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Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul - UEMS

Bacharelado em Letras

Disciplina: Manifestações Literárias em Mato Grosso do Sul e suas Fontes

Docente: Marcelo Bueno

Discente: Yngrid Nathani Cardoso Pereira

RGM: 47832

A chegada em Miranda
No capítulo selecionado, é descrito a chegada das tropas em uma região de Miranda, onde o
inimigo é mantido afastado para evitar a propagação da cólera. O rio Miranda é
intransponível, mas alguns homens conseguem atravessá-lo a nado e trazem a notícia de um
grande laranjal com frutas maduras. Os caçadores recebem ordens para tentar atravessar o rio
em grupo e conseguem. Durante esse período, ocorrem as mortes do tenente-coronel Juvêncio
e do coronel Camisão, sendo o major José Tomais Gonçalves nomeado como substituto. Há
um fluxo constante de riso e a chegada abundante de laranjas, que têm um efeito benéfico
sobre os famintos e os doentes com cólera.

No entanto, as chuvas intensas fizeram o rio Miranda transbordar, tornando impossível


atravessá-lo por alguns dias. A única opção para a Coluna era construir uma ponte, mas eles
não tinham pessoas suficientes para realizar o trabalho manual necessário. Eles estavam
sendo observados pelos paraguaios, que os viam como gado encurralado e destinado ao abate.

Apesar do rio ameaçador, alguns nadadores corajosos se lançaram à água por causa da fome.
Após muitos esforços, conseguiram atravessar para a outra margem, mas não encontraram
nenhum sinal do inimigo. Em vez disso, descobriram a tranquila moradia do nosso valente
guia, cercada por um belo laranjal, cumprindo todas as promessas feitas sobre as maravilhas
do pomar. Um dos primeiros exploradores dessa terra promissora decidiu voltar rapidamente
para contar aos outros o que encontraram, o que despertou a iniciativa daqueles que ainda a
possuíam. Com a ausência do chefe, muitos correram para a beira do rio para tentar
atravessar. Alguns conseguiram, outros desapareceram na correnteza. A situação
desesperadora quase quebrou a disciplina que restava. O Coronel, mesmo gravemente ferido,
deu ordens incoerentes e inexequíveis, mas também lúcidas e práticas. Ele ordenou que o
corpo de caçadores atravessasse o rio o mais rápido possível para proteger o pomar até que
ele pudesse ir lá para fazer uma distribuição justa.

De acordo com essa decisão prudente, o capitão José Rufino teve que fazer com que todos os
seus homens passassem juntos. No início, ele pensou em construir uma jangada, mas
faltavam materiais e trabalhadores. Ele ficou impaciente, pois podia contar com sua tropa
disciplinada e obediente às suas ordens. Viu os soldados se esforçando para facilitar a
passagem dos oficiais. Ele mesmo foi o primeiro a entrar no couro, com as quatro pontas
levantadas e amarradas em forma de saco (chamado de pelota), que um nadador puxa por
uma corda presa entre os dentes. Assim, ele se colocou à frente daquela massa tumultuosa de
homens.

O tenente Nobre de Gusmão era um exemplo de dedicação aos enfermos, e os soldados


imitavam-no, praticando socorros mútuos que outros corpos ignoravam. No dia 28,
encontramo-nos num estado cada vez mais deplorável. Verificamos ocasionalmente o nível
das águas para ver se baixava, pois essa seria nossa única esperança de sobrevivência.
Estávamos sem comida e conseguimos, com dificuldade, obter algumas laranjas que
nadadores corajosos traziam em intervalos longos. Esse foi o único conforto que o coronel
Camisão e o tenente-coronel Juvêncio não ignoraram, enquanto sofriam com a sede e a
agonia provocada pela água.

Após a passagem do corpo de caçadores, mais pessoas se juntaram às margens do rio.


Observamos atentamente todos os movimentos desse batalhão na outra margem. De tempos
em tempos, alguém se arriscava a nadar ou atravessar a nado para se reunir aos camaradas,
mesmo contra as ordens. A morte de vários soldados afogados mostrou a urgência de manter
a proibição de atravessar. No entanto, não houve ameaças ou objeções capazes de dissuadir
um capitão do 20º batalhão que, totalmente vestido, entrou numa pequena embarcação,
conduzida por dois nadadores. Ele contava com eles, mas no meio do rio, suas forças
acabaram e ele foi levado pela correnteza. Vimos ele lutar para se manter à tona e depois
afundar gradualmente, desaparecendo com gritos de desespero que foram respondidos pela
multidão reunida no local de onde ele partiu, incapaz de ajudá-lo.

Durante esse tempo, devido à presença de soldados à beira do rio, nosso acampamento ficou
vazio. Os doentes foram procurar um lugar fresco, atravessaram um pântano que cercava o
acampamento e se instalaram em um bosque denso, dos dois lados de uma estrada aberta que
levava a Miranda. Parentes e amigos nos seguiram e todos se instalaram lá, como se fosse
permanente. Vários soldados entraram na mata em busca de caça, e podíamos ouvir disparos
ao longe. Inicialmente, pensamos que era o inimigo, mas não sabíamos onde ele estava. Eles
desapareceram para se proteger da epidemia que estávamos enfrentando.

No mesmo dia, algumas mulheres mais desprovidas de recursos e mais afetadas pela miséria
absoluta morreram. A autoridade estava fraca nas mãos do coronel Camisão, mas se tornou
mais firme durante os reveses. No entanto, quando a cólera o atacou, precisávamos de um
novo líder.

Ficou evidente que o Coronel estava morrendo. Mesmo sofrendo, ele manteve sua dignidade
e disse: "Dizem que a água mata, tragam-me; quero morrer!" Ele ficou sonolento e seu corpo
ficou manchado. Ele fez um último esforço, levantou-se do couro em que estava deitado e
perguntou ao capitão Lago onde estava a coluna, repetindo que a tinha salvo. Depois, olhando
para seu ordenança, já com os olhos vidrados, ele ordenou: "Salvador! Traga-me a espada e o
revólver". Ele tentou afivelar o talim e, nesse momento, caiu no chão murmurando:
"Continuem com as forças, eu vou descansar". E assim ele morreu.

Após a morte do coronel Camisão, foram tomadas medidas para evitar rivalidades e manter a
autoridade. A questão dos postos em comissão já havia sido pré-julgada pelo governo, que
não aprovou que o tenente-coronel Enéias Galvão, um simples tenente nos quadros do
exército, comandasse oficiais mais antigos que ele. O posto efetivo na primeira linha era uma
condição de preferência, e o mais antigo capitão, José Tomas Gonçalves, era o único que
poderia suceder ao tenente-coronel Juvêncio, substituto legal do coronel Camisão.

Para evitar dissídios na eleição, os tenentes Napoleão Freire e Marques da Cruz convenceram
o tenente-coronel Enéias a passar temporariamente o comando do seu batalhão devido a uma
suposta doença. O major José Tomás Gonçalves anunciou a morte do coronel Camisão e do
tenente-coronel Juvêncio, assumindo o comando como o capitão mais graduado em
antiguidade.

Durante a transmissão de poderes, que foi aprovada pelo exército, houve o baixamento do rio
e a ideia do novo comandante de assegurar a comunicação entre as margens através de um
cabo amarrado às árvores. Com o funcionamento desse vaivém, começaram a chegar laranjas
copiosamente ao acampamento. A abundância dessas frutas teve um efeito positivo ao
distender estômagos vazios e aliviar a fome e a sede que consumiam todos. Algumas vezes,
as laranjas eram devoradas com casca e tudo, tamanho era o ardor e a necessidade. Além
disso, a maturidade e doçura das laranjas convidavam ao abuso, mas os princípios medicinais
presentes na casca agiram de forma ainda mais eficaz, diminuindo a epidemia e quase
cessando-a. Seria apenas uma mera coincidência? Já Lopes havia predito essa melhoria do
estado geral. Foi notável ver muitos doentes com cólera passarem longas horas devorando
montes de laranjas, deixando apenas alguns restos.

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