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ATITUS - Faculdade de Psicologia

Fundamentos Psicanalíticos

Professora Júlia Prestes

O Lobisomem

Felipe Soares da Rosa

“Desde os primórdios até hoje em dia,


o Homem faz o que o macaco fazia”
Titãs

Porto Alegre, 2023


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Um lamento, um trovejo, um fato de violência, um mistério de veracidade. O Lobisomem (o


homem-lobo) é uma lenda que assola-nos desde a Grécia Antiga, com Licaão, um Rei que
se tornara um fanático religioso ao ponto de servir ao próprio Zeus as vísceras cozidas de
seu filho. E como punição por tais atos, Zeus transformara Licaão em um Homem-lobo, em
um eternamente selvagem, um ser que comia outros animais, racionais ou não; fadado a um
destino de barbárie e bestialidade, como um ser primitivo, um “homem primata”. Sempre, à
noite – em principal, as de Lua Cheia -, era possível ouvir os uivos de lamento de Licaão,
vindos da floresta.

“O lobo está uivando na floresta da noite,


Ele quer, mas não consegue dormir,
A fome rasga seu estômago úmido,
E está frio em sua toca” (Astrid Lindgren).

Já em outros relatos, é dito que o oitavo filho, homem, vindo de uma família onde os sete
outros descendentes eram mulheres. Nascera um menino, pálido como a Lua, com o olhar
distante e que pouco se falava. Descobria-se, então, que no seu décimo terceiro
aniversário, marca da puberdade, em uma Lua cheia, era virava um lobo, com um corpo
quase humanoide, com sede de sangue, ódio, querendo que outros ajoelham-se perante a
ele e clamem pelas vidas medíocres que logo perderão.
Uma maldição, um ritual, uma neurose? Talvez algum conflito psíquico que fizesse com que
a via de descarga deste Homem seria de assassinar, comer e/ou estuprar pessoas? Algo
relacionado com a puberdade, onde a flor da sexualidade e da agressão começa a se
proliferar? Ou somente alguém que se deixou levar pelo princípio do prazer (Freud, 1920),
negando a realidade, onde “a satisfação mágica e ilusória sempre acabará sendo frustrante
porque não suporta as exigências e necessidades da realidade”. Pois na fantasia desse
sujeito ele pode ser o que quiser: pode ser forte, assustador, temido, respeitado, desejado -
coisas contrárias a sua realidade, onde deve obedecer regras impostas a ele.

Thomas Hobbes no seu livro Leviathan (1651) já afirmava que o “Homem é o Lobo do
Homem”, onde ele configurava o Homem ainda como um animal selvagem, sedento por
sangue e sexo, colocando a própria espécie em risco de extinção. Aponta, também, que o
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Estado, e suas leis, é o que fazem com que o homem reprima suas fantasias de sentir o sangue
quente de outros de sua espécie.

Um mangueio na psicose, Me fez ter pelos e artrose.


Um manejo no que penso, sinto fome e desejo.
Desejo um corpo nu e cru, berrando por piedade.
Palavra engraçada, desconheço.
Lobo sou eu, eu mesmo (Felipe Soares, em prol de acrescentar conteúdo a um texto vazio).

É um samba na psique deste sujeito. Pois, embora esteja buscando o princípio do prazer - uma
descarga impulsiva e imediata -, no intuito de alimentar as pulsões de vida (Freud, 1915),
como a pulsão sexual, autoconservação e a manutenção da existência; também estava
salientando a pulsão de morte (Freud, 1920), que são aquelas que tendem à destrutividade,
explicam o masoquismo e o sadismo. Isto, praticamente, enterra o lobisomem, ou somente
Homem, em um fardo que está condenado a repetir, um prazer pela vida, um prazer pela dor.
“Por que continuar seguindo regras que me oprimem, se eu posso, sob a luz do luar, acabar
com minha angústia e dar voz ao prazer”, certamente passa-se algo assim em sua mente,
mesmo que inconscientemente. De todos nós. Mas nossas fantasias reprimidas, já recalcadas,
se tornaram inofensivas. As do Homem (Lobo), pioram cada vez mais conforme “se
transforma”.
Seguindo na hipótese do Homem-Lobo ser um sádico perverso que foi tomado pelo prazer de
aniquilar humanos e outros animais, Freud no seu texto Instinto e suas Vicissitudes (1915)
aponta que a finalidade da pulsão, “satisfação, que só pode ser obtida eliminando-se o estado
de estimulação” (Freud, 1915, p. 7), faz uma reversão a seu oposto. No caso do Homem-Lobo
seria do sadismo (torturar), ao masoquismo (ser torturado). E, no mesmo texto, também é dito
que além desta reversão o sujeito faz um retorno em direção ao seu próprio eu. Para uma
melhor contextualização, citarei o texto em questão:
“(a) O sadismo consiste no exercício de violência ou poder sobre uma outra pessoa como
objeto.
(b) Esse objeto é abandonado e substituído pelo eu do indivíduo. Com o retorno em direção
ao eu, efetua-se também a mudança de uma finalidade instintual ativa para uma passiva.
(c) Uma pessoa estranha é mais uma vez procurada como objeto; essa pessoa, em
conseqüência da alteração que ocorreu na finalidade instintual, tem de assumir o papel do
sujeito.” (Freud, 1915, p. 11)
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Partindo desta afirmação, posso concluir, de forma momentânea, que o Lobisomem transmite
aos outros a dor, e a tortura porque, no fim, o ser com quem ele mais se incomoda é com ele
mesmo, e toda a violência recebida pelo o outro, é a dor a qual ele mesmo quer sentir, a dor
que não para de sentir em seu inconsciente, algo que passa de sua compreensão.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Freud, Sigmund (1915), Instintos e suas Vicissitudes, Rio de Janeiro, Imago
Hobbes, Thomas (1651), Leviatã, Ijuí, Martin Claret
Semplass, Astrid (2020), Vargsången, Noruega
Machado, Bruno (2018), Qual a origem da lenda do Lobisomem?
Smadja, Eric (2016), Freud e a Cultura
Trápaga, Rosane (2020), Psicanálise no tratamento da Toxicomania

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