Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
São Paulo
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2011
Nome: Bruna Giacomeli Maia.
Título: Crônicas de Carlos Heitor Cony: a intertextualidade como estratégia argumentativa
Aprovado em:
Prof.ª Dr.ª Ana Rosa Ferreira Dias Instituição: Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo
Ao meu noivo, por acreditar em minha dedicação aos estudos, por sua presença,
compreensão e carinho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que permitiu que mais uma etapa fosse alcançada em minha vida.
Chronicles are characterized for their language close to the social universe of the reader,
for the brevity of the day-by-day facts narrated from the writer’s point of view and the style
freedom with which the author expresses himself. This study shows the historical
background of literary genders and focuses chronicles on their argumentative aspect to
define the author’s points of view and raise reflexions about the regarded day-by-day
theme. From the research’s proposition – What’s the efficiency of the intertextuality in
Carlos Heitor Cony’s literary chronicles as a strategy to convince and argue with the
proficient reader? – the method used to answer this question is based in large compared
bibliographic research, studies about texts and Carlos Heitor Cony’s path as a writer and
detailed analysis of selected chronicles. The proposal of this study is to connect text
resources used in literary chronicles with emphasis in the intertextuality connect to
argumentativity. Moreover, this study isn’t restricted to theory because it establishes
comparison among theoric propositions and analysis of Carlos Heitor Cony’s selected
chronicles. Therefore, it’s possible to understand how obvious are the traces of orality, text
resources and stylistics based on Carlos Heitor Cony’s knowledge, life and work. It’s also
possible to understand how obvious are the intertexts socially shared to aim the proficient
readers’ complicity.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10
...........................................................................................................................................13
ARGUMENTATIVIDADE ...................................................................................................64
CONCLUSÃO ....................................................................................................................81
ANEXOS ............................................................................................................................85
INTRODUÇÃO
literárias.
proficiência escritora a ele associadas, à afinidade que temos com sua peculiaridade
extraídas da obra Crônicas para ler na escola (2009), focadas no leitor proficiente, já
que tal recurso tem na formação argumentativa para efetiva compreensão do leitor
proficiente.
bem como traçaremos um panorama geral sobre a vida e a obra de Carlos Heitor
avaliar as seis crônicas literárias de Carlos Heitor Cony a que nos propusemos no
11
CRÔNICAS DE CARLOS HEITOR CONY:
A intertextualidade como estratégia argumentativa
I – APRESENTAÇÃO DO CORPUS
A crônica, gênero textual característico pela informalidade da linguagem e
obra “Crônicas para ler na escola”, de Carlos Heitor Cony. São elas: “A bela e a
fera”, “A tecnologia e o grito de Eureca”, “Pranto para o homem que não sabia
Literatura Brasileira – Carlos Heitor Cony do Instituto Moreira Salles, das obras
12
1. CARLOS HEITOR CONY – VIDA E OBRAS DO NARRADOR-REPÓRTER
Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles (2001) e da obra Carlos Heitor Cony:
quase Cony, redigida por Cícero Sandroni (2003), nasceu em 14 de março de 1926
Filho e de Julieta de Moraes, era o terceiro entre os quatro irmãos. Aos quatro anos
de idade passou a morar em Niterói – RJ, local em que viveu por dois anos, pois se
ouvia que ali a vida era mais barata e o pai havia acabado de ficar desempregado.
A família de Cony acreditava que ele era mudo, porém aos cinco anos de
que levou com o barulho de um hidroavião que fez um voo rasante na praia de
fazia trocar consoantes, seus pais decidiram que o menino não frequentaria a
escola. Assim, aprendeu a ler e escrever em casa, com os pais. Tinha muitas trocas
fonéticas e era ironizado pelos colegas. Não frequentou escolas comuns até os
problema de fala – não conseguia pronunciar a maioria dos ditongos - , o que ocorre
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, curso este que não chega a
terminar.
13
Em 1947 Cony começa a trabalhar no Jornal do Brasil, cobrindo as férias de
seu pai. Ainda nesse ano tem sua primeira carteira de jornalista como redator da
depois, ele casa-se com Maria Zélia Machado Velho, a primeira de suas seis uniões
conjugais, com quem tem duas filhas: Regina Celi e Maria Verônica.
Rádio Jornal do Brasil. Em 1956 após ter escrito “O ventre” concorre ao Prêmio
verdade de cada dia” – romance que escreveu em apenas nove dias - e, no ano
consecutivas.
procedimento que não era comum na época. No próximo ano escreve “Informação
assina a coluna “Da arte de falar mal” – que recebe o título de um livro de crônicas
em 1963 com a reunião de seus artigos da coluna. No Correio da Manhã foi cronista,
redator e editor.
a escrever coluna no jornal Folha da Manhã, de São Paulo em 1963, revezando com
Cecília Meireles.
14
Em meio à revolução de 64 lança o livro de crônicas “O ato e o fato”, o
No ano de 65, Cony redige uma crônica atacando o Ato Institucional n.º 2, o
escrever uma novela que vai ao ar entre março e abril daquele ano. Após 37
capítulos, devido à censura, foi substituído por Oduvaldo Viana e, foi preso no
mesmo ano por participar de uma manifestação em frente ao Hotel Glória no Rio de
Janeiro. Esta foi a primeira de seis prisões do escritor por motivos políticos.
Em 1967, Cony lança seu oitavo romance, Pessach: a travessia. Vai a Cuba,
país em que reside por quase um ano, para ser júri do concurso promovido pela
Casa de las Américas. Seu romance “Matéria de memória” começa a ser adaptado
para o cinema, com o título “Um homem e a sua jaula” e tem o projeto concluído no
ano seguinte.
trabalhar nas revistas do Grupo Manchete. Publica "Sobre todas as coisas", volume
de contos, obra que seria reeditada em 1978 com o título "Babilônia!, Babilônia!".
pelo regime militar e fica detido quase um mês. Seu romance "Antes, o verão" é
"Pilatos".
15
Lança, em 1972, pela Bloch Editores, que passou a publicar seus textos de
seguinte nasce André Heitor, seu filho com Eleonora Ramos; falece D. Julieta, sua
mãe.
Cony tem “Pilatos” publicado em 1974 e afirma que jamais voltaria a escrever
ano dirige o documentário “JK, a voz da História”; casa-se com Beatriz Lazta, filha
Ernesto, pai de Carlos Heitor Cony, falece em 1985. Já, em 1989, estreia a
substituição a Otto Lara Resende, falecido no ano anterior. Em 1995 lança o décimo
S. Paulo e também passa a integrar o Conselho Editorial. Nesse mesmo ano recebe
o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, por toda a sua obra.
“Quase memória” ganha dois prêmios Jabuti – Melhor Romance e Livro do Ano –
Nestlé de Literatura.
16
No ano seguinte, Cony lança o romance “A casa do poeta trágico”, premiado
com dois Jabutis. Recebe em Paris a comenda da Ordre dês Arts et des Lettres no
grau de Chevalier. Participa da série "O escritor por ele mesmo", do Instituto Moreira
Poços de Caldas - MG, dentro da série "O escritor por ele mesmo". Também escreve
seu décimo quarto romance intitulado “O indigitado” escrito por encomenda pela
Editora Objetiva, inaugurando com ele a coleção “Cinco dedos de prosa”, lançado
em 2002.
Portugal e na Espanha. Além disso, teve obras adaptadas para o cinema, para o
teatro, livros e teses sobre sua vida e obras, entrevistas, dissertações, ensaios,
17
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. GÊNEROS LITERÁRIOS
1.1 Conceitos, panorama histórico e classificações
A utilização do termo “gênero literário ou textual” corriqueiramente presente
que são muitas as definições existentes atreladas ao léxico “gênero” e, além disso,
Para Stalloni (2001), o vocábulo “gênero” (do latim genus, generis) traz a ideia
para depois tornar-se “gênero humano”. Existiu um desvio semântico lexical que
definiu “gênero” como objetos ou seres com características comuns entre si.
estabelece a relação dos gêneros com a ordem – utilizada aqui de forma ambígua,
como o modo em que os textos estão organizados juntos e com a rigidez que supõe
18
Já a ideia de número refere-se à pluralidade dos gêneros literários, isto é,
etc.
“gênero”.
Muitos teóricos valorizam o gênero por sua inflexibilidade, por sua “pureza” quanto à
de seus conteúdos.
19
De acordo com Stalloni (2001), Aristóteles é o primeiro a debruçar-se sobre o
numa mimese (imitação) – que poderíamos transpor para a ideia de “gênero”. Assim,
semelhante a outro, então pertence à mesma categoria que ele, caso contrário,
20
gêneros literários. Havia a rebeldia romântica contraposta ao pensamento clássico,
Para Victor Hugo (apud Stalloni 2001), existiam três gêneros textuais: a ode, a
Brunetière defende a ideia de que uma diferenciação e uma evolução dos gêneros
Genette (apud Stalloni 2001) aponta que além dos gêneros existem os
restritas a uma época, que não se estende no tempo como algo ideal.
21
dramáticos podem ou não estar presentes em um texto, independentemente do
gênero.
De acordo com o mencionado autor, Frye insere outro gênero (a ficção) nas
Bakhtin (1953), por sua vez, expande a ideia de gêneros sob o enfoque
(...) os gêneros ditam o que dizer e como dizer por suas coerções, já
que são formas relativamente estáveis de enunciado, tanto em
relação ao conteúdo temático-figurativo quanto à estrutura textual e
ao estilo. Além disso, circulam em novos espaços e em novos
suportes. (p.17)
como a relação entre texto e leitor, surge a Pragmática, que abrange os atos de
22
textos (narrativo, argumentativo, descritivo, explicativo ou conversacional) e as
explicativo, conversacional).
considerando que
que se transformam em eruditas, como as sagas que viram epopeias, por exemplo.
Além disso, há a “dominante” que pode ser definida como o elemento focal de
uma obra de arte (...). É ela que garante a coerência da estrutura. Jakobson (apud
Stalloni 2001:33)
23
De acordo com o autor, Jakobson aproxima-se da tríade aristotélica ao
pode ser realizada de quatro modos distintos: por oposição entre a prosa e a poesia
(classificação que não considera os gêneros híbridos); por meio dos fatores
fonéticos, prosódicos e métricos; pelos traços estilísticos que resgatam a ideia dos
gêneros “elevados, médios ou baixos”; pelas regras técnicas que regem o teatro ou
a narrativa.
escrita, uma vez que existia a ideia de que a categorização por gêneros limitava os
O autor assinala que é uma árdua tarefa incluir em gêneros todas as criações
24
Para ele, quando uma forma literária desenvolve-se e torna-se um “gênero”,
surgem ramificações; destas, aparecem novas divisões e assim por diante. Nessa
mesma lógica, após várias fragmentações categóricas, cada obra seria única, o que
gêneros textuais.
A partir dos preceitos definidos pela historicidade e pelas recentes teorias dos
narrar.
apontamentos de Derrida.
25
Assim sendo, no capítulo de análise do corpus valer-nos-emos de tais
26
2. O GÊNERO CRÔNICA
2.1 O panorama histórico: a origem e a evolução da crônica
Pero Vaz de Caminha ao redigir a carta a D. Manuel a respeito da paisagem
brasileira inicia a estruturação do gênero crônica por meio de uma linguagem livre
na narrativa e afere suas próprias vivências aos fatos; dá origem, desta maneira, à
Para Tufano (2005), a partir de Pero Vaz de Caminha já é possível notar que
o próprio fato em si não é o mais relevante para o cronista, mas o que ele pode
compreensível.
nesse sentido que a crônica assemelha-se ao conto e torna-se também literária além
de puramente jornalística.
trovadores.
27
O primeiro jornal surgiu em Bremen, na Alemanha, em 1609 e, nos anos
mercantil. Mas a burguesia tinha que lutar em outras frentes e logo usou os jornais
censura. A mídia impressa perdeu suas forças e, nesta época, investia-se pouco na
impressão dos jornais; havia uma quantia limitada de pessoas que se dedicava à
redação das notícias e todo o material utilizado era provido com o auxílio dos
leitores.
notícia fosse o principal gênero veiculado nos jornais, com linguagem e estrutura
lineares.
28
No princípio dizia-se que folhetim era um artigo localizado no rodapé do jornal
Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Araripe Júnior, Raul Pompeia, entre
outros.
folheto, surgiu na França em 1790 e, com temática distinta dos textos jornalísticos,
disseminou-se por todo o país e depois por outros. Esse gênero caracterizava-se por
O cronista não se reduzia ao registro formal dos fatos, tratava o real com
A crônica foi praticada com maior intensidade nos jornais do Rio de Janeiro,
mas, segundo Sá (2008), não pode mais ser considerada um gênero exclusivamente
carioca, já que se espalhou por todo o Brasil. Só é “carioca” a vertente das crônicas
29
Segundo Soares (2007), as crônicas, no início da era cristã, eram
O gênero crônica atinge seu ápice após o século XII, época em que passa a
30
A crônica permeia diversas épocas por tratar do cotidiano coletivo de modo
crítico e irônico.
muitas vezes é produzido por encomenda para os jornais, nem sempre o tempo e a
produzidas previamente, o que nem sempre os cronistas têm tempo hábil a fazer.
no modo de produzi-las. Em geral, hoje elas são mais curtas devido ao ritmo célere
utilizada nas crônicas, uma vez que estão essencialmente atreladas à realidade.
social que retrata, como indica Costa (2007), recebe o nome de crônica literária,
31
2.2 Definições e características das crônicas
no século XIV e refere-se ao deus Cronos da mitologia grega que devora o que gera.
jornal.
(2000).
da realidade.
32
Por tratar-se de um gênero inicialmente jornalístico, a crônica acompanha a
uma série de fatos a partir do fato mais importante ou a partir daquele considerado
não narrados, uma vez que se atribui à narrativa o épico, o que é estritamente
sequencial.
33
A crônica permite, segundo Sá (2008), que o leitor crie empatia, encontre sua
própria história e seja “cúmplice” do narrador, por meio de metáforas com situações
ser coletivo), por sua vez, produza uma narrativa curta marcada pela simultaneidade
jornal, ser direta, sem muitas adjetivações, explorando a polissemia das palavras e o
silêncio do discurso.
Não são todos os assuntos que merecem uma crônica, uma vez que neste
tempo.
34
Coutinho (1997:121), complementarmente às características já expostas da
um lado, devido à comparação com gêneros tidos como “maiores” como romances,
faziam teóricos de décadas anteriores; por outro lado, remete à ideia de vínculo,
a crônica não é ‘um gênero maior’ (...) “Graças a Deus” – seria o caso
de dizer, porque sendo assim, ela fica perto de nós (...). Por meio dos
assuntos, da composição aparentemente solta, do ar de coisa sem
necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de
todo o dia. Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de
perto ao nosso modo de ser mais natural. Na sua despretensão,
humaniza; e esta humanização lhe permite, como compensação
sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade de
significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem
fazer dela uma inesperada, embora discreta, candidata à perfeição.
Uma das definições que tão bem demarca as crônicas, por meio de
35
Guardar-se em livro, mesmo feita para o jornal. Apresentar-se como
coloquial e até popular, e ser mesmo artística sem perder a
naturalidade. Ser o oral no escrito. O diálogo no monólogo. Fazer do
leitor, ator. Encerrar uma sábia lição, sem desviar-se do comum.
Pode fazer pensar em tom de brincadeira. Pode valer para sempre,
embora nascida do agora. Pode restar eterna, ainda que
circunstancial. Ser brasileira, sem deixar de existir fora. Pode ser um
texto de classe e permanecer como antologia. Pode fazer-se poesia e
estar escrita em prosa. Avizinhar-se do conto, sem deixar de ser
crônica. Pode até ser tema de tese, sem perder o popular.
depender da intencionalidade.
36
As crônicas têm um caráter de reflexão mais leve, despretensiosa, estão
vez que estes são vastamente empregados no cotidiano. Além disso, as “frases
texto.
37
[há] a frequência mais sensível de vocabulário comum, gírio mesmo,
frases feitas (provérbios, ditados, expressões idiomáticas populares),
sintaxe mais livre e solta, etc., dando conta de um verdadeiro e franco
diálogo autor/leitor.
Há, desse modo, a união entre o falado e o escrito, o popular e o literário, entre
intertextualidade implícita.
dos fatos pelo olhar do cronista. Para entender com propriedade essa capacidade de
38
subjetividade de quem escreve, tornando-se vulnerável a seus argumentos e
ainda que a pessoa tenha compreendido e ficado favorável aos argumentos alheios.
preciso ter um problema e uma tese que o responda; é fundamental ter “uma
linguagem comum” com o auditório (ou com os leitores, em nosso caso), além de um
contato positivo com ele; e, por último, faz-se imprescindível argumentar de forma
ética, verdadeira.
acerca da tipologia e pela linguagem próxima a deles, ainda que o léxico seja
interlocutores.
39
Para argumentar bem é necessário envolver o leitor inicialmente e, ao longo
do texto, desenvolver suas ideias para que o leitor seja convencido e persuadido,
valendo-se das teses de adesão inicial e da tese principal. O autor afirma que na
primeira técnica a tese de adesão inicial pode ser compatível ou incompatível com o
uma situação irônica), na definição (que pode ser lógica – definição que apresenta
palavras).
40
desperdício – que considera que algo começado deva ser feito até o fim para não
situação semelhante).
podemos lançar mão; é importante, por outro lado, de acordo com apontamentos
feitos por Abreu, considerarmos que existem argumentos falsos, porém com algum
crônicas pela razão e pela emoção, como nos demais textos que envolvem a
presença tem efeito redobrado sobre o auditório. Procure sempre agregar histórias
torna-os mais efetivos. Nas crônicas, esse tipo de recurso é trivial. Usam-se
41
remetermos um discurso ao auditório deve-se considerar a hierarquia de valores a
terminar uma frase com uma palavra e iniciar a próxima com a mesma palavra ) e de
42
pensamento (como a antítese – contraposição de palavras ou frase –, o paradoxo –
ideias.
Koch (1984:21-2):
dela, são feitas articulações entre enunciados, tornando o texto coerente e coeso.
43
não pode ser julgado já que é pautado em representações, enquanto o segundo tem
por base a suposição e pode, facilmente, ser contestado. Essas formas podem gerar
(apud Koch 1984), como a antecipação e o “suspense” que também podem ser
cronista.
proposto por Julia Kristeva como substituto de dialogismo, conceito lançado pelo
A partir desse princípio, é possível considerar que nada que é criado é uma
inovação por completo, uma vez que se pressupõe que parte de algo já elaborado
44
articula a ideia de “diálogo entre discursos”. Desse modo, a intertextualidade é o
E ainda sobre dialogismo, Bakhtin (apud Koch et al 2008) traz à baila que um
enunciado não existe nem pode ser compreendido isoladamente, uma vez que está
Assim, Proença Filho (2007) afere que o discurso literário envolve o diálogo
fazemos em que nosso pensamento, por meio de vivência de leituras anteriores, nos
remete a outra obra literária que de certa forma está conectada à primeira. A esse
45
Assim, se não há conexão com outros pensamentos, ou seja, se um texto não
46
Na categoria da intertextualidade stricto sensu, a intertextualidade temática é,
reconheça por si só e o ative em sua memória discursiva. Isso nem sempre ocorre,
pois o interlocutor precisa ter o texto-fonte como saber anterior. Como exemplos
47
Authier-Revuz (apud Cardoso 1999) subdivide a intertextualidade – por ela
interlocutor.
Ducrot (apud Koch 2008) aborda que em cada discurso existem ao menos
Ainda sobre détournements, Koch (2008:58) sintetiza que eles têm sempre
valor argumentativo, em grau maior ou menor. (...) com base no mesmo intertexto, é
48
Nesse caso, um gênero exerce a função de outro, possuindo configuração
híbrida a fim de propiciar os efeitos desejados – ironia, humor, crítica, entre outros.
gênero.
tipológicos específicos.
criatividade individual.
49
Ao estendermos os campos da intertextualidade, temos a “intertextualidade
Koch (2008) indica que, com relação às citações, existem três tipos de
(apud Koch 2008) trata-se de relacionar o texto em si com segmentos de texto que
compõem a obra, como título, subtítulo, prefácio, posfácio, notas marginais, finais ou
paratextos.
50
Já a arquitextualidade refere-se a categorias presentes no texto, como por
como intertextualidade, devido à relação dos elementos que não parecem compor a
concepção corrobora com a imagem de que todo dito tem muitos outros ditos por
considera que todos os discursos são “dialógicos” ao passo que dialogam com
tantos outros; ainda que se diga que determinado discurso é “monológico” ele não o
aquele dotado de discurso autoritário; mesmo que existam outras vozes por trás do
verdadeira.
Vogt,
Cardoso (1999) também compartilha desse pensamento, uma vez que aborda
que a introdução de citações de outros tem caráter ambíguo – pode servir para
que há pressuposição (ainda que haja um locutor único o que é dito é compartilhado
para expressar efeito irônico ou inverter valores. Mas o efeito irônico nem sempre
Ducrot (apud Cardoso 1999) revela que o discurso irônico sustenta o que não
Isso leva-nos a crer que os já-ditos são reiterados e utilizados nas produções
textuais ainda que não explícitos. Todavia, podem tomar novo sentido à medida que
por assim dizer, podem ser classificadas em: crônicas históricas, crônicas
53
originam-se as crônicas literárias – com teor crítico, de linguagem acessível e que se
função poética estão muito presentes nos textos sobrepondo-se às demais funções.
Isso não significa que nas crônicas literárias há perda dos aspectos originais, senão
não poderíamos considerar este um gênero híbrido. Há, portanto, nessa vertente, a
À luz das definições e das funções das crônicas literárias e das considerações
54
3. LEITURA DE CRÔNICAS: A TRÍADE ESCRITOR-LEITOR-TEXTO
diversas acepções. Amplamente, pode-se dizer que ler é atribuir sentidos – visão
também aborda a “leitura de mundo” e não apenas aquilo que está escrito. De forma
de alfabetização.
dos recursos usados pelo autor e até mesmo daquilo que corresponde à linguagem
garante que
seja o leitor real. Quando Cony escreve, por exemplo, uma crônica em sua coluna
semanal na Folha de S. Paulo, imagina que seu leitor conhece o gênero crônica,
De acordo com Freire (apud Koch 1984:160), o aluno [estende-se aqui a ideia
para o leitor] necessita ser preparado para tornar-se o sujeito do ato de ler.
precisa estar, a priori, informado sobre fatos cotidianos para interagir criticamente
com os textos. Além disso, é imprescindível notar que os sentidos implícitos são
marcados por sutileza e, por assim dizer, carregados de intencionalidade por parte
56
Ler não é simplesmente decodificar e, sim, compreender os múltiplos sentidos
possíveis presentes nos textos, captar as intenções do emissor e os recursos por ele
subentendidos no texto. A ação de ler não é marcada por imediatismo, cada vez que
leitor competente quando desvela sentidos do texto, é ativo e não se deixa ser
instrumental ou, por assim dizer, a leitura literal, mas aquela que suscita no leitor a
E, acrescenta que
57
contexto linguístico e compreensível é a atribuição de sentidos no viés do contexto
jornal, sabemos que as informações ali contidas são, em geral, decorrentes de fatos
cotidianos imediatos, ou seja, discorrem acerca de notícias pontuais. Por outro lado,
ao encontrarmos uma crônica em um livro, sabemos que por seu caráter literário
58
Se a mesma crônica veiculada no jornal situa-se no livro, faz-se necessário
efêmera.
indica que
(apud Fávero 2009), uma vez que os leitores – interlocutores virtuais – estão
a interpretabilidade.
carga emocional.
porém a crônica não deixa de ser uma modalidade escrita e, desse modo, tem
lirismo reflexivo que remete à visão do escritor acerca dos fatos. Ocasionalmente o
experiências pessoais, sobre sua família, sem se tornar intimista, já que utiliza tais
escritos; Cony, por sua vez, vale-se de situações domésticas corriqueiras como
pretexto para abordar outras temáticas. O escritor utiliza em suas crônicas temáticas
entre outros.
da realidade.
60
Para Andrade (2008) no que diz respeito à crônica de Cony, sua meta é
estilo para redigir crônicas no Correio da Manhã e o reflexo de seus escritos sob os
leitores que
Cony, na vida real, estava muito mais para o cronista moleque de “Da
arte de falar mal” do que para o homem que irritara os militares com
seus artigos políticos – ou para o autor de Pessach que deixara os
comunistas tiriricas. (p.18)
tem coisas que só seus amigos sabem e, além disso, afirma que Cony vive como se
61
dez minutos. Para escrever, sua referência básica é a memória. Ele faz revisões,
mas não costuma emendar novos trechos, o que é escrito “sai de primeira”.
Atualmente prefere escrever com o computador portátil nos joelhos, pois “sente a
criação mais íntima, parece que o texto sai das vísceras”. Acrescenta que muitos
reacionário.
Nem sempre a memória está explícita nas obras de Cony e, quanto a isso, o
autor considera que (...) ela [a memória] vem entranhada na ficção e no jornalismo,
O escritor e jornalista Zuenir Ventura (2001:26) reafirma o que fora dito por
Castro (2001):
Muitos são os Conys em um só. E não sei se alguém, a não ser ele,
conhece todos. Aliás, não sei nem se ele mesmo os conhece bem.
(...) Há o Cony que parece mas não é, e até o que ele se diz ser sem
de fato sê-lo totalmente. Por exemplo, desconfiem do autoproclamado
Cony pessimista e muito menos acreditem no Cony cínico. Ou
melhor, acreditem, mas considerem que é uma atitude filosófica,
moral, intelectual, uma visão de mundo que é desmentida a cada dia
por sua prática de vida.
62
Hohlfeldt (2001) aprecia que Cony é um escritor verdadeiramente profissional
e que seu estilo de escrita tem uma forte significação pessoal e social. Acrescenta
que o cronista tem seu modo próprio de ver o mundo, o que caracteriza outros
Sartre.
Assim, Carlos Heitor Cony expressa-se por meio de ironia, de forma direta,
em linguagem típica daquele que teve por influência grandes escritores e que,
paulatinamente, compôs o seu estilo pessoal. Ler Cony é ler o seu mundo, suas
percepções, suas inquietações e sua história, uma vez que não é possível
63
III – ANÁLISE DO CORPUS
do conteúdo da crônica, o leitor infere ou deduz sobre aquilo que está escrito com
duas delas que promovem a ativação de saberes que remetem a outros textos.
universo infantil, resgatado da memória popular pelos irmãos Grimm. A outra crônica
desde que tenha, logicamente, tal saber previamente – algo relativo à ilustre
exclamação de Arquimedes.
tais como a expressão popular brasileira tinha tudo do bom e do melhor, a gíria
ninguém enchia o saco dela, a frase denotativa era louco por guaraná, a marca oral
64
de encadeamento de ideias daí, a hipérbole vastamente utilizada no discurso
cotidiano matar a minha sede e a expressão introdutória ouvi dizer que. Da mesma
coisa, já disseram por aí, mais cedo ou mais tarde, sei lá, são meio furados, achei
um bocado difícil, sem mais nem menos, pelos 60 e tantos anos, goleiros catam
Na crônica “Pranto para o homem que não sabia chorar”, é possível destacar
algumas das marcas de oralidade como estas a seguir: um atestado de que o guri
não tinha jeito nem futuro, lambança, amigos do alheio, homem não chora, um filho
feito, o diabo é que ele não sabia, um mix de quebrações de caras, perdeu uma
legais e caretas, reconheço que esta é forte, mas que fazer?, o repertório é
quadrado mas vai fundo no osso, foi o chute inicial de sua carreira, nada mais é do
que, um repertório elástico, pode botar fogo numa casa, acaba como um fósforo
queimado. Assim como em “O Carnaval e o menino” – taí, aí pelos anos 30, grudei
adversários, exige cara de pau, dos meus descendentes até a milionésima geração,
que conte logo, não esquenta a cabeça, guenta as pontas, fique na sua, o que está
65
A crônica, por tratar-se de uma das modalidades do gênero narrativo, contém
elementos que em geral fazem parte desse gênero. Ateremo-nos a algumas destas
“O Carnaval e o menino” o foco narrativo é de primeira pessoa, uma vez que se trata
crônica “A história mais bonita” embora o autor posicione-se em primeira pessoa isto
[eu] disse no início – porém, ele não é participante ativo da história, conta a história
intruso, já que faz comentários sobre a vida das personagens, sobre os fatos e
cenário da narrativa.
aparece em contos.
e de lugar que revelam, neste caso, fatos cotidianos. Por exemplo, vejo pesquisa
feita durante as festas de fim de ano sobre a melhor banda existente no mundo e no
Brasil e (...) qualquer banda, esta ou aquela, das centenas que surgem todos os dias
66
As crônicas estudadas possuem superestruturas narrativas, descritivas e
Carnaval e o menino” para apontar que tipos distintos podem estar presentes em um
mesmo texto: Em casa, todos queriam saber se eu havia gostado do meu Carnaval
Carnaval a meu modo, interior, doído, véspera de Cinzas (descrição) e por que
botam caveiras nas ruas no Carnaval? – e eu não entendia o grande teatro da vida
aos intertextos.
1
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquimedes
67
descobriu o princípio da alavanca (“Dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio e
fluido sofre uma impulsão vertical, dirigido de baixo para cima, igual ao peso do
século III a.C., em que Hierão, o rei de Siracusa, havia encomendado uma coroa de
transbordava quando ele entrava na banheira e que poderia utilizar esse mesmo
Entusiamado com sua descoberta, saiu nu à rua gritando “Eureka!”, que significa
“encontrei!”. Então, na crônica, Cony utiliza tais conhecimentos prévios, como nos
trechos:
expressão popular “homem não chora”, que também aparece na canção composta
68
por Roberto Frejat que leva o mesmo título. A expressão2 é advinda de uma regra de
sobrevivência dos esquimós. Para enfrentar o frio rigoroso, eles evitavam correr,
pois o suor poderia congelar e causar hipotermia e, também evitavam chorar, já que
texto para a parte final da prece. Existem duas versões dessa oração no Novo
Na igreja primitiva a oração do Pai Nosso estava reservada para o momento mais
catolicismo, o Pai Nosso é visto como a oração perfeita, uma vez que foi a reza que
Ainda nessa crônica, há alusão à frase popular – não escrita literalmente pelo
autor – Quem nunca passou pela rua tal às cinco da tarde não sabe o que é a vida –
e sobre passagens bíblicas que se referem ao dom das lágrimas, intertextos que
2
Fonte: DUARTE, Marcelo. O guia dos curiosos – Língua Portuguesa. São Paulo: Panda Books, 2003.
3
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pai_Nosso
69
Tais passagens a que nos referimos estão transcritas a seguir, como na
crônica:
(...) Quem nunca tomou uma surra de vara de marmelo não pode
saber o que é a vida, de que ela é feita, de suas ciladas e enigmas.
Há aquela frase: “Quem nunca passou pela rua tal às cinco da tarde
não sabe o que é a vida”. A frase não é bem essa, mas o sentido é
esse. (p.39)
Tivera ele essa virtude, aquilo que os ascetas chamam de “dom das
lágrimas!” José, vendido por seus irmãos ao faraó do Egito, tornou-se
poderoso e um dia recebeu os irmãos que o procuraram para matar a
fome, os irmãos não o reconheceram. José perguntou-lhes sobre o
pai e retirou-se a um canto para chorar. (...) Jesus chorou quando
soube da morte de Lázaro e o ressuscitou. A lágrima é um dom (...)
(p.41-2)
Chico Buarque, “A banda”, que se inicia com a estrofe Estava à toa na vida/ o meu
amor me chamou/ pra ver a banda passar/ cantando coisas de amor. Essa canção
Popular Brasileira, de 1966, com esta música, interpretada por Nara Leão.
4
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_Buarque
5
Fonte: http://expressaompb.blogspot.com/2008/01/centenrio-de-mrio-reis.html
70
Cony já dedicou uma crônica “Cadê Mário” (Folha de S. Paulo, 3 de janeiro de 2007)
crônica:
No grande teatro da vida/ vão levar mais uma vez/ a revista colossal:/
Pierrô, Arlequim, Colombina/ vão a preços populares/ repetir o
Carnaval. (p.111)
cantiga de roda “Ciranda, cirandinha” (...Diga um verso bem bonito/ diga adeus/ e
pelo Arcanjo Gabriel à Virgem Maria, que seria fecundada pelo Espírito Santo para
dar à luz ao Filho de Deus e, em consentimento diz Eis aqui a serva do Senhor.
Se alguém conhece história mais bonita, que conte logo, diga adeus e
vá se embora. (p.153)
6
Fonte: http://letras.terra.com.br/carlos-jose/1787749/
7
Fonte: Lc 1,26-38
71
(...) Mais tarde, os pintores da Renascença encheriam o mundo com
aquela cena banal, a moça com o seio de fora, amamentando a
criança, o homem à distância, cuidando que os inimigos não se
aproximassem. (p.154)
argumentativa.
permeada por belos devaneios, entre eles imaginar que se pode habitar um palácio
como o da Bela e da Fera ou sonhar com torneiras que jorrem guaraná gelado. No
reflexos “às avessas” para sua vida e, pela retorsão indica que apesar de aterrorizá-
Além disso, faz analogias entre o palácio dos sonhos e a internet e entre abrir
novo argumento pondera que o que lhe é oferecido pela internet não é o que deseja.
72
Conclusivamente, o narrador argumenta que o futuro da internet é promissor,
contudo o que lhe será oferecido, provavelmente, será o que não é seu mérito.
Nessa crônica, há intertextualidade stricto sensu implícita, uma vez que existe
menção ao conto infantil, porém não possui nenhum trecho do original na íntegra.
Embora seja dito tratar-se de uma história infantil e mais adiante mencionarem-se
oposição com a vida adulta. A imagem da puerícia envolveu todo o texto e a partir
cumplicidade do leitor.
tecnológico, muito ainda precisa ser criado e o será, pois as invenções humanas são
contínuas.
humano no nascimento para registrar tudo o que for feito na vida, inclusive
denunciar as mentiras.
utilidade, porém anseia que não venha em breve, opondo-se, assim, a tal ideia por
73
meio de retorsão. Pausa a argumentatividade e usa o recurso narrativo de flash-
back, que consiste em voltar no tempo para retratar um episódio de sua infância –
de graxa – insere a ideia das invenções (criação de alavanca lateral para abrir latas)
Por meio do conectivo mesmo assim retoma que há muito a ser inventado e
ridículo, aponta que essa inovação servirá até para o que não temos vontade –
almoçar ou jantar na Groenlândia. Ainda pelo uso desse recurso, indica a ideia de
Por analogia e para reforçar tal ideia, cita Paulo Francis e a questão do
uma solução “meio-termo” com o argumento pragmático – entre ter ou não ter
tenha tido essa ideia enquanto tomava banho, não sairá nu pelas ruas como
Aristóteles.
74
conhecimentos prévios do leitor sobre esse inventor e utilizando-o como modelo e,
e feixes de varas de marmelo, que os pais compravam para dar surra nos filhos.
Nesse texto é utilizada uma frase intertextual de origem popular, que o autor
assume não ser reproduzida literalmente – Quem nunca passou pela rua tal às cinco
da tarde não sabe o que é a vida – mas que mantém o sentido pretendido.
para garantir a boa conduta dos filhos, os pais dispunham de artifícios como dar
seja, usou as tintas do pai sem permissão, foi surrado com vara de marmelo e,
consequentemente, chorou.
crônica e também como o estopim para afirmar ao protagonista que ele não deveria
chorar, isto também está baseado em valores do auditório (ou dos leitores), uma vez
pragmático, ele queria tornar-se homem, portanto não lhe era permitido chorar; se
chorasse, não seria homem. Assim, a partir desse argumento, o narrador relata
75
chorou na infância e na vida adulta, bem como cerca de 200 mil homens “não-
dúvida – não podia ou não sabia chorar? – após comprovação (vale-se de situações
Lourdes que o livraria de todo o mal), nota que, de fato, não sabia chorar. Por meio
de argumento de definição, aponta que tanto o choro como o samba são atividades
ridículo, julga que muitos choram errado, “misturando motivos”, assim como seu
irmão. Pela retorsão, indica que os que choram, inclusive seu irmão, têm a virtude
próprio narrador cita o asceticismo, que é uma filosofia de vida que se abstém dos
bíblicas. Segundo as Escrituras Sagradas, pelo dom das lágrimas, Deus cura o
o dom das lágrimas, o que leva o leitor a crer que chorar é uma virtude divina e que
8
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ascetismo_(filosofia)
9
Fonte: MENDES, Márcio. O Dom das Lágrimas. – Editora Canção Nova: São Paulo, 2007.
76
A intertextualidade nessa crônica é, em três dos casos citados, stricto sensu
explícita, pois o autor vale-se da forma marcada por aspas para sinalizar àquele que
filhos deviam apanhar para ter boa conduta (Quem nunca passou pela rua tal às
cinco da tarde não sabe o que é a vida), para formular nova tese de que homem não
chora, para reafirmar que o narrador não sabia chorar, (mesmo quando perdeu a
unanimidade nas festas de fim de ano sobre a melhor banda do Brasil e do mundo,
uma vez que existe diversidade de preferências. O narrador conta que não conhecia
a maioria das bandas citadas como as melhores e, por meio do argumento quase
lógico do ridículo, ironiza assegurando que não era citada a única banda que
conhecia, a Banda dos Fuzileiros Navais. Ele comenta sobre as bandas militares e
os repertórios que perpassa por várias épocas. Desse modo, relembra “A banda”, de
77
menção ao nome do compositor e da canção, também menciona um trecho da
música (Que nada mais é do que uma homenagem às bandas que passavam e
fósforo ou traz consequências, mas depois acaba como fósforo queimado. E, conclui
Carnaval, por meio do argumento de definição afirma tudo o que o narrador já havia
feito nessa época. Resgata a época de sua infância e indica que se fantasiou de
morcego, após ter sua fantasia de chinês arruinada por seu irmão, que assim como
ele, também estava descontente com sua vestimenta. Ao retornar para casa, depois
repertório das rádios, à fantasia de seu pai e do deslumbre de sua mãe pela festa,
78
carnavalescos. Há, nesse momento, intertextualidade com mais uma marchinha da
alegria que deveria ser propiciada no Carnaval e o desgosto que tinha em participar
daquela festa fantasiado daquela maneira, com a mesma máscara de morcego que
Nessa crônica, os trechos das marchas populares são sinalizados com aspas
sensu explícitos. Nesse caso, a ambientação foi marcada pelo resgate de tais
Maria (intertexto).
Primeiro o anjo aparece em sonho a José e depois à Maria para afirmar que
homem mais velho. E, após contestação do anjo, Maria consente e responde com
não o fez e, com o nascimento da criança, protege o bebê e a mãe, já que Herodes
79
verbal, em que são mencionadas as pinturas que retratavam aquele cenário
sagrado. Para finalizar a crônica, o narrador retoma o trecho inicial dizendo que se
80
CONCLUSÃO
Por meio desse estudo foi possível notar que a crônica, em especial a crônica
por ditos populares, quadrinhas infantis, trechos bíblicos, frases feitas, entre outros.
tais crônicas foi fundamental para entrelaçar teoria e prática textual com o intuito de
81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
83
URBANO, Hudinilson. Recursos fraseológicos populares em crônicas. In: Preti, Dino
(org.). Oralidade em textos escritos. – São Paulo: Humanitas, 2009 (Projetos
Paralelos, 10).
VIARO, Mário Eduardo. Por trás das palavras: manual de etimologia do português. –
São Paulo: Globo, 2004.
84
ANEXOS
Fera, evidente que sem a Fera. Tinha tudo do bom e do melhor naquele palácio. As
silencio, ninguém enchia o saco dela, a Fera providenciava tudo e ainda fazia o favor
guaraná no meu copo. Eu era louco por guaraná, ficava triste quando tomava um,
confinado numa garrafa banal, que mal dava para encher um copo.
Queria mais, e muito, daí que sonhava com torneiras em todas as paredes,
tontear de prazer.
A injúria do tempo, somada ao desgaste dos anos, sepultou o delírio, mas fui
fiel a ele, não tive outros pela vida afora. Esqueci a Bela e a Fera, o Palácio
sucedâneo, bem verdade que às avessas: a internet. Ela não me deslumbra como
os contos de Grimm e Perrault, pelo contrário, me aterroriza, mas tem alguma coisa
de encantado. Toda vez que abro a caixa postal, é como se abrisse a torneirinha
Não recebo o guaraná mágico para matar minha sede e me tontear de prazer.
tamanho do pênis, oferecem-me terrenos que não quero comprar e viagens que não
85
pretendo fazer. Vez ou outra, pinga uma gota de afeto – mal dá para encher o copo
e embromar a sede.
Ouvi dizer que a internet está na Idade da Pedra, mais um pouco ela poderá
me dar mais e melhor. Um dia abrirei o computador e terei o guaraná que não
mereço.
CONY, Carlos Heitor. Crônicas para ler na escola. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 – p.29-30.
86
ANEXO B – A tecnologia e o grito de Eureca
Bons tempos os que vivemos, em que tudo tem prazo de validade e tudo
pode ser descartável. Meu pai herdara uma máquina fotográfica do meu avô, foi com
mesmo equipamento, que era chamado de “caixote”. Ainda tenho fotos tiradas por
aquela ancestral das atuais câmeras digitais, que duram o espaço daquelas rosas
de Malherbe.
ser inventada, e fatalmente o será; já disseram por aí que tudo o que o homem
pensa mais cedo ou mais tarde pode ser realizado materialmente. A viagem à Lua, o
submarino, aquele termômetro dentro do peito do peru para apitar na hora em que
estiver pronto – são muitas as invenções do engenho humano, desde a roda dos
Evidente que faltam muitas coisas, como um bom detector de mentiras para
para não irmos àquela missa de sétimo dia aos depoimentos prestados nas CPIs do
de operar e de interpretar. O sujeito fica amarrado por fios e por eletrodos que
registram batimentos cardíacos, pressão sanguínea, dilatação das pupilas, sei lá,
de seu corpo um chip de duração ilimitada que registrará imagem e som de tudo o
que ele fizer na vida – ou o que os outros fizerem com ele. O assassinado terá
registrado o seu assassino, o ladrão gravará forçadamente o seu roubo, não haverá
87
espaço para a mentira, o falso testemunho, o perjúrio. A esposa infiel não poderá
negar o adultério – bons tempos virão, mas espero que não venham já.
Da minha parte, já confessei que fiquei pasmo com uma das invenções do
engraxar os sapatos, era quase uma exigência de higiene corporal andar de sapatos
com elas em algum lugar duro, ficavam amassadas e aí mesmo é que se recusavam
a abrir.
Até que um gênio, maior do que Leonardo, maior do que Edison, inventou
uma pequena alavanca lateral na parte de cima da lata. Se Arquimedes garantiu que
abriu, mais do que uma lata de graxa, o território mágico da tecnologia moderna.
Mesmo assim, desconfio que falta muita coisa a ser inventada. Tenho um
amigo que garante a facilidade com que podemos viajar sem avião, trem, carro ou a
pé. Aproveitando a rotação do nosso planeta, uma almanjarra qualquer que ainda
será criada nos elevará a uma certa altura, e lá de cima esperaremos que a Terra
gire até o ponto onde queremos saltar. Posso sair daqui da Lagoa ao meio-dia e
meia e almoçar na Groenlândia à uma da tarde, sem esforço, sem apertões e por
baixo custo. O problema é que – Deus é testemunha – não tenho nenhum interesse
Tive um amigo, professor e crítico de arte que, depois dos 50 anos, escreveu
88
gravidade seria reduzida para 50%. Aos 60, a redução seria 10% maior. E assim, se
o cara insistisse mesmo em viver, aos 100 anos teria gravidade zero, como os
Ele conversou comigo, mas não me convenceu. Achei um bocado difícil abolir
a gravidade assim, sem mais nem menos, embora apreciasse o benefício resultante.
O Paulo Francis, por exemplo, que andava pelos 60 e tantos anos, reclamava que
Daí que estou pensando numa solução de meio-termo, acredito que mais
Uma luva na mão esquerda com um elemento metálico e, dentro de cada sabonete,
outro elemento metálico. Poderíamos esfregar nosso corpo de alto a baixo, suas
A posteridade ainda me fará justiça por ter tido esta ideia que me veio durante
o banho de ontem. O citado Arquimedes ali de cima também teve ideias enquanto
tomava banho e saiu nu pelas ruas de Atenas gritando eureca! Eureca! Prometo não
fazer isso.
CONY, Carlos Heitor. Crônicas para ler na escola. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 – p.33-5.
89
ANEXO C – Pranto para o homem que não sabia chorar
chegavam a vender galinhas em pé, quer dizer, vivas, mas eram poucas, pois todas
quitandas mais sortidas tinham à porta, bem visíveis aos passantes, um feixe de
varas de marmelo.
Para que serviam? Fica difícil explicar, mas serviam para os pais comprarem
uma delas e a guardarem em casa, num lugar à mão e bem visível aos filhos. Quem
nunca tomou uma surra de vara de marmelo não pode saber o que é a vida, de que
ela é feita, de suas ciladas e enigmas. Há aquela frase: “Quem nunca passou pela
rua tal às cinco da tarde não sabe o que é vida”. A frase não é bem essa, mas o
sentido é esse.
Uma surra de vara de marmelo era o recurso mais eficaz para colocar a prole
recurso capital de ameaçar o filho com um colégio interno da época: Caraça! Ir para
condenação ao inferno, um atestado de que o guri não tinha jeito nem futuro.
Houve a tarde em que o irmão mais velho fez uma lambança com uma das
tintas que o pai comprara para pintar a casa de Segredo, o cachorro que era solto à
noite para evitar que os amigos do alheio pulassem para o quintal e roubassem as
jornais usavam para se referir aos ladrões de qualquer coisa, inclusive de galinhas.
Pois o irmão foi surrado com vara de marmelo e chorou. O pai então proferiu
90
Em surras seguintes e sucessivas, com a mesma vara de marmelo (ela nunca
se quebrava, por mais violenta que tivesse sido a surra anterior), o irmão tinha o
direito de gritar, de urrar, de grunhir como um leitão na hora em que entra na faca,
Por isso, mesmo sem nunca ter tomado uma surra daquelas, ele sabia que
um homem não pode chorar, nem mesmo quando açoitado por vara de marmelo. O
vizinho do Lins, que tinha um filho considerado perdido, percebendo que a vara de
marmelo era ineficaz como um remédio com data de validade vencida, adotou uma
tira de borracha que servira de pneu a um velocípede desativado. Tal como a vara
de marmelo, era maleável, mas inquebrantável, deixava lanhos nas pernas do filho –
que mais tarde chegaria a ser capitão de mar e guerra, medalhado não em guerra
Homem não chora e, por isso, ele decidiu que seria um homem e jamais
choraria. O irmão, sim, era um bezerro desmamado, chorava à toa, nem precisava
arsênico.
chora, ele chorou quando o Brasil perdeu para o Uruguai no final da Copa do Mundo
de 1950. Não era homem. Atrás do gol, viu quando Gighia chutou e o estádio
da humanidade, 200 mil pessoas que não eram homens, chorando sem vergonha de
Ele não podia ou não sabia chorar? Essa era a questão. Volta e meia forçava
a barra, lembrava as coisas tristes que lhe aconteceram, o dia em que o pai o
91
colocou de castigo, atribuindo-lhe a quebra de uma moringa. A perda da medalhinha
de Nossa Senhora de Lourdes que a madrinha lhe dera, uma medalhinha de ouro
que, segundo a madrinha, o livraria de todo o mal, amém. Não chorou nem mesmo
quando, naquela primeira noite após a morte de sua mãe, ele se sentiu sozinho na
Daí lhe veio a certeza. Poder chorar até que podia. O diabo é que ele não
sabia mesmo chorar. Chorar é como o samba que não se aprende na escola: ou se
nasce sabendo, ou nunca se sabe. Bem verdade que ele desconfiou que os outros
chorassem errado, misturando motivos. Por exemplo: o irmão, que era um Ph.D. na
Quando perdeu uma bolada num cassino de Montevidéu, foi para o quarto do
hotel, bebeu meia garrafa de uísque e, tarde da noite, telefonou dizendo que,
passados quarenta e tantos anos, ainda estava chorando pela morte de Segredo.
Tivera ele essa virtude, aquilo que os ascetas chamam de “dom das
lágrimas!” José, vendido por seus irmãos ao faraó do Egito, tornou-se poderoso e
um dia recebeu os irmãos que o procuraram para matar a fome. Os irmãos não o
Depois, sim, deu-se a conhecer e matou a fome dos irmãos que o venderam.
um dom, e ele não mereceu esse dom nem mesmo quando Débora foi embora de
CONY, Carlos Heitor. Crônicas para ler na escola. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 – p.39-42.
92
ANEXO D – Bandas & bandas
Vejo pesquisa feita durante as festas de fim de ano sobre a melhor banda
existente no mundo e no Brasil. Praticamente não houve duas opiniões iguais. Caras
legais e caretas, gente pobre, gente rica, todos tinham preferências em bases
citadas. Mas me admirei que ninguém citasse a única banda que é banda
incontestavelmente, a Banda dos Fuzileiros Navais (reconheço que esta é forte, mas
que fazer?).
tocados.
Inclusive “A banda”, do Chico Buarque, que foi o chute inicial de sua carreira.
Que nada mais é do que uma homenagem às bandas que passavam e havia alguém
funciona como um fósforo que se risca, ilumina por um momento, pode até transmitir
sua chama a uma vela mais duradoura, e de uma vela acender outras, milhares de
Na alternativa, um fósforo aceso pode botar fogo numa casa, numa rua, numa
cidade. Mas depois acaba como um fósforo queimado – uma das metáforas mais
93
Qualquer banda, esta ou aquela, das centenas que surgem todos os dias e
em todas as partes, cumpre sua função de fósforo, vale enquanto está acesa,
CONY, Carlos Heitor. Crônicas para ler na escola. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 – p.63-4.
94
ANEXO E – O Carnaval e o menino
“No grande teatro da vida/ vão levar mais uma vez/ a revista colossal:/ Pierrô,
jeito de Mário Reis em antecipada bossa nova, aí pelos anos 30, eu era menino e
Até que fui – e não apenas durante o Carnaval. Grudei na cara várias
máscaras, várias caras – e se não obtive pode e glória, ao menos sobrevivi quieto e
no meu canto, fazendo um tipo de Carnaval a meu modo, interior, doído, véspera de
Cinzas.
seminário (segundo as santas regras de Santo Afonso Maria de Ligório) até o retiro
forçado na cela da Polícia Especial, ali mesmo na rua Barão de Mesquita, onde a
profissão é áspera e exige cara de pau, não raras vezes pau na cara. Tudo bem.
cuja atração principal era o chapéu de cartolina, em feitio de chapéu chinês mesmo.
Tomaram meu silêncio como aprovação, nem quiseram saber minha opinião.
Suei frio ao me imaginar com aquele chapéu, mas aí o meu irmão virou a mesa (ele
ia sair de reles marinheiro americano, não era bem uma fantasia, mas um quebra-
95
Não havia tempo para a fabricação de outro artefato elaborado como aquele.
Meu pai deu-lhe alguns safanões por conta do chapéu e de outras patifarias
Minha mãe foi ao armarinho, comprou pano preto, a horrível máscara preta
assim passei e passeei os três dias que chamavam de folia pelas ruas desertas e
cheias de sol de Paquetá, dando susto nas crianças que conhecia e evitando
aquelas que não conhecia, podiam ser mais fortes do que eu e aí o sovado seria eu,
perguntando-me sem resposta: quem foi o cretino que inventou essas coisas?
Respondia que sim, não queria complicar a vida dos outros, bastava a minha própria
Mário Reis, Chico Alves, Orlando Silva, Sílvio Caldas estavam em todas, o grande
teatro da vida, o pierrô, o arlequim, a colombina a preços populares – meu pai não
achava os preços tão populares assim, pagava os tubos para entrar nos bailes,
clube da rua Figueira de Melo –, minha mãe não se fantasiava mas achava tudo
bonito, e numa madrugada ela me acordou e pegou pela mão, me levou até a ponte
rancho que voltava do Rio, os fogos de bengala ainda vivos e azulados iluminando
96
as espumas que vinham morrer na praia dos Tamoios, as lanternas de vidro colorido
rancho renascia de seu cansaço e se arrastava uma vez mais na marcha-hino que
louva e eterniza a ilha, “Paquetá é um céu profundo/ que começa neste mundo/ mas
não sabe onde acabar”, o ritmo lento, e aquelas luzes que ficavam mais tristes e
mais vivas dentro da madrugada, longe o faroleiro do Xeréu apagava seu facho
papelão e cola, suada já, e eu sozinho, eu-morcego, batendo as ruas cheias de sol,
meninos de Paquetá, e sentia frio na espinha quando esbarrava com uma caveira,
de camisola branca e encardida, a cruz preta nas costas, devia ser um garoto igual a
mim, mas nunca se sabe, e esta dúvida me perseguia a tarde inteira, por que botam
alvaiade, o branco rosto banhado de luar, o luar de Paquetá, céu profundo que
começa neste mundo e não sabe onde acabar. Quando tirava a máscara, ela estava
molhada de suor. Um suor tão salgado e tão meu que parecia lágrima.
CONY, Carlos Heitor. Crônicas para ler na escola. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 – p.111-3.
97
ANEXO F – A história mais bonita
Se alguém conhece história mais bonita, que conte logo, diga adeus e vá se
embora. A que eu conheço é antiga e faz hoje, mais ou menos, dois mil anos. Um
homem humilde, noivo de uma jovem mais moça do que ele, sonha com um anjo
que o avisa:
– Olhe, não esquenta a cabeça mas sua noiva vai ter um filho. Guenta as
pontas, você não tem nada a ver com isso, fique na sua e deixe o resto por nossa
conta.
– Mas como? Estou prometida a um homem mais velho e ainda sou virgem!
– Fique na sua – diz o anjo –, você não entenderá o que está acontecendo
A menina-moça responde:
pelo carpinteiro José), ele nem comenta o fato com a mulher. Nove meses depois,
numa gruta, cercados por um boi e um burro, nasce a criança. Ele protege a mulher
98
Não tem uma ideia precisa do que está acontecendo com ele e com aquilo
que poderia chamar de “sua família”. Cumpre, sempre em silêncio, uma ordem
Como disse no início, quem conhecer história mais bonita conte logo, diga
adeus e vá se embora.
CONY, Carlos Heitor. Crônicas para ler na escola. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 – p.153-4.
99