Você está na página 1de 8

A PAIXÃO DE CRISTO NO EVANGELHO DE S.

JOÃO

Os quatro evangelhos põem ante nossos olhos um excelente relato do drama da Paixão de

Nosso Senhor Jesus Cristo. Porém, o Evangelho de S. João tem a particularidade de ter sido escrito

pelo único apóstolo ao qual foi concedido perseverar até o fim junto ao mestre. Como afirma o

próprio São João: Chi ha visto ne dà testimonianza e la sua testimonianza è vera e egli sa che dice il

vero, perché anche voi crediate. (Jo 19, 35). Portanto, nesta meditação, vamos tratar de meditar

alguns passos da paixão seguindo o evangelho do discípulo amado, o evangelho de São João.

A PAIXÃO E O PRÓLOGO

A Paixão de Nosso Senhor brilha já nos primeiros versículos do evangelho de São João. Das

alturas da contemplação, onde o discípulo amado vislumbrava a existência eterna do Verbo em

Deus, sua Natureza Divina e sua Encarnação Redentora, ouvimo-lo dizer estas trágicas palavras: “la

luce splende nelle tenebre, ma le tenebre non l'hanno accolta.” (Jo 1,5) “Egli era nel mondo, e il

mondo fu fatto per mezzo di lui, eppure il mondo non lo riconobbe. Venne fra la sua gente, ma i

suoi non l'hanno accolto.” (Jo 1, 10-11).

A VOLUNTÁRIA ENTREGA DE CRISTO

Porém, o relato da paixão ocupa propriamente os capítulos dezoito e dezenove. Nos

capítulos antecedentes o apóstolo tinha narrado as consoladoras palavras com as quais Nosso

Senhor confortava seus amigos e implorava ao Pai que os guardassem em tão grandes perigos.

“Detto questo, Gesù uscì con i suoi discepoli e andò di là dal torrente Cèdron, dove c'era un

giardino nel quale entrò con i suoi discepoli. 2 Anche Giuda, il traditore, conosceva quel posto,

perché Gesù vi si ritirava spesso con i suoi discepoli. (Jo 18, 1). Ao fazer menção desta torrente,

São João nos faz lembrar do que havia acontecido no antigo testamento como o rei Davi; quando

ele fugia de seu filho Absalão, teve que passar por esta torrente. Como Davi, perseguido por

seu próprio Filho, Jesus é perseguido por um de seus amigos mais íntimos, um de seus apóstolos.
A narração de São João do que ocorreu no Getsemani não merece ser intitulada

simplesmente “a prisão de Jesus”. O evangelista parece determinado a deixar bem claro a todos os

cristãos a prontidão e a liberdade com a qual Nosso Senhor mesmo vai ao encontro da paixão. “Chi

cercate?” diz Jesus em tom majestoso, “Gesù, il Nazareno”. Saem então dos lábios de Cristo

palavras tão claras quanto ricas de significado na Sagrada Escritura: “Ego Sum”, “Sono io”.

Impossível escutar tais palavras sem transportar-se as primeiras páginas do antigo testamento,

quando Deus apareceu a Moisés: “Ecco io arrivo dagli Israeliti – dizia Moisés – e dico loro: Il Dio

dei vostri padri mi ha mandato a voi. Ma mi diranno: Come si chiama? E io che cosa risponderò

loro?». 14 Dio disse a Mosè: «Io sono colui che sono!”

Eu sou Deus, todo poderoso, que existia desde toda a eternidade, mas me fiz homem para

que os homens pudessem ser como Deus!

E ante a potência das palavras de Cristo, seus inimigos recuaram e caíram por terra.

Bastava uma palavra de Cristo para destruir seus inimigos totalmente, mas ele escolhe sofrer.

Parece ouvir-se ao longo de todo o relato de S. João aquelas solenes palavras de Cristo: “Io offro la

mia vita, per poi riprenderla di nuovo. Nessuno me la toglie, ma la offro da me stesso.” (Jo 10, 18).

Pedro ignorava ainda a profundidade dessa entrega livre de Cristo e, arrastado pela paixão,

desembainhou da espada, arrancando a orelha do servo do sumo sacerdote, chamado Malco. Até

mesmo esse fato encerra profundo significado: ensina Santo Tomás que este servo era um símbolo

do povo Judeu que ouvia mal, isto é, de modo carnal as palavras da Lei e por isso necessitava da

cura de Cristo. Surge então novamente Nosso Senhor e, ordenando que Pedro cessasse, ensina-nos

mais uma vez que o que o fixa na cruz não é tanto a violência dos homens, mas sim o seu infinito

amor pelas almas e seu desejo de fazer a vontade do Pai. “non devo forse bere il calice che il Padre

mi ha dato?” Era costume que o dono da casa oferecesse aos convidados um cálice único, que era

símbolo da comunhão que reinava entre todos. Entregando-se livremente nas mãos dos homens,

Jesus manifesta sua plena aceitação da vontade do Pai.


É bom que quando meditamos a paixão de Nosso Senhor, quando contemplamos seus

exemplos, voltemos por um momento o olhar a nossa vida: e eu? Como aceito o cálice que o Pai me

envia? Certamente o aceito com alegria quando é doce, quando são consolações, boas notícias...

mas e quando é amargo? Quando contraria minhas preferencias?

“«Vi ho detto che sono io. Se dunque cercate me, lasciate che questi se ne vadano».” (Jo

18,8) Aqui Nosso Senhor se preocupava simplesmente pela vida física de seus discípulos. O que ele

queria era evitar que eles fossem tentados acima de suas forças. Jesus sabia bem que antes de

receberem o auxílio do outro Paráclito, aqueles pobres homens não eram capazes de segui-lo rumo a

cruz.

JESUS É JULGADO PELOS JUDEUS

“Allora il distaccamento con il comandante e le guardie dei Giudei afferrarono Gesù, lo

legarono e lo condussero prima da Anna.” Seguiam-no aqueles dois discípulos que mais amavam o

Senhor, aqueles mesmos que depois correriam juntos até o túmulo de Jesus Ressuscitado. E aqui na

Paixão, como também ali na ressurreição, é João quem chega primeiro. Entra com facilidade no

Pátio do sumo sacerdote por ser do número dos seus conhecidos, quer porque seu pai era servo do

pontífice quer em razão de algum laço de parentesco, como afirma santo Tomás.

Anás era sogro de Caifás, sumo sacerdote daquele ano. E, como o testemunho dos

adversários é sempre mais eficaz, relembra S. João que foi da boca deste mesmo pontífice que

saíram aquelas palavras proféticas: “È meglio che un uomo solo muoia per il popolo.” De tal

natureza é a verdade – nota S. Tomás – que nem mesmo os adversários a podem silenciar!

Começa então aquele concílio perverso e Jesus, interrogado acerca de seus discípulos e de

sua doutrina, responde com uma firmeza e liberdade de espírito que surpreende a todos: “Io ho

parlato al mondo apertamente; ho sempre insegnato nella sinagoga e nel tempio, dove tutti i Giudei

si riuniscono, e non ho mai detto nulla di nascosto. 21 Perché interroghi me? Interroga quelli che

hanno udito ciò che ho detto loro; ecco, essi sanno che cosa ho detto. (Jo 20, 21-22).”
Jesus não quis responder porque sabia que não faltavam testemunhos de sua inocência. O

que buscavam os judeus com aquele interrogatório não era a verdade dos fatos, mas sim a

oportunidade de condenar a Jesus. O mesmo acontece conosco muitas vezes. Perguntamos,

pedimos, mas Deus parece calar e não nos responde. Muitas vezes é porque nós não estamos

dispostos a aceitar a verdade, não somos indiferentes, estamos ainda apegados a nossa própria

opinião.

Aveva appena detto questo, che una delle guardie presenti diede uno schiaffo a Gesù,

dicendo: «Così rispondi al sommo sacerdote? È interessante saber qual foi o verdadeiro motivo que

levou este guarda a ferir a face de Nosso Senhor:

No capítulo VII do evangelho de São João, se lê que os príncipes dos sacerdotes enviaram

guardas para prender Nosso Senhor, vendo que a cada dia aumentava o números dos que

acreditavam nele. Voltando tais guardas de mãos vazias, os sacerdotes e fariseus perguntaram-lhes:

«Perché non lo avete condotto? 46 Risposero le guardie: «Mai un uomo ha parlato come parla

quest'uomo!” Possivelmente, diz santo Tomás, um desse guardas era o que deu a bofetada em

Nosso Senhor. Queria com esta injúria, destruir qualquer suspeita de ter acreditado nele.

Porém este guarda não é o único empenhado em reparar seu antigo entusiasmo por Cristo.

São João relata também a tríplice negação de Pedro. Se vê, nesta passagem – comenta S. Tomás – a

debilidade de Pedro naquele tempo, primeiramente em razão da pessoa interrogante, que não era um

soldado armado ou um venerável pontífice, mas uma débil escrava que fazia de porteira. Segundo,

em razão da forma da interrogação, que procedia mais de compaixão que de malícia: “ Forse anche

tu sei dei discepoli di quest'uomo?” (Jo 18, 17).

JESUS É JULGADO POR PÔNCIO PILATOS

Da casa de Caifás conduziram Jesus a Pilatos. Era de manhã cedo, mas os Judeus não

entraram para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa, pois como ensina a Misna, o judeu

que entrasse em residência pagã contraia uma impureza de sete dias.


Saindo ao encontro dos judeus, perguntou-lhes Pilatos: “Que acusação apresentais contra

este homem? Transparece na resposta a presunção e soberba que devorava o coração dos judeus:

“Se non fosse un malfattore, non te l'avremmo consegnato.” Como se dissessem: “Nosso juízo já é

por si o suficiente. A única coisa que deves fazer é executar a sentença.” E a razão de terem-no

trazido a Pilatos, manifestam-na claramente: “A noi non è consentito mettere a morte nessuno».”

(Jo 18,31). Ensina S. João Crisóstomo que os judeus não podiam condenar ninguém a morte por

causa do império Romano, que lhes havia proibido fazer isso. Surge, então, uma dificuldade: Como

se explica então que tenham matado sem maiores problemas a S. Estevão apedrejado? A Resposta

nos vem pelo mesmo Crisóstomo: Os Romanos permitiam aos judeus que utilizassem suas leis, nas

quais estava prevista o apedrejamento. Porém a morte de cruz era proibida pela lei mosaica (Deut.

XXI, 23), e por isso este gênero de morte não lhes era permitido. A ódio dos judeus era tão grande

que não se contentavam apedrejando a Cristo, queriam condena-lo com a mais dolorosa das mortes,

a morte de Cruz (Sab II,20).

Entra o governador novamente no pretório e põe-se a interrogar Jesus. “Tu sei il re dei

Giudei??” Pilatos estava impressionado com a majestade e o senhorio de Jesus, suficientes para

dissipar qualquer suspeita de agitador ou revolucionário. Meu reino – Comenta o Crisóstomo – isto

é, a potestade e autoridade em virtude das quais eu sou rei, não provém desse mundo, não possuem

origem em causas mundanas nem na eleição dos homens, provém antes do próprio Pai. E ainda que

eu seja rei Eterno, para isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade, para dar testemunho de

mim mesmo. E sobre quem se estende meu reinado? Minhas ovelhas escutam minha voz: Chiunque

è dalla verità, ascolta la mia voce», não só exteriormente, mas também internamente crendo e

amando.

Pilatos, dando mostras de não pertencer ao número destes amantes da verdade, sai sem

esperar do Senhor resposta, porque – como observa santo Agostinho - lhe veio em mente o modo

pelo qual talvez pudesse salvar a vida do Senhor. “Io non trovo in lui nessuna colpa. 39 Vi è tra voi
l'usanza che io vi liberi uno per la Pasqua: volete dunque che io vi liberi il re dei Giudei?” Este

costume foi introduzido por Pilatos ou por outro romano detentor de autoridade em benefício do

povo. A resposta do povo instigado pelos sacerdotes traduz a rejeição do verdadeiro messias,

libertador do pecado e da morte e a opção pelo libertador político e revolucionário: “Non costui, ma

Barabba!”

Aristoteles ensinava que, quando alguém sente ira por alguma pessoa, essa ira se esfria

quando se vê esta pessoa castigada e humilhada. Foi com esse objetivo que Pilatos mandou flagelar

Jesus: pensava assim esfriar a ira dos judeus. O que Pilatos não sabia é que os judeus não tinham

contra Jesus uma simples ira, mas sim um ódio diabólico, que não se aquieta senão com a

destruição total do inimigo. Pilato fece prendere Gesù e lo fece flagellare (Jo 19, 1).

A CONDENAÇÃO DE NOSSO SENHOR

Os soldados lançaram-se então contra Cristo com uma crueldade fora do comum, como

demonstram a coroação de espinhos, as burlas e maus tratos que lhe infligiram. Qual a razão de

tanta crueldade? Agiram assim quer por dois motivos: porque receberem dinheiro dos judeus e por

obediência ao mandato do próprio Pilatos, desejoso de aplacar a ira dos judeus. É o que afirmam S.

João Crisóstomo e S. Agostinho.

Pilatos saiu outra vez e disse: “Pilato intanto uscì di nuovo e disse loro: «Ecco, io ve lo

conduco fuori, perché sappiate che non trovo in lui nessuna colpa”. “Ecce Homo”, diz então, em

tom de desprezo. “Eis o tipo de homem que credes pretender tomar o reino! “Eis o homem” é,

entretanto uma daquelas palavras cujo conteúdo escapa aos que a pronunciam, e que São João gosta

de referir. Os judeus como cães raivosos já não puderam ocultar o verdadeiro motivo que

alimentava o fogo de seu ódio: “Noi abbiamo una legge e secondo questa legge deve morire, perché

si è fatto Figlio di Dio!”

“All'udire queste parole, Pilato ebbe ancor più paura”– diz o texto de S. João. Sua mente

pagã adivinhava em Cristo algo que, com toda certeza pertencia, ao mundo sobrenatural. “Di dove
sei?” pergunta a Jesus, desejando ouvir a resposta de seus próprios lábios. Mas Jesus lhe responde

com aquele silêncio que esmaga a soberba autoridade de Pilatos: “«Non mi parli? Non sai che ho il

potere di metterti in libertà e il potere di metterti in croce?»” (Jo 19, 10). Tens poder para soltá-lo

ou para condená-lo - Pergunta o Crisóstomo – então por que não o soltas, não encontrando nele

culpa alguma? “chi mi ha consegnato nelle tue mani ha una colpa più grande” diz Jesus,

demostrando que ainda que Pilatos seja culpado, mais culpados são Judas e os judeus, pois obraram

movidos pelo ódio, inveja e avareza, enquanto Pilatos obrou movido pelo temor.

Como nota S. Tomás, muitas vezes acontece que os homens atribuem aos outros aquilo que

observam neles mesmos. No capítulo XII se diz que os judeus amaram mais a glória dos homens

que a de Deus, por isso julgaram que o mesmo havia de fazer Pilatos, preferindo o temor de César

ao temor da Justiça: “Se liberi costui, non sei amico di Cesare! Chiunque infatti si fa re si mette

contro Cesare (Jo 19, 12).” “Amigo de César” era naquele tempo um título oficial, que se usava

especialmente com relação aos procuradores. “Metterò in croce il vostro re? Non abbiamo altro re

all'infuori di Cesare!” Com semelhante declaração os judeus renunciam, pela boca de seus

sacerdotes, a seu direito de povo de Deus e se entregam voluntariamente ao dominação extrangeira.

Os judeus finalmente conseguiram seu intento: “Allora lo consegnò loro perché fosse crocifisso.”.

(Jo 19, 16)

CRUCIFICAÇÃO E MORTE

Pilatos, tendo se demonstrado tão débil em resistir as ameaças dos Judeus, se faz firme em

lhes negar quando lhe pediram que tirasse da Cruz a inscrição que indicava que quem estava

justiçado na cruz era o Rei dos Judeus. Muitos dos que por ali passaram leram a inscrição, porque

fora crucificado perto da cidade, e porque e estava escrita em hebraico, latim e grego. O que indica

– como ensina Santo Agostinho – que pela cruz os homens se tornariam verdadeiramente devotos,

como os hebreus, sábios como os gregos, e poderosos como os romanos.


Apenas o evangelista S. João menciona a presença da Santíssima Virgem junto a cruz de seu

Divino Filho, bem como a piedade de Cristo, que confia o discípulo a Mãe e a Mãe ao discípulo,

ensinando-nos que as dores que sofria ali Nossa Senhora não eram estéreis, mas que faziam dela

digna e verdadeira Mãe de todos os renascidos pela graça.

Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir plenamente a

Escritura, disse: “Ho sete.” Não somente sede de água, mas principalmente sede de alma, sede da

nossa salvação.

Continua S. João: “E, chinato il capo, spirò..” Ainda Santo Tomás, percebe algo muito

profundo nessas palavras de São João E, chinato il capo, spirò. Jesus não morreu primeiro e depois

inclinou a cabeça: primeiro inclinou a cabeça e depois morreu. Inclinar a cabeça é ali símbolo da

obediência. É por obediência que Nosso Senhor se entregou.

Contemplemos com fé cada momento da paixão, esforçando-nos por colocar-nos ali,


como um personagem a mais, vendo o que fazem as pessoas, o que dizem, o que faz Cristo, como o
faz, por que o faz... Lembremo-nos do que diz a Imitação de Cristo: Il cristiano che medita
attentamente la Vita, la Passione e la Morte del Signore vi troverà, in abbondanza, tutto ciò che gli è
necessario per progredire nella sua vita spirituale, senza bisogno di cercare al di fuori di Gesù
qualcosa che possa giovargli di più.

Que a Virgem Maria nos de a graça de sofrer com Cristo nessa Semana Santa.

Você também pode gostar