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TRANSCRIÇÃO 3

Tipo de gravação Entrevista no Rádio


Programa Garagem (transmitido via internet na época; o programa não
Dados da gravação
existe mais)
J = Julio Medaglia, nascido em São Paulo, em 16/04/1938, é um dos mais
importantes maestros do Brasil, além de ser arranjador e apresentador de
programas de rádio e TV (Cultura).
Fontes:
http://www.academiapaulistadeletras.org.br/academicos.asp?temp=10&mate
ria=25
https://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BAlio_Medaglia
A = André Barcinski, nascido em Nova York, em 1968, cresceu no Rio de
Janeiro. Estudou jornalismo na Universidade Federal Fluminense; mudou-se
Participantes para São Paulo em 1990, tendo trabalhado em diversos veículos de
comunicação (rádios, revistas e jornais). Fonte:
https://www.andrebarcinski.com.br/bio/
P = Paulo César Martin (Paulão), nascido em São Paulo, em 1964,
jornalista; estudou um ano na FEI, depois cursou jornalismo na Metodista.
Trabalhou em vários veículos de comunicação (DataFolha, UOL, Folha de
S.Paulo, Notícias Populares, TV Globo, Editora Conrad etc.). Foi
apresentador do programa Garagem (Brasil 2000 FM e UOL), junto com
André Barcinski e André Forastieri.
? = Pessoa não identificada (da equipe do programa)
Data e local da gravação 12/08/2011; estúdio Rádio UOL, São Paulo
Tempo total da entrevista 1 hora
Tempo da transcrição 10:47

A bom estamos aqui no Garagem com o maestro Julio Medaglia palmas pra ele nosso
convidado de ho:je... ((palmas)) tudo bom maestro?
J tudo bom? prazer tá aqui
[
5 e… pô muito legal hein a gente: queria chamar o senhor aqui
há um temPÃO... abaixa um pouquinho o::… por favor... e hoje a gente vai fazer
um Garagem especial em sua homenagem só de música brasileira
[
J oba:: beleza muito obrigado
10 [
A porque:: nós
tocamos músicas: ba/ música brasileira ocasionalmente no progra:ma é um programa
mais ligado a rock e tal ma:s... selecionamos aqui coisas que a gente gosta que a gente
(acha que o senhor vai gostar também)
15 [
P exatamente uma coisa iNÉdita na história do programa né? só/ coloca/ colocar só
[
A sem dúvidas…
P música brasileira
20 A é verdade... e:::
[
P cem por cento hoje
A e assim ô:: maestro uma coisa eu tava lendo na na sua biografia o senhor estudou com com
o Boulez?... (e com o Stock/)
25 J Pierre Boulez e Stockhausen é:: eu estudei na Alemanha e:: eu frequentava então aqueles
festivais de música contemporânea… onde eles davam aula e eu:… (ia todos os anos)
[
A e o senhor foi parar na
Alemanha como? o senhor foi estudar lá tava estudando música?
30 [
J eu fui lá pra estudar é… fui fui... consegui uma
bolsa pequena... fui pra lá na aventura depois consegui uma bolsa oficial… e: me formei
lá na Universidade de Freiburg (né?)
A e o: Stockhausen como era? o senhô/o senhor encontrou com ele quando ele veio no
35 [
J sim... claro
A Brasil? ele::..
[
J encontrei com ele na última vez que ele teve aqui éh:.. era uma figura MUIto
40 curiOsa
[
A é… é…
J porque ele:... fazia parte daquela área mais: éh... racionaLISta da música dodecafonista
[
45 A então… é... é
J aquele negócio mas depois que os anos sessenta... explodiram né? fizeram realmente a
GRANde revolução os anos todos né?... da música em todo o mundo virou uma coisa
culturalmente muito importante em todas as faixas né? ja:zz música popular m/música
[
50 A sim...
J brasileira... rock… tudo né?... ele soube acompanhar essa evolução e entrou de sola nessa...
éh: nessa éh:: ne/nessa: nova: no:va linguagem nova/novo conceito de música né? que o
século no final do século vinte:... aconteceu né? quem estudava lá também comigo era o
Frank Zappa né? ( )…
55 A ah é é?
J éramos colegas lá
A é mesmo é?
J é::
A pô em que ano foi isso maestro?
60 J sessenta e um sessenta e dois sessenta e três
A e como era o como é/vamos p/falar primeiro do Stockhausen… porque o Stockhausen
só pros ouvintes do Garagem é um:... pioneiro da música... como a gente poderia
falar? minimalis:ta dodecaFÔ:nica:... não é? conCRE:ta não é isso?
J é... ma/é mais eletrônica né?... se a gente for: separar os conce/os conceitos aqui pra
65 [
A mais eletrônica (exato)
J molecada...
[
A tá...
70 J éh a música concreta é uma que se fazia na em em em PAris... que eles gravavam os sons
da nature:za existentes já e depois trabalhavam em estúdios e faziam sonoridades… e e::
[
A sim
J especiais quer dizer trabalhav/REtrabalhavam as sonoridades já existentes… a música
75 eletrônica que o Stockhausen fazia era a partir de geradores de som então eles/ele criAva
[
A sim
a/o timbre que ele queria ao/artificialmente... e dava forma então éh:... musical
que ele pretendia né?... e o minimalismo veio depois aí isso é:... um:: uma coisa mais norte
80 [
A e o s/
J america:na com Philip Glass: aquele pessoal… que aí ti/era um novo tipo de música (e aí)
ou:: ba/ba/baseado um pouco naquela… insisTÊNcia naquela repetição de elemen:tos
e tal… mas
85 [
A então quan/quando o senhor foi estudar com Stockhausen qual era o::: TEma? o quê
[
J éh: eu eu
[
90 que ele:
dava? (o que dava?) ( ) da aula?
[
J eu peguei a fas/exatamente a transição não é? que o final dos anos cinquenta...
[
95 A sim
J quando quando acabou a guerra houve uma uma: recuperação do chamado dodecafonismo
[
A sim
J né? que era uma música que pretendeu... que pretendia filTRAR o som de TOdos os
100 conteúdos passa:dos das... da/dos romantismos das emoçõ:es das patologi:as dos
folCLOres das das particularidades dos países etcetera o som ficou limPInho lá em cima
[ [ [
A ahn ... sim… ahn...
J com... Anton Webern… e Stock/ e e e Schönberg né? e de todos os alunos dele… que
105 vieram depois depois veio es/ a geração posterior que era então Pierre Boulez::… que era
Stockhausen que levaram ainda MAis adiante essa… essa filTRAgem do som não é?…
só que essa im-plo-são da música que aconteceu de fato nesse período como aconteceu no
jazz com o fu/ com o free/ com co/ com com o JAzz como aconteceu com a bossa nova
[
110 A sim
J também na::... que era uma espécie de limPEza do som da música brasileira né? (de)
filTRAgem né? pra despojamento... isso aconteceu também na música erudita né?... e o
Stockhausen fazia parte dessa dessa dessa linha né?... agora quando os anos sessenta foram
os... ((risos)) surgindo aqueles anos todos né?... aí começou o conTRÁrio aí começou a
115 exploSÃO do som né?...
[
A é
J e aí começaram os/ o ROck o jazz passou pro free JAzz b/a uhn/ a música brasileira
incluSIve de/depois de jovem guarda veio o tropicaLISmo né?...
120 [
A que o senhor participou ativamente…
J que eu participei ativamente então aí era o contrário era a exploSÃO da música isso
aconteceu na área... da música erudita e o Stockhausen soube entender essa essa
transformação... né?... deixou de ser uma música feita com LUpa e com... e com PINça
125 pra ser uma música feita com heliCÓpteros com:: roJÕES com ((risos))... aliás ele ficou
encantado quando ele viu a/aque/aquele... aquela Ópera que aconteceu em Nova YOrk
"iss/isso é maior Ópera que eu vi na minha vida" ((risos)) quando aqueles prédios caÍam né?
A ((risos))
J mas aí e/ e aí coitado não deixaram ele fazer mais nada no fim da vida
130 [
A eu me lembro el/ele deu uma
declaração falando isso né? que o::...
[
J ((risos))
135 A como é que era… que os as:: torres gêmeas eram uma obra de arte… que ( )
[
J era uma obra de ARte… a
gente faz isso no teAtro né?...
[
140 A é
J mas de repente a gente vê isso na rua né? ((risos))
[
A é... e: o:: Frank Zappa como é que ele era como aluno? o
senhor fi/ con/ conviveu com ele um bom tempo então?
145 J [
si::m convivem/ era uma pessoa tranquiLÍssima
[
A ah é
J (uma pess/) ele não tinha evidentemente iniciado aquela carreira... mais uh anarquista
150 digamos assim mas ele era uma pessoa que... sabia ABsolutamente TUdo de música
[
A ah
J tinha uma BRUta formação musical excelen/
[
155 A ah é?
J conhecia tudo conhecia música contemporânea conhecia música clássica conhecia
tudo... ele optou pelo rock né? optou por uma questão de opção não foi por uma questão
de que ele só sabia tocar dois acordes na guitarra não
[
160 A sim
J ele sabia TUdo... por isso que o rock dele foi o que eu chamo de rock inteligente né?
[
A sim
J até o fim da vida dele foi o rock progressivo né?... foi a linha inteligente do rock...
165 enquanto alguns ficaram meramente... repetitivos os próprios Beatles houve uma época aí
que:::... ficaram meio moNÓ::tonos tal: eu até na época fiz uma PÁgina inteira na Veja
A ((risadas))
J eh xingando os Beatles "vocês são uns CHAtos" né?…
[
170 A/P ((risadas))
J porque eles depois de algum tempo começaram a fazer muito show:: etcetera e aí nu/ se
repetiu e aí os Mutantes aqui tavam mandando PAu né?…
[
A é:
175 P pois é
[
A é
J ( ) fazendo as coisas mais inCRÍveis aliás eu fiquei muito feliz... quando eu vi o filho do
Dom/ John Lennon uma vez... em Londres com o:: disco dos Mutantes debaixo do
180 bra:ço né?
[
A é::
J ele até fez agora um:: im fã clube dos Mutantes lá em Londres
[ [
185 P ( )... é... fez
J merecidíssimo
A ele pagou um pau pro Arnaldo Baptis::ta cantou no disco do Arnaldo Baptista cantou
no free jazz com o Arnaldo/ com o::
[
190 P cantou
A né? no festival né? no Tim Festival
[
J é::
[
195 A em São Paulo
[
J merecidíssimo… maravilhosa... é
A pô que legal
[
200 P ô André depois dessa introdução toda aqui de Stockhausen e:: Frank Zappa... acho
que a/o ouvinte do Gara:gem: éh: precisa saber... mais sobre o currículo do do do né? do: do
maestro né? André
[
A bom ( )
205 [
P é legal dar um:/ o que que ele já fez:: e que a: coisa é:/ essa lista é GRANde né?
A assim falar: da música brasileira de segunda m/ segunda metade do século vinte sem falar
do do Julio Medaglia é difÍcil né?
P pois é
210 [
A o senhor já trabalhou em televiSÃO… fez: trilha sonora pra ciNE:ma…
[
J fiz
A trabalhou: em rÁdio trabalhou: o que que o senhor NÃO fez em música brasileira
215 [
P escreveu o livro
A escreveu o li:vro é ah...
[
P ((risos))
220 A e teve um papel atuante
[
J fui parar na academia agora
A ah é? ((risos))
P né… academia brasi/academia: éh: de São Paulo né?
225 [
J (ocupando) como é no lugar do Mário de Andrade aí eu
aceitei ( )
P ((risos))
aí é uma honra muito grande aí a gente: tremi na base quando me/me convidaram né?
230 [
A e o senhor teve
um papel muito marcante na: na tropicália também: que:… fez muitos arranjos pro
Caeta:no não é isso?
[
235 J isso
A éé
J é o tropicalismo eu inclusive fiz o: o link eh do Caetano e Gil eh co/com o Rogério Duprat
que também foi muito importan/com os poetas concretos com o Zé Celso né?… porque
o Caetano tava chegando aqui em São Paulo todo tímido e eu tinha feito a música
240 pruma peça de teatro chamado "Isso Devia Ser Proibido" que era do Bráulio Pedroso...
que ele tinha escrito a peça especialmente pra Cacilda Becker e pro Walmor Chagas que
eram casados na época… e era uma peça meio brechtiana
[
A é
245 J mui::to interessan:te assim uma espécie de comentário que o casal fazia de si próprio da
relação deles com a política com a so/... com a sociedade com a arte com a cultura com
a censura etcetera… uma MAravilha de obra de arte aquela peça e eu fIz a música e a
si/Cacilda e o Walmor cantavam né?... o Caetano foi assistir aquilo ficou
encantadíssimo
250 [
A é mesmo é?
J no dia seguinte ele foi na minha casa na Lapa e:: c/comeu um espaguete comigo falou
"olha ((risos)) eu tenho aqui uma... uma fitinha aqui essa música talvez se chame Tropicália
eu gostaria que cê fizesse o arranjo tal"… e aí começamos a conversar depois tivemos
255 mais alguns contatos... aí eu fiz depois o contato dele com com: eu tava fazendo um arranjo
também do Domingo no Parque
A tá
J aí o Rogério Duprat perdeu o emprego lá em Brasí:lia... houve uma coisa curiosíssima...
[
260 A ((risos))
J que ta/tava o Décio Pignata:ri o Rogério Duprat co/ sei lá todos lá em Brasília e aquele
Azevedo aquele reitor lá uma/ começou a perseguir professor lá… aí TOdos pediram
demissão… aí eles chegaram sem sem um tostão no bolso (aqui) e eu abdiquei do arranjo
do Domingo no Parque o Rogério fez … mas:: trabalhamos sempre juntos e foi u:ma
265 experiência maravilhosa na cultura brasileira pra exPANsão de ideias que… que a
música popular naquela época oferecia né?… incluSIve:
[
A o s/
J porque: eh eh: cabiam componentes na música a gente nem imaginava que seriam
270 possíveis né? antaGÔnicos até… estavam presentes naquela ma/movimentação cultural
que puxava o carro na movimentação como um todo né? ( )
A o Domingo no Parque foi meia sete né? foi um festival de: inclusive::
[
J sessenta e sete (sessenta e sete)
275 [
A (saiu) no Globo Repó:ter
saiu esse filme do Ricardo Calil e do Terra tal... é
[
J isso
280 A éh o senhor fez um arranjo então pra Domingo no Parque que: que:... esse arranjo nunca
foi toca::do?
[
J não nunca foi eu passei pro Rogério depois e…
[
285 A é mesmo?
[
J é… chegamos a::
[
A e como é que:…
290 [
J e eu era
amigo do Rogério há quinhentos anos né?
[
A e como é que é o arranjo/era o arranjo do senhor
295 comparado com o do Rogério?
[
J não: é a mesma coi/ era na na naquela mesma linha né?
[
A (ah é?)
300 [
J era baseado baseava naqueles papos
que nós tínhamos com com o Rogé/ com o Gil etcetera e... e aquela ideia de fazer:... a coisa
gira:ndo etcetera com aquelas… a a a os as as as… os efeitos orquestrais eram uma ideia
de roda giga:nte aquela/imitando um pouco…
305 [
A sei
J éh... como é que diziam que era uma coisa meio feliniAna né? enquanto do/ o alegria alegria
seria meio: godardiana (uma) coisa
[
310 P ((risos))
J se for comparar... pra comparar com o cinema né?...
[
P ((risos))
J mas foi um:: de qualquer maneira nós estávamos tão ligados na época que… éh as as ideias
315 caíam assim né? cê ab/abria a porta a ideia caía... caía na cabeça da gente mi/inclusive
quando tava pronto o o o:: aí é um:: uma coisa que eu digo pra vocês até… éh: uma
declaração… pouco se sabe né? quando estava PRONto aquele disco onde TEM a música
tropiCÁlia que foi o hino do movimento que eu fiz o arran:jo né?
[
320 P uhn-uhn
J nós távamos sentados no chão lá no teatro… no no no hotel Danubio ali na... Brigadeiro Luiz
Antônio o prédio existe mas o hotel não existe mais… e tavam discutindo a sequência
das músicas né? então tavam toda toda a... eh os caciques da bahianidade né?
[
325 A/P ((risos))
J Gil... Caeta::no… (Chico)... Gal Co::sta ali discutindo como é que ia ficar lá:: a sequência…
[
A/P ((risos))
J e aquela/ aquele raciocínio... de coa/ com uma velocidade astronô:mica né?
330 [
A/P ((gargalhada))
J ((imitando)) "é:: ( ) é: TRO-pi-cá-lia depoi/ não começa com tropicá::lia né?"
A/P ((risos))
J "não mas tem ave mari/é ave maria é:::"
335 P ((risos))
J ("não/mas é/mas tinha") ((gaguejando / imitando))
[
P tinha muita fumaça no local ou não?
J não tinha não
340 A/P ((gargalhada))
J (verdadeiramente) não tinha não
A/P ((gargalhada))
J mas aí aí…. eh o alto falante do:... do hotel… aqueles falantezinhos que ficavam ligados
né?… de ((imitando um locutor)) "alô interr:ompemos a programação para informar que
345 foi assassinado nas: selvas da Bolônia na/da Colômbia... da Bolívia… Er:NEsto Che
Guevara"… aí os baianos se entreolharam...
[
A/P ((gargalhada))
J parou assim deu um CLIque assim… começaram a pegar no telefone ((imitando o som))
350 no dia seguinte cedo… sai uma música do disco e entra soy loco por ti amér/
[
A é mesmo?
[
J tava
355 pronta... de um dia pra outro por teleFO:ne… foi uma coisa sen-sa-cio-nal
[
é mesmo é?
J isso ((risos))
A pô eu nunca ouvi essa histó:ria pô sensacional essa história pô… foi no hotel Danubio isso?
360 [
P é( )
J no hotel Danubio é exatamente
[
P pô legal (isso)
365 [
? uma coisa que cê só OUve no Garagem hein?
[
P pois é né?
[
370 ? pô demais é
A muito legal…
[
P filé isso
A olha no no/vamos ouvir música agora
375 [
P vamos vamos
A no próximo episódio a gente vai falar com o maestro também sobre a atuação dele em
teVÊ e ciNEma hein
P é pois é (...)

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