns papéis:
Mobilização: o líder é, para o grupo, o catalisador da possibilidade de concretizar
ideais, construir sonhos, realizar projetos; é também ele quem mais propõe metas e desafios.
Representação: o líder é o principal representante da instituição perante sua
equipe, sendo, ao mesmo tempo, o principal representante de interesses, demandas
e necessidades da equipe ante a organização.
Autoridade: ao líder é atribuído um poder formal, num dado âmbito de
competência para decisão, variável conforme o cargo. Cabe-lhe a missão de usar bem
essa autoridade, sem omissão nem excessos, e todos esperam que tome decisões
sempre que preciso e que essas decisões sejam predominantemente acertadas.
Responsabilidade: dentre todos os envolvidos numa atividade, é o líder que,
em última instância, responde pela atividade, seja pelos resultados, pelas condições
necessárias ou pela qualidade dos processos. Mesmo que reparta essa responsabilidade
com outro gestor, por delegação, o líder continua corresponsável. Pode-se dizer até que
a delegação amplia a responsabilidade, pois significa compartilhar o poder decisório,
permanecendo o compromisso de acompanhar as consequências da decisão e mesmo
de dar apoio em eventuais dificuldades.
Articulação: o líder faz contatos em todos os níveis e sobre diversos assuntos;
promove aproximações e, particularmente, promove a comunicação, favorecendo
uma prática de diálogo e entendimento.
Mediação: tratando o conflito como mais uma matéria-prima2 do seu trabalho,
2
Se as pessoas, como dito na página 18, são a principal matéria-prima do gestor, conflitos não só são inerentes ao seu trabalho,
como são inevitáveis.
| 25
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
o líder atua sob as diversas formas de mediação, seja como facilitador do
entendimento entre partes, seja como coordenador de acordos, seja como árbitro IV
de impasses.
V
Negociação: o líder negocia em tempo integral com a equipe, com seus
pares, com outros gestores a quem está subordinado. Negocia para fazer acordos,
supondo ouvir o outro, considera e respeita seus posicionamentos e, em movimentos
equilibrados, tanto conquista espaços quanto cede posições.
Monitoramento: não há como pensar um líder que não esteja perto da sua
equipe, acompanhando, avaliando os resultados, ajustando ou corrigindo o rumo
das ações sempre que preciso, com um olhar antecipatório. Um bom líder não espera
que os problemas aconteçam para intervir nem, muito menos, busca culpados para
os insucessos.
Implícitas nesses papéis, estão as expectativas a que o líder tem que responder:
De um lado, expectativas legítimas de que ele cumpra seus papéis e seja
exemplo daquilo que propõe como prática desejável para o grupo; que patrocine
iniciativas de melhoria e processos de mudança; que seja capaz de propor soluções
para os impasses do grupo e da tarefa; que oriente a equipe nas dificuldades ou na
formulação de caminhos para seu próprio desenvolvimento.
Uma outra expectativa importante, apesar de incluída nos papéis estratégicos,
merece realce especial — as equipes esperam que o líder não permita que os conflitos
se acumulem, interna ou externamente à equipe, e lhe creditam a capacidade de mediar
todas as situações conflituosas, interna ou externamente à equipe, promovendo a paz.
São expectativas vinculadas àquilo que o líder simboliza.
Por outro lado, a equipe tem demandas impossíveis de atender, originadas
no mundo psíquico imaginário do grupo, pouco explicitado, mas com insistente
capacidade de produzir efeito. São fantasias associadas a medos, inseguranças,
disputas e até a um movimento inconsciente de competição com o próprio líder.
Apesar de admirado e legitimado, seu poder é desejado e causa inveja, muito pouco
confessável.
Essa dimensão imaginária de demandas se expressa, por exemplo, numa
| 26
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
percepção de que o líder poderia resolver até coisas que estão para além do seu limite
de atuação ou que são definições institucionais bem estabelecidas; o grupo reage IV
como se pensasse: “Se quisesse, ele conseguiria”.
V
Pode expressar-se, também, num excesso de idealização da capacidade do
líder, o que dificulta aceitar suas falhas, por vezes formulando-se como uma fantasia
de onipotência, como se ele pudesse superar qualquer tipo de dificuldade ou eliminar
qualquer tipo de ameaça e assegurar o futuro.
Até na expectativa do exercício da mediação, essa dimensão imaginária pode
atuar — o grupo espera que o líder seja justo, mas, se está diretamente envolvido no
conflito, deseja que tome partido a seu favor, independentemente do que seria justo;
e se são dois integrantes do grupo em conflito, cada um quer que o líder considere
sua demanda a mais importante ou sua causa a mais legítima.
Nesse campo do imaginário, o líder pode ser investido de papéis que extrapolam
o âmbito da gestão a partir de projeções que tomam como referência experiências
em outros campos da vida social. Assim é que se pode pensar o líder como pai/mãe
ou como um juiz, um professor, um psicólogo. Por vezes, como um mágico.
O que torna esse processo mais peculiar não são apenas as projeções do
grupo, mas o fato de o próprio líder absorver essas fantasias e tentar corresponder
às expectativas consequentes.
A observação sistemática da dinâmica das expectativas em relação ao líder
permite formular uma hipótese aparentemente estranha, mas que tem fundamento
nos processos psicossociais da relação entre líder e liderados: junto com a demanda,
legítima, de que o líder sustente sua liderança, há, em todo grupo, um desejo
inconsciente de enlouquecer o líder.
Cabe a ele, conhecendo essa hipótese, administrar esse movimento e não se deixar
enlouquecer. Não é fácil, principalmente porque, pela posição que ocupa em relação ao
grupo e mesmo à organização, qualquer que seja seu nível de hierarquia, o líder costuma ser
depositário (um alvo que absorve o que lhe é destinado) de pressões, anseios e inquietações
que têm muitas causas e vêm de muitas fontes.
O líder absorve pressões da empresa geradas por ameaças externas, disputas
| 27
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
internas, contradições ou movimentos de entropia do processo institucional; a
causalidade é ilimitada. E é sensível às pressões da equipe: os movimentos defensivos IV
ou destrutivos, a dificuldade de aceitar as impossibilidades, a frustração que resulta
V
do confronto entre os desejos e a realidade. Há, também nesse aspecto, uma geração
ilimitada de causas.
Um caso real, identificado num programa de desenvolvimento de gestores
vinculados a empresas diversas, demonstra bem esse dinamismo.
Os líderes foram instados a pesquisar, nas suas empresas, o que esperavam
deles os dirigentes (representando a demanda da empresa) e suas próprias equipes.
Quando foram consolidados os resultados, um dos líderes se assustou com o que
apareceu na pesquisa e que nunca havia sido dito a ele de modo tão explícito.
Da parte dos dirigentes (a empresa) e da equipe, esperava-se dele:
Empresa Equipe
1. Fazer a equipe produzir resultados. 1. Perceber necessidades.
2. Usar bem a autoridade investida. 2. Oferecer condições.
3. Funcionar como filtro dos problemas da 3. Ser porta-voz dos interesses.
equipe.
4. Resolver conflitos. 4. Negociar com outras áreas.
5. Preservar os interesses da organização. 5. Conquistar reivindicações.
6. Fazer cumprir as normas e respeitar os limites. 6. Usar bem o poder.
7. Ajustar-se ao estilo da empresa. 7. Ouvir mais.
8. Promover e provocar mudanças. 8. Aceitar críticas.
III
5. “PATOLOGIAS” DA LIDERANÇA IV
| 29
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
Saúde Patologia
Função provedora: responsabilidade de buscar Paternalismo: preocupação excessiva com IV
as condições adequadas ao trabalho da equipe. vantagens para o grupo, protegendo-o do
enfrentamento de dificuldades. V
Delegação: disposição para compartilhar poder Repasse: uma delegação aparente que,
e responsabilidade, preservando a função de de fato, entrega ao delegado todo o risco
monitoramento e a corresponsabilidade. da atividade, sem acompanhamento e
eximindo-se da corresponsabilidade.
Bons vínculos: empenho em conhecer cada li- Privilégios: reforço de alguns vínculos com
derado, estabelecendo relações singulares, mas nível de proximidade tão diferenciado que
sempre focadas no conjunto, com atenção a tende a criar, nos demais integrantes da
considerar as diferentes necessidades, atenden- equipe, sentimentos de exclusão; con-
do-lhes com equidade. cessão de vantagens sem cuidado com a
equidade.
| 30
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
Saúde Patologia
IV
Dupla representação: exercício simultâneo da re- Indefinição: não exercício de qualquer
presentação da instituição e da equipe, atuando, lado da representação, quando necessá-
V
ao mesmo tempo, como elo entre a equipe e a rio, a pretexto de considerar o outro lado.
organização.
Ascendência: capacidade de influência sobre o Dominação: controle excessivo sobre o
grupo, gerando aceitação e legitimação de suas grupo, gerando aceitação passiva ou
proposições; autoriza e não inibe a crítica. comportamentos de submissão; anula a
crítica.
| 31
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
Sendo as relações de poder estabelecidas sobre padrões mais assimétricos, em
geral, há pouco espaço para um diálogo efetivo e franco, e, por isso, as críticas são IV
veladas ou surgem reações de “vingança” disfarçadas, como quando, por exemplo,
V
uma equipe faz com que um líder centralizador fique cada vez mais sobrecarregado;
ou quando, na relação com um líder mais explosivo, a equipe provoca, como que
“sem querer”, suas reações impulsivas.
Cria-se, assim, um padrão repetitivo e estressante — a equipe se queixa e,
ao mesmo tempo, repete os comportamentos que todos já sabem que vão provocar
reações indesejáveis. É um ciclo de estresse contínuo para todos.
Uma dinâmica desse tipo costuma provocar sentimentos de ambivalência,
que se caracterizam pelo fato de que as reações dirigidas ao líder, além de fortes e
intensas, são, simultaneamente, positivas e negativas — a equipe admira e critica
com igual intensidade, se entusiasma e se frustra na mesma velocidade. E, como
não poderia deixar de ser, esse padrão se desdobra nas relações internas à equipe
sob formas diversas — insuficiente integração, ruídos constantes na comunicação,
competição muito acirrada ou baixo nível de cooperação.
Não é demais, ao final dessas reflexões, reforçar que essas condições quase
nunca são encontradas em forma pura. Mesmo nas melhores empresas, há variáveis
que não são tão saudáveis; e até nas mais estressantes, nem tudo é patológico.
Também não se pode pensar que basta responsabilizar o líder pelas patologias
e tudo estará resolvido. Organizações funcionam em rede e têm história; por isso, se
as formas inadequadas de liderança não são isoladas e se a organização tolera tais
comportamentos, há de se considerar que é provável existirem fatores institucionais
significativos induzindo esses comportamentos. É raro que um padrão assim resulte,
tão somente, da ascendência de perfis pessoais.
De novo, destaca-se a importância de uma gestão claramente balizada por valores.
Quando a organização explicita seus valores, quando estabelece modelos em que ficam
claros os padrões esperados e não se deixa a gestão por conta do estilo de cada um, a
tendência é que vá havendo crescente convergência em relação aos padrões desejados.
Em suma, se uma organização quer ser saudável e cria mecanismos para isso,
ela o será.
| 32
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
6. UMA DIGRESSÃO PELA LITERATURA IV
Fica evidente, por tudo que já foi dito, que a liderança tem duas faces: uma,
que se pode chamar de edificante; e outra, mais pesada, a da exigência.
Exercer a liderança é um ofício rigoroso, submetido a constantes e elevadas
pressões, com muitos riscos. Não é fácil ser líder.
Uma forma de expressar essa exigência usando uma instigante metáfora foi
formulada por Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas.
“Ser chefe, às vezes, é isto: que se tem de carregar cobras na sacola, sem
concessão de se matar.”
De fato, o líder exerce uma função de importância política vital na organização.
Ele é um sintetizador das pressões e dos riscos, buscando sempre um equilíbrio, nunca
de todo alcançado, e perseguindo continuamente um resultado que seja o melhor
para a organização.
Muitas vezes, a liderança é solitária; há de se correrem os riscos e há de se
assumi-los sem concessão de se matar; inclusive porque seria injusto consigo mesmo
deixar-se fracassar.
Demandado por expectativas legítimas e, ao mesmo tempo, provocado a
cair em armadilhas pelas demandas imaginárias, é preciso equilíbrio para sustentar-
se enquanto líder, particularmente porque sempre existe a tentadora sedução de
optar por alternativas menos exigentes. Mandar é mais cômodo que fazer acordos;
fiscalizar é mais fácil que acompanhar; centralizar é mais rápido, e mais seguro, do
| 33
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
que delegar; repassar informações requer menos que dialogar... São intermináveis as
opções aparentemente mais protegidas. IV
Valores bem estabelecidos são o principal antídoto para essas venenosas V
seduções.
| 34
I
O GERENTE EM AÇÃO | INTG
II
III
forma de orientar e direcionar não se confunde com dominação, reforçando
a dependência dos liderados e um ilusório sentimento de que só o líder vai IV
saber a melhor solução.
V
• De permanecer disponível para mudar e rever posições sempre que necessário.
• De não ocultar suas próprias vulnerabilidades, com a clareza de que a
responsabilidade de liderar não diminui em nada a responsabilidade maior
de reconhecer e assumir os próprios limites e, não com menor importância,
os próprios erros.
Concordamos com W. G. Bennis quando diz: “Liderança é a capacidade de
transformar a visão em realidade”2. Uma capacidade orientada para mobilizar os
liderados e também para perseguir em si mesmo as mudanças desejadas.
2
Warren G. Bennis in: Revista Executivedigest, Portugal, novembro de 2002.
| 35