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Bandolim.net: Bandolim e novas mídias no Brasil

FERNANDO NOVAES DUARTE


Universidade Federal do Espírito Santo
fernandoduarte@bandolim.net

Resumo
O Bandolim.net é um sítio direcionado a bandolinistas e funciona como um ponto de
convergência para assuntos relacionados ao bandolim. Desde seu início, ajudou a catalisar
uma série de mudanças na forma de circulação da informação, auxiliando o processo de
renovação do instrumento. O presente trabalho mostra ainda um resumo do trajeto do
bandolim no Brasil e como um período de grande visibilidade (nos anos 50 e 60) foi
seguido por uma estagnação, lentamente vencida na última década.

Abstract
Bandolim.net is a website designed for mandolin players and works as a referential for
mandolin oriented topics. It has been designed in order to enhance the flow of information
concerning the musical instrument and to increase its process of refreshment. The present
study summarizes the trajectory of the mandolin in Brazil and how a large period of
visibility – 1950’s and 1960’s - was followed by a period of stagnation, slowly surpassed
over the last decade.

O Bandolim.net é um sítio direcionado a bandolinistas que está no ar desde 21 de janeiro de


2000. O conteúdo traz informações históricas, teóricas, indicações bibliográficas e serviços
para os músicos, além de contar com um grupo de discussão via correio eletrônico com
cerca de 640 membros -em julho de 2011-. O sítio funciona como um ponto de
convergência para assuntos relacionados ao bandolim e desde seu início ajudou a catalisar
uma série de mudanças na forma de circulação da informação sobre o instrumento.

Bandolim e Choro
O bandolim é um instrumento de origem européia, que chegou ao Brasil pelas mãos de
imigrantes portugueses e italianos e assumiu um papel de instrumento doméstico, usado
principalmente pelas mulheres. No final do século XIX iniciou sua associação com o

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Choro, um gênero de música popular instrumental, urbano, que surgiu na cidade do Rio de
Janeiro como uma adaptação da música de dança européia, tocada por músicos populares
que as interpretavam de forma mais sincopada e acrescentando variações. Essa associação
permanece até os dias atuais e teve seu auge nas décadas de 1950 e 1960.
O grupo típico de Choro é o chamado grupo Regional, que se consolidou entre as
décadas de 1920 e 1930. É formado por pandeiro, cavaquinho, dois violões -usualmente um
de seis cordas e um de sete- e um instrumento solista. O bandolim chegou um pouco mais
tarde no ambiente do choro e principalmente nas gravações, devido a suas limitações de
volume em relação a outros instrumentos. Somente com o início das gravações elétricas no
Brasil, em 1927, com microfones mais sensíveis, o bandolim conseguiu impor
definitivamente seu papel de solista no choro.

Duas escolas: Luperce e Jacob


O primeiro destaque na história do bandolim brasileiro é o pernambucano Luperce Miranda
(Luperce Pessoa Bezerra de Miranda. Recife, 1904 – Rio de Janeiro, 1977). Analfabeto,
nascido em uma família de músicos, aprendeu a tocar de ouvido piano e vários
instrumentos de corda, com destaque para o bandolim. Seu estilo era absolutamente
virtuosístico e com nítida proximidade da tradição italiana, no entanto, não se sabe como
teve acesso a essa técnica, uma vez que Luperce nunca deu depoimentos claros sobre seu
aprendizado.
O bandolinista chegou ao Rio de Janeiro, então capital federal, em 1928, um ano
após o início das gravações elétricas, e é na atividade músico de estúdio que teve seu
campo de atuação mais importante. Gravou como acompanhante dos cantores mais
importantes da época, mas foi como solista que deixou seu maior legado.
Porém, muito mais influente foi o trabalho de Jacob Pick Bittencourt (Rio de
Janeiro, 1918 - 1969), conhecido como Jacob do Bandolim. Carioca, nascido na Lapa -
tradicional reduto da boemia musical carioca-, aprendeu bandolim nos encontros informais
de choro. Jacob foi responsável pela criação de uma linguagem de interpretação particular,
com ornamentos, efeitos e articulações que se tornaram a própria definição do bandolim
brasileiro.

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Além disso, foi também responsável por uma sofisticação nos arranjos de suas
músicas, com um cuidado especial às dinâmicas, alternância de instrumentos e um uso
inédito do estúdio de gravação como ferramenta de criação. Também idealizou mudanças
no corpo do instrumento, aproximando seu formato ao da guitarra portuguesa.

Estagnação: o cenário pós-Jacob


Com a morte de Jacob do Bandolim em 1969 o cenário do bandolim entrou em estagnação.
A marca do músico carioca foi tão profunda e suas inovações tão aceitas no universo do
choro que os bandolinistas passaram a repetir suas interpretações. O bandolinista e
estudioso da história do instrumento Jorge Cardoso chamou esse quadro de “Síndrome de
Jacob”. Nas décadas de 70, 80 e uma parte de 90, os bandolinistas se limitaram a repetir o
repertório e cada ornamento das gravações de Jacob, o que se refletiu na falta de novas
propostas estéticas para o instrumento.
Exceções meritórias devem ser notadas, como Rossini Ferreira, Afonso Machado, e
principalmente Joel Nascimento, que efetivamente propôs um novo repertório, arranjos,
instrumentações inovadoras, mas não conseguiu superar a sombra da obra de Jacob.
Um momento importante do período foi o lançamento do Método do Bandolim
Brasileiro, de Afonso Machado, em 1986. Afonso usou pela primeira a expressão
“Bandolim Brasileiro” para definir um estilo próprio de se tocar o instrumento, diferente
dos outros países. Infelizmente o método se esgotou rapidamente, não foi re-editado e o
bandolim atravessou esse período fora das escolas.

O sítio Bandolim.net
Como uma tentativa de burlar a falta de informação sobre o instrumento, o Bandolim.net
surgiu em 2000. Voltado exclusivamente para bandolinistas, o sítio tem poucos acessos
diários mas de usuários fieis que formam uma comunidade. Durante sua trajetória o sítio
passou por várias formas de hospedagem. Inicialmente recorrendo a serviços gratuitos, que
não proporcionavam a estabilidade necessária, posteriormente foi firmada uma parceria
com o Instituto Jacob do Bandolim, que hospedou o sítio bandolim em seus servidores.
Atualmente, os custo de hospedagem são muito mais baixos e o sítio está em um servidor
próprio.

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Também o conteúdo do sítio passou por diferentes etapas. Se início era apenas uma
coletânea do pouco material existente sobre o instrumento como exercícios técnicos, textos
biográficos e entrevistas publicadas em outros veículos, num segundo momento passou a
ser produzido material inédito. O primeiro levantamento discográfico de Jacob do
Bandolim foi realizado pelo sítio. Foi organizada também uma Bibliografia do instrumento,
além de artigos de importantes autores sobre Improviso, Técnicas de arranjo, Lutheiria, etc.
Posteriormente, o sítio passou a oferecer serviços, como a disponibilização de partituras e
arquivos mp3 (autorizados pelos músicos e compositores), agenda de concertos,
classificados de instrumentos, serviços de luthieria, professores, e deve seguir com a
disponibilização de artigos acadêmicos, livros e mais música.
Grande parte desse conteúdo é fruto de outro serviço do sítio, o grupo de discussão
por correio eletrônico. O grupo existe desde o início do sítio e conta com aproximadamente
640 participantes -em junho de 2011-, desde iniciantes até grandes mestres do instrumento.
Além de bandolinistas de todo o Brasil, participam músicos de outros países da América
Latina, Europa -principalmente portugueses- e norte-americanos.
Para muitos iniciantes, o grupo é uma chance de acesso ao conhecimento que antes
era reservado a um pequeno círculo que tinha acesso às fontes da informação. O grupo tem
a participação de bandolinistas que conviveram pessoalmente com Luperce Miranda, Jacob
do Bandolim e dividem pelo correio eletrônico o aprendizado da convivência com essas
mestres. Assim, muita informação sobre o bandolim brasileiro foi colocada às claras,
ajudando a desmistificar assuntos como a construção de instrumentos, a sistematização de
ornamentos ou o material usado para palhetas. Também foi importante facilitar o acesso a
partituras e a informações sobre o instrumento fora do país. Havia no Brasil um
desconhecimento generalizado sobre a existência de um repertório erudito para bandolim,
bem como de métodos estrangeiros e escolas. Hoje esse repertório é de fácil acesso,
conhecido e estudado pelos músicos brasileiros.
O grupo se converteu ainda em uma representação dos interesses dos bandolinistas
junto a editoras, gravadoras e fábricas de instrumentos e deu voz a questões como a
indignação com fim do curso de bandolim na Escola de Música de Brasília em 2010. Além
disso, testemunhou e discutiu uma década de inovações e renovado interesse no
instrumento.

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Uma década de mudanças
A década de 2000 a 2010 assistiu à consolidação de uma nova referência no Bandolim
Brasileiro, o brasiliense Hamilton de Holanda. Conhecedor dos cânones de Luperce e
Jacob, Hamilton deu um passo à frente, incorporando as experiências de músicos como
Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal, aliado a um sólido conhecimento de composição
musical e grande capacidade técnica. Por volta de 2002, Hamilton adota o bandolim de 10
cordas, com um par extra de cordas graves, criando um estilo que influenciou uma nova
geração de bandolinistas compositores, que seguem misturando às matrizes do choro novas
informações musicais como o forró -Dudu Maia- e a música gaúcha -Rafael Ferrari-.
Duas importantes escolas de bandolim surgiram neste período. A Escola Portátil, em
2000, que segue a tradição da prática do choro, e o primeiro curso superior de Bandolim,
em 2010, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O curso alia o ensino do erudito e do
choro, praticando ambos os repertórios. Houve ainda a publicação de vários trabalhos
acadêmicos sobre o bandolim, sobre o estilo brasileiro, sobre Jacob do Bandolim e sobre o
ensino do instrumento, além de escritos biográficos relacionados.
Em 2002 foi realizado um levantamento e a digitalização de toda a obra de Jacob do
Bandolim e foi fundado o Instituto Jacob do Bandolim, com o propósito de manter e
divulgar o legado musical de Jacob e seu trabalho sério de pesquisador da música brasileira.
Em 2004 o Método do Bandolim Brasileiro, de Afonso Machado, foi re-editado, com uma
revisão do autor, com novo conteúdo, melhor distribuição e continua em catálogo.
Paralelamente, surge um inédito interesse estrangeiro pelo bandolim brasileiro, inicialmente
com o lançamento de discos -notadamente de Jacob do Bandolim-, depois com o aumento
de concertos e oficinas de músicos brasileiros e finalmente com a edição da coletânea de
partituras Brazilian Mandolin (2003) e do método Brazilian Choro (2010), ambos pela
editora norte-americana Mel Bay.
O Bandolim.net é parte desse contexto de renovação. Apoiado nas novas
ferramentas tecnológicas, o sítio serve como uma referência para os bandolinistas e
plataforma para o lançamento de novos conceitos, possibilitando acesso amplo à
informação sobre o bandolim brasileiro e trabalhando pela preservação da memória do
instrumento.

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Referencias
Bandolim. 21 de janeiro de 2000. Web. Junho de 2011. <www.bandolim.net>.
Barboza, Marília Trindade. Luperce Miranda, o Paganini do bandolim. Niterói: Designum
Comunicação, 2004.
Bueno, Izaías. Entrevista concedida a Fernando Novaes Duarte por correio eletrônico, 19
de fevereiro 2011.
Cardoso, Jorge. Entrevista concedida a Fernando Novaes Duarte por correio eletrônico, 10
de fevereiro 2011.
Cazes, Henrique [Henrique Leal Cazes]. Entrevista concedida a Fernando Novaes Duarte.
Rio de Janeiro, 08 de abril 2010.
Cazes, Henrique. Choro: do quintal ao municipal. São Paulo: Editora 34, 1998.
Enciclopédia da Música Brasileira: Popular, Erudita e folclórica. São Paulo: Art Editora:
Publifolha, 2000.
Ferrari, Rafael. Entrevista concedida a Fernando Novaes Duarte por correio eletrônico, 12
de fevereiro 2011.
Machado, Afonso. Entrevista concedida a Fernando Novaes Duarte por correio eletrônico,
12 de fevereiro 2011.
Paz, Ermelinda A. Jacob do Bandolim. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.
Prata, Sérgio. Entrevista concedida a Fernando Novaes Duarte por correio eletrônico, 15 de
fevereiro 2011.
Sá, Paulo. Entrevista concedida a Fernando Novaes Duarte por correio eletrônico, 13 de
fevereiro 2011.
Sá, Paulo Henrique Loureiro de. Receita de choro ao molho de bandolim: uma reflexão
acerca do choro e sua forma de criação. Dissertação (Mestrado em Música na área
de Musicologia). Conservatório Brasileiro de Música, 1999.
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