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A PAIXÃO DE CRISTO

Ana Cristina da Veiga Dias

Fomos criados por Deus para viver com Ele a felicidade, Santo Anselmo explicou. Ao
pecar, porém, o homem quebrou esta comunhão com seu Criador. Diante de tantas e tão
graves faltas cometidas contra nosso bondoso Pai, nada que a criatura fizesse ou sofresse seria
capaz de reparar seus pecados. Eis que a única maneira de satisfazer a Justiça Divina e mostrar
à humanidade a infinita misericórdia de Deus seria se Ele próprio cumprisse a pena exigida. E,
de tal modo Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho único (Jo 3, 16).
A crucifixão era a punição mais cruel que um condenado poderia receber, aquela
aplicada apenas aos escravos e cidadãos não-romanos e apenas quando estes houvessem
cometido os mais hediondos crimes, como o assassinato. Ao Filho de Deus, com seu corpo
formidavelmente composto pela operação miraculosa do Espírito Santo, como escreveu Santo
Tomás de Aquino, foi tal a pena imposta. Entretanto, não só quando os pregos atravessaram
suas mãos e pés que ele sofreu. A Paixão de nosso Salvador se iniciou já na noite anterior.
Foi em um jardim, onde também o pecado entrou no mundo, que Cristo viu e sentiu
de uma só vez todos os sofrimentos que lhe iriam afligir para a expiação de nossas faltas.
Suando sangue no Getsêmani ele pede: “Meu Pai, se for possível, afastai de mim este cálice?”
(Mt 26, 39), não para que fosse atendido, mas para que os homens soubessem que mesmo
sendo o próprio Deus escolhera experimentar tão grande tristeza, temor e dor. “Posto em
agonia rezava com mais instância” (Lc 22,43), suplicando ao Pai que aceitasse seu sacrifício
para nos salvar.
Ao amanhecer, depois de traído, Jesus foi conduzido a Herodes, que esperava com vã
curiosidade ver o Filho do Homem operar diante de seus olhos um dos prodígios de que o
povo falava. Sem resposta, posto que Cristo permanecera calado e inerte, o governador, irado,
ordenou que o cobrissem com uma túnica branca, como a dos loucos e ignorantes. Após uma
noite de agonias, agora Jesus era escarnecido nas ruas de Jerusalém, cuspiam em sua santa
face, proferiam-lhe injúrias, pediam sua morte ao do homicida Barrabás.
“Então Pilatos tomou a Jesus e mandou açoitá-lo” (Jo 19,1). Esse era o castigo
reservado aos escravos e, nas palavras de São Bernardo, “Nosso amoroso Redentor não só quis
tomar a forma de escravo, sujeitando-se à vontade de outrem, mas a de um mau escravo, para
ser castigado com açoites e assim pagar a pena merecida pelo homem feito escravo do
pecado”. A cada golpe a pele de Jesus rasgava, seu sangue escorria e a Santíssima Virgem, que
a tudo via derramando lágrimas, revelou a Santa Brígida que até as costelas de seu filho eram
visíveis.
Novamente os romanos o despiram para envolverem seu corpo com um pedaço velho
da veste vermelha de um soldado, deram-lhe uma vara para segurar como cetro e colocaram
em sua cabeça uma coroa feita de espinhos. Continuavam a cuspir e bater em Cristo,
chamavam-no de rei, faziam da vara um martelo para enterrar mais profundamente os
espinhos.
“Depois de zombarem de Jesus, tiraram-lhe o manto vermelho e o vestiram de novo
com as roupas dele” (Mt 27, 31), pois, segundo Santo Ambrósio, tão machucado e coberto de
sangue estava o Cristo que apenas por suas vestes se lhe poderia reconhecer. Saiu ele então
para o Calvário. Dilacerado e sendo puxado pela corda de um algoz, o Redentor dos homens
caminhava trêmulo e curvado, caindo ao longo do caminho, mal se mantinha em pé e a cada
passo parecia dar o último suspiro. Porque temiam que morresse antes de chegar ao Calvário e
queriam-no vivo pregado na cruz, a certa altura, seus executores tiraram o pesado madeiro de
suas costas e entregaram a Simão.
No monte, narrou Santo Afonso de Ligório, “arrancaram-lhe pela terceira vez com
violência suas vestes pegadas às chagas de sua carne dilacerada e o estenderam sobre a cruz”,
cravaram suas mãos e pés. Seu corpo, cada nervo, músculo e veia ardia em dor. Os
impropérios não cessavam, Maria Santíssima chorava aos pés da cruz, ao Filho afligia também
as dores da Mãe e, como por amor quisesse sofrer ao máximo pelo nosso perdão, recusou o
vinho com fel que lhe deram para aliviar seu sofrimento. “Tudo está consumado” (Jo 19, 30),
Jesus entregou seu espírito ao Pai, comprando-nos para a Salvação com seu precioso sangue.
Que lembremos todos os dias, a maneira de São Paulo, de que Deus Filho morreu por
todos e cada um de nós em especial. “Também eu fui então um dos vossos mais cruéis
carnífices, ajudando com os meus pecados a atormentar-vos mais cruelmente”, exclamou
desgostoso Santo Afonso, “certo é que se eu houvesse pecado menos, menos teríeis padecido,
ó meu Jesus”. Retribuamos o amor que o Cristo, com seu amor infinito, pediu-nos se
entregando e padecendo na Cruz.

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