Você está na página 1de 4

A paz de Cristo desfaz a inimizade

Élder Dale G. Renlund


Do Quórum dos Doze Apóstolos

Quando o amor a Cristo envolve nossa vida, abordamos as divergências com mansidão,
paciência e bondade.

Meus queridos irmãos e irmãs, durante um teste ergométrico, a carga de trabalho


do coração é aumentada. Corações que aguentam a carga de uma caminhada
podem ter dificuldade em suportar as exigências de uma corrida na subida.
Dessa maneira, o teste ergométrico pode apresentar resultados de doenças
subjacentes que, de outro modo, não seriam aparentes. Quaisquer problemas
identificados podem então ser tratados antes que causem problemas graves na
vida diária.
A pandemia da Covid-19 certamente foi um teste ergométrico mundial! O teste
mostrou resultados variados. Vacinas seguras e eficazes foram
desenvolvidas.1 Profissionais médicos, professores, cuidadores e outras pessoas
se sacrificaram de maneira heroica — e continuam se sacrificando. Muitas
pessoas demonstraram generosidade e bondade — e continuam demonstrando.
No entanto, desvantagens não aparentes têm sido manifestadas. Pessoas
vulneráveis sofreram — e continuam sofrendo. As pessoas que trabalham para
abordar essas desigualdades não aparentes devem ser incentivadas e merecem
nossa gratidão.
A pandemia também é um teste ergométrico espiritual para a Igreja do Salvador
e para seus membros. Os resultados são igualmente variados. Nossa vida tem
sido abençoada pela ministração de maneira mais sagrada e elevada,2 pelo
currículo Vem, e Segue-Me e pelo aprendizado do evangelho centralizado no lar
e apoiado pela Igreja. Muitas pessoas ofereceram ajuda e consolo compassivos
durante esses momentos difíceis e continuam oferecendo.3
Ainda assim, em alguns casos, o teste ergométrico espiritual mostrou tendências
relacionadas à contenda e divisão. Isso sugere que temos trabalho a fazer a fim
de mudarmos nosso coração e de nos tornarmos unidos assim como os
verdadeiros discípulos do Salvador. Esse não é um desafio novo, mas é um
desafio crucial.4
Quando o Salvador visitou os nefitas, Ele ensinou: “Não haverá disputas entre
vós. (…) Aquele que tem o espírito de discórdia não é meu, mas é do diabo, que
é o pai da discórdia e leva a cólera ao coração dos homens, para contenderem
uns com os outros”.5 Quando contendemos, levando cólera ao coração das
pessoas, Satanás ri e o Deus do céu chora.6
Satanás ri, e Deus chora por pelo menos dois motivos. Primeiro, a contenda
enfraquece nosso testemunho coletivo de Jesus Cristo ao mundo e a redenção
que advém por meio de Seus “méritos (…) misericórdia e graça”.7 O Salvador
disse: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros. (…)
Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos
outros”.8 O contrário também é verdadeiro — todos sabem que não somos Seus
discípulos quando não demonstramos amor uns pelos outros. Sua obra nos
últimos dias é comprometida quando há contenda ou inimizade9 entre Seus
discípulos.10 Segundo, a contenda é espiritualmente nociva para nós como
indivíduos. Nossa paz, nossa alegria e nosso descanso são retirados de nós, e
nossa capacidade de sentir o Espírito é comprometida.
Jesus Cristo explica que Sua doutrina não deve levar “a cólera ao coração dos
homens, uns contra os outros; esta, porém, é [Sua] doutrina: que estas coisas
devem cessar”.11 Se sou rápido em me sentir ofendido ou rápido em responder
com raiva ou julgamentos às diferenças de opinião, sou “reprovado” no teste
ergométrico espiritual. Essa reprovação no teste não significa que devo perder a
esperança. Em vez disso, a reprovação significa que preciso mudar. E é bom que
saibamos disso.
Após a visita do Salvador às Américas, o povo estava unido; “não havia
contendas em toda a terra”.12 Vocês acham que o povo estava unido porque
eram todos iguais ou porque não tinham diferenças de opinião? Duvido que
sejam esses os motivos. Em vez disso, a contenda e a inimizade desapareceram
porque eles colocaram seu discipulado ao Salvador acima de tudo. Suas
diferenças perderam importância quando comparadas ao amor que tinham pelo
Salvador, e estavam unidos como “herdeiros do reino de Deus”.13 O resultado
foi que “não poderia haver povo mais feliz (…) [criado] pela mão de Deus”.14
A união exige esforço.15 Ela é desenvolvida quando cultivamos o amor a Deus
em nosso coração16 e quando nos concentramos em nosso destino
eterno.17 Somos unidos por nossa identidade primária comum como filhos de
Deus18 e por nosso comprometimento às verdades do evangelho restaurado. Por
sua vez, nosso amor a Deus e nosso discipulado a Jesus Cristo promovem uma
preocupação genuína pelas outras pessoas. Valorizamos o caleidoscópio das
características, das perspectivas e dos talentos dos outros.19 Se somos incapazes
de colocar nosso discipulado a Jesus Cristo acima de interesses e opiniões
pessoais, devemos reexaminar nossas prioridades e mudar.
Talvez estejamos inclinados a dizer: “É claro que podemos ter união — se você
pelo menos concordasse comigo!” Uma melhor abordagem seria perguntar: “O
que posso fazer para promover união? Como posso responder a fim de ajudar
essa pessoa a se achegar a Cristo? O que posso fazer para diminuir a contenda e
edificar uma comunidade da Igreja que seja compassiva e cuidadosa?”
Quando o amor a Cristo envolve nossa vida,20 abordamos as divergências com
mansidão, paciência e bondade.21 Preocupamo-nos menos com nossas
vulnerabilidades e mais com as vulnerabilidades de nosso próximo. Buscamos
“a moderação e a união”.22 Não nos envolvemos em “contendas de opiniões”,
não julgamos aqueles de quem discordamos e nem tentamos fazer com que eles
tropecem.23 Em vez disso, partimos do princípio de que aqueles de quem
discordamos estão fazendo o melhor que podem de acordo com as experiências
de vida que eles têm.
Minha esposa exerceu a advocacia por mais de 20 anos. Como advogada, ela
com frequência trabalhava com outras pessoas que defendiam explicitamente
pontos de vista opostos. Contudo, ela aprendeu a discordar sem ser rude ou sem
se zangar. Ela dizia ao advogado da oposição: “Vejo que não vamos concordar
com essa questão. Gosto de você. Respeito sua opinião. Espero que você possa
me conceder a mesma cortesia”. Muitas vezes, esse tipo de atitude gerou
respeito mútuo e também amizade apesar das diferenças.
Até mesmo antigos inimigos podem se tornar unidos em seu discipulado ao
Salvador.24 Em 2006, participei da dedicação do Templo de Helsinque
Finlândia a fim de homenagear meu pai e meus avós, que haviam se convertido
à Igreja na Finlândia. Os finlandeses, inclusive meu pai, haviam sonhado com
um templo na Finlândia por décadas. Na época, o distrito do templo abrangia a
Finlândia, a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Bielo-Rússia e a Rússia.
Na dedicação, descobri algo surpreendente. O primeiro dia de funcionamento
geral foi reservado para os membros russos realizarem as ordenanças do templo.
É difícil explicar como isso foi impressionante. A Rússia e a Finlândia travaram
muitas guerras ao longo dos séculos. Meu pai não confiava nos russos e não
gostava da Rússia, nem dos russos. Ele já havia expressado esses sentimentos de
maneira acalorada, e seus sentimentos eram típicos da inimizade finlandesa pela
Rússia. Também havia memorizado poemas épicos que narravam a guerra do
século 19 entre finlandeses e russos. Suas experiências durante a Segunda
Guerra Mundial, quando a Finlândia e a Rússia foram novamente antagonistas,
não fizeram com que ele mudasse suas opiniões.
Um ano antes da dedicação do Templo de Helsinque Finlândia, o comitê do
templo, formado exclusivamente por membros finlandeses, reuniu-se para falar
a respeito dos planos para a dedicação. Durante a reunião, alguém notou que os
santos russos viajariam vários dias para assistir à dedicação e talvez tivessem a
expectativa de receber as bênçãos do templo antes de voltar para casa. O
presidente do comitê, o irmão Sven Eklund, sugeriu que os finlandeses
esperassem um pouco mais e que os russos fossem os primeiros membros a
realizar as ordenanças no templo. Todos os membros do comitê concordaram.
Os fiéis santos dos últimos dias finlandeses adiaram as bênçãos do templo para
acomodar os santos russos.
O presidente da área que estava presente na reunião do comitê do templo, o
élder Dennis B. Neuenschwander, posteriormente escreveu: “Nunca estive mais
orgulhoso dos finlandeses do que nesse momento. A difícil história da Finlândia
com seu vizinho oriental (…) e sua empolgação por finalmente ter [um templo]
construído em seu próprio solo foram deixadas de lado. Permitir que os russos
entrassem no templo primeiro [foi] uma declaração de amor e sacrifício”.25
Quando relatei essa gentileza a meu pai, seu coração foi tocado, e ele chorou,
uma ocorrência muito rara para aquele finlandês implacável. Daquela época até
sua morte, três anos depois, ele nunca expressou outro sentimento negativo
sobre a Rússia. Inspirado pelo exemplo de seus companheiros finlandeses, meu
pai escolheu colocar seu discipulado a Jesus Cristo acima de todas as outras
questões de sua vida. Os finlandeses não eram menos finlandeses; os russos não
eram menos russos; nenhum dos grupos abandonou sua cultura, sua história ou
suas experiências para banir a inimizade. Eles não precisaram fazer isso. Na
realidade, eles escolheram fazer com que seu discipulado a Jesus Cristo fosse a
questão mais importante de sua vida.26
Se eles conseguem fazer isso, nós também conseguimos. Podemos trazer nosso
legado, nossa cultura e nossas experiências à Igreja de Jesus Cristo. Samuel não
negou seu legado como lamanita,27 nem Mórmon negou o seu como
nefita.28 Mas cada um deles colocou seu discipulado ao Salvador em primeiro
lugar.
Se não somos um, não somos Dele.29 Meu convite é para que sejamos valentes
ao colocarmos nosso amor a Deus e nosso discipulado ao Salvador acima de
todas as outras questões de nossa vida.30 Que defendamos o convênio inerente
ao nosso discipulado — o convênio de sermos um.
Que sigamos o exemplo dos santos de todo o mundo que eficazmente estão se
tornando discípulos de Cristo. Podemos confiar em Jesus Cristo, que “é nossa
paz, o qual (…) derrubando a parede de separação que estava no meio, [em Seu
sacrifício expiatório] desfez a inimizade”.31 Nosso testemunho de Jesus Cristo
ao mundo será fortalecido, e nós nos manteremos espiritualmente
saudáveis.32 Presto testemunho que, à medida que evitarmos a discórdia e nos
tornarmos semelhantes ao Senhor em amor e com Ele unidos na fé, sentiremos
Sua paz.33 Em nome de Jesus Cristo, amém.

Você também pode gostar