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Sumário

uulccim mtos 7

Título original: No! • d n tradução brasileira


A Wittgenslein Dictionary
ohll 11 uso deste dicionário 11
Tradução autorizada da primeira edição inglesa,
publicada em 1996 por B lackwell Publishers, I 11 11I • ti referências e fontes primárias I.
de Oxford, Inglaterra
111,\11 d uma biografia intelectual 21
Copyright © 1996, Hans-Johann Glock
Copyright © 1997 da edição brasileira: I I BIiTb DO DICIONÁRIO - A-Z 9
Jorge Zahar Editor Ltda.
rua México 31 sobreloja Ihll 'I afia de fontes secundárias 83
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
tel: (021) 240-0226/fax: (021) 262-5123 ti 11 n-missivo 89
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G48d Glock, Hans-Johann


Dicionário WittgensteinlHans-Johann Glock; tradução, Helena
Martins; revisão técnica, Luiz Carlos Pereira. - Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1998
(Dicionários de filósofos)

Tradução de: A Wittgenstein dictionary


Inclui bibliografia
ISBN 85-711 0-440-9
I. Wittgenstein, Ludwig, 1889-1951 - Dicionários. 2. Filosofia
alemã - Dicionários. I. Título. 11. Série.
CDD 193
CDU 1(43)
98-0127
nl 011

filosofia Nenhum filósofo desde Kant refletiu com tanto afinco sobre a natureza da
filosofia quanto Wittgenstein. Seu interesse remonta a 1912, quando apresentou o artigo
"O que é filosofia?" No prefácio do Tractatus, alegou ter fornecido a "solução definitiva"
para os "problemas da filosofia". Em 1930, sustentou que seu "novo método" de fazer
filosofia constituiu uma "guinada" no "desenvolvimento do pensamento humano", com-
parável à revolução promovida por Galileu na ciência. Até o fim de sua carreira, ele insistiu
que o mais importante em seu trabalho não eram seus resultados específicos, mas sim seu
novo modo de fazer filosofia, um método ou prática que nos capacitaria a caminhar com
nossas próprias pernas (M 113-14; PI 11206; MS 15573-4; ML 17.6.41). Wittgenstein
estava certo em encarar suas visões metodológicas como novas e radicais. Elas se chocam
não somente contra o espírito científico do século XX (CV 6-7), mas também contra toda
a história da filosofia. Desde os seus primórdios, a filosofia tem sido considerada à
semelhança da ciência, como uma disciplina cognitiva que aspira à produção de co-
nhecimento sobre a realidade. Para os platonistas, a filosofia é uma disciplina a priori, que
não descreve a realidade empírica, mas sim um mundo de entidades abstratas, e que
fundamenta nosso conhecimento pela dedução de todas as verdades a partir de princípios
básicos. Para os aristotélicos, vincula-se às ciências especiais, por descrever aspectos mais
gerais da realidade - ela é ou a rainha das ciências ou sua operária, responsável por
remover obstáculos do caminho. (Empiristas radicais (como Mill, Quine) argumentam,
além disso, que todas as disciplinas, incluindo-se a filosofia, a matemática e a lógica,
descrevem a realidade com base em evidências empíricas.)
A "revolução copernicana" de Kant abalou esse consenso. Ele sustentou a tese de que
a filosofia deveria "ocupar-se menos de objetos e mais do modo de conhecimento dos
objetos" (B25). Enquanto a ciência descreve a realidade, a filosofia não se ocupa de objetos
de qualquer espécie, nem mesmo das entidades abstratas postuladas pelo platonismo.
Reflete, em vez disso, sobre as precondições para que conheçamos ou experienciemos
objetos do mundo material. A despeito dessa virada reflexiva, no entanto, Kant insistia na
idéia de que a filosofia resulta em proposições verdadeiras (sintéticas a priori), aquelas
que expressam precondiçães necessárias para a experiência, mantendo-se, nesse sentido,
dentro da tradição cognitivista.
O primeiro Wittgenstein insere-se na tradição da filosofia crítica de Kant. Em primeiro
lugar, tanto ele quanto Kant sustentam que a filosofia é essencialmente uma atividade
crítica, capaz de moderar os excessos da metafísica e esclarecer pensamentos não filosó-
ficos (TI...P4.112,6.53; Ali, 735,851). Em segundo lugar, inspirando-se em Schopenhauer
e em Hertz, Wittgenstein estabelece um contraste kantiano entre a ciência, que retrata ou
representa o mundo, e a filosofia, que reflete sobre a natureza e as precondições dessa
representação (TI...P4.11 e segs.). Aqui encontramos um nítido contraste com os pensa-
mentos de Frege e Russell. Frege jamais propôs uma concepçlogernl de filosofia, embora
suas concepções sobre a natureza da lógica e da matemática sugiram que, no que tange a
essas duas áreas, a filosofia é uma ciência de entidades abstratas. Ao longo de sua trajetória,
Russell manteve-se preso à "concepção científica da filosofia", segundo a qual esta
compartilha as tarefas da ciência, devendo imitar seus métodos. Embora o primeiro
Wittgenstein tenha adotado a separação estabelecida por Frege entre a lógica e a psicologia
(TLP 4.1121, 6. 6 I, 6.423; Foundations Introd.; Laws I Pref.) e tenha aceitado a
164 n1osofla

identificação entre a filosofia e a LÓGICA proposta por Russell (TLP 4.003 e seg.; Extemal
.ap. II; Mysticism capo 8), defendeu contra ambos a idéia de que a filosofia/lógica n o
descreve nem objetos abstratos nem as características mais gerais da realidade, ocupando-
se antes das precondições essenciais para se pensar ou representar a realidade. Modificou
ssa idéia kantiana em dois aspectos. Em primeiro lugar, os pensamentos estão intrins eu-
mente ligados à sua expressão lingüística; a representação é a representação simbólica.
suas precondições são regras lingüísticas - SINTAXE LóGICA. Em segundo lugar, os limit
do sentido, estabelecidos pela filosofia, não separam o conhecimento possível da
peculação inútil, mas sim as combinações de signos dotadas de significado daquela
absurdas. Isso tem conseqüências metodológicas drásticas. Em suas primeiras discuss
Wittgenstein afirmara que a filosofia compõe-se da lógica (sua base) e da metaffsie •
di tinguindo-se da ciência por ser "a doutrina da forma lógica das proposições cientffic ••
(NL 106). Mais tarde, ele classificará como "metaffsica" somente a filosofia ilegítima do
passado. A filosofia legítima é uma "crítica da linguagem". "A maioria das proposiçõ !I
questões que se formulam sobre temas filosóficos não são falsas, mas absurdas" (TL
4.003 e seg., ver Pref., 3.323-3.325, 6.51-7; NB 1.5.15,2.12.16). Originam-se da incapa-
cidade de compreender a lógica da linguagem, uma falha que resulta na formulação d
pseudoquestões irrespondíveis. A tarefa da filosofia não é tentarresponder a essas quest
mas sim mostrar que elas ultrapassam os limites do sentido.
A razão para tão irrestrita acusação é que a filosofia sempre se empenhou em revelar
verdades necessárias acerca da natureza essencial do mundo. Entretanto, qualquer tentativ
de enunciar tais verdades necessárias acerca de tipos de coisas no mundo atribui-lh
propriedades formais INTERNAS (por exemplo, que a essência da matéria/mente é
extensão pensamento, que somente o que tem extensão pode ter cor, etc.). De acordo
com a distinção entre DIZER e MOSTRAR, tais conceitos formais não podem ocorrer com
sentido em proposições genuínas, uma vez que aquilo que excluem não é uma po -
sibilidade, mas algo absurdo. As únicas verdades necessárias expressáveis são TAUTOLO
GIAS "sem sentido". As proposições metafísicas não poderiam ser BIPOLARES, e
portanto, absurdas. O que, entretanto, essas pseudoproposições tentam dizer mostra-se n
traços lógico-sintáticos de proposições não filosóficas (por exemplo, no fato de que tod
s nomes de coisas dotadas de cor são valores de uma variável cujo domínio de variaç o
é formado pelas coisas extensas).
As proposições do Tractatus utilizam conceitos formais para fazer afirmações ae r
d s traços essenciais que a linguagem precisa ter em comum com a realidade, e
p rtanto, absurdas (TLP 6.53). A única tarefa legítima da filosofia é analítica e elucidativ
Nem ambiciona a descoberta de novas verdades, nem tem em comum com a ciência
seus procedimentos metódicos. Pois não há "proposições filosóficas". A filosofia,
ontrãrio da ciência, não constitui uma doutrina, mas uma atividade em que se esclaree
proposições não filosóficas por meio da análise lógica (TLP4.112). Seu objetivo é alcanç
um "p nto de vista lógico corr I ", uma compreensão daquilo que pode ser dito (a !Ia
proposições cmpfricas) d Seus limites. A filosofia determina "limites à esfera disput v I
<111 'i neia", "ao qu n n pode ser pensado a partir do que pode ser pensado", m
upr .. ntar proposiç prõpri I es '(Ir cc as proposições significativas e d monstra qu
I
11. prop sições metaffsicas violam as regras da sintaxe lógica (TLP 4.11 ,4.11
.121 ,6.53).
Wiugcnstein redirecionou, mais tarde, essa sua "virada lingüística". cerne de seu
11I tod continuou sendo a "transição da questão da verdade para a questão do significado"
(M 106 46). A conexão entre a filosofia e a linguagem tem uma dupla face. Em primcir
lu 'ar, há uma conexão interna entre o PENSAMENTO e sua expressão lingüística: a filosofia
interessa pela linguagem em virtude do "lugar crucial que ocupa na vida humana"
(131'194-5,413); os SERES HUMANOS são animais essencialmente lingüísticos, uma idéia
d fendida também no aristotelismo e na hermenêutica. A segunda conexão, que inspirou
o p sitivismo lógico, é que a natureza apriorística dos problemas e proposições filosóficos
nraíza-se em regras lingüísticas: "a filosofia é a gramática das expressões 'dever' c
•p dcr', pois é assim que mostra o que é a priori e o que é a posteriori" (CE 411). A filosofia
n o é uma disciplina cognitiva, mas uma atividade que tem como meta a clareza (LWL I;
AWL 225; RPP I § 115). Tudo isso permanece. A metafísica inefável, no entanto, é aban-
donada, e a mera promessa de análise crítica é substituída por uma prática terapêutica: a
fil sofia dissolve as confusões conceituais às quais os problemas filosóficos supostamente
d vem sua existência.
sse quadro parece empobrecer a filosofia, sendo geralmente considerado a parte mais
fraca da obra do segundo Wittgenstein - máximas não fundamentadas em argumentos e
li smentidas por sua própria "construção teórica", que podem ser isoladas do resto. Os
pontos de vista metodológicos do próprio Wittgenstein devem ser julgados, em última
instância, em função de seus resultados. É importante notar, contudo, que eles se encontram
incxtricavelmente entrelaçados com as outras partes de sua obra, em especial com sua
c ncepção de necessidade lógica e de linguagem, e que têm, além disso, origem em uma
linha de pensamento coerente:

(a) A filosofia difere em princípio das ciências por seu caráter apriorístico.
(b) Uma vez que aquilo que é a priori deve ser explicado com base em regras
lingüísticas, ela diz respeito não a objetos, mas a nosso modo de falar dos objet li
conforme "regras gramaticais".
(c) Tais regras não se justificam por uma "essência da realidade", logo a filosofia nã
deveria nem justificá-Ias nem corrigi-Ias, mas somente descrevê-Ias.
(d) Como falantes competentes, já estamos familiarizados com nossa gramática,
embora tenhamos uma tendência a ignorá-Ia ou a distorcê-la na reflexão filosófica.
Assim sendo, a descrição de uma gramática não pode levar. a descobertas ou à
construção de teorias; tal atividade descritiva relembra-nos o modo como falamos,
com o intuito de dissolver confusões conceituais.
(e) Esse esclarecimento conceitual não pode ser sistemático ou fazer progresso da
mesma forma que a ciência (ver METALÓGlCA; VISÃO SINÓPTICA).

(a) O que vincula o modo de fazer filosofia de Wittgenstein à tradição metaffsica é que,
nos d is casos, busca-se resolver os problemas que constituem o tema da filosofia (PG
lI), ; 8T 416,431; BB 62; Z §447; PLP 5-6). Wittgenstein sugere seu "novo método" c mo
IIIlIII maneira d lidar com esses probl mas; um método que é superior, na m dida em C)U
.. busciu m umu 111 lhor compre ns n du n uurcza dos pr blcmas (LWL I; AWL 27-11;
166 filosofia

M 113-14). Os problemas aqui em questão são, em grande parte, aqueles da filosofia tcõri •
(lógica; metafísica, epistemologia, filosofia da mente) (RW 160; M 105-6; CV 2 ).
Wittgenstein ilustra sua natureza singular referindo-se à questão "O que é o tempo?", assim
como formulada por santo Agostinho. Trata-se de questões a priori, que não pod m,
portanto, ser resolvidas pela observação empírica ou por experimentos científicos (AW
3,97,205); sua natureza impenetrável é em si mesma enigmática, visto que elas não diz m
respeito a algo oculto, mas sim a conceitos que nos são familiares e que ocorrem no discurso
não filosófico (cotidiano e especializado); com efeito, a compreensão de tais conceitos
uma precondição para o estabelecimento de novos fatos empíricos (pI §89, ver §§95, 42K;
BB 30-1; BT 434-5; RPP 11§289; Z §452; CV 4). Poder-se-ia protestar, acompanhando
RusseJl, que a filosofia é uma protociência, que lida com questões ainda inacessíveis aos
métodos empíricos (Problems 90; Logic 281). Entretanto, o fato de que as ciências
especiais se desenvolveram a partir da filosofia não implica que questões anteriores
experiência sejam, afinal, empíricas. Wittgenstein fornece argumentos (convincent s)
contra a tentativa de reduzir as proposições necessárias da lógica, da matemática e da
metafísica a generalizações empíricas. É por esse motivo que insiste, contra o empirismo,
que a filosofia é a priori (LWL 79-80). Foi amiúde acusado de teorizar de uma forma
apriorística e ingênua sobre a ciência, a isso respondendo, no entanto, que são os filósofos
cientificistas que se engajam em uma disciplina incoerente - a metafísica empírica.
(b) A demarcação que Wittgenstein estabelece entre a filosofia e a CIÊNCIA não expressa
uma forma de irracionalismo. Sua interdição às teorias, hipóteses e explicações (PI §§ 109,
126,496; RFM 333) expulsa da filosofia as explicações CAUSAIS para fenômenos empíri-
cos, explicações que são irrelevantes para a solução de problemas que são conceituais e
não factuais (Z §458; CV 79). Questões socráticas do tipo "O que é X?", na medida em
que dizem respeito a traços essenciais e não a aspectos contingentes de X, não têm origem
na ignorância acerca da realidade empírica ou de mundo platônico por detrás das aparên-
cias, mas sim na falta de clareza em relação à GRAMÁTICA. Assim sendo, a filosofia nã
diz respeito à descrição ou à explicação da realidade, mas sim ao esclarecimento de nossa
FORMA DE REPRESENTAÇÃO, que estabelece aquilo que pode contar como uma descrição
inteligível da realidade, determinando, em um nível mais geral, o que faz sentido dizer.
(c) Segundo o Tractatus, há verdades metafísicas relativas às estruturas que a linguagem
e a realidade compartilham, mas elas são inefáveis. Contrapondo-se a isso, o segundo
Wittgenstein desmitifica a metafísica (LWL21; MS 157 (b) 4). É um traço constitutivo da
metafísica a confusão entre questões factuais e conceituais, entre teoriaslhipóteses ciente-
ficas e normas de representação (Z §458; BB 18,35). A metafísica alega chegar a
proposições verdadeiras acerca da essência da realidade. Suas proposições possuem a
forma de enunciados factuais. A ciência nos ensina que nenhum ser humano pode correr
em uma velocidade superior a 40 km/h, ou que não existe um planeta intramercuriano -
o metafísico nos ensina que nenhum ser humano pode sentir a dor alheia; e Kant, que não
há eventos sem causa. Segundo Wittgenstein, as afirmações de uma tal metaffsica "des- .
critiva" constituem regras gramaticais - amiúde distorcidas - disfarçadas de proposiç s
(AWL 18, 65-9; WVC 67). "Todo evento possui uma causa" é uma regra gramatical qu
determina, em parte, o que pode ser considerado como um "evento" (ver CAUSALlDADB).
Em contraposição, uma "metaffsica revisionista", como a do solipsista que diz qu
"11 clft Ifl7

"Somente minhas experiências atuais são reais!", não é uma gramática em disfarce, mas
untes algo absurdo ou ainda "expressões de desacordo com nossa gramática" (BB 55-7).
N' obstante, a gramática é AUTÔNOMA, não sendo justificável por uma pretensa essência
da realidade. Não há, pois, base metafísica para se defender ou corrigir nossa gramática.

A filosofia de modo algum pode interferir no uso real da linguagem; pode apenas, ao
fim e ao cabo, descrevê-to. Pois tampouco é capaz de fornecer-lhe qualquer fun-
damento. Deixa tudo como está. (PI §124)

Essa afirmação não promove uma paralisia intelectual: Wittgenstein não deixa afilosofia
iomo está, mas tenta revelá-Ia em sua condição de "absurdo manifesto", de "castelo de c
cartas" (PI §§ 118-19; BT 413, 425). Tampouco nega que a linguagem mude (PI §18). Há - fO" J)~

razões não filosóficas para a mudança conceitual (por exemplo, na ciência). O importante
aqui é que não é tarefa da filosofia provocar tal mudança, pela introdução de uma
linguagem ideal. '
(d) Para o Tractatus, a linguagem deve necessariamente ser governada por uma
"super-ordem" de regras, a serem descobertas pela ANÁLISE LÓGICA. Wittgenstein passa
agora a rejeitar o modelo do CÁLCULO, por considerá-I o "dogmático" (PI §§81, 92, 108,
I I). Não há descobertas ou surpresas na gramática. "Se tentássemos propor teses em
filosofia, jamais se chegaria a discuti-Ias, pois todos estariam de acordo" (PI §128, ver
.§599). As observações filosóficas são "truísmos sem graça", já bem "familiares" (TS213
412; MS109 212; TS220 89-90; TS 209 6). Com efeito, Wittgenstein acredita que não se
baseia em "opiniões" que possam ser questionadas (AWL97; LFM 22; RFM 160; LC 72).
Isso parece nos levar a um dilema. Se estiverem em conformidade com sua metodologia
da "não opinião", suas próprias observações podem não constituir uma contribuição
genuína ao debate filosófico. Por outro lado, na hipótese de não estarem em conformidade
com ela, sua prática desmente seus declarados pontos de vista metodológicos - ele estaria
propondo a tese não óbvia de que não há teses filosóficas não óbvias.
Alguns comentadores acreditam que Wittgenstein optou por manter uma relação de
incomensurabilidade com a tradição filosófica. De acordo com essa posição da "não
posição", sua obra não contém argumentos que satisfaçam os padrões do discurso filosó-
fico. Ele não está sequer ocupado em atacar posições tradicionais ou em corrigir erros
filosóficos. Suas tentativas de fornecer uma visãq sinóptica da gramática são tentativas
t rapêuticas de nos fazer abandonar questões filosóficas em benefício da tranqüilidade
intelectual (CV 43). É correto dizer que Wittgenstein não tomava partido em disputas
tradicionais, tentando, em vez disso, abalar as hipóteses comuns aos participantes - uma
»nratégia que encontra antecedente na "Dialética transcendental" de Kant, e que também
foi adotada por Ramsey (Mathematics 115-16). Wittgenstein tentou, além disso, "dis-
solver" questões que levariam a tais alternativas equivocadas - uma idéia sugerida no
prefácio dos Principia Ethica de Moore. Ao fazê-lo, entret~nto, Wittgenstein está em busca
da "questão certa" (ver PI §§133, 189,321; RFM 147; RPP I §600; MS130 107; WAM
27-8). E ele de fato forneceu respostas a questões socráticas do tipo "O que é a compreen-
são?", uma vez que fazê-lo seria um pré-requisito para a dissolução de questões equivo-
'lidas. O que c/c rejeita aqui é simplesmente a insistência na idéia de que tais questões só
pod m s r respondidas por definições analfticas (ver EXPLICAÇÃO). Wittgenstein apreciava
168 forma de representação

.,. BT 407-10;
comparar sua crítica filosófica a uma espécie de psicoterapia (PI §§ 133,254-5;
Z §382). Pretendeu, além disso, por vezes, converter-nos a um novo ponto de vista (Le
27-8; ev 61). Sua crítica filosófica é, no entanto, uma empreitada argumentativa, e não
medicinal ou rnissionária; cabia-lhe fornecer argumentos "absolutamente conclusivos"
(MS 161 3; BT 408,421). Wittgenstein não se baseia em "opiniões", pois oque nos fornece
são lembretes gramaticais sobre o modo como utilizamos as palavras fora do contexto da
filosofia ("Faz sentido dizer 'Eu sei que ela está com dor de dente' ou 'Não se pode dizer
de um cão que ele acredita que seu dono retomará dentro de uma semana'"). O interesse
desses lembretes gramaticais é chamar nossa atenção para a violação da gramática pelos
filósofos. Fazem parte de uma crítica dialética do sentido, um "procedimento não dogmá-
tico" (WVe 183-6; ver PR 54-5; PI §§89-90 127; BT 419,424-5; LPP 45; ver também
ABSURDO). Wittgenstein tenta mostrar que seus adversários utilizam palavras de acordo
com regras conflitantes. Algumas de suas observações (como, por exemplo, "Um 'processo
interno' carece de um critério externo" - PI §580) são descrições sinópticas, nas quais
truísmos gramaticais são reunidos e relacionados a um determinado problema filosófico.
Até mesmo elas não funcionam, entretanto, como premissas para argumentos dedutivos.
A filosofia é "óbvia"; não conta com as provas das ciências dedutivo-nomológicas e das
disciplinas formais, como a matemática ou a lógica (PI §§ 126,599). A dedução estabelece
as conseqüências das premissas, mas uma crítica dialética do sentido procede por elenchos
e não por demonstração: examina minuciosamente o significado de tais premissas e a
inteligibilidade das questões.

forma de representação (Form der Darstellung) No Tractatus, o termo se refere ao


"ponto de vista" externo, a partir do qual uma figuração representa aquilo que representa
(TLP 2.173 e seg.; ver FORMA LÓGICA). Mais próxima da visão posteriormente sustentada
por Wittgenstein está a idéia hertziana de que diferentes teorias científicas são guiadas por
diferentes "formas de descrever o mundo" (Formen der Weltbeschreibung). O segundo
Wittgenstein estende essa noção para além da CIÊNCIA. Uma "forma representacional" é
um modo de ver as coisas, uma espécie de Weltanschauung (PI § 122). Inclui-se nessa idéia
uma certa maneira de conceber a filosofia; no caso de Wittgenstein, ela se orienta pela
.tentativa de fornecer uma VISÃO SINÓPTICA da gramática. Em contraposição, o conceito
de visão de mundo (Weltbild) que encontramos em Sobre a certeza corresponde ao pano
de fundo herdado sobre o qual desenvolvemos nosso raciocínio científico e cotidiano. À
maneira de uma "mitologia", esse pano de fundo não pode sofrer alterações pela via do
raciocínio, mas somente por uma conversão (Oe §§92, 94-7, 167,262,612).
De maneira análoga, Wittgenstein caracteriza a GRAMÁTICA, o sistema de regras que
fornece-os padrões para o uso correto das palavras, como nosso "método" ou "forma de .
representação" (M 51; oe §§61-2; PI §§50, 104, 158). "O fato de que uma proposição é
falsa e outra é verdadeira não faz parte da gramática. O que pertence à gramática são todas
as condições (o método) necessárias para comparar uma proposição com a realidade. Ist
, todas as condições n c ssnrins para a compreensão (do sentido)" (PG 88). Em virtude

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