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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa Stricto Sensu em Educação

UMA PROPOSTA INOVADORA DE AVALIAÇÃO:


DESAFIOS, LIMITES E PERSPECTIVAS EM UMA
ESCOLA NO DF.

Autora: Ilda Aparecida Xavier


Orientador: Wellington Ferreira Jesus

Brasília - DF
2013
ILDA APARECIDA XAVIER

UMA PROPOSTA INOVADORA DE AVALIAÇÃO: DESAFIOS,


LIMITES E PERSPECTIVAS EM UMA ESCOLA NO DF.

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade Católica de Brasília, como requisito
para a obtenção do Título de Mestre em
Educação, na área de Ensino e Aprendizagem.

Orientador: Wellington Ferreira Jesus

Brasília
2013
X3p Xavier, Ilda Aparecida

Uma proposta inovadora de avaliação: desafios, limites e perspectivas


em uma escola no DF. / Ilda Aparecida Xavier – 2013.

167f. ; il: 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013.


Orientação: Prof. Dr. Wellington Ferreira Jesus.

1. Avaliação educacional. 2. Formação profissional. 3. Ensino. 4.


Aprendizagem. I. Jesus, Wellington Ferreira, orient. II. Título.

CDU 37.012

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB


Dissertação de autoria de Ilda Aparecida Xavier, intitulada “Uma Proposta
Inovadora de Avaliação: desafios, limites e perspectivas em uma escola no DF.”
apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação
da Universidade Católica de Brasília, em 21 de fevereiro de 2013, defendida e
aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

_____________________________________________
Prof. Dr. Wellington Ferreira Jesus
Orientador

_____________________________________________
Profª. Drª. Jacira da Silva Câmara
Examinadora Interna

_____________________________________________
Profª. Drª. Kelley Cristine Gonçalves Dias Gasque
Examinadora Externa

Brasília
2013
Dedico aos meus: Vander,
Luara e Pedro Victor, minha
família, minha vida.
AGRADECIMENTOS

Eu agradeço:

Profundamente a Deus, meu Tudo. Por que D´Ele e por Ele, e para Ele, são
todas as coisas: glória, pois, a Ele, eternamente.

Aos meus pais, primeiros mestres que imprimiram meu caráter;

Aos meus mestres, dos quais levarei lições para o resto de minha vida, em
especial, ao meu orientador: Wellington Ferreira de Jesus, pelo rigor em momento
oportuno e pelas palavras de paz, encorajamento e fé.

Às mulheres de minha vida: Ate, Leza, Ita, Odília e Beatrice (in memoriam),
Lilia, Dadiva, Vírgínia Pina, Nancy de Fátima, Cláudia Princhack, Cláudia Honda,
Kelley, Cláudia Magalhães, Inês, Siomara, Márcia, Marialva, Mariza, Ezi, Francisca,
Andrea, Luciana e Renata, irmãs de alma, anjos sem asas que Deus providenciou
para a exortação, acalanto, firmeza nos passos, alegria e... colo, quando a peleja
beira o insuportável..

Aos meus colegas de trabalho e à minha equipe, pelo aprendizado constante


da convivência.

Aos meus alunos que foram, aos que são e aos que serão, por todo o sentido
que representam em minha caminhada profissional e humana.
"SEJA FORTE E CORAJOSO! NÃO SE
APAVORE, NEM DESANIME, POIS O
SENHOR, O SEU DEUS, ESTARÁ COM
VOCÊ POR ONDE VOCÊ ANDAR" (Josué
1:9).
RESUMO

Xavier, Ilda Aparecida. Uma proposta inovadora de avaliação: desafios, limites e perspectivas
em uma escola no DF. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Católica de
Brasília.

Essa pesquisa investigou a implementação de uma proposta inovadora em uma


escola da rede particular de ensino do Distrito Federal, fundamentada no
construtivismo sócio-interacionista, com ênfase na avaliação formativa, desde a sua
fase gestacional até a atualidade da instituição, há cerca de duas décadas. Procurou
captar os desafios, limites e perspectivas de uma proposta dessa natureza nas
singularidades desse dado espaço escolar. Para tanto, analisou a experiência com o
fenômeno dos vários sujeitos envolvidos, nos diferentes tempos e situações vividos
pela escola em questão, bem como seus impactos nos processos educacionais. O
estudo utilizou, como instrumentos de coleta de dados: a observação direta, a
entrevista semidirigida e a análise de documentos institucionais, objetivando
investigar como a gestão, os professores, as famílias e os alunos se apropriaram da
inovação e a vivenciaram, ao longo do processo. A pesquisa teve, como fio condutor
das suas categorias de análise, a visão da inovação por cada um desses sujeitos,
considerando as realidades sociais e históricas aonde se inserem. Os resultados
dessa pesquisa indicaram que, na efetivação dessa proposta, em nível interno,
houve obstáculos de natureza teórico-prática, mas também apontou as novas
perspectivas trazidas pelo movimento de mudança. Em nível externo, as novas
demandas de mercado alteraram as expectativas familiares em relação ao ensino
oferecido e aos seus resultados concretos.

Palavras-chave: Proposta Inovadora. Avaliação Formativa. Visão da Inovação.


Entraves. Demandas de Mercado. Expectativas Familiares.
ABSTRACT

This research investigated the implementation of an innovation proposal in a private


school in Distrito Federal, based on the social interaction constructivism with
emphasis in the formative evaluation, since its gestational period until today’s reality,
two decades ago. It tried to capture the challenges, boundaries and perspectives of
such a proposal in the singularity of this scholarship space. Therefore, it analyzed the
experience as a phenomenon of various subjects involved in different periods and
situations experienced in the school, as well as its impact on the educational
processes. Direct observation, semi-structured interviews and analysis of institutional
documents were used as data collection in this study in order to investigate the way
the school staff, the teachers, the students’ families and the students themselves
assumed and experienced the innovation along the process. The research’s guiding
principles of the analysis categories was the vision of innovation from the point of
view of each of the subjects, considering their social historical realities. The results of
this research indicated that, in the execution of the proposal, in an inside level, there
were some obstacles whose nature is theoretical/ practical, but it also pointed out the
new perspectives brought from the movement of change. In an outside level, the new
demands from the label market altered the families’ expectation in relation to the
education offered and its concretes results.

Keywords: Innovation Proposal. Formative Evaluation. Innovative Vision. Obstacles.


Label Market Demands. Families’ Expectation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Funções da avaliação ............................................................................. 25

Quadro 2 - Participantes da pesquisa de campo....................................................... 31

Quadro 3 - Unidade de contexto: gestão ................................................................... 71

Quadro 4 - Unidade de contexto: família ................................................................... 71

Quadro 5 - Unidade de contexto: docentes ............................................................... 72

Quadro 6 - Unidade de contexto: alunos ................................................................... 73

Quadro 7 - Categorias de análise.............................................................................. 74


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Transferências de Alunos para outros Colégios da Cidade .................... 99

Gráfico 2 – Motivos de Transferências para outros Colégios .................................. 100

Gráfico 3 – Setorizado – Transferências do 6º ao 9º ano ........................................ 101


LISTA DE SIGLAS

ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal.

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais.

LDB – Lei de Diretrizes e Bases.

UMBRASIL – União Marista do Brasil.

TDA – Transtorno de Déficit de Atenção.

TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

APL – Aprendizagem Plena.

AMS – Aprendizagem Media Superior.

AS – Aprendizagem Suficiente.

APS – Aprendizagem Suficiente.

AI – Aprendizagem Insuficiente.

AN – Aprendizagem Não Ocorrida.

SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

SIMA – Sistema de Avaliação Institucional (SIMA).

PAS – Programa de Avaliação Seriada.


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
CAPITULO I – ELEMENTOS DA PESQUISA .......................................................... 19
1.1 O PROBLEMA ................................................................................................. 19
1.2 JUSTIFICATIVA ............................................................................................... 19
1.3 OBJETIVO GERAL .......................................................................................... 20
1.4 OBJETIVOS ESPECIFICOS ............................................................................ 20
1.5 DIFERENTES PERSPECTIVAS SOBRE AVALIAÇÃO ................................... 20
1.6 UM OLHAR SOBRE O PROCESSO AVALIATIVO .......................................... 22
1.7 AS FUNÇÕES INTRÍNSECAS DA AVALIAÇÃO.............................................. 24
1.8 METODOLOGIA .............................................................................................. 28
1.8.1 O Paradigma e o Modelo de Pesquisa. ......................................................... 28
1.8.2 Os Sujeitos da Pesquisa. .............................................................................. 30
1.8.3 Instrumentos de Coleta de Dados- Análise Documental e Entrevista
Semidirigida. ........................................................................................................... 32
1.8.4 Linha de Elaboração e Aplicação das Entrevistas. ....................................... 34
1.8.5 A Análise dos Dados. .................................................................................... 36
CAPITULO II – REVISÃO DA LITERATURA ........................................................... 40
2.1 INOVAÇÃO: RESISTÊNCIA E ENTRAVES EM UMA PROPOSTA DE
AVALIAÇÃO ........................................................................................................... 40
2.2 FASE DA IMPLEMENTAÇÃO – ENTRAVES TEÓRICOS E PRÁTICOS ........ 47
2.3 FASE POSTERIOR À IMPLEMENTAÇÃO – IMPASSES, RECUOS E
ADEQUAÇÕES. ..................................................................................................... 56
2.3.1 PERÍODO POSTERIOR À IMPLEMENTAÇÃO - RECEPTIVIDADE DAS
FAMÍLIAS À PRÁTICA FORMATIVA, NOVAS DEMANDAS E EXPECTATIVAS. . 61
CAPÍTULO III – OS SUJEITOS DA PESQUISA E O DESENVOLVIMENTO DA
PROPOSTA INOVADORA: ANÁLISE DOS RESULTADOS. .................................. 68
3.1 A CRIAÇÃO DAS CATEGORIAS..................................................................... 68
3.2 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DA GESTÃO. ............................. 74
3.2.1 A avaliação e a atitude deliberada pela inovação de processos. ............. 74
3.3 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DAS FAMÍLIAS. ......................... 94
3.3.1 Avaliação, expectativas das famílias e demandas externas. ................... 94
3.4 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DOCENTE. .............................. 116
3.4.1 A Avaliação e o Trabalho Pedagógico. .................................................. 116
3.5 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DOS ALUNOS. ........................ 129
3.5.1 A avaliação, a qualidade dos processos em sala de aula e a
metacognição.................................................................................................. 129
3.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 147
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 156
APÊNDICE A - ENTREVISTAS .............................................................................. 162
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO ................................................... 166
14

INTRODUÇÃO

A avaliação tem sido um aspecto bastante discutido nos meios educacionais,


dada à relevância desse elemento para os processos de ensino e aprendizagem, aos
impactos que quaisquer mudanças em sua natureza tendem a causar no ambiente
escolar e nos atores envolvidos. Propor a inovação nos métodos de avaliação significa,
de certa forma, propor uma mudança em toda a dinâmica escolar.

O estudo de caso, na pesquisa em questão, analisou a implementação da


proposta construtivista socio-interacionista, tendo como foco a avaliação formativa, em
uma escola da rede particular de Brasília - Distrito Federal, de Educação Infantil e
Ensino Fundamental, fundada em 1962.

Nesse ano de 2013, a unidade em estudo conta com 2900 alunos matriculados.
Atende a grupos, na sua maioria, com renda superior a dez salários mínimos, com
programa limitado de bolsas para outros segmentos sociais. Separada fisicamente está
a unidade do Ensino Médio. Vinculada a essas duas unidades está uma outra,
localizada na Região Administrativa de Samambaia-DF que atende, gratuitamente, mais
de 450 crianças, de baixo status sócio econômico, daquela região.

De caráter confessional católico, a instituição está fundamentada em uma


filosofia de formação integral do educando, em consonância filosófica e religiosa com
seu fundador. A escola é uma das unidades de uma rede existente no Brasil e no
mundo, presente em 77 países. Conta com quatro unidades administrativas
(províncias), a saber: o Distrito (Amazônia) e as Províncias Brasil Centro-Norte, Rio
Grande do Sul e Brasil Centro-Sul, onde seus respectivos religiosos administram
colégios, unidades sociais, universidades e faculdades, hospitais, meios de
comunicação e cultura, entre outros. O trabalho é feito por meio de mantenedoras –
organizações civis – que juntas formaram uma organização de direito privado,
localizada em Brasília, em 15 de outubro de 2005, a Umbrasil.

A escola em estudo pertence à unidade administrativa do Brasil Centro Sul que


engloba Brasília, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo, dispondo
de 16 colégios. Está ligada a um centro de pesquisas em assuntos educacionais,
sediado em Curitiba, de onde partem assessores que visitam periodicamente as
respectivas escolas.
15

Para um estudo dessa natureza faz-se necessário analisar o conceito de


avaliação que parece ser tão subjetivo como o ato em si. Hadji (1994) o coloca sob três
perspectivas: a primeira, construída historicamente, é ligada ao conceito de medida, em
que se procura minimizar ao máximo a subjetividade. Perspectiva criticada por Hoffman
(2005) que denuncia o caráter de massificação desse tipo de avaliação. A segunda
perspectiva é a operação pela qual se determina a congruência entre o desempenho e
os objetivos, na mesma linha do pensamento de Vygotski (1996) de relação entre o
conhecimento real e o potencial; e a terceira perspectiva, ressaltada pelo mesmo autor,
está no juízo que se faz do processo como previsível, atribuindo progresso, evolução e
ignorando os hiatos e as rupturas bem como as continuidades, sujeitas às intervenções
do professor, partícipe do processo de mudança.

A avaliação, segundo Luckesi, (1996, p.33) [...] “é como um julgamento de valor


sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão”.
Vários autores, dentre eles, os que fundamentam teoricamente a pesquisa parecem
validar essa proposição. A avaliação, tanto em sua categoria formativa, que busca
qualificar o processo de ensinar e aprender e que exige a participação de todos os
envolvidos, que enfatiza aspectos qualitativos e mobiliza os seus atores na busca da
superação das dificuldades, quanto em sua característica somativa, que visa verificar o
que o aluno aprendeu, voltada para a atribuição de notas, apesar de suas diferentes
funções, na visão de Hadji (2001) pode servir igualmente à análise do processo,
obedecendo a uma lógica particular que envolve professor e aluno. Ensino e avaliação,
nesse sentido, se complementam.

A proposta da avaliação formativa alimenta a crença de que a aprendizagem


acontece no processo e isso, segundo Hadji (2001), não é novo. Essa proposta
defendida por estudiosos do assunto, como por Scrieven (1967) apud Hadji (2001),
ganhou mais espaço nos meios educacionais nas duas últimas décadas. Tem sido, de
forma mais acentuada, objeto de investigação e seus resultados parecem abrir ainda
mais o seu debate, considerando as singularidades dos processos em sala de aula. Na
mesma medida os questionamentos sobre sua base epistemológica também parecem
estar servindo de fomento para mudanças nas escolas. Essas investigações vieram no
bojo de todas as mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que ocorreram nas
duas últimas décadas afetando as escolas e gerando inquietudes de várias naturezas.
16

A proposta do construtivismo socio-interacionista destacando a avaliação no


processo foi amplamente debatida por Matui (1995); Cool (1996); Moreto (1999); Becker
(1998), dentre tantos outros.

A referida pesquisa investigou os entraves teóricos e estruturais no processo de


implementação da referida proposta. O estudo, de igual modo, analisou o histórico da
inovação com ênfase nos seus impactos na atualidade da instituição, como constructo
da memória vivida. O período analisado é o de implementação da proposta entre os
anos de 1997 a 2000, destacando os entraves e os avanços percebidos nesse período;
e o período posterior, entre 2001 a 2013, de reavaliação da proposta face às novas
demandas e expectativas de docentes, gestores e famílias.

Na linha da investigação dos entraves teóricos à respectiva proposta, a pesquisa


analisou o que significa a inovação para os atores envolvidos. Para Hernandez et al
(2000), a inovação é diferentemente recebida pelos que a propõem, pelos que a
promovem e pelos que a recebem. Nesse sentido, Hengemühle (2004), ao analisar a
gestão do ensino, denuncia a não linearidade e a lentidão das mudanças já que mexem
com a cultura e os hábitos das pessoas. Posição também defendida por Perrenoud
(1993), que, ao abordar os obstáculos às mudanças, afirma a necessidade de mexer
em contextos mais amplos para alcançar a prática dos professores. A pesquisa
investigou esses contextos mais amplos, limitadores ou impulsionadores das mudanças
na escola em questão, incluindo o projeto político pedagógico.

O critério de relevância e da participação coletiva no projeto político pedagógico


é ressaltado por Gandin (1994) e Vasconcelos (2003), que ainda são ressonantes
quanto à questão da autonomia nessa construção. Essa posição é enfatizada nos
artigos 12 e 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil. Lei nº 9.394,
de 20 de Dezembro de 1996). Também foram analisados obstáculos de natureza
epistemológica, no que se refere à compreensão dos docentes em relação à proposta
da avaliação formativa, para investigar em que proporção tais entraves foram
impeditivos da efetivação da proposta e, até que ponto, podem ter gerado deformações
na sua interpretação, mexendo com os processos em sala de aula.

Embora a ênfase da investigação esteja na implementação da referida proposta


e dos seus impactos nos processos educacionais, essa pesquisa reconheceu ser de
relevância apresentar um breve histórico do período anterior ou o seu momento
17

gestacional, quando se deu a ênfase na fundamentação teórica de gestores e docentes


da escola estudada. Naquele momento em que parecia ser necessário para a escola,
em questão, saber em que bases epistemológicas ou culturais o professor alicerçava
seus processos em sala de aula, já que as inquietudes, quanto às práticas tradicionais,
impulsionavam no sentido da mudança.

Constituiu objeto de análise dessa investigação os aspectos relativos ao impasse


vivido pela escola estudada no ano de 2000, face às expectativas das famílias, em
relação à prática formativa proposta. O caráter experimental dessa proposta, por mais
audaciosos que fossem os gestores e boa parte dos professores, gerava ansiedade. O
fato de essa iniciativa partir de uma escola particular que, nivelada a outras empresas,
guardadas as devidas diferenças, tinha relações contratuais com seus clientes,
impunha a necessidade de que o propagado realmente se efetivasse.

Hernandez et al.(2000) nos apontam que nenhuma inovação em escola perdura


se não se conta com os docentes. A participação docente não se restringe à mera
execução de diretrizes. Docentes são protagonistas das mudanças e assim precisam
ser vistos. Considerando essa premissa, a pesquisa teve também como um de seus
objetivos, investigar a visão dos próprios gestores em relação às demissões ocorridas
no ano de 2000 de boa parte dos professores. Após terem sidos submetidos à
avaliação de desempenho e ao levantamento de dados por consultoria externa, tais
docentes foram considerados resistentes às mudanças esperadas.

Considerando os períodos mencionados na implementação da respectiva


proposta, essa pesquisa analisou a relevância da mesma para as famílias em diferentes
tempos, estabelecendo conexões entre as iniciativas da escola como gestora dos
processos e as expectativas das famílias em relação à qualidade do ensino ministrado.
Também se constituíram como objeto de análise, as mudanças nos sistemas avaliativos
e nas práticas da escola, tendo como referenciais: a construção histórica, a memória
dos processos vividos, durante os períodos abordados, nos quais a intenção era aplicar
a proposta da avaliação formativa, bem como as novas demandas externas em relação
ao ensino, aprendizagem e avaliação, influenciando as mudanças internas na
instituição.

Os atores envolvidos nessa dinâmica de mudança: alunos, professores, gestores


e famílias tiveram, certamente, leituras distintas do mesmo fenômeno. A pesquisa, por
18

fim, analisou como essa proposta de mudança foi percebida, ao longo dos anos, por
cada um desses segmentos, ou como dela eles se apropriaram, inseridos que estão, no
bojo das grandes mudanças histórico-sociais que ocorrem de tempos em tempos.
19

CAPITULO I – ELEMENTOS DA PESQUISA

1.1 O PROBLEMA

Considerando as singularidades presentes em cada um dos espaços de uma


dada realidade escolar, suas demandas externas, bem como o papel relevante da
avaliação nos processos educacionais, é possível a transferência da teoria da
avaliação formativa para uma prática efetiva em uma escola de educação básica?

1.2 JUSTIFICATIVA

A pertinência da pesquisa para os processos educativos foi a de apontar os


diversos entraves à implementação de uma proposta inovadora, revelados nos
múltiplos aspectos que envolvem o cotidiano escolar e, mais precisamente, a sala de
aula. Procurou ressaltar as dinâmicas próprias dos ambientes de ensino, nem
sempre elucidadas pelas investigações, face às teorias que não conseguem abarcá-
las na sua totalidade. De igual modo, demonstrou as perspectivas que podem se
abrir, quando mudanças são propostas nas instituições escolares.

Esta pesquisa parece ser igualmente válida para gestores e professores que
pretendem ressignificar seus processos, a partir de uma experiência inovadora, já
que se propõe a ressaltar os hiatos, as rupturas e os avanços, oriundos de uma real
tentativa de mudança, fundamentada teoricamente, mas confrontada com a
realidade a que se pretende mudar. A importância dessa investigação também está
na sua característica de análise do processo, já que abrange um período de duas
décadas de vivência de uma proposta inovadora em educação, e, por assim o ser, a
insere na tessitura das mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que
mexem com as expectativas e representações em relação à educação, à escola e
aos seus atores.

Por mais que se pesquise em educação, considerando a singularidade de


suas questões, parece haver sempre relevância naquilo que sobre ela se propõe a
investigar. Seus cenários, seus atores, suas necessidades, seus avanços, seus
recuos. O protagonismo que se espera de professores, alunos e gestores poderá
não ocorrer, se o interesse pelas suas questões desvanece. Mentalidades que
20

mudam, transformam destinos. Do contrário outros interesses não tão nobres podem
ocupar o lugar.

1.3 OBJETIVO GERAL

Analisar os impactos causados por um processo de implementação da


avaliação formativa no ensino fundamental, de uma escola da rede particular do DF.

1.4 OBJETIVOS ESPECIFICOS

 Identificar as principais características do modelo de avaliação formativa.


 Descrever as etapas de implementação e pós-implementação da proposta
da avaliação formativa na escola em estudo, considerando seus
respectivos períodos: entre 1998 a 2000 e de 2001 a 2013.
 Identificar os impactos da implementação de uma proposta de avaliação
formativa nos sujeitos envolvidos e nos processos educacionais de uma
dada realidade escolar.

1.5 DIFERENTES PERSPECTIVAS SOBRE AVALIAÇÃO

A análise de algumas diferentes perspectivas sobre a avaliação teve como fio


condutor o estudo de Hadji (1994), o qual coloca a avaliação sob três visões,
seguidas em maior ou menor grau pelas escolas. A primeira, historicamente ligada
ao conceito de medida, foi e ainda continua, não raras vezes, sendo utilizada.
Acreditando que medir é avaliar, minimiza-se a subjetividade, de certa forma
suprimida pela medida científica, objetiva, matemática. Entretanto, isso traz o
inconveniente de não abarcar tudo o que não seja diretamente mensurável. Nesse
sentido, medida e avaliação são opostas. Pois nega o olhar particularizado, nega a
concepção da aprendizagem que envolve todas as dimensões do sujeito: afetivas,
éticas, estéticas, epistêmicas. Hoffman (2005) contraria em seu discurso esta
perspectiva, propondo à escola o exercício da investigação. Sob essa premissa,
pode-se afirmar, portanto, que há ações docentes que levam os alunos a serem
investigadores e produtores de outros saberes, não podendo ser simplesmente
mensurados. Saberes que dialogariam com outros saberes, não só com o
escolarizado.
21

Ampliando essa visão, Hoffman (2005) afirma que mensurar segue a mesma
linha de outros atos da vida cotidiana que, por ora, se desenha. Vida cotidiana que
nega a vida privada, o reconhecimento do indivíduo. A rotina do dia-a-dia que
coisifica, homogeneíza, manipula. Esse “apressamento” também parece levar à
superficialidade do olhar em avaliação no cotidiano agitado de nossas escolas.
Menos problemático e envolvente, à primeira vista, parece ser o ato de mensurar,
pois mensurar não particulariza, massifica.

A definição proposta por Ralph Tyler (1974), apud Hadji (1994), educador
norte americano que se dedicou à questão de um ensino que fosse eficiente e
introduziu o termo avaliação da aprendizagem, o qual é seguida por Hadji (1994),
quando coloca a segunda perspectiva, a de que avaliar é a operação pela qual se
determina a congruência entre o desempenho e os objetivos. Referendada pela
maioria dos estudiosos, muitos deles mencionados nesse estudo, ela traz, segundo
o autor, alguns inconvenientes, tais como: centralização excessiva da operação de
avaliação nos objetivos, beirando o tecnicismo e enfatizando os resultados finais,
fazendo dos comportamentos o critério último de avaliação. Embora se apregoe a
ênfase no processo, ele acaba ficando em segundo plano. Inconvenientes bem
perceptíveis nas práticas escolares.

O cotidiano das escolas, de fato, permite afirmar que, dentre as várias


dificuldades que essa prática impõe, estão as representações dos envolvidos.
Sujeitos imersos em uma realidade onde os resultados são mais valorizados que o
esforço do caminho. Nesse sentido Hernandez et al.(2000), em sua pesquisa sobre
as inovações nas escolas, quando propõe a análise dos critérios de avaliação,
denuncia que o significado social dominante é o que estabelece: tem mais valor
quem sabe mais dados, do que aquele que tem melhores hábitos ou atitudes de
trabalho no decorrer do processo.

A terceira perspectiva da avaliação, sob a ótica de Hadji (1994), é aquela que


define avaliação como centrada num processo de juízo de valor, considerado
essencial. O autor tece as críticas mais contundentes. Não nega o caráter
profissional desse juízo, mas o questiona, no sentido em que este tem uma função
decisória. Nisso Hadji (1994, p. 40) pondera:

A decisão de agir depende, antes de mais nada, da decisão que há de agir


face a uma dada situação que não é satisfatória: por exemplo, considerar
22

que os resultados desse aluno não correspondem àquilo que ele poderia e
deveria fazer, que não exprimem todas as suas possibilidades. Uma análise
da realidade -do ser- efetuada à luz do que parece ser desejável - do dever-
ser- dá origem a um primeiro juízo: é preciso mudar isto. Primeiro juízo de
avaliação, obtido pelo confronto entre um referido (o aluno, compreendido
através dos seus resultados actuais) e um referente (o aluno ideal que
domina a matéria ensinada).

A crítica de Hadji (1994), ao que tudo indica, parece recair não no trabalho de
análise do nível da aprendizagem do aluno, até determinado momento e no seu
impulso pela mudança e superação das dificuldades, já que tal análise diagnostica e
prepara intervenções, mas na suposta previsibilidade da evolução desse aluno,
tendo em vista que o tempo da avaliação é um recorte, é momento singular em que
“se retira do sistema em movimento para se recolher informações sobre o próprio
movimento”, para fins de apreciação quanto aos objetivos finais do projeto em
questão. Nesse sentido, o referido autor cita as análises de Stufflebeam que
explicam esse momento de decisão: se a avaliação é um juízo, ele situa-se num
campo decisional, que prepara e clarifica as decisões, portanto ele é um momento e
espaço de gestão pedagógica.

1.6 UM OLHAR SOBRE O PROCESSO AVALIATIVO

O avaliador também é, simultaneamente, o mediador. É um personagem do


processo, ele age e se move no espaço aberto entre um ser, sempre em movimento e
um dever ser, sempre difícil de captar. Sob a ótica de Hadji (1994), seria pertinente
afirmar que o julgamento sobre o processo de aprendizagem deve envolver o
julgamento dos processos de ensinagem, no âmbito do professor. Não obstante é ele,
esse professor avaliador, que também faz as tessituras em sala de aula, é partícipe da
dinâmica da mudança, chama à existência o que ainda está na essência e, em seu
discurso, busca atingir aquele aluno que não chegou à realidade do objetivo proposto.
Esse aluno, o receptor do discurso, que deveria ser, em tese, também partícipe dessa
dinâmica, passa por avanços e recuos, continuidades e descontinuidades em seu
processo de aprendizagem, até que o conhecimento se processe. Portanto, essa
previsibilidade do processo, do antes e depois, do que o aluno não sabe ainda e do que
virá a saber, é que não parece ter a linearidade como característica. A qualidade desse
processo é que, muitas vezes, parece carecer de melhor validação.
23

Tais avanços e recuos remetem à visão piagetiniana dos fenômenos de


equilíbrio-desequilíbrio no processo de aquisição do conhecimento e são salutares e
necessários. Outros estudos como os de Aussubel e Novak (1980), Coll (1996)
reforçam a construção do conhecimento com vistas a uma aprendizagem significativa e
contextualizada. Coll (1996) é defensor de que é nessa tessitura, reportada por
Hadji(1994), que o aluno vai compondo e ressignificando seu objeto de conhecimento.
Aussubel e Novak (1980), na teoria dos gráficos organizadores e da
aprendizagem significativa, propõem a tese dos subsunçores e ressignificam as ideias
de Vygotsky (1896 - 1934) e de Piaget (1896 - 1980), pois conceitos prévios, em
relação a qualquer objeto de conhecimento, são adquiridos nas interações sociais, por
meio da linguagem, conceitos que, em confronto com outras aquisições intelectuais,
são transformados, ressignificados. O professor em sala de aula, subsidiado por
concepções de como se dá o processo de aquisição do conhecimento, pode ter melhor
entendimento da dinâmica da mudança e da aprendizagem esperada. Nessa dinâmica
todos são atores: o professor que ensina e também aprende, o aluno e seus pares que
constroem juntos seus conhecimentos. Os gestores, que proporcionam a estrutura
física e os espaços de aprendizagem, as famílias e o capital cultural que lhe é inerente,
constituindo subsunçores ou conceitos prévios para novas aprendizagens dentro ou
fora da escola.
Numa linha mais filosófica, Morin (2001) analisa a necessidade de um
protagonismo maior dos participantes dos processos de ensino e aprendizagem,
quando critica a disjunção e especialização fechada das disciplinas que impedem a
percepção do global quanto do essencial, propondo a problematização ou a teia de
relações complexas que dê real significado ao que se aprende. Se o olhar sobre a
avaliação da aprendizagem considerar essa e as outras perspectivas, ela será
entendida como análise sobre o processo, sempre passível de intervenções e
mudanças. Portanto a previsibilidade criticada por Hadji (2000) é colocada à prova, já
que as situações, os atores envolvidos e o inusitado estabelecem relações várias que
interferem no processo de construção e de aquisição do conhecimento.
Uma educação que se estruture sobre um processo formativo, parece prescindir
de avaliações periódicas, mas sua função, mesmo que somativa, tem caráter
diagnóstico, pois em todo o tempo o conhecimento está sendo construído, por meio das
interações sociais e da relação do indivíduo com o objeto de conhecimento.
24

Sobre essa relação entre aprendiz e objeto de conhecimento, Moreto (1999), por
outro lado, em suas reflexões construtivistas, nos aponta que é falsa a ideia de que o
indivíduo capta a imagem do objeto tal qual ele é e assim o leva ao cérebro. Partindo
dessa ideia, parece pertinente afirmar que se ignora a realidade do objeto como fruto de
construção social e tenta-se eliminar as expectativas, as necessidades ou a ideologia
do observador para alcançar uma observação objetiva, cada vez mais próxima da
verdade. Porém em um processo de construção do conhecimento essa verdade é
relativizada, é colocada em questão, é desmistificada. Hipóteses podem ser levantadas
para contestá-la ou confirmá-la. Está sempre sujeita a mais de um olhar. Essa dita
verdade é contextualizada para ser compreendida, podendo ser a análise do contexto
para o tempo em que foi gerada e para o tempo do agora, relações e paralelos são
estabelecidos. Isso tem um ritmo diferenciado que a educação tradicional limita.
Nesse mesmo sentido, Becker (1998) coloca o empirismo presente nessa
concepção tradicional e a inverte afirmando que, numa relação sujeito-objeto, o mundo
do objeto é determinante do sujeito, e não o contrário. Os referidos autores concordam,
quando negam a concepção ontológica da educação tradicional, mas Moreto (1999)
clareia mais a visão, quando propõe que a lacuna do empirismo tradicional está na
concepção sobre o objeto de conhecimento, de cunho descritivo e fora do contexto e
universo simbólico do observador. Nesse sentido e, ampliando a visão de Becker
(1998), ele afirma que o sujeito age sobre o objeto, mas o objeto, construído
socialmente em um determinado universo simbólico, também age sobre o sujeito,
podendo mudar suas concepções. Sob essa premissa haveria uma relação intrínseca
entre sujeito-objeto-sujeito.
Fosnot (1996, p.11), nessa mesma linha, descreve o conhecimento como
“temporário, em desenvolvimento, não objetivo, internamente construído, social e
culturalmente intermediado”. Isso sugere que todo conhecimento possa ser
ressignificado. A avaliação, nesse cenário, não se esgota em si mesma; é produto e é
processo, é recorte e é continuidade, é momento também de aprendizagem e na visão
de Moreto (1999), é momento privilegiado de estudo e de aprendizagem.

1.7 AS FUNÇÕES INTRÍNSECAS DA AVALIAÇÃO

Referendado por outros estudiosos, como Hoffman (2000), em suas reflexões


sobre o cenário avaliativo, ou por Hernandez et al (2000), em suas análises sobre as
25

inovações nas escolas e a importância da avaliação nesse processo, Hadji (1994)


propõe um quadro geral das funções da avaliação dos aprendentes, conforme o
quadro 1:

Quadro 1

Fonte: Hadji (1994, p.63)

Pelo conteúdo do quadro 1 fica perceptível que as categorias utilizadas no


processo avaliativo, sob a ótica de Hadji (1994), não se excluem, mas se
completam, não são isoladas em si mesmas, mas se interpenetram. Há nelas um
dinamismo subjacente que permite deslocamentos ou desvios intencionais que
obedece a uma lógica particular.

Quando se diz avaliação formativa e a coloca no centro do processo é porque


sua função principal deveria ser a de regular os processos de ensinagem e de
aprendizagem, mas sua função formativa não lhe impede de ter o caráter somativo,
assim como avaliações somativas também podem servir para diagnosticar
situações, uma vez que, regulações podem ocorrer no meio do processo ou ao final
de um ciclo, servindo os resultados de suporte para intervenções futuras.
26

Intervenções em curto, em médio ou em longo prazo. Há, nesse sentido, um relativo


espaço de liberdade no qual se operam as escolhas de função. A esse respeito
Hoffman (2000, p. 54) propôs as três mediações as quais se esperam do educador
nesse processo: mediar a mobilização, ajustando tempos, espaços e recursos às
necessidades de cada um, mediar a experiência educativa, promovendo a interação
efetiva entre todos os elementos do processo e desenvolvendo situações
diversificadas em diferentes tempos do percurso, mediar por meio do
acompanhamento da evolução das aprendizagens dos alunos, permitindo a
expressão dessas aprendizagens em tarefas gradativas e complementares.

Hernandez e Ventura (1998) reiteram o caráter complexo dessa tarefa


educativa. A prática demonstra que é complexa por que também é reveladora de
outras interfaces da vida escolar que interferem no trabalho em sala de aula como a
gestão dos processos, a demarcação do tempo, a eficácia dos instrumentos ou até
mesmo as representações que trazem os alunos em relação aos erros cometidos e
a busca de superação. Alunos só preocupados com os resultados tendem a não
serem gerenciadores de seu próprio conhecimento. Mas tal representação foi
construída socialmente, tecida na realidade onde esse aluno se insere e da qual a
escola faz parte. Parece ser necessário que seja também no seio da escola que
essa e outras representações similares sejam desconstruídas.

A crença de que a aprendizagem ocorre no processo não é nova e, de igual


modo, não é recente aquilo que é lhe é intrínseco: a avaliação formativa. Já na
década de 60 foi proposta, por exemplo, por Scrieven (1967). Entretanto, a partir de
meados da última década do século XX até meados dessa década, tais e outras
análises, nesse sentido, foram revisitadas e ressignificadas por muitos estudiosos,
dentre eles, os citados nessa pesquisa. Isso parece ter ocorrido dada à emergência
de uma avaliação que privilegiasse as regulações das aprendizagens, que
orientasse o aluno a situar aonde é necessário a mobilização dos seus esforços para
superar, organizando seus procedimentos e percebendo o erro como uma etapa do
processo, como desafio a ser vencido. Nessa perspectiva de processo, a avaliação
formativa não se encerra em si mesma. Está atrelada a outros tipos de avaliação,
como a diagnóstica (preditiva) e a somativa, servindo inclusive às suas respectivas
funções.
27

Fernandes (2006), em artigo publicado, denuncia as barreiras


epistemológicas em relação à avaliação formativa e de como essa compreensão
equivocada levou a sua predominância nos meios educativos, em que a mesma
acaba ocorrendo após o desenvolvimento de um determinado conteúdo,
imediatamente antes de um momento de avaliação somativa formal. Segundo esse
autor, há outras ditas avaliações formativas, que são resultados de combinações
intuitivas, as quais os professores fazem entre avaliações formativas e somativas,
com diferentes graus de estruturação e de formalização. De acordo com
investigações de Fernandes (2006), as concepções dos professores variam entre
aqueles que distinguem tais modalidades pelos instrumentos utilizados ou pelas
suas características: formativa como subjetiva; e somativa, como objetiva; e aqueles
que acreditam que avaliação formativa é toda e qualquer avaliação que se
desenvolve em sala de aula. Apesar dessas diferentes concepções, a avaliação,
nesse referido espaço, tem sido alvo de muitas investigações nos últimos anos,
conforme já mencionado. Isso ocorreu, mais precisamente, nas duas últimas
décadas, dado ao incômodo que o viés tecnicista e os ranços deixados por ele nos
métodos e nos processos em sala de aula impuseram aos agentes educacionais.

O ponto de partida para a mudança de postura em relação à avaliação parece


ter sido percebido pelos estudiosos nas convicções daqueles agentes educacionais
nessa ‘utopia promissora’, como assim a denominou Hadji (2001), pois nesse
momento acreditavam que a avaliação deve ter o objetivo de contribuir para a
construção dos saberes e competências pelos alunos. Nesse sentido ensino e
avaliação se complementam.

Inquietudes quanto à natureza da aprendizagem levaram muitos agentes


educacionais, em um passado relativamente recente, a questionarem o tipo de
aprendizagem mecanicista, mexendo com toda uma estrutura já montada, colocando
em xeque interesses vários, na busca de uma implementação de um tipo de
avaliação que fosse mais transparente, que desse conta dos processos, dos sujeitos
envolvidos e suas diferentes dimensões, levando as escolas a fornecerem
fundamentação teórica sobre a epistemologia da avaliação. Entretanto, as
concepções que esses educadores tinham sobre como o conhecimento se processa
e como, na prática, eles agiam nesse sentido, fariam toda a diferença.
28

A prática da avaliação formativa foi amplamente defendida pelos mais


renomados teóricos e várias escolas fizeram a tentativa de implementá-la. Alguns
incômodos, entretanto, como o discutido por Hadji (2001) sobre a suposta
previsibilidade do processo formativo, bem como a tentação de se focar nos
resultados quantitativos, ofuscando o processo em si, têm incomodado muitos
educadores bem intencionados. Tais educadores são conscientes de que nem
sempre os melhores resultados se aplicam a alunos que melhor desempenharam
seu protagonismo no decorrer do processo. Nos últimos anos e, atualmente, outros
obstáculos de base epistemológica ou de cunho estrutural têm impedido a prática
efetiva da avaliação formativa, gerando discursos divergentes.

1.8 METODOLOGIA

1.8.1 O Paradigma e o Modelo de Pesquisa.

O paradigma escolhido para nortear essa pesquisa foi o qualitativo. Denzin e


Lincoln (2006) afirmam que a pesquisa qualitativa é um campo interdisciplinar,
transdisciplinar e, às vezes, contradisciplinar que atravessa as humanidades, as
ciências sociais e as ciências físicas, mantendo um compromisso com a perspectiva
naturalista e a compreensão interpretativa da experiência humana. Sem que se
perca seu caráter científico, na visão dos autores, tal método é inerentemente
político e influenciado por múltiplas posturas éticas e políticas.

O caráter interpretativo e a utilidade do método qualitativo no estudo das


ciências sociais, considerando as suas significativas contribuições para o estudo dos
fenômenos ligados à educação, representaram critérios para a escolha. Os meios de
obtenção de dados, foram a observação livre, a entrevista semidirigida e a análise
de documentos diversos da instituição. A partir do próprio envolvimento da
pesquisadora com o objeto de conhecimento e da perspectiva dos outros sujeitos da
pesquisa, esta investigação procurou analisar como se deu o processo de gestação
e implementação de uma prática inovadora em uma dada realidade escolar, bem
como seus desdobramentos e impactos nos sujeitos envolvidos.
29

A escolha do paradigma para a pesquisa foi reforçada pela sua característica


interpretativa, que é assim demonstrada por Alves Mazzotti e Gewandsznajder (
2002. p. 131)

A principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas


seguem a tradição “compreensiva” ou interpretativa. Isto significa que essas
pesquisas partem do pressuposto de que as pessoas agem em função de
suas crenças e percepções, sentimentos e valores e que seu
comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá a
conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado.

Dentro do paradigma qualitativo, o modelo da pesquisa foi o estudo de caso.


Esse é um dos meios mais usados em pesquisas dessa natureza. Segundo Yin
(2001), um estudo de caso é uma investigação empírica que estuda um fenômeno
contemporâneo, dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os
limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos. Característica
que se adaptou ao fenômeno estudado. O mesmo autor reafirma que a essência de
um estudo de caso ou sua principal tendência é que ele procura esclarecer uma
decisão ou um conjunto de decisões: o motivo pelo qual foram tomadas, como foram
implementadas e quais os resultados. Este é o caminho pelo qual a pesquisa, em
questão, trilhou, quando analisou o processo de implementação da prática inovadora
mencionada.

Yin (2001) continua afirmando que, para o estudo de caso, o uso concomitante
de mais de um instrumento de coleta de dados tenderá a permitir desenvolver linhas
convergentes de investigação, de modo que tais instrumentos passam a ser
corroborativos em relação ao mesmo fato ou fenômeno.

Conforme afirmam Denzin e Lincoln (2006), os pesquisadores que utilizam


pesquisas qualitativas, estudam os fenômenos em seu setting natural, valorizam o
processo e não só o resultado, compreendem o contexto de significados (valores,
crenças, motivações), tentam dar sentido ou interpretam fenômenos, considerando
as significações neles embutidas. Para tanto, cada pesquisador se vale da coleta de
dados, que pode ser em forma de estudo de caso, análise de documentos,
pesquisa-ação, pesquisa de campo.

Coutinho e Chaves (2002) afirmam que quase tudo pode ser um caso: um
indivíduo, um personagem, um pequeno grupo, uma comunidade ou mesmo uma
nação. Entretanto, conforme afirma Yin (2001), devem estar muito claras quais são
30

as ocasiões de seu uso. Esse autor destaca o estudo de caso como sendo aquele
que responderia ao como e porque, onde não se exige o controle sobre eventos
comportamentais e o foco são acontecimentos contemporâneos que, no caso
estudado, foi o percurso da inovação supracitada.

Gil (1999, p. 73), colaborando com essa linha, observa que o estudo de caso
vem sendo utilizado com frequência cada vez maior pelos pesquisadores sociais,
visto servir a pesquisas com diferentes propósitos, tais como: “a)explorar situações
da vida real, cujos limites não estão claramente definidos; b)descrever as situações
do contexto em que está sendo feita determinada investigação; e c)explicar as
variáveis causais de determinado fenômeno em situações muito complexas que não
possibilitam a utilização de levantamentos e experimentos”.

Segundo Bogdan e Biklen apud Ludke e André (1996), a pesquisa qualitativa


envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador
com o caso estudado, enfatizando mais o processo do que o produto e se preocupa
em retratar a perspectiva dos participantes. Essas características do paradigma que
norteou a pesquisa foram enriquecidas pelo contato direto da pesquisadora com o
cenário estudado, na função de professora e coordenadora da área de humanas da
instituição analisada, durante boa parte do período abordado, estando em alguns
momentos, nos papéis de investigada e investigadora. Para tanto, precisou estar
atenta à linha tênue de separação entre tais, ou seja, não desconsiderando os
benefícios dessa posição no tocante à riqueza da pesquisa, procurar manter o
constante cuidado de um relativo distanciamento do fenômeno para não corromper o
rigor científico em sua análise.

Além de considerar os aspectos inerentes à pesquisa, a pesquisadora


procurou ampliar o olhar sobre o fenômeno, traçando relações de simultaneidade
entre este e as mudanças globais, nacionais a ao nível da instituição, demonstrando
como tais mudanças influenciaram os processos educacionais.

1.8.2 Os Sujeitos da Pesquisa.

A escolha dos sujeitos da pesquisa e sua amostra podem ser fixadas


seguindo o parâmetro da intencionalidade, sob a ótica dos estudiosos, abaixo
citados, a saber:
31

[...] a escolha dos participantes é proposital, isto é, o pesquisador os


escolhe em função das questões de interesse do estudo e também das
condições de acesso e permanência no campo e disponibilidade dos
sujeitos. (Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, 2002, p. 162)

Trivinõs (1987, p. 132), outro estudioso do assunto comunga dessa mesma ideia
quando afirma que:
[...] considerando uma série de condições (sujeitos que sejam essenciais,
segundo o ponto de vista do investigador, para o esclarecimento do assunto
em foco; facilidade para se encontrar com as pessoas; tempo dos indivíduos
para as entrevistas etc) [...].

Tais considerações denotam que a escolha dos sujeitos deve ser norteada pela
íntima relação com o tema da pesquisa e o pesquisador deve levar em conta a
praticidade e a disponibilidade como, por exemplo, a facilidade e o tempo dos sujeitos,
elemento cada vez mais fugidio, no cotidiano das grandes cidades.
O critério de seleção dos participantes da pesquisa foi o seu envolvimento com a
escola nos distintos períodos abordados. Assim, a amostragem foi constituída tendo
como critério, profissionais que atuam na gestão e na docência, além de alunos e
representantes das famílias. Todos com vivência nas fases de implementação e após a
implementação da proposta construtivista sócio-interacionista, com ênfase na avaliação
formativa.
Os participantes da pesquisa foram distribuídos e codificados de acordo com
seu papel no processo, conforme mostra o quadro 2:

Quadro 2
Participantes da pesquisa de campo
GESTORES
COD PAPEL
G1 Diretora educacional que vivenciou todo o processo e que permanece como gestora;

G2 Diretor educacional que vivenciou todo o processo e que permanece como gesto;.

G3 Coordenador do 6º ao 9º ano que esteve à frente da implementação da proposta;

G4 Coordenadora do 1º ao 5º ano que esteve à frente da implementação da proposta;

PROFESSORES
COD PAPEL
Uma professora recém-contratada na época de apresentação da proposta que vivenciou todo o
P1
processo e que ainda permanece lecionando na escola;
P2 Uma professora antiga na instituição e que foi demitida no ano de 2000;

P3 Uma professora admitida imediatamente após as demissões em 2000;


32

P4 Um professor admitido imediatamente após as demissões em 2000;

P5 Um professor admitido nos últimos cinco anos.

REPRESENTANTES DE FAMÍLIA
COD PAPEL
RF1 Um representante de uma família que manteve o(s) filho(s) na escola durante todo o processo

RF2 Um representante de uma família que retirou o(s) filho(s) da escola após a implementação da proposta;

RF3 Um representante de uma família que matriculou seu(s) filho(s) nos últimos cinco anos.

ALUNOS
COD PAPEL
AL1 Um (a) aluno (a) que permaneceu matriculado durante o período de implementação da proposta;

AL2 Um (a) aluno (a) que se desligou da escola durante o período de implementação;

AL3 Um (a) aluno (a) matriculado na escola nos últimos cinco anos.

Fonte: dados da pesquisa.

1.8.3 Instrumentos de Coleta de Dados- Análise Documental e Entrevista

Semidirigida.

Estar dentro do cenário em estudo permitiu à pesquisadora fácil acesso a


uma considerável quantidade de documentos. Sendo que cada análise
corresponderia a uma função de investigação, a saber:

a) Projetos pedagógicos, planos curriculares, pautas de reuniões,


comunicados diversos às famílias: a análise desses documentos possibilitou captar
o discurso gestor em relação às mudanças propostas e como tal discurso
entremeava e era recorrente em documentos institucionais diversos internos e
externos.

b) Registros de contratação e demissões de professores, junto ao


departamento de pessoal, nos períodos abordados na pesquisa, correlacionados a
relatórios de avaliação de professores, junto à assessoria do núcleo
psicopedagógico: a investigação sobre esses registros objetivava confirmar a
hipótese levantada em relação à atitude deliberada da gestão da escola em vincular
à mudança, profissionais mais propensos e mais adaptáveis a ela. A investigação
recaiu mais sobre os registros do ano 2000, quando vários professores foram
33

desligados da instituição, já que, segundo a gestão, não estavam preparados para


as mudanças iniciadas e para as quais ainda estariam por vir.

c) Registros de saída e entrada de alunos, entre os anos pesquisados, junto à


secretaria da escola, correlacionados aos registros das motivações que levaram as
famílias a matricularem ou desligarem os filhos da instituição, junto ao departamento
de relacionamento e marketing: o olhar sobre tais registros objetivou confirmar a
questão levantada sobre a relação entre saída/entrada de alunos e expectativas
familiares, favoráveis ou contrárias à proposta de ensino oferecida.

d) Relatório de pesquisa de satisfação das famílias: com o propósito de captar


do discurso das famílias as mudanças de expectativas em relação ao ensino e à
avaliação.

e) Relatórios de turma, com ênfase nos alunos com laudos médicos, junto aos
titulares de turma e à assessoria pedagógica: aqui a pesquisa objetivou confirmar o
aumento da entrada de alunos com necessidades especiais, sobretudo nos anos
entre 2004 a 2006, quando a escola foi vista pela comunidade local como de fraca
cobrança e de flexibilidade exagerada, com o propósito de estabelecer a
possibilidade da relação de causa e efeito. Houve o cuidado nessa investigação, em
particular, de evitar especulações deterministas. Mas as indagações recaíram sobre
a possibilidade de uma maior procura da escola pelas famílias com filhos portadores,
sobretudo, de TDA/TDAH, graças às repercussões dessa visão de escola mais fácil
na comunidade local.

f) Simulados de avaliações externas: aqui o objetivo da investigação foi


estabelecer relações de comparação entre as avaliações de caráter somativo da
instituição e as novas avaliações externas oficiais como o Exame Nacional de
Ensino Médio (ENEM) e o Programa de Avaliação Seriada (PAS), no que se refere
às habilidades e competências exigidas nesses exames, para confirmar se a
proposta da escola, naquele momento, seguia em linha divergente dos ditos exames
e se, confirmada, investigar a relação entre essa divergência e o desligamento dos
alunos.

g) Artefatos culturais produzidos pelos profissionais da rede de colégios da


qual faz parte a escola estudada: aqui o objetivo era captar o discurso institucional
que consolidava a proposta e a refinava, face às novas demandas externas, como
34

um corpo teórico próprio que emergira das práticas bem sucedidas, ou das
antíteses/contradições entre tais práticas e teorias preexistentes.

A pesquisa desenvolveu linhas convergentes de investigação a partir desses


documentos e das informações trazidas pelas entrevistas semidirigidas. As entrevistas,
realizadas entre os meses de março a julho de 2012, tiveram duração, aproximada, de
1 hora e 30 minutos, cada uma, oscilando para mais, ou para menos. O conteúdo dos
tópicos varia, face aos diferentes sujeitos e à intencionalidade da pesquisa. Captar o
discurso a respeito da prática formativa, sob a ótica da gestão, da docência, dos alunos
e das famílias justifica a variabilidade do conteúdo de alguns tópicos.

No caso da pesquisa em questão, dentre os representantes de famílias, sujeitos


da pesquisa, um foi entrevistado em sua própria casa, no período noturno e os outros
dois, em dias não uteis, em sala reservada da escola analisada. Dois outros sujeitos, já
desligados da instituição, concederam suas entrevistas, em horário agendado, em seus
respectivos locais de trabalho, e os demais, em horário também agendado, em dias
letivos, também na própria escola.

1.8.4 Linha de Elaboração e Aplicação das Entrevistas.

A linha de elaboração e aplicação das entrevistas seguiu as contribuições de


Flick (2002) que apresenta as fases básicas, sob as quais esse tipo de instrumento
deve estar submetido, a saber: a preparação, onde é relevante desenvolver uma
compreensão preliminar da área em estudo, elaborar as perguntas de forma
suficientemente abertas que possam acomodar aspectos novos emergentes no
decorrer da entrevista. Sob essa ótica, mesmo conhecendo o fenômeno, a
pesquisadora teve que evitar o viés dos seus conceitos prévios na elaboração das
perguntas, para que essas cumprissem o papel de buscar respostas às
investigações, fossem elas para confirmar ou refutar as hipóteses.

Em seguida, sob a ótica desse autor, introduz-se a lógica da entrevista,


familiarizando o entrevistado com a prática e assegurando-lhe o entendimento e
aceitação da mensagem. Sob essa lógica, a pesquisadora precisou situar melhor
aqueles sujeitos que, embora envolvidos com a prática formativa, não estavam
imbuídos de algumas relações que lhe são pertinentes, importantes para dar
logicidade à entrevista, como alunos e famílias, sem, contudo, comprometer o
35

terceiro passo, que é buscar a concepção desses sujeitos sobre o tema e sua
experiência de vida envolvendo a questão. Nessa instância a pesquisadora tomou o
cuidado de não desviar o foco das opiniões e representações livres em relação ao
fenômeno.

Ainda sob a visão de Flick (2002), na quarta etapa, busca-se o sentido que o
assunto tem com a vida cotidiana do entrevistado, momento aonde a pesquisadora,
pode captar melhor a relação que o entrevistado teve com o fenômeno e o grau de
apropriação e importância deste para aquele.

No passo seguinte, que é o momento de dar mais substância às respostas, a


pesquisadora pode ir fazendo inquirições mais profundas às falas do entrevistado,
com o fim de relacioná-las ao tema central da pesquisa. Nesse momento ficaram
perceptíveis as diferenças idiossincráticas dos sujeitos, entre aqueles que foram
mais propensos a falar e estabelecer conexões dialógicas e os mais sucintos, de
onde a pesquisadora pode retirar para análise o maior ou menor envolvimento do
sujeito com o tema da pesquisa, associando esse respectivo envolvimento à inibição
ou extroversão durante a entrevista, ocorrência presente no grupo discente.

A fase que se segue, sob a visão do mesmo autor, é o momento de levantar


os tópicos abstratos mais relevantes como, por exemplo, expectativas e temores do
entrevistado em relação às situações futuras envolvendo o problema. A essa fase
segue-se outra, que finaliza as fases propostas pelo autor escolhido, que é a de
avaliação e de conversa informal, fala mais livre que pode trazer também aspectos
importantes a serem analisados. A conversa informal, nas entrevistas em questão,
aconteceu também, em alguns momentos, em meio às perguntas, quando,
intencionalmente, foi permitida essa liberdade para que o interlocutor pudesse ficar
mais à vontade e fornecer mais dados de análise. Momentos ricos para perceber
discrepâncias e contradições. Eles permitiram à pesquisadora entrar na fala dos
sujeitos, procurando afirmações ou até contradições que dessem maior veracidade
aos seus enunciados e abrissem maiores possibilidades de análise. Estes relevantes
momentos de percepção do discurso possibilitaram à pesquisadora o registro e a
análise das reticências, das entonações, do riso e do choro, sendo que esta última
expressão de sentimentos ocorreu com dois sujeitos da pesquisa: do grupo família e
do grupo docente, no momento da entrevista e foi reveladora da carga de
36

subjetividade que envolve as interpretações dos fenômenos. Carga subjetiva,


conforme já mencionado, melhor analisada pelo viés qualitativo.

As reminiscências evidenciadas, informalmente em alguns momentos pelos


sujeitos da pesquisa na concessão das entrevistas, permitiram a descrição das
situações vividas e contribuíram para a reconstrução dos fatos, inserindo-os em
seus respectivos tempos históricos. Olhar o fenômeno sob a perspectiva desses
participantes em seus diferentes tempos e pontos de vista permitiu à pesquisadora a
percepção da dinâmica dos eventos e como sobre eles incidem diferentes
interpretações. Godoy (1995) confirma esse caráter interpretativo da pesquisa
qualitativa, quando ressalta o paradigma qualitativo como adequado para olhar o
fenômeno sob a perspectiva dos sujeitos envolvidos.

Os passos seguintes propostos por Flick (2002) extrapolam a entrevista


propriamente dita, mas são igualmente importantes. São eles: a documentação e
análise dos dados. Incluir-se-ão, neste momento, informações sobre o entrevistado.
Tais informações atendendo às necessidades da pesquisa ficaram mais restritas ao
papel desempenhado pelo sujeito e suas relações com o cenário, naquele momento,
em estudo.

1.8.5 A Análise dos Dados.

O tratamento das informações, advindas das entrevistas e dos documentos


selecionados, permitiu confirmar, reforçar ou negar as hipóteses levantadas no
projeto, cabendo à pesquisa a investigação e o discernimento dos discursos sob a
dialética das teorias postas que envolvem o tema, por meio das contribuições da
análise do discurso e de conteúdo, considerando que a forma de análise das
informações obtidas em uma pesquisa deve passar por uma escolha responsável do
pesquisador.

A Análise de Conteúdo e a Análise de Discurso têm se firmado como formas


de interpretação complementares, embora distintas entre si. Usadas,
respectivamente, na análise de sentidos e significados obtidos, sobretudo, por
entrevistas, mas também em materiais não verbais como formas de expressões que
podem ser entrecruzadas. Tais formas acabam se mesclando e enriquecendo o
trabalho de análise do pesquisador. Na pesquisa em questão a pesquisadora
37

utilizou-se, além das entrevistas, da análise dos documentos supracitados como


materiais não verbais que possibilitaram o cruzamento de dados entre tais e destes
com os dados das entrevistas.

Conforme afirmam Caregnato e Mutti (2006), apesar da variedade existente


de análises de discurso, há uma unanimidade dos estudiosos quanto à rejeição da
ideia de neutralidade da linguagem e bastante importância tem sido dada ao
discurso na construção da vida social. A análise de discurso como disciplina
interpretativa tomou emprestado da linguística a noção da fala e a revestiu do
discurso; do materialismo histórico, tomou a teoria da ideologia; e da psicanálise, a
noção do inconsciente. Michel Pecheux (1973), um dos fundadores da análise de
discurso de linha francesa, propôs, em resumo, a combinação entre ideologia
história e linguagem; ideologia aqui sendo entendida como o posicionamento do
sujeito quando este se filia a um discurso, em acordo com o sistema de ideias que
possui e que constitui suas representações. Daí parece importante frisar que o
sujeito que discursa traz em sua fala uma série de representações que mostram a
forma como este interpreta os fenômenos que o cercam. Mas o sujeito que escuta
também não é um intérprete? Nesse sentido, os autores citados atentam para o fato
de que numa pesquisa o analista do discurso também é um intérprete, que faz uma
leitura também discursiva influenciada pelo seu afeto, posição, crenças,
experiências, vivências. Isso também irá produzir seu próprio sentido.

A posição acima referenciada parece reforçar a rejeição à neutralidade, já


mencionada, adotada pelos teóricos dessa linha de análise. O próprio recorte sócio-
histórico resulta de uma teoria que é uma construção do analista. Nesse sentido, a
pesquisadora precisou se precaver contra os vícios da função, apropriar-se do
conhecimento e experiência que manteve e mantêm com o objeto para enriquecer
sua análise, sem, contudo, enviesar sua interpretação para atender suas crenças ou
um corpo teórico específico, o que poderia restringir o espaço e as possibilidades de
outras possíveis investigações sobre o mesmo fenômeno.

Seguindo a linha de análise dos autores supracitados, a interpretação deverá


ser feita sempre entre o interdiscurso e o intradiscurso chegando a posições
representadas pelos sujeitos através das marcas linguísticas. Não vai se trabalhar a
forma e o conteúdo, mas os efeitos do sentido que se pode apreender mediante a
interpretação. Interpretação essa, passível de equívocos, sobretudo quando sai da
38

esfera das ciências da linguagem e passa a estar a serviço das ciências sociais.
Provavelmente isso se deve ao caráter de conhecimento, ideologicamente
manipulável, dessa vertente das Ciências.

Anterior à Análise do Discurso, surgiu no início do século XX, nos Estados


Unidos, a Análise de Conteúdo, vista como sendo uma técnica de pesquisa que
trabalha com a palavra. Ao contrário da análise do discurso, cuja interpretação só
será qualitativa, esta linha de análise pode servir aos dois tipos de pesquisa: a
qualitativa e a quantitativa. Enquanto a análise do discurso trabalha com o sentido, a
análise de conteúdo trabalha com o conteúdo, com a materialidade linguística
através das condições empíricas do texto, estabelecendo categorias para sua
interpretação. O texto passa a ser, então, um meio de expressão do sujeito, onde o
analista busca categorizar as unidades de texto que se repetem (abordagem
quantitativa), considerando a presença ou a ausência de uma dada característica,
num determinado fragmento da mensagem (abordagem qualitativa).

Na análise das entrevistas para essa pesquisa percebeu-se ênfases, pausas,


metáforas, falas subentendidas, que, certamente, servem para elucidar ainda mais a
análise de discurso feita pelo pesquisador. Isso mostra a complementaridade entre
as formas de interpretação abordadas. Vários autores, dentre eles, os já citados, a
colocam como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter
sistematicamente no conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas
mensagens.

Laville e Dionne (1999, p. 215), afirmam que à medida que colhe informações
o pesquisador elabora sua percepção do fenômeno e se deixa guiar pela
especificidade do material selecionado. Parece pertinente afirmar que quaisquer que
sejam as formas de análise escolhidas, ao pesquisador cabem o conhecimento das
mesmas e uma escolha consciente do referencial analítico que será um dos
principais norteadores de sua pesquisa.

No caso da análise dos dados nessa pesquisa, a inserção dos diferentes


sujeitos nos diferentes tempos mostrou-se um impeditivo à análise quantitativa de
frequência de itens, embora uma palavra ou expressões sinônimas a ela se mostrou
recorrente nas falas de boa parte dos entrevistados: a metacognição dos processos
39

como um ganho da avaliação formativa, que será adiante melhor discutida. Como se
trabalhou bastante com as lembranças e a memória vivida na reconstrução dos
fatos, as muitas reticências e pausas nas falas pareceram ser indicativas de
evocação, de busca pelo momento vivido. Assim como a repetição da interjeição:
"né?" pareceu indicar uma tentativa de validação e confirmação da situação
evocada.

Carneiro e Carneiro em artigo publicado em 2007, denominado Notas


introdutórias sobre a análise do discurso, afirmam que os discursos se movem em
direção a outros, nunca está só, sempre está atravessado por vozes que o
antecederam e que mantêm com ele constante duelo, ora legitimando-o, ora o
confrontando. Citando Foucault (2005) os referidos autores afirmam que o discurso é o
caminho de uma contradição a outra: se dá lugar às que vemos, é que obedecem à que
oculta. Analisar o discurso sob essa premissa é, portanto, fazer com que apareçam e
reapareçam as contradições, é mostrar o jogo que nele elas desempenham; é
manifestar como ele pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhe uma fugidia
aparência. Segundo tais autores toda identidade do discurso são construções feitas
através do próprio discurso, por isso permeável e passível de movências de sentido.
Nesse sentido, o trabalho de análise das entrevistas nessa pesquisa procurou
entrecruzar os discursos e pelo menos, no âmbito da gestão, ficou perceptível um olhar
mais idealizado em relação à expectativa das famílias sobre os processos da escola, de
um gestor em relação a outro.

O que define de fato o sujeito é o lugar de onde fala. Foucault diz que “não
importa quem fala, mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar” (2005, p. 139). Na
pesquisa em questão, O lugar de onde foi proferido o discurso foi preponderante para
sua análise, pois difere os sujeitos e suas interpretações do fenômeno, entendendo
como lugar o âmbito da gestão, da docência, dos alunos e de suas famílias.

Conforme já observado, quando um discurso é proferido, ele já nasce filiado a


uma rede tecida por outros discursos com semelhantes escolhas e exclusões. Esse
estudo de caso analisou os discursos à luz das teorias postas para essa questão,
interpretando seus sentidos, o que levou à confirmação ou esclarecimento das questões
proposta pela pesquisa.
40

CAPITULO II – REVISÃO DA LITERATURA

2.1 INOVAÇÃO: RESISTÊNCIA E ENTRAVES EM UMA PROPOSTA DE AVALIAÇÃO

Inovação é conceito sujeito a algumas interpretações diferenciadas, e pela


sua natureza, encontrou distintas leituras no cenário estudado. Conforme denuncia
Hord (1987) citado por Hernandez (2000, p. 19) em sua análise sobre as inovações
nas escolas, [...]“inovação é qualquer aspecto novo para um indivíduo dentro de um
sistema”. A análise dos dados da pesquisa permite a afirmação que, para aquele
momento específico, havia membros da gestão e do corpo docente da escola em
questão que estavam mais ou menos acessíveis às mudanças.
Hernandez et al.(2000) teorizam muito bem essa situação prática quando
afirmam que a inovação não é a mesma para quem a promove, para quem a facilita,
para quem a põe em prática ou para quem recebe seus efeitos. Hengemühle (2004)
analisando a gestão de ensino e práticas pedagógicas referenda esse autor, quando
denuncia a não linearidade e a lentidão da mudança de paradigmas, pois mexe com
a estrutura, a cultura, os hábitos das pessoas. Nessa mesma linha, Perrenoud
(1993) afirma que a utopia é sociológica, pois envolve os adultos e as organizações,
hábeis em criar argumentos contrários às mudanças.

A redemocratização do país corporificada na Constituição Federal de 1988


desencadeou um processo lento, mas persistente de mudanças na educação,
culminando na Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e em
1997, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Essas iniciativas legais,
importantes na esfera do Estado, estimularam as mudanças, mesmo que lentas, nas
escolas. Situação similar aconteceu na escola analisada, cujos docentes viam
legitimadas as concepções em estudo nos documentos oficiais.

A história da inovação escolar, conforme apontam Hernandez et al (2000), é


um amálgama de grandes ideias, momentos brilhantes e oportunidades perdidas e
as inovações sempre aparecem vinculadas a questões ideológicas, sociais e
econômicas. Elas dependem, para serem consideradas como tais, da conjuntura em
que emergem, de quem são seus promotores e da incidência e da extensão que
adquirem. O mesmo autor afirma que as inovações de maior incidência e que
permaneceram foram aquelas que deram melhores respostas às necessidades da
41

escola ou da sociedade. Gandin (1995, p. 29), ao tratar do planejamento


participativo, afirma que, em tempos de crise, há basicamente duas tendências: “de
leitura e compreensão do mundo, por um lado, e de luta pela construção de
determinadas estruturas sociais, por outro”. Esse autor atenta para a suposta
neutralidade que, de fato, não existe e que grupos se reúnem em torno de processos
de conservação e de transformação. Naquele momento a crise paradigmática que
existia na sociedade se refletia na escola e em seus atores e forças de mudança,
como era de se esperar, também esbarravam em forças de preservação.

Messina (2001, p. 226), em artigo publicado sobre mudança e inovação


educacional, identifica dois componentes da inovação: “a) a alteração de sentido a
respeito da prática corrente e b) o caráter intencional, sistemático e planejado, em
oposição às mudanças espontâneas”. A mesma autora reafirma a ideia de que
inovação é processo multidimensional, capaz de transformar o espaço no qual o
indivíduo habita e de o mesmo transformar-se a si próprio. Continua reiterando o que
os teóricos da inovação defendem: o envolvimento dos atores pela continuidade dos
esforços inovadores e pelo papel integrador que corresponde a um significado
compartilhado sobre inovação, para que ela cumpra a sua função projetiva.

Outros teóricos são apontados pela autora, dentre eles Hernandez (2000), o
qual denuncia que as inovações nas escolas têm sido mudanças pensadas de cima
para baixo, são originárias dos marcos gerados nos níveis centrais de ensino,
regulamentando e homogeneizando a inovação. Nessa mesma linha, Fullan (2000)
afirma que inumeráveis propostas inovadoras bombardeiam os professores em
escolas, onde o novo não encontra lugar.

No caso estudado a proposta não veio do corpo docente. Não é da cultura


escolar brasileira esse movimento. Mas a proposta encontrou de início, respaldo
entre alguns professores. Por questões culturais igualmente não se percebeu uma
resistência declarada do restante do corpo de professores. Situação alterada no
decorrer do processo.

O mundo da produção emprestou ao setor da educação o termo inovação,


incluindo o seu significado de gestação, implementação e generalização. Sob essa
lógica, o momento que a escola analisada começou a viver, era de gestação de uma
‘utopia promissora’ conforme assinalara Hadji (2001, p. 22), para quem a avaliação
42

formativa é uma esperança legítima em situação pedagógica, é o horizonte lógico de


uma prática avaliativa em terreno escolar. Para além da utopia, porém, a
racionalidade do sistema também empresta à educação a relação custo-benefício.
Em se tratando de escola particular, que foi a do caso estudado, essa lógica foi
indubitavelmente levada em conta.

A inovação, após a fundamentação teórica de gestores e corpo docente,


começaria pela avaliação e a prioridade dada à mudança na avaliação não viera por
acaso. Havia a crença entre seus gestores de que, se o corpo docente se
apropriasse da epistemologia da avaliação formativa e buscasse meios para que
fosse implementada, todo o resto seria inexoravelmente afetado, considerando que
a avaliação mexe, em maior ou menor grau, com todas as dinâmicas escolares e
parece ser, muitas vezes, a síntese de todos os processos vividos. Pela análise dos
dados, entraves de naturezas diversas mostraram, mais tarde, que essa
fundamentação teórica não seria o bastante para a mudança.

Para o entendimento desse caráter da avaliação era preciso que se


entendesse como o conhecimento se processa. Uma das preocupações iniciais da
escola em questão era detectar as concepções dos professores sobre como isso
ocorre. Para sistematizar a proposta do construtivismo em sala de aula, tendo a
avaliação formativa como foco, parecia ser necessário saber sobre a epistemologia
do professor. Becker (1998) ao indagar sobre essa epistemologia provoca a reflexão
sobre a natureza do conhecimento do professor em relação aos processos de
aprendizagem.

Questões dessa natureza foram levantadas na escola estudada. Iniciavam-se


os momentos de formação. Nesse período gestacional, toda uma fundamentação
teórica sobre avaliação foi requerida. Palestras, cursos e consultorias foram
promovidos para esse fim. Renomados estudiosos do assunto, com várias
publicações dessa natureza, dentre eles, alguns citados nessa pesquisa,
desenvolveram trabalhos consistentes e sistemáticos de acompanhamento das
práticas avaliativas da escola, discutindo com os professores os processos em sala
de aula.

O caráter dialógico permeava a proposta de mudança. Certamente, por isso


mesmo, os gestores, naquele momento sabiam que, de sua parte, era preciso iniciar a
43

reestruturação do projeto político pedagógico, ressignificar o planejamento e expor os


instrumentos avaliativos a vários olhares. Nessa tarefa era preciso contar com uma
grande dose de voluntarismo dos professores, importantes agentes da mudança.
Porque cada ação era fundamentada, teoricamente, por meio de várias leituras e
discussões. Hengemühle (2005, p.196) trata da importância da gestão nesses
processos, quando a coloca como um referencial de mudança:

Nunca consideramos a gestão como uma atividade puramente técnica,


divorciada dos valores e objetivos educacionais, um receio sentido por
muitos dos atores escolares. A gestão deve ser antes tomada como uma
atividade que pode facilitar e estruturar a definição de objetivos e que pode
igualmente dar-lhes expressão prática.

No que se refere à reestruturação do Projeto Político Pedagógico, era


necessário considerar sua dialética ou inseri-la, se fosse o caso. A percepção que se
tinha do mesmo é que, em sua tessitura, ele já trazia a base filosófica da mudança,
mas nem sempre legitimado nas práticas cotidianas. Mostrava-se ali uma prática
recorrente nas escolas: manter documentos alheios às práticas de rotina,
normatizados institucionalmente, mas não escolarizados face à práxis pedagógica.

Parece pertinente adequar para essa questão alguns pontos levantados por
Gandin (1995, p.33), como aspectos que devem ser considerados no planejamento
participativo em uma dada instituição, que são: “a realidade global existente, que nos
diz como o grupo percebe a realidade em seus problemas, desafios e expectativas,
sendo isso o seu marco situacional; a desejada que seria a utopia social do grupo ou
marco doutrinal; a realidade desejada no campo das ações, que seria seu marco
operativo”. O grupo, então, confrontando esses aspectos, chegaria ao diagnóstico
das necessidades da instituição. Vasconcellos (2000) reitera as ideias de Gandin
(1995), quando afirma que o Projeto Político Pedagógico obedece a alguns
princípios e deve conter itens, ordenados e interligados, seguindo um roteiro
metodológico: a justificativa; o contexto referencial; o contexto situacional; o contexto
doutrinal; o contexto operacional; a programação, as metas quanto ao corpo
docente, ao corpo discente, aos pais, à comunidade; as ações; a avaliação e a
conclusão. Essa prática da construção coletiva viria a ser legalizada na aprovação
da Lei de Diretrizes e bases para a Educação (Brasil. LDB 9394/96), em seus artigos
12/13, a saber:
44

Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as de seu


sistema de ensino, terão a incumbência de: I – elaborar e executar sua
proposta pedagógica (LDB, 1996, p. 16).

Os docentes incumbir-se-ão de: I – participar da elaboração da proposta


pedagógica do estabelecimento de ensino. II – elaborar e cumprir o plano
de trabalho, segundo as proposta pedagógica do estabelecimento de ensino
(Idem, p.17)

Gadotti (2000, p. 35) afirma que “a crise paradigmática atinge a escola e ela
se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição na era da
globalização da economia, das comunicações, caracterizada pelo pluralismo político,
pela emergência do poder local. Era em que cresce a reivindicação pela autonomia
contra toda forma de uniformização e o desejo de afirmação da singularidade de
cada região, de cada língua, das características de cada povo, onde a
multiculturalidade é a marca mais significativa desse tempo”. Nesse contexto, o
autor indaga o que é o Projeto Político Pedagógico da escola e reforça o que foi
proposto na Lei de Diretrizes e Bases sobre a gestão democrática, afirmando que
essa natureza de gestão escolar é uma exigência de seu Projeto Político
Pedagógico.

Gadotti (2004, p. 257) reforça suas considerações anteriores, quando afirma


que “a autonomia permite maior flexibilidade e responsabilidade para que a
pluralidade não seja sinônima de má qualidade, mas de transparência, coordenação
e organicidade. A construção coletiva do Projeto Político Pedagógico da escola
requer autonomia da instituição numa gestão democrática, de participação,
cumprindo a escola seu papel de ser referencial de cidadania”.

Veiga (2001) concorda com os outros autores quanto à sua estrutura, mas
trata da dialética que o envolve, pois tal dialética aglutinará crenças, convicções,
conhecimentos da comunidade escolar, do contexto social e científico, constituindo-
se em compromisso político e pedagógico coletivo. Nessa mesma linha,
Hengemühle (2005) acrescenta a necessidade de uma mudança cultural que
embase a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico e da sua presença viva
no cotidiano escolar.

Na escola estudada tais dificuldades eram sentidas. A presença de um


documento desse porte, que não era devidamente legitimado nas práticas do dia a
dia, causava certo desconforto, certamente, porque a consciência da necessidade
45

de sua construção e prática coletiva já havia se instaurado. Nesse sentido,


Hengemühle (2005) denuncia que as comunidades escolares, acostumadas a
receber tudo pronto, precisam aculturar-se ao desafiante exercício da construção
coletiva, incluindo o Projeto Político Pedagógico.

Pela interpretação do discurso gestor da escola analisada, ficou evidente


nesse estudo que, naquele momento, era necessário desconstruí-lo e ressignificá-lo
para as novas demandas que surgiriam com a inovação. Era necessário reconstruí-
lo coletivamente face aos novos cenários que se configuravam do local ao global, ao
perfil do aluno que se tinha (do ser) ao perfil de aluno a que se desejava (do dever
ser); aos fundamentos norteadores do fazer pedagógico; ao perfil do professor e da
instituição, à mudança a que a escola se propunha fazer. Esse processo foi
acontecendo concomitante a outros movimentos, dentre eles a formação continuada
dos professores.

A formação de seus educadores era prática recorrente e investimentos eram


garantidos para esse fim. Naquele contexto, os momentos de formação foram
institucionalizados. Era pertinente diferenciar a formação inicial e a formação
continuada. Verificar o estado da arte para direcionar melhor quem coordenaria,
entre os gestores e professores, esse processo de formação permanente.

Imbernón (1994) diferencia formação inicial de formação continuada e


permanente. Segundo ele, a primeira refere-se à aquisição de conhecimentos
fundamentais e a segunda, com caráter de aperfeiçoamento ao longo de toda a vida
profissional. Nesse sentido, a formação continuada estaria diretamente ligada ao
desenvolvimento de competências que vai além dos limites dos saberes.
Conhecimentos e competências, nessa perspectiva, são complementares e ambos
colaboram para os processos em sala de aula, bem como para o resgate profissional
do professor.

Num sentido mais filosófico e contrariando certa linearidade nesses


processos, Carvalho (2002), em artigo publicado, afirma que nem sempre os
professores são responsáveis pela produção dos objetivos, conteúdos e métodos de
seu trabalho, transferidos para equipes técnicas, pacotes de ensino, livros didáticos
e outros. Por conta disso, ocorre um estranhamento entre os professores e sua
produção/trabalho.
46

Reportando aos não-lugares ressaltados por Augé (1994), como espaços de


consumo e de alienação, como espaços não identitários, o professor ocuparia,
nessa perspectiva um não lugar pois tende a ser consumidor ou usuário de saberes
e lógicas alienígenas para eles. Sob a lógica de Certeau (2001), o lugar, ao contrário
do não lugar, é a ordem, qual seja ela, de acordo com a qual elementos se acham
uns ao lado dos outros e mantém relações de coexistência. Entretanto, não perdem
suas identidades. Sob essa perspectiva do lugar e não lugar, parece pertinente
afirmar que, na realidade estudada, o professor encontrava-se num entrelugar. Não
era totalmente gestor de sua formação, pois havia uma proposta formalizada e
engendrada pela escola, mas não era alienado da mesma, uma vez que não estava
passivo às mudanças.

Na visão de Carvalho (2002) os trabalhos dos professores, como autores,


mesmo enquanto individualidades, fariam com que eles ocupassem um lugar que
lhes seria próprio, visto que a lei de um lugar próprio se expressa pela autoria
definida e, portanto, pela criação, mesmo personalizada/individualizada. Não se
pode afirmar, para a escola estudada, que professores eram autores da sua própria
formação, mas eram estimulados a sê-lo. Eram estimulados a ressignificá-la.
Entretanto o caráter era formal, com horas pagas, registradas em holerites, com
horários demarcados e, pela análise dos dados, ficou perceptível que havia a
expectativa clara por parte da gestão que isso desencadeasse, de fato, ações
concretas em sala de aula em favor da proposta inovadora.

Nesse sentido, na escola estudada, todo um acervo bibliográfico, do que se


tinha de mais novo e de melhor qualidade em termos de pesquisas e obras ligadas à
proposta construtivista sócio-interacionista e a avaliação como foco, foi adquirido e
disponibilizado aos agentes educacionais a começar por seus gestores. Congressos,
palestras, seminários, trazendo os novos paradigmas no campo educacional foram,
pouco a pouco, jogando luzes e apontando a necessidade de mudança.

Essa fase, como em outras escolas que iniciaram a inovação, foi


caracterizada por um voluntarismo, liderança e desejo de mudança. Atitudes como
essa conviviam com algumas inseguranças. Mas, como era de se esperar, a
proposta gerava ambivalências entre o que se lia, discutia e o que se propunha a
praticar. Na mesma medida, gerava resistências em alguns membros do corpo
docente, preocupados com a sobrecarga de trabalho que isso acarretaria como a
47

quantidade de instrumentos e o olhar individualizado, agora necessário ao trabalho


pedagógico, bem como a exposição do planejamento, agora não mais um mero
instrumento burocrático, mas dialógico, reavaliado, quando necessário, instrumento
que se esperava, fosse de práxis pedagógica. Essa pesquisa investigou sobre essas
ambivalências e como isso foi afetando as dinâmicas de sala de aula.

2.2 FASE DA IMPLEMENTAÇÃO – ENTRAVES TEÓRICOS E PRÁTICOS

Na escola analisada, no período em que tais mudanças foram propostas,


resistências foram percebidas. Entretanto, iam ganhando corpo internamente,
algumas inquietudes contrárias à massificação do ensino e em favor da urgência de
um olhar mais cuidadoso sobre os processos individuais; foi tomando forma um
desassossego quanto aos métodos instrucionistas que ainda permeavam as práticas
pedagógicas. Começou-se a pensar em intervenções que dessem conta das novas
demandas que surgiam na sala de aula ou que, certamente, lá já estivessem, sem
que antes se desse conta delas. Foi se criando uma necessidade pela mudança.
Mudar os processos em sala de aula, mudar a relação professor/aluno, mudar a
relação dos aprendizes com os objetos de conhecimento. Esse desassossego, que
acabou impulsionando as mudanças, não surgiu do vazio, mas de uma emergência
de situações novas.

Como uma instituição escolar ela refletia as transformações sociais, era


afetada pelos acontecimentos do local ao global, consubstanciados nas reformas
neoliberais, impostas pelo centro do sistema capitalista em relação à periferia e
pelas próprias ações do Estado, em decorrência dessas reformas, impactando a
educação e as instituições de ensino. Naquele momento a recente queda do muro
de Berlim parecia ter colocado em xeque ideias universalizantes que não deram
conta do conjunto da evolução da sociedade, era o germe de uma grande crise de
sentido que tomaria os anos vindouros e que, por ora, se instala em nossos dias.

O anúncio da proposta, entretanto, foi feito pelo grupo gestor, bem como
partiu dele o início dos investimentos necessários à sua implementação, incluindo
toda a fundamentação teórica que esta exigia. Entre o anúncio da proposta e a fase
inicial de implementação, propriamente dita, entre 1997 a 2000, decorreram-se,
aproximadamente quatro anos. Este período foi considerado, sob a ótica dessa
pesquisa, como gestacional. A formação continuada em serviço se intensificou. Um
48

esforço maior também se concentrou na ressignificação dos currículos e, em


decorrência, dos planejamentos.

Começava a se delinear uma cultura na escola que, mais tarde, se firmaria no


Currículo em Movimento (SANDI; CHIQUITO, 2009, p. 28), de que planejamento de
ensino é “processo, discussão, reflexão, negociação e produção de significado”.
Gandin (1995, p.41) já afirmava, entretanto, que o planejamento se exerce sobre a
“realidade institucional existente”. Realidade que a prática pode construir ou
transformar. A realidade da escola analisada, naquele momento, parecia ser de uma
escola em transformação. Havia a crença de que a mesma era lugar de construção
de seus agentes. Nesse sentido o planejamento foi dissecado e colocado à luz do
dia-a-dia da sala de aula. Professores e gestores da escola, juntamente com outros
agentes educacionais enviados pela mantenedora, discutiam exaustivamente os
planejamentos e os reestruturavam em seus objetivos, conteúdos e indicadores.
Cada um dos elementos do currículo foi profundamente estudado.

Os planos de ensino, momentos de registro do produto advindo do processo


de planejamento, tinham também o caráter processual e reflexivo pelas muitas
construções e desconstruções. Sua subjetividade residia nas intenções nele
registradas, por meio de intensas e demoradas reflexões. Essas iniciativas vinham
ao encontro também da necessidade de se instaurar na escola a cultura do
processo, do questionamento ao conhecimento pronto e acabado, o que se
acreditava refletir nos processos em sala de aula. O planejamento contava com o
protagonismo dos professores, coordenadores e, muitas vezes, era discutido com os
agentes educacionais enviados, prática que pouco a pouco se tornou recorrente.

Eixos estruturantes, como grandes marcadores teóricos, norteavam a


distribuição de conteúdos e objetivos. Como uma coluna dorsal de cada componente
curricular, atravessavam todos os segmentos, da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Tais deveriam estar clarificados nos planos de ensino, numa lógica de sentido em
que conceitos escolarizados ancorassem novas aprendizagens, de ano para ano ou
de ciclo para ciclo. Desses eixos decorriam: o objetivo geral (marco doutrinal) da
escola em consonância com os objetivos gerais da Educação no Brasil, conforme
documentos oficiais; o objetivo geral do componente curricular; os objetivos
essenciais para o ano ou ciclo, os objetivos específicos e os indicadores de
avaliação que são os mais operacionais.
49

As taxionomias, conforme reforçam Sandi e Chiquito (2009 p. 50), aquelas


que tratam de organizar e classificar operações cognitivas (expressas pelo verbo)
seguindo certa escala de complexidade, foram revisitadas e confrontadas entre si e
também com os processos ocorridos em sala de aula. Verbos, antes anômalos,
passaram a estar carregados de intencionalidades que eram explicitados para o
aluno.

No que se refere aos objetivos, reportou-se bastante ao pensamento


vygotskyano. Esse pensador foi defensor da relação entre conhecimento real e
potencial, entendendo como Conhecimento Real o estado onde o aprendiz se
encontra e Conhecimento Potencial, aquilo que ainda não faz parte do seu
repertório, mas que se espera dele, conhecimento que se situa numa Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP). Para tanto, são importantes os saberes já trazidos
pelos estudantes e os objetivos serviriam, exatamente, para potencializar esse
conhecimento, ampliando a ZDP.

Moreira (1999) afirma que nessa Zona de Desenvolvimento Proximal há um


espaço psicológico que articula o conhecimento real, aquilo que o estudante já sabe
ao conhecimento potencial, aquilo que o estudante não consegue fazer sem ajuda.
Ensinar significaria, portanto, criar situações e estratégias que fomentaem zonas
sucessivas e cada vez mais ampliadas de desenvolvimento proximal e nelas intervir.
O objetivo em um plano de ensino, nessa perspectiva passa a ser tratado como
potencial de aprendizagem. Sob essa premissa, uma grande ênfase foi dada, na
escola estudada, ao estudo e entendimento dos objetivos no planejamento. A eles
se associou o conhecimento potencial, ou seja, àquilo que se espera do aluno.
Procurou-se registrar os objetivos, e mais que um registro, os mesmos seriam os
verdadeiros referenciais para as avaliações em seu caráter de recorte e/ou de
processo e para as necessárias intervenções em sala de aula.

É referendada essa perspectiva pela instituição pesquisada quando registra


em um de seus muitos documentos (Currículo em Movimento- Projeto Educativo, p.
56) que, se para a modernidade o sujeito é pensado como o ser, aquilo que é, numa
dimensão totalizante, para o pensamento pós-moderno o sujeito é devir, um vir a ser
que não cessa de acontecer. Essa linha vem ao encontro do pensamento de Hadji
(2001), de quem cujas ideias foram também amplamente discutidas, chamando
atenção para o cuidado no julgamento desse processo e que é o cerne da avaliação
50

formativa, uma vez que é exatamente no espaço psicológico entre o conhecimento


real e o potencial, entre o que é e o que deve vir a ser que a ação do professor será
mais requerida, pois é aonde carece de maiores regulações. Essa preocupação
começou a ser, de fato, colocada em pauta. Nessas discussões surgiram demandas
que vinham afetando todas as outras unidades ligadas à mantenedora da escola
estudada. Tal movimento perpassava todas as outras e os problemas e inquietudes
eram semelhantes.

A avaliação formativa já era, a essa altura objeto inteligível para parte do


corpo docente, havia a concepção de que o ensino tradicional calcado na
memorização não estava em consonância com a nova proposta de avaliação. A
crença em uma proposta de ensinagem que viesse colaborar com as Zonas de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) e com momentos avaliativos operatórios, de
produção e não de reprodução de conhecimento, acompanhou todo o processo de
implementação. Durante esse período, em consonância com as mudanças
paradigmáticas na educação, a escola em questão, também se fundamentou nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), conforme já mencionados, um artefato
oficial que veio exigir e dar base legal às mudanças que a mesma já vinha
implementando. Pressupostos teóricos do construtivismo socio-interacionista
também permearam a feitura dos referidos parâmetros e existiam obras similares
nas referências bibliográficas dos PCNs àquelas disponibilizadas no acervo da
biblioteca da escola em questão.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e os Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN) viriam preencher essa lacuna de documentos oficiais
que legitimassem as inovações necessárias nas escolas. Gadotti (2000) continuaria
insistindo na necessidade de se pensar numa infraestrutura de dimensão macro, que
passasse pela esfera política e que não se tirasse a autonomia das escolas na
autogestão de seus Projetos Políticos Pedagógicos. Entretanto tal autonomia e
protagonismo, naquele momento, na escola em questão, careciam, a priori, do
protagonismo de seus educadores, referenciais que colaborariam na construção do
aluno como sujeito autônomo. Educadores que, no fazer diário e na avaliação de
seu percurso, se apropriassem e legitimassem a proposta.

As motivações que levaram alguns professores, de início, a encamparem a


proposta, em detrimento de outros, foram objetos de investigação dessa pesquisa e,
51

dentre elas, destacaram, pela análise dos dados, o potencial de risco e a adequação
ao novo de alguns professores em relação aos outros, bem como outras
características idiossincráticas; a descrença pelo novo, graças à vivência anterior de
processos de inovação frustrados; a interpretação distorcida ou simplista da
proposta; a falta de diretrizes mais claras; a ausência de documentos/instrumentos
próprios da instituição que fundamentassem a proposta.

Não obstante a todo o investimento feito na formação e ao caráter dialógico


em que as mudanças foram propostas, elas não ocorreriam sem resistências. Mas
os maiores entraves começaram a surgir quando, de fato, começou a prática da
avaliação formativa, transformando processos, instrumentos e relações em sala de
aula. Os entraves eram de natureza teórica, relacional e estrutural, dentre esses
últimos, a resistência à sobrecarga de trabalho, problemas disciplinares, dificuldades
de um acompanhamento sistemático e individualizado, face ao número de alunos
por sala.

No que diz respeito aos entraves de natureza teórica, eram percebidos nas
diferenças de fundamentação teórica entre os professores, embora esse
investimento fora e continuasse a ser feito, algumas deformações ou más
interpretações da epistemologia da avaliação formativa interferiam na prática e,
entre o risco e a segurança, alguns optaram pela última, mantendo práticas
tradicionais. Aulas dinâmicas, em que o aluno podia perguntar, opinar, debater,
contrastavam com outras em que este mesmo aluno não abria a boca. Fernandes
(2006), em seu artigo sobre a necessidade de uma base teórica sobre a avaliação
formativa mais próxima da realidade, chama a atenção para esses entraves de
natureza teórica e para os obstáculos, nesse sentido, nos contextos, dinâmicas e
ambientes de ensino. Propõe ainda que se descrevam, analisem e interpretem as
realidades da avaliação formativa nas salas de aula, de forma a desenvolver a
investigação empírica e a construção teórica nesta área.

A audácia com que os gestores encaminhavam os processos de


sistematização da prática formativa começara a esbarrar em conflitos que surgiam
nos imediatismos do dia-a-dia. Hernandez et al. (2000, p. 22) colocam como um dos
pontos da inovação a presença do conflito, “que deve ser recebido de forma positiva
e não eliminado por decreto”. Administrá-lo na prática, entretanto, não é tarefa
simples. Parecia, naquele momento, que existiam tensões filosóficas e práticas entre
52

professores mais jovens e professores mais antigos na profissão e na instituição,


gerando conflitos pessoais que entravavam o processo.

Começa a perpassar a ideia de que era apenas mais um modismo na


educação. Isso foi percebido também em um caso de inovação investigado por
Hernandez et al. (2000) em uma escola na Espanha (Catalunia) que iniciou a
Reforma Educativa, proposta pelo Ministério da Educação daquele país, em que
várias falas foram analisadas. Pode-se destacar uma que traduz bem o sentimento
daqueles primeiros anos da prática da avaliação formativa na escola estudada, dada
à similaridade entre as situações:

[...] às vezes as pessoas mais antigas da escola têm certas dificuldades


para entender as novas visões ou outras posturas e, de certa maneira,
acontece um pouco do que acontece em todos os lugares: chega um
momento em que uns sentem dirigidos e outros se sentem dirigentes
criando tensões nesse sentido. Isto não favorece a ninguém, porque os que
têm as responsabilidades, que nesse caso seria a equipe administrativa, às
vezes também devem sentir-se um tanto incomodados, suponho, se veem
que estão planejando algumas coisas que não repercutem em ninguém […].
Essa tensão impede entrar numa fase de normalização da vida da escola, a
qual, como ela mesma indica, é a que corresponderia ao momento atual da
inovação dado à evolução e o debate que se fez na escola. (HERNANDEZ,
2000, p. 89)

Em decorrência dessas tensões, surgiram os problemas mencionados, de


ordem relacional, entre aqueles que estavam buscando alcançar os objetivos
propostos e, aqueles que, por diversas razões, não estavam conseguindo avançar.
Havia certo respeito da instituição ao ritmo de cada um, considerando que se
esperava o mesmo do professor em relação ao aluno em sala de aula. Havia a
crença, similar à crença da escola acima referenciada, de que em um dado
momento a vida na escola se normalizaria.

Para engajar tais docentes, a escola, em alguns momentos, propôs o trabalho


com projetos, fazendo uso de temas aglutinadores que envolviam todas as
disciplinas, concepção interdisciplinar validada pela proposta construtivista já que
propõe a análise do mesmo objeto, sob vários prismas, pressupondo, portanto, o
trabalho investigativo e a construção do conhecimento significativo. Essa proposta
não era recente. Vasconcelos (2009), citando Kilpatrick (1871-1965), de quem cujo
artigo: Método de Projeto teve particular importância para sua validação na
educação, esclarece que é uma atividade realmente intencional.
53

Vasconcelos (2009) explica que, embora pautado numa postura


comportamentalista de aprendizagem (estímulo-resposta, efeito, exercício), seu
objetivo, através dessa metodologia de trabalho é contribuir para a democracia,
através da formação de alunos que façam do ato intencional- e não da aceitação
servil da coação- uma postura de vida. Mas o mesmo autor aponta para as
dificuldades que já foram percebidas nessas idas e vindas do trabalho por projetos
nas escolas, dentre elas a estrutura física, a formação docente e a cultura curricular
instrucionista arraigada tanto nos professores, quanto nos familiares.

Na escola analisada a não continuidade do trabalho com projetos, mais do


que uma questão de cultura curricular, estava ligada a um desconforto em vários
docentes relacionado à resistência à sobrecarga de trabalho que já vinha
aumentando, em decorrência da prática da avaliação formativa e de seus vários
instrumentos: testes, trabalhos em grupos, produções de textos, fichas a serem
corrigidas. Tardif e Lessard (2005, p. 112), ao investigarem sobre o trabalho docente
e enfocarem os elementos para uma teoria da docência como profissão de
interações humanas, assim colocam:

[…] a docência é um trabalho de limites imprecisos e variáveis de acordo


com os indivíduos e as circunstâncias, e também segundo os
estabelecimentos e os quarteirões e localidades.
Desse ponto de vista a docência é um trabalho que podemos denominar
parcialmente flexível, do qual alguns limites quantitativos e qualitativos
dependem de muitos fatores. Dissemos “parcialmente elásticos” (e não
completamente) porque algumas tarefas tem uma duração legal bem
determinada pela organização escolar [...] outras tarefas podem variar
quanto à duração e à frequência, pois elas dependem da experiência do
professor, de sua relação com o trabalho, etc.

Tais autores ainda ressaltam que as chamadas tarefas flexíveis são regidas
por certas normas e que há um “tempo médio” para as tarefas regulares como
correções e preparação de instrumentos, em função do nível de ensino, dos grupos
de alunos, da matéria ensinada, etc. Que alguns professores fazem, exata e
unicamente, o que é previsto pelas normas oficiais da organização escolar,
enquanto outros se engajam a fundo no trabalho, a ponto de o mesmo invadir sua
vida particular. Situações dessa natureza foram percebidas na escola em questão. O
envolvimento de parte dos professores da escola fazia com que os mesmos
dedicassem suas noites e finais de semana às tarefas extras.
54

A ausência ainda de unidade de ação entre os professores, quanto à


implementação da proposta, fazia com que tivessem práticas diferentes em um mesmo
espaço, inquietando algumas famílias. A pesquisa investigou se faltou, nesse momento,
um olhar no âmbito da gestão em relação ao acompanhamento sistemático do trabalho
docente, delineando quais as ajudas necessárias cada docente precisava, para fins de
efetivação da proposta, ou se o propagado respeito ao ritmo de cada um inibiu os
gestores nesse acompanhamento nas salas de aula. Conforme será tratado adiante,
sob a ótica da gestão, esse acompanhamento ocorreu, embora não por meios tão
explícitos, como os relatórios de avaliações de professores.

Os debates, as contradições, as problemáticas levantadas nos processos de


construção do conhecimento, muitas vezes, se misturavam à indisciplina,
propriamente dita, de alunos, na sua maioria adolescente, com representações já
arraigadas de ensino tradicional, inclusive no seio de suas famílias, que julgavam
como menos ‘sérios’ os momentos pedagógicos de construção do conhecimento e
alguns diferiam os professores entre os que ‘botavam moral’ e os outros que eram
mais flexíveis. Apesar dos estudos e discussões sobre a ressignificação do conceito
de indisciplina, isso representou mais um entrave à efetivação da proposta e gerou
algumas frustrações.

Para Hernandez e Ventura (1998) a função de uma teoria psicopedagógica


sobre o aprender pode servir de elemento de reflexão para a prática, mas em geral,
não pode ser transferida a ela de uma maneira direta, pois acreditam os autores que
teorias generalizam e a experiência de sala de aula se define pela sua singularidade.
Pode-se deduzir que singular também é o processo em que as teorias e situações
práticas se tornam objetos inteligíveis para cada indivíduo. Nesse sentido, em um
estudo de caso de uma escola espanhola: a Pompeu Fabra, Hernandez e Ventura
(1998, p. 31) retratam bem a não linearidade desses processos, a saber:

Nem todos os professores seguiram esse processo, assim como nem todos
assimilaram da mesma maneira os aspectos de fundamentação de suas
decisões curriculares. Alguns por não estarem envolvidos na inovação:
outros, pelas dúvidas que essas referências comportavam na prática; e
outros, pela dificuldade de assumir a mudança de atitude profissional que
traz consigo. Mas essa diversidade faz parte da vida do centro e é um
reflexo de como a idiossincrasia e a biografia de cada docente influi no
trabalho coletivo.

O caso investigado pelos autores, ao contrário da escola estudada, trata-se


de uma inovação vinda de baixo pra cima, mas se assemelha bastante ao caso em
55

questão, por que tanto aqui como lá, conforme enunciado pelos autores, “o
movimento do currículo, favorecia e impulsionava que os próprios docentes
mediante um processo de formação baseado na pesquisa educativa e na análise
crítica de sua prática, enfrentassem diferentes problemas da educação escolar para
transformá-la, dotando-os de novos sentidos”. No caso analisado, a pesquisa
investigou se, nesse momento, faltara à gestão e ao corpo docente a lucidez sobre a
singularidade dos processos em sala de aula e as adaptações necessárias da
proposta de inovação. Problemas ligados à indisciplina de alguns alunos, na
singularidade de cada turma e até de cada aula, eram particularidades que pareciam
ter carecido de maior cuidado na implementação da proposta. Pela interpretação dos
discursos, evidenciou-se a preocupação dos gestores em avançar, mas fazendo as
justaposições e adequações, para garantir que procedimentos básicos não fossem
afetados.

As dificuldades de implementação de uma mudança podem estar no tipo de


caminho percorrido. No que se refere a essa visão, Acursio (2004, p. 68) apresenta
os dois percursos possíveis, a saber:

a) Curto caminho longo: onde se começa a partir de uma teoria, a mudar


processos, esperando que as pessoas se modifiquem para dar conta das
mudanças ocorridas na empresa. Aparentemente, esse caminho é curto.
Rapidamente, mudam-se os processos, mas não há sustentação para as
mudanças. As pessoas não se transformam e, em pouco tempo, vem a
descrença, surge o desânimo, perde-se a credibilidade e o caminho a ser
retomada o torna-se mais longo.

b) Longo caminho curto: é o caminho que passa primeiro pelos processos.


Aparentemente, esse caminho é longo: é mais demorado mudar pessoas, é
preciso que elas queiram mudar. Esse caminho, no entanto, é mais curto,
porque não há retrabalho, não exige fiscalização.

Outro obstáculo à efetivação da referida proposta parece ter sido a dificuldade


relacionada ao acompanhamento individualizado do processo de aquisição do
conhecimento, dado ao número de alunos por sala (entre 43 a 45). Dado ao caráter
ainda experimental da proposta, ainda não havia estudos que abordassem
profundamente essa questão ou não eram conhecidas muitas pesquisas nesse
sentido, já que as experiências eram isoladas. Pela sua incipiência, esse aspecto
ainda não constituíra objeto intelectual de investigação. A ardorosa defesa da
proposta por muitos estudiosos minimizava essa questão ou a colocava sob outro
prisma, em que a quantidade de alunos era nivelada à diversidade, interpretada
56

como benéfica para possibilitar a Zona de Desenvolvimento Proximal. Entretanto,


administrar isso, na prática, não era tarefa tão simples.

2.3 FASE POSTERIOR À IMPLEMENTAÇÃO – IMPASSES, RECUOS E

ADEQUAÇÕES.

A escola analisada encontrava-se em um difícil impasse: propagava o


construtivismo sócio-interacionista, com foco na avaliação formativa à sua clientela e
ainda não conseguira efetivá-lo. Guardadas as devidas diferenças entre uma
empresa comum e uma escola da rede particular, o seu caráter privado a expõe a
algumas relações de mercado, como as contratuais em que as partes: contratante e
contratada, firmam compromissos. Legalmente o que propagandeia é o que se
precisa cumprir, sob pena de incorrer em propaganda enganosa. Isso, de fato,
começou a incomodar muito seus gestores. A pesquisa investigou se questões mais
estruturais, no âmbito da instituição, não estariam inviabilizando a efetivação da
proposta, já que os entraves estavam focalizados com maior ênfase no segmento da
5ª a 8ª série (hoje, de acordo com a lei 11.274, de 06 de Fevereiro de 2006, 6º ao 9º
ano). Ficaram perceptíveis, pela análise dos dados, um acompanhamento mais
sistematizado dos processos no segmento dos anos iniciais e um olhar mais próximo
da família sobre esse segmento.

O acompanhamento mais de perto do segmento dos anos iniciais parece ter


colaborado para que a proposta avançasse bastante nesse referido segmento, o que
pressupunha a sua continuidade. Esse avanço, possivelmente, fez aumentar ainda
mais o compromisso de seus gestores, pois tais alunos entrariam com outras
demandas no início do segmento posterior. As turmas do Construtivismo, como
assim ficaram sendo chamadas, se mostraram, de fato, diferentes. Alunos mais
críticos, mais autônomos, investigadores e com uma maior capacidade de
estabelecer conexões, mostravam que aonde a proposta, de certa forma, ganhou
corpo, ela surtiu seus efeitos. Diante disso, algumas iniciativas foram sendo tomadas
por parte da mantenedora da escola estudada. Dentre elas, a contratação em 1999
de uma renomada empresa de consultoria: a De Paulus Consultoria, para avaliar o
cenário interno da instituição e captar os entraves à efetivação da proposta. Dentre
essas intervenções, entrevistas foram feitas com gestores e professores, por meio
de perguntas de naturezas diversas.
57

Sentimentos vários tomaram conta do corpo docente. Havia críticas ao caráter


empresarial da iniciativa que, na visão de alguns, nivelava a escola ao sistema de
produção capitalista. Havia ansiedade e receio de demissões. E elas vieram, ao final
do referido ano. Na visão dos gestores, fundamentados nas avaliações periódicas
desses professores e nos dados levantados pela referida consultoria, parte do corpo
docente, por razões diversas, não estava acessível às mudanças. Um dado
investigado é o fato de que os demitidos se constituíam, em boa parte, de
professores de maior idade e antigos na escola. A pesquisa demonstrou que a
resistência entre estes foi maior e que a demissão dos mesmos foi uma atitude
deliberada da gestão para que o processo não estagnasse, considerando que
representavam os guardiões de uma prática, que nesse momento, se pretendia
inovar.

A carga emocional que tais demissões trouxeram para os que ficaram foi
enorme. No momento, entre os que ficaram, havia aqueles que julgavam ter sido um
erro tantas demissões. A pesquisa investigou se, sob a ótica do processo, a
quantidade de demitidos, nesse momento, não interferiu negativamente na
efetivação da proposta e tenha sido um equívoco de gestão. Conforme pode ser
constatado mais adiante, pela interpretação dos discursos, percebe-se uma
diferença entre a visão dos gestores, aqui supracitada, e de parte dos docentes em
relação a essa questão.

Hernandez et al. (2000 p. 24) colocam que nenhuma inovação em educação


perdura, se não se conta com os professores. De fato, aquele voluntarismo dos
professores, que marcou o período anterior e, imediatamente posterior, à
implementação da proposta, não resistiu aos entraves ao longo do percurso. Os
mesmos autores (p. 25), em análise sobre o fracasso das inovações, colocam o
insucesso da maior parte delas no fato de que seus “planejadores e executores
ignoram toda uma série de questões importantes, para que uma noção e um
processo de mudança sejam efetivos”. Especialmente não levam em conta que os
professores desempenham um papel fundamental nas inovações realizadas nas
escolas. Entretanto, o impasse já mencionado levou a gestão, naquele momento, a
optar pelo desligamento de parte do corpo docente.

Não se encontram, no mercado, profissionais prontos para cada situação a


ser vivenciada nas empresas. Em se tratando de escola e, em função das várias
58

situações inusitadas envolvendo seus atores, isso é ainda mais evidente. Diante
disso, apesar dos rígidos critérios de seleção impetrados pela escola em estudo, as
novas contratações não resolveram os problemas e muitos deles se agravaram.
Professores desconhecedores ou sem a memória dos entraves do processo
cometeram equívocos similares.

A formação continuada prosseguia, mas recuara, em alguns momentos, a seu


estágio inicial. Agora a ênfase recaíra mais sobre os objetivos, já que a nota nos
instrumentos avaliativos fora substituída pelas menções. Nesse momento,
concepções, antes já incorporadas, eram retrabalhadas ou “requentadas”. No fazer
diário, o ritmo para incorporar a proposta era lento. A questão da dificuldade de
acompanhar o processo de aquisição do conhecimento nas classes cheias e de
registrá-lo, devidamente, continuava e gerava frustrações.

A equipe gestora e os próprios professores no afã de garantir esse processo


e, de certa forma, ter respaldo documentado diante das famílias, passaram a avaliar
os vários indicadores que, no processo formativo, eram as pistas ou indicativos para
se chegar ao conhecimento potencial, instrumentalizado nos objetivos específicos.
Para avaliar tais indicadores eram aplicados pequenos testes que fragmentavam
ainda mais o conhecimento e empobreciam as relações significativas entre os
conteúdos, numa clara deformação de interpretação da avaliação formativa.
Instrumentos diversos, como trabalhos, exercícios em duplas, produções de textos,
também eram avaliados sem uma formalização para tal.

Essa autonomia dada ao professor, se por um lado colaborava para o


processo formativo, já que lhe abria a possibilidade de fazer os recortes quando
necessário, por outro, não expunha tais recortes a outros olhares, comprometendo a
qualidade desses instrumentos. Ao coordenador de área, profissional responsável
por cada componente curricular ou área de conhecimento, era reservado o olhar e
intervenção apenas nos instrumentos do tipo somativo. Alunos que não conseguiam
atingi-los eram atendidos em um tipo de recuperação paralela que, pelo menos, com
um segmento (5ª série- 6 º ano) ocorria após o horário, o que se mostrou infrutífero,
dado ao cansaço de professores e alunos. Mais tarde todos os segmentos passaram
a ter, em horário inverso, as oficinas de aprendizagem, entretanto não se
caracterizavam, de fato, como oficinas, considerando que as práticas de docentes
ou monitores não diferiam muito das formas como o conteúdo era abordado em sala
59

de aula. Funcionava mais como um reforço, nos moldes tradicionais que não atendia
a proposta de inovação. Nesses momentos os alunos poderiam ser avaliados com
instrumentos preparados pelo professor regente e aplicado por outro docente ou
monitor.

Apesar dos obstáculos, a formação continuada prosseguia. Agentes


educacionais de várias instituições de ensino, ligados à mantenedora da respectiva
escola, foram mobilizados a produzir artefatos culturais que dessem conta das novas
demandas, considerando as realidades de cada local. Matrizes curriculares foram
produzidas por coordenadores de área e outros agentes em vários encontros no
centro de estudos e pesquisas dessa instituição, agora em Curitiba. Matrizes que
foram enviadas às escolas para serem analisadas e ressignificadas pelo corpo
docente.

Um grande projeto: o Currículo em Movimento, com a participação de vários


agentes educacionais, deu corpo a uma obra composta de sete volumes, onde estão
registradas as concepções a respeito da educação e valores da instituição a que
pertence a unidade estudada. Artefatos culturais que abriram novas e férteis
discussões. A emergência das situações e como as escolas do grupo foram
encontrando respostas a elas, deram um caráter prático a esses documentos. As
novas teorias a respeito da educação e do processo formativo foram ali registradas e
as práticas podem ser comparadas ao corpo teórico levantado.

Associadas às alterações do quadro de pessoal várias mudanças físicas na


arquitetura da escola, iniciadas antes das demissões, foram, pouco a pouco, sendo
concluídas. A partir do ano 2000 houve mudanças no prédio e deu-se início a uma
grande reestruturação, em que os vários serviços da escola (pedagógico, pastoral,
acadêmico, cultural e esportivo) foram reunidos em um grande espaço conjunto, no
qual poderiam trabalhar numa perspectiva de gestão mais horizontal, ganhando a
nomenclatura de núcleos, disposição física novamente alterada algum tempo depois.

Em cinco anos a escola passou a contar com uma ampla sala de professores,
informatizada; um Centro de Recursos de Aprendizagem, visando colaborar com o
processo de construção do conhecimento; laboratórios de informática; sala de
projeção e auditório revitalizados e ampliados e, por último, com um grande
complexo esportivo composto de três pavimentos, contendo: piscinas, salas de
60

dança, de música, de teatro e mais oito salas de aula. Isso parece ter repercutido
positivamente nas famílias que podiam deixar seus filhos no mesmo local para
atividades diversas, aumentando o número de matrículas gradativamente. Entre os
professores as representações em relação a essas mudanças foram díspares, mas
parecia haver uma ênfase nos aspectos positivos que tais poderiam trazer.

Hernandez et al. (2000, p. 75) em suas análises de um caso de inovação na


Catalunia, Espanha, já mencionado, captou a fala de uma professora a respeito
dessas mudanças no modelo organizativo e de funcionamento da escola, sob a
investigação desses autores:

Na realidade (a organização) ultrapassa você porque você perde um pouco


o fio de como, quando e onde tem de localizar cada problema: como a
estrutura não é linear - entre outras coisas -porque seria horrível que o
fosse-, mas organizada em diferentes partes, que tem seus próprios
assuntos, você perde de vista o que pertence exatamente a cada um. Por
isso, às vezes, os mesmos problemas são tratados em diferentes lugares.

No caso estudado as mudanças na estrutura física, pela análise do discurso


docente, afetaram positivamente os processos de ensino-aprendizagem e
interferiram nas relações hierárquicas, mas não foram determinantes nesses
processos. Entretanto as representações do corpo docente, dos alunos e das
famílias a respeito delas eram e são as mais diversas. Mais que uma questão local,
tais alterações no espaço físico e nos processos administrativos e de gestão foram
atreladas a uma mudança em âmbito nacional, que articulou os colégios em rede e
cuja representação institucional (UMBRASIL) desenvolve ações de relacionamento e
articulação política com entidades do setor público e privado, nas várias unidades
em nível nacional e internacional. No âmbito da gestão busca fomentar a integração
e fortalecimento dos processos, projetos e políticas de interesse das associadas na
área de gestão.

Mudanças desse porte e, ao longo do tempo, na própria gestão, deram um


caráter notadamente empresarial à escola analisada, incluindo serviços de
marketing que valorizassem a sua imagem, abrissem e melhorassem os canais de
comunicação com as famílias, que são, na instância das relações de mercado, seus
clientes. Essa concepção de mercado, adentrando o espaço escolar, parece ter
interferido no discurso gestor e é bastante perceptível nas falas dos entrevistados,
sobretudo, no âmbito da gestão.
61

2.3.1 PERÍODO POSTERIOR À IMPLEMENTAÇÃO - RECEPTIVIDADE DAS


FAMÍLIAS À PRÁTICA FORMATIVA, NOVAS DEMANDAS E EXPECTATIVAS.

A receptividade das famílias em relação às inovações, desde a década


anterior, variou entre a crença e a dúvida. Muitas deixaram a escola, voltando a
requerem vagas algum tempo depois, outras não voltaram e outras tantas famílias
novas matricularam seus filhos. A pesquisa investigou até que ponto, entre as que
permaneceram fiéis, interferiu nessa decisão o peso da tradição, as representações
positivas já arraigadas sobre a instituição, incluindo motivos afetivos, o
esclarecimento em relação às propostas e a abertura da escola às críticas e
sugestões. Pela análise do discurso das famílias entrevistadas, isso se confirmou.
Da mesma forma, confirmou-se o fato de que, por terem permanecido na instituição,
isso não as fez passivas em relação às mudanças. Os momentos pedagógicos eram
e continuam sendo bastante frequentados e as críticas das famílias são discutidas
pelos gestores com todos os profissionais da escola.

No que se refere às representações sociais em relação à escola,


resguardando as devidas diferenças de contexto, uma situação similar foi percebida
por Hernandez et al. ( 2000, p. 185) no caso de inovação, já referido, por meio de
fragmentos de fala.

“Como realmente temos muita confiança nos professores e na escola você


fica tranquila”
“Confiamos totalmente neles”
“Em nossa escola influi toda a história, que é muito longa”
“Por sorte tudo se manteve, pois as equipes tiveram continuidade”
“Eu diria também que é uma equipe muito coesa e de muitos anos”
“Sim, acho que no momento em que fazem a experiência é porque tem,
mais ou menos, bases teóricas para isso ir avançando”.

As representações que trazem os pais, no caso estudado pelos referidos


autores, e que se revelam nas falas, são bastante similares às representações das
famílias do caso da escola em questão. Tanto lá, como aqui, a confiança em relação
ao trabalho dos professores e mais ainda as representações em relação à tradição
de seriedade da instituição, conforme já mencionado, manteve muitas famílias fiéis.
No período das demissões e de novas contratações houve intensos
questionamentos e a possibilidade de rotatividade de professores assustou os pais.
Além da crença na tradição, a pesquisa investigou e confirmou a hipótese de que,
62

nesse momento, a fidelidade das famílias repousara na crença em relação ao


compromisso da instituição em melhorar os processos iniciados e dar cabo deles.

Durante o período da implementação, entre 1999 a 2000, e, após esse


período, pelo menos até o ano de 2006, os entraves já mencionados à consolidação
da proposta, bem como as deformações de interpretação do processo formativo
criaram em parte da comunidade escolar uma imagem da escola como de fraca
cobrança, de flexibilidade de critérios. As repercussões na sociedade local geraram
desassossego em seus gestores. Nesse período a escola analisada teve perdas de
alunos que saíram e se matricularam em escolas, cuja proposta era declaradamente
tradicional ou conteudística.

Entre 2006 e 2009 cresceu a procura por famílias cujos filhos eram portadores
de transtornos de déficits de atenção (TDA- Transtorno de Déficit de Atenção); e
TDAH- (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) confirmados, outros em
vias de se confirmarem e outros casos, colocados sob suspeita pela escola e,
posteriormente, confirmados. Esclarecendo melhor, DuPaul e Stoner (2007, p. 65)
assim nos coloca sobre tais transtornos:

Crianças com TDH frequentemente demonstram fraca conquista acadêmica


[...]. Dentro da sala de aula, essas crianças muitas vezes exibem taxas
significativamente mais baixas de comportamento relacionado à tarefa
durante períodos de instrução e trabalho independente que aquelas
exibidas pelos seus colegas [...] Como resultado, as crianças com TDHA
têm menos oportunidade para responder durante a instrução acadêmica e
completam, menos trabalhos independentes.

Tais autores nos apontam que cabem aos profissionais da educação criar e
implementar estratégias eficientes de prevenção e intervenção para a melhora do
funcionamento acadêmico. A escola analisada teve de fazer adequações para
atendê-los e investiu bastante no preparo dos titulares de turma, em parceria com as
famílias e com os outros profissionais de fora do âmbito escolar, sob os cuidados
dos quais estavam tais crianças e adolescentes. Apesar do grande aprendizado que
essa situação, em especial, proporcionou à escola por meio da pedagogia da
inclusão, ela também foi reveladora de que a sociedade local já não a via como
escola forte, mexendo com as representações dessa comunidade em relação à
mesma, desestabilizando a crença que se mantinha há gerações.

A pesquisa investigou e confirmou, pelo menos sob o ponto de vista da


docência, que este foi mais um entrave à proposta formativa, considerando que os
63

mesmos demandariam de mais tempo e de um olhar mais cuidadoso de seus


professores, não preparados o suficiente para intervenções tão peculiares. Mas
também, pela análise de documentos, como pautas de reunião de titulares,
prospectos de cursos e relatórios de turma, foram confirmadas as persistentes
iniciativas da gestão em prepará-los, tais como: propostas de leituras, palestras,
cursos, discussão de laudos sob a assessoria de profissionais da área, dentre
outros.

A ausência de uma maior complexidade nos instrumentos mais operacionais


facilitava a aquisição da nota, nesse momento já transformada em menção
distribuída em seis níveis (APL- Aprendizagem Plena, AMS- Aprendizagem Média
Superior; AS- Aprendizagem Suficiente; APS- Aprendizagem Parcialmente
Suficiente; AI- Aprendizagem Insuficiente; AN- aprendizagem não ocorrida). Não
obstante as intensas discussões entre todos os agentes educacionais sobre a
nomenclatura desses níveis, é perceptível a carga subjetiva que envolve cada um.
Apesar da tentativa da correção formativa, explicitando aos alunos os pontos em que
deveriam investir mais, bem como uma maior valoração para questões de maior
complexidade que estivessem em estreita relação com aos objetivos
específicos(conhecimento potencial), havia uma demanda de alunos e famílias que
procuravam os docentes para receberem explicações, por exemplo: “por que o aluno
ficou em recuperação por conta de um escore”, desvirtuando por completo a
concepção da avaliação formativa, pois o foco desviava-se do processo e ia para os
resultados.

O Currículo em movimento - Ensino Fundamental, artefato cultural da


instituição, já mencionado, expressa como valor a inclusão da comunidade
educativa: uma escola que considera e explora as diferenças culturais e individuais,
que respeita, valoriza e inclui sua comunidade educativa (Currículo em movimento-
Ensino Fundamental - Vol.3, p.39). Os momentos pedagógicos que parecem validar
essa premissa filosófica são reuniões extras cujos formatos variam, mas que vem
acontecendo desde a implementação da proposta de avaliação formativa. Reuniões
em que as famílias são convidadas a colocarem suas dúvidas e inquietudes, numa
clara intenção de incluir esses atores nos processos educacionais. Nessas reuniões,
no auge da implementação da proposta, eram recorrentes as preocupações com a
avaliação formativa, havendo interpretações divergentes, já que incluíam famílias
64

que estavam chegando e famílias mais antigas e, de maneira ainda mais


contundente, havia a preocupação dos pais pela quantidade de alunos por turma,
que julgavam ser um elemento inviabilizador da proposta.

A gestão, a partir de 2005, pouco a pouco, foi sendo reestruturada, com


novos assessores e mudança da Direção Geral. Esse grupo tomou algumas
medidas que tiveram o objetivo de manter a base epistemológica e filosófica da
avaliação formativa. Entretanto, passaram a perseguir uma melhor qualidade nos
processos e nos instrumentos avaliativos. Tais foram reduzidos e expostos ao olhar
mais cuidadoso do professor, do coordenador de área, do assessor
psicopedagógico, como ainda era feito nos primeiros tempos da referida
implementação. Tais instrumentos passaram a ser colocados, novamente, à luz dos
planos de ensino e de aulas. Instituíram-se os calendários de avaliações, divididos
em dois ou três momentos pontuais, dependendo do componente curricular e suas
demandas próprias.

Apesar da baixa rotatividade, houve novas contratações de professores que


pareciam não ver com estranhamento demasiado a prática da escola, ou seja, mais
rapidamente tais concepções e prática lhe eram inteligíveis, já que partiam de
escolas com discursos não tão distintos. Isso se explica porque teorias semelhantes
entremeavam os documentos oficiais para a Educação no país. A pesquisa
investigou as diferentes percepções, entre professores que foram contratados no
auge da implementação e os outros, admitidos nos últimos 5 a 6 anos, no que se
refere à assimilação dos processos. Dados constatáveis na análise dos resultados.

A redução nos instrumentos decorreu da ressignificação dos planos de


ensino, onde os objetivos foram recriados, atendendo aos critérios (o que, como e
para quê avaliar), uma maior complexidade foi gerada nos objetivos essenciais e
específicos, para que o conhecimento não ficasse fragmentado e com baixa
complexidade nos indicadores. Antes essa fragmentação acabava deixando os
instrumentos menos desafiadores e, muitas vezes, não era possível distinguir entre
o que o aluno já sabia (conhecimento real) e qual o conhecimento estava sendo
construído, a partir das suas interações em sala de aula (conhecimento potencial).
Gerar maior complexidade na redação dos objetivos aumentou a complexidade nos
indicadores, no âmbito das operações, do percurso, decorrendo em maior
complexidade nos instrumentos. O conjunto dos indicadores, e não mais indicadores
65

isolados, passaram a ser avaliados em avaliações parciais e globalizantes, em que


se requer do aluno que ele faça relações mais complexas, diretamente ligadas ao
objetivo específico do trimestre.

Sua base epistemológica parece ter ido se solidificando, em parte, porque o


processo de formação continuada não esmoreceu, apesar (e certamente por conta
deles) de todos os entraves à sua implementação. A baixa rotatividade de
professores acabou facilitando uma nova incorporação dos princípios da avaliação
formativa. A formação continuada foi permitindo que algumas concepções e práticas
relacionadas à construção do conhecimento, tendo como foco a avaliação formativa,
fossem se arraigando, não só no corpo docente, mas na escola como um todo.
Concepções e práticas como: a validação dos processos individuais no ensino e
aprendizagem e as várias tentativas de acompanhamento sistematizado; a questão
do erro como instrumento de aprendizagem e de superação; a correção formativa; a
validação e a prática do planejamento, por meio da sua práxis; a explicitação dos
objetivos e indicadores para alunos e famílias; a validação da construção das
competências, dentre outras, foram se sedimentando. A apropriação de todas essas
concepções e práticas, que se tornaram objetos de investigação permanente, mudou
a cultura de ensino tradicional na escola estudada. Famílias passaram a validar mais
os processos em sala de aula, acompanhando via on line a vida escolar de seus
filhos. Acompanhamento não ideal, já que ainda há uma grande lacuna na execução
das tarefas escolares. Este não foi o foco dessa pesquisa, mas pode se tornar mais
um objeto de investigação, já que tarefas escolares são momentos importantes de
construção do conhecimento.

Houve uma persistente busca da gestão em limitar os alunos por turma,


embora as mesmas não estejam ainda no formato ideal e ainda se constituam como
obstáculo ao acompanhamento sistematizado dos processos de aquisição do
conhecimento. Concomitantes a todo esse percurso, mudanças de governo e nas
leis para a educação, como a lei 11.274 de 06 de fevereiro de 2006, que aumentou
para nove anos o Ensino Fundamental, o calendário escolar de 200 dias letivos e as
avaliações impetradas pelo Ministério da Educação como o Sistema Nacional de
Avaliação do Ensino Básico (SAEB), o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) e
Prova Brasil, também mexeram, em maior ou menor grau, com as expectativas das
famílias, influenciando algumas retomadas da escola em relação aos seus
66

processos de avaliação e a qualidade dos instrumentos. A partir de 2006, a


mantenedora da escola investigada patrocinou um grande sistema de avaliação
institucional, passando por pesquisa de satisfação das famílias e alunos, avaliação
de professores e avaliação dos alunos ao final dos segmentos do 5° e do 9º ano, do
Ensino Fundamental, respectivamente, em todas as disciplinas do Currículo Comum.
Avaliações com características muito próximas daquelas oficiais.

A mão invisível do mercado pesou sobre a escola analisada, quando passou


a ser feito um ranque de forma ostensiva e recorrente pelos órgãos de comunicação
locais, sobre os melhores resultados do ENEM. Mesmo com os equívocos trazidos
pela ranqueação alheia ao MEC, tais resultados passaram a ser usados como
propaganda de qualidade de ensino por algumas outras escolas locais. Isso mexeu
com as representações das famílias sobre essa qualidade, mobilizando a escola
analisada a realizar um trabalho mais ostensivo com as competências exigidas
nesses exames, o que não se mostrou tão difícil, diante de todo um histórico de
concepção construtivista socio-interacionista.

Além dessas mudanças os documentos institucionais, já mencionados, foram


acrescidos de mais um: aquele que instaurou em todos os colégios da rede, a nota
qualificada. Souto et al. (2011, p. 8) assim registram a cultura avaliativa consolidada:
“a) o erro como um caminho malsucedido que precisa ser refeito; b) a aula
expositiva e seu potencial para ampliar as aprendizagens; c) a regulação e auto
regulação contínua e a ideia do processo; d) as recuperações da aprendizagem (e
não da nota); e) a relação entre os objetivos didáticos, indicadores de aprendizagem
e as aulas; f) as tarefas escolares e a relação com a qualidade do processo
avaliativo e com a melhoria da regulação; g) os instrumentos de avaliação e o seu
potencial de comunicação entre professores, alunos e famílias; h) o cabeçalho
presente nos instrumentos de avaliação e sua conotação sobre a imagem da escola;
i) a importância das datas para a comunicação com as famílias; j) a quantidade de
objetivos e indicadores de aprendizagem e a qualidade do processo avaliativo”.
Outro documento bastante relevante constituiu-se das novas matrizes, elaboradas
entre 2011 a 2012, por vários profissionais, representantes das escolas da rede de
colégios: professores, coordenadores e assessores, tendo como fundamento as
referidas competências. Tais matrizes estão sendo estudadas, visando sua
implantação em 2014.
67

A pesquisa investigou, em linhas gerais, como os docentes têm se apropriado


desses princípios, nos últimos dois anos, em sua práxis pedagógica, pois apesar de
atualmente a escola viver um período de normalização, em se tratando de
educação, nada parece ser estático. Os dados da investigação apontaram que a
cultura avaliativa consolidada revela-se numa visão mais abrangente dos problemas
pelos educadores da instituição. Visão esta que os permite pontuarem os
impeditivos ou obstáculos à sua continuidade, tais como: problemas disciplinares, a
questão da falta de execução das tarefas de casa e o arrocho no calendário, pelas
avaliações formais e outros eventos, que acabam interferindo no olhar formativo
sobre os processos.

Segundo Delors (2000, p.89), à [...]“educação cabe fornecer de algum modo,


os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado, e, ao mesmo tempo, a
bússola que permita navegar através dele”. As novas demandas que surgem,
tornam necessário ressignificar cada vez mais a prática formativa, à luz desses
novos fenômenos, como o conhecimento em rede, o incremento das novas
tecnologias, os novos perfis de alunos e turmas, as novas culturas jovens, a
preocupação com o meio ambiente. Certamente esses novos objetos e cenários
requerem também novas investigações dos processos em sala de aula, incluindo a
prática da avaliação.
68

CAPÍTULO III – OS SUJEITOS DA PESQUISA E O DESENVOLVIMENTO DA


PROPOSTA INOVADORA: ANÁLISE DOS RESULTADOS.

3.1 A CRIAÇÃO DAS CATEGORIAS.

Por mais que se leia nos manuais de metodologia da pesquisa a respeito de


análise de dados e por mais que o pesquisador se debruce sobre eles, em busca de
possíveis modelos que lhe dê indicativos de como elaborar a sua análise, este só
parece ter a ideia do respectivo trabalho, quando está perante o seu próprio material de
pesquisa. Diante de todas as impressões anotadas, resultados das entrevistas, análise
de documentos selecionados ou seu corpus, é que parece ser o trabalho intelectual
ainda mais intenso. Na pesquisa em questão isso não foi diferente.
Imbuída do referencial teórico e da experiência com o fenômeno, à medida que a
pesquisa avançava nas conversas informais sobre o tema; na busca de informações em
documentos para situar, cronológica e historicamente, os fatos; na livre observação e
nas entrevistas, os dados, informalmente, iam se cruzando e as categorias iam se
delineando, mentalmente, o que, em parte, facilitou o trabalho no momento da sua
estruturação formal. A criação das categorias, não definidas a priori, permitiu que elas
fossem emergindo no ir e vir entre os objetivos da pesquisa, do material de análise e do
discurso, permitindo as convergências, bem como suas divergências em uma pré-
análise.
As contribuições de Franco (2008), que ressignificou o trabalho de Análise de
Conteúdo de Bardin (1977), constituíram a base teórica escolhida, pelo seu caráter
simples, sem ser simplista, e prático, atributos tão necessários aos iniciantes na
metodologia da pesquisa. Franco (2008) chamou a esse primeiro olhar sobre os
materiais a serem analisados, sem o compromisso imediato de se criar as categorias,
de leitura flutuante. Momento em que é estabelecido o contato com os documentos a
serem analisados, o conhecimento dos textos e das mensagens neles contidas, aonde,
na visão da autora, o pesquisador se deixa invadir por impressões, representações,
emoções, conhecimentos e expectativas. Bardin (1977, p. 96) assim expõe esse
momento:
Esta fase é chamada de leitura flutuante, por analogia com a atitude do
psicanalista, pouco a pouco, a leitura vai se tornando mais precisa, em
função das hipóteses emergentes, da projeção de teorias adaptadas sobre
o material e da possível aplicação de técnicas utilizadas com materiais
análogos.
69

Não definindo as categorias, a priori, a pesquisadora preservou o cuidado de


não enviesá-las, segundo suas próprias crenças, suas concepções prévias ou teoria
posta e, com isso, incorrer no risco de engessar a fala do entrevistado com
perguntas muito diretivas que atendessem a um interesse bastante específico.
Apesar da clareza conceitual do pesquisador sobre o tema contribuir para
enriquecê-las, segundo concepção de Franco (2008, p. 62), quando se cria
categorias, a priori:
O pesquisador, muitas vezes, se vê induzido a imprimir uma "camisa de
força" na fala dos respondentes, procurando indícios daqui e dali para
classificar as respostas em seu sistema categórico.

Do ponto de vista operacional gera uma tendência de se iniciar o trabalho,


criando-se uma grande quantidade de categorias.

Às vezes, principalmente os iniciantes abrem uma categoria para cada


resposta. Isso fragmenta o discurso e prejudica a análise das convergências

Separando as entrevistas por unidades de contextos e associando-as ao tema


central em análise: a inovação por meio da avaliação formativa na realidade escolar
estudada, bem como aos objetivos da investigação, a pesquisadora, após a leitura
analítica dos materiais, criou as categorias mais amplas, enumerando-as, a saber:

1. A avaliação Formativa sob a ótica da Gestão.


2. A Avaliação Formativa sob a ótica das famílias.
3. A Avaliação Formativa sob a ótica Docente.
4. A Avaliação Formativa sob a ótica dos alunos.

Seguindo as contribuições de Franco (2008) e, diante de todo o material das


entrevistas degravadas, a pesquisadora foi selecionando os indicadores, que se
repetiam nas falas de cada grupo analisado, ou aquilo que percebia ter sentido
semelhante, como marcos interpretativos, os quais também emergiram em forma de
interpretações latentes. Franco (2008, p. 57), afirma que, “mesmo não estando
presentes nas mensagens a serem analisadas, devem ser consideradas como
informações bastante relevantes, uma vez que além do recurso à dedução e, muitas
vezes, à hermenêutica dos sentidos dos textos, concentram a possibilidade de
fornecer interpretações complementares valiosas”.
70

Houve a intenção de não quantificar os indicadores, pois os sujeitos da


pesquisa variavam dentro do mesmo grupo, no que se refere aos tempos
cronológicos e à situação de vivência com o assunto em questão. Diante disso, na
elaboração de cada subcategoria, a pesquisadora achou por bem classificar tais
indicadores em uma tabela por grupo, para facilitar a elaboração do viés de análise
que, no seu entendimento, constituiria a subcategoria ou categoria molecular.
Franco (2008, p. 63) denomina as categorias e subcategorias em: molares e
moleculares. Assim explicita:
[...] é importante encontrar alguns princípios organizatórios, que seriam
categorias mais amplas ou molares, para depois classificar os indicadores
(categorias moleculares):

[...] inicialmente, classificamos as respostas em categorias de menor


amplitude e, em seguida, sem nos afastar dos significados e dos sentidos
atribuídos pelos respondentes, criamos marcos interpretativos mais amplos
para reagrupá-las.

As palavras ou expressões, retiradas das falas dos respondentes,


constituíram as unidades de registro. Segundo Franco (2008), a unidade de registro
é a menor parte do conteúdo, cuja ocorrência é registrada de acordo com as
categorias levantadas. Considerando os tipos de unidades de registro (a palavra, o
tema, o personagem e o item), as possibilidades e limitações de cada um e a melhor
adequação destes ao material de análise, a pesquisadora optou pelo tema, como
unidade de registro, a saber:
[...] o Tema é uma asserção sobre determinado assunto. Pode ser uma
simples sentença (sujeito e predicado), um conjunto delas ou um parágrafo.
Uma questão temática incorpora, com maior ou menor intensidade, o
aspecto pessoal atribuído pelo respondente acerca do significado de uma
palavra e/ou sobre as conotações atribuídas a um conceito. (FRANCO,
2008, p. 42)

Na visão da autora, da mesma forma do que ocorre com o conteúdo latente,


podem existir temas, não explicitamente mencionados, mas subjacentes às
mensagens, passíveis de observação por parte do investigador e cuja frequência de
ocorrência passa a ser, também, um elemento indispensável para que se possa
efetuar uma análise mais consistente e uma interpretação mais significativa. Melhor
esclarecendo, cita Mahl (1969, p. 100), que assim assevera:
Por exemplo: supõe-se que a emoção e a ansiedade se manifestam por
perturbações da palavra, durante uma entrevista. Os incides retidos, tais
como: frases interrompidas, repetições, gagueiras, frases incoerentes...e
associados às suas respectivas frequências de ocorrências, transforma-se
em indicadores do estado emocional subjacente do emissor.
71

As unidades de contextos, na visão de Franco (2008) são como o "pano de


fundo" que imprime significado às Unidades de Análise. No caso em questão, se
referem à caracterização dos informantes ou a sua especificidade de inserção nos
grupos ligados à instituição (gestão, famílias, docentes e alunos). Fazendo uso
dessas contribuições teóricas e adequando-as ao seu estudo, a pesquisadora
organizou as unidades de registro, sob a forma de tema, dentro das unidades de
contexto. Os quadros seguintes demonstram o caminho utilizado, a saber:

Quadro 3

UNIDADE DE CONTEXTO: GESTÃO


UNIDADES DE REGISTRO

"Vamos crescer, vamos nos desenvolver, vamos trazer tudo que tem de ponta, em termos de leitura,
estudo. Vamos trazer e vamos realmente atualizar. Vamos ter uma metodologia inovadora, vamos ter
um trabalho inovador, vamos ser mais coerentes dentro do que nós fazemos, vamos ter um processo
mais qualificado."

“Eu nem vou dizer que a gente tava fazendo, mas que a gente tava investindo, né?”

“A gente investiu muito sobre os planejamentos.”

“É como você arrumar o avião em pleno voo, já acontecendo, mas a gente vai fazendo os ajustes
necessários.”

“A gente precisou revisar várias vezes a nossa ação, né?.” (ênfase)

“Então inicialmente foi um trabalho de muito convencimento”.

“A gente teve de fazer um trabalho de acompanhamento muito (ênfase) de perto”.

“A gente nunca saiu sem colocar, para os pais, de forma muito fundamentada aquilo que a gente
acreditava.”

Fonte: dados da pesquisa

Quadro 4

UNIDADE DE CONTEXTO: FAMÍLIA


UNIDADES DE REGISTRO
“É a... formação integral é um diferencial da instituição impressionante, nossa! Mas é muito
interessante esse processo avaliativo.”
“A forma de se comunicar com os pais e alunos é muito eficiente.”
“Então quando a gente chega a esse ponto de ver na faculdade e ver que... tudo que ele aprendeu
aqui dentro, a gente diz: poxa, eu acertei na escolha.”
“Eu acho assim, no processo avaliativo a escola acertou. Tá no ponto.”
“Uma boa escola ela não precisa fazer propaganda.”
“ [...]olha minha escola!! Minha escola está entre os 4 melhores, os 3 melhores...né?”
“Naquilo que o colégio se propõe a fazer ele faz muito bem feito, e a parte avaliativa pra mim tá
tranquilo.”
“Nossa, o colégio investe, coloca à disposição e as pessoas não veem aquilo como um benefício para
72

o aluno, tão importante.”


“E ai eu via que a cobrança não era tão grande assim, né?”
“Ah, porque que não tem prova?"
“Ai veio esse negócio de começar a ter uma avaliação e começar ter essa menção diferente e então
eu já vi que foi apertando.”
“O que eu sentia também era a questão da concorrência. Eu acho que o colégio estava deixando a
desejar.”
“Não, é realmente a gente tem que forçar um pouco mais, por algum tipo de avaliação que o colégio
tenha feito.”
“Eu acho que se você confia no colégio, você tem que ir acreditando no que esse está fazendo.”
“Não acho que a escola vá... É... Esquecer todo esse tempo que ela tem aí de estrada com uma coisa
mal feita. Não apenas a tradição, acho que os fundamentos, todo um conceito, né?”
“Tem a concorrência, tem o mercado, tem tudo, mas nada assim que a gente ficasse desesperada,
pensar em tirar do colégio.”
“Pra elas foi positivo, passaram a estudar mais.”
“O mercado é violento? É! Mas não é só isso na vida profissional, afinal, você também tem que ter um
ambiente bom.”
“ O que nos fez tirar nossa filha da escola foi que a escola não ia bem no PAS.”
“Minha filha num colégio caro, que era pra ta lá em cima no ranking, tava em décimo lugar.”
“Mas como a escola não motiva pra fazer o ENEM?"
“Eu achava que tava fraco.”
“Porque mudou o método, eu fui acostumada no método antigo, no tradicional.”
“A gente não quer ter que pagar uma faculdade particular.”
“Mas em termos de conteúdo deixa a desejar.”

Fonte: dados da pesquisa

Quadro 5

UNIDADE DE CONTEXTO: DOCENTES


UNIDADES DE REGISTRO
“Às vezes a gente achava que tava no caminho certo e quando você vê não é bem isso que tá
querendo, é outra coisa, né?”
“Talvez teria sido mais fácil pra gente poder entrar no sistema.”
“Deveria ter tido um acompanhamento, né? Assim, mais de perto das necessidades do professor né?”
“Realmente todo novo ele gera uma certa uma pressão na gente, uma ansiedade, tudo isso, né?”
“Um é de um jeito, outro se adapta de outro, outro acha dificuldade, outro não “tá tudo bem, eu
consigo me adaptar a isso.”
“Eu dava meu sangue aqui dentro.”
“Eu não faltava, eu procurava entregar tudo certinho, chegar no horário, não chegava atrasada.”
“Mas eu procurava fazer tudo para agradar.”
“Então se ao longo do processo eu consegui que meu aluno me entendesse.”
“Eu acho que a avaliação formativa é isso, é ao longo do processo.”
“Então foi na prática, em uma sala de aula com 45 alunos, onde que você tem que, para fazer essa
formação continuada e desenvolver a avaliação como um processo, né?”
“Realmente nos ficamos um pouco confusos (risos). Então na hora de colocar isso como, é...
73

transformar isso em nota, a gente tinha um pouco de dificuldade.”


“Era pouco tempo pra muito conteúdo! Agora no trimestre não, a gente tem um conteúdo significativo,
uma quantidade razoável, porém a gente tem mais tempo.”
“Então agora, quando é por objetivo fica mais fácil. Clareou tanto pros alunos, quanto pros pais, como
pros professores.”
“[...]adaptação extremamente difícil.”
“[...]adaptar à situações adversas, né?”
“Facilitou a minha adaptação e esse meu trabalho aqui dentro do colégio.”
”Nos primeiros momentos aqui dentro da escola, eu senti muita dificuldade pra trabalhar com esses
alunos com dificuldades especiais.”
“Quando eu entrei aqui na escola, a escola era taxada de uma escola fácil.”
“Sim, o maior problema que eu tinha, naquela avaliação, era que eu não sabia mensurar. Eu não
sabia quando era AS ou quando era APS. Não sabia e achava que era muito distante o AS do APS.”
“A dúvida era interna sabe? Na hora de colocar a nota que eu tinha dúvida. Eu tenho aula na
fundação que é completamente tradicional. Não é por objetivo, não é como a gente faz.”
“Eu faço uma enquete, um feedback pra ver quantos conseguiram, quantos passaram.”
“Por objetivo e por nota, pra nós foi o ideal assim, né?”

Fonte: dados da pesquisa

Quadro 6

UNIDADE DE CONTEXTO: ALUNOS


UNIDADES DE REGISTRO
“Por outro acaba que tem uma perda na parte acadêmica porque não tem uma pressão sobre o aluno,
isso pode gerar uma certa acomodação.”
“Eu mudei de escola mais pela questão do vestibular.”
“Na escola que eu fui eles focam muito o conteúdo, sabe?”.
“Então eu acho que o colégio me ajudou muito a ter uma visão crítica.”
“Às vezes eu estudava o conteúdo além da prova e eu via que os meus amigos estudavam só o que
precisava pra passar, entendeu?”
“Os professores eles estimulam, eles falam tanto do vestibular entende?”
“Assim, eu fui no primeiro ano e no final do ano já é o PAS, então você fica o ano inteiro já pensando:
"O PAS, o PAS, o PAS...”
“Mas eu gostei muito do colégio, tanto que quando eu mudei de escola já tava com uma base muito
boa, era uma escola muito forte, mas eu já tinha base, consegui seguir direitinho lá.”
“Um processo mais complexo que a gente enfrenta, porque a avaliação é uma... É como se fosse o
final de todo o processo”.
“Eu acho uma ótima base assim.”
“Um professor bom... Ele traz tanta novidade, tanto interesse que a gente tem.”
“Eu acho que o conhecimento amplia muito, porque além de ir se preparando para o Ensino Médio, é
a vida que a gente aprende aqui, não é a prova. A prova a gente não usa na vida.”
“Eu acho que os professores poderiam focar um pouco mais nas dificuldades.”

Fonte: dados da pesquisa


74

Essas incursões nas falas dos respondentes, além de constituir-se como


leitura analítica e estabelecimento de relações significativas entre os indicadores,
mostraram-se essenciais para a criação das subcategorias ou categorias
moleculares, conforme as denominou Franco (2008). Para a pesquisadora foi um
trabalho exaustivo de garimpagem que pressupôs escolhas e exclusões, através do
qual se remeteu ao seu referencial teórico, aos objetivos e às categorias mais
amplas. As palavras ou expressões carregadas de sentidos e significados,
ressignificadas pela pesquisadora à luz do arcabouço teórico e do problema de sua
pesquisa propiciaram essa criação. Essas passariam a ser, a partir dali, as linhas de
análise da visão de cada representante da amostra e, portanto, de seu grupo,
conforme mostra o quadro 7:

Quadro 7

Categorias de análise
Categoria Categoria molecular
Avaliação e a atitude deliberada pela
1 A Avaliação Formativa sob a ótica da Gestão
Inovação de processos.
A Avaliação, expectativas das famílias e
2 Avaliação Formativa sob a ótica das Famílias demandas externas.
3 Avaliação Formativa sob a ótica Docente A Avaliação e o Trabalho Pedagógico
A Avaliação e a qualidade dos processos
4 A Avaliação Formativa sob a ótica dos alunos
em sala de aula
Fonte: elaboração da autora

Cada uma das categorias criadas indicara o viés de análise da categoria


molecular e de seus respectivos indicadores.

3.2 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DA GESTÃO.

3.2.1 A avaliação e a atitude deliberada pela inovação de processos.

A partir da análise dos dados obtidos, alguns pontos ficaram claros no que se
referem às intenções da gestão, por ocasião da implementação da proposta
formativa. Evidenciou-se uma atitude deliberada do grupo gestor pela mudança de
processos. Uma alteração de paradigma acompanhando as mudanças que, por ora,
se desenhavam no cenário nacional e mundial. Foram essas transformações
externas que impulsionaram as lideranças da instituição estudada a impetrar
mudanças internas, que por sua vez, não ocorreram isoladas do contexto da
75

totalidade das escolas sob a égide da mesma província, transformadas atualmente


em colégios de uma mesma rede.

Havia uma atitude deliberada e propositiva pela mudança. E ela partiu dos
marcos centrais da mantenedora, entretanto, seguia uma tendência mundial pela
mudança nos parâmetros educacionais que culminaria, pouco tempo depois, no
documento da UNESCO estabelecendo os quatro pilares da educação, sob a
coordenação de Delors (2000, p.89)
Dado que oferecerá meios, nunca antes disponíveis, para circulação e
armazenamento de informações e para a comunicação, o próximo século
submeterá a educação a uma dura obrigação que pode parecer, à primeira
vista, quase contraditória. A educação deve transmitir, de fato, de forma
maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados
à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro.
Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar as referências que
impeçam as pessoas de ficarem submergidas nas ondas de informações,
mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as
levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e
coletivos.

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve
organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo
de toda vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do
conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da
compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente;
aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em
todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que
integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber
constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de
contato, de relacionamento e de permuta.
Antecipando a outras escolas no que se refere à efetivação de uma proposta
inovadora que desse conta de uma educação nessas bases, a escola analisada
tomou a decisão pela mudança. Conforme enfatiza o trecho das falas, abaixo, dos
gestores, em evocação a esse momento de decisão, em meados da década de
1990:
Vamos crescer, vamos nos desenvolver, vamos trazer tudo que tem de
ponta, em termos de leitura, estudo. Vamos trazer e vamos realmente
atualizar. Vamos ter uma metodologia inovadora, vamos ter um trabalho
inovador, vamos ser mais coerentes dentro do que nós fazemos, vamos ter
um processo mais qualificado. (G-1)

Era necessário fazer a mudança e nós faríamos (G-2)

A ênfase no verbo flexionado: vamos e suas tantas repetições, nesse trecho,


foi interpretado, na análise dos dados, como indicador de decisão e pró-ação no
âmbito da gestão, mas ao mesmo tempo, denota uma visão de processo
76

compartilhado. E, certamente, isso encontrou eco nas decisões posteriores, junto ao


corpo docente.

Parecia estar claro que o grupo gestor sabia da necessidade de formar


equipes em um trabalho compartilhado. Parecia ser necessário contar com o
voluntarismo e participação do grupo docente. Essa visão é verbalizada, abaixo, e
se refere ao momento de implantação do construtivismo socio-interacionista na 1ª
série, a saber:
Eu acompanhei muito de perto a equipe daquela 1ª série e a gente tinha
pessoas extremamente inovadoras que receberam bem...receberam bem...
assim: tiveram boa vontade para receber, tiveram boa vontade para
trabalhar e aí se dispuseram... Vamos pensar nessa questão da
disponibilidade interna para a mudança e elas se dispuseram, mas a gente
também convivia com algumas pessoas que resistiam. (G-4)

Parecia que todos os membros da gestão tinham em evidência as intenções


da mudança, muito embora as diretrizes que partiam da mantenedora não
estivessem ainda muito claras.

Santos (1995) afirmava que o mundo, naquele momento, passava por uma
fase de transição paradigmática, da ciência moderna para uma ciência pós-
moderna. Ele denunciava o caráter de imprevisibilidade dos resultados e da duração
dessa fase. De fato, relações e valores mudaram, adquirindo uma característica de
fluidez que permanece até os dias atuais.

Naquele momento já havia uma preocupação da gestão de que a escola não


ficasse à mercê dessas mudanças. Esse grupo decidiu ser rápido em acompanhar
esse momento social, político e econômico que, de certa forma, pressionava no
sentido da inovação. Entendia como obsoleta a educação tradicional para o novo
momento que se configurava e acreditava, em função da sua urgência, que não
poderia esperar que ela viesse inteiramente do corpo docente.

Carbonell (2002, p. 19) define a inovação pedagógica como:


[...] um conjunto de intervenções, decisões e processos, com certo grau de
intencionalidade e sistematização, que tratam de modificar atitudes, idéias,
culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas. E, por sua vez,
introduzir, em uma linha renovadora, novos projetos e programas, materiais
curriculares, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didáticos e
outra forma de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica da
classe.

Não raras vezes, algumas inovações dessa natureza permitem que tais
intervenções, decisões e processos e a consequente sistematização tenham um
77

encaminhamento unilateral. A princípio, isso pareceu estar ocorrendo, uma vez que
a proposta estivesse partindo do grupo gestor em relação ao grupo executor. Mas
acreditou a gestão que a proposta, uma vez compartilhada com o grupo executor,
ganhasse um viés mais participativo e os investimentos na formação do grupo
acabariam inserindo-o no processo.

Refletindo sobre essa questão Arroyo (1999, p.137) faz uma crítica explícita a
essa lógica de inovação educativa:
É significativo que toda mudança educacional tenha como alvo a mudança
de currículos ou a adequação dos conteúdos escolares às mudanças
econômicas, sociais e políticas. Na realidade essa concepção de inovação
não considera o sistema educativo como um todo- sua organização, os
procedimentos, as relações internas, as práticas diversas dos sujeitos da
ação educativa. Tudo isso supõe-se irá adequar-se mecanicamente, por
acréscimo, às mudanças de conteúdos. Com algumas reciclagens e
treinamento, toda a prática escolar mudará por encanto, quando os
professores conhecerem e entenderem os novos conteúdos. Supõe-se que
estes são a síntese da escola e que neles estão todas as virtualidades
inovadoras da instituição escolar.

Essa lógica de inovação pareceu acontecer no início do processo de


mudança, quando a gestão se imbuiu da responsabilidade de tirar da zona de
conforto, de impactar e liderar o processo de sua implantação, trazendo a
obrigatoriedade de os professores se apropriarem da literatura da inovação como
um dos meios de capacitá-los. Acreditavam os gestores que, gradativamente,
haveria a construção coletiva de um modelo e, a partir dele, o treinamento de
técnicas corretas para aplicá-lo. Eis como isso é verbalizado nessa fala de um dos
assessores:
Depois que construiu e se delimitou o que se tinha de fazer, as pessoas
começaram a ser treinadas né? Para usar aquele modelo que foi
construído. (G-3)

Parece ser digno de nota que a expressão modelo, tão naturalmente


enunciada no momento da entrevista, era evitada naquele contexto, sendo trocada
pela palavra proposta construtivista. Isso, mais que uma questão semântica, pela
análise dos dados, mostrou ter sido uma reação contrária da gestão à expectativa de
parte do corpo docente que esperava um modelo a ser cumprido ou um conjunto de
diretrizes vindas de fora, quando a gestão só apresentara a proposta. De fato, não
havia um modelo de viés construtivista a ser seguido. O que se tinha era uma
miscelânea de ideias novas, a respeito dos processos educacionais, propondo
mudanças significativas para estes. Mas esse caminho esperava-se ser construído
78

coletivamente. O modelo a que o gestor se refere seria, portanto, aquele que, na sua
visão fora construído de forma participativa. Mas essa linha divisória entre o término
dessa construção e o treinamento das técnicas corretas para sua aplicação, pela
interpretação dos discursos, foi maleável e sua construção e meios de aplicação
aconteceram, muitas vezes, de forma concomitante e em períodos variáveis,
apresentando retrocessos, avanços e justaposições.

Arroyo (1999) continua denunciando o padrão de mudança vinda de fora e


nele inclui também as avaliações externas, às quais chama de coercitivas. Ele assim
denuncia para refletir sobre o reducionismo que tais imposições podem causar em
realidades plurais como a escola. Entretanto, no caso analisado, o grupo gestor
entendeu, naquele momento, a inexorabilidade das mudanças e que, na sua
atribuição, não poderia deixar de iniciar o seu processo, mesmo consciente da sua
imprevisibilidade. Apesar do desconforto que o risco e a experimentação podem
causar, principalmente em se tratando de uma instituição escolar, estagnar parecia
mais perigoso que avançar. Então decidira deliberadamente pela inovação.
Entretanto um longo e árduo caminho com avanços e adequações estaria a ser
percorrido, não só por esse grupo, mas por todos os outros sujeitos envolvidos.

 O difícil, mas persistente caminho da inovação.

A inovação pensada seria implementada por partes, de forma gradual, de


modo que a escola tivesse tempo necessário para acomodar os processos. Mas
seria persistente. Entre os anos de 1993 a 1994 houve um grande investimento da
mantenedora na fundamentação teórica dos gestores sobre a proposta do
construtivismo socio-interacionista tendo como pressupostos, de início, os escritos
de Piaget e Vygotski, em suas semelhanças e contrastes teóricos, mas aproveitando
as contribuições de cada um. Tais gestores, auxiliados por profissionais enviados
pela mantenedora, seriam multiplicadores de informações, junto ao corpo docente e
a escola começaria então a repensar as práticas tradicionais.

Nessa época a escola contou com uma assessoria muito forte na área de
Língua Portuguesa, pois mudaria totalmente a alfabetização, agora sob a
perspectiva de Emília Ferreiro (1984) que era a da psicogênese da leitura e da
escrita. Tudo iniciaria, portanto, na educação infantil, do 3º período para a 1ª série. E
79

esse processo continuaria sucessivamente, ano após ano, até o Ensino Médio. A
análise sobre a avaliação veio em seguida, como o grande mote da mudança.
Primeiro, porque as avaliações tradicionais não eram mais compatíveis com a nova
proposta, depois, conforme já mencionado, porque entenderam que a partir dela
todas as outras práticas seriam tocadas.

Enquanto as mudanças, na prática, não chegavam às séries subsequentes,


as iniciativas de formação continuada ali também persistiam. O investimento era alto
e maciço. Investimentos tais como: palestras recorrentes, envio de cem professores,
em média, para São Paulo, antiga sede da mantenedora, todos os anos, para
discutir com profissionais de renome nacional e internacional sobre as questões de
ensino-aprendizagem e para colocar as práticas à luz da teoria posta. Esperava-se
que essa dialética entre teoria e prática pudesse trazer uma síntese teórica que
fosse uma construção coletiva, que desse conta de, ao abarcar as práticas, criar
uma matriz teórica que firmasse a escola em bases mais firmes, que seus
professores argumentassem com propriedade sobre a nova proposta, pois a prática,
como tal, passaria a ser também objeto inteligível para estes. Objeto de reflexão,
práxis pedagógica. A fala do gestor, abaixo, traduz bem esse momento vivido pela
escola, a saber:
A gente teve oportunidade, não de ler o Danilo Gandin, mas de conversar
com o Danilo Gandin, Celso Vasconcelos. Então todos esses nomes. É...O
Morin né? Edgar Morin. Então assim, todos os autores que eram referência
na época, nós não estávamos lendo e estudando, nós estávamos tendo
contato pessoal com eles, né? Com trocas pessoais...(G-3)

Entretanto, eram peculiares o momento e a forma como tais pressupostos se


tornavam compreendidos e interpretados à luz da prática pedagógica para cada um.
E, passado aquele momento inicial, a gestão conseguiu perceber isso. Que havia,
naquele primeiro momento, uma expectativa sua, equivocada, no sentido de
acreditar que, fazendo uma formação, uma capacitação com todo o grupo,
conseguiria trazê-lo alinhado para a mudança. Pareceu ter deixado de levar em
conta, no afã de mudar os processos, que o caminho de formação do professor,
para além do curso de capacitação ou de uma pós-graduação tem elementos da
experiência pessoal, da dinâmica familiar que teve, de todas as crenças e
características de sua personalidade.

Para minimizar as lacunas, deixadas por essa percepção equivocada, a


escola começou a investir nas relações de convivência; na escuta, para que a
80

dissonância de concepções não afastasse o indivíduo da meta, que, a priori, era a


aplicação dos pressupostos fundamentados na ideia da construção do
conhecimento. O foco sobre a avaliação viria em consequência, como estratégia que
forçaria a mudança. E isso foi ato pensado e deliberado da gestão pedagógica.

Sob essa premissa mexer na forma de avaliar era buscar a inovação por
completo. Inovar dentro de um pensamento crítico implica em escolhas. E no caso
da escola, indicou escolhas de organização do currículo, dos saberes a serem
transmitidos ou compartilhados, das formas de atuação em todas as esferas, da
estrutura física necessária ao tipo de aprendizagem que se pretendia efetivar, do
tipo de aluno que se pretendia formar. Portanto aquela inovação, assim como todas
as outras, não era neutra. Estava carregada de crenças que negavam ou, às vezes,
paradoxalmente, reforçavam o sistema vigente. Inovar ali também pressupôs conflito
entre o que estava e o que se esperava. Era embate político. Era profundamente
intencional.

Entretanto, as intenções na esfera da gestão nem sempre entram em


consonância com as intenções nas outras esferas. Por mais que a autonomia pareça
ser incentivada, aparenta haver uma linha tênue entre a heterenomia e a anomia,
passando muitas vezes da primeira para a última, sem garantir de fato a autonomia.
A hierarquia tão importante para o respeito nas relações, em alguns momentos, se
mal exercida ou mal interpretada, isola pessoas e grupos e coloca em lados opostos
quem deveria estar lado a lado. Se sentimentos de medo são criados em ambientes
de trabalho, a mera sujeição pode levar à perda de interesse, prejudicando a pró-
atividade, geradora de ações autônomas e inteligentes, capazes de criar respostas
novas aos velhos problemas. Considerando o teor dos discursos analisados, isso,
em alguns momentos, pareceu ocorrer na escola estudada, entre os assessores
diretamente envolvidos com a formação continuada e a esfera da docência.

A escola era naquele momento e, não raras vezes, continua sendo um


espaço de debate político-ideológico, de análise da realidade global, dos fenômenos
socioculturais e, porque não dizer, de análise dela mesma, de suas vicissitudes e de
suas lacunas. Entretanto como denuncia Arroyo (1999) essa ênfase exagerada no
debate político-ideológico tende a levar a escola a ficar no terreno da especulação e
da teoria e a não perseguir a concretude da prática educacional, certamente com a
esperança meio vaga de que as mudanças necessárias virão por acréscimo.
81

A gestão parece ter entendido naquele momento que a fundamentação


teórica tão importante na fase inicial, deveria continuar, mas ser acrescida de
práticas que a validassem e, por assim compreender, começou a agir nesse sentido.
Mas porque começar pela avaliação? Essa intenção mostra-se bastante clara na fala
de um dos gestores, a saber:

Mas o grupo gestor tinha é... uma clareza do seguinte: os tempos estão
mudando, nós precisamos ter um novo contexto educacional, no sentido
das relações, um contexto de escola que esteja numa perspectiva
democrática, de participação, de construção. E havia uma preocupação no
sentido de desenvolver ações pedagógicas, é... renovadas.(....) Então a
instituição optou por um caminho, digamos assim, escolheu um mote para
fazer essa mudança, que foi a avaliação. Porque a avaliação, ela foi sempre
utilizada como mecanismo de coerção dos professores. Era por meio da
avaliação que o professor controlava a turma, né? Era por meio da
avaliação que o professor punia ou premiava a turma. Então a instituição
pensou que, trabalhando em uma perspectiva de avaliação formativa, ela ia,
de uma certa forma tirar esse caráter meio que terminal de verificação da
avaliação. E para que mudasse o processo de avaliação, você tinha que
interferir na ação docente, ou seja, no planejamento da aula para que ele
fosse coerente com o que se queria fazer (G3)

Nesse sentido, concorda Sacristãn (1988), quando afirma que a avaliação


controla a conduta dos alunos/as. Segundo ele, ao decidir o que se exige e como se
faz, se selecionam e ponderam objetivos e conteúdos assim como atividades do
aluno/a e sua conduta mais aceitável, daí que a avaliação seja um autêntico filtro do
currículo real. Mas parece pertinente ponderar que a avaliação como controle de
conduta dos alunos, até então, fazia parte de uma cultura escolar, aceita, legitimada
e, muitas vezes incentivada, não estando apenas no âmbito da vontade do professor
que agia como partícipe dessa cultura e, não raras vezes, seu guardião, mas que
não a construiu sozinho.

Na concepção do grupo gestor, parece evidenciar que era necessário mexer


em uma avaliação do tipo terminal para fins de construção de uma avaliação
formativa, como forma de mudar outros processos, dentre eles, o olhar sobre o
aluno e suas possibilidades, os ritmos, os espaços e tempos de aprendizagem, a
feitura dos instrumentos, sua aplicabilidade e a qualidade da correção.
82

 Mudança e participação docente.

As inovações não viriam sem a participação efetiva do professor. As


inquietudes que perpassavam a escola, naquele momento, incluindo aquelas
existentes entre os professores, não seriam suficientes para a transformação de
processos. Seria necessária toda uma mudança de mentalidade e todo um trabalho
de investimento pessoal e coletivo para que de fato a concretude da mudança
pudesse aparecer. Fazia-se necessário que o grupo gestor se aliasse de fato ao
corpo docente. Sobre essa aliança, Acursio (2004) afirma a sua importância e diz
que em educação não acontece nenhuma inovação que não tenha, em seu centro,
as atitudes do professor. Segundo ele, as crenças, os princípios e os sentimentos
dos professores são o ar que se respira na escola e se determina a qualidade de
vida que se desenrola neste ambiente.

Os obstáculos que foram surgindo, nesse sentido, confirmaram a ideia da


relevância do professor no processo de mudança e fizeram com que a gestão fosse
adequando as mudanças pensadas, sem abrir mão do seu objetivo primordial. Havia
uma determinação pela inovação e ela era, na visão de seus gestores, arrebatadora.
Não se podia voltar atrás. A partir de então e, sob essa premissa, as necessidades
criadas, oriundas das decisões tomadas, deveriam ser atendidas. E todos deveriam
trabalhar nesse sentido.

Na medida em que havia uma atitude deliberada da gestão nesse caminho,


os avanços foram ocorrendo, mas também muitos entraves de caráter teórico/
prático. Tais já foram postos anteriormente, mas uma análise mais detalhada dos
dados e a pesquisa sobre os documentos institucionais dos primeiros tempos da
inovação permitiram que outros fossem aparecendo. Dentre eles, a ausência de
documentos próprios, cuja natureza fosse enviesada para a inovação, naquele
momento inicial, conforme denuncia a gestão:
Primeiro, ali, naquela época, a gente tinha carência de documentos. Eu vejo
diferente, hoje que a gente tem aí um currículo em movimento [...] da
educação infantil, já temos o currículo de planejamento, temos já o do
Ensino fundamental, temos o projeto educativo, temos agora o das
matrizes, vamos ter um projeto político pedagógico. Naquela época a gente
não tinha documentos que servissem de base, não tínhamos diretrizes
claras. (G1)

Evidencia essa fala a necessidade de teorias próprias que estejam nos


referidos artefatos culturais das instituições escolares para alicerçar ações mais
83

específicas. A escola foi, aos poucos, refazendo seu Projeto Político Pedagógico,
tendo como cerne a missão educativa, com seu marco doutrinal e seus referenciais
de ação. Tinha todo um arsenal teórico, a biblioteca contando com um acervo do
que melhor se havia pensado em termos de avaliação até aquele momento. Mas foi
no fazer diário, nas demandas do dia a dia, nos muitos encontros, mesas redondas,
oficinas, congressos, trocas de experiências, nos planejamentos participativos por
eixos temáticos e, mais recentemente, com as videoconferências, proporcionadas
pela comunicação em rede, que tais documentos foram sendo elaborados, até
configurar-se num campo teórico que agregou o que melhor se adaptaria às
realidades dos colégios envolvidos com a mudança.

No caso da escola estudada e de outras escolas da rede, as teorias postas


foram sendo confrontadas com as situações práticas e um quadro teórico mais
próximo do real foi sendo estruturado. A participação docente pareceu ter crescido,
na medida em que tais documentos tornavam mais claras as diretrizes. Isso porque
a ausência delas, naquele momento inicial, acabou sendo um entrave porque levou,
na visão da gestão, a outro obstáculo: a falta de alinhamento conceitual em relação
àquilo que se propunha a fazer.

Apesar da existência do Projeto Político Pedagógico ele parecia, naquele


momento em que se esperavam ações mais pontuais, bastante genérico. Sob a
ótica da gestão ficou aberto, dando margem às mais diversas interpretações.
Conforme já mencionado, características idiossincráticas também foram
preponderantes. Eram vários professores em momentos de interpretação também
diversos. Tal entrave esteve presente no início da operacionalização; faltava o bojo
teórico alicerçado na construção, caindo, muitas vezes, em meras especulações do
que poderia ocorrer e isso gerava equívocos. Sabia-se daquilo que não se podia
mais fazer, mas não se tinha tanta certeza daquilo que se precisava fazer. Eis como
isso se evidencia na fala dessa gestora:
Então veja, é muito fácil você negar aquilo que você já tem certeza que não
cabe mais nesse momento inovador, mas, ao mesmo tempo, você não tem
clareza de que procedimentos vão poder dar conta da demanda que agora
você tem. (G1)

Nesse cenário não caberia profissionais despreparados, tanto ao nível da


gestão, quanto ao nível da docência. Perrenoud (2001) ao ressaltar a formação de
professores que sejam profissionais, aborda a importância de teorizar a ação a partir
84

da reflexão sobre a mesma. De que a gestão possa criar condições na formação e


no local de trabalho, que permitam ao professor desenvolver suas competências
profissionais a partir de, através de e para a prática (p.91). Ele defende que o
professor pode aprender, a partir da prática, na medida em que esta constitui o
ponto de partida e o suporte de sua reflexão sobre a ação, seja sua própria prática
ou, ocasionalmente, a de seus colegas. Isso passou a ocorrer na escola estudada, a
partir do momento inicial, na fase ainda gestacional da proposta, quando as teorias
postas eram checadas no dia a dia e calorosas discussões, em momentos de
formação, traziam para o debate o cotidiano da sala de aula. Mas as situações
inusitadas, os problemas novos que surgiam a partir das mudanças, exigiam novas
respostas que, muitas vezes, a escola não possuía.

O mesmo autor também defende que o professor aprende através da prática,


quando confronta a realidade que resiste a ele, o professor coloca-se como ator, isto
é, como qualquer um que pode interferir nas características da situação,
experimentar condutas novas e descobrir soluções adequadas. Parece, no caso
estudado, que novas condutas foram, aos poucos, sendo implementadas por
aqueles professores, que legitimando o arcabouço teórico, testavam-no nas
situações práticas do cotidiano da sala de aula. Isso começou a ocorrer mesmo
antes, quando algumas práticas tradicionais passaram a incomodar tanto esse
professor, que tal incômodo se tornou elemento mobilizador da mudança.

Ficou evidente nesse estudo, entretanto, que isso não ocorreu com todos os
professores. Para os professores que representaram as forças de preservação, a
ausência de diretrizes muito claras por parte da gestão, nesse momento em
particular, certamente foi um elemento ao qual se agarraram como meio de evitar os
avanços.

Perrenoud (2001) aponta também que o professor aprende para a prática,


pois se o ponto de partida está na ação, seu desfecho também está, na medida em
que o professor valoriza essencialmente os aprendizados que para ele tem
incidência direta sobre sua vida profissional. No caso estudado, a ousadia de fazer e
de usar o erro como elemento de crescimento, em consonância com o próprio
pensamento formativo, foi algo que fez com que os professores que se
comprometeram com a mudança validassem os aprendizados e os canalizassem
para sua própria formação, retroalimentando sua prática. Ao ser indagada sobre a
85

coerência dos processos, no âmbito da teoria e da prática, na fase de


implementação, uma professora verbalizou:
Mas eu lembro que na parte... na hora de executar... porque tava muito
tranquilo na teoria. Agora quando a gente foi para a prática, que a gente
tinha sala de aula, como conduzir, como fazer... é claro que nós erramos
muito, mas também graças a Deus acertamos muito, né? E eu acho que o
erro faz com que a gente cresça. (...) A gente tem que experimentar, viver o
novo, enfim ousar, né? Eu acho que educação é isso, é ousar, né? É não
ficar estagnado. (P1)

O experimentar em educação é polêmico, pelo caráter humano dessa


atividade, pelo fato de que alunos não são cobaias e não deveriam ser instrumento
de experimentação. Mas por outro lado, ficava o questionamento: aonde se
experimentava mais e de forma mais deliberada? Não seria na educação tradicional
que se pretendia inovar, quando este modelo imputava aos alunos um conhecimento
meramente memorizável, colocando-os diante de uma educação baseada em
estímulo-resposta, beirando o behaviorismo? Apesar das intenções claras de que
esse momento seria de transição e de que, em algum momento, a vida na escola se
normalizaria, essa dita experimentação representou incômodo para o grupo gestor, a
saber:

Mas veja... É... de alguma forma, a gente trabalhou um pouco


nisso daí. Isso me incomoda pensar. Em educação a gente não
teria essa liberdade, né? Porque eu não trabalho com bens
materiais, eu trabalho com educação, um bem intangível, mas ao
mesmo tempo tão concreto (...). Porque esse aluno está aqui
conosco, vivendo aquele momento. Ou seja, para que a gente
pudesse evoluir, alguns alunos viveram momentos em que a
gente experimentou algumas estratégias, né? E alguns
procedimentos e alguns processos que depois a gente entendeu
assim: não, essa daqui não vai nos levar aonde a gente quer.
Isso me incomoda em pensar que algumas pessoas, alguns
alunos viveram esses momentos de turbulência também da
escola. (G1)
Nesses momentos, pareceu necessário ao grupo gestor mostrar aos
professores, executores da proposta, para famílias e alunos, muita transparência
nas ações e nas intenções que lhe eram subjacentes, para então continuar contando
com a credibilidade destes.

Embora o grupo gestor parecesse ter plena consciência de que práticas


tradicionais conviviam com práticas mais avançadas e soubesse que o fio condutor
de todos os processos, a partir da implementação, devesse caminhar no sentido de
efetivar a inovação, essa ausência de unidade de ação na prática da avaliação
formativa constituiu mais um entrave no processo. Diretrizes não vinham prontas de
86

fora e cada escola do grupo fazia a implementação a partir de seu estudo e


interpretação. Parecia faltar a unidade de ação entre as escolas do referido grupo e,
muitas vezes, essa mesma unidade parecia faltar dentro da própria escola.

O grupo gestor trabalhou em cima dessas diferenças, como, por exemplo, ao


propor o trabalho com temas aglutinadores, mas em alguns momentos, agiu de
forma mais radical, cobrando um posicionamento mais efetivo dos professores.
Forçou a saída da zona de conforto, mobilizando mais para responder às novas
demandas que surgiam. Em alguns momentos isso funcionou, mas em outros, as
lacunas ficaram.

As lideranças da escola foram se aproximando mais do real para que, sem


abrir mão da essência da avaliação formativa, perseguissem as possibilidades, ao
invés de estagnar-se nos hiatos e rupturas.

 A formação docente como impulso para a Inovação.

A inovação de processos passa, igualmente, pela qualificação e formação dos


professores. Há questionamentos em relação a essa formação. Perrenoud (2001)
demonstra as representações que se tem desta como “demasiadamente teórica” ou
não “suficientemente prática”. Ele continua defendendo que hoje é costume afirmar
que uma boa formação é aquela que leva os profissionais a desejar prosseguir
formando-se através de ações concretas. Mas o principal continua sendo tentar
destacar dessas ações as facilitações e as iniciativas institucionais (estágios,
jornada de estudos, trabalhos em grupo ou individuais, nos locais de trabalho ou fora
deles), levando também em conta a dinâmica, a vontade e as ações pessoais de
formação, assim como o espaço que elas ocupam e os processos que as
caracterizam. Há uma dialética nessa relação entre formação proposta pela gestão,
representações e ações individuais do grupo de que dela participa e executa.

A formação e qualificação de pessoal já eram condições imprescindíveis para


que se começasse a pensar em inovação, mas o grupo gestor avançou no sentido
de não contratar nenhum profissional, a partir do momento da implementação, que
não tivesse formação superior ou em curso, além de continuar investindo na
formação continuada. Embora essa pesquisa tenha levantado a hipótese de que
poderia ter faltado um olhar mais de perto sobre as práticas docentes, a gestão
assegura que, neste momento, decidiu observar de perto como ocorria a dialética
87

entre a formação oferecida e a apropriação desta pelos docentes para melhorar sua
prática. A análise de documentos como relatórios de avaliações de professores
mostrou essa tentativa de acompanhamento.

Pensou-se também em potencializar os recursos humanos que se tinha, em


trabalhar para diminuir os alunos por turma e ganhar em qualidade de atendimento,
aumentando nas séries iniciais, por exemplo, o número de auxiliares e estagiários.
Fato constatado junto ao departamento de pessoal da instituição, do aumento
significativo do número de novos contratados nesse período.

Além da atitude deliberada de iniciar a inovação, existia uma clareza entre os


gestores de que a escola iria atingi-la, apesar de paradoxalmente, ter a consciência
também de que a instituição não vivia nesse percurso todos os processos
plenamente. Muitas vezes, o investimento era mais alto em alguns componentes
curriculares do que em outros como, por exemplo, em Matemática e em Português
no que se refere às consultorias, mas outros meios de formação eram garantidos às
outras áreas. Evidencia-se aqui uma cultura de validação dessas áreas do
conhecimento em detrimento de outras, mas essa atitude, nesse momento, deu uma
certa tranquilidade às famílias de que a escola tinha as rédeas da situação sob seu
controle.

Havia a consciência por parte da gestão da grande responsabilidade que era


garantir que a proposta se efetivasse sem que os procedimentos básicos fossem
afetados, essa dicotomia vivida pela escola, nesse momento, é verbalizada nessa e
em outras falas dos gestores:
[...] É fazer uma troca com o avião em movimento. A gente tem que fazer
essa metáfora. É aquela coisa da urgência, fazer tudo isso na urgência e na
emergência. Então você não paralisa os procedimentos já existentes. Você
tem aí um aluno e uma família a quem você deve realmente satisfação. (G1)

Acursio (2004) afirma que não há resistências suficientes para determinar a


neutralidade e impedir que as transformações ocorram, mesmo que sejam vistas
como utopias ou como sonhos individuais ou coletivos. Apesar dessa visão de
inexorabilidade e emergência das mudanças, resistências de parte do corpo docente
representaram entraves à efetivação da proposta e, na visão dos gestores,
colaboraram para seu retardamento.

Conforme já mencionado anteriormente nesse estudo, tais resistências


conviviam com forças de mudanças e com a persistente e deliberada atitude da
88

gestão em puxar para si a responsabilidade de conduzir o processo e trazer o


professor para o debate participativo. Segundo o parecer da gestão, os professores
que não tinham uma visão de planejamento participativo ou uma atitude mais
reflexiva ou dialógica achavam as reuniões de planejamento uma grande perda de
tempo e questionavam o porquê de tantas mudanças.

A partir desses questionamentos foram se delineando os atributos dos


profissionais que a escola possuía. Mesmo aqueles que pareciam estar envolvidos
com a proposta, na visão do grupo gestor, continuavam a carecer de um
investimento maciço em sua formação. Entendeu esse grupo que a escola não tinha
um profissional preparado para lidar com a nova realidade e que a única alternativa
era investir grandemente nesse aspecto. Começando pela avaliação e, paralelo à
mesma, um outro processo de formação, por meio do planejamento participativo.

Somada a essas ações, conforme já mencionado, a escola já havia começado


a envolver os professores na refacção do projeto pedagógico da escola, na
discussão do regimento, na missão, nos valores, nos marcos referenciais. Esses
documentos eram revisitados e ressignificados pelas vivências, como aspectos de
formação presentes em momentos pontuais, como as semanas pedagógicas de
início de períodos letivos, mas também em reuniões corriqueiras como as de
coordenação de área. Coordenadores de áreas se tornariam multiplicadores de
informações, planejariam com o grupo e analisariam os instrumentos avaliativos à
luz da nova proposta.

Apesar do esforço da gestão, havia o temor da mudança. Esse temor estava


em todas as esferas. Mas havia uma diferença básica entre os grupos: o daqueles,
cujo potencial de risco era maior que o temor e o daqueles em que o medo ou a
descrença pelo novo não permitia avançar. Quando a proposta saiu do conjunto das
teorias que as legitimavam para ganhar o espaço da sala de aula, esta passou a
interferir na elaboração dos instrumentos pelo professor, a exigir uma avaliação mais
operatória e contextualizada, um melhor tratamento das informações e relações
mais complexas com o objeto de conhecimento. Os mais temerosos, nesse
momento, indagavam o porquê das mudanças, já que a escola estava bem,
reconhecida e valorizada pela comunidade.
89

Como a teoria não recria as realidades, essas teriam que ser vividas. Arroyo
(1999) denuncia que a teoria tem levado os professores a duvidarem de suas
práticas e a apontar a necessidade de destruí-las. Continua afirmando que não é por
acaso, então, que os professores resistem a essa crítica destrutiva de suas práticas,
de suas concepções, de sua cultura escolar e profissional. Sentem-se ameaçados. A
crítica não conseguiu ser construtiva de novas práticas. Não conseguiu ser
inovadora. Esse pareceu ser um erro que o grupo gestor não pretendia cometer, daí
a proposta do fazer conjuntamente, minimizando as resistências e engajando o
professor, de modo que ele adquirisse um sentimento de pertença ao grupo, de
construção coletiva.

 As resistências e o impasse do ano 2000.

As mudanças pareciam ser arrebatadoras demais para as crenças de alguns.


Parte destes optou pelo desligamento, outros, mesmo permanecendo na instituição,
não acreditavam que a inovação sobreviveria, pois as famílias não aceitariam tantas
alterações. Como a mudança, conforme já mencionado, se deu de série a série,
alguns achavam que ela pararia nas séries iniciais e não avançaria. Mas a atitude
deliberada da gestão pela inovação dos processos esgotou essa possibilidade. A
mudança na avaliação, que deixaria de ser por nota e passaria a ser por objetivos,
apesar de todo um trabalho de formação que antecedeu esse momento
desestabilizou muitos professores e mexeu com a expectativa de muitas famílias.

Essa mudança substancial no instrumento avaliativo que, na visão da gestão,


puxaria outras mudanças nos processos, acabou expondo de forma decisiva as
diferenças entre os grupos supracitados. E essa mudança trouxe o impasse do ano
2000, em que vários professores foram desligados do quadro de pessoal da referida
instituição. Indagados sobre esses desligamentos, se teriam sido um equívoco da
gestão e teriam retardado ainda mais o processo, conforme hipótese levantada no
projeto dessa pesquisa, evidenciou-se mais uma vez a intencionalidade desta ação,
a saber:
A instituição, em nenhum momento se descartou daquele grupo por
entender de forma precipitada que ele não daria conta. Não. Partiu-se da
premissa que a gente queria ter essa mudança com aquele grupo, com
aquela equipe e o investimento foi feito para que isso acontecesse, mas a
gente realmente não teve retorno. Alguns profissionais não se identificaram,
não acreditaram e acho que isso também é muito legítimo da parte deles.
Eu também não entendo que a gente tivesse que ter o olhar de que assim: o
que nós estamos realizando é uma verdade absoluta para todos. Não! Era
90

uma crença da instituição naquele momento, que era preciso mudar, era
importante inovar. Mas não era de alguns profissionais e que eles também
tinham todos os direitos. Mas nós também tínhamos o direito de não
permanecer com eles, porque aí nós estávamos tendo uma divergência e
uma perda de força que nos fragilizava muito no campo educacional e
pedagógico. Isso teria um impacto mais forte nas famílias e nos alunos,
porque um professor que não acredita, ele discursa dessa maneira, ele
operacionaliza dessa maneira, que seria frontalmente contrário ao que a
escola queria. (G1)

As demissões, apesar do impacto emocional que causara, incluindo tal


impacto sobre os que ficaram, na visão do grupo gestor, tinha uma razão de ser.
Seria mais coerente, por parte da escola em relação às famílias, desligar um
profissional que não comungava da proposta anunciada, que manter discursos e
práticas divergentes em um mesmo espaço educacional.

A gestão parecia saber, entretanto, da descrença também de algumas


famílias em relação à nova proposta, pois tais acabaram se desligando. Aos poucos
foi mudando o perfil da clientela. As que decidiram ficar, conforme pode ser
constatado mais adiante, foram aquelas que acreditaram e, mesmo levantando
críticas sobre alguns posicionamentos, tinham por certo que a escola daria conta
dos processos iniciados. Todavia, conforme emitiu o grupo gestor, alguns
professores, até por uma questão de mercado de trabalho não puderam se desligar,
tendo a escola que tomar essa decisão.

Havia também outra intenção subjacente nessa atitude: mostrar a decisão


pela mudança para os que ficaram e para os novos contratados. Aumentaria nesse
grupo a certeza de que a proposta teria vindo pra valer, uma vez que, boa parte dos
desligados do quadro era de profissionais qualificados e de muitos anos na escola. A
maioria foi, imediatamente, recolocada no mercado de trabalho local, em escolas
declaradamente conteudísticas.

As iniciativas de avaliações periódicas dos professores somaram-se aos


resultados do trabalho de profissionais da consultoria externa que viera à escola
com o objetivo de: avaliar a predisposição para as mudanças, a adequação ao novo
e o potencial de risco de cada um dos professores. Entretanto, a análise dos dados,
levou à conclusão de que a falta de diretrizes mais claras, a ausência de
alinhamento conceitual e de entendimento da proposta, bem como as diferentes
leituras e interpretações do mesmo fenômeno, podem ter gerado uma leitura
também deformada, por parte da gestão, sobre alguns profissionais que não
91

estavam, necessariamente e de forma deliberada, contra a proposta, mas que até


aquele momento não a tinham como objeto inteligível, a ponto de ter segurança em
praticá-la. Isso se revela na fala de uma das professoras demitidas, por ocasião do
impasse do ano 2000.
É toda novidade é difícil, né? Se você tá caminhando em um tipo de coisa,
você muda para uma coisa totalmente diferente realmente tem aquele
impacto, né? A aceitação às vezes fica difícil. Às vezes você acha que
entende, aí você vê que não é aquilo que o colégio queria, eram outras
coisas. Então realmente, tudo que é novo é um desafio para as pessoas. E
foi um desafio também para a gente, não vou dizer que não foi... Assim... a
gente ficou confusa. Eu... eu fiquei sim. A gente fica, né? (...) Às vezes a
gente achava que tava no caminho certo e quando você vê não é bem isso
que a escola tá querendo, é outra coisa, né? Então é realmente complicado.
(P2)

Hernandez et al. (2000) chamam a essas diferentes concepções,


proposições, desejos, as avaliações da prática e a realidade da inovação, como um
percurso repleto de luzes e sombras, de claro e escuro, a um acúmulo de
contrastes. Nesse sentido parece ter havido um equívoco da gestão em colocar em
um mesmo bojo, profissionais declaradamente contra a proposta e aqueles que não
a tinham ainda compreendido. A pesquisa levantou a hipótese de que essas
demissões podem ter contribuído para retardar o processo, uma vez que as novas
contratações trouxeram profissionais que desconheciam completamente o caminho
percorrido até aquele momento. Sob o ponto de vista da gestão e, a partir da análise
dos dados, essa hipótese não se confirmou entre os gestores. Veja como a
intencionalidade de continuar o processo iniciado com os novos contratados é
evidente nessas falas de diferentes sujeitos da pesquisa:
Eu percebi que a instituição era muito criteriosa, tinha um cuidado muito grande
com o profissional no momento de tomar uma decisão de desligamento. Mas
eu, por fazer parte do processo na época, eu faria tudo novamente, porque se
não tivesse sido feito, o processo não teria avançado, mesmo com os
entraves... Então a instituição, por mais doloroso que esse momento possa ter
sido, eu acredito que ele foi crucial para que o processo possa ter avançado,
né? Eu diria assim, algumas perdas necessárias, né? É lógico que isso é muito
complexo. porque...É... as pessoas são pessoas, tem vínculos afetivos,
entendeu? Mas assim, às vezes a gente precisa quebrar alguns cristais, né?
Existiam algumas pessoas, sobretudo as que eram mais antigas na escola, que
estavam na instituição e que tinham uma liderança muito forte no sentido de ser
contrário à mudança, né? Precisaram ser mexidas. Por que à medida que
fomos mudando, isso gerou um impacto nas pessoas no sentido de perceber:
"caramba, esse negócio é sério!! Eles mexeram em fulano que está aqui a vinte
anos" E que assim eram tidos como intocáveis, eles eram tidos como guardiões
de uma proposta pedagógica que não era mais a que se queria (G3)

Os novos contratados entrariam na escola sabendo que essa era a proposta, é


mais fácil. Historicamente você sabe que é... Você viver o processo de
transição... não é fácil para aqueles que já estavam vivenciando um processo
92

anterior, né? Então assim você não alterna. E também, em nenhum momento,
a ideia era de que a gente ia jogar fora. Ali a gente não entrou no "certo e
errado", mas em dinâmicas diferentes, dinâmicas coerentes e processos mais
coerentes com aquela proposta. Então isso que a gente buscou. (G1)

A hipótese do retardamento do processo, a partir das demissões, do ponto de


vista docente se confirmou. Embora essa visão possa estar imbuída de uma carga
um pouco passional e seja um tanto parcial, é digna de nota, como forma de
demonstrar as diferentes visões e as singularidades que envolvem as mudanças em
qualquer ambiente, para que se evitem os reducionismos, conforme denunciou
Arroyo (1999), em sua análise sobre as inovações nas escolas e a experiência
educativa. A carga emocional e a visão de retardamento do processo, sob o ponto
de vista docente, evidenciam-se nessa fala:
Então eu acho assim, naquela época do ano 2000, realmente foram
demitidas algumas pessoas que já estavam realmente fora do processo,
mas foram profissionais excelentes, né? E pessoas que poderiam estar aqui
acrescentando e muito à escola. Tem pessoas maravilhosas que foram
mandadas embora e que são...pra mim, são referenciais na educação. E ao
passo que outras entraram que não veem a educação como algo... Assim...
como vocação. (...) Às vezes as pessoas jovens que estão entrando, elas
têm o conhecimento, mas não tem o domínio da sala de aula e não tem a a
maturidade necessária para lidar com os adolescentes (P1)

Tal carga emocional deixada por esse evento afetou também os que
chegaram. Por conta dos vínculos afetivos que havia entre os que ficaram e os que
sofreram o processo da demissão, os novos contratados, não raras vezes, eram
vistos com certa desconfiança e melindre por parte de alguns daqueles que
continuaram na instituição. Eis como isso se evidencia na fala de uma professora
contratada, logo após as demissões, que permanece na escola até os dias de hoje:
Olha, foi uma coisa bem diferenciada assim... Tinha um grupo que aceitava
a gente, os novatos. E tinha um grupo que rejeitava. Teve pessoas que
demoraram mais de um ano para me cumprimentar dentro dessa escola.
Não me davam bom dia, as pessoas que estavam aqui (...) agora tá muito
livre, muito aberto, muito aceitável, na época não era. (P3).

Usar deliberadamente a avaliação como mote de mudança para afetar todos


os processos da escola foi o meio usado pela gestão. Canalizar processos
singulares da totalidade de uma escola para um único viés: a avaliação formativa,
sem querer desvalorizar o campo das intenções subjacentes, parece ter trazido,
pelos dados analisados, contrastes metodológicos quando se esperava unidade de
ação; dicotomia entre teoria e prática, quando se esperava consonância entre
ambas; distintos percursos, quando, mesmo respeitando as diferenças de ritmo, se
93

esperava uma certa sintonia de ações. Mas outras análises feitas nesse estudo
acabaram por revelar outras facetas dessa inovação.

 Após o impasse, a continuidade da mudança.

A formação continuada permaneceu e foi bastante incisiva entre os que


chegaram, nos cinco anos subsequentes, embora tenham diminuído as leituras
individuais e os encontros com os teóricos da prática formativa. Mas parecia, na
visão da gestão, ser necessário continuar alimentando esse grupo da proposta de
mudança, para que ela não esmorecesse.

A ausência da nota, alterada por menções (APL, como aprendizagem plena;


MAS, como aprendizagem média superior; AS, como aprendizagem suficiente; APS,
como aprendizagem parcialmente suficiente; AI, como aprendizagem Insuficiente e
AN, como aprendizagem não ocorrida), necessitava de grande poder de
argumentação dos professores, pois a carga subjetiva presente nesses conceitos,
não raras vezes, conforme confirmou-se pela análise dos dados, gerava
questionamentos dos pais, e muitas vezes, desviava-se o foco do processo e recaía-
se nos resultados. O olhar sobre o processo era imprescindível e isso, de alguma
forma, explicitou, como pode ser constatado mais adiante, os entraves estruturais ao
trabalho pedagógico.

A literatura foi revisitada nas coordenações de área e uma ênfase maior foi
dada à essa função. Coordenadores das áreas do conhecimento passaram a ser os
sujeitos, que aliados à gestão, seriam os guardiões da inovação, para que os
ganhos não se perdessem. Para tanto, acompanhando a reestruturação dos
serviços da escola que passaram a ter a nomenclatura de Núcleos, a gestão
procurou minimizar as divergências entre este grupo e o grupo gestor. Um trabalho
sistemático de uma psicóloga, contratada pela escola, acompanhou esse grupo
durante o ano de 2007, resultando na diminuição do número de coordenadores,
ficando nessa função apenas aqueles que, segundo o acompanhamento feito,
estavam mais propensos à colaboração com o grupo gestor.

Entre os anos de 2009 a 2010 ocorreu o processo de implantação da nota


qualificada e isso representou um marcador importante para todos os sujeitos
envolvidos. Tal nota era atribuída a momentos de avaliações formais (parciais e
globalizantes) como recortes do processo. Estes recortes formais constituíam-se
94

como uma forma de correção da prática anterior de aplicação de múltiplos


instrumentos. Tais instrumentos, fragmentados em indicadores de avaliação, haviam
diminuído a complexidade das relações entre os objetos de conhecimento. Isso
ocorreu no período entre 2002 a 2007, aproximadamente, em que a escola foi vista
como de fraca cobrança. A introdução das parciais e globalizantes, associada a uma
maior complexidade dos objetivos e, a partir deles, dos indicadores, aumentaram a
crença das famílias nos processos da escola.

A proposta da nota qualificada, que será tratada mais adiante, entra como
uma adequação da proposta da avaliação formativa, pois tem como um dos seus
objetivos quantificar um processo que se pressupõe de qualidade. E novamente
demonstrou uma atitude de controle da situação, de forma deliberada e intencional
por parte da gestão, levando em conta as demandas das famílias. Esse foi um
momento de menor resistência da comunidade.

Todas essas adequações e justaposições seguiam demandas internas como


a otimização do trabalho pedagógico, a informatização dos resultados, uma melhor
compreensão e metacognição dos processos, por parte de alunos e professores, um
olhar menos rarefeito da gestão sobre esses processos. Mas também estavam à
mercê das demandas externas, como as expectativas das famílias, as avaliações
externas, a concorrência com outras escolas da região, as profundas mudanças que
continuavam a acontecer no cenário nacional e global. Aspectos que serão
discutidos mais adiante.

3.3 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DAS FAMÍLIAS.

3.3.1 Avaliação, expectativas das famílias e demandas externas.

No que se refere à percepção das famílias sobre a inovação dos processos


na escola, desde o início até os dias de hoje, a análise dos dados apontou algumas
diferenças de expectativas, ao longo do percurso.
Apegada ao paradigma tradicional, a família se sentiu insegura de início.
Como o processo se iniciou na educação infantil para a 1ª série, a ausência do livro
ou da cartilha e a proposta do construtivismo socio-interacionista mexeram em
alguns pilares e algumas crenças já arraigadas a respeito da educação. Por mais
que fosse transparente a comunicação entre escola e família, no que se refere à
95

evolução da criança na leitura e na escrita, as famílias tinham dificuldade em


acompanhar aquela sanfona, das idas e vindas na construção daquelas
competências. Essa dificuldade é percebida na fala de uma das gestoras, na época,
a saber:
Então, embora eles tivessem visto esse resultado palpável, a cartilha era
uma segurança para as famílias. Então elas ficaram com muito medo da
primeira série nessa proposta nova...é... de cair no expontaneísmo. O que a
gente achava que era muito interessante por parte da família, porque ela
vinha de uma metodologia diferente, por mais que a educação infantil é
onde ela vai... ter mais crédito, não há tanto uma formalização. (G-4)

Os professores, apesar de possuírem uma relativa fundamentação teórica


para aplicar os pressupostos construtivistas, sabiam do empirismo que lhe era
subjacente. Hoje tais pressupostos permeiam os documentos oficiais e estão
presentes em muitas salas de aulas desse país, certamente com muitas adaptações
e até algumas deformações, mas há parâmetros mais seguros para isso. Enquanto,
naquela época, eles tinham um caráter experimental que ainda gerava inseguranças
de várias naturezas.
A análise dos dados foi reveladora de que entre as famílias que
permaneceram na escola durante todo o processo e ainda mantêm-se fiéis à
instituição, houve alguns motivos, além da proposta avaliativa que, de certa forma,
permitiu-lhes a permanência. Motivos que as seguraram em momentos de
incertezas. Dúvidas que transparecem na fala, abaixo, a saber:
Quando ela entrou no colégio era aquela coisa de menção APL, APS, AS,
AI. Não tinha o AMS. Chegou no amarelinho, era aquela coisa de desenho,
não dava pra saber direito o que estava acontecendo. Quando chegou na 1ª
série, por mais que se explicasse, eu achava uma coisa subjetiva demais.
Era aquela coisa "Ah, tem sondagem, a gente avalia o aluno o dia todo, o
tempo todo, fazendo tudo." Não tinha prova, mas tinha... Como é que
chamava... Uma espécie de avaliação que era uma prova, né? Era uma
coisa, pra mim, uma coisa muito subjetiva... Muito assim... Bom... deve estar
dando certo...(RF-1)

Nessa fala o sujeito da entrevista, mãe de aluna, não nega que havia um
esforço da escola em explicar os processos, mas denuncia o que ela considera
subjetivismo da observação. Aqui parece estar explicitada para a família, a leitura
pelo professor do processo pelo qual passava a criança, com todas as suas
possibilidades e todas as suas construções. Entretanto, as interrupções na fala em
momentos de definir ou conceituar as ações pedagógicas: "como é que chamava..." ;
"muito assim..." parece ser um indicativo de desconhecimento da base teórica do
construtivismo sócio-interacionista e de algumas dúvidas quanto ao processo.
96

Segundo Allal (1983, p. 131), a avaliação formativa é “um meio de regulação


no interior de um sistema de formação, o qual permite garantir que os meios de
formação propostos pelo sistema, sejam adaptados às características dos alunos”.
Esse mesmo autor continua afirmando que sua finalidade é a individualização dos
modos de ação e interação pedagógica, como forma de garantir que o maior número
possível de alunos possa alcançar o domínio dos objetivos essenciais do programa
de formação. Nesse sentido haveria uma maior ênfase nos procedimentos do
aprendente do que em seus resultados. Esse pressuposto está na fala atribuída pela
mãe aos profissionais da escola: "Ah, tem sondagem, a gente avalia o aluno o dia
todo, o tempo todo, fazendo tudo." entendida pela escola, mas não muito pela
família, naquele momento de implementação recente.
Entretanto a fala é fechada com: "Bom... deve estar dando certo...". Aí parece
evidenciar uma crença nos processos, dado aos resultados tangíveis que a criança
estaria tendo, passíveis de observação em casa ou na escola. Somam-se a eles os
motivos extras, já mencionados, que estariam contribuindo para a permanência da
criança na instituição. A escola hoje, presente em 77 países, se mantém atuante no
mundo, há aproximadamente 285 anos, desde sua origem francesa, dentre os quais,
215 anos no Brasil e 50 anos só em Brasília. O peso dessa tradição e abrangência
foi recorrente em algumas falas entre os diferentes sujeitos, a saber:
Acho que o colégio que tem a tradição que tem esse, ele não vai deixar o
nome dele assim na lama, vamos dizer, por qualquer coisa...( RF1)

O que nos chamou a atenção para que os meninos entrassem no colégio foi
o fato de ele ser tradicional e católico.

E depois pelo...pelo tradicionalismo, ele tinha os princípios. (RF3)

Tudo que o colégio fez até hoje, nesses anos que a gente está aqui... ao
longo desses anos a gente nunca teve dúvidas de nada. Pois tudo que é
implantado a comunicação chega a tempo. Com os demais fica até muito
mais fácil, né? (RF-3)

A confiança na instituição, de que ela iria segurar as rédeas da situação, face


ao nome que tem, parece denotar que fundamentos, tradição, valores e auto-
sustentabilidade são importantes para as famílias, quando decidem deixar ou retirar
seus filhos de uma escola. Aqui se percebe, sobretudo, na fala do último sujeito
apresentado (RF-3), uma idealização da escola como se o caminho partilhado não
tivesse tido intempéries de quaisquer naturezas. No decorrer dos discursos,
entretanto, algumas delas acabam emergindo.
97

Seguindo a análise dos dados do discurso, como os supracitados, das


expressões não verbais de aprovação, em forma de conteúdo latente, no momento
das entrevistas, bem como a análise documental de ficha de pesquisa de satisfação
das famílias, dois elementos se entrecruzaram: a confiança na escola e a eficácia na
comunicação ou nas informações sobre os processos. As grandes reuniões, os
momentos pedagógicos, as reuniões de pais, as circulares, os emails, as
informações, via portal, bem como outras formas de comunicação entre escola e
família, parecem ter servido de suporte para a continuidade das inovações iniciadas.
A comunidade parece se sentir inserida, quando as decisões e adequações são
comunicadas.
Hernandez et al. (2000) ao analisarem um estudo de caso semelhante, já
citado anteriormente, apontaram que a confiança dos pais tem relação com a
cooperação que a escola mantinha com os mesmos antes da inovação. Isso parece
demonstrar que a história pregressa da escola, junto às famílias é um aspecto
preponderante para que as mesmas apostem nas propostas de mudança. No caso
estudado, isso parece ser aplicado ao tempo de percurso da escola na cidade e às
várias gerações que ali se mantiveram fiéis. Parece ser relevante, nessa questão, o
fenômeno da memória vivida e construída, do antes e depois, dos tempos históricos
perpassando o tempo cronológico e da gama de sentimentos que isso envolve.
Avós, filhos e netos que partilham de um mesmo sentimento de pertença.
O pensamento de Augé (1994), citado anteriormente para qualificar o lugar do
professor dentro da proposta, parece se adequar também para essa análise, se essa
relação simbólica das famílias com a escola for vista como um contraponto à cultura
individualista contemporânea, que tem gerado incômodos diversos, de relações
fluídas, de não lugares. Augé (1994, p.102) afirma que “O não-lugar é o contrário da
utopia: ele existe e não abriga nenhuma sociedade orgânica”. Assim, o não-lugar se
torna algo real, onde as relações humanas ocorrem, porém de uma forma diferente
de um lugar propriamente dito. Contrapondo aos não lugares, segundo Augé (1994,
p.51):
[…] a principal característica do lugar é a identidade que o homem cria com
ele. Ou seja, o lugar representa a construção física ou simbólica do espaço
referido por todos aqueles que criam uma afetividade com esse lugar,
dando a ele um sentido de pertencer ao mundo onde esse individuo vive.
Além disso, o lugar é ao mesmo tempo “princípio de sentido para aqueles
que o habitam e princípio de inteligibilidade para quem o observa”.
98

Nesse sentido, a escola representaria para esses sujeitos o lugar, espaço de


relações, de afetividade, de construção simbólica, familiar, aonde lembranças são
evocadas da infância, do primeiro dia de aula, dos acantonamentos, das quadrilhas
nas festas juninas, das saídas a campo, do pique esconde nos pátios centrais, do
bate-papo na escada da frente, entre o término das escolinhas de esporte e a
chegada dos pais para buscar, dos gramados nos arredores, aonde muitos namoros
adolescentes começaram... ou terminaram.
Nas conversas informais, durante essa pesquisa, tais evocações de
momentos vividos, como os citados, anteriormente, apareceram. Essa relação de
pertencimento e de afetividade fica evidente em algumas falas, como essas, de
diferentes sujeitos:
Nós percebemos, inclusive o meu filho fala muito isso, que esses alunos
que saem eles não se encontram lá fora. Eles acabam voltando. Saem,
ficam um ano fora, às vezes um semestre, mas acabam voltando. Por que
você não encontra lá fora o que você encontra aqui dentro...É uma coisa
muito forte de família. O que chamava muita atenção minha e de meu
marido é que aqui nossos meninos são conhecidos pelo nome. Uma escola
enorme dessa, uma escola que tem muitos meninos. Os porteiros
conhecem os filhos da gente pelo nome. Você chega na porta da escola e
eles chamam pelo nome. (RF-3)

Eu gosto muito da instituição! Estou muito satisfeita. E eu sou muito


passional. Se começam assim: "Eu tenho dúvidas quanto à aprendizagem
do colégio." Eu respiro fundo: O colégio não é meu, eu não tenho que tá
brigando por isso. Mas eu vejo, por exemplo, minha filha... Ela foi muito bem
no Ensino Médio. Tem uma amiga nossa que é do outro colégio e as notas
do PAS tão quase iguais. Então assim, não é o colégio, é o aluno. E o que
eu mais gosto lá, mais até que a parte acadêmica, é a filosofia do colégio.
Eu acho muito legal, é a amizade... A parte religiosa. Eu gosto sim. Mas os
valores, a coisa dos alunos serem amigos... (RF-1)

Essas falas são demonstrativas de como motivos afetivos também parecem


ter feito diferença entre as famílias que permaneceram, em meio às mudanças, e
aquelas que se retiraram. Isso é ressonante na fala dos gestores, quando afirmam
que, em alguns momentos de turbulência, eles precisaram muito do apoio das
famílias. Entretanto laços afetivos não pressupõem passividade. As mesmas famílias
que mantêm esses vínculos de pertencimento mantêm igualmente uma relação de
pertencimento da escola a elas. A sua relativa tolerância com as lacunas não são
indicativos de que as toleraram ou as tolerem indefinidamente.
99

 Mudanças de expectativas.

No período entre 2002 a 2007, quando a escola foi vista como fraca pela
comunidade local, algumas outras foram surgindo na cidade. Dentre os colégios A,
B, C, D, E e F, referidos no gráfico abaixo, pelo menos dois deles, surgiram na
cidade, nos últimos dez anos e representaram concorrência com a escola analisada,
por oferecer uma proposta conteudística, declaradamente voltada para os exames
vestibulares. A escola analisada perdeu parte de seus alunos para esses colégios. A
tendência de saída, embora não de maneira uniforme, continuou nos anos
subsequentes. O que mostra o gráfico, elaborado no início de 2012, a saber:

Gráfico 1 – Transferências de Alunos para outros Colégios da Cidade

Do 2º ao 9º ano

Colégio A
Colégio B
Colégio C
Colégio D
Colégio E
Colégio F

Fonte: Guia do Educador(...), 2012.

Um dado oriundo de pesquisa, junto à secretária, comprovou que vários


desses alunos tinham resultados satisfatórios. Isso permitiu analisar que excelentes
alunos da escola estudada continuaram sendo excelentes alunos do Ensino Médio
das outras escolas. Mas por escolha deliberada da família não continuaram os
estudos no segmento posterior. Parece ser possível afirmar que apesar de a escola,
na época, não estar vivendo um bom momento, a base construtivista que
fundamentou as ações pedagógicas durante parte dos anos escolares desses
alunos, contribuiu, parcialmente, para a criação de algumas competências nos
mesmos que os fizeram se destacar no Ensino Médio em outras escolas e a
100

passarem nos concorridos exames de Vestibular. Somam-se a isso as


características idiossincráticas que permitiram a esses alunos exercer devidamente
seu ofício, tanto na escola de origem, quanto em quaisquer outras.
Sobre os maiores motivos alegados pelas famílias para o desligamento da
matrícula estão: a vontade de conhecer outras propostas e o preparo para o
vestibular, o que passa pelo viés acadêmico, conforme vieram confirmar os dados
das entrevistas e são demonstrados nos gráficos, abaixo, a saber:

Gráfico 2 – Motivos de Transferências para outros Colégios

Da Educação Infantil ao 8º ano

Fonte: Guia do Educador (...), 2012.


101

Gráfico 3 – Setorizado – Transferências do 6º ao 9º ano

Fonte: Guia do Educador(...), 2012.

É possível a observação, no gráfico imediatamente acima, de que a


preocupação com os exames vestibulares aumenta, na medida em que o aluno
aproxima-se dessa realidade. Isso tem levado os pais, para os quais tal
preocupação é relevante, a retirarem seus filhos, antes de os mesmos ingressarem
no Ensino Médio. Entretanto, se comparados os dois gráficos, essa preocupação é
recorrente em outros anos do Ensino Fundamental, quando também podem ser
interpretadas como motivações similares: a pouca exigência da escola e a busca de
outras propostas.
Essa tendência começou a se delinear no período pós implementação, entre
2002 a 2006, quando os instrumentos fragmentados e regulações não tão
qualificadas no processo de construção do conhecimento, bem como os ritmos
diferenciados entre professores que já estavam e os novos contratados,
empobreceram as relações mais complexas nas aulas, revelando-se nos
instrumentos e levando a escola a viver, de fato, uma espécie de limbo, no que se
refere à qualidade do ensino.
Seguindo a mesma linha de atitude deliberada pela mudança, a gestão da
escola no ano de 2007, alterou a forma de avaliar e estabeleceu as parciais e
102

globalizantes, conforme já enunciado, como momentos pontuais da avaliação do


processo. A princípio, a menção da parcial poderia ser superada pela da
globalizante. Nessa época a escola pode repensar suas práticas e acabou
atendendo às expectativas de muitas famílias que reclamavam por uma maior
sistematização nos processos. Entretanto, foi uma mudança dentro da mudança e
isso, se por um lado, atendeu à parte das expectativas familiares, por outro, trouxe
desassossego. Conforme se pode constatar na fala de um representante de família,
abaixo:
O colégio, acho, que sentiu necessidade de ter uma... Uma coisa mais
formal, que pra gente que é mais antigo é bom. Eu nunca fiquei
questionando: "Ah, porque que não tem prova?" Porque quando eu cheguei
lá, já me disseram que era assim. Mas, de certa forma, eu sentia falta né?
Porque a gente foi criado assim e nosso colégio era desse jeito. Ai veio
esse negócio de começar a ter uma avaliação e começar ter essa menção
diferente e então eu já vi que foi apertando. Quando eles mudaram pra nota,
a minha primeira filha já estava no Ensino Médio, mas de toda forma eu
senti isso no Ensino Fundamental também, porque tenho a mais nova, que
está lá até hoje. E eu vi muitos pais... Não, não foi nem quando mudou para
nota, foi quando mudou para avaliação parcial e globalizante, que foi um
auê. Eu tenho até uns amigos, assim [...] que diziam que não podiam
implantar o processo daquele jeito. Só que no meu entendimento, apesar de
ser uma mudança muito grande, não tinha como não implantar daquele
jeito. Implantar como? Primeiro trimestre é conceito, segundo é nota.
Primeiro semestre é subjetivo e no segundo entra com prova, quer dizer...
Na minha cabeça só... podia ser daquele jeito, mas foi traumático. (RF-1)

Passado o momento inicial, quando os processos foram se normalizando, a


escola, por meio de seus professores, percebeu que os alunos não estavam
validando o processo formativo, uma vez que se percebia uma maior preocupação
em estudar às vésperas da globalizante, já que sua menção, conforme dito,
superava a da parcial. Nesse momento desvelou-se a cultura quantitativa que ainda
permeava os processos, não só entre famílias e alunos, mas da própria escola,
quando esta deu um viés quantitativo explícito à globalizante, validando-a mais em
relação à parcial, mesmo que não de forma numérica.
Na visão dos gestores, o valor numérico sempre existiu, embora subjacente,
conforme verbalizado abaixo:
A gente tem que ter um movimento, a gente tem que ter coragem de fazer
algumas rupturas. Então aí sim, aí eu acho que nós tivemos. Porque, por
exemplo, quando a gente sai da nota, aquilo foi muito mais emblemático do
que, na verdade, a gente precisasse. Pra sermos educadores com a visão
formativa, a gente precisasse romper com a nota? Não precisávamos.
Porque o próprio Hadji falava também de uma educação, de um trabalho
com codificação... Mas nós entendemos que pra gente romper com o
tradicional, a gente teria mesmo que fazer um marco, a gente teria que criar
uma mudança também substancial e concreta, acima de tudo concreta, pra
que a gente dissesse assim: "bom, agora nós tamos rompendo com
103

algumas... Com alguns processos que não queremos mais, tradicionais.


né?” (G-1)

Parece ter sido exposto, na situação descrita acima, como os sujeitos em


suas singularidades, adaptam-se às várias situações e como pode falhar a
previsibilidade do processo, o controle da aprendizagem no antes, durante e depois.
Ali parece ter ficado claro que os motivos dos sujeitos, seu contexto e
representações culturais sobre a aprendizagem, o ensino e os resultados interferem
decisivamente no processo.
Em função de todas essas adequações ao longo do percurso, houve uma
mudança no discurso da escola em relação à família. A escola passou a afirmar uma
postura metodológica com intenção formativa. Havia a preocupação de não abrir
mão dos ganhos obtidos, de não retroceder em algumas mudanças, mas não se
podia deixar de levar em conta as demandas externas, as representações das
famílias em relação a essas demandas e o que a escola estaria fazendo para
atendê-las, considerando seu papel social e institucional.

 Avaliação Formativa: limites e ajustes.

No tocante à previsibilidade e ao controle do processo, colocada em xeque na


situação descrita, ela já tinha sido criticada por Hadji (1994); mais tarde outros
estudiosos como Bonniol e Vial (2001, p. 228) foram mais incisivos e também
ponderaram que “a adaptação do formando ao plano de formação é uma adequação
das normas previstas, sendo, nesse caso, a avaliação um meio de controle da
progressão do aluno nos pontos de entrada, de passagem e de saída do sistema;
nesse caso a regulação na sua função formativa serve para fornecer informações
que permitem uma adaptação do ensino às diferenças individuais de aprendizagem.”
Tais autores propõem uma reflexão sobre a suposta previsibilidade do sistema e a
criticam quando colocada, a priori, a saber:
Então a avaliação resume-se a um meio de se chegar à aquisição do
referencial didático e de controlá-la para certificar, no final da formação, que
o referencial foi bem adquirido. [...]. Nessa concepção da aprendizagem, os
procedimentos de aquisição obrigatória dos saberes (a instrução) fazem
com que o aluno seja duas vezes passivo: submetido ao referencial
indiscutível do professor, mestre da coisa adquirida e à injeção adaptada
desses conteúdos.
104

Bonniol e Vial (2001) continuam denunciando que a finalidade do sucesso


dissimula o fato de que só o formador é autorizado a ser avaliador e que o formando,
a coisa avaliada. Os autores que criticam essa concepção de ensino, baseado em
objetivos delimitados previamente, a chamam de mecanicista e afirmam que o aluno
trabalha mesmo é sobre o flexível, com o que não pode ser situado exatamente, o
que ainda não foi definido, com uma intuição vaga, mas bastante presente, que ele,
o aluno, deve aprender a fazer funcionar e avaliar, tateando para chegar pouco a
pouco ao mais significativo.
Os autores se colocam como partidários de uma avaliação formativa que
preserve o lugar do complexo e do "confuso" para um procedimento heurístico que
seja uma verdadeira atividade pessoal de pesquisa e invenção. Para tanto, caberia
ao professor a percepção se o contexto é paralisador ou estimulador da progressão.
A questão do tempo e da sistematização dos processos na realidade escolar
analisada, o que não a diferencia da maioria das escolas, parecem ser elementos
limitadores da concepção de avaliação defendida pelos autores. Por mais desejável
que ela possa se apresentar e por mais ardorosos sejam os seus defensores,
parece ser pertinente afirmar que, considerando a realidade posta das escolas em
geral, há um caminho mais longo a percorrer. O cotidiano escolar tem espaçotempos
diferenciados, muitas vezes engessados pelo calendário oficial e institucional. No
que se refere aos objetivos delimitados pelo programa, eles, por maior que seja a
intencionalidade presente no momento de sua elaboração, por mais que passem
pelo processo de escolhas e exclusões dos professores, estão submetidos a um
currículo oficial. A mudança proposta pelos autores pressupõe outras mudanças
estruturais em outras esferas. Considerando a origem francesa dos autores
supracitados, parece pertinente afirmar que tais inquietações são pertencentes a
outros cenários escolares.
A mudança na nomenclatura do tipo de avaliação: a avaliação com intenção
formativa parece ter se inserido em preocupações da escola como essa: a de não
conseguir transpor para a prática a teoria tal qual ela se apresenta, e para tanto ter
que fazer as adequações necessárias, a saber:
O que nós tivemos muito contato e, aproveitando a vinda dele aqui, o Hadji,
que aí sim, trabalha mesmo com a avaliação formativa... É que nós tivemos
mesmo oportunidade de palestras, de pequenos cursos... E de alguma
forma, as experiências contadas por ele. Então seus livros, seus materiais e
seus documentos e, lógico, com os encontros aqui no Brasil. [...] Porém, o
que ele falava, a gente ainda achava que estava distante de uma
105

realização, tanto que a partir dali a gente começou a dizer: "a avaliação com
intenção formativa." Mas já não usávamos mais "avaliação formativa",
porque a gente entendia que a gente não vivia todos os processos, a gente
não vivia todas as etapas, né?[...] Não éramos genuinamente fiéis à
concepção que o próprio Hadji colocava. (G1)

A escola, repensando essa prática formativa que havia se deformado na


fragmentação dos indicadores, em avaliações múltiplas e no empobrecimento dos
conteúdos, decidiu elaborar objetivos mais complexos que seriam avaliados em
provas globalizantes, nas quais a dinâmica de contradições ou afinidades entre tais
objetivos, poderia ser melhor analisada pelo aluno, ao longo do processo, e mais
especificamente, nesse momento pontual.
Nessa competência de estabelecer relações significativas entre os objetivos
do trimestre, esperava-se que o aluno apresentasse, satisfatoriamente, o
conhecimento adquirido sobre o assunto em uma avaliação do tipo somativa. Este
momento não seria terminal, pois aqueles alunos, vistos sob o olhar formativo, que
não conseguiam alcançar resultados satisfatórios, eram avaliados nos objetivos
pendentes, em uma avaliação posterior de recuperação, ocorrida ao final de cada
trimestre, com o mesmo grau de complexidade da globalizante. As informações
sobre o processo desse aluno eram comunicadas, via Titulares (professores que
representam as turmas) às famílias. A escola oferecia a esses alunos monitoria, em
horário inverso, para as avaliações de recuperação.
Objetivos não alcançados, neste momento, apareceriam como pendência
registrada nos relatórios de um ano para outro, explicitando para as famílias e para a
escola aonde esse aluno apresentava fragilidades. Entretanto, isso também foi
resultado de um processo vivido e ressignificado. Quando a implementação era
recente, a escola, em uma recuperação do tipo paralela, elaborava múltiplos
instrumentos para o resgate das pendências. Isso sobrecarregou os professores
ainda mais, já que vinham elaborando tantos outros. Essa retomada de
procedimentos, e que assim permanece na atualidade da instituição, é verbalizada
pela gestora, a saber:
Então a gente tinha como avaliação formativa, que a gente não perdesse o
aluno de vista e só saísse da nossa mão quando conseguisse resgatar as
pendências. Aí a nossa estrutura não dava conta, você não fazia outra coisa
a não ser ficar resgatando e resgatando pendências. Ali também foi um
marco, quando você se desvencilha do ideal. O ideal a gente sabia que
seria aquele, mas a gente poderia trabalhar com o real, potencializando o
que a gente tinha no... na... no processo por objetivos. O ganho maior da
avaliação por objetivos a gente não abriu mão, mas a gente parou de
idealizar e a entender o que era possível fazer... É... dentro do real e do...
106

da melhor forma possível, seria dar a esse aluno um mapa... um quadro que
ele visse: "isso eu não alcancei, eu tenho clareza do que eu não alcancei."
Eu, hoje, consigo olhar de uma forma inteligente pro meu aluno, não
subestimando e não criando uma repetição desnecessária, mas investindo
exatamente naquilo que é mais frágil nesse momento. Agora, tendo a
certeza de que ainda sim ele vai ser aprovado com pendências. (G1)

A iniciativa da escola em delimitar objetivos mais complexos, veio atender a


uma das expectativas da família, que havia considerado a escola como fraca,
durante o tempo em que vigorou a avaliação em cima dos indicadores. Isso fica
claro na fala da gestora, a saber:
Realmente... Porque apesar de uma fase grande de resistência ou de
denúncias, que aí algumas famílias vinham com todo esse discurso de uma
escola fraca... Escola fraca... É... E de fato a gente foi fazendo ajustes e
percebíamos que a gente também fazia uma leitura e implementação
equivocada, de trabalhar com indicadores, uma avaliação para cada
indicador, uma avaliação tão fragmentada e com tão baixa complexidade.
(G1)

A família parece ter entendido esses ajustes, como essa iniciativa da escola
em denominar as avaliações de parciais e globalizantes, com a delimitação de
objetivos mais complexos, recortando momentos mais significativos no processo
para avaliar. Em função disso criou-se uma dinâmica diferenciada na aplicação,
sobretudo das globalizantes, com horários demarcados onde, pelo menos todo um
segmento escolar faria a prova. Havia uma intenção subjacente em formalizar esse
momento: uma maior validação dos instrumentos avaliativos, que vinham caindo em
descrédito pelos alunos.
A prova novamente separada, mitificada, momento ímpar no processo. Isso
parece ter sido um retrocesso enorme, considerando o viés formativo. Mas a escola
entendia que a prática formativa já tinha se inserido o bastante, para que tal
iniciativa significasse um recuo nas intenções. As famílias parecem ter percebido
essa iniciativa como uma forma de fortalecer os processos e, em consequência, a
escola se sentiu também fortalecida. Isso é verbalizado na fala de uma
representante de família fiel, a saber:
O que eu sentia também era a questão da concorrência. Eu acho que o
colégio estava deixando a desejar. Estava um pouquinho, os alunos
estavam passando de ano e estavam... e talvez.... não estivessem
adquirindo conhecimento ou se esforçando tanto. Isso tava muito fácil. Eu
acho que isso também pesou um pouco. E os colegas iam falando, iam
comentando: "Tá fraco, tá isso." Apesar de não ter dito isso claramente, eu
acho que era muito isso. E a avaliação talvez era a forma do próprio colégio
de dizer: "Não, é... realmente a gente tem que forçar um pouco mais". Por
algum tipo de avaliação que o colégio tenha feito. Bem, não sei... Mas eu fui
às reuniões que foram feitas e entendi o que estava acontecendo. Gostei da
forma que aconteceu, o que mudou e as meninas ficaram um pouco
107

ansiosas: "Ah, agora eu tenho prova." E eu falava: "Relaxa filha, você já fez
isso, só que agora tem nome." Dizia do jeito que eles estavam passando.
Então aqui a gente não teve esse problema. (RF-1)

Em suma, a escola naquele momento, tinha avaliações mais formais em


momentos demarcados, menor quantidade de trabalhos em grupo e tinha objetivos
delimitados. Havia um controle dos processos de ensino e aprendizagem pelos
professores que se orientavam pelos indicadores, uma vez que parciais continuaram
sendo aplicadas sobre blocos dos mesmos. Os objetivos eram delimitados, a priori,
com um grau de complexidade que pressupunha finalização do processo.
Bonniol e Vial (2001) crítica a postura de delimitar objetivos, dando-lhe um
termo depreciativo, o da pedagogia do sucesso. Pressupõem os autores que o
sucesso ou o fracasso dos alunos tem relação com controle e estão sob o ponto de
vista do avaliador e não do aluno. Sob essa visão, para elevar todos os alunos a
esse patamar, pensado previamente pela instituição/avaliador, entraria o papel da
recuperação que teria a função de eliminar o indesejável, o fora de controle dentro
do processo.
A situação analisada, aonde os alunos, percebendo o valor não
numericamente explícito, mas subjacente, da parcial, optam por estudar mais para a
globalizante porque ela vale mais, mostra um temporário controle nas mãos dos
alunos, que naquele momento em especial, não era um controle sobre o processo
de suas aprendizagens, mas enviesado para os resultados. Situações como essa,
assim como os espaços e tempos de uma escola, certamente são limitadoras de um
processo aonde o controle saia das mãos do avaliador e se insinue mais entre os
espaços e tempos do aluno.
A escola ao pensar a avaliação com intenção formativa a pensou dialógica,
um intercâmbio entre as intenções do professor e as possibilidades do aluno.
Pensou numa regulação interativa. Mas desde o início a escola procurou se
precaver contra a concepção espontaneísta, para que não prejudicasse o processo
de inovação. Nesse sentido, certamente, em um dado momento, optou pela
delimitação dos objetivos, a priori. Acreditava com isso que avançava na intenção de
inovar, mas não feriria em demasiado as expectativas das famílias. Mas, não
obstante a isso, precisou voltar em algumas práticas que acreditava já ter superado.
108

 A nota qualificada.

Analisando o contrato de matrícula, como um dos documentos que compôs o


corpus de análise dessa pesquisa, ficaram nítidos os compromissos entre
contratante e contratada, bem como o viés comercial que regem tais acordos. Essa
perspectiva de mercado transparece nesse trecho de fala da gestora:
Como a gente também não queria enganar, vender um processo, um
produto não realizado, entendemos, na nossa província, depois de muitas
discussões, que a forma mais adequada seria usar "avaliação com intenção
formativa" e associada a uma avaliação por objetivos. (G1)

Isso denota que as inovações passavam pelo viés de aprovação das


famílias/clientes que, como tais, queriam ver suas expectativas atendidas. A escola
embora não possa viver à mercê dessas expectativas, pois tem um papel histórico,
social e cultural muito mais abrangente, não pode também desconsiderá-las. Em
todas as adequações que fizera, essas expectativas eram levadas em conta, pois
conforme pondera uma das gestoras: de nada adiantava ter uma proposta inovadora
em uma escola vazia. Sob a premissa de responder adequadamente às expectativas
das famílias sem ferir os princípios básicos da prática formativa, cuja base
epistemológica foi ressignificada pelas vivências ao longo dos anos, e após a
retomada das parciais e globalizantes, a escola passou a quantificá-las com nota
expressa.
O nome: nota qualificada tinha uma intencionalidade subjacente, conforme já
mencionado. O termo: nota se refere ao número explícito no instrumento avaliativo e
o termo: qualificada, por sua vez, se refere ao processo das aprendizagens, à
qualidade das construções e da observação do avaliador. Sob a ótica da nota
qualificada, a avaliação parcial passou a compor nota junto à globalizante. Isso levou
os alunos a focar mais no processo, validando também a parcial que acontece
durante o percurso.
Nas Diretrizes para Implantação da Nota Qualificada, Souto et al (2011, p. 16)
assim asseveram:
O termo "NOTA QUALIFICADA" é usado em nossa província para explicar a
"qualidade" das ideias, da mediação, das vivências que circulam no espaço-
tempo do processo ensino-aprendizagem.

Os autores defendem que tal nota é um símbolo matemático que fornece uma
informação concisa e rápida de uma apreciação feita pelo professor a respeito das
109

atividades realizadas pelos alunos e que o desafio será mostrar a qualidade, a


riqueza do processo ensino-aprendizagem, por meio de um símbolo que expressa a
quantidade.
Contrapondo o pensamento supracitado de Bonniol e Vial (2001), críticos à
concepção corrente de avaliação formativa, os autores da proposta da nota
qualificada, profissionais da rede da escola analisada, defendem um planejamento
que seja pensado numa perspectiva diagnóstica, que potencialize as aprendizagens
com base em uma mediação que ofereça desafios cognitivos e regulação contínua,
na qual ocorra a negociação de significados entre professores e alunos. Sob esse
prisma, o estudante não se comportaria de forma passiva ou não tão responsável.
Entretanto seria muito influenciado pelas escolhas propostas pela escola e
planejadas pelos professores.
Além de apresentar diretrizes mais claras na continuidade do movimento de
mudança, havia outra intenção que permeava essa adequação, que era a de passar
maior credibilidade para as famílias, sem abrir mão do processo que se acredita
formativo. Intenção revelada no trecho de fala abaixo:
Eu acho que houve uma abertura das famílias. Eu acho que aí nós tivemos
bem menos resistência... Retornar a nota foi bem menos resistente do que
quando a gente precisou trabalhar com a menção, com alteração no
relatório de notas e avaliação por objetivos. Aqui...Porque você se aproxima
mais de uma cultura pragmática, né? E nós somos de um mundo numérico,
matemático. Então a gente também pensa...e..e mesmo a menção, por trás
tem uma base numérica, ou seja, a gente não foge disso, né? Então...e
talvez de uma forma... então, com mais abertura. E a família entendia que
esse era um momento então: " a escola está ficando forte
novamente".[...]Veja, tudo que a gente teve de fazer foi, de alguma forma
passar mais credibilidade para a família. Mas, de alguma maneira, a gente
continuou trabalhando como a gente estava trabalhando, com indicadores,
com objetivos... " Eu preciso ser fiel"... Isso a gente não perdeu, isso a gente
não retrocedeu, tenho certeza que a gente não retrocede, né? Mas talvez a
gente tenha recuado para se fortalecer. (G1)

A instituição, ao retornar a nota em forma de valor numérico, acreditou que,


além de estar passando maior credibilidade para as famílias, estaria melhorando os
processos de comunicação, conforme registra em documento já citado. Souto et al
(2011, p. 51) assevera que: “ao comunicar o resultado de uma apreciação ou do
julgamento de uma prova, teste ou qualquer outra atividade por meio de uma
notação numérica, há sempre uma preocupação quanto se esse resultado pode
traduzir, com a maior precisão possível, as aprendizagens”.
Essas preocupações estiveram presentes com mais ênfase nos últimos anos,
como forma de resgate da força e da tradição da escola. Em análise de documentos,
110

junto ao Departamento de Marketing da instituição, sobre as motivações que


levaram as famílias a retirar seus filhos, entraram como um dos motivos: a busca de
uma escola mais voltada para as avaliações externas, pressupondo a fragilidade da
escola nesse quesito.

 Demandas externas, saídas de alunos: mais ajustes teórico-


metodológicos.

As iniciativas da escola em investimentos nessa área, como as avaliações do


Sistema de Avaliação Institucional (SIMA), já citado anteriormente, e do qual, cujos
resultados movimentaram os planejamentos na aplicação dos seus respectivos
descritores, os planos de aula, os materiais de estudo e, consequentemente, as
avaliações, ainda não haviam sido legitimados pelas famílias ou seus resultados não
tinham se tornado tangíveis, o suficiente, para a demanda citada. Esses
investimentos ainda não haviam se traduzido em resultados externos favoráveis.
Enquanto isso a propaganda ostensiva de outras escolas, sobre a suposta
qualidade de ensino oferecida, colocava a instituição analisada em xeque, já que
não era de sua prática propagar resultados na grande mídia. A partir daí, associada
a uma política de rede, estabeleceu-se uma cultura de valorização da imagem da
instituição que começou a ganhar melhores contornos.
No período em que a escola foi vista como de fraca cobrança e de
flexibilidade de critérios, período esse que antecede o momento em que a mesma
implantou a nota qualificada, começa a saída de alunos em busca de escolas ditas
fortes. Sobre tais motivações a fala, abaixo, deixa isso bem claro:
O que nos fez tirá-la da escola foi que a escola não ia bem no PAS. Não é
nem no PAS, numa forma geral, no ENEM. O que era divulgado, pra gente
pais, que o desempenho do colégio era só no ENEM, mas a gente não tem
esse desempenho. Mas era um desempenho do colégio, da instituição no
PAS. Vi o colégio em nono lugar, em décimo lugar.[...]. Minha filha num
colégio caro, que era pra tá lá em cima no ranking, tava em décimo lugar.
Então eu achava um absurdo isso. Quando outros colégios estavam em
primeiro, segundo. E isso me chateava e eu questionava. (RF-2)

As diferentes concepções das famílias sobre o ensino parecem se diluir ainda


mais quando o desempenho no vestibular é comprometido. Embora não seja o foco
dessa pesquisa, essa tem sido uma preocupação recorrente nos debates
educacionais. Entretanto essa era uma demanda que, naquele momento, conforme
o julgamento de várias famílias, a escola não estava atendendo.
111

O viés mercadológico aparece claro quando algumas famílias, embora se


contraponham em seus discursos, o deixam transparecer, a saber:
E tem que mudar, por que além da formação acadêmica, a gente quer que o
filho passe no vestibular, e a gente não quer ter que pagar uma faculdade
particular. (RF-2)

Então é... As inquietudes, lógico que você se preocupa. Você sabe: tem a
concorrência, tem o mercado, tem tudo, mas nada assim que a gente
ficasse desesperada, pensar em tirar do colégio. (RF-1)

A escola forma alunos não desconhecendo a realidade em que tais estão


inseridos, mas parece discutível a postura de se curvar ao mercado. Dados
históricos mostram que até a Revolução Industrial não existia a preocupação de
preparar o indivíduo para o mercado de trabalho, pois ele se formava no ofício. Para
atender as demandas do setor econômico, a escola foi sendo adaptada para pensar
essas realidades. Soma-se a isso a invenção da adolescência e o retardamento do
fim da juventude, como fenômenos desse tempo e que interferem no ingresso ao
mercado de trabalho.
Guimarães (2006, p. 171) destaca que: “o debate sobre a transição para a
vida adulta tem uma das suas âncoras mais importantes nos processos que
transcorrem no âmbito do trabalho; na medida em que a inserção no mercado de
trabalho, além de se constituir em um dos momentos privilegiados dessa transição,
torna possível que outras dimensões da passagem da adolescência à vida adulta se
efetivem.”
No caso da escola analisada, considerando o teor dos discursos, transparece
uma preocupação que relaciona a escola ao mercado de uma forma geral, de que a
mesma não era competitiva. Essa demanda de atender à ferocidade do mercado
passava, a priori, pelo atendimento de aprovação nos vestibulares ou nas avaliações
externas, como a do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), canais, que são,
para o ingresso em universidades reconhecidas. Embora, para a realidade local, a
Universidade de Brasília, até aquele momento, reconhecesse como critério apenas a
aprovação no Programa de Avaliação Seriada (PAS) e nos vestibulares.
Apesar dessas preocupações estarem mais pontuadas no segmento do
Ensino Médio, a realidade analisada também esteve à mercê dessas expectativas,
pois muitas saídas se davam ao final do segmento do Fundamental II e, não raras
vezes, a escola era consultada sobre esses resultados por pais que pretendiam
112

matricular seus filhos ainda na Educação Infantil. Não é de causar estranheza,


levando em conta a realidade que tais famílias estão inseridas.
Quando se pensa nos segmentos anteriores ao Ensino Médio pensa-se, mais
enfaticamente, em toda uma estrutura educacional que estimule a criatividade, a
facilidade de estabelecer conexões significativas e de resolução de situações
problema, a comunicação, a solidariedade, o trabalho em equipe, a pesquisa, a
leitura, elementos e competências imprescindíveis aos bons profissionais do futuro.
Parece pertinente dizer, então, que a proposta formativa, quando pressupõe o
processo como mobilizador dessas competências, colabora com a formação para o
mercado de trabalho. Ressalte-se ainda que algumas dessas competências são
exigidas nos exames de ingresso às universidades. A questão parece estar no fato
de que esses momentos são vistos de forma estanque. Ainda parece perdurar uma
concepção corrente de um ensino voltado para os resultados, sem a devida
validação dos processos.
Mas a escola teve que conviver com tais preocupações, desde o início da
implementação, embora isso tenha ganhado contornos mais nítidos quando,
conforme já mencionado, passou a ocorrer a ranqueação dos resultados do ENEM,
de forma recorrente por outras escolas. Essas demandas externas não passaram
despercebidas pela instituição. Percepção verbalizada na fala abaixo:
Sim, o próprio SIMA que é interno, nos mostrava o que precisava ser
reavaliadas na nossa forma de trabalhar, na natureza daqueles descritores
que nós tínhamos fragilidade. Então assim... eu acho que, óbvio, depois o
ENEM fortaleceu muito. Lógico, né? O resultado de piza que é mundial e
que mostra o país com muitos déficits e com muitas lacunas. Então assim,
natural que a gente também tenha repercussão e impacto a partir do
contexto que você vive, né? E aí houve, não só um movimento do nosso
colégio, mas também uma busca e um movimento como país e como
educação pública também, né? Então assim, a gente também não pode
entender que esse movimento era só nosso, não era! Se você fosse olhar
ao lado, você via também uma caminhada e uma... busca de mudança de
processos. (G1)

O discurso das famílias era incisivo sobre o momento em que a escola vivia e
sobre as demandas externas dos exames de ingresso nas universidades. Pela
análise dos dados, fica claro nesses discursos um certo inconformismo de ter de
retirar os filhos de uma escola que eles ‘adoravam’ por que a escola não investia na
obtenção de melhores resultados na concorrência com outras escolas.
Os alunos não eram motivados a fazer o ENEM. Eu falei: "Mas como a
escola não motiva pra fazer o ENEM?" Primeiro, a escola pra mim tinha que
motivar os alunos a fazerem o ENEM. Tinha que ter aquela divulgação de
resultado, de estimulo. Não que virasse... Acho que a escola não queria
113

uma competição, não queria partir, como as outras escolas partiam, que era
a busca de aluno mesmo, né? Eu ficava muito insatisfeita, porque eu via os
outros colégios tentando mostrar o desempenho de seus alunos, que seus
alunos eram os melhores... E a escola que os meus filhos estudavam nem
se posicionava, não era preocupação. (RF-2)

A escola, embora não divulgasse seus resultados na grande mídia, o fazia


internamente pelos meios de comunicação, já enunciados, como as revistas de
circulação, endereçadas às famílias, que traziam informações da rede de escolas
filiadas à mesma província. Entretanto, houve mudanças na gestão do Ensino Médio
e a escola analisada, conforme já mencionado, começou a trabalhar mais em cima
das competências para esses exames.
Novamente investiu-se na formação continuada para esse fim, entendendo
que o caminho percorrido de postura metodológica formativa facilitava essa
compreensão. O percurso vivido, de construção do conhecimento no processo,
pressupunha afinidades com a proposta do ensino voltado para as competências.
Em termos operacionais, as avaliações deveriam contemplar questões adaptadas do
ENEM, do PAS e de outros vestibulares federais desde que, estivessem adequadas
ao que se trabalhou no processo. Esperava-se que tais competências fossem mais
bem trabalhadas durante o percurso, sendo a prova um retrato fiel desse processo.
Intensificou-se mais uma vez o olhar sobre os planos, as aulas e sua relação com as
avaliações. Entretanto a escola ainda carecia de diretrizes mais claras em relação a
esse trabalho.
O documento elaborado, em 2011, pelos profissionais da rede: a Matriz de
Ensino pelas Competências, conforme já referido anteriormente, parece ter vindo
para sanar essa lacuna. Na análise desse documento, como material não verbal e
documento do corpus da pesquisa, revelaram-se a persistente problematização dos
conteúdos e os elementos mobilizadores das competências, a busca de um saber-
fazer entremeando o discurso dos objetivos. O que não parecem ferir em nada a
proposta formativa, antes ser dela ressonâncias.
Na esfera do governo, em 2006, o Ministério da Educação publicou as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Cada um dos Componentes
curriculares é tratado em separado e as áreas do conhecimento continuam divididas
em Linguagens, Códigos e suas tecnologias: Ciências da Natureza, Matemática e
suas tecnologias; Ciências Humanas e suas tecnologias. Mas a sua prática nas
escolas ainda é discutível. Ricardo (2010, p. 607) em recente artigo, intitulado:
114

Discussão acerca do Ensino por Competências: Problemas e Alternativas, propõe


algumas reflexões acerca desse tema, bastante pertinentes.
Mas, seria possível compreender a noção de competências para além de
uma subordinação da escola ao mercado de trabalho ou de uma
privatização do indivíduo? Ou ainda, poderia a noção de competências
contribuir para a adesão dos alunos ao projeto formativo da escola?

Reflexões como essa sempre permearam os debates educacionais. Foi assim


com a proposta presente nos anos 90, de Qualidade total na educação. Essa
discussão não é foco dessa pesquisa, mas parece pertinente afirmar que o
questionamento que a escola analisada viveu, nesse sentido, tem a ver com
expectativas que estariam muito mais voltadas para a competição nos concorridos
vestibulares, do que, propriamente, com a formação para o mercado de trabalho.
Embora, indiretamente, a preocupação parece seguir nessa lógica: escolas
competitivas aprovam nos vestibulares. Alunos aprovados fariam boas universidades
e, por sua vez, seriam bem sucedidos no mercado de trabalho.
Esse sentimento legitimado pela realidade, se expressa no discurso, abaixo.
As famílias diziam: "a escola agora não é competitiva... É uma escola
fraca... É uma escola que não prepara o aluno pra quando sair da escola dá
conta de uma demanda diferente... É uma escola que vive uma ilha da
fantasia, porque não cria um aluno que sabe competir, que tá com as
ferramentas prontas." E isso não foi só no início, isso que pra gente foi
grave. Porque se fosse só no início, talvez a gente tivesse conseguido
avançar mais, mas ela foi contínua, muito tempo, né? Pense que a gente só
conseguiu, de alguma maneira, sair um pouco, quando a gente retoma
alguns procedimentos que a gente entendia que não feria a avaliação, né?
Avaliação formativa. Porque a gente não negociava os pilares e a essência
desse processo de intenção formativa, mas é... A gente atendia a uma
demanda da família, né? Quando a gente volta a nota a pouco tempo, por
quê? Porque, realmente, a nota não colocava em jogo essa essência. (G1)

Parece pertinente observar como as leis de mercado entram em outros


processos e, embora, nem sempre intencionalmente, como os discursos ligados ao
capital abrangem outras áreas do conhecimento. A própria pesquisa em questão
tomou emprestados da área econômica os termos: gestação, implementação e pós
implementação ao se referir à proposta formativa, na escola em questão. Essa
proposta, por sua vez, quando, erroneamente, pressupõe uma ordem, uma
previsibilidade no alcance dos objetivos como resultados favoráveis, também parece
remeter-se à algumas regras de mercado.
As famílias esperam competitividade da escola e, nesse momento, parecem
não vê-la como instituição formadora da integralidade do aluno, mas como aquela
que não está produzindo resultados favoráveis nos exames de ingresso nas
115

universidades. Os concorridos vestibulares, cuja oferta de vagas é bem menor que a


procura por elas, parecem remeter esses momentos ao livre jogo da oferta e
procura. Esses conceitos mercantis se insinuam em outros discursos, a saber:
Na hora de fazer, o durante, é a hora de você fazer os ajustes, é a hora da
implementação, onde você de fato consegue perceber: "Não! Isso daqui eu
vou descartar, isso daqui é possível ajustar e viver." E, acima de tudo, no
depois fazer uma... uma avaliação, um balanço, fazer de fato uma equação
daquilo que deu certo, que foi ganho e aquilo que realmente precisa de
retomadas. Então eu acho isso importante. (G-1)

Por mais discutível que seja não é de se estranhar que a família inserida
nessa realidade, com as representações que possui sobre este tempo, deseje
exatamente resultados satisfatórios de seus filhos na passagem da escola à
universidade. A escola tem outros papéis a cumprir e parece não ter se eximido
deles. Entretanto a instituição escolar, certamente, também não pode se isentar da
responsabilidade de responder aos resultados que se esperam dela. Termos como
ajustes, implementação, avaliação, balanço, ganho, apreendidos do discurso em
relação ao olhar da gestão sobre os processos, parecem demonstrar como as
respectivas representações de funcionamento da instituição tem relação com o
funcionamento do mercado. Bonniol e Vial (2001, p.302), críticos do modelo corrente
de avaliação formativa e comparando-a às avaliações das instituições no mercado
produtivo afirmam que: “na linha dos objetivos institucionais há, necessidades
econômicas, imperativos sociais, uma escolha de valores, assim como opções
políticas”.
A escola analisada, resguardadas as especificidades inerentes a uma
instituição dessa natureza, é também uma empresa e, como tal, repensa percursos,
fundamentada na análise dos ganhos e perdas e na satisfação dos clientes/famílias.
Nesse sentido parece estar tentando equacionar as expectativas das famílias, sem
abrir mão da escolha que fez, o que não deixa de ser uma opção política, e que
continua acreditando e defendendo: o processo de avaliação com intenção
formativa. Com isso acredita que esteja atendendo aos imperativos sociais que a
circundam, sem abrir mão dos valores que a fundamentam.
116

3.4 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DOCENTE.

3.4.1 A Avaliação e o Trabalho Pedagógico.

Por mais que os processos sejam pensados nas esferas superiores, em seu
sentido macro, como parâmetros educacionais, sob a forma de leis ou
determinações políticas, ou na esfera institucional, gestados sob a égide das
relações de poder, entremeando as suas hierarquias, é, na sala de aula, que tais
processos se efetivam. Mudanças de processos pensados de cima pra baixo podem
até ser exitosas, desde que, como defende Acursio (2004), as determinações sejam
vistas como meios e não como fins. Desde que haja protagonismo dos atores
envolvidos e não mera execução de diretrizes.
Estudos apontam, tomando, por exemplo, os já referenciados nesta pesquisa,
que nenhuma inovação ocorre se não se conta com uma dose enorme de vontade
dos professores, bem como para quem a mudança é pensada: o aluno. Esses dois
sujeitos, em interação constante, profundamente movidos em seus afetos, imersos
em uma dinâmica de conflitos e acordos, é que fazem, de fato, o trabalho acontecer.
Esses dois atores, cada um com seu universo particular, suas vivências, seus
medos, suas expectativas e suas energias é que constituem o centro da dinâmica
escolar. Os outros elementos, por mais imprescindíveis que possam parecer, são
apenas adjacências. Parecem existir, tão somente, para fazer funcionar a sala de
aula, cenário aonde atuam seus protagonistas.
Era de se esperar que, ao propor uma inovação de tamanha magnitude, a
gestão da escola mobilizasse, mutuamente, esses dois sujeitos. Sabia que, ao
mexer com o professor, mexeria inexoravelmente com o aluno. Mas, certamente,
mexer com o aluno também afetaria o trabalho do professor.
A partir de 1990, conforme já referido, começou a configurar-se um período
de profundas mudanças no cenário global e nacional. Nesse momento histórico se
deu a gestação da proposta e o Projeto Político Pedagógico da escola começou a
ser reconstruído, para fazer frente às novas demandas que surgiriam a partir de
tantas alterações políticas, econômicas e sociais. Para tanto, a gestão inseriu
profissionais dos diferentes segmentos da escola. Na tessitura do projeto ia
delineando-se uma nova forma de olhar o aluno, que passaria a ser visto como ativo,
aprendiz pela experimentação, pelas pesquisas em grupo e atividades
117

diversificadas. Atividades preparadas pelo professor, que lhe permitissem uma


aprendizagem significativa.
A gestão da escola tinha, entretanto, a consciência de que era necessária a
adesão dos professores ao projeto. Era um lançar-se ao desconhecido e isso gerava
inseguranças. O trabalho pedagógico rotineiro iria sofrer mudanças substanciais e
isso foi elemento, muitas vezes, de desestabilização entre estes profissionais. Fortes
(2005, p. 1) em dissertação sobre a Inovação e Formação Continuada na mesma
escola analisada, como gestor na época, portanto um dos sujeitos dessa pesquisa,
assim fala desse momento:
O processo de renovação pedagógica avançou e a instituição percebeu a
necessidade de preparar o professor em serviço, para compreender e tornar
efetivas as mudanças propostas. Alguns professores chamaram para si a
responsabilidade do seu aprendizado, buscando fora da instituição cursos
de aperfeiçoamento, congressos, seminários, pós-graduações, enfim,
diferentes formas, que os possibilitassem atualizar-se e tornar mais
atualizada a sua docência. A escola também adotou uma política de apoio
financeiro para estas atividades de aperfeiçoamento.

Grande parte dos professores, de início, demonstraram abertura e um certo


voluntarismo, embora temessem o novo. O novo, esse fenômeno que se insinua e
se impõe, mexe com os medos mais profundos, mexe com posturas arraigadas e
com jeitos de fazer, os quais não se pretende mudar ou imaginam-se imutáveis.
Indivíduos parecem viver para atender às expectativas. E o novo é esse curto
espaço entre o seguro e o inseguro, entre aquilo que se domina de olhos fechados e
aquilo que não se consegue segurar, que é fugidio, expõe e impõe risco aos
indivíduos de não atender àquilo que se espera. Esse sentimento de temor pelo
novo, em evocação àquele momento, é verbalizado nas falas, abaixo:
Tudo que é novo você assusta, não é? Porque você tá acostumada de um
jeito e de repente muda tudo. Realmente todo novo ele gera uma certa
pressão na gente, uma ansiedade, tudo isso, né? (P2)

É, no inicio, nós tivemos um pouco de dificuldade até de entendimento em


relação... Eu lembro bem assim, em relação à nota. Vai ter nota? Não vai?
Quanto vai valer as questões? O aluno até, até determinada... nota atingiu,
não atingiu. Realmente nós ficamos um pouco confusos.(P1)

O trabalho pedagógico seria mudado, o saber fazer daquele momento não


atendia às mudanças que se delineavam no contexto global e nacional em todas as
áreas. A instituição tomara a iniciativa pela mudança e pretendia construí-la de
forma participativa. Um novo modelo de educação, em que o aluno construiria o
conhecimento. Não havia diretrizes muito claras, não havia um modelo a ser
seguido. Era preciso construí-lo em conjunto. Era preciso formar para o trabalho que
118

se esperava. Na perspectiva da gestão só havia essa forma de mudar o perfil do


profissional que se tinha para o perfil do profissional que se esperava, conforme
fragmentos do discurso de um dos gestores, a saber:
Você criava representações na instituição, fundamentando-se no
planejamento participativo de Danilo Gandin, que foi um dos grandes
referenciais de planejamento, né? O Celso Vasconcelos, nessa questão do
planejamento e do trabalho pedagógico. Então houve um investimento
intenso, né? Isso é realmente impressionante! A formação continuada em
serviço foi com destinação de horas de estudo semanal, né? Isso foi
bastante interessante! Então a perspectiva era: "Nós não temos um
profissional, seja professor, seja coordenador, preparado para lidar com
essa realidade. Então a única alternativa era: "nós temos que preparar o
nosso professor." (G3)

Essa formação, entretanto, não seria separada da prática. A prática que se


esperava inovadora, deveria acontecer concomitante à formação. A metáfora da
troca com o avião em movimento, realmente se aplicava àquele momento. Não se
parou tudo para começar de novo. Começou o novo em meio às práticas velhas.
Novas práticas e velhas práticas, disputando espaço, sendo que cada uma, por
meios diversos, forçava sua permanência.
Foi nessa dicotomia que a inovação começou e foi nela que as duas forças
contrárias coexistiram: as forças de preservação e as forças de transformação.
Daqueles que tinham o potencial de risco e eram seduzidos pelo novo e daqueles
que, por temor ou outras razões mais individuais, resistiram. Indagada sobre a
coerência da formação continuada em serviço para essa mudança, uma professora
daquela época que permanece na instituição, entra em consonância com o discurso
gestor, a respeito dessa formação, a saber:
Bem, essa formação continuada que nós tivemos, eu acho que nos
preparou muito bem. A escola não nos deixou solto, não foi algo que eles
decidiram: "vamos mudar da noite pro dia". Não. Muito se investiu, nós
tivemos palestras, nós tivemos acompanhamento, estudo com pessoas
super competentes, que deram realmente uma noção, que nos
estruturaram, nos organizaram para que nós pudéssemos fazer parte dessa
avaliação formativa, né? Desenvolvêssemos essa avaliação formativa. Acho
que é coerente sim! Porque não foi nada, como eu já falei, simplesmente da
noite pro dia. Como tudo que é novo, é claro que sofre alterações. (P1)

A fala, embora pareça, não idealizou a formação continuada. Ela, de fato,


existiu. Entretanto a pesquisa analisou que essa formação prévia foi mais longa de
5ª a 8ª série (hoje, correspondente aos segmentos do 6º ao 9º ano), segmento
aonde atua, até então, o sujeito supracitado. Pois nesse segmento, já que a
mudança foi-se dando, de série a série, os processos de sala de aula foram sendo
afetados, de maneira mais gradativa. Entretanto, quando a pesquisa investigou se
119

essa mesma formação prévia foi dada aos profissionais que trabalhavam com os
anos iniciais, concluiu-se que boa parte deles a tiveram, concomitante à
implantação, com o avião em movimento, remetendo-se à metáfora. Daí a gestão
admitir a falta de diretrizes claras para aquele momento, pelo menos, no segmento
do Ensino Fundamental I.
A formação continuada começou com a reconstrução coletiva do Projeto
Político Pedagógico, mantendo os marcos doutrinais e referenciais da instituição,
discutindo-os, ressignificando-os e, baseados em referenciais teóricos, criando
novos princípios que viessem dar conta das mudanças que viriam. Veiga (2004,
p.56) afirma que “a construção do projeto político-pedagógico é um ato deliberado
dos sujeitos envolvidos com o processo educativo da escola, resultado de um
processo complexo de debate, cuja concepção demanda não só tempo, mas
também estudo, reflexão e aprendizagem de trabalho coletivo”.

 Entraves reais ao trabalho docente e soluções possíveis.

Ficou bem claro que a gestão, pela análise dos dados das entrevistas, era
sensível ao trabalho que demandaria com a mudança, que isso afetaria as relações
de trabalho dentro da instituição. Parecia necessário, com mais ênfase naquele
momento de construção do novo, que o trabalho fosse coletivo, no sentido próprio
do termo, em benefício da mudança. As horas extras de coordenação, bem como
outros tipos de encontro, deveriam se converter em momentos de debates, de busca
de soluções para os imediatismos do dia-a-dia, surgidos em função das mudanças
propostas. Parecia ser preciso, dentro da proposta participativa, buscar caminhos
reais, já que a escola não tinha a estrutura ideal, que propiciassem as mudanças.
Porque os entraves, na prática, começariam, conforme denuncia parte do discurso
abaixo:
Então, na prática foi que a gente começou a ver se realmente daria certo ou
não, né? Então foi na prática, em uma sala de aula com 45 alunos, aonde
que você tem que, para fazer essa formação continuada valer, desenvolver
a avaliação como um processo, né? Com nada estagnado. (P1)

O primeiro entrave estrutural, de fato, foi a sala de aula com 45 alunos. Como
fazer o devido acompanhamento em turmas cheias? Mas essa não era a única
dúvida. Outras indagações iam surgindo, tais como: de que forma dever-se-ia
registrar os processos individuais? Qual seria a melhor disposição para as carteiras?
120

Como seria a qualidade das aulas expositivas? Essas questões de ordem prática,
mas que faziam toda a diferença, não encontravam respostas satisfatórias na
literatura corrente. Nesse sentido, a escola acreditou que deveria pensar, em
conjunto, as soluções e tais soluções nem sempre seriam definitivas.
Alguns referenciais teóricos, em nível de Gestão, remetiam ao Planejamento
Participativo. No campo pedagógico, as teorias piagetinianas foram revisitadas,
confrontadas com o pensamento vygotskiano da ZDP, bem como os pressupostos
de Hadji (1994), desmitificando a avaliação, foram bastante discutidos e colocados à
luz da realidade. O trabalho pedagógico, que deveria ter sua base epistemológica
bem alicerçada, também se beneficiou do grande acervo bibliográfico que era
disponibilizado aos professores.
Como parte dos professores entendera que a mudança iniciada continuaria
seu curso, começou a buscar a fundamentação teórica para tal, somando o trabalho
individual àquele proposto pela gestão, às iniciativas da escola. A gestão esperava,
naquele momento, já que a mudança não chegara de imediato, no segmento, que
hoje, corresponde de 6º ao 9º ano, que os professores continuassem a
fundamentação sobre os princípios do construtivismo socio-interacionista, com foco
na avaliação formativa. Na mesma medida, estimulava as práticas inovadoras.
Mesmo tolerando as práticas antigas, passou a avaliar, periodicamente, esse
professor, considerado resistente, estabelecendo metas de leitura a serem
cumpridas. No ano 2000, os resultados dessas avaliações periódicas internas
somaram-se aos resultados da avaliação feita pela consultoria externa. Essa
tolerância teve, então, o marco divisor situado nas demissões, ao final do referido
ano. Demissões que envolveram profissionais dos dois segmentos.
No tocante ao trabalho pedagógico havia as diferenças, já mencionadas, e
tais práticas, tanto as inovadoras, quanto as tradicionais, estavam carregadas de
intencionalidades. As primeiras, no sentido de arriscar e as últimas, no sentido de
evitar o risco. Mas parece ter tido entre os demitidos aqueles que não conseguiram
tornar os processos inteligíveis ao nível da prática e, continuaram acreditando que
estavam no caminho esperado. Parecia haver uma divergência de expectativa entre
a gestão e alguns professores em relação ao trabalho pedagógico, a saber:
Porque eu procurava fazer tudo assim, da maneira melhor. Eu dava meu
sangue aqui dentro. Eu gostava demais disso daqui, eu amava dar aula
aqui, entendeu? Embora eu estivesse bastante cansada, mas era tudo... Eu
não faltava, eu procurava entregar tudo certinho, chegar no horário, não
chegava atrasada. Batia o sinal pro professor ir pra sala de aula, eu tava lá
121

sendo a primeira a ir pra sala. Mesmo se tivesse um monte de gente


conversando, eu pegava as minhas coisas e já subia, abria a porta. Então
eu procurava fazer tudo muito certo! Porque eu sou muito exigente comigo
mesma. Então como eu sou exigente comigo mesma, eu queria fazer as
coisas certas, porque eu não gostava de ser chamada à atenção. Eu não
queria fazer nada errado, então eu procurava fazer tudo certinho né? Agora
perfeito ninguém é! Eu não era perfeita, mas eu procurava fazer tudo para
agradar (P2)

Os trechos da fala e suas repetições: “Eu não faltava, eu procurava entregar


tudo certinho. [...] Então eu procurava fazer tudo muito certo [...] eu procurava fazer
tudo certinho”, parecem indicar um princípio de apego à segurança, à certeza. A
repetição dos vocábulos certo, certinho, bem como a entonação, como mecanismo
de ênfase, a qual foi percebida como conteúdo latente no momento da entrevista,
parecem ser indicativos do tipo de discurso e de profissional que a escola optou por
não manter naquele momento. Havia a necessidade de profissionais que
apostassem no desconhecido, no incerto. Parecia ser necessário, naquele momento,
contar com um grupo que, metaforicamente, caminhasse sobre um terreno
escorregadio e íngreme, de forma coletiva, se sustentando mutuamente, construindo
estratégias conjuntas de resolução de problemas e, a partir dali, conseguisse fazer
um caminho diferente.
Outro trecho da fala que mostra a ausência de real entendimento do que
ocorria é: Eu não era perfeita, mas eu fazia tudo para agradar. Um dos aspectos
levantados para análise da consultoria externa, contratada para avaliar a situação da
instituição, naquele momento, foi o potencial de risco para a mudança que possuíam
seus profissionais. Fazer tudo para agradar, certamente, não pressupõe riscos.
Segundo Alencar (1996), a criatividade diz respeito a pensar diferente, tendo
a ver com os processos de pensamentos relacionados com imaginação, insight,
invenção, inovação, intuição, inspiração, iluminação e originalidade. Quem faz tudo
para agradar parece estar limitado pela hierarquia, pelas relações unilaterais e pelo
medo de divergir. Prefere o campo das certezas. Esse princípio da certeza, da
segurança, aparece na fala abaixo do gestor, indicando que a instituição tinha a
visão das características do grupo, a saber:
"Porque eles não chegam aqui e dão um modelo pra gente de como a gente
tem que fazer, né?” E o que se tentava mostrar o tempo todo era um
processo de construção, de que assim... Ninguém queria levar o modelo
pronto e alguns professores ficaram muito angustiados pelo fato de não ter
um modelo a seguir. (G-3)

“[..] a gente começou a fazer avaliações periódicas com os professores, no


sentido de estabelecer metas de leituras, de resultados que a gente
122

esperava em relação à postura. E aqueles que não queriam aceitar,


terminaram tendo que ser desligados. “(G-3)

Alencar (1996) continua defendendo que a estrutura de uma organização,


suas regras, procedimentos e o nível de formalização, podem gerar prejuízos à
inserção da inovação dentro do ambiente organizacional. Que as empresas com
uma estrutura centralizada são caracterizadas por concentrar poder apenas nos
altos níveis hierárquicos, prejudicando a difusão do conhecimento, as trocas de
ideias e experiências. Parecia ser a intenção da escola, após o ano das demissões,
buscar profissionais que não tivessem as amarras do instrucionismo.
Ter um professor, com atributos, que mais do que agradar, estivesse aberto
para as mudanças, que fosse versátil e preparado para lidar com as novas
tecnologias e os novos perfis de aluno, foi um aspecto que apareceu no cruzamento
de dados do discurso gestor e dos professores contratados, após o ano 2000, a
saber:
O novo profissional é liberto dessa situação anterior. Então não é uma
metodologia, é uma postura construtivista, uma maneira de fazer. E mudar
atitudes, mudar crenças é muito mais difícil do que procedimentos. (G1)

No primeiro ano que eu entrei, os alunos não tinham notas e sim menções.
Então foi uma adaptação extremamente difícil, esse primeiro momento. Mas
que por ser muito jovem nesse tempo de mercado, a gente tem uma
maleabilidade extremamente tranquila na hora de se adaptar às situações
adversas, né? Nas situações que são dirigidas pra gente dentro da escola e
dentro da sala de aula. [...] Os novos alunos que nós temos hoje. Alunos
digitais, alunos tecnológicos, alunos que diferem-se daqueles alunos do
passado que simplesmente se contentavam com lápis, papel, caneta,
caderno e um quadro. Os alunos de hoje, não! (P5)

É preciso enxergar esses alunos de uma outra forma. (P4)

A visão de organização centralizadora mostrada por Alencar (1996) é


desmistificada pela gestão, quando afirma que, embora o professor não tivesse
percebido o movimento de demissões, ele começou primeiro entre os gestores, na
mudança dos diretores ou dos coordenadores. Ou seja, todos aqueles profissionais,
no âmbito da gestão, que não tinham um olhar dialógico, que não conseguiam lidar
com uma gestão participativa, com uma construção democrática, ou que não tinham
uma fundamentação pedagógica para tal, foram trocados pela mantenedora da
escola. E reforça afirmando:
Não cabia mais também um gestor patrão, não se queria aquilo no
momento. Senão seria uma contradição ter um gestor que era autoritário,
conduzindo um processo que se queria participativo, Como é possível? (G-
3)
123

Embora essas mudanças no corpo docente alterassem concepções, os


problemas e questões postas não se esvaíram com a troca de professores. As
respostas para os problemas apresentados, como as questões supracitadas, não
tiveram respostas imediatas. Algumas soluções satisfaziam para um momento e não
cumpriam a mesma função em outro tempo. Soluções eram plausíveis para
determinadas turmas e não para outras, dadas às singularidades dos alunos e de
seus contextos.
Houve mudança nos processos em sala de aula, aulas expositivas foram
ressignificadas, dando maior espaço à participação dos alunos; houve mudança na
disposição das carteiras, alunos colocados em duplas, o que não fechou a
possibilidade das carteiras enfileiradas; mais trabalhos em dupla, em grupos, com o
objetivo deliberado de fomentar a ZDP; debates e produção escrita; ampliou-se o
espaço e uso da multimídia, somadas às mudanças estruturais, já mencionadas
nessa pesquisa, dentre elas a mudança e ampliação da biblioteca que virou um
centro de recursos de aprendizagem. Grelhas de acompanhamento dos alunos, que
perduram até hoje e constituem ferramentas de acompanhamento dos processos
individuais, cujos códigos facilitam o registro das observações do professor, foram
criadas a partir daquele momento. Intensificou-se o estudo mais aprofundado e
inserção nos planejamentos dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais,
com vistas a aprendizagens mais significativas.
Não obstante às intenções da escola, o fato dos professores contratados,
imediatamente após as demissões, e, em tempos posteriores, como nos últimos 5
anos, não terem vivido o processo, representou um aspecto que influenciou bastante
a qualidade do trabalho pedagógico. A formação continuada permaneceu, mas a
ausência dessa memória parece ter afetado alguns encaminhamentos pedagógicos.
Embora as dúvidas tivessem presentes em todo o corpo docente, elas eram mais
recorrentes entre os novos contratados. Como mostra parte do discurso abaixo, a
saber:
Na época, não era esse sistema que a gente tem. Deixa eu me lembrar o
que era, meu Deus, logo que eu entrei... Eram letras... Sim, o maior
problema que eu tinha, naquela avaliação, era que eu não sabia mensurar.
Eu não sabia quando era AS ou quando era APS. Não sabia e achava que
era muito distante o AS do APS. Então eu sempre tinha dúvidas nisso,
nunca tinha certeza, era muito subjetivo pra mim. E eu como vim de uma
coisa muito tradicional, eu tinha que ter números. Então eu meio que fazia
uma tabelinha, de tanto a tanto vai ser isso, mas as tabelinhas não eram
fiéis porque dependia da interpretação da questão, que daí entrava a
subjetividade ( P3)
124

A subjetividade parece estar presente, tanto nas observações que são


registradas nas grelhas de acompanhamento dos processos do aluno, quanto na
correção de uma avaliação formal. Não parece ser possível, nem aconselhável
tentar eliminá-la, mas parece ser necessário minimizar a parcialidade nessas
correções ou registros, objetivando um melhor julgamento. O aspecto da
subjetividade, conforme enunciado, aparece em alguns discursos das famílias
também. Isso parece denotar que, em alguns momentos, a escola precisou contar
muito com a relação de confiança entre professores e pais, em relação ao
acompanhamento do aluno. Segundo a gestão, nesses momentos ficou perceptível
a força da tradição da escola.

 O trabalho pedagógico e a questão das regulações.

Ainda no que se refere ao trabalho pedagógico, um ponto investigado nessa


pesquisa foi a qualidade da regulação. A avaliação formativa pressupõe regulações
no decorrer do processo. Bonniol e Vial (2001), defensores de uma avaliação-
negociação, tomando emprestado o termo de Cardinet (1990), jogam algumas luzes
sobre o trabalho pedagógico nesse aspecto, quando ponderam que a prática da
avaliação-negociação permite associar o aluno à evolução da classe. Ela passa a
ser aliada do professor e não lhe tira o lugar de quem garante os processos
didáticos e o controle das aquisições, mas sob essa ótica, professores e alunos
decidem, juntos, a ordem das tarefas ou suas condições de realização, bem como o
abandono ou retorno a uma parte do dispositivo de aprendizagem.
No quesito da regulação, o trabalho pedagógico na escola analisada teve
muitas idas e vindas. Os componentes curriculares com menor número de horas
aula, sobretudo, em função do pouco tempo disponível, continuavam mantendo uma
regulação, na maioria das vezes, instrucionista, informativa. Bonniol e Vial (2001, p.
289) criticam o tipo de regulação ainda baseada na instrução, a saber:
A regulação é pensada apenas como retomada informante- não se sabe a
diferença entre informação e comunicação: o tempo é preenchido pelo
intercâmbio dos saberes, em detrimento do tempo vivido com esse desejo
de saber chamado conhecimento. A avaliação formativa aprende a
gerenciar suas estratégias para ficar conforme, continua sendo um
empreendimento de preparação de exames, de sucesso total, de
socialização.

Entendendo o exercício da regulação como um trabalho pedagógico


importante no processo formativo e, considerando as formas de regulação feitas no
125

caso analisado, esse quesito apresentou lacunas diretamente relacionadas à


quantidade de alunos e, consequentemente, à qualidade dessas regulações. Essa
quantidade de alunos, mesmo com reduções sucessivas, hoje, variando entre 35 a
37 alunos por turma, representou, de fato, um entrave estrutural ao processo
formativo na visão dos professores, conforme já enunciado e também da gestão,
revelado na fala, abaixo:
Lógico, também sempre fomos muito fiéis na consciência de nossas
limitações, com o número de alunos que nós temos, com a estrutura da
escola, porque você tendo toda uma alteração pedagógica, porém a gente
não teve uma mudança substancial numa situação de estrutura
administrativa, uma estrutura física, né? A própria questão dos espaços...
Nada disso acompanhou fielmente a mudança metodológica. Então acho
que isso também foi um limitador.(G1)

Considerando esses limitadores, a regulação precisou ser sistematizada em


momentos mais pontuais, determinados, adquirindo um caráter somativo, de
balanço, tendo um referencial externo e referindo-se aos produtos acabados. No
caso analisado, referenciada pelos objetivos definidos a priori. Boniol e Vial (2001),
quando criticam esse tipo de regulação, afirmam que a função da regulação na
avaliação formativa seria aquela que tenta dar sentido ao objeto avaliado dentro de
uma dinâmica de mudança, se inserindo, portanto, no tempo, acompanhando os
processos e envolvendo um maior número de referenciais, incluindo as percepções
do professor e aluno, o que o aluno já construiu e já internalizou, em detrimento dos
desvios ou erros.
Quando a escola precisou sistematizar melhor os processos para dar conta
de demandas internas e externas, já mencionadas, ela parece ter dado às
avaliações parciais e globalizantes um caráter somativo, servindo à regulação, que
se pressupunha estar subjacente. Do ponto de vista de Hadji (1994), teórico no qual
a escola mais se baseou para mudar seus processos, avaliações pontuais, podem
ter caráter somativo, mas também servir à função formativa, se tais resultados
servirem para preparar intervenções.
O fator tempo, somado à quantidade de alunos por turma, parece ter se
constituído em outro entrave estrutural à proposta, tendo em vista que nem sempre
é possível dar um feedback adequado a cada aluno e, a partir daí, qualificar as
intervenções no sentido da mudança. Desde que se criaram esses momentos
pontuais de avaliação até hoje, sua correção que se pretende formativa, correção
que permita o diálogo entre cada aluno e o professor, de forma que o erro se torne
126

oportunidade de retomada e, portanto, de aprendizagem, se tornou muitas vezes


inviável, pois, não raras vezes, a proximidade de tempo entre a avaliação parcial e a
globalizante é pequena. A viabilidade, muitas vezes, fica restrita à correção coletiva.
Segundo fica demonstrado na fala abaixo:
E outra coisa, a correção que eu faço. Eu dou a prova, corrijo em casa,
entrego pra eles e corrijo no quadro. Então ele sabe o que ele está errando
naquele objetivo. (P3)

Para minimizar essa questão a escola, ao criar as avaliações parciais, incluiu


em sua capa uma caixa de diálogo, com pontos assinalados pelo professor, que
comunicam ao aluno o caminho percorrido por ele. A correção é feita em sala, de
modo, que as dúvidas possam ser esclarecidas coletivamente. Espaços são abertos
para discutir as questões na mesa do professor. Mas esse feedback que
pressuponha um olhar individualizado sobre processos discentes e esse diálogo
entre os sentidos do professor e do aluno ainda não foram possíveis, de forma
efetiva. Esses entraves não passaram despercebidos à gestão. Esse domínio do
processo e a percepção desses respectivos impedimentos são revelados na fala
abaixo, a saber:
Então a ideia também é que trabalhar por objetivo estaria a diferença,
estaria por aproximar dessa proposta formativa. Porém a gente entendia
também que algumas etapas eram muito difíceis da nossa realização, por
exemplo, a correção formativa é algo que a gente nunca conseguiu realizar
de uma forma fiel. Por que? Porque a correção formativa não implicava
apenas em acerto e erro, mas você realmente devolver, dar o feedback pro
aluno em relação ao erro e levantar possibilidades. (G-1)

Em relação a essa questão do feedback, Grégoire (2000) afirmava que não


há certezas, quanto às diversas habilidades e às estratégias cognitivas terem sido
"pedagogizadas" a um ponto tal que possam ser aprendidas ou ensinadas para
serem eventualmente tratadas como simples objeto de regulação. Mas denuncia a
necessidade de estratégias a serem usadas nas formas de notação mais
personalizada ou criterial que deem melhor feedback aos avaliados.
Hoffmam (2005) propõe algumas reflexões a respeito desse feedback,
ampliando a visão dos procedimentos na prática formativa, enfocando a atenção que
o professor deve dar ao acompanhamento do material do aluno e a forma como
esse acompanhamento é feito; a forma como o professor corrige/interpreta e registra
os instrumentos do aluno e como procede em termos de devolução dessas
correções, incluindo o tempo que leva; como será a retomada, se individual ou
grupal; de que forma trabalha a partir das dificuldades que percebe nesses
127

instrumentos; como procede em relação aos erros e acertos; que anotações faz do
rendimento do aluno; como leva em conta as atitudes do aluno.
A autora continua propondo a indagação sobre os conselhos de classe e a
forma de participação de pais e alunos, sobre as decisões de aprovação e
reprovação, sobre os procedimentos pedagógicos decorrentes dos conselhos de
classe; sobre os estudos de recuperação; sobre a participação dos pais na entrega
de resultados e que tipos de arquivos, dossiês ou documentos sobre o aluno são
arquivados na escola e a sua respectiva finalidade.
Olhando sob a perspectiva da autora e traçando relações de comparação
entre suas reflexões e o caso analisado, parece pertinente afirmar que o trabalho
pedagógico da escola, atualmente, avançou bastante nos registros, nos prazos de
devoluções dos instrumentos avaliativos, as retomadas são mais grupais, em função
dos entraves, já mencionados, referentes ao tempo e ao número de alunos, mas o
caminho é aberto para as dúvidas individuais.
Assessorando o professor, a coordenação monta gráficos ou tabelas do
número de alunos em recuperação e respectivos objetivos pendentes, os quais
passam ser parâmetros para o professor fazer as retomadas em sala. Para a
coordenação da escola, tais instrumentos servem para mobilizar estruturas de
acompanhamento desse aluno, tais como as monitorias por objetivo. Sobre essa
relação entre a avaliação por objetivos e a possibilidade que se abre também ao
professor de dar-lhe um feedback sobre seu próprio trabalho como, por exemplo, a
necessidade ou não de retomadas, os discursos docentes, abaixo, verbalizam:
Para eu saber, para... para.. eu me ajudar no meu trabalho, na minha
sistematização. Então se ao longo do processo eu consegui que meu aluno
entendesse a Reforma Protestante, então, ao longo do processo ele atingiu
isso, então isso quer dizer o quê? Que eu consegui executar essa tarefa
né? Então eu acho que a avaliação formativa é isso, é ao longo do
processo! (P1)

[...] um comparativo se eu sei aquilo que meu aluno não sabe, isso é uma
coisa que antes eu não sabia. Então essa coisa do objetivo me faz melhorar
meu trabalho, porque eu faço mais ou menos uma retrospectiva, assim... Eu
faço uma enquete, um feedback pra ver quantos conseguiram, quantos não
conseguiram, qual é a questão que eles não sabem, aonde eu tenho que
aprofundar mais. Essa... Esse tipo de avaliação serviu pra mim, pro meu
trabalho melhorar. E eu uso esse meu trabalho lá no meu outro emprego
que não é assim. Quando eu vejo, eu tô tentando avaliar o menino por
objetivo, mesmo eu não dando por objetivo. (P3)

Os Conselhos de Classe ainda não contam com a participação de pais e


alunos. Os procedimentos, após esses momentos, ficam por conta dos titulares e
128

assistentes que os convocam para reuniões especiais, nas quais o aluno é


encaminhado para estudos de recuperação.
Na análise de uma aprovação ou reprovação, o que não mudou muito em
relação ao modelo tradicional, dá-se a leitura e discussão de todos os registros
arquivados do aluno que demonstram seu percurso até ali, bem como seu contexto
familiar, se tem laudos médicos que expliquem suas dificuldades cognitivas ou
emocionais. Os professores são ouvidos a respeito desse aluno e o conselho é
deliberativo.
A introdução da nota qualificada, pela análise dos discursos docentes, parece
ter facilitado o trabalho pedagógico, pois ela atendeu a uma expectativa das famílias
e, simultaneamente, encontrou entre os professores uma cultura avaliativa peculiar
que, para essa realidade, conseguiu aliar a concepção da intenção formativa com a
codificação numérica dos processos. Isso fica bem visível em parte do discurso, a
saber:
Porque se ele não atingiu o objetivo A2 de Matemática que é expressões
numéricas, então a família já sabe, o aluno também, né? Eu acho que fica
também... Tira um pouco daquela sensação de que a criança ou sabe tudo
ou não sabe nada, né? Ou sabe tudo e tira 10 ou sabe nada e tira 3, 2.
Então agora, quando é por objetivo fica mais fácil. Clareou tanto pros
alunos, quanto pros pais, como pros professores. Até pra gente poder
também retomar esse conteúdo com os alunos, né? Em sala de aula.(P1)

Para mim foi recebido assim, como se eu pudesse soltar fogos de


felicidade! Porque tudo que a gente queria na minha equipe de ciências era
o cálculo, que a gente conversava sempre, era a nota. Por objetivo e por
nota, pra nós foi o ideal assim né? Porque fechou o pensamento, fechou
toda uma estrutura que a gente teve aqui, uma caminhada foi fechada com
a nota, porque a gente enxerga mais a nota do que a menção e pro aluno é
muito mais claro também. Eu me senti assim... Quando eles falaram que era
nota eu "gente do céu, que coisa boa!" Tudo o que eu queria, porque o
objetivo tu vê e ai a menção ficava naquele negócio né? É muito subjetivo.
(P3)

Os discursos parecem denotar que havia um desconforto docente no


exercício do trabalho pedagógico: a subjetividade na atribuição das menções. A nota
qualificada, sob o ponto de vista docente veio minimizá-la, não extingui-la,
considerando que tal subjetividade é inerente a qualquer julgamento em avaliação,
sendo ele quantificado por nota expressa ou validado por uma menção.
A formação continuada em serviço permanece, no sentido de fomentar a
reflexão sobre a ação, subsidiada pelas teorias recriadas e ressignificadas por
profissionais da rede de escolas da qual faz parte a do caso analisado. Tais teorias,
reunidas em artefatos culturais dessa respectiva rede, registram a fundamentação
129

do trabalho pedagógico no que se refere às concepções de planejamento,


aprendizagem, avaliação, o que se espera do papel do aluno e do professor que,
certamente, constituem os protagonistas de qualquer espaço educacional.

3.5 A AVALIAÇÃO FORMATIVA SOB A ÓTICA DOS ALUNOS.

3.5.1 A avaliação, a qualidade dos processos em sala de aula e a


metacognição.

O aluno, o ator principal da grande peça.Toda a proposta pensada para ele.


Ele, um ser em perene devir. Sobre ele pesam expectativas familiares e sociais,
incluindo aquelas da própria escola. Há uma macroestrutura que lhe aguarda, após
os anos escolares, pronto para atuar em outros cenários e garantir a continuidade do
sistema e da teia de valores de uma cultura. Os valores e as expectativas que o
cercam, acabam gerando nesse ator, representações que desencadeiam também
expectativas próprias, em relação a si mesmo, as quais qualificam a sua atuação no
cenário escolar. Mas a particularidade dos processos mentais, as emoções e as
vivências desse aluno geram concepções prévias singulares, que no processo de
construção do conhecimento e para cada objeto apresentado, podem desencadear
múltiplas zonas de desenvolvimento proximal (ZDP), com características de
instabilidade e progressão. Para tanto, a função do professor parece ser a de
propiciar essas diferentes ZDP, criando problematizações sobre o conteúdo,
graduais e persistentes, permitindo que o pensamento do aluno, progressivamente,
vá se diferenciando em direção a tarefas mais complexas.

Antunes (2012), ao estudar os processos em sala de aula, revisita a teoria


vygotskiana e aborda com muita propriedade essas múltiplas ZDP. Diante de suas
considerações, parece ser pertinente afirmar que, se o professor estiver imbuído
dessa concepção, ele propiciará ainda mais redes de conhecimentos e suas aulas
serão ricas de significação, serão transdisciplinares. O aluno poderá não só
contextualizar o conhecimento, como também transferir esse conhecimento para
outros contextos, ou seja, transcontextualizar.

Mas esse aluno, em sua singularidade e expectativas momentâneas, pode ser


também aquele que, por mais que o professor planeje e prepare suas aulas, por
mais diversificadas que sejam, naquele momento ímpar em que estão lado a lado,
130

não se deixa atingir ou não se deixa mobilizar para a aprendizagem. Em


determinados momentos, as expectativas da escola, da família e da sociedade vão
em sentido oposto àquilo que o aluno deseja. Isso é bem comum na fase
adolescente. Mas, paradoxalmente, é também nesta fase que o pensamento formal
e dialético pode ser melhor explorado. Esse momento, em que emoções de toda
natureza afloram é, certamente, bastante propício para o professor estabelecer
vínculos afetivos estreitos de solidariedade e de respeito com o aprendiz, de
compromisso com esse aluno e com sua aprendizagem. Entrando, então, aí o
componente da emoção.

Wallon (1989) defende que pelo vínculo imediato que se instaura com o
ambiente social, a atividade emocional garante o acesso ao universo simbólico da
cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo de sua história. O estudioso
apregoa que a mediação social está na base do desenvolvimento e que tal fato
caracteriza o homem como um ser, geneticamente social, dependente dos outros
seres para subsistir e se construir enquanto ser da mesma espécie. A psicogenética
walloniana, quanto à afetividade e à construção do sujeito, defende que o produto
último da elaboração de uma inteligência, concreta, pessoal, corporificada em
alguém, é uma pessoa e que não há nada mais social do que o processo através do
qual o indivíduo se singulariza, constrói a sua unicidade.

Tomando por base esses e outros pressupostos já enunciados na pesquisa,


ao trazer a proposta, entre 1998 a 1999, a escola analisada, entendeu que um novo
olhar deveria ser dirigido ao aluno e que sua inserção no centro do processo deveria
se efetivar, evitando que isso ficasse apenas no discurso repleto de clichês
progressistas. Mas esbarrou em uma concepção, já sedimentada, porquanto
cultural, quantitativa, de competição pela nota, por resultados.

Aqueles alunos, alfabetizados sob a égide da nova proposta, adaptaram-se


aos novos parâmetros de ensino e de avaliação. Entretanto, os grupos que já
estavam e nos anos subsequentes viram as novas concepções alterarem os
procedimentos de aula, procedimentos que muitas vezes geravam aulas mais
tumultuadas, por essa razão, algumas vezes, comparavam aulas e professores,
legitimando mais, em alguns momentos, aquele professor que resistia em inovar,
pois, segundo eles, ele ‘botava moral na turma’. Esse tipo de atitude do aluno
131

reforçava a resistência preexistente daquele professor que não trabalhava em favor


da mudança. Isso parece indicar que a escola se propôs a romper com a cultura
posta, cultura esta na qual estavam inseridos os alunos, e que muitos deles, por
mais que parecessem insatisfeitos com a educação tradicional, ainda não tinham
mobilizado ferramentas internas seguras que os ajudassem a lidar com a nova
proposta. Inseguranças discentes somariam a algumas inseguranças docentes.
Esses aspectos geravam práticas díspares entre os professores em relação à
condução das aulas.

 A proposta construtivista socio-interacionista e a qualidade dos


processos.

A escola decidindo deliberadamente pela mudança, mesmo ela se dando de


série a série, fez com que os processos fossem mexidos em toda a dinâmica
escolar, já que a formação continuada estava sendo dada aos profissionais dos três
segmentos. A formação continuada teve como referencial teórico os pressupostos
construtivistas, englobando as concepções piagetinianas, wallonianas e vigotskianas
e vários estudiosos que as revisitavam, incluindo os citados nessa pesquisa.

Na visão de Fortes (2005) esses princípios, a partir de meados dos anos


oitenta, despertaram o interesse de muitos educadores e estudiosos do assunto.
Veio como algo inovador, que abria a possibilidade de efetivar uma prática
educacional avançada e transformadora. Sua base epistemológica, psicológica e
pedagógica, apesar de reflexões contrastantes, se espalhou entre os meios
educacionais e causaram impacto nas práticas escolares. Apesar da problemática
em sua definição, de acordo com Rossler e Duarte (2000, p. 7, apud Fortes, 2005)
ele se apresenta, aproximadamente, como:

um conjunto de diferentes vertentes teóricas que, apesar de


uma aparente heterogeneidade ou diversidade de enfoques no
interior de seu pensamento, possui como núcleo de referencia
básica a epistemologia genética de Jean Piaget, em torno da
qual são agregadas certas características que definem a
identidade do ideário construtivista como um ideário filosófico,
psicológico e educacional, compartilhando assim o mesmo
conjunto de pressupostos, conceitos e princípios teóricos.

As aulas, sob essa perspectiva, tendiam a ser problematizadoras e


mobilizadoras da aprendizagem. Isso requeria um pensamento complexo e
sistêmico dos educadores em relação ao objeto de conhecimento e uma visão
132

holística do conhecimento e do aluno. Sob a referida perspectiva esperava-se que o


conteúdo fosse trabalhado dentro de um pensamento complexo, de teia ou rede,
rompendo com o simplismo cartesiano do viés tradicional. Isso deveria ser feito com
muito critério, pois, embora tenda para isso, nem sempre aulas contextualizadas
serão problematizadoras. O olhar do educador deveria mudar para também mudar o
olhar do aluno, por isso não se falava em método, mas em postura construtivista.

Essas novas dinâmicas de aula parecem ter, de fato, feito a diferença na


qualidade das concepções dos alunos, acerca de problemas reais, conforme
fragmento de discurso apresentado, abaixo:

Até as aulas de DAPS, porque assim você podia formar uma visão crítica,
porque fugia um pouco dos conhecimentos acadêmicos e ia mais pro
cotidiano, pros desejos, pras metas, pros objetivos da vida. Então o que
aconteceu? Me ajudou nas redações, por exemplo. É, eu acho que o que
me ajudou muito o colégio foi escrever, porque pra escola que eu fui não
tinha muito... Assim... você já tinha que ter em mente como fazer uma boa
redação. Então eu acho que o colégio me ajudou muito a ter uma visão
crítica.(Al-2)

Essa visão mais crítica da realidade, mobilizada pela aprendizagem por meio
de situações problematizadas, era um diferencial dos alunos oriundos das turmas do
construtivismo ou os filhos do construtivismo, como ficaram sendo chamados. Por
terem enfrentado desafios diferenciados nos primeiros tempos da inovação,
parecem ter se tornado aprendizes diferentes, aqueles que pressionariam no sentido
da continuidade da mudança. A escola, como um novo espaço de construção de
saberes deveria, na visão da gestão, como já enunciado, dar conta das demandas
que criou. Estes alunos, necessariamente, apresentariam demandas outras, em
relação aos seus pares de outros contextos.

A educação tradicional era tida como aquela que causava desestímulo nos
alunos, pois concebia tais como seres passivos diante do conhecimento pronto, de
verdades universais e inquestionáveis. Por mais que movimentos por mudanças já
tivessem se insinuado sobre a educação e sobre as práticas escolares, de tempos
em tempos, incluindo a própria proposta construtivista, que não era nova, parecia
haver, naquele momento, imperativos sociais, econômicos e políticos, indicadores
de que os paradigmas postos não conseguiriam abarcar essa totalidade de
mudanças.
133

O nivelamento arbitrário, mediante a suposta premissa de que todos


aprendem em tempo simultâneo e de forma idêntica, desconsiderando os processos
mentais diferenciados e as concepções previas subjacentes que os permeiam, era
um fator de limitação imposto pelo paradigma tradicional. Perdurava nesse
paradigma a descontextualização dos conteúdos, trazidos por um planejamento
fechado, feito para constar nos arquivos da escola, em gavetas nunca abertas, sob o
perigo das visitas de inspeção escolar; os objetivos de ensino pautados em
conteúdos estanques, sem vida e dinamismo, sem diálogo entre os saberes, em que
falar em olhar dialético sobre o currículo parecia remeter-se à antítese marxista, à
luta de contrários e, portanto, parecia ser melhor evitar.

Vasconcelos (1998) ao falar da avaliação no paradigma tradicional ressalta a


lógica discriminatória da sociedade de classes, baseada na concorrência, na
pedagogia do mérito, sustentando um sistema seletivo de ensino mediatizado pela
escola e pelo professor. Mudar o olhar sobre o aluno, na visão desse autor, passaria
pela mudança dos parâmetros de avaliação, sendo que o desafio não seria apenas
construir uma concepção nova de avaliação, mas desconstruir a que já estava
enraizada.

Para a escola analisada, implantar uma nova proposta de relação do


professor e aluno com o saber e ressignificar o processo avaliativo, caminharia no
sentido de mudança de mentalidade. Mas, nesse percurso, as más interpretações, a
ausência de uma concepção mais homogênea, salvo as subjetividades naturais
acerca da compreensão do processo, levaram, em alguns momentos, as tentativas
de superações da educação tradicional, sem, contudo, adentrar, de fato, na práxis
construtivista. Essas tentativas de superação não constituíam um fenômeno apenas
da escola analisada. Como o uso da tecnologia, naquela época, chegou com força
nas escolas, havia uma tendência docente em acreditar que aulas diferentes, nas
quais o professor usasse os multimeios e despertasse o interesse do aluno, seriam
aulas construtivistas, num claro equívoco entre meios e fins.

Vasconcelos (1993), analisando cenários semelhantes, já havia chamado a


atenção para essas pseudo-superações da pedagogia tradicional. O autor cita como
exemplos: a)as justaposições entre a fala do aluno e a do professor, sem interação
entre os sentidos de um e de outro, sob o pretexto da participação do aluno. Nesse
134

sentido, permitir a fala do aluno desocuparia o professor para dar sua brilhante aula;
b) A aula modernosa, quando a fala do professor é substituída por um programa de
computador ou vídeo, camuflando a aula, propriamente dita; c) as aulas
construtivistas aparentes, com carteiras em círculo, com espaço físico diferenciado,
mas ainda centradas na fala do professor; d) os seminários, geralmente em grupos,
aonde os alunos dão aula no lugar do professor. e) o esvaziamento de conteúdo que
seria o caso daquele professor que vai para o outro extremo da pedagogia
tradicional, com aulas repletas de criatividade, mas quase que vazias de conteúdo.

Nesse sentido, parece pertinente afirmar que tais pseudo-superações


confundem meios e fins, ou seja, estratégias (meios) com seus objetivos
(resultados). O esvaziamento de conteúdo, certamente, ocorria sob a falsa
interpretação, muito presente, naqueles tempos de incipiência nas inovações, de
que o apego ao conteúdo era ranço da pedagogia tradicional. Parece importante
ressaltar que esse apego ao conteúdo não coaduna com uma visão de
aprendizagem construída, mas o conteúdo é meio, é a substância de onde o
professor vai propor análises, comparações, propiciar julgamentos de valor, vai
oportunizar o diálogo deste com outros saberes, incluindo os do senso comum, para
ancorar novas aprendizagens. Pensando assim, parece dedutível que o conteúdo
tem seu lugar e que o diferencial construtivista é a sua reinvenção, pois objetivado
socialmente em um tempo, passa a ser ressignificado em outro, sob o contexto dos
sujeitos que com ele interagem: os alunos e os professores.

Essa questão do esvaziamento de conteúdo é apontada por um dos sujeitos


da pesquisa: aluna que se desligou da escola e procurou outra, declaradamente
conteudística, nos fragmentos de discurso, a saber:

[...] Mas o que que acontece, se tem esse ganho por um lado, por outro,
acaba que tem uma perda na parte acadêmica, porque não tem uma
pressão sobre o aluno, isso pode gerar uma certa acomodação.

Às vezes eu estudava o conteúdo além da prova e eu via que os meus


amigos estudavam só o que precisava pra passar, entendeu?

É, porque realmente, na escola que eu fui eles focam muito o conteúdo


sabe? Não tem espaço pra... Assim, os professores são orientados pra dar
uma certa formação, mas não é o foco, entende? O foco mesmo é o
conteúdo (Al-2)

Extremos à parte, na escola analisada apareceram, aqui e acolá, algumas


dessas pseudo-superações, incluindo o esvaziamento de conteúdo em algumas
135

aulas, sobretudo no segmento aonde a mudança, propriamente dita, ainda não tinha
chegado. Tais equívocos de interpretação parecem ter sido pouco a pouco diluídos,
pela permanência da formação continuada, pelos referenciais teóricos que os
expunham e abriam outras possibilidades de trabalho. Obras como as do próprio
autor supracitado, que, em pessoa, esteve em contato com os educadores da
escola, discutindo todas essas questões, além de outros estudiosos, já mencionados
nesse estudo, que lá também estiveram em semanas pedagógicas. Visitas
financiadas pela escola, dentro do seu investimento na formação continuada para a
mudança.

Os professores contratados após o ano 2000 não tiveram momentos pontuais


como esses, na mesma proporção que teve o primeiro grupo. Momentos esses,
ricos em discussão de ideias e debates sobre a prática, com os próprios teóricos.
Pela análise de dados no cadastro de locações de livros, junto ao Centro de
Recursos de Aprendizagem, não houve, igualmente, aumento de empréstimos aos
professores de títulos relacionados à prática construtivista ou avaliativa, apesar da
escola continuar atualizando e adquirindo obras sobre o assunto em questão. Isso
parece demonstrar que, pelo menos, do acervo da escola, as metas de leituras
individuais se restringiram. Essa diminuição da busca de fundamentação teórica
pelos novos contratados, apesar da permanência da formação continuada proposta
pela escola, pareceu empobrecer a base filosófica e epistemológica da prática da
avaliação formativa.

 A mudança na cultura avaliativa e os processos em sala de aula.

Como o mote da mudança proposta, entre 1998 a 1999, foi a avaliação,


desde o início, os alunos foram sendo mobilizados e instrumentalizados para as
suas alterações. Deixou-se de enunciar a expressão prova para não imprimir a ideia
de balanço, de acerto de contas, de provar quantitativamente a aprendizagem. Nas
reuniões, nas salas dos professores, nas salas de aula, dentre outros espaços,
incluindo o espaço escrito (circulares, comunicados, avaliações, etc.) começou e
permaneceu o uso de uma expressão substituta: o instrumento avaliativo, numa
intenção deliberada de uso do discurso para alterar concepções. Esse instrumento
avaliativo abarcava todas as formas de avaliação, incluindo trabalhos individuais ou
grupais. A implementação da proposta formativa foi marcada de forma emblemática
136

pela retirada da notação numérica e pela inserção desses vários instrumentos


avaliativos, conforme demonstra o fragmento de discurso abaixo:

As provas eram camufladas, "tipo", não tinham o nome de "prova", sempre


era "ditado", "exercício", etc. A professora era a segunda mãe. Tudo era
avaliado, a aprendizagem, a convivência com os colegas, a liderança
etc.(Al-1)

Por esse fragmento do discurso parece ser possível captar a percepção da


aluna sobre os momentos avaliativos. A cultura quantitativa e a presença da prova,
mesmo na pretensa ausência dela, parecem estar subjacentes no uso da expressão:
"as provas eram camufladas". Por outro lado, também parece indicar a mediação da
professora no processo, embora um pouco idealizada, como se pode esperar de
uma aluna na idade evocada pelo sujeito, aproximadamente, nove anos de idade: "a
professora era a segunda mãe". Perpassa também a ideia de que conteúdos
procedimentais e atitudinais faziam parte do processo avaliativo, quando no discurso
aparece: "tudo era avaliado: a aprendizagem, a convivência com os colegas, a
liderança". De fato, desde o início, a escola investiu, além dos cognitivos, também
nos conteúdos atitudinais e procedimentais e trabalhou para que tais fizessem parte
do processo, garantindo o seu registro no relatório individual do aluno. O trabalho,
propriamente dito, na perspectiva dos conteúdos atitudinais e procedimentais, pode
ter ocupado alguns espaços que deveriam ser garantidos somente aos conceituais,
ocasionando, em alguns momentos, o seu esvaziamento, conforme observou o
sujeito Al-2.

O conteúdo do fragmento de discurso, imediatamente acima, evoca o período,


já enunciado na pesquisa, em que a escola não tinha provas, no sentido literal do
termo, e os vários indicadores de aprendizagens eram diluídos em instrumentos
menores, perdendo a sua qualidade de relações intrínsecas, fragmentando o
conhecimento. Apesar das iniciativas interdisciplinares, a estruturação curricular
permaneceu inalterada, com os componentes separados, demonstrando como
iniciativas de inovação podem esbarrar em estruturas pré-estabelecidas, conforme é
revelado abaixo, a saber:

Quando eu passei pra 5ª serie mudou tudo! Era um professor pra casa
matéria. No começo eu ficava perdida, era muito professor, muito caderno
(risos). O nome "prova" apareceu, era muita coisa pra decorar e aprender,
me sentia uma mocinha já (risos). A gente continuava a fazer trabalhos em
grupo e individuais e os professores ajudavam bastante em tudo. (Al-1)
137

Apesar das iniciativas da escola e das mudanças de concepções que vinham


ocorrendo, alguns traços da pedagogia tradicional aparecem na fala, quando
enuncia a memorização: "era muita coisa para decorar e aprender". Decorar e
aprender como se fossem a mesma face de uma mesma moeda, como se a
aprendizagem decorresse da memorização. Não tão coincidente assim é o fato de
que, nessa época, em ano já citado na pesquisa, a escola decidiu enxugar a
quantidade de instrumentos avaliativos sobre os indicadores, tema já analisado
anteriormente, estabelecendo as avaliações parciais e globalizantes. Os trabalhos
em grupos e individuais permaneceram como possibilidades de construção do
conhecimento, avaliados como atividades de sala, embora a menção estivesse
focada nos dois momentos pontuais de avaliação. Nesse fragmento de fala: "os
professores ajudavam bastante", parece estar subentendida a mediação nos
processos discentes pelo professor, o que pode levar à dedução de que essa já era
uma prática sedimentada da avaliação com intenção formativa. Esse
acompanhamento ou mediação são reforçados pela fala, abaixo, a saber:

Sempre me senti muito ajudada em todos os meus anos no colégio. Não só


pelos professores, mas por toda uma equipe de coordenadores,
auxiliadores, direção. A quantidade de alunos, na minha visão, não
atrapalhava ou diminuía o apoio oferecido pela escola. Assim, você via que
as pessoas se preocupavam com você, não só com a sua nota, mas com a
sua vida, seus problemas, suas dificuldades. (Al-1)

No que se refere ao quesito da mediação no processo de avaliação formativa,


é possível abstrair desse fragmento uma visão um pouco idealizada, quando a aluna
afirma não ter visto no aspecto da quantidade de alunos por turma, um elemento
limitador da mediação, considerando que tal aspecto foi visto como tal por todos os
outros sujeitos da pesquisa, incluindo os gestores.

Levando em conta que esse sujeito da pesquisa é uma aluna que foi
alfabetizada, sob a égide da proposta inovadora, parece ser dedutível que ela teve
um tempo preponderante de mediação bem sucedida. Entretanto essa mesma visão
não é compartilhada por outro sujeito: uma aluna matriculada na escola nos últimos
cinco anos, a saber:

Eu acho que varia muito de professor pra professor! Porque têm uns
que realmente buscam, que procuram... É, digamos assim, orientar
cada um. Mas eu acho que está faltando um pouco isso na maioria
dos professores, de perceber a dificuldade de casa um. Porque têm
muitos tímidos que não gostam de se manifestar e assim vão mal nas
138

provas. Eu acho que os professores poderiam focar um pouco mais


nas dificuldades. Aquele aluno que está indo mal e ele percebe,
tentar correr atrás, falar com o aluno. (Al-3)

Pela análise dos dados e a observação in loco ficou perceptível como é feito o
trabalho com os alunos em dificuldades, já revelado anteriormente. Mas esse
trabalho de resgate desse aluno parece não ser percebido ou validado pelos seus
pares, conforme a fala do sujeito acima. Nadal e Papi (2007) afirmam que a
mediação está presente quando o professor faz perguntas, dá devoluções aos
alunos sobre suas colocações e produções, problematiza o conteúdo com o objetivo
de mobilizar o pensamento deste aluno, permite o diálogo dele com seus pares
sobre as atividades desenvolvidas; quando o professor substitui as perguntas: o quê
ensinar, o como ensinar por: quais os conteúdos são prioritários? Como sei se estão
compreendendo? Quais as expectativas desses alunos em relação às aulas?
Iniciativas docentes, nesse sentido, podem preparar regulações e controles muito
mais efetivos.

O estabelecimento de objetivos mais complexos e momentos de avaliação


mais pontuais, como forma de sistematizarem melhor os processos, atenderem à
demanda das famílias e mudarem a visão de escola fraca que parecia ter se
instaurado, geraram nos alunos um clima de expectativa e aflição, conforme revela a
fala abaixo:

Quando passei pra 6ª serie o nome mudou, passou a ser 7° ano e o


sistema de provas do colégio mudou também. Cada matéria tinha
objetivos e pra cada objetivo tinham duas provas, a parcial e a
globalizante. Era uma parcial pra cada objetivo e uma globalizante
pra todos os objetivos de determinada matéria, porém eles eram
discriminados. E isso foi um auê, porque todos os alunos ficaram com
medo, parecia ser muito mais difícil agora. A prova parcial era como
um teste mesmo, a nota que realmente contava era a da globalizante.
Aí quando eu entrei no 9° ano, a parcial começou a valer mais, da
seguinte forma: se eu tirasse um APS na globalizante e eu tivesse
tirado AS na parcial do mesmo objetivo, a minha nota no boletim
ficaria AS. Isso fez com que a gente desse mais importância pra
parcial. (AL-1)

O fragmento do discurso é demonstrativo de como os alunos tinham a noção


do processo avaliativo. Parece estar subjacente na fala da aluna a forma como eles
se apropriavam do processo para auferir melhores resultados. Pelo menos, nessa
parte da entrevista, não há ênfase no processo da aprendizagem, nos meios de
construção do conhecimento. Há um enviesamento intencional para os resultados.
Outro componente que aparece e, que se acreditava superado, por ser um mito
139

criado pela pedagogia tradicional, era o medo da prova, medo que parece ter
conseguido driblarem muito bem quando perceberam que a avaliação globalizante
valia mais. Conforme já trabalhado em análise anterior, a cultura quantitativa
permeava os processos, por mais que se quisesse apenas qualificá-los. A escola
então, pressionada pelas demandas externas, também já analisadas, entendeu ser
possível a coexistência da proposta formativa com avaliações mais pontuais.

A retomada da escola em relação aos processos, o cuidado maior com a


qualidade destes, incluindo os instrumentos avaliativos e a introdução da nota
qualificada, parecem ter gerado aulas e avaliações mais complexas, mobilizando os
alunos a se comprometerem mais com o processo e colaborando para mudar a
imagem de fragilidade que havia se criado da escola, entre os anos de 2002 a 2006.
Embora essa imagem tenha permanecido, em menor escala, após esse período,
esse discurso, não raras vezes, volta à tona.

 Discursos dodiscentes e significações intrínsecas.

Nos últimos cinco anos a escola tem perseguido essa qualidade e tentado
mudar essa imagem, conforme demonstra a análise de um fragmento de discurso da
aluna, matriculada dentro desse período:
Eu, na avaliação também, eu senti um pouco de dificuldade de... No
estudo... Era um novo tipo de estudo, porque antes eu estudava... Eu
lia um pouco e já tava preparada para a prova no outro colégio onde
eu estudava. Agora aqui não, aqui eu comecei a estudar com a minha
mãe e logo peguei e já estudo sozinha desde o 6° ano mesmo. Que...
É uma maneira diferente mesmo, aqui a gente precisa ler, reler,
repetir e fazer exercício pra pegar mesmo, porque a matéria... Ela
não é... É uma matéria mais... É uma... Um processo mais complexo
que a gente enfrenta, porque a avaliação é uma... É como se fosse o
final de todo o processo, então não é aquilo que você vê durante o
processo como no outro colégio, que a gente via o que tinha na prova
e era exatamente aquilo que a gente via (risos). Como acontece em
algumas questões fáceis aqui. (Al-3)

O teor do discurso do sujeito anterior difere do teor do discurso do sujeito,


imediatamente acima. Enquanto o primeiro (aluna alfabetizada sob a égide da nova
proposta e que permaneceu na escola em todo o tempo abordado nesse estudo) faz
transparecer a multiplicidade de instrumentos avaliados no processo, por meio
desse fragmento de fala: “tudo era avaliado”, o segundo (aluna matriculada nos
últimos cinco anos), não menciona instrumentos diversos, embora pareça ter a
exata noção da complexidade do processo, aparente em sua fala: “um processo
140

mais complexo que a gente enfrenta”. As pausas, percebidas na fala desse sujeito,
que não o foram no discurso do sujeito anterior, parecem indicar uma falta de
familiaridade com a nomenclatura, que aquele já possuía, dado ao tempo de
convivência com o discurso gestor e docente, envolvendo o processo formativo.
Outro dado analisado é a concepção de avaliação do sujeito acima, que
embora não desconsidere o processo, a vê como sendo mais pontual, de final de
percurso, de produto acabado, do tipo somativa, dado revelado na frase: “É como se
fosse o final de todo o processo”. Mudança significativa em relação ao discurso
anterior, analisado na expressão: “Tudo era avaliado”. Isso parece indicar que
concepções discentes, não raras vezes, refletem as concepções da gestão e dos
docentes.
Essa mudança no teor dos discursos discentes parece ser um demonstrativo
das adequações que a escola teve que fazer para que, mantendo a essência da
avaliação formativa, sistematizasse melhor os processos. Uma vez que precisava
atender aos imperativos externos já mencionados. Esses imperativos aparecem
também no discurso discente. O imperativo da concorrência, do vestibular que
aparece no discurso da família descontente com a proposta, aparece também na
fala discente. As falas do sujeito abaixo, aluna que se desligou da instituição, no
período em que a escola foi vista como de fraca cobrança, são demonstrativas dos
imperativos mencionados, a saber:
Eu mudei de escola mais pela questão do vestibular, porque assim...
eu gostava muito da escola. Só que como... Por conta da
propaganda, né? Das outras escolas, pela busca de passar no PAS.
Aí eu mudei. Foi o que mais influenciou.

Porque... Assim, eu fui no primeiro ano e no final do ano já é o PAS,


então você fica o ano inteiro já pensando: "O PAS, o PAS, o PAS..."
Mas eu gostei muito do colégio aqui, tanto que quando eu mudei de
escola já tava com uma base muito boa, era uma escola muito forte,
mas eu já tinha base, consegui seguir direitinho lá.

É. Os professores da outra escola eles estimulam, eles falam tanto do


vestibular entende? Porque é o nosso objetivo no Ensino Médio,
sabe? Porque quando a gente é do Ensino Médio, acaba que, no meu
caso, foi mais assim, como uma transição pra faculdade, porque o
que eu queria era passar na faculdade, entendeu? Então é o nosso
objetivo maior. (Al-2)

Transparece na fala da aluna a influência da propaganda de outras escolas,


no que se refere à preparação para o vestibular. O viés mercadológico também
aparece aqui: propaganda vendendo um produto: o ensino que, por sua vez, seria a
moeda de troca para entrar na faculdade.
141

A aluna considera a base adquirida na escola analisada como forte, a ponto


de prepará-la para ter sucesso em outra escola. Isso parece confirmar a análise, já
feita anteriormente, das habilidades trabalhadas nos processos formativos que
instrumentalizam os alunos para o desenvolvimento de certas competências
exigidas nesses exames. Entretanto, conforme já analisado, esse foi um imperativo
que mexeu com o corpo discente e com as iniciativas da escola em repensar seus
processos. Há um aparente paradoxo entre o discurso: "Mas eu gostei muito do
colégio aqui", e a ação: o desligamento, confirmando o imperativo externo do
estímulo para o vestibular.
A escola, atendendo a esses imperativos, mas sem querer abrir mão da
essência da avaliação formativa, conforme já mencionado, tem investido na
formação dos professores para o trabalho com as competências. Nesse sentido um
novo elemento atualmente permeia o discurso gestor, aparecendo nos momentos de
formação: a gestão da aula. Tal discurso parece ter a intenção de imbuir ainda mais
o professor de sua responsabilidade e compromisso com as aprendizagens,
preparando qualitativamente sua aula, de forma a problematizá-la mais e a promover
mais situações de feedback aos alunos ou mais regulações em seus percursos.
A visão de corresponsabilidade do aluno com o processo de aprendizagem
levou a rede da instituição analisada a lançar o último volume de sua coleção de
artefatos culturais próprios, reflexos da prática com intenção formativa: O currículo
em movimento: ofício de aluno, no ano de 2010, obra que reflete a concepção de
aluno da contemporaneidade. Gonçalves et al. (2010, p. 38), organizadores do
volume citado, asseveram que:
Ser aluno hoje é saber-se capaz de criar, recriar e produzir
conhecimentos, dialogando com seus pares e com o professor, certo
de que será ouvido e enriquecido em suas posições e escolhas. É,
igualmente, ser agente de transformação e elaboração de condutas
e procedimentos sociais. É estar aberto ao novo, ser crítico,
participativo, curioso e, sobretudo, ser "aprendedor".

Na concepção desses autores, que refletem as concepções da instituição, o


aluno tem suas funções, tarefas, atividades e compromissos próprios que compõem
seu papel e a interpretação do mesmo, os quais não podem ser atribuídos a outrem.
Eles defendem que o aluno é o principal responsável por dar sentido ao trabalho
escolar e que o agir educativo do aluno, sua vida ativa, compreende a participação
nas decisões, o envolvimento autônomo e responsável com o próprio ofício.
Entretanto, o significado que esse aluno dá ao seu ofício traz a marca de sua
142

singularidade, de suas relações pessoais ambíguas e complexas. Parece pertinente


afirmar que aí entraria, então, a importância do trabalho docente para acompanhar,
validar os significados e instrumentalizar esse aluno no exercício de sua atribuição.
Parece ser possível afirmar que, na escola analisada, esse nível de criticidade
com o próprio ofício aparenta já fazer parte da mentalidade dos estudantes e
aparece como um ganho desse tempo. Evidenciam-se ainda traços de descaso e
ausência de compromisso de alguns alunos, situações que parecem carecer de uma
soma de esforços da escola e da família, como instituições representativas do
mundo adulto, para ajudar esse ser a apropriar-se de seu papel no mundo, por meio
do conhecimento de suas especificidades e seus percursos educacionais e
humanos.
Os fragmentos de discurso abaixo revelam traços de introjeção do próprio
ofício e da auto-regulação, a saber:
Acho que as vezes o processo não coincide muito com a avaliação.
Mas eu acho que na maioria das vezes coincide sim. Acho que
depende do aluno, do estudo. Se você sabe estudar, eu acho que
consegue com certeza. A matéria que a gente tem no livro... Eu acho
os materiais, as aulas, os professores... Eu acho uma ótima base
assim.

[...] eu acho que foi um conhecimento tão maior de quando eu


cheguei aqui, porque a gente vai tão além dessa questão de prova ou
conteúdo lido. Porque o professor em uma aula mesmo, um professor
bom... Ele traz tanta novidade, tanto interesse que a gente tem. E a
gente também, eu, por exemplo, eu tenho muito interesse em assistir
jornal, ler jornal, eu vejo notícia e relaciono com os assuntos em sala
de aula. Eu acho que o conhecimento amplia muito, porque além de ir
se preparando para o Ensino Médio, é a vida que a gente aprende
aqui, não é a prova. A prova a gente não usa na vida.(Al-3)

As investigações sobre o Construtivismo de Coll e Palacios (1996), teóricos


que também fundamentaram a inovação na escola estudada, recaem na
necessidade da individualização do ensino e a atenção à diversidade das
necessidades, interesses e motivações dos alunos; à revisão dos objetivos e
conteúdos da educação escolar, com o fim, entre outros, de que os alunos
aprendam a aprender; às relações entre o desenvolvimento psicológico e a
aprendizagem; à conveniência de potencializar a aprendizagem significativa na
escola; à importância da organização e sequenciação dos conteúdos; o valor
educativo das relações entre semelhantes; a atenção também ao papel do professor
e à transcendência do tipo de relações que este estabelece com seus alunos.
143

O atual momento da escola analisada, se olhado sob a perspectiva das ideias


desses estudiosos, parece mostrar que os cenários da sala de aula têm
demonstrado alunos mais participativos, mais conscientes de seus papéis e de sua
realidade, mais comprometidos com o seu tempo, na medida em que professores
também tomam resoluções semelhantes, mostrando a importância dessas trocas de
sentido entre esses dois atores. O fragmento: "Porque o professor em uma aula
mesmo, um professor bom... Ele traz tanta novidade, tanto interesse que a gente
tem. E a gente também, eu, por exemplo, eu tenho muito interesse em assistir jornal,
ler jornal, eu vejo notícia e relaciono com os assuntos em sala de aula", parece ser
demonstrativo dessas trocas de sentido, do protagonismo desses sujeitos nos
processos de ensinar e aprender. Percebe-se um aluno construtor de seu
conhecimento e consciente de seu ofício e que também legitima o papel do
professor.
Ainda sob as premissas de Coll e Palacios (1996) e, levando em conta que o
sujeito da pesquisa acima é aluna partícipe desse processo nos últimos cinco anos,
parece ser possível admitir que o construtivismo socio-interacionista e a avaliação
com intenção formativa, embora com todas as adequações, de um jeito próprio,
vivido e ressignificado, está se concretizando na escola analisada, se olhado sob a
perspectiva da contextualização das aulas e da problematização dos conteúdos. Da
mesma forma parece ser possível afirmar o mesmo, quando são percebidas, as
ampliações das ZDP e, em consequência, do conhecimento. Isso é perceptível no
discurso, quando se lê no fragmento: [...] “um conhecimento tão maior” [...] “o
conhecimento amplia muito”.
Apesar das idas e vindas ao que se referem à questão da prova, já
anteriormente analisadas, a proposta de inovação pressupunha a desmistificação do
momento da sua feitura pelos alunos, aonde ela seria, no processo, apenas um
recorte para avaliar, no sentido de preparar intervenções docentes e autorregulação
discente. Momento, embora privilegiado, que servisse para continuar aprendendo
como em todos os outros mementos. O fragmento do discurso: [..] “é a vida que a
gente aprende aqui, não é a prova. A prova a gente não usa na vida", parece ser um
demonstrativo que esse momento está sendo desmitificado e colocado no seu
devido lugar: o de ser momento também de aprendizagem, pelas relações mais
intrínsecas que se estabelecem entre os objetivos de ensino, mesmo em meio à
144

cultura posta, de momento tenso, segregado, que ainda permeia os exames


externos.

 A metacognição dos processos como ganho em qualidade.

Um aspecto que chamou a atenção nessa pesquisa e que, de alguma forma,


apareceu de forma latente ou explícita em todos os discursos, foi o aspecto da
metacognição dos processos, como sendo o grande ganho da inovação, como
resultado favorável, ganho esse que as adequações necessárias, no decorrer do
percurso da mudança, não o obstruíram, mas qualificaram-no.
Gregoire (2000) fala desse fenômeno como resultado da convergência de
várias correntes: pesquisas de Flawell (1976) sobre a memória, corrente
piagetiniana, sobre a tomada de consciência, corrente vigotskiana, sobre as origens
sociais do controle cognitivo, dentre outros. Mas segundo o autor, Flawell (1976) é
quem mais tem contribuído para popularizar o conceito de metacognição, pois em
sua conceituação esse fenômeno abarca dois componentes (conhecimento e
cognição sobre fenômenos cognitivos/monitoramento cognitivo) que foram
retomados pela maioria dos autores posteriores, dentre eles, Gombert (1990), de
quem cuja definição de metacognição é citada por Gregoire (2000, p. 170), a saber:
Campo que agrupa: (1) os conhecimentos introspectivos conscientes
que um determinado indivíduo tem de seus próprios estados e
processos cognitivos, (2) as capacidades que esse indivíduo tem para
deliberadamente controlar e planejar seus próprios processos
cognitivos com o fim de alcançar uma determinada meta ou objetivo.

A pesquisa tomou por base essa definição para analisar as recorrências em


que indícios dela aparecem nas falas dos sujeitos ou no conteúdo latente das
entrevistas. Entendendo como necessária à aprendizagem significativa, a reflexão
metacognitiva pressupõe mais que uma "condução automática" ou uma "condução
externa". O fato de o sujeito estar em situação de condução interna em graus
variados é que propiciaria a autoavaliação. A autoavaliação, sob essa ótica, pode
ser vista como uma modalidade de avaliação formativa, se associada a uma relativa
autonomia do indivíduo na análise de seus próprios processos de aprendizagem.
Sob o ponto de vista da gestão, a qualidade dos processos em sala de aula
melhorou com a metacognição, conforme revela fragmentos dos discursos de
diferentes gestores, a saber:
145

A metacognição... A melhor pessoa pra saber dos momentos deles


são eles mesmos. E isso é uma coisa admirável... Porque a gente
não teve isso. Quais as providências que eu tenho que tomar... Eu fiz
isso, eu preciso disso, estuda comigo isso. Tudo muito claro. Isso é
uma coisa admirável! Para as famílias foi o ganho. E é um ganho.
Pra mim é o melhor ganho: eu ser dona do meu processo. Então eu
penso que todas essas batidas de cabeça que a gente dá na vida
poderiam ser minimizadas se nós tivéssemos sidos os grandes
gestores de nosso conhecimento desde sempre, né. Ele estava na
mão de alguém, desse professor que era o detentor do
conhecimento, e agora não, né? ( G-4)

O ganho maior da avaliação por objetivos a gente não abriu mão,


mas a gente parou de idealizar e de entender que o que era possível
fazer... É... Dentro do real e do... Da melhor forma possível, seria dar
a esse aluno um mapa... Um quadro que ele visse: "isso eu não
alcancei, eu tenho clareza do que eu não alcancei." (G-1)

Apesar dessa metacognição estar ligada a um referencial externo, que seria o


que falta saber ou o que já se sabe do objetivo definido e cobrado em avaliações
pontuais, o fato do aluno controlar esse espaço de progressão parece, de fato, ter
melhorado os processos em sala de aula. Para os professores, o fato da família se
apropriar junto com o filho do processo, embora os processos mentais e o controle
da aprendizagem sejam singulares ao aluno, ela pode também instrumentalizá-lo no
sentido de ajudá-lo a superar suas dificuldades, conforme confirma o discurso
docente, abaixo, em consonância com o discurso gestor.
Já tem um tempo que é por objetivo. A família fica sabendo com mais
segurança aonde precisa investir junto ao filho. Porque se ele não
atingiu o objetivo A2 de matemática que é expressões numéricas,
então a família já sabe, o aluno também né? Eu acho que fica
também... Tira um pouco daquela sensação de que a criança ou sabe
tudo ou não sabe nada né? (P1)

Tem pai que sabe muito sobre os objetivos e ele chega "Nesse
objetivo meu filho tirou 9,5 mas tem esse objetivo aqui que eu vou
batalhar com ele, eu vou estudar com ele" Então eu acho isso muito
legal, muito importante. (P3)

Gregóire (2000) afirma que a metacognição veio dar um enfoque novo à


avaliação formativa e chama a atenção para a validade desse fenômeno, quando ele
serve para elaborar gestos de natureza corretiva, aonde tal avaliação deva ser
conduzida de forma realista ou com justiça para constituir-se em uma
autorregulação. Somando seu pensamento às contribuições de Allal (1993), ele
destaca a importância de situar a metacognição no cerne de uma prática de
avaliação formativa que faz dessa uma habilidade fundamental a ser desenvolvida
nos alunos.
146

O mesmo autor defende que a metacognição parece cada vez mais suscetível
de ser "educável" ou ainda "pedagogizável", além do fato de ela desenvolver-se com
a idade. Tais estudiosos falam em "consciência metacognitiva" ou em "tomada de
consciência de seu funcionamento". Consciência essa passível de se tornar objeto
de treinamento e de ações pedagógicas. Em suma, esse autor conclui que a
autoavaliação, a responsabilidade de suas aprendizagens e de sua progressão e, no
melhor dos casos, a possibilidade de o próprio aluno elaborar suas próprias ações
de regulações é, sem dúvida, a apropriação mais significativa.
A explicitação para as famílias dos objetivos a serem trabalhados e
perseguidos, ao longo do ano letivo, somada à metacognição do aluno sobre seu
processo, parecem ter deposto a favor da proposta formativa, uma vez que,
certamente, a família percebeu uma prática inusitada, mas que foi se adequando e
se sedimentando ao longo dos anos, que mobilizava o estudante para a
aprendizagem, e que também o colocava como partícipe do processo, a saber:
É interessante a avaliação, porque é diferente dos demais colégios. Eu
conhecia aquela avaliação que era avaliada de 1 a 10 e não por objetivo.
Você tinha 10 questões, você não sabia em que que o aluno estava
deficiente. Ou seja, em matemática, por exemplo, pode ser que ele não
tinha dificuldade em matemática, mas tivesse em um assunto né? Da
matéria... Então o interessante é isso, porque você foca a dificuldade do
aluno (RF-2)

Os meninos já sabem. Eles dizem assim: mãe, olha, esse conteúdo eu já


sei, mãe. Esse daqui é que eu não sei. Eu tenho que focar nesse daqui.(...)
A questão da recuperação, importantíssimo: você não vai fazer a
recuperação da matéria toda. O menino vai fazer a recuperação daquele
conteúdo que ele não pegou. Ele não vai fazer a recuperação do que ele já
aprendeu. Ele vai focar naquilo ali. Então isso pra mim, foi o melhor no
processo todo como a gente vivenciou. (RF-3)

A qualidade dos processos em sala de aula, sob o ponto de vista dos alunos,
parece entrar em consonância direta com a interação dos mesmos com os seus
próprios processos. Isso pressupõe a autorregulação. Entretanto na escola
analisada percebeu-se que, algumas vezes, o conhecimento daquilo que já se sabia
e a perseguição daquilo que ainda não se sabia, considerando os indicadores do
objetivo definido, a priori, se enviesa para os resultados, numa possível
demonstração da pedagogia do sucesso, ranço da pedagogia tradicional,
quantitativa e excludente, que parece ignorar todos os processos mentais no
decorrer do percurso, conforme demonstra o fragmento abaixo do discurso discente:
Foi a melhor coisa do mundo!Você não precisava fazer a prova daquilo que
já sabia. Mas precisava fazer a prova no objetivo pendente. Mas no Ensino
147

Médio você fazia a média da matéria e tinha a opção de não fazer a prova
das pendências. Al-1

Apesar de algumas concepções discentes ainda estarem enviesadas para


resultados quantificáveis, parece pertinente afirmar que a prática da metacognição,
observada em muitas situações de sala de aula, analisadas neste estudo e
confirmada pelos discursos dos sujeitos, pode levar à uma maior autonomia dos
alunos em relação ao conhecimento, no sentido de concebê-lo como mutável, em
transformação.
Parece ter se estabelecido, na escola analisada, a crença dos alunos de que
se pode manipular o conhecimento, dissecá-lo em partes simples e complexas,
colocá-lo sob gradações de complexidade, de acordo com as próprias concepções,
que se tem até dado momento, consciente de que estas evoluem para uma maior
complexidade, de que se pode adequá-lo ao ritmo próprio, ritmo esse semelhante,
além ou aquém da compreensão de outros alunos. Os estudantes parecem tomar
consciência de seus processos cognitivos e planejam o controle de suas
aprendizagens. Tais reflexões metacognitivas, certamente, tirarão o conhecimento
do grande pedestal da inquestionalidade e o colocará a serviço do aluno/sujeito para
dominá-lo, gerenciá-lo e, certamente, produzir novos saberes. Nesse sentido, essa
competência, perseguida pela escola, confirma a prática com intenção formativa,
pois mais que construir um conhecimento, espera-se que o aluno extrapole e reflita
sobre aquilo que já domina e sobre aquilo que ainda não internalizou, sendo um
navegante das suas próprias e múltiplas Zonas de Desenvolvimento Proximal.

3.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se pressupor uma realidade escolar sem o parâmetro da homogeneidade,


ela passa a ser vista como caracterizada pela multiplicidade de sujeitos, interesses,
expectativas duradouras ou momentâneas, processos construídos ou
desconstruídos. Sobre a realidade escolar são lançadas expectativas externas,
influenciadas por paradigmas postos, mutáveis de tempos em tempos. Ocorrências
históricas, do local ao global, recaem sobre tal realidade para a mudança ou,
algumas vezes, para a sutil preservação dos sistemas e valores vigentes. Exigências
externas carregadas de interesses imediatos ou de longo prazo mobilizam os
agentes educacionais em suas práticas diárias. Por maior que seja a isenção
148

científica e pretensa atemporalidade de algumas de suas análises, teóricos


constituem-se como sujeitos subjetivados pelo meio, imersos em um tempo
histórico, portanto tomados por valores a ele pertinentes. Tais estudiosos lançam
suas teses sobre as realidades escolares, mexendo com as crenças e os discursos
dos atores envolvidos.
De igual forma, múltiplas também são as relações entre os sujeitos, relações
de caráter afetivo, profissional e até mercantil, aonde a neutralidade não encontra
lugar. Escola, lugar que institucionaliza as relações dos sujeitos cognoscentes com
os objetos de estudo e seu desvelamento. Ambiente de construção do saber, nessa
época sem precedentes históricos, em que redes de conhecimento são tecidas em
tempo real e em vários lugares; rizomas que se alastram e são acessíveis a um
clique na tela.
No estudo desse caso, foi possível identificar essa realidade plural, mas ao
mesmo tempo tomada pelas singularidades dos sujeitos, dos espaços e tempos e de
como, apesar de seu caráter de preservação dos valores de uma cultura, a escola
pode ser, simultaneamente, espaço de rupturas e de inovações, mesmo em meio à
complexidade que resulta da coexistência dessas singularidades.
O aluno, ser em devir, construtor de sua unicidade, mas partícipe de um
tempo histórico-social, forjado por esse mesmo tempo. Unicidade, portanto, tecida
na grande teia de significações e representações de uma época, de culturas infanto-
juvenis a ela pertinentes. Inserido em estágios psicológicos cognitivos, marcados
pela evolução, os quais qualificam as relações que estabelece com o objeto de
conhecimento, com seus pares e com o professor. Ser que, em dados momentos,
parece estar submetido a emoções várias que tomam dimensões desproporcionais,
impeditivas de maiores racionalizações, quando, mesmo sob aparente resistência,
se vê totalmente dependente e carente dos referenciais adultos, incluindo aqueles
que representam seu professor.
O professor, este ser que, pelo discurso e ações chama à luz aquilo que está
na essência, que retira, a priori, o conhecimento de um currículo também com
múltiplos significados. Que, carregado de intencionalidades, passa a ser mediador
desse conhecimento, o qual, na interação com os sujeitos/alunos, se move em todas
as direções. Esse ser, imbuído de um tecido de crenças e fundamentos teóricos que
mobilizam sua ação em direção ao aprendiz. Aluno e professor, entrelaçados pela
mesma trama de significados dos conhecimentos postos, interagindo dialogicamente
149

com as informações, objetivando-as cultural e socialmente e sendo também


transformados por elas. O professor, mobilizador de ferramentas internas de seus
alunos, possibilitando-os a ter um olhar dialógico e um pensamento complexo. Mas
também sobre quem pesam expectativas sociais várias, quase sempre em
patamares mais elevados que o reconhecimento de sua importância e papel na
sociedade.
A gestão de uma escola, essa unidade na diversidade dos sujeitos que a
compõem, sobre os quais pesam a tomada de decisões, nem sempre
compreendidas ou aceitas por aqueles que a recebem ou a executam. Grupo que se
propõe coeso na aparência e na essência, mas que se estrutura sobre a
singularidade de seus membros. Da unicidade de cada sujeito que contribui, até por
que diverge, espera-se sempre o consenso, em detrimento das preferências e
crenças individuais. Valores institucionais que, não raras vezes, sobrepõem os
individuais em prol do consenso pelas mudanças necessárias e sempre urgentes.
Grupo sobre o qual parece pesar mais as consequências das decisões equivocadas,
que responde pelo grupo que dirige e que, mesmo no comando, parece estar
sempre à mercê das ações de seus subordinados e no terreno escorregadio e
íngreme da expectativa de que as determinações se cumpram, sem a convicção de
que isso ocorrerá na plenitude. Que lida, diuturnamente, com a pluralidade de
opiniões e demandas que envolvem a realidade escolar. Dele esperam-se respostas
para as mais diversas expectativas. Responde por tudo que ocorre entre os muros
físicos ou virtuais da escola, não só pela massa aparentemente homogênea de
alunos, mas pelas individualidades que a compõem.
A família, esse grupo diminuto dentro da totalidade social, que
simultaneamente, pode absorver e romper com os valores da cultura posta. Que traz
de tempos e lugares idos, costumes e crenças próprias que comporão as histórias
dos seus membros. Aquele, do qual cuja prole, traz as mais diversas marcas. Grupo
peculiar que estabelece com a escola, ao mesmo tempo, vínculos de unidade e de
ruptura, de afetividade e de formalidade, de cobrança e de parceria, de isenção e de
corresponsabilidade. Um grupo que, inserido em um tempo histórico, com suas
demandas próprias, espera da escola respostas claras e escolhas assertivas. Para
algumas realidades escolares, como a do caso analisado, é um grupo que pode ficar
ou sair, levado ao sabor das exigências de situações sociais imediatas que podem
incidir sobre os alunos, antes seus filhos.
150

As realidades externas à escola, muitas vezes são enviesadas pela vertente


econômica, sob a mão invisível, mas bastante sentida, do mercado. Mercado esse
em busca de capital humano, com suas competências adquiridas pela educação e
experiência, para alimentar o sistema. Sistema que, por sua vez, corporifica-se em
relações de contrato, relações pessoais fluidas e fugazes, alimentando valores que
se caracterizam pelo continuísmo, mesmo sob a égide de mudanças tangíveis.
Práticas desse continuum como a competição e o lucro, sob a roupagem
liberal, podem entranhar-se, sutilmente, nas relações entre os sujeitos da
comunidade escolar. Estudiosos lançam suas vertentes teóricas que embasam o
ensino. Mesmo negando o sistema, muitas vezes, são seus reforçadores não
intencionais, pelo mero fato de serem indivíduos filiados a essa cultura e dela
absorverem valores que permeiam suas análises. Conceitos econômicos, já
historicamente construídos, muitas vezes, parecem ser associados ou aplicados em
situações escolares, com ênfase nas práticas avaliativas em seu caráter quantitativo,
de acerto de contas, de balanço, de prejuízos e ganhos, submetendo, à lógica do
mercado, não raras vezes, as relações entre os sujeitos e seus processos de
aquisição do conhecimento.
A avaliação pontual e a nota são elementos que mexem com toda a dinâmica
escolar e extrapolam seus muros. Mais que uma simples aferição e seu registro,
mexem com vidas, com percursos individuais, com a autoestima de indivíduos e com
as relações familiares. Os relatórios ou boletins escolares que registram os
processos avaliativos tendem a causar impactos dos mais diversos nas relações
entre pais e filhos. Impactos bastante perceptíveis nos sentimentos demonstrados
nas reuniões de pais, filhos e professores, por ocasião da entrega de
relatórios/boletins e da discussão dos respectivos resultados.
Sob a tutela da avaliação podem estar as aulas, os processos do aluno e
deste com seus pares, os contratos pedagógicos explícitos e implícitos e as relações
entre este aluno e o professor. Se bem conduzida, pode ser um instrumento de
aproximação, de aprendizagem no processo, de regulação docente, de
autorregulação e de sentidos compartilhados. Mas, se ao contrário, pode ser meio
de exclusão, de massificação, de distanciamento, de disputas, de relações de
interesse e de práticas individualistas.
A prática da avaliação formativa, sob o ponto de vista dos mais diversos e
renomados estudiosos, dentre eles, os apontados nesse estudo, seria uma prática
151

avaliativa que privilegia as aquisições individuais, sem contudo negar as


contribuições do grupo, antes prescinde dele, na construção dos saberes, por meio
das interações do sujeito com o objeto de conhecimento, compartilhado e
ressignificado no espaço coletivo.
Quando essa pesquisa se propôs a analisar os impactos causados por um
processo de implementação da avaliação formativa no ensino fundamental de uma
escola da rede particular do DF, começou identificando as principais características
do modelo de avaliação formativa. Na sua revisão bibliográfica e, ao longo da
pesquisa, pôde contrapor estudos existentes na época da implantação desse
modelo de avaliação e os mais recentes. Estudos anteriores caracterizaram a
avaliação formativa como a avaliação sobre o processo e de caráter não terminal.
Entretanto, uma ênfase cada vez maior tem sido dada pelos autores mais recentes,
ao processo de regulação docente e autorregulação discente. Da mesma forma uma
crítica contundente tem sido feita às práticas que se pretendem formativas, mas que
não conseguem garantir, efetivamente, esses processos.

A escola analisada, conforme resultados apresentados por essa pesquisa,


apresentou dificuldades práticas na efetivação dessas regulações docentes. Essa
dificuldade parece encontrar eco em outros espaços educacionais, estimulando
investigações e novas teorias que embase um processo, de fato, formativo.
Entretanto, quaisquer teorias dessa natureza parecem necessitar de uma busca
sistemática das singularidades dos espaços educacionais e de seus atores, para
que alcancem um mínimo de generalização.

Ao longo desse trabalho de investigação, procurou-se descrever as etapas de


implementação e pós-implementação da proposta de avaliação formativa na escola
em estudo. Nesse percurso, parecem ter ficado claras as singularidades, já
mencionadas, dessa dada realidade escolar e de seus agentes. Pela análise dos
resultados, as singularidades que, muitas vezes, representaram entraves à
efetivação da proposta foram: os ritmos diferenciados de compreensão docente em
relação ao objeto em questão, ou seja, momentos distintos em que a avaliação
formativa se tornou inteligível, ao nível da prática, para cada um dos professores,
gerando resistências duradouras ou temporárias; as novas contratações de
professores, após o ano 2000, que pareceram colaborar para um retardamento do
processo ou, pelo menos, para trazer-lhe descontinuidade; a carga de subjetividade
152

dodiscente e das famílias, envolvendo a inovação proposta; as demandas externas e


as relações de competição próprias do mercado, pressionando a escola no sentido
de nivelá-la ao modelo de avaliação externo.

Quando se volta à questão: seria possível a transferência da teoria da


avaliação formativa para uma prática efetiva? Os resultados desse estudo, após a
incursão sobre os dados, observação in loco dos entraves estruturais que se
constituíam como impeditivos à proposta, bem como pela busca da memória vivida
pelos sujeitos envolvidos, concluíram que, pelo menos para o caso analisado, não
foi possível, literalmente, essa transferência. Em se tratando dos processos
humanos e sua complexidade, essa transposição literal tende a não acontecer.
Entretanto, há aproximações relevantes e algumas generalizações possíveis. No
caso estudado, certamente, as lacunas teóricas existentes na época de sua
implementação, o fato de os teóricos dessa prática não terem abordado questões
mais imediatas que poderiam vir a emperrá-la, como a quantidade de alunos por
sala, a cultura quantitativa e as deficiências na formação regular ou continuada de
professores, dentre outras, parecem ter colaborado para as divergências teóricas-
práticas, no período de implementação.

Paradoxalmente, os ganhos obtidos com as reais tentativas de mudança e


aquelas pequenas e persistentes alterações que foram ocorrendo, ao longo do
processo, se não superaram as teorias postas, parecem ter se mostrado bastante
significativos. Dentre esses ganhos foi possível destacar a metacognição dos
processos. O processo de autorregulação discente caminhou, embora as regulações
docentes tenham apresentado limitações, tenham sido obstaculadas pelo
engessamento do calendário e pela quantidade de alunos a serem atendidos, o que
não indica que nada tenha sido feito, nesse sentido. Certamente, para alcançar a
metacognição, esse aluno precisou de um mínimo de mediação docente. Isso
parece indicar que a cultura formativa criou a necessidade da mediação, a ponto de
gerar incômodos no grupo docente, quando esta é impossibilitada de ser feita com a
qualidade esperada. Esse processo de autorregulação discente ou metacognição,
pela análise dos dados recorrentes nos discursos analisados, parece ter
representado o principal ganho da proposta.
153

Uma das questões dessa pesquisa diz respeito aos impactos causados no
espaço escolar analisado e em seus atores. Parece ser necessário enfatizar que
eles foram sutis, mas persistentes. E nessa sutileza foi transformando, pouco a
pouco, a prática. A inovação, deliberadamente proposta e perseguida, parece ter
mudado o olhar da escola sobre sua existência, sua base filosófica, seus marcos
referenciais. A princípio, de cima para baixo, mas, no decorrer dos acontecimentos,
tal proposta parece ter forçado várias outras mudanças da base para o topo,
desvelando o conteúdo político e carregado de intencionalidades das relações
hierárquicas. Representou impacto, pela análise dos dados, quando a pretensa
inovação mexeu com as concepções dos docentes envolvidos, fê-los repensar suas
práticas educacionais e expôs processos arraigados e obsoletos. Da mesma forma,
parece ter aberto meios melhores de protagonismo dos alunos.
Apesar das concepções teóricas que fundamentaram, epistemologicamente, a
inovação nos seus primeiros tempos não terem ganhado corpo de forma efetiva, a
tentativa de implementá-las parece ter aberto reais possibilidades de entendimento
do papel da gestão, da realidade da sala de aula, do papel do professor, do aluno e
de sua família. Parecem ter conseguido tirar do lugar oculto os planos de ensino e
os colocado em seu devido lugar, pela feitura e tantas releituras de seus objetivos e
melhora nas estratégias de aprendizagem. O retrocesso na prática avaliativa, aos
moldes tradicionais, na visão dos professores, parece estar no campo das
impossibilidades. E isso parece ter constituído um impacto da proposta sobre a
cultura curricular, por mais que ela não tenha sido mudada por inteiro.
Aquilo que foi possível efetivar na prática, somado a todas as outras
contribuições teóricas que foram surgindo no campo educacional, incluindo aquelas
que repensaram e ressignificaram as primeiras teorias sobre a prática formativa,
parecem ter mudado a escola. Na busca de implementação da referida proposta
inovadora a escola foi se vendo sob todos os ângulos. Por dentro, dissecou-se sob o
olhar da gestão, dos docentes, dos alunos; por fora, revelou-se ante o olhar das
famílias e da sociedade local. Exposta, desvelada, questionada, a escola, recuando
às vezes para avançar, pareceu buscar meios de construir seu próprio caminho.
Constituiu impacto da inovação na escola e em seus atores, quando, em
função da proposta inovadora, ela percebeu seus campos de fragilidade e de força,
e como instituição, hoje reticular, colaborou para a produção de seu próprio currículo
em movimento, corpo teórico que tenta abarcar as realidades escolares da rede de
154

colégios da qual faz parte a escola analisada, trazendo uma teoria própria, tecida
sobre a reflexão das práticas escolares, do planejamento, do trabalho pedagógico,
da avaliação e do ofício do aluno.
A escola, hoje, se insere na pós-modernidade, tempo marcado pelo
multiculturalismo, pelo conhecimento em rede, mas também por uma grande crise
de sentido. Tempo em que o suposto triunfo do capital, que parecia marcar o fim da
história, naqueles primeiros anos da gestação da proposta, dá sinais de
esgotamento nos múltiplos problemas ambientais, econômicos e humanos em
âmbito planetário, com ênfase nos grandes centros do sistema.
Quando o estudo se propôs a investigar o processo de implementação e pós-
implementação de uma proposta educacional inovadora na escola analisada, em um
período que abarcava quase duas décadas, havia a hipótese de que sua aplicação,
de acordo com as teorias vigentes, naquele momento, ainda em fase de ebulição,
não teria sido possível, tendo em vista, os impactos dessas mudanças nos sujeitos e
nos processos educacionais da referida realidade escolar.
A pesquisa investigou e confirmou tal impossibilidade da aplicação, pura e
simples, da referida teoria nas práticas escolares, desvelando as visões dos sujeitos
diretamente envolvidos com o processo de inovação. Entretanto, também conseguiu
vislumbrar as muitas possibilidades que se abriram para a escola analisada,
estimulada pelas mudanças internas gradativas e persistentes que foram ocorrendo
ao longo dos anos. Essas mudanças gradativas parecem ter impactado,
positivamente, a escola e seus agentes, pois implicou em mudança de mentalidade
sobre os processos educacionais, sobre o aluno e suas particularidades e sobre o
papel da escola na sociedade.
Novas questões, passíveis de análise, relacionadas ao tema dessa pesquisa,
certamente ainda se abrirão sobre essa e outras realidades escolares. Questões,
tais como: atribuições da escola e da família ao acompanhamento dos processos do
aluno; o processo formativo e os calendários escolares; tarefas de casa significativas
e processo formativo; a gestão da aula e o processo formativo; aula expositiva como
espaço de interações e de construção do conhecimento; construção do
conhecimento e sistematização dos processos; as novas tecnologias e o processo
formativo, dentre outras.
Certamente, os novos tempos e os novos cenários, que se configuram,
continuarão a exigir da escola o enfrentamento de grandes desafios. Para o bem dos
155

indivíduos e da sociedade como um todo, parece ser salutar que ela permaneça
pensando sobre si mesma. Em se tratando de questões de natureza educacional
parece haver sempre necessidade de novas investigações.
156

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APÊNDICE A

ENTREVISTA nº 1

Sujeito da pesquisa: Membro da gestão – Trabalha na escola desde a


implementação até hoje.

1. Considerando as fases gestacional de 92 a 96, da fase de implementação de 96


a 2000 e pós-implementação de 2000 a 2008. Fale um pouco sobre as principais
expectativas da gestão nesses respectivos momentos. O que a gestão esperava
com aquela nova proposta?
2. Naquele momento, havia alguma escola que já tinha tentando a proposta da
avaliação formativa?
3. Que entraves iniciais, percebidos no âmbito de sua gestão durante as
respectivas etapas de implementação do modelo? Considerando o núcleo dos
professores.
4. Fale um pouco sobre os impactos que a gestão percebeu em relação ao
impasse do ano 2000.
5. Que entraves iniciais, percebidos no âmbito de sua gestão durante as
respectivas etapas de implementação do modelo? Considerando o núcleo dos
professores.
6. Você acha que o projeto pedagógico, naquele momento, generalizou muito?
7. Como as famílias reagiram à proposta? Fale um pouco como isso foi se
acomodando ao longo do processo.
8. Você que as avaliações externas, isso pesou, de certa forma, nas expectativas
das famílias e mexeu com a escola?
9. Você que as avaliações externas, isso pesou, de certa forma, nas expectativas
das famílias e mexeu com a escola?
10. Considerando as mudanças, a partir de 2009, quando a menção foi mudada
para a nota qualificada, fale um pouco sobre as reações das famílias e como
isso vem se acomodando com o tempo.
163

ENTREVISTA nº 2

Sujeito da Pesquisa: Aluna que se desligou da escola após a


implementação da proposta.

1. Fale um pouco da percepção que você tinha da escola, no que se refere ao


processo de ensino, aprendizagem e avaliação, às vésperas de seu
desligamento.
2. No que se refere, especificamente, ao processo de acompanhamento de sua
aprendizagem, como se sentiu enquanto aqui estudou?Fale um pouco sobre
isso.
3. Há algumas habilidades que você adquiriu, enquanto estudava aqui, que lhe
ajudou em outros momentos de sua vida, incluindo em outras escolas?
4. Partindo do princípio que ao se desligar da escola, estivesse insatisfeita, você
conseguiu obter a resposta para sua insatisfação na escola para onde se dirigiu?
5. Fale de um ganho obtido com o processo de ensino-aprendizagem daqui, que
tenha, de alguma forma, lhe ajudado em outras situações de vida ou de escola.
6. Como a escola para onde você se dirigiu após o desligamento dessa instituição
tratava a questão do vestibular e do PAS?

ENTREVISTA nº 3

Sujeito da Pesquisa: Professora contratada por ocasião da


implementação que permanece na escola até hoje.

1. Qual o seu entendimento hoje sobre avaliação formativa?


2. Você considera que a formação continuada em serviço, sobre a avaliação
formativa, ministrada sobre o processo foi coerente com o que os professores
esperavam?
3. Qual é a sua opinião em relação às demissões do ano 2000? Do ponto de vista
do professor, você achou necessário? Você viu aquilo como um equívoco de
gestão? Ou como um acerto?
4. Você percebeu coerência dos processos na fase de implementação da proposta
formativa?
5. Fale um pouco, considerando inclusive, sua experiência de titularidade, sobre
suas impressões a respeito da receptividade das famílias ao processo de
avaliação da escola.
164

6. E sobre as mudanças mais recentes, como a da nota qualificada, quais impactos


você percebeu em seu trabalho em sala de aula?

ENTREVISTA nº 4

Sujeito da pesquisa: Aluna matriculada nos últimos 5 (cinco anos).

1. Fale um pouco da proposta de avaliação da escola de origem. Como era o


processo de avaliação?
2. Quando você entrou nessa escola, quais as dificuldades iniciais que enfrentou em
relação ao ensino e avaliação?
3. Você vê falhas no processo de avaliação e ensino dessa escola? Sim/não. Se vê
falhas, aponte-as.
4. Você percebeu ganhos em relação à sua aprendizagem com a proposta de ensino
e avaliação dessa escola?
5. No que se refere, especificamente, ao processo de acompanhamento de sua
aprendizagem, quais investimentos você considera importantes que a escola faça?

ENTREVISTA nº 5

Sujeito da pesquisa: Professora contratada no ano 2000, imediatamente


após as demissões de professores.

1. Fale um pouco das dificuldades que você enfrentou em relação ao processo de


avaliação da escola. Quais principais dificuldades que você enfrentou?

2. Qual a percepção que você teve do grupo de professores logo que entrou?

3. Fale um pouco de como as mudanças, de maneira geral, pelas quais passou a


escola, após sua entrada, ou seja, nesses últimos doze anos, interferiram em
seu trabalho em sala de aula.

4. No que se refere, especificamente, à implantação da nota qualificada, como


você vê a influência dessa mudança nos processos de sala de aula?
165

ENTREVISTA nº 6

Sujeito da pesquisa: Professor contratado nos últimos 5 (cinco) anos

1. Fale um pouco das suas impressões sobre a prática avaliativa da escola quando
foi contratado. Encontrou dificuldades. Sim/Não. Quais?
2. Você poderia falar um pouco de como as mudanças na estrutura física da
escola, iniciadas antes de você entrar e concluídas depois, interferiram nos
processos de ensino-aprendizagem?
3. Fale um pouco das dificuldades e ganhos apresentados em sala de aula com a
condução dos processos, considerando os novos perfis de aluno (conectados).
E também fale um pouco de como é o trabalho com os alunos portadores de
patologias (hiperatividade, TDA, TDH)
4. Como você percebeu as últimas mudanças no sistema avaliativo da escola? E
como titular de turma, como você percebeu a receptividade das famílias em
relação a isso?

ENTREVISTA nº 7

Sujeito da Entrevista: Representante da Gestão. Coordenador que


esteve à frente do 6º ao 9º ano durante todo o processo de implementação e
pós- implementação.

1. Quais eram, naquela época, as principais expectativas sobre o ponto de vista da


gestão, em relação à proposta construtivista sócio-interacionista, tendo como
foco a avaliação formativa?
2. Fale um pouco dos entraves iniciais percebidos durante as respectivas etapas
de implementação do modelo? Considerando o núcleo de professores.
3. Você vê o desligamento daquela quantidade de professores no ano 2000 como
um equivoco de gestão? Você acha que aquela quantidade de professores
sendo demitidos impactou de alguma forma no trabalho? Na proposta que
estava sendo implantada?
4. Como a gestão lidou com as diferentes leituras sobre o processo dentro do
grupo dos professores?
5. Como as famílias reagiram à proposta? Fale um pouco como isso foi se
acomodando ao longo do processo.
166

APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma


pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar
fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: Uma Proposta Inovadora de Avaliação: Limites, Desafios e


Perspectivas em uma escola do DF.
Pesquisador Responsável: Ilda Aparecida Xavier
Telefone para contato: 9122 - 2468/ 8238 - 7778/ 3443 - 2815/ 3442 - 9400

O objetivo dessa pesquisa é investigar uma proposta inovadora de avaliação


na escola em análise e de que, de alguma forma lhe diz respeito, durante o tempo
compreendido entre 1992 a 2012, incluindo as fases de gestação, implementação e
pós-implementação da referida proposta. Sua realização justifica-se pela
contribuição pretendida no campo educacional, interesse de todos, no que se refere
à aplicabilidade das teorias postas nas práticas escolares.
Para sua realização será usado gravador portátil e bloco de anotações, cujo
conteúdo será degravado e analisado posteriormente. Desde logo fica garantido o
sigilo das informações. As mesmas serão confidencias, e serão divulgadas, caso
haja solicitação, apenas em eventos ou publicações científicas, não havendo
identificação dos voluntários, a não ser entre os responsáveis pelo estudo, sendo
assegurado o sigilo sobre sua participação Sob nenhuma hipótese haverá prejuízo
de sua pessoa, caso recuse a participar ou queira se retirar a qualquer momento da
pesquisa.
167

 CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO

Eu,_________________________________, abaixo assinado, concordo em


participar do estudo _____________________________________________, como
sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido pelo pesquisador sobre a
pesquisa, sua relevância social e os procedimentos nela envolvidos. Foi-me
garantido o sigilo das informações e que posso retirar meu consentimento a
qualquer momento, sem que isto acarrete qualquer prejuízo à minha pessoa.

Brasília, _______/__________/________

Assinatura:______________________________________________________

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