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REVISITANDO A CONSTRUÇÃO DE

DEMONSTRAÇÕES: A ARTE E
ELEGÂNCIA MATEMÁTICA NA
GEOMETRIA DA ESCOLA

Daniela Mendes
Abel Lozano
Fabio Menezes
Marcele Câmara
Priscila Petito
Distribuição Gratuita

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TÍTULO:

REVISITANDO A CONSTRUÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES: A ARTE E ELEGÂNCIA


MATEMÁTICA NA GEOMETRIA DA ESCOLA

APOIO:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
Faculdade de Formação de Professores - FFP
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado Do Rio de Janeiro – FAPERJ

AUTORES:
Daniela Mendes Vieira da Silva
Abel Rodolfo Garcia Lozano
Fabio Menezes
Marcele Câmara de Souza
Priscila Cardoso Petito

CAPA:
Abel Rodolfo Garcia Lozano
Marcele Câmara de Souza

PREFÁCIO:
Ion Moutinho

Este livro é parte do desenvolvimento colaborativo dos projetos de pesquisa em Aprendizagem e Ensino de
Matemática (GPAEM-FFP) e de Matemática Discreta, Estruturas Algébricas e Sistemas Dinâmicos, ambos da
Faculdade de Formação de Professores da UERJ e ligado à iniciativa apoiada pela Faperj, do projeto
Instrumentalização do Laboratório de Aprendizagem de Matemática e Física do Colégio Estadual Walter Orlandine
e sua replicação em malas itinerantes sustentáveis.

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CONSELHO EDITORIAL

Corpo representativo dos Departamentos para a composição da Plenária de Deliberações das


atividades, fluxo de produção e todas as demais iniciativas referentes às atividades editoriais.

EDITORA EXECUTIVA
Flavia de Oliveira Barreto

EDITORA ASSISTENTE
Shirley de Souza Gomes Carreira

COMISSÃO EDITORIAL
Tatiana Galieta, Ricardo Tadeu Santori, Vania Finholdt Leite, Cátia Antônia da Silva, João
Marçal Bodê de Moraes, Norma Sueli Rosa Lima, Daniela Mendes Vieira da Silva, Abel Garcia
Lozano.

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Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida
sem a autorização da Editora.
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Prefácio
A qualidade de uma afirmação depende da qualidade de sua justificativa. A
Matemática é conhecida por suas afirmações irrefutáveis, justificadas por meio de
argumentos elaborados e extremamente criteriosos, as provas matemáticas. Porém,
uma prova em Matemática não tem somente o papel de garantir a veracidade de
enunciados. Ela ainda pode ter o papel de comunicar tal veracidade e muitas vezes
de contribuir para a própria compreensão do fato, e até de ajudar na sua aplicação,
entre outros. Vou explorar melhor essas informações com alguns exemplos.
Provavelmente uma das provas mais divulgadas é a que garante que a raiz
quadrada de 2, √2, não é um número racional. Inclusive, a apresentação dessa prova
mudou rumos da Matemática, na época, em torno de 530 a. C., pois implicou na
negação de um fato que era tido como evidente e abalou as bases das doutrinas da
escola pitagórica.
Uma prova de que √2 não é um número racional é bastante acessível, a ideia é a
seguinte. Se √2 = p/q, onde p e q representam números inteiros, sendo q diferente de
0, podemos elevar os dois membros da equação ao quadrado: 2 = p 2/q2, donde 2q2 =
p2. Se fatoramos p e q em números primos, teremos de um lado da equação um
número ímpar de números primos e do outro lado um número par de números primos
(por causa da potência 2 em p e q). Essa diferença na fatoração de um mesmo número
está em contradição com o Teorema Fundamental da Aritmética sobre fatoração de
números inteiros por números primos. Dessa forma, não é possível escrever √2 como
um número racional.
Essa prova, ou versões parecidas, vem sendo utilizada há séculos para comunicar
que √2 é um número irracional. Mas também serve para expandir conhecimentos
sobre o assunto, serve, por exemplo, para aprender que √3 também é um número
irracional. De fato, a prova que acabamos de ver pode ser imediatamente adaptada
3
para √3 no lugar de √2. E serve para muitos outros casos, como √6 e √2. Só que, aí,
3
algumas pequenas adaptações serão necessárias. Por exemplo, no caso de √2 é
preciso elevar ao cubo em vez de ao quadrado, mas a inconsistência envolvendo um
membro da igualdade com um número par de fatores primos e o outro com um número
ímpar de fatores primos continua.

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A prova de que √2 não é um número racional continua sendo útil. Mesmo não
servindo para casos de números como √2 + √3, pode ser inspiração para uma nova
linha de argumentos. A ideia de tratar com quadrados, no lugar da própria expressão
√2, pode inspirar no tratamento da expressão (√2 + √3)2 = p2/q2, que leva a igualdade
2 + 2√6 + 3 = p2/q2, donde √6 = (p2/q2 – 5)/2. Como (p2/q2 – 5)/2 representa um número
racional, concluímos que √6 é um número racional, uma contradição, o que nos
permite concluir que √2 + √3 é, sim, um número irracional.
Acabei de ilustrar, de forma muito breve, como uma prova feita para validar e
comunicar um fato matemático pode progredir para um conhecimento útil para
situações mais gerais e para uma oportunidade de utilização e desenvolvimento de
conhecimentos já estudados.
Parece ser senso comum que quem estuda Matemática, em geral, deve
compreender provas. Às vezes ainda se espera que o estudante saiba provar.
Contudo, também existem questionamentos sobre a necessidade desse
conhecimento. De fato, o conhecimento e aprendizagem de provas matemáticas é
assunto de interesse e preocupação no processo de ensino-aprendizagem-avaliação
matemática e em pesquisas na área de Educação Matemática. As perspectivas e
conhecimentos sobre o tema podem variar bastante. Podemos pensar sobre as
estratégias de ensino de provas, na apresentação dos diversos métodos de prova já
desenvolvidos para a justificativa de fatos matemáticos. Podemos estudar e pesquisar
sobre as características de aprendizagem demonstradas por alunos durante aulas
sobre provas matemáticas. E podemos discutir sobre objetivos de avaliação para esse
tema. Provas matemáticas e educação matemática do estudante é um tema rico de
estudo e com inúmeros desdobramentos.
Em uma linha de pesquisa, as provas ou, mais geralmente, as justificativas fazem
parte do conceito conhecido como raciocínio matemático. É comum associar o
raciocínio matemático ao raciocínio dedutivo, aquele que está relacionado com os
métodos de prova matemática, a Lógica e a linguagem formal da área. Mas o conceito
de raciocínio matemático pode ser mais amplo e considerar o raciocínio abdutivo,
aquele relacionado com a formulação de conjecturas, e o indutivo, que diz respeito à
generalização a partir da observação de casos particulares. Os raciocínios abdutivo e
indutivo não pertencem ao mundo das provas matemáticas, mas podem ser parte do
processo de desenvolvimento do raciocínio matemático que prepare um educando

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para a compreensão e capacidade de criação de provas matemáticas. Ainda se
considera, nesse processo, o trabalho com justificativas informais, onde se raciocina
de forma dedutiva, mas com menos rigor que o esperado pelos matemáticos.
Conhecer sobre os diferentes raciocínios praticados em Matemática pode ser
estratégico para o estudo das provas matemáticas. Por exemplo, é possível verificar
em pesquisas sobre livros didáticos que esses tendem a praticar e promover o
raciocínio indutivo. Porém fazem isso de maneira bastante questionável, normalmente
apresentando dois ou mesmo somente um exemplo como motivação para introduzir
determinada propriedade matemática. Práticas assim podem, eventualmente, se
justificar por uma intenção de se desenvolver o raciocínio matemático com a atenção
momentânea para o raciocínio indutivo e com o objetivo de se evitar obstáculos de
aprendizagem. Mas, não parece ser o que vemos de modo geral. O que pode
acontecer é encontrarmos práticas de ensino que simplesmente evitam o problema
de se ensinar o raciocínio dedutivo. Ao contrário do que esse quadro possa
representar, podemos encontrar pesquisas e até documentos norteadores que
orientam que estudantes de Matemática devam ser capazes de distinguir entre os
diferentes tipos de raciocínio matemático.
É neste momento, tendo em mente questões relacionadas à aprendizagem de
provas matemáticas como as que busquei apresentar aqui, que introduzo o leitor à
presente obra. Trata-se de um trabalho comprometido com a explicação das provas,
ou demonstrações, matemáticas e elaborado de maneira bastante original e
adequada. Além de apresentar informações matemáticas a respeito do tema de forma
muito ampla e com grande riqueza de detalhes, os autores se utilizam de referenciais
teóricos da Educação Matemática para a condução do texto. Isso significa, conforme
o leitor poderá conferir em breve, que temos em mãos um texto escrito com
intencionalidade didática e matemática. Isso é muito importante. Diria que é, sim,
fundamental. Vou desenvolver esse ponto.
Encontramos nesta obra a estratégia bastante esperta de se desenvolver
argumentos com o uso concomitante de dois registros de representação semiótica.
Ela é fundamentada na teoria de Raymond Duval para os registros de representação
semiótica e é baseada na ideia de que a conceituação matemática só será atingida
satisfatoriamente quando o indivíduo conseguir mobilizar e identificar as diversas
representações semióticas reconhecendo-as como pertencentes a um mesmo objeto
matemático. Assim, encontramos um texto que não é só explicativo, mas que tem

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grande potencial de promover uma compreensão das provas e uma aprendizagem
significativas de conceitos matemáticos. E esse potencial didático é aumentado com
o trabalho de visualização que também é desenvolvido: no sentido de produção de
uma representação semiótica que exibe a organização das relações entre unidades
figurais de representação – ainda de acordo com a teoria de Raymond Duval.
Além de terem elaborado um texto com atenção para as funções cognitivas mais
adequadas para a aprendizagem de Matemática, os autores ainda forneceram um
meio para que elas fossem devidamente estimuladas e que praticamente que tornou
esta uma obra interativa, pois disponibilizaram duas ferramentas que possibilitam o
leitor vivenciar quase tudo que é narrado e explicado, quase como se fosse uma
explicação de forma síncrona. Estou falando do programa GeoGebra e da inteligência
artificial Chat GPT. A todo momento os autores disponibilizam links para o leitor que
direcionam para construções feitas no GeoGebra que favorecem a compreensão da
prova que está sendo estudada. E a ideia de incluir o Chat GPT nas discussões foi
ótima. Eu mesmo tenho utilizado essa inteligência para organizar meus materiais
didáticos e meus planos de aula. E incentivo meus alunos a fazerem o mesmo. Com
relação à interação com o Chat GPT, é preciso ter muito cuidado, pois essa
inteligência ainda comete muitos erros. Mas, curiosamente, isso não deve ser visto
como um problema ou mesmo uma falha. Eu, por exemplo, já tive ótimas experiências
tentando educar o Chat GPT. Sim, é possível ensinar o Chat GPT. E esta obra explora
esse aspecto também. Vale a pena conferir e conhecer mais sobre essa nova
ferramenta didática.
Tentei apontar aqui algumas características que me chamaram mais atenção e
que podem ser fundamentais para algumas questões que procurei abordar na primeira
parte do prefácio. Quero dizer que precisamos ter em mente que aprender a ler e
entender provas matemáticas é uma tarefa difícil. Aprender a desenvolver e escrever
provas matemática é ainda mais difícil. Uma estratégia é praticar o ato de conjecturar,
de generalizar e de estruturar as informações envolvidas. É desenvolver os raciocínios
abdutivo, indutivo e dedutivo (informal e formal). O leitor vai encontrar nesta obra um
texto escrito com intencionalidade didática e matemática própria para se alcançar
esses objetivos. Um exemplo que vale a pena comentar agora é quando vemos a
utilização de construções feitas no GeoGebra como meio de estudar uma prova ou
um conceito envolvido na prova. A exploração de uma configuração no GeoGebra é
na verdade uma maneira de gerar muitos exemplos, o que possibilita o

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reconhecimento de relações e a observação de regras gerais. Essa é uma estratégia
interessante para se desenvolver o raciocínio abdutivo e indutivo, certamente superior
à prática de mostrar um ou dois exemplos e então generalizar, conforme expliquei
anteriormente.
Um texto sobre provas matemáticas é naturalmente de interesse para os
estudantes de Matemática e para interessados em estudar ou conhecer mais sobre
Matemática. Na verdade, nem sempre curiosos sobre a Matemática encontram textos
acessíveis para eles, mas esse não é o caso aqui. Mais ainda, devido aos referenciais
teóricos utilizados e à experiência dos autores como educadores pesquisadores,
indico esse texto para professores que ensinam matemática como um texto que
também contribui para o conhecimento especializado do professor de Matemática, isto
é, que considera também o conhecimento pedagógico de conteúdos matemáticos. E
vejo mais um tipo de público que pode se beneficiar deste livro, os professores
formadores de professores de Matemática. Nossos cursos de licenciatura em
Matemática, e seus professores, precisam de materiais didáticos próprios para a
formação de professores.
No mais, só posso dizer para o leitor aproveitar a leitura de seu novo livro certo de
que encontrará um texto convidativo, onde os autores conversam com você o tempo
todo, sempre com uma linguagem informal e descontraída, mas que formaliza e
explica muito bem todos os conceitos matemáticos utilizados.

Teresópolis, setembro de 2023.


Ion Moutinho

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SUMÁRIO
Prefácio ...................................................................................................................... 1
Começando a nossa conversa..................................................................................8
Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras ........................................................................ 12
A semelhança de triângulos é a base de tudo .................................................................. 14

Chegando à famosa fórmula ............................................................................................ 17

Referências - links mencionados ...................................................................................... 24

Capítulo 2 - Lei dos senos ...................................................................................... 25


Em busca de um seno usando ângulo inscrito ................................................................. 25

O conceito de ângulo inscrito ataca novamente ............................................................... 27

Referências - links mencionados ...................................................................................... 29

Capítulo 3 - Lei dos cossenos ................................................................................ 30


Em busca de triângulos retângulos .................................................................................. 30

Da sopa de letrinhas sai a lei buscada ............................................................................. 32

Referências - links mencionados ...................................................................................... 34

Capítulo 4 - Potência de um ponto (caso 1) .......................................................... 35


Criando triângulos... ......................................................................................................... 36

Circunferência e ângulos inscritos, que surpresa! ............................................................ 37

Lados homólogos são proporcionais ................................................................................ 38

Referência - link mencionado ........................................................................................... 40

Capítulo 5 - Potência de um ponto (caso 2) .......................................................... 41


Em busca de triângulos semelhantes ............................................................................... 42

Referência - link mencionado ........................................................................................... 45

Capítulo 6 - Potência de um ponto (caso 3) .......................................................... 46


Intencionalidades ............................................................................................................. 46

Em busca de triângulos semelhantes ............................................................................... 47

Agora é só correr para o abraço ....................................................................................... 50

Referências - links mencionados ...................................................................................... 51

Capítulo 7 - Teorema de Ceva…………………………………………………………..52


Enunciando ...................................................................................................................... 52

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Traçando caminhos .......................................................................................................... 54

Usando áreas para chegar ao que queremos................................................................... 55

É pau, é pedra, é o fim do caminho... ............................................................................... 58

Referências - links mencionados ...................................................................................... 61

Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na


escola………………………………………………………………………………………..62
O Princípio de Cavalieri é o pulo do gato ......................................................................... 62

Volumes do prisma, da pirâmide e do cone ...................................................................... 64

Uma anticlepsidra e o volume da esfera........................................................................... 69

Referências - links mencionados ...................................................................................... 76

Capítulo 9 - Área da superfície da esfera……………………………………………..77


Preparando o terreno ....................................................................................................... 77

O pulo do gato.................................................................................................................. 78

Aplicação interativa .......................................................................................................... 78

Referência - link mencionado ........................................................................................... 80

Capítulo 10 - Seno de 30º é ½…………………………………………………………..81


Discutindo intencionalidades ............................................................................................ 81

Iniciando a nossa demonstração ...................................................................................... 82

Expandindo ...................................................................................................................... 84

Para ampliar horizontes ................................................................................................... 84

Referências -links mencionados .........................................................................................86

Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo.................87


Epílogo: promessa é dívida....................................................................................99
Grafos bipartidos .............................................................................................................. 99

Representação do dodecaedro no plano ........................................................................ 100

A figura da capa ............................................................................................................. 101

Respostas………………………..………………………………………………….……103

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Começando a nossa conversa |8

COMEÇANDO A NOSSA CONVERSA

Querido leitor, querida leitora, queride leitore, este livro foi pensado para você que
se interessa ou que, por circunstâncias da vida (por exemplo, uma prova chegando),
decidiu enveredar pelo intrigante universo das demonstrações matemáticas. Criamos
aqui um companheiro que irá lhe contar seus bastidores, explicar as intencionalidades
de seus criadores, de forma amigável e bem-humorada, para lhe auxiliar nesta
temática. Nossa intenção é auxiliar o entendimento deste universo, tanto para aqueles
que têm na Matemática sua atividade fim, quanto para quem a tem como um meio.

Adiantamos que aqui você não irá encontrar passos “pulados” em uma
demonstração – porque seria “fácil” ver –, ou meias palavras na explicação de um
determinado passo em uma prova. Tudo aqui será explicado em bom português
traduzindo o matematiquês, passo a passo. Também privilegiamos, em nosso texto,
o uso de, ao menos, dois suportes semióticos, para facilitar a compreensão dos
objetos matemáticos abordados, o fazemos inspirados na Teoria dos Registros de
Representação Semiótica de Duval1.

A Matemática se consolidou ao longo da história da humanidade como ciência. E,


como toda ciência, tem seus próprios métodos e meios de validação interna. No caso
da Matemática que chamamos de pura – cabe ressaltar que toda sua estrutura foi,
antes de tudo, criada a partir de problemáticas socialmente situadas no tempo e
espaço –, o método hoje (que nem sempre foi assim e que, provavelmente, nem
sempre será), é sustentado pela estrutura de um sistema axiomático. Aqui, também
vamos ilustrar, de modo breve, como funciona este método, mas não sem antes
destacar que utilizamos, neste livro, os conceitos atuais de rigor matemático.

O Coletivo Gertiano, no livro “Reflexões sobre o conhecimento científico”, da


Editora Appris, na página 98, explicita este fato, logo no início do capítulo que trata
da objetividade na construção de um fato científico, da seguinte maneira:

[...] na Matemática, veremos que o correspondente à objetividade é a


verdade, não a do senso comum, mas uma verdade transitória dentro de um

1Tratamos desta teoria no artigo disponível no link:


https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/28/a-curiosidade-como-motor-do-aprendizado-
reflexoes-a-partir-da-elaboracao-de-uma-maquete-honesta

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Começando a nossa conversa |9

contexto. Para alcançá-la, veremos o papel dos modelos como peça-chave


dentro de um conjunto de axiomas em um determinado nível de rigor, o qual
também muda com o tempo. (COLETIVO GERTIANO, 2019, p.98)2.

Nesse sentido, de início, queremos dizer que os primeiros elementos do sistema


axiomático são os chamados conceitos primitivos. Entendamos essa ideia.
Suponha que uma pessoa inicie um exercício usando um dicionário, começando com
a consulta a uma palavra específica. Em seguida, ela consulta todas as palavras
envolvidas na definição dessa palavra e repete o processo com todas as palavras
recém-consultadas. Acontece que essa pessoa, inevitavelmente, irá voltar a uma
palavra que já tenha visto antes, uma vez que o número de palavras é finito. Assim,
para evitar esse ciclo vicioso em Matemática, usamos os conceitos primitivos para os
quais não atribuímos definição sobre o que são, mas descrevemos a forma como eles
se relacionam com os demais objetos matemáticos. Desta forma, ao chegar a esse
conceito primitivo, rompemos o ciclo.

Por exemplo, ponto e reta são conceitos primitivos da geometria e dizemos que
por dois pontos passa uma única reta, ou que duas retas têm um único ponto em
comum, mas não definimos o que é ponto e o que é reta – aqui é um exemplo de
como as ressignificações são essenciais para entendermos o desenvolvimento da
matemática enquanto ciência, visto que antes do século XIX tais conceitos (ponto e
reta) eram vistos como definições. Veja que essa mudança de rigor foi vantajosa, pois
permite a cada pessoa que for fazer uso da geometria, interpretar o ponto e a reta do
modo que lhe convenha. Deste modo, um ponto para um físico pode ser uma partícula
e a reta sua trajetória e, para um biólogo, o ponto pode ser usado para se referir a um
local específico ou uma estrutura bem definida em um organismo ou tecido, e uma
reta pode se referir a uma trajetória seguida por um organismo durante um movimento
ou migração.

A partir de algumas ideias e conceitos primitivos, dentre os elementos do sistema


axiomático, temos os axiomas – que dão o nome a esta estrutura. Os axiomas, de
certa forma, têm o mesmo papel que os conceitos primitivos, mas para fazermos
afirmações ou proposições. Veja como a noção de axioma nos ajuda. Como a
Matemática é uma ciência, carece de provas de seus fatos matemáticos. Daí, que,

2 COLETIVO GERTIANO. Reflexões sobre o conhecimento científico. Curitiba: Appris, 2019.

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Começando a nossa conversa | 10

para provar toda e qualquer afirmação que a gente faz em Matemática, temos que
usar outras confirmações que, por sua vez, teríamos que provar. Esse processo não
teria fim, caindo no caso do ciclo. Para evitar isso, em algum momento, tomamos
alguma afirmação como sendo verdadeira sem a necessidade de prová-la, aquela
que está dentro de um consenso de experimentações óbvias. Tais afirmações são os
axiomas. São as hipóteses iniciais nas quais a ciência Matemática se baseia para
deduzir outros fatos matemáticos e iniciar uma construção logicamente estruturada
de enunciados de verdades matemáticas.

Claro que nem tudo pode ser tomado como axioma, ou criaríamos algo caótico,
mas esse é assunto para outro livro. O mais importante aqui é que os axiomas são
obtidos a partir da observação direta do objeto matemático em pesquisa, lembrando
que os objetos de pesquisa da Matemática podem ser muito abstratos como, por
exemplo, os números inteiros ou os polinômios. Apesar dessa abstração, a
objetividade dos axiomas permanece intacta. Contudo, é essencial destacar que este
livro não tem o objetivo de discutir com profundidade as ideias filosóficas subjacentes.

Os outros integrantes do sistema axiomático são os conceitos não-primitivos como


as definições, que são ajustadas a cada criação ou descoberta matemática ao longo
do tempo, e os teoremas, que são afirmações provadas a partir dos axiomas e
conceitos primitivos. Aqui, demarcamos uma diferença de métodos e processos
presentes na Matemática que, talvez, não vemos em algumas outras ciências. Veja,
uma experiência Matemática per se serve para criar uma conjectura, mas não é uma
prova ou constatação, como nas ciências empíricas onde a experimentação é
fundamental e confirma fatos. Para ilustrar isso, imaginemos a seguinte função:

P(x) = (x−1)(x−2)(x−3)…(x−100000000000000000)

E veja a afirmação: “P(x) ela se anula para todos os números naturais”. Uma
pessoa poderia, então, testar inúmeras vezes a afirmação e até tentar com um
programa de computador, porém, se escolher números naturais para os testes em
que a função se anula (o que é bem provável pois 100000000000000000 é um
número muito grande), concluiria erradamente que a afirmação é verdadeira.
Sabemos isso porque na escolha de valores de x de 100000000000000001 em
diante, P(x) não se anula – pode testar, se quiser. Assim, na Matemática de hoje, a
prova analítica é imprescindível.

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Começando a nossa conversa | 11

Bem, neste livro, apresentaremos algumas demonstrações clássicas da


Geometria Euclidiana e buscamos imergir o leitor nesse mundo, tendo como princípio
não tomar como evidente o que outros livros colocam (os passos da demonstração).
Escolhemos esta Geometria por ser uma área da Matemática escolar,
frequentemente, negligenciada em suas demonstrações, apesar de,
paradoxalmente, ser uma das primeiras áreas sustentadas numa estrutura
axiomatizada. Cada capítulo foi cuidadosamente elaborado para permitir a
exploração, independente, pelo leitor, adequando-se a demandas específicas. E,
ainda, o livro traz mais beleza e elegância com a compreensão da lógica desenvolvida
a partir da sua leitura completa.

O texto é inspirado numa série de reflexões/ações3 e discussões sobre as


intencionalidades nas demonstrações matemáticas, desenvolvidas no contexto do
projeto de extensão chamado Laboratório de Ensino de Matemática da Faculdade de
Formação de Professores da UERJ itinerante e de baixo custo. Os autores desta obra
são professores que integram esse projeto, aprovado para execução nos anos de
2022 e 2023.

Ressaltamos que, no transcorrer desta obra, sem perda na compreensão da


linguagem matemática usual e na direção de trazer o argumento conversado para
uma discussão de ideias, escreveremos simplesmente BC para denotar o segmento
𝐵𝐵𝐵𝐵, assim como também escreveremos ângulo AOB para nos referirmos a 𝐴𝐴Ô𝐵𝐵.

Boa leitura!

3 Sítio eletrônico: https://lemffpuerj.blogspot.com/

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 12

Teorema de Pitágoras

Precisamos começar trazendo à tona os mais recentes questionamentos sobre


personagens históricos da Matemática. Atualmente, diversos historiadores
matemáticos, como Tatiana Roque em seu livro “História da Matemática: Uma visão
crítica, desfazendo mitos e lendas” de 2012, a partir da releitura de documentos
primitivos, indicam que o famoso teorema “de Pitágoras”, no que tange à sua
compreensão geométrica na relação entre os lados de um triângulo retângulo parece
não ter sido estudado em sua escola. Mais ainda, analisando comentaristas das obras
antigas que a Antiguidade tardia nos deu, atribui-se a Proclus, que viveu entre o
século IV e V da Era Comum (que chamam normalmente de D.C.), uma síntese das
ideias de Eudemo, matemático que viveu entre os séculos IV e III a.E.C. (antes da
Era Comum) e já havia registrado a pureza do pensamento da escola pitagórica, com
a personificação desses feitos a um homem, Pitágoras.

Assim como Tatiana Roque, outros historiadores se permitem duvidar da


existência de um matemático de nome Pitágoras, devido à escassez de fontes e as
intencionalidades de Proclus em afirmar seu platonismo a qualquer custo. O que se
tem de fato é a existência de uma escola pitagórica que contribuiu e muito para o
desenvolvimento do pensamento abstrato, visto que, a partir de seus números
figurados4 – aritmética dos pontinhos –, os pitagóricos foram os primeiros a olhar
para os números a fim de teorizar sobre eles, ainda que não os separassem do mundo
físico. Nessa esteira de conhecimentos, permitiu as relações entre números e
grandezas nos triângulos retângulos, que hoje chamamos de Teorema de Pitágoras.
E, mais importante do que os nomes, pretendemos destrinchar algumas
“informações” que, normalmente, ficam encobertas quando tal teorema é ensinado
das escolas.

4 Os números figurados dos pitagóricos eram compostos por uma multiplicidade de pontos que não se
limitavam a entidades matemáticas abstratas, mas sim evocavam elementos discretos reais: pequenas
pedras organizadas em configurações específicas. Para conhecer melhor essa história,
recomendamos a leitura do livro “Tópicos de História da Matemática” de autoria de Tatiana Roque e
João Bosco Pitombeira, páginas 54 a 58, da Coleção PROFMAT. A própria professora Tatiana Roque
fala sobre isso no vídeo https://www.youtube.com/watch?v=cjfX1w3rctQ. Vale muito a pena assistir!

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 13

Começar a discutir as intencionalidades de uma prova matemática por esse que


é, provavelmente, o teorema mais decorado nas escolas brasileiras é emblemático.
Aqui buscamos problematizar o que é amplamente memorizado e, muitas vezes
desprovido de significados. Não está em nossas preocupações, no entanto, trazer
aplicações práticas deste teorema, dizer que ele é usado aqui ou ali na vida cotidiana.
Na verdade, há objetos na Matemática que só servem a ela, e nem por isso eles
deixam de ser interessantes.

Muitas vezes, forçar a contextualização a todo custo leva a situações, no mínimo,


inusitadas, do tipo: “fulano tem 60 melões para dividir com...” ou “beltrano girou uma
moeda 1024 vezes...”. A nossa intenção aqui neste capítulo é explorar o Teorema de
Pitágoras que, sim, tem muitas aplicações práticas, mas o faremos dentro da própria
Matemática em um texto leve, de forma problematizada, e que esperamos que seja
interessante a você, leitor(a), demonstrando/provando porque ele é verdadeiro e
discutindo as escolhas que são feitas no percurso demonstrativo.

Mas o que é uma prova em Matemática? O coletivo Gertiano [1] nos traz na página
43, no livro “Reflexões sobre o conhecimento científico”, publicado em 2019, uma
ponderação a respeito.

Nos Elementos de Euclides, a verdade pode ser provada, uma herança à


matemática: o poder da prova. É o que sustenta um teorema: sua “força” está
estritamente ligada ao rigor de sua prova. Esse é um tipo de “discurso”
fechado em si mesmo, em que a busca de determinação da verdade cabe
ao próprio propositor. Isso se sustenta até o momento do surgimento de um
debate, em que não há espaço para duas verdades sobre a mesma
proposição. É o instante em que se apresenta uma das técnicas mais
comuns da retórica: a desqualificação do argumento concorrente. (Coletivo
Gertiano, 2019, p.43)5.

Você sabia que o Teorema de Pitágoras é uma relação métrica no triângulo


retângulo, e que podemos deduzir sua fórmula usando semelhança de triângulos?
Nesta abordagem vamos chegar a ela em poucos passos, com o apoio do aplicativo
que elaboramos e deixamos disponível em [2]. Entendendo que a semelhança de
triângulos possibilita atingir até o famoso Teorema de Pitágoras, podemos mostrar
aos nossos estudantes que, através da semelhança, podemos obter a relação métrica

5 COLETIVO GERTIANO. Reflexões sobre o conhecimento científico. Curitiba: Appris, 2019.

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 14

no triângulo retângulo que quisermos. E isso pode ser feito de maneira processual,
sem decoreba, o que é mais importante.

Demonstrar, assertivamente, um Teorema é fundamental para que


compreendamos os conceitos que o sustentam. Compreender, e não decorar, deve
ser sempre o nosso norte quando falamos de aprendizagem de Matemática. Numa
tentativa de ajudar na aprendizagem, neste capítulo, as ilustrações do
desenvolvimento da prova virão sempre em dupla, sendo que apenas uma das
imagens corresponde ao texto. Isto foi pensado para auxiliar você, leitor(a), a
estabelecer uma conexão entre texto e imagem, estimulando o uso destes dois
suportes semióticos aos objetos matemáticos aqui em foco, e para evitar o
direcionamento automático às figuras, deixando o texto em segundo plano, e vice-
versa.

A SEMELHANÇA DE TRIÂNGULOS É A BASE DE TUDO

Vamos iniciar aqui com um triângulo ABC, retângulo em A (Figura 1.1A ou Figura
1.1B). Convidamos você a decidir qual dessas duas figuras correspondem ao texto.
Consegue justificar sua escolha?

Figura 1.1A: Elaborada a partir de [2]

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 15

Figura 1.1B: Elaborada a partir de [3]

Agora, vamos traçar a altura deste triângulo ABC, partindo de A, QUE É RETO. A
partir daí, temos dois novos triângulos, ABD e ADC. Vamos marcar também, em
vermelho e azul, os ângulos agudos congruentes destes dois triângulos, e vamos
manter em verde os ângulos retos envolvidos. Seguimos te convidando a decidir, e
justificar, qual dessas duas figuras é correspondente ao que está descrito (Figura 1.2A
ou Figura 1.2B).

Figura 1.2A: Elaborada a partir de [2]

Figura 1.2B: Elaborada a partir de [3]

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 16

Estes triângulos ABD e ADC são semelhantes a ABC, pelo caso AA (ângulo-
ângulo). Vamos colocá-los juntos, e com os lados homólogos na mesma posição,
como na Figura 1.3A ou Figura 1.3B, de acordo com a sua análise a respeito de qual
se adequa ao texto proposto. Este é o ponto alto desta demonstração.

Figura 1.3A: Elaborada a partir de [2]

Figura 1.3B: Elaborada a partir de [3]

Ah! Você conseguiu perceber, ao longo da nossa conversa, que as figuras que
retratam o que descrevemos são sempre as produzidas a partir de [2]?

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 17

CHEGANDO À FAMOSA FÓRMULA

Agora, tendo em mente que a = m+n e que queremos chegar a a² = b²+c², vamos
direto aos lados homólogos que nos interessam:

b/n = a/b, que resulta em b² = an (I) (já conseguimos o nosso b²)

c/m = a/c, que resulta em c² = am (II) (já conseguimos o nosso c²)

Queremos também uma adição de b²+c² que seja igual a a², vamos então somar
I e II:

b²+c² = an+am

Colocando a em evidência no membro da direita da equação, temos:

b²+c² = a(n+m)

Como a = m+n, como já havíamos alertado, reescrevemos:

b²+c² = a.a

E chegamos à conhecida fórmula:

a² = b²+c².

CQD6.

Convidamos você, leitor(a), a explorar essa fórmula que acabamos de demonstrar


no aplicativo, disponível em [4], cuja ilustração está na Figura 1.4.

6 CQD é uma abreviação que vem do francês e é usada no fim de algumas demonstrações
matemáticas para indicar que o objetivo da prova foi alcançado com sucesso. Essa abreviação
representa a pronúncia das três últimas letras da expressão francesa "Ce qu'il fallait démontrer", que
significa "O que se queria demonstrar". Em resumo, quando você vê "CQD" no final de uma
demonstração, é uma forma informal de dizer que a prova foi concluída com êxito. Há outras opções
com a mesma finalidade, como usar o símbolo “ ∎“, por exemplo. Neste texto, seguiremos usando
CQD.

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 18

Figura 1.4: Elaborado a partir de [4]

Para finalizar o capítulo, queremos chamar a atenção que, muitas vezes,


demonstrações e provas não são únicas. Isto é, há mais de uma maneira de provar
que certos fatos matemáticos irão ocorrer. Esta relação entre números e grandezas
que chamamos de Teorema de Pitágoras também encontra uma demonstração
puramente geométrica e conceitual, revelada no livro “Os Elementos” de Euclides,
que viveu por volta do século III a.E.C. No livro de Euclides, a demonstração já faz
uso de resultados que não se tinha conhecimento pela escola pitagórica, como os
casos de semelhança de triângulos, em particular da congruência, os que envolvem
área de triângulos e a existência de medidas incomensuráveis.

Vamos partir da construção na Figura 1.5:

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 19

Figura 1.5: Elaborado a partir de [5]

Repare que, por construção dos quadrados – que são polígonos que tem 4 lados
com a mesma medida e 4 ângulos retos –, o ângulo OLP é reto, assim como o ângulo
KLQ. Dessa construção, podemos perceber que os ângulos OLQ = α e KLP = β têm
a mesma medida. Ou seja: α = β.

E ainda, por construção, que o lado LQ do triângulo marrom ΔOLQ tem a mesma
medida do que o lado KL do triângulo verde ΔKLP; e o lado OL do triângulo marrom
ΔOLQ tem a mesma medida do que o lado LP do triângulo verde ΔKLP.

Mas vejam, os lados LQ e OL formam o ângulo α e os lados KL e LP formam o


ângulo β. Já que α = β , Temos o caso de congruência de triângulos LAL proposto
já em Euclides como Proposição I-4: “Se dois triângulos tiverem, respectivamente,
dois lados iguais a dois lados e se os ângulos compreendidos por esses lados forem
também iguais, as bases serão iguais, os triângulos serão iguais e os demais ângulos
que são opostos a lados iguais serão também iguais.”

Obs.: Repare ainda que o termo congruência foi incluído no vocabulário depois
para evitar problemas com os conceitos primitivos de igualdade.

Até aqui vimos que os triângulos ΔKLP e ΔOLQ têm a mesma área!

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 20

Agora repare no uso de outro resultado conhecido por Euclides para o próximo
passo da demonstração! Ela é descrita como Proposição I-38: “Os triângulos que
estão sobre bases iguais e nas mesmas paralelas são iguais entre si”.

Esse resultado conhecido nos permite olhar o desenho agora assim, deslizando
os pontos P e Q (Figura 1.6):

Figura 1.6: Elaborado a partir de [5]

Isto significa que, a partir daquela proposição, podemos concluir que os triângulos
verde e marrom têm a mesma área! Mais ainda, veja que cada um deles é metade de
um quadrilátero! E isto significa que:

“O quadrilátero KLPR tem a mesma área do que o quadrilátero OLQS!”

Veja a Figura 1.7:

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 21

Figura 1.7: Elaborado a partir de [5]

Só falta agora provar que a área do retângulo que falta do quadrado maior tem a
mesma medida da área do quadrado menor! Vamos lá!

Usaremos como base de demonstração os mesmos pensamentos. Veja, temos,


novamente um caso LAL de congruência de triângulos (Figura 1.8):

Figura 1.8: Elaborado a partir de [5]

E, assim, concluímos que as áreas do quadrado menor e do retângulo ,


que faltava para completar o quadrado maior, são as mesmas, como mostra a Figura
1.9.

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 22

Figura 1.9: Elaborado a partir de [5]

Com essas construções geométricas demonstramos que a área do quadrado


construída pela hipotenusa é igual a soma das áreas dos quadrados construídos
pelos catetos!

Figura 1.10: Elaborado a partir de [5]

Esta construção dinâmica, que culmina com a Figura 1.10, está disponibilizada no
link [5], aproveite!

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 23

Terminamos esse capítulo deixando mais uma dica: Iniciamos nosso raciocínio a
partir de axiomas e conceitos primitivos, os quais utilizamos para derivar resultados e
realizar construções. Esses resultados, por sua vez, desempenham um papel
fundamental ao serem empregados na demonstração de teoremas ou na realização
de construções adicionais. À medida que avançamos, tanto os resultados quanto os
teoremas estabelecidos tornam-se verdades matemáticas consolidadas, disponíveis
para embasar futuras demonstrações ou construções. De fato, ao utilizar uma
sequência lógica que se baseia nos axiomas e conceitos iniciais, somos capazes de
alcançar uma notável economia de argumentação no desenvolvimento de nossas
demonstrações matemáticas (#ficaadica).

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Capítulo 1 - Teorema de Pitágoras | 24

Referências - links mencionados

[1] https://editoraappris.com.br/produto/reflexoes-sobre-o-conhecimento-
cientifico/?gclid=Cj0KCQjw2qKmBhCfARIsAFy8buI-
KLlutw1mKyyi9umJgopD_XPX9s5Q4VGunx8Y4A56C0u-rJ6hoi0aAnqkEALw_wcB

[2] https://www.geogebra.org/classic/zrtrcyyb

[3] https:// https://www.geogebra.org/

[4] https://www.geogebra.org/classic/umjkdhct

[5] https://www.geogebra.org/m/v4xaz8a6

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Capítulo 2 - Lei dos senos | 25

Lei dos senos

Quem compreende, não esquece.

Por que a razão a/sen(A) = b/sen(B) = c/sen(C) = 2r em um triângulo? Entender


essa relação é fundamental e inesquecível para quem a compreende. Essa relação
entre os lados do triângulo e os senos dos ângulos é a Lei dos Senos. Em outras
palavras, a Lei dos Senos nos diz que, para qualquer triângulo, a razão entre o
comprimento de um lado do triângulo e o seno do ângulo oposto a esse lado é
constante e igual a duas vezes o raio circunscrito do triângulo (2r). Essa constante é
a mesma para todos os lados do triângulo e seus respectivos ângulos. É uma relação
poderosa e útil na geometria e trigonometria.

Deduzindo a Lei dos Senos, vamos descobrir juntos o porquê e vamos também
entender propriedades fundamentais para esse resultado. Faremos isso na
perspectiva de Duval [1], ou seja, vamos utilizar dois suportes semióticos, são eles a
linguagem algébrica e a representação figural, pois a coordenação de representações
de um objeto matemático pode facilitar a aquisição do seu conceito. Ademais,
construir conhecimento, a partir do que se sabe, se constitui, como alerta Ausubel [2],
em aprendizagem significativa.

Para esta demonstração, iremos utilizar os conceitos de seno e de ângulo inscrito.


A demonstração discutida neste capítulo está disponível em geometria dinâmica em
[3].

Vamos à sua discussão?

Em busca de um seno usando ângulo inscrito

Iniciamos a nossa demonstração traçando um triângulo ABC qualquer, depois


traçamos uma circunferência que passa pelos vértices do triângulo, como na Figura
2.1. Isso é sempre possível pois existe um teorema que afirma que, dados três pontos
que não estão em uma mesma reta, existe sempre uma circunferência que passa por
eles. Utilizamos este resultado porque propriedades da circunferência nos interessam

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Capítulo 2 - Lei dos senos | 26

e, na escrita de uma demonstração, tudo é pensado com antecedência para conseguir


descrever a linha de raciocínio e chegar aonde queremos.

Figura 2.1: Elaborada a partir de [3]

Traçamos um diâmetro AD (Figura 2.2), porque estamos em busca de um triângulo


retângulo, e o ângulo inscrito de um arco de 180º mede 90º. Veja que, na
demonstração, tudo tem intencionalidade, é um jogo jogado.

Figura 2.2: Elaborada a partir de [3]

Usando AD como base de um novo triângulo e o ponto C, vamos criar o triângulo


retângulo ADC (Figura 2.3).

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Capítulo 2 - Lei dos senos | 27

Figura 2.3: Elaborada a partir de [3]

Agora estamos prontos para o pulo do gato, ou como diz o professor Mathias [4]
"The jump of the cat". O primeiro pertence a um triângulo retângulo, o que nos permite
calcular facilmente o seu seno com base em conhecimentos anteriores. O segundo
ângulo está em um triângulo não retângulo, o que torna a determinação do seu seno
mais complexa.

O conceito de ângulo inscrito ataca novamente

Veja na Figura 2.4 que D e B são ângulos inscritos do arco AC. O ponto alto
desta demonstração está aqui.

Figura 2.4: Elaborada a partir de [3]

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Capítulo 2 - Lei dos senos | 28

Note que o seno de D = b/2r. A Figura 2.5 explicita os argumentos que levam a
esta conclusão.

Figura 2.5: Elaborada a partir de [3]

Como D e B são congruentes (vide Figura 2.4), temos sen B= b/2r. Reorganizando
esta igualdade, chega ao fim de nossa demonstração. Assim, temos:

2r = b/sen B

CQD.

As demonstrações para os ângulos A e C são análogas.

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Capítulo 2 - Lei dos senos | 29

Referências - links mencionados

[1] https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/revistaamazonia/article/view/1708

[2]https://novaescola.org.br/conteudo/262/david-ausubel-e-a-aprendizagem-
significativa

[3] https://www.geogebra.org/classic/nzksk4qe

[4] https://www.youtube.com/channel/UCpfbMSODDM5zWABUN4sgZew

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Capítulo 3 - Lei dos cossenos | 30

Lei dos cossenos

Ao partir de conceitos e informações que já dominamos, somos capazes de


estabelecer conexões e compreender novos conteúdos de maneira mais profunda e
duradoura. Esse processo de construção ativa do conhecimento é essencial para uma
aprendizagem mais sólida e efetiva. Neste texto, já mencionamos à teoria da
aprendizagem significativa de David Ausubel [1] para argumentar que a construção
do conhecimento a partir do que já sabemos é fundamental para tornar o aprendizado
significativo.

Além disso, Duval [2] nos alerta que, ao construirmos um conceito, devemos
utilizar ao menos duas representações semióticas do mesmo objeto matemático, para
evitar a confusão entre objeto e representação. Tal confusão se constitui em um
obstáculo epistemológico. Já usamos esta estratégia ao longo do texto, lembra?

Neste capítulo, utilizaremos os conceitos, conhecidos por estudantes de nono ano


do ensino fundamental e do ensino médio, de cosseno e do famoso Teorema de
Pitágoras para demonstrar a Lei dos Cossenos (a² = b²+c²-2bc.cos â). Para isso,
serão coordenadas representações figurais e algébricas dos objetos matemáticos
abordados. Vamos à construção da ideia!

Em busca de triângulos retângulos

A Lei dos cossenos é uma relação trigonométrica muito usada em triângulos para
calcular o comprimento de um lado quando conhecemos os outros dois lados e o
ângulo entre eles. Essa lei estabelece que o quadrado de um lado do triângulo é igual
à soma dos quadrados dos outros dois lados, menos o dobro do produto desses lados
pelo cosseno do ângulo entre eles. Perceba que usamos a Lei dos Cossenos para
triângulos quaisquer mas, para chegarmos à ela, vamos usar triângulos retângulos,
que têm muitas propriedades conhecidas com as quais podemos trabalhar.

Veja que temos intencionalidade. Sempre que começamos uma demonstração,


temos que ter em mente de onde estamos partindo. Neste caso, de um triângulo não
retângulo qualquer (ele é não retângulo justamente para abrangermos quaisquer

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Capítulo 3 - Lei dos cossenos | 31

triângulos com a lei em foco), e onde desejamos chegar (a² = b²+c²-2bc.cos â). O
nosso ponto de chegada já dá a dica que iremos usar produtos notáveis, Teorema de
Pitágoras e cosseno. Com isto em mente, vamos começar a nossa caminhada. Em
tempo, esta demonstração está disponível em Geometria Dinâmica em [3].

Começamos fazendo um triângulo não retângulo, cuja altura em relação a AC


está, forçosamente, dentro do próprio triângulo, como na Figura 3.1.

Figura 3.1: Elaborada a partir de [3]

Agora, tendo em mente os objetivos supracitados, vamos traçar uma altura em


relação a AC, partindo de B. Isto irá dividir o nosso triângulo ABC em dois triângulos
retângulos BAH e BHC. Note aí que o que precisamos para fazer a nossa
demonstração já está posto e este é o ponto alto desta demonstração.

Vamos a BAH:

Figura 3.2: Elaborada a partir de [3]

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Capítulo 3 - Lei dos cossenos | 32

Usando Pitágoras em BAH, temos c² = h²+m². Reserve este resultado que


chamaremos de (I).

Vamos agora a BHC:

Figura 3.3: Elaborada a partir de [3]

Usando Pitágoras em BHC, temos a² = h²+n². Reserve este resultado também,


que chamaremos de (II).

Da sopa de letrinhas sai a lei buscada

Vamos reunir o que temos. Até agora temos c² = h²+m² (I) e a² = h²+n² (II). A lei
buscada é a² = b²+c²-2bc.cos â.

Já temos a², c² e precisamos de cos â, o que também conseguimos a partir de


BAH (cos â = m/c). Reorganizando a igualdade, temos que m = c. cos â (que
chamaremos de III).

Nossa lei começa com a², então vamos usar (II) para chegar à lei buscada:

a² = h²+n²

Usando (I), vemos que h²=c²-m². Substituindo em (II) temos:

a² = c²-m²+n²

Observando a Figura 3.2, vemos que n=b-m. Assim, obtemos:

a² = c²-m²+(b-m)²

Desenvolvendo o quadrado da diferença em (b-n)², temos:

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Capítulo 3 - Lei dos cossenos | 33

a² = c²-m²+b²-2bm+m²

Reorganizando a igualdade, encontraremos:

a² = c²+b²-2bm

Mas, de (III), sabemos que m = c.cos â. Agora é só substituir e chegar à lei


buscada:

a² = c²+b²-2bc. cos â

CQD.

A mesma explicação pode ser aplicada aos outros ângulos internos do triângulo
ABC que mencionamos anteriormente, e encontraremos igualdades análogas.

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Capítulo 3 - Lei dos cossenos | 34

Referências - links mencionados

[1] https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/revistaamazonia/article/view/1708

[2]https://novaescola.org.br/conteudo/262/david-ausubel-e-a-aprendizagem-
significativa

[3] https://www.geogebra.org/classic/kuvbnpyh

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Capítulo 4 - Potência de um ponto (caso 1) | 35

Potência de um ponto (caso 1)

A potência de um ponto em relação a uma circunferência é uma medida que


determina a relação entre a posição desse ponto e a própria circunferência. Esse é
um conceito importante em geometria e tem diversas aplicações em problemas que
envolvem posições relativas de pontos e circunferências. Para pensar a potência de
um ponto em relação a uma circunferência é preciso dividir em casos, que estão
relacionados à essa posição relativa entre o ponto e a circunferência.

Por exemplo, se você já viu duas cordas BC e DE se cruzando em um ponto dentro


de uma circunferência, conforme ilustrado na Figura 4.1, é muito provável que tenha
surgido, ao resolver algum problema, a igualdade BP . PC = DP . PE. Mas, o que faz
isso ser verdade?

Figura 4.1: Elaborada a partir de [1]

A resposta é....a semelhança de triângulos!

Se você é um leitor ou uma leitora do blog do LEM FFP UERJ Itinerante 7,


certamente já percebeu que a semelhança de triângulos é um conceito fundamental
subjacente a diversos tópicos aprendidos em Geometria. Em vez de propor que
estudantes decorem inúmeras informações sem sentido, a abordagem sugerida é
incentivar que eles entendam os fundamentos dos temas estudados, compreendam

7 https://lemffpuerj.blogspot.com/

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Capítulo 4 - Potência de um ponto (caso 1) | 36

suas propriedades e conheçam as demonstrações. Dessa forma, utilizando o


conhecimento que já possuem, eles poderão construir novos aprendizados de
maneira mais significativa. Essa abordagem torna a Geometria mais acessível e
instigante para os estudantes. Um estudante, ou uma estudante, que dominou com
solidez o conceito de semelhança de triângulos, terá facilidade em desenvolver a
trigonometria, sem precisar recorrer a decoreba, como um bom exemplo disso.

Mas vamos ao tema deste capítulo. Usando semelhança de triângulos, o fato que
ângulos opostos pelo vértice são iguais e que o ângulo inscrito é igual à metade da
medida do seu arco, faremos a demonstração, com o apoio do GeoGebra (construção
interativa disponível em [1]), do primeiro caso da potência de um ponto.

CRIANDO TRIÂNGULOS ...

Como temos afirmado no texto, uma demonstração é um jogo jogado em que


sabemos de onde estamos partindo, no caso, partimos da Figura 4.1, e onde
queremos chegar, ou seja, em BP.PC = DP.PE. Nessa jornada lógica, utilizamos
nossos conhecimentos e habilidades para conectar os pontos e estabelecer as
relações necessárias para provar o que buscamos. A demonstração, assim como um
jogo estratégico, requer compreensão, dedução e um percurso bem construído para
alcançar o resultado desejado.

Perceba que há forte indícios de que a semelhança de triângulos será um caminho


para chegarmos ao que queremos, uma vez que a igualdade que pretendemos obter
(BP.PC = DP.PE) tem certa relação com razão e proporção.

Reescrevendo esta igualdade para deixar mais claro esse ponto de vista, temos:
BC/PE = DP/PC.

E, se tem razão e proporção envolvidas, só faltam dois segmentos de reta para


termos dois triângulos. Sendo assim, já podemos levantar as informações que temos
para estabelecer como hipótese e provar a nossa tese de que BP.PC = DP.PE.

Com o que leu até aqui, você já é capaz de notar que uma demonstração não é
uma iluminação divina. Quem a faz sempre tem intencionalidades bem delineadas
e, muitas vezes, escondidas sob um "é fácil ver que" e muitas linhas de raciocínio
suprimidas. É bem verdade que isso deveria ser usado para não cansar o leitor diante

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Capítulo 4 - Potência de um ponto (caso 1) | 37

de uma demonstração longa e/ou com passos repetidos. Mas acaba por estigmatizar
aquele que não foi capaz de ver tão imediatamente assim. Desta forma, estabelecer
uma descrição didática e minuciosa faz parte do processo de tornar a demonstração
acessível, distante daquela velha ideia de que a Matemática é para “poucos
iluminados”. Estamos em uma direção contrária a isso, por motivos óbvios.

Seguindo essa lógica, vamos então ao primeiro passo da nossa demonstração. A


partir da intencionalidade apresentada, ou seja, visando criar dois triângulos,
traçamos dois segmentos de reta, BD e EC, e obtemos os triângulos PBD e PEC,
como na Figura 4.2.

Figura 4.2: Elaborada a partir de [1]

CIRCUNFERÊNCIA E ÂNGULOS INSCRITOS , QUE SURPRESA !

Observe que, ao lidarmos com uma circunferência, pontos localizados sobre ela e
cordas que a atravessam, nossos conhecimentos sobre as propriedades dos ângulos
inscritos serão extremamente úteis.

Veja que os ângulos α e β estão inscritos sob o mesmo arco BE, como mostrado
na Figura 4.3.

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Capítulo 4 - Potência de um ponto (caso 1) | 38

Figura 4.3: Elaborada a partir de [1]

Temos, também, conforme a Figura 4.4, os ângulos EPC e BPD (ambos em verde)
são opostos pelo vértice. O que nos mostra que os triângulos PBD e PEC são
semelhantes, pelo caso AA (ângulo- ângulo).

Figura 4.4: Elaborada a partir de [1]

LADOS HOMÓLOGOS SÃO PROPORCIONAIS

Como PBD e PEC são semelhantes, BP e PE são homólogos, conforme a Figura


4.5 destaca:

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Capítulo 4 - Potência de um ponto (caso 1) | 39

Figura 4.5: Elaborada a partir de [1]

Pelo mesmo motivo, DP e PC também são homólogos, como mostrado na Figura


4.6.

Figura 4.6: Elaborada a partir de [1]

Como lados homólogos são proporcionais, podemos concluir que: BP/PE=DP/PC.


Reorganizando esta igualdade, temos: BP.PC = DP.PE.

CQD.

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Capítulo 4 - Potência de um ponto (caso 1) | 40

REFERÊNCIA - LINK MENCIONADO

[1] https://www.geogebra.org/m/xh5a8sn8

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Capítulo 5 - Potência de um ponto (caso 2) | 41

Potência de um ponto (caso 2)

No segundo caso de potência de um ponto, a igualdade DC.BC = FC.EC está


relacionada ao caso ilustrado na Figura 5.1 adiante.

Figura 5.1: Elaborada a partir de [1]

Observe a circunferência presente aqui. Podemos imaginar mentalmente duas


cordas sendo construídas nesta circunferência, as quais nos auxiliarão a cumprir
nosso objetivo, que é demonstrar o caso específico. Além disso, podemos ter em
mente os conhecimentos de semelhança de triângulos e ângulo inscrito para nos
apoiar durante a demonstração.

Quando estamos demonstrando, temos uma tese, que é o que queremos provar,
o fim do caminho. Neste caso, a tese é: DC.BC = FC.EC.

Além disso, temos a hipótese, que é a parte onde as premissas ou suposições


iniciais necessárias para chegarmos à tese são enunciadas. No caso específico, a
hipótese será composta por informações sobre a semelhança de triângulos e ângulos
inscritos já que, a partir desses resultados sabidamente verdadeiros, podemos
conseguir provar a tese.

Note que nunca começamos a partir da tese, porque ela é o FIM do caminho, o
ponto de chegada.

Então, vamos falar sobre a demonstração em língua portuguesa! A ideia aqui é


explicar cada passo com detalhes e entender o motivo por trás de cada escolha que
faremos ao longo do processo. Queremos realmente compreender o porquê de cada

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Capítulo 5 - Potência de um ponto (caso 2) | 42

passo que será tomado, como se estivéssemos numa conversa amigável, buscando
clareza em todo o raciocínio apresentado.

EM BUSCA DE TRIÂNGULOS SEMELHANTES

Buscando dois triângulos semelhantes, vamos traçar ED e BF. O ponto alto da


demonstração já é este, logo no começo. Desta forma, obtemos dois triângulos
BFC e EDC, como mostra a Figura 5.2.

Figura 5.2: Elaborada a partir de [1]

Mas por que seguimos esse caminho? Vamos analisar os triângulos BFC e EDC.
É importante notar que eles compartilham o ângulo ECB em comum. Agora, nosso
próximo passo é buscar o segundo ângulo que também seja comum entre eles. Com
base no caso de semelhança de triângulos conhecido como AA (ângulo-ângulo), ao
estabelecermos que esses dois triângulos têm os dois ângulos em comum, podemos
afirmar que BFC e EDC são triângulos semelhantes. Isso nos permite avançar em
nossa demonstração.

Observe atentamente que os segmentos ED e BF foram propositadamente


construídos de forma que o arco DF pudesse ser ao mesmo tempo o arco do ângulo
DEF e do ângulo DBF, os quais são congruentes entre si (conforme Figura 5.3). Desse
modo, podemos aplicar o caso AA de semelhança de triângulos. Como BFC e EDC
possuem os mesmos ângulos em comum, podemos concluir que esses dois
triângulos são semelhantes.

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Capítulo 5 - Potência de um ponto (caso 2) | 43

Figura 5.3: Elaborada a partir de [1]

Para concluir nossa demonstração, vamos tornar explícitos os três ângulos


internos de cada um dos triângulos mencionados, como apresentado na Figura 5.4.
Isso nos auxiliará a visualizar claramente a relação entre os ângulos e nos permitirá
prosseguir com nosso raciocínio de maneira mais organizada.

Figura 5.4: Elaborada a partir de [1]

Após estabelecermos a semelhança dos triângulos BFC e EDC e reconhecermos


que seus lados homólogos são proporcionais, focalizando especificamente nos
segmentos BC, DC, EC e FC, procederemos utilizando razão e proporção da seguinte
forma:

BC/EC = FC/DC

É importante estabelecer esta relação olhando para lados que são opostos aos
ângulos de mesma medida em cada um dos dois triângulos, ou seja, para os lados
homólogos. Assim, BC e EC são homólogos, assim como FC e DE. Na Figura 5.5,
essa igualdade fica mais clara ao mostramos esses triângulos semelhantes (BFC e
EDC) separados. Desta maneira, é possível perceber mais nitidamente quais lados
são homólogos.

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Capítulo 5 - Potência de um ponto (caso 2) | 44

Figura 5.5: Elaborada a partir de [1]

Reorganizando a igualdade, temos:

DC.BC = FC.EC

CQD.

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Capítulo 5 - Potência de um ponto (caso 2) | 45

REFERÊNCIA - LINK MENCIONADO

[1] https://www.geogebra.org/m/tps2wgye#material/urzrskbd

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 49 24/11/2023 08:59


Capítulo 6 - Potência de um ponto (caso 3) | 46

Potência de um ponto (caso 3)

Inicialmente, já destacamos que foi elaborado um applet no GeoGebra, disponível


em [1], para discutirmos o terceiro caso de potência de ponto, objeto deste capítulo
do nosso texto.

Esta discussão também será desenvolvida a partir de dois suportes semióticos,


escrita algébrica e representação figural (Duval [2]), o que é fundamental para que
o(a) aprendente evite confundir objeto com representação de modo que esta ação
pode facilite a aquisição do conceito estudado.

Em consonância com o que já foi relatado aqui, em toda a discussão serão


apresentadas as intencionalidades da demonstração, uma vez que ela é feita a partir
das informações disponíveis. São justamente estas intencionalidades que trazem a
discussão da construção do conceito estudado. É na construção dialogada da
demonstração que destacamos as propriedades do objeto estudado.

Sem perder tempo, vamos agora iniciar nossa discussão do caso restante de
potência de ponto.

INTENCIONALIDADES

O terceiro caso da potência de um ponto ocorre quando um ponto está fora da


circunferência, e duas retas que passam por esse ponto são uma secante (intercepta
a circunferência em dois pontos) e uma tangente (toca a circunferência em um ponto).

Nesse caso, ilustrado na Figura 6.1, temos que PC² = PA.PB.

Figura 6.1: Elaborada a partir de [1]

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Capítulo 6 - Potência de um ponto (caso 3) | 47

Mas, como estamos em uma demonstração dialogada, esta igualdade (PC² =


PA.PB) é nosso ponto de chegada. E, só para recordar, isso chama-se tese.

Conforme mencionado anteriormente, em uma demonstração matemática, a


hipótese corresponde às informações e premissas iniciais que temos disponíveis.
Agora, com base nessas hipóteses, podemos prosseguir para traçar o caminho que
nos levará ao nosso objetivo final, a tese. Dessa forma, utilizamos as informações
iniciais da hipótese para chegar à conclusão desejada. Pensando nisso, começamos
analisando a circunferência na Figura 6.1.

Nela, vemos que:

1. Se construirmos a corda CA, teremos o triângulo APC, se construirmos a corda


CB, teremos o triângulo PBC. Temos também um terceiro triângulo a
considerar, CBA.

2. Nos interessam os lados PC, PA e PB. Sendo assim, vamos ficar atentos aos
triângulos PBC e APC.

3. Há diversos ângulos inscritos na circunferência que podem ser considerados.

4. Se unirmos as constatações 1 e 2 e, se encontrarmos dois triângulos


semelhantes, chegaremos em nossa tese.

Agora que estabelecemos aquilo que sabemos até aqui nos pontos de 1 a 4,
estamos prontos para iniciar nossa demonstração! Avante com confiança! Vamos
prosseguir com o raciocínio e apresentar cada etapa de forma clara e lógica

EM BUSCA DE TRIÂNGULOS SEMELHANTES

Como planejado em nosso esboço, vamos traçar as cordas AC e BC, conforme


ilustrado na Figura 6.2. Essas cordas serão fundamentais para avançarmos em nossa
demonstração.

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Capítulo 6 - Potência de um ponto (caso 3) | 48

Figura 6.2: Elaborada a partir de [1]

Vamos agora direcionar nossa atenção para o triângulo PBC, conforme destacado na
Figura 6.3, e também para o triângulo APC, como mostrado na Figura 6.4. Esses
triângulos serão relevantes para o desenvolvimento da estratégia.

Figura 6.3: Elaborada a partir de [1]

Figura 6.4: Elaborada a partir de [1]

Nosso objetivo é encontrar dois triângulos semelhantes. Para alcançar esse


resultado, concentramos nossa análise nos triângulos PBC e APC desde o início,
porque:

1. Eles têm um ângulo comum em P, como mostra a Figura 6.5.

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Capítulo 6 - Potência de um ponto (caso 3) | 49

2. Eles têm um segundo ângulo congruente. Veja que o ângulo CAP é inscrito no
arco CB e o ângulo BCP é semi-inscrito do mesmo arco. Aqui vale relembrar
que um ângulo inscrito8 em um arco capaz e um semi-inscrito9 no mesmo arco
têm mesma medida. Essa é uma das sacadas de mestre aqui. Assim, os
ângulos CAP e BCP têm medidas iguais. Para rever o assunto, recomendamos
o resumo em [3]. A Figura 6.6 evidencia os dois ângulos congruentes
mencionados.

3. Pelo caso AA (ângulo-ângulo), os triângulos PBC e APC são semelhantes.

Figura 6.5: Elaborada a partir de [1]

Figura 6.6: Elaborada a partir de [1]

8 Um ângulo inscrito relativo a uma circunferência é um ângulo cujo vértice está localizado na própria
circunferência, e seus lados são secantes à circunferência, ou seja, eles interceptam a circunferência
em dois pontos diferentes. A medida desse ângulo é igual à metade da medida do ângulo central que
intercepta o mesmo arco correspondente na circunferência. Em outras palavras, o ângulo inscrito é a
metade do ângulo formado pelo arco correspondente na circunferência.
9 Um ângulo semi-inscrito, também conhecido como ângulo de segmento, é um ângulo cujo vértice

está na própria circunferência, e um dos lados é tangente à circunferência, enquanto o outro lado é
secante. A medida desse ângulo é igual à metade da medida do arco interceptado pelo lado secante
do ângulo.

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Capítulo 6 - Potência de um ponto (caso 3) | 50

A Figura 6.7 ajuda na visualização dos triângulos semelhantes PBC e APC da


Figura 6.6, destacando-os.

Figura 6.7: Elaborada a partir de [1]

A partir das conclusões em 1, 2 e 3, podemos continuar a delinear o raciocínio.


Guarde a informação de que PC é lado comum aos dois triângulos. Isto é interessante
porque queremos chegar em PC² = PA.PB. Aqui temos um ponto importante da
nossa demonstração.

AGORA É SÓ CORRER PARA O ABRAÇO

Sim, essa é a expressão que melhor representa a sensação de chegar a um caso


de proporção quando queremos provar uma igualdade assim...agora é só correr para
o abraço.

Lembrando que lados homólogos de triângulos semelhantes são proporcionais e


que nos interessam os lados PC, PA e PB, de acordo com os triângulos dispostos na
Figura 6.7, podemos escrever que:

PC/PB = PA/PC

Reorganizando a igualdade acima, chegamos à nossa tese, que é o fim do


caminho. Sendo assim, temos:

PC² = PA.PB

CQD.

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Capítulo 6 - Potência de um ponto (caso 3) | 51

REFERÊNCIAS - LINKS MENCIONADOS

[1] https://www.geogebra.org/m/rda4kxhh

[2]https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/revistaamazonia/article/view/1708

[3]http://www.uel.br/projetos/matessencial/basico/geometria/circulos.html#sec06

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 55 24/11/2023 08:59


Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 52

Teorema de Ceva

Nesta parte do texto, foi realizado um diálogo com o Chat GPT [1], uma inteligência
artificial (IA) amplamente discutida na atualidade. O bate-papo foi, no mínimo,
surpreendente. E você, caro leitor ou leitora, já utilizou essa ferramenta?

Compartilhamos, neste capítulo, a discussão da demonstração do Teorema de


Ceva e os trechos mais interessantes desta conversa no chat supracitado. Mas antes
disso, pedimos à própria IA, para enviar uma saudação a vocês leitores, uma vez que
estas linhas têm a sua contribuição. A saudação segue adiante, na Figura 7.1.

Figura 7.1: Chat GPT [1]

ENUNCIANDO

Então, sem mais delongas, vamos ao enunciado do Teorema de Ceva (Figura 7.2).

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 53

Figura 7.2: Excerto de [2]

Perguntamos à IA qual era a importância do Teorema de Ceva. A resposta foi


bastante interessante e a dividimos aqui com vocês (Figura 7.3). É importante
destacar que o referido Chat não é infalível, todas as conversas devem ser
observadas com muito cuidado, para garantir a sua correção.

Figura 7.3: Chat GPT[1]

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 54

TRAÇANDO CAMINHOS

Como estamos fazendo sempre, acrescentaremos uma segunda representação


semiótica para fazer a nossa discussão. Recorreremos ao registro figural. Como
destaca Duval [3], coordenaremos esse registro o tempo todo com a escrita algébrica,
para facilitar o entendimento.

Vamos à nossa discussão. Partimos, nesta demonstração, da situação ilustrada


pela Figura 7.4 e descrita no enunciado (Figura 7.2).

Figura 7.4: Retirada de [4]

Em seguida, levantamos as informações que temos, ou seja, a nossa hipótese,


para pensarmos no percurso que nos levará à tese: BX/XC = CY/YA = AZ/ZB = 1.
Lembre-se que a tese é o fim do caminho, onde queremos chegar.

Descrevendo o que vemos na Figura 7.4, temos um triângulo, e nele, três cevianas
AX, BY e CZ que se interceptam no ponto P.

Neste momento, cabe uma reflexão muito pertinente. É verdade que se


traçarmos três cevianas quaisquer, elas se encontrarão em um ponto P, como
na Figura 7.4? A resposta é NÃO. Para tal, basta você imaginar que o ponto Y pode
estar mais à esquerda e, assim, BY não passaria por P.

Então, por qual motivo automaticamente desenhamos a estrutura da Figura


7.4 com um ponto P onde as três cevianas são concorrentes para ilustrar o
Teorema de Ceva? Mas isso é justamente um dos alvos deste texto...compreender
as hipóteses em uma demonstração para chegarmos à tese que queremos
demonstrar. O que temos no enunciado? SE AS TRÊS CEVIANAS SÂO
CONCORRENTES... Logo, este ponto P existir é uma premissa, a tese é verdade a
partir dessa afirmação da hipótese. Percebeu como é importante detalhar a hipótese?

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 55

Lembra que comentamos que é importante ter em mente que a IA nem sempre
responde de forma correta? Leia na Figura 7.5 o que o ChatGPT responde sobre esta
questão. Inclusive há a interpretação errada do Teorema de Ceva.

Figura 7.5: Chat GPT[1]

A partir do que discutimos, vamos continuar analisando o contexto:

1. Vamos ficar de olho nos segmentos que nos interessam. São eles BX, XC, CY,
YA, AZ e ZB, já que fazem parte da tese que queremos mostrar.

2. Dentre os vários triângulos formados na Figura 7.4, onde P é um dos vértices,


há aqueles que compartilham a mesma altura. E, além disso, as bases desses
triângulos são justamente os segmentos que nos interessam. Visto que a área
do triângulo é dada por (base x altura)/2, é natural pensarmos no uso do
conceito de área em nosso percurso até a tese.

Agora que já sabemos de onde estamos partindo, que é da hipótese, temos uma
ideia do caminho que vamos trilhar e sabemos também aonde queremos chegar, que
é na Tese. Vamos à nossa demonstração a partir disso!

USANDO ÁREAS PARA CHEGAR AO QUE QUEREMOS

Aqui, denotaremos por (ABC) a área de um triângulo ABC. Começaremos a


estratégia de abordagem pelo triângulo ABP visto em vermelho na Figura 7.6. Este é
o início da demonstração em diversos livros consultados, inclusive no material de
referência em [2]. O que não se discute é o porquê de se começar por aqui.

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 56

Figura 7.6: Retirada de [4]

Este é um ponto importante da demonstração. Veja isto destacado na conversa


com a IA do Chat GPT [1]. Na Figura 7.7, está a sua resposta para a pergunta a
respeito da intencionalidade do uso da área do triângulo ABC nessa demonstração.

Figura 7.7: Chat GPT [1]

Com isto em mente, já podemos nos direcionar para o próximo passo, que é a
conclusão de que os triângulos BXP e CXP têm a mesma altura h. Aqui estamos de
interessados nos lados BX e CX.

Podemos escrever que a área (BXP) = 1/2.h.BX e a área (CXP) = 1/2.h.CX.


Guarde estas informações. Lembre-se que estamos chamando a área do triângulo
BXP de (BXP) e fazendo o mesmo ao denotarmos a área do triângulo CXP por (CXP).
Observe os triângulos BXP e CXP destacados na Figura 7.8.

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 57

Figura 7.8: Retirada de [4]

Agora, destacaremos os triângulos ABX e ACX, pois eles nos auxiliarão a


estabelecer uma relação entre a área do triângulo ABC, aqui denominada (ABC), mais
adiante. Esses triângulos compartilham lados com o triângulo ABC (Figura 7.9).

Figura 7.9: Retirada de [4]

Na Figura 7.9 vemos que ABX e ACX compartilham a mesma altura (H) em relação
aos lados BX e CX. Aqui também estamos novamente interessados nos lados
BX e CX.

A área (ABX) = 1/2.H.BX e a área (ACX) = 1/2.H.CX. Guarde isso!

Vamos agora buscar áreas iguais envolvendo os segmentos que nos interessam,
já que estamos tratando de áreas. Para isso, observe a Figura 7.10.

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 58

Figura 7.10: Retirada de [4]

Da Figura 7.10, vamos perceber que (ABP) = (ABX)-(BXP) e que (ACP) = (ACX)-
(CXP).

Agora vem um momento importante. Vamos pensar em encontrar (ABP)/ (ACP)


a partir do que sabemos. Note que teremos:

(ABP)/ (ACP) = (ABX)-(BXP)/(ACX)-(CXP)

Para continuarmos, lembre-se que havíamos reservado as informações seguintes:

(BXP) = 1/2.h.BX e (CXP) = 1/2.h.CX

(ABX) = 1/2.H.BX e (ACX) = 1/2.H.CX

É PAU, É PEDRA, É O FIM DO CAMINHO ...

Reescrevendo:

(ABP)/ (ACP) = (ABX)-(BXP)/(ACX)-(CXP)

a partir da substituição assegurada pelas informações:

(BXP) = 1/2.h.BX, (CXP) = 1/2.h.CX, (ABX) = 1/2.H.BX e (ACX) = 1/2.H.CX,

temos:

(ABP)/ (ACP) = (1/2.H.BX-1/2.h.BX)/(1/2.H.CX-1/2.h.CX) = BX/CX

Chegamos, assim, a uma parte da tese.

De forma muito semelhante ao que foi feito até aqui, obtemos

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 59

CY/YA = (BCP)/(ABP) e AZ/ZB = (CAP)/(BCP) .

Sendo assim, podemos escrever:

BX/XC·CY/YA·AZ/ZB = ((ABP).(ACP).(BCP))/((ABP).(ACP) (BCP)) = 1.

CQD.

A recíproca do Teorema de Ceva estabelece as condições nas quais um conjunto


de cevianas concorrentes em um triângulo, de acordo com as proporções dos
segmentos, se intersectam em um ponto específico.

Seja ABC um triângulo e P um ponto no interior deste triângulo. Suponha que as


cevianas AX, BY e CZ sejam traçadas de P para os vértices A, B e C,
respectivamente. A recíproca do Teorema de Ceva afirma que, se as proporções
entre os segmentos das cevianas satisfizerem a seguinte igualdade:

BX/XC·CY/YA·AZ/ZB = 1,

então as cevianas AX, BY e CZ são concorrentes em P. Em outras palavras, as


cevianas não apenas se encontram em um único ponto, mas também respeitam a
proporção dada pela igualdade acima.

Você percebe que esta é a volta do Teorema de Ceva? Inclusive em diversos


lugares, o Teorema de Ceva aparece como um “se e somente”, com ida e volta.
Nestes caso, é necessário provar um lado da afirmação e o outro também. Isso é
comum em Matemática.

Já aconteceu de você procurar um teorema e encontrá-lo com enunciados


diferentes também? Isso é até recorrente, não é?

Convidamos a IA do ChatGPT para mais esse debate. Acompanhe a breve e


esclarecedora análise feita na Figura 7.11.

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Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 60

Figura 7.11: Chat GPT [1]

A demonstração aqui apresentada está disponível em um aplicativo de Geometria


Dinâmica especialmente criado para esta discussão. Para acessá-la clique no link
disponível em [4].

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 64 24/11/2023 08:59


Capítulo 7 - Teorema de Ceva | 61

REFERÊNCIAS - LINKS MENCIONADOS

[1]https://idec.org.br/dicas-e-direitos/chat-gpt-o-que-e-inteligencia-artificial-e-como-
ela-
funciona?utm_campaign=DSA_|_Target_+35&utm_adgroup=DSA_|_Dicas_e_Direit
os&creative=227410698171&keyword=&gclid=Cj0KCQiA6fafBhC1ARIsAIJjL8lUxQ6
yAD4yrhits0DAOp5KcCXBJDymIwr88u5ig74OqhNp9Ro04-8aAvCAEALw_wcB

[2]https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/15481016022012Geometria_Euc
liadiana_Plana_Aula_9.pdf

[3] https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/revistaamazonia/article/view/1708

[4] https://www.geogebra.org/classic/ypbyt9de

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 65 24/11/2023 08:59


Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 62

Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais


recorrentes na escola

Nesta parte do texto, apresentamos uma discussão acerca da dedução de


fórmulas da Geometria Espacial e, é claro, também trazemos um papo no chat GPT
[1] a respeito das intencionalidades destas deduções.

Ainda inspirados em Duval [2] em termos de aprendizagem de Matemática, temos


defendido que é muito proveitoso que se construa conhecimento a partir de conceitos
básicos e comuns a diversos temas Matemáticos e aqui não será diferente. Usaremos
representação figural e linguagem algébrica, sempre fazendo a coordenação entre as
duas de forma a facilitar o entendimento do tema.

A autoria e os links das imagens usadas neste capítulo estarão disponíveis nas
próprias figuras, bastando clicar sobre elas para ter acesso a esse conteúdo.

O PRINCÍPIO DE CAVALIERI É O PULO DO GATO

Para começar a nossa discussão, apresentamos o enunciado do Princípio de


Cavalieri, de acordo com a conversa com a IA do chat GPT (Figura 8.1).

Figura 8.1: Chat GPT [1]

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 66 24/11/2023 08:59


Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 63

O pulo do gato é pensar em figuras espaciais fatiadas horizontalmente em finas


camadas de mesma área. O aplicativo disponível no GeoGebra [III], de autoria de
Rafaella Guglielmi Magalhães Dias, Irina Boyadzhiev, Javier Cayetano Rodríguez,
Carmen Mathias, pode auxiliar a visualizar esta ideia. Veja as imagens sequenciais
abaixo (Figuras 8.2, 8.3 e 8.4):

Figura 8.2: Excerto de https://www.geogebra.org/m/uyr8axdj

Figura 8.3: Excerto de https://www.geogebra.org/m/uyr8axdj

Figura 8.4: Excerto de https://www.geogebra.org/m/uyr8axdj

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 64

É esta a ideia que vai permitir que encontremos as fórmulas dos volumes de
pirâmides, cilindros, cones e da esfera partindo do volume do paralelepípedo e dos
prismas em geral, que é dado pela área da sua base multiplicada pela sua altura.

O volume do cilindro já sai daqui, se considerarmos um paralelepípedo e um


cilindro de mesma altura e área de base, como os que são vistos na Figura 8.5. Ela é
extraída de outro aplicativo no GeoGebra [IV]. Já podemos afirmar, usando Cavalieri,
que o volume do cilindro é dado por área da base x altura, como no paralelepípedo.

Figura 8.5: Excerto de https://www.geogebra.org/m/wc5e26dh

VOLUMES DO PRISMA , DA PIRÂMIDE E DO CONE

Podemos perceber a utilidade do uso do Princípio de Cavalieri a partir do momento


em que observamos que um prisma triangular pode ser fatiado em três pirâmides de
mesmo volume. Desta forma, já podemos inferir que o volume da pirâmide é dado por
área da base x altura/3. Isso ocorre porque as três pirâmides têm mesma base e
mesmo volume. Você já deve ter ouvido e concorda com essa afirmação, certo?

Vamos ver uma sequência de imagens ilustrando esta ideia nas Figuras 8.6 e 8.7,
extraídas de aplicativo no GeoGebra [V] de autoria do Prof. Jairo Chaves.

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 68 24/11/2023 08:59


Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 65

Figura 8.6: Excerto de https://www.geogebra.org/m/xvqrtanu

Figura 8.7: Excerto de https://www.geogebra.org/m/xvqrtanu

Conversando no ChatGPT sobre a questão do prisma triangular pode ser fatiado


em três pirâmides de mesmo volume, perguntamos sobre a justificativa para essa
afirmação, encontramos a resposta seguinte (Figura 8.8).

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 69 24/11/2023 08:59


Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 66

Figura 8.8: Resposta incorreta no Chat GPT [1]

Esta justificativa da Figura 8.8 é muito comum e está incorreta. As três pirâmides
não têm o mesmo volume porque têm a mesma base e mesma altura....assim
simplesmente. E nessa resposta, a IA ainda afirma que as bases são metade das
faces laterais do prisma triangular.

Mas, então, qual é a justificativa correta?

Vamos enunciar o que queremos provar. Podemos dividirmos um prisma


triangular em três pirâmides de mesmo volume. Esta é nossa tese.

Que informações conhecemos? Que temos um prisma triangular com bases ABC
e DEF, como na Figura 8.6. Podemos dividi-lo em três pirâmides ABCD (em
vermelho), DEFC (verde) e EDBC (azul) como na Figura 8.7.

As bases das pirâmides em vermelho e em verde são iguais, porque são as duas
bases do prisma. A altura destas pirâmides é a mesma porque é a altura do prisma.
Sendo assim, podemos concluir que as pirâmides ABCD (vermelho) e DEFC (verde
têm o mesmo volume, pelo Princípio de Cavalieri.

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 67

Agora vamos analisar a pirâmide azul. Colocamos lado a lado as pirâmides em


vermelho e em azul, para que você, leitor, consiga acompanhar nosso raciocínio neste
ponto (Figura 8.9).

Figura 8.9: Excerto de https://www.geogebra.org/m/xvqrtanu

Nenhuma base de EDBC (azul) é base do prisma, então não podemos compará-
la pura e simplesmente com as outras duas. Mas podemos olhar para a base DEB.
Usamos, para comparar ABCD (vermelho) com a outra pirâmide em verde, a base
ABC. Mas ABCD também pode ser observada na perspectiva de que ABD é a base.

Sendo assim, a área da base ABD é a mesma da base DEB, da pirâmide azul
(metade da área da face lateral do prisma). Quanto à altura, o quarto vértice, ligado à
base, nos dois casos, é o vértice C. E, como as bases ABD e DEB estão inseridas no
mesmo plano, a altura de C relativa a este plano é sempre igual. Logo, as pirâmides
ABCD (vermelho) e EDBC (azul) têm o mesmo volume, já que têm a mesma área da
base e mesma altura. Sendo assim, as três pirâmides têm o mesmo volume (lembra
que já sabíamos que que as pirâmides em vermelho e em verde têm o mesmo
volume?).

CQD.

Agora que entendemos o volume da pirâmide, vamos, a partir dela e usando o


Princípio de Cavalieri, encontrar a fórmula do volume do cone. Considerarmos uma

Livro - Revisitando a Construção de Demonstrações.indd 71 24/11/2023 08:59


Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 68

pirâmide e um cone com mesma área da base, como na Figura 8.10. Estas figuras
possuem a mesma altura. Basta concluirmos que eles têm secções horizontais de
mesma área para usarmos o Princípio de Cavalieri e descobrirmos o volume.

Imagine, como na imagem da Figura 8.10, que usamos um plano paralelo ao plano
das bases para obter uma secção do cone e uma da pirâmide. Assim, obtemos um
novo cone e uma nova pirâmide, onde a nova altura é h. Considere que altura das
figuras originais era H. Desta maneira, há uma razão k entre h e H, onde k = h/H.
Seguindo a mesma razão, temos k = r/R, se considerarmos os raios dos dois círculos
dos cones que queremos comparar.

Figura 8.10: Excerto de https://www.geogebra.org/m/uyr8axdj

Se considerarmos a relação entre as áreas, obtemos um fator de escala de K².


Isso pode ser ilustrado ao examinarmos o cone, comparando as áreas dos dois
círculos: o círculo maior, que é a base do cone original, e o círculo menor, que é a
base do novo cone menor obtido quando um plano horizontal paralelo corta o cone
original. O fator de escala K² surge da comparação dessas áreas, já que

Áreacírculo menor/Áreacírculo maior = π.r2/ π.R2 = (r/R)2=k2.

A Figura 8.11 ajuda a visualizar as estruturas que estamos comparando.

Como k2 é a razão entre as áreas e as áreas das bases do cone e da pirâmide


originais são iguais a A, por hipótese, temos:

K2 = A/Acírculo menor = A/Aretângulo menor.

Daí, Acírculo menor = Aretângulo menor.

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 69

O aplicativo no GeoGebra [3] ajuda a visualizar bem esta propriedade.

Figura 8.11: Elaborada a partir do excerto de


https://www.geogebra.org/m/uyr8axdj

A partir disso, e usando o Princípio de Cavalieri, podemos perceber que a fórmula


do volume do cone é π.(raio da base do cone)².altura/3.

UMA ANTICLEPSIDRA E O VOLUME DA ESFERA

Consideremos um cilindro e uma esfera de raio R, sendo que o cilindro tem altura
2R e raio da base R. Consideremos também dois cones congruentes, cujas bases
coincidem com as bases do cilindro. O sólido compreendido entre os cones e a face
lateral do cilindro é a anticlepsidra. Observe o passo a passo da construção da
anticlepsidra nas Figuras 8.12, 8.13 e 8.14. Inicialmente, mostramos o cilindro e a
esfera, depois os cones inseridos no cilindro e, finalmente, a anticlepsidra, que é o
sólido obtido se removermos os cones do cilindro.

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 70

Figura 8.12: Excerto de https://www.geogebra.org/m/bpkQGYHG

Figura 8.13: Excerto de https://www.geogebra.org/m/bpkQGYHG

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 71

Figura 8.14: Excerto de https://www.geogebra.org/m/bpkQGYHG

Vamos olhar mais de perto os cones que usamos (Figura 8.15). Chamaremos
AB=h. Note que AC = R (já que a altura do cilindro é 2R, por hipótese) e DC = R (pela
hipótese de que o raio da base do cilindro é R). Como ABE e ACD são semelhantes
pelo caso AA (ângulo-ângulo) e, além disso, isósceles, temos que BE = h.

Figura 8.15: Excerto de https://www.geogebra.org/m/bpkQGYHG

Usando esta informação e o princípio de Cavalieri, podemos mostrar que o volume


da anticlepsidra é o mesmo da esfera. Para tanto, provaremos que as áreas das
secções horizontais da anticlepsidra e da esfera são as mesmas, usando os
elementos mostrados na Figura 8.16.

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 72

Figura 8.16: Elaborada a partir do excerto de https://www.geogebra.org/m/bpkQGYHG

A área da coroa circular (secção horizontal da anticlepsidra) pode ser calculada


como:

Acoroa = π R2 - π r2 = π (R2 - r2)

Denotemos por d a distância entre o plano que corta a anticlepsidra e a esfera e


o centro destes sólidos. Da reflexão a partir da Figura 8.15, percebemos que d = r (lá
vimos que o triângulo retângulo formado por d, r e a lateral do cone é isósceles,
lembra?). Substituindo na Acoroa, temos:

Acoroa = π (R2 - d2)

Agora vamos pensar na área do círculo (secção horizontal da esfera).

Acírculo na esfera = π rc2

Na Figura 8.16, se lembrarmos que R é o raio da esfera, formamos um triângulo


retângulo na esfera com lados d, rc e R. Daí,

R2 = d2+rc2

Isolando rc2 e substituindo na expressão que dá a área do círculo na esfera,


encontramos:

Acírculo na esfera = π rc2 = π (R2 - d2)

Desta forma, podemos concluir que Acoroa = Acírculo na esfera.

CQD.

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 73

Esse é a ideia brilhante na demonstração do volume da esfera. Em uma conversa


no chat GPT, discutimos essa relevância e a importância deste olhar cuidadoso
quando elaboramos a estratégia para provar um resultado (Figura 8.17).

Figura 8.17: Chat GPT [1]

Mas precisamos continuar o raciocínio até encontrar o volume da esfera, o que


ainda não fizemos. Quando comparamos a esfera e a anticlepsidra, concluímos que
os seus volumes são os mesmos. Mas, qual é o volume da anticlepsidra?

Bom, para tal, precisamos fazer o volume do cilindro e retirar dele o volume dos
dois cones. Utilizaremos os elementos na Figura 8.18 para discutir a construção da
expressão que buscamos.

Figura 8.18: Excerto de https://www.geogebra.org/m/bpkQGYHG

O volume do cilindro é calculado pelo produto da área da base pela altura, ou seja,
π R2 . 2R = 2 π R3.

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 74

Cada cone tem volume igual a um terço da área da base vezes a altura. Isto é,
1/3(π R2 . R) = 1/3(π R3). Como são dois cones iguais, temos que seus volumes
somados são 2/3(π R3).

Logo, o volume da esfera será

Vesfera = 2 π R3 - 2/3(π R3) = 4/3 . π R3

Completamos as reflexões deste capítulo com uma provocação sobre o uso ou


não de demonstrações em salas de aula da educação básica feita no ChatGPT
(Figura 8.19). E vocês, leitores e leitoras, o que acham do assunto? Concordam com
a IA?

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 75

Figura 8.19: ChatGPT [1]

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Capítulo 8 - Fórmulas dos volumes das figuras espaciais mais recorrentes na escola | 76

REFERÊNCIAS - LINKS MENCIONADOS

[1] https://chat.openai.com/

[2] https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/revistaamazonia/article/view/1708

[3] https://www.geogebra.org/m/uyr8axdj

[4] https://www.geogebra.org/m/wc5e26dh

[5] https://www.geogebra.org/m/xvqrtanu

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Capítulo 9 - Área da superfície da esfera | 77

Área da superfície da esfera

Para demonstrarmos a fórmula que nos permite calcular a área da superfície da


esfera, já temos que partir do conhecimento que temos da fórmula do cálculo de seu
volume e do volume da pirâmide. Usaremos para isso infinitas pirâmides cujas alturas
coincidem com o raio r da esfera, para alcançar o nosso objetivo. A imagem abaixo
(Figura 9.1) ilustra o nosso intento.

Figura 9.1: Extraído de https://www.obaricentrodamente.com/2011/09/area-da-superficie-


esferica-partir-de.html

Com o objetivo claro, estamos prontos para avançar em direção à nossa meta,
seguindo um passo a passo cuidadosamente planejado, a fim de alcançar o nosso
propósito com sucesso.

PREPARANDO O TERRENO

Vamos elencar as fórmulas que já temos, considerando o raio da esfera e a altura


de cada pirâmide iguais a r:

● Volume da esfera Vesfera = 4 π r3/3

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Capítulo 9 - Área da superfície da esfera | 78

● Volume da pirâmide Vpirâmide = Área da base . r/3

O que buscamos é uma igualdade que nos ajude a isolar o que queremos entender
melhor: a soma das áreas das bases das pirâmides que estamos estudando. Isso é
especialmente importante porque essa equação se encaixa perfeitamente com a
superfície da esfera, o que nos dá uma conexão fundamental para nossa análise.

Analisaremos, para isso, o somatório dos volumes das infinitas pirâmides


(Svolume pirâmides) a partir da área da base de cada pirâmide Pi (APi), com i inteiro
variando de 1 a n, e da altura de todas elas (r).

Svolume pirâmides = (AP1).r/3+(AP2).r/3+....+(APn).r/3

Colocando r/3 em evidência, para isolarmos a soma das áreas das pirâmides,
teremos:

Svolume pirâmides = r/3 (AP1+AP2+....+APn)

O PULO DO GATO

Agora, como por hipótese, Vesfera = Svolume pirâmides, e considerando Svolume


pirâmides como a soma dos volumes das n pirâmides em que foi dividida a esfera,
podemos fazer:

4 π r3/3 = r/3 (AP1+AP2+....+APn)

Dividindo ambos os lados da igualdade por r/3, teremos:

4 π r2 = AP1+AP2+....+APn

Logo, a área da superfície da esfera é 4 π r2, já que é igual à soma das áreas das
pirâmides.

CQD.

APLICAÇÃO INTERATIVA

Criamos um aplicativo no GeoGebra que facilita a exploração e compreensão de


uma esfera em relação a uma das pirâmides destacadas em nossa estratégia de
demonstração. Nessa ferramenta, a pirâmide está posicionada de forma que sua base
repouse sobre a superfície da esfera, e sua altura equivale ao raio da esfera, ou seja,
r. Isso permite uma visualização dinâmica e uma apreciação sob diversas

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Capítulo 9 - Área da superfície da esfera | 79

perspectivas. Para acessar, basta clicar em https://www.geogebra.org/m/pgdtvfuy A


Figura 9.10 é uma captura de tela do referido aplicativo no GeoGebra [1].

Figura 9.2: GeoGebra [1]

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Capítulo 9 - Área da superfície da esfera | 80

REFERÊNCIA - LINK MENCIONADO

[1] https://www.geogebra.org/m/pgdtvfuy

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Capítulo 10 - Seno de 30º é ½ | 81

Seno de 30º é ½

Na escola, aprendemos que o seno de 30º é 1/2. Fazemos tabelas, até cantamos,
mas raramente questionamos por que é assim. Neste capítulo, vamos entender o
motivo por trás disso, já que na Matemática só consideramos algo verdadeiro após
provarmos. Vamos explicar tudo de forma tranquila, para entendermos bem o que
está acontecendo e discutindo as intencionalidades.

A proposta desse capítulo, em especial, é trazer um resultado de forma ainda mais


detalhada, tentando te ajudar a responder se acha viável ou não que esta discussão
seja feita na sala de aula da escola. Com esse objetivo, seremos ainda mais
minuciosos aqui, para que você, leitor e leitora, perceba que a profundidade dos
argumentos necessários em uma estrutura de demonstração é variável, podemos ser
mais diretos e superficiais nos argumentos ou podemos fazer isso de forma mais
detalhada, se considerarmos pertinente.

DISCUTINDO INTENCIONALIDADES

Temos nossa tese, nosso objetivo final: demonstrar que o seno de 30º é igual a
1/2.

Mas lembre-se que não se parte da tese, porque ela é o ponto de chegada da
nossa demonstração.

Inicialmente, precisamos analisar a nossa hipótese, que é o conjunto de


informações que temos e que nos permitirão chegar à tese. Vamos à elas. Estamos
lidando com um triângulo retângulo e com o seno de um ângulo nesse triângulo.

Como a prova envolve a utilização de triângulos retângulos, bem como


propriedades dos triângulos equiláteros e conceitos relacionados ao seno, lembremos
informações que podemos precisar ligadas a estes temas:

1. Seno = cateto oposto/hipotenusa.

2. Todos os ângulos internos de um triângulo equilátero são iguais a 60º e seus lados
são iguais.

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Capítulo 10 - Seno de 30º é ½ | 82

3. Um triângulo equilátero pode ser dividido em dois triângulos retângulos


congruentes usando uma ceviana ligando um de seus vértices ao ponto médio do seu
lado oposto.

4. Uma ceviana que liga um dos vértices ao ponto médio do seu lado oposto, em um
triângulo equilátero, é, ao mesmo tempo, altura, mediana, mediatriz e bissetriz.

Note que nosso objetivo é demonstrar que o seno de 30º é igual a 1/2. Para
alcançar isso, consideremos um triângulo equilátero genérico e tracemos uma
ceviana ligando um de seus vértices ao ponto médio do lado oposto. Isso nos levará
a dois triângulos retângulos congruentes, onde um dos lados é precisamente a
metade do lado do triângulo equilátero. Esse já é um sólido ponto de partida. A partir
daqui, seguimos adiante. E veja que estamos partindo da hipótese.

INICIANDO A NOSSA DEMONSTRAÇÃO

Vamos iniciar a nossa prova construindo um triângulo equilátero qualquer,


conforme mostra a Figura 10.1 adiante.

Figura 10.1: Elaborada a partir de [1]

Agora nós vamos partir em busca do nosso triângulo retângulo que tem um lado l
e um lado l/2. Para isso vamos construir uma ceviana.

Traçaremos uma ceviana partindo do vértice C até o ponto médio do lado oposto,
dividindo-o em dois segmentos de medida l/2. Esta ceviana é, ao mesmo tempo,
mediana e bissetriz, como já observamos em nossas reflexões. A Figura 10.2 mostra
a ceviana descrita.

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Capítulo 10 - Seno de 30º é ½ | 83

Figura 10.2: Elaborada a partir de [1]

Essa ceviana, como bissetriz, divide o ângulo C = 60º em dois ângulos iguais de
30º, como mostra a mesma Figura 10.2. Ela também divide o triângulo equilátero ABC
em dois triângulos retângulos congruentes ACH e BCH.

Vamos agora focar nossa atenção no triângulo retângulo ACH, embora possamos
escolher também o triângulo BCH, uma vez que ACH e BCH são congruentes. A
Figura 10.3 ilustra isso.

Figura 10.3: Elaborada a partir de [1]

Observe que, em ACH, temos que AH mede l e AC mede l/2, como ressalta a
Figura 10.3.

Note que AC é hipotenusa de ACH, e AH é o cateto oposto a C, que tem 30º.


Como seno de um ângulo é a razão entre o cateto oposto a ele e a hipotenusa, temos
que o seno de 30º é igual a AH/AC. Ou ainda, é igual a l/2 dividido por l, o que equivale
a 1/2.

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Capítulo 10 - Seno de 30º é ½ | 84

Concluindo, podemos escrever que:

seno de 30º = 1/2

CQD.

Veja que chegamos à nossa tese, que é o final do percurso.

EXPANDINDO

A demonstração do cosseno de 60º é análoga à demonstração anterior, percebe?


Portanto, é possível fazer, com ideias discutidas anteriormente, esta prova
exatamente com os mesmos argumentos, só trocando o seno de 30º pelo cosseno
de 60º. O aplicativo desenvolvido no GeoGebra [1], e utilizado aqui para delinear as
estratégias da prova do seno de 30º, aborda esse aspecto (Figura 10.4).

Figura 10.4: Elaborada a partir de [1]

PARA AMPLIAR HORIZONTES

Ficou interessado ou interessada?

Sim, usar este tipo de aplicativo no GeoGebra ajuda muito. E você já encontra
muitos deles prontos para usar. E, a partir da experiência, pode criar os seus para
conseguir abordar e explorar exatamente o que pretende.

Indicamos para quem quer conhecer ideias e a utilização do que conversamos


aqui no contexto da aula de Matemática na escola, a leitura da dissertação de
mestrado da Renata Reis, intitulada “Por que o seno de 30° é ½? uma proposta de

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Capítulo 10 - Seno de 30º é ½ | 85

investigação para uso em sala de aula”, disponível em:


https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/19950.

Há um mundo inimaginável a ser explorado...e você está convidado/convidada!

Quer saber o que o ChatGPT acha disso? Veja o que a IA escreveu na Figura 10.5
sobre isso.

Figura 10.5: ChatGPT [2]

E você, concorda ou acha que é só um ponto de vista nada imparcial?

No próximo, e último capítulo, trazemos reflexões sobre o percurso na construção


dos resultados em Matemática no esforço de elucidar esse que parece ser um mundo
misterioso e inacessível demais, mas é apenas recheado de rigor técnico para que a
veracidade das afirmações seja indiscutível. Conhecer os métodos, a linguagem e o
processo criativo tende a inserir mais pessoas, fazendo com todos sintam-se capazes
de enveredar por este fascinante universo da descoberta.

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Capítulo 10 - Seno de 30º é ½ | 86

REFERÊNCIAS - LINKS MENCIONADOS

[1] https://www.geogebra.org/m/tps2wgye#material/fjadfddz

[2] https://chat.openai.com/

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 87

Da conjectura à demonstração: pensando o processo

Neste capítulo, discutiremos, sem esgotar o tema (obviamente), o processo


criativo na Matemática. Como surge uma conjectura? Como vira teorema (ou não)?
Para facilitar a leitura, tentamos explicitar todas as definições e símbolos que
aparecem no texto, porém, em artigos científicos ou livros avançados, isto não é
assim. Sugerimos ao leitor que faça o exercício de, uma vez entendido o capítulo,
refazer a leitura ignorando as explicações mencionadas para exercitar a leitura em
linguagem matemática, que faz parte do aprendizado.

Iniciaremos nossa conversa aqui com um exemplo e, a partir dele, descreveremos


o processo de abstração até virar apenas um objeto puramente matemático. Em
seguida, convidamos você a refletir sobre o processo. Então, mãos à massa.

Maria é coordenadora de um curso numa universidade e João, o vice-


coordenador. O curso tem 10 professores: Miguel, Maria, Helena, Heitor, Davi,
Gabriel, Laura, Cecilia, Alice e Pedro. Maria pede para João marcar um horário com
cada professor individualmente para discutir assuntos das disciplinas que eles
lecionam. João marca e publica o seguinte anuncio:

No dia 12/06 cada professor deve se reunir com o coordenador nos horários
abaixo:

Tabela 11.1: Horário da reunião de cada professor com o coordenador

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 88

Imediatamente, começam as reclamações como: “eu tenho aula nesse horário”,


“nessa hora estou buscando meu filho na escola” ou “tenho médico marcado”. Então,
João decide enviar uma mensagem com o seguinte texto: Caros professores, dentro
dos horários da tabela anterior, escolham pelo menos três horários em que estejam
disponíveis para reunirem-se com o coordenador. Os professores assim o fizeram e
o resumo aparece na seguinte tabela:

Tabela 11.2: Disponibilidade dos professores para a reunião com o coordenador

Assim, João conseguiu marcar os horários, enviando aos docentes a mensagem:


No dia 12/06 cada professor deve se reunir com o coordenador nos horários abaixo:

Tabela 11.3: Horário final da reunião de cada professor com o coordenador


Quando Maria soube do acontecido, falou para João: “Você teve muita sorte. E se
todos tivessem escolhido somente os horários da manhã? A flexibilidade têm limites”.

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 89

Maria tem razão. Então, como lidar com o problema? Que condições devem que
ser impostas à lista de horários de cada professor para garantir a solução do
problema?

Vamos atribuir um olhar matemático ao problema. A primeira coisa é ver que, se


em lugar de pessoas e horários, fossem, por exemplo, impressoras com capacidades
distintas de realizar tarefas, como imprimir em cores, em tamanho A0, com qualidade
fotográfica etc., e se deseja vincular uma lista de tarefas ao grupo de impressoras, ou
companhias aéreas com horários de decolagem e aterrizagem para ocupar as pistas
num aeroporto, o problema seria resolvido de forma semelhante.

Então, o matemático abstrai-se das características qualitativas do objeto e


concentra-se exclusivamente nas características quantitativas, independentemente
da natureza do objeto. Como ponto de partida, temos um conjunto que chamaremos
de X. Em nosso exemplo, X é o conjunto de horários. Em seguida, a cada elemento
de outro conjunto, associamos um subconjunto de elementos de X. No exemplo em
questão, a cada professor do conjunto de professores associamos um conjunto de
horários como na Tabela 11.2.

Vamos formalizar isso.

Seja X um conjunto qualquer. Denotaremos por P(x) o conjunto de todos os


subconjuntos de X.

Por exemplo,

Se X = {1,2,3}, então P(X) = {∅,{1},{2},{3},{1,2},{1,3},{2,3},{1,2,3}}.

Observe que, nos exemplos dados, não tem sentido que um professor apresente
uma lista sem opções de horário, assim como não tem sentido usar uma impressora
quebrada, ou planejar decolagens de uma companhia que não tenha voos no
aeroporto em questão. Desta forma, para nosso modelo, iremos excluir o ∅ dos
nossos conjuntos possíveis. Por isso, daqui em diante, consideramos P*(X) = P(X) -
{∅}.

Definição: Dado um conjunto X, uma família finita de subconjuntos não vazios de


X é uma aplicação F: L → P*(x), onde L é um conjunto finito cujos elementos
chamaremos de índices. Para cada i ∈ L denotamos F(i) por Fi.

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 90

A partir daqui, usaremos apenas a palavra família para nos referirmos a uma
família finita de subconjuntos não vazios.

Podemos pensar numa família F como sendo uma k-upla ordenada10 de


subconjuntos de X, onde F = (F1,F2,F3,F4,...,Fk), busando da notação, usaremos a
escrita usual de conjuntos e escreveremos, F = {F1,F2,F3,F4,...,Fk}, Fi ∈ F para i ∈
{1,2,3, …,k} e UF= F1∪F2∪F3∪F4∪...∪Fk.

No nosso exemplo, X é o conjunto de horários, L é o conjunto de professores, e F


está definida pela escolha de horários da Tabela 11.2. Seguindo a notação, a primeira
linha da Tabela 11.2 seria escrita como:

F(Miguel) = FMiguel = {16:00h, 17:00h, 18:00h}

Em geral, quando se trata de uma família finita, costuma-se usar os índices


{1,2,3,…,k}, onde k é o número de elementos de L. Em nosso exemplo, k = 10, e
associamos 1 a Miguel, 2 a Maria e assim um a um, até associarmos 10 a Pedro.
Daqui em diante, denotaremos o conjunto {1,2,3, …,k} por Ik.

Agora vamos enunciar nosso problema em linguagem matemática.

Definição: Dados um conjunto X, um conjunto finito de índices L e uma família


F:L→P*(x), um sistema de representantes distintos (SRD) de F é uma aplicação
injetiva s: L → X tal que s(i) ∈ Fi.

No nosso exemplo, a Tabela 11.3 define a aplicação s. Veja que a cada professor
(i) do conjunto de professores L (ou índices) foi associado um elemento do conjunto
de horários (X) que está na lista de preferências do professor (F(i)) e a professores
diferentes são atribuídos horários diferentes (a função é injetiva).

Nosso problema fica formulado finalmente assim: Dados um conjunto X, um


conjunto finito de índices L e uma família F: L → P(x), quais são as condições para
que exista um SRD de F?

Lembre-se que o sistema de representantes distintos no nosso caso são os


horários atribuídos a cada professor escolhido dentre sua lista de preferências.

10 Chama-se k-upla ordenada pois tem k elementos e a ordem importa, pois o primeiro que aparece

representa a escolha do primeiro professor, o segundo representa a escolha do segundo professor e


assim por diante, até o k-ésimo, que representa a escolha do k-ésimo professor. Em geral, na posição
de cada índice, aparece o conjunto associado a ele.

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 91

Maria já nos apontou que nem sempre isto é possível, agora começa o trabalho
de conjecturar. A primeira coisa que salta à vista, depois da observação da Maria, é
que o número de horários total contido nas listas fornecidas pelos professores deve
ser maior, ou pelo menos igual, ao número de professores. Isto porque, segundo o
Princípio das Casas dos Pombos, se o conjunto de horários tem menos elementos
que o conjunto de professores, necessariamente, dois professores teriam que
compartilhar o mesmo horário, o que não condiz com as condições do problema.

Para um conjunto finito A qualquer, denotaremos por |A| a quantidade de


elementos de A.

Escreveremos agora a observação de Maria em termos matemáticos:


|UF|=|F1∪F2∪F3∪F4∪...∪Fk | ≥ k.

Como dito antes, os índices 1,2,3, ...,k representam os professores na ordem


dada. Logo, F1 representa a lista de horários de Miguel, F2 representa a lista de
horários de Maria, e assim por diante até chegar a F10 (10 é k em nosso caso), que
representa a lista de Pedro. Desta forma, a condição aplicada ao nosso problema diz
que a quantidade total de horários contidos nas listas tem que ser maior que o número
de professores, pelo motivo abordado antes.

Partimos para nossa primeira tentativa de enunciar o teorema. Para facilitar nossa
escrita, denotaremos por UF ao conjunto F1∪F2∪F3∪F4∪...∪Fk e por |F| o número de
elementos de L, ou seja, k.

Tentativa de enunciado 1: Dados um conjunto X, um conjunto finito de índices L


e uma família F:L→ P*(X), se |UF| ≥ |F| então existe um SRD de F.

Observação: Como |UF| ≤ |X|, a condição implica que |F| ≤ |X|.

No contexto do nosso exemplo, isto quer dizer que não podemos disponibilizar
menos horários do que a quantidade de professores. Depois de várias tentativas
frustradas, começamos a duvidar e chegamos ao seguinte contraexemplo.

Na definição de família, diz-se que a Tabela 11.2 representa a função. No nosso


exemplo, X é o conjunto de horários, L é o conjunto de professores, e F está definida
pela escolha de horários da Tabela 11.2.

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 92

Exemplo 11.1:

X = I5, L = I5, F = {F1,F2,F3,F4,F5}, onde F1 = {1,2}, F2 = {1,2} , F3 = {1,3,4}, F4 =


{1,2}, F5 = {1,2,5} . Veja que |UF| ≥ |F| pois |UF| = |F| = 5, mas |F 1∪F2∪F4| = 2 e
|{F1,F2,F4}| = 3, logo não podemos construir um SRD com estas condições.

Porque o Exemplo 11.1 é um contraexemplo? Porque satisfaz as condições do


enunciado mas contradiz a afirmação final, lembre que em lógica A ⟹ B somente é
falso se A (condições) é verdadeiro e B (afirmação final) é falso. Se alguém afirmar
que todos os professores de Matemática são carecas (condição é ser professor de
matemática, a afirmação final é ser careca), como você refutaria esta afirmação?
Bastaria mostrar um professor de matemática que não seja careca. Isto é um
contraexemplo. Note que, nesse raciocínio, é fundamental perceber que dizer “todos
os professores de Matemática são carecas” é o mesmo que dizer que “se alguém é
um professor de Matemática então esse alguém é careca”.

Como se chega ao Exemplo 11.1? Quando um matemático tenta provar algo e


percebe que não está conseguindo, começa a procurar um contraexemplo, para não
trabalhar em vão numa demonstração. Assim, tenta entender o que pode dar errado
e constrói casos particulares que tenham grandes possibilidades de contrariar a
suposição. Desta forma, a escolha dos conjuntos F1, F2, F3, F4 e F5 é feita depois de
se aprofundar bastante no problema e entender o que não está funcionando. O
problema aqui seria ter uma subfamília tal que a união de seus elementos tivesse
menos elementos do que os elementos da subfamília. O resto dos elementos da
família pode ser arbitrário, desde que sejam satisfeitas as condições do enunciado.
Desta maneira, foram escolhidos F1, F2 e F4, que formam uma subfamília F’= {F1, F2,
F4} da família {F1,F2,F3,F4,F5}. Veja que F’ tem 3 elementos assim |{F1,F2,F4}| = 3 e
F1∪F2∪F4 = {1,2}∪{1,2}∪{1,2} = {1,2} tem 2 elementos. Logo, |F1∪F2∪F4| = | {1,2} | =
2, e é claro que 2<3.

Na prática, muitas vezes também não se encontra um contraexemplo de forma tão


fácil, seja porque a afirmação, mesmo sendo difícil de provar, é de fato verdadeira,
seja porque o contraexemplo é muito rebuscado e difícil de achar. Vejamos alguns
casos que ilustram esta afirmação. A conjectura de Hao Wang, elaborada em 1961,
teve inúmeras tentativas de prova até ser achado um contraexemplo na tese de
doutorado de Robert Berger, em 1964. O famoso Último Teorema de Fermat,

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 93

enunciado em 1637, demorou mais de 300 anos para ser provado por Andrew Wiles,
em 1995. A Geometria Hiperbólica emergiu por volta de 1840 como parte dos esforços
para abordar a tentativa de provar o quinto postulado, que está presente nos
"Elementos" de Euclides, escritos aproximadamente no ano 300 a.C.. O próprio
Euclides acreditava que o postulado poderia ser um teorema e não um postulado.

O cenário anteriormente descrito ilustra a jornada desafiadora, porém


recompensadora, que culmina na confirmação ou refutação de uma conjectura
matemática. É fundamental ressaltar que a validação desses teoremas é, acima de
tudo, resultado da determinação incansável e da perseverança de inúmeros
matemáticos. Surge à mente a célebre citação frequentemente atribuída a Thomas
Edison, que sugere que "o talento é 1% inspiração e 99% transpiração".

Voltando ao nosso caso, o que nos diz o contraexemplo? Νos diz que não somente
F deve cumprir a condição, mas qualquer subfamília de F (isto inclui a própria família
F), entendendo aqui por subfamília qualquer escolha de subconjunto não vazio de
índices e os respectivos conjuntos associados. Se a subfamília for diferente de F,
diremos que é uma subfamília própria. Assim, partimos para a segunda tentativa:

Tentativa de enunciado 2: Dados um conjunto X, um conjunto finito de índices


L e uma família F:L → P*(x), se para toda subfamília G de F tem-se que |UG| ≥ |G|,
então existe um SRD de F.

Parece razoável fazer a prova pelo segundo princípio da indução11, pois os


conjuntos são finitos.

Faremos a indução em |F|, pois o incremento de |F|, em algum momento, implica


o crescimento de |X|, dado que |F| ≤ |X|. Isto quer dizer que, como o número de
elementos de F tem que ser menor que o número de elementos de X, se aumentamos
o número de elementos de F e não aumentamos o número de elementos de X, o
número de elementos de F poderá ser maior que o número de elementos de X, o que
não é permitido pelas condições do problema.

Se |F| = 1 a prova é evidente, pois temos um único conjunto não vazio e basta
escolher um elemento qualquer. Suponhamos que, se |F|≤k, a afirmação é verdadeira

11 No segundo princípio da indução, usa-se o fato de que a hipótese é verdadeira para todos os

números anteriores ao atual e não somente ao imediatamente anterior, como no primeiro princípio da
indução.

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 94

e provemos para F = |k+1|. Devemos agora, de alguma forma, dividir12 L para usar a
hipótese de indução. Como fazer isso?

Ideia de prova 1: Escolhemos Fk+1 e tomamos xk+1∈ Fk+1. Agora, formamos a


família F’ da seguinte forma: para cada i ∈ L-{k+1} fazemos F’i = Fi-{xk+1}. Temos que
comprovar que a família F’ satisfaz as hipóteses do teorema. Mas isto é falso. Veja o
seguinte exemplo.

Exemplo 11.2:

X = I5, L= I5, F = {F1,F2,F3,F4,F5}, onde F1 = {1,2}, F2 = {1,3}, F3 = {2,3}, F4 = {1,4},


F5 = {2,5}.

Se escolhemos x5 = 2, e criamos a família F’, obtemos:

X = I5, L= I4, F = {F1,F2,F3,F4}, onde F’1 = {1}, F’2 = {1,3} , F’3 = {3}, F’4 = {1,4}. Mas
veja que |F’1∪F’2∪F’3| = 2. Logo, as hipóteses do teorema não estão satisfeitas.

Claro que poderíamos ter escolhido x5 = 5 e tudo funcionaria bem, mas isso é
apenas um exemplo onde podemos visualizar os elementos. Em geral, temos que
pensar em como descrever a diferença entre uma escolha e outra, perguntar-nos se
existe sempre um elemento de Fk+1 que não está em nenhum outro conjunto da
família. (A resposta a esta última pergunta é: não necessariamente).

Então, o que podemos aprender com o exemplo?

Observemos que |F1∪F2∪F3| = 3 e |{F1, F2, F3}| = 3, ou seja, as cardinalidades da


família e da união dos elementos na família original F são exatamente iguais para a
subfamília {F1, F2, F3}, o que acarretou o fato de que, ao eliminar um elemento,
deixamos de satisfazer as hipóteses do teorema. Assim, temos que prestar atenção
a esse tipo de subfamília. Para tal, vamos diferenciar este tipo de subfamília, dando
a seguinte definição:

Uma família G qualquer é dita crítica se |UG| = |G|. Agora estamos em condições
de testar a segunda ideia.

Ideia de prova 2: Se F não possui subfamília própria crítica, a ideia 1 funciona


perfeitamente. De fato, para qualquer subfamília G que não contém F k+1, tem-se que

12 Veja que, ao dividir L, obtemos dois conjuntos que tem menos de k+1 elementos. Assim, podemos

aplicar a hipótese de indução.

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 95

|UG|>|G| pois |G| não é crítica. Logo, |UG-{xk+1}| ≥ |G|. Desta forma, as condições do
teorema continuam sendo garantidas e podemos aplicar a hipótese de indução. Se
existe uma subfamília crítica G de F, procedemos assim: como G é subfamília própria
então |G|<k+1 e podemos usar a hipótese de indução, obtendo um SRD para G que
denominaremos por S. Observe que S = UG pois |UG| = |G| = |S|.

Agora formamos a família F’ como segue: para cada i ∈ {1,2,3, …,k}, F’i ∈ F’ se e
somente se Fi ∉ F, onde F’i = Fi – UG. Em outras palavras, tiramos de F todos os
conjuntos já usados e, do restante, retiramos os elementos que já são representantes
de algum conjunto, pois já não podem mais ser usados. Neste momento, devemos
verificar que o que ficou satisfaz as hipóteses do teorema.

Veja que F’i ≠ ∅, pois a família obtida ao adicionar Fi a G é também uma subfamília
de F. Logo satisfaz as hipóteses do teorema.

E, como |UG| = |G|, necessariamente tem que existir um elemento de Fi que não
está em UG.

Se denominamos por G’ a família formada por todos os Fi tais que F’i ∈ F’, então a
junção de G com G’ é também uma subfamília de F. Como |UG| = |G|, então tem que
existir |G’| elementos de UG’ que não estão em G. E ainda, como |G’| = |F’|,
concluímos que F’ satisfaz as hipóteses de indução, logo, possui um SRD, o que
conclui a prova.

Vamos ilustrar esta última parte com a solução do Exemplo 11.2.

X = I5, L= I5, F = {F1,F2,F3,F4,F5}, onde F1 = {1,2}, F2 = {1,3} , F3 = {2,3}, F4 = {1,4},


F5 = {2,5}.

Veja que F1 = {1,2}, F2 = {1,3}, F3 = {2,3} constituem uma subfamília crítica, pois
U({F1,F2,F3}) = {1,2,3}. Logo, |U({F1,F2,F3})| = |{1,2,3}| = 3. Assim, escolhemos G =
{F1,F2,F3} com representantes 1 para F1, 2 para F2 e 3 para F3. Desta maneira, F’ é
formado por F’4 = F4 – UG = {4} e por F’5 = F5 – UG = {5}. Sendo assim, o
representante de F4 é 4 e o representante de F5 é 5.

Seguindo a ideia do exemplo, podemos mostrar que, se existe uma subfamília que
não satisfaz as condições do teorema então não existe SRD ou, de outra forma, se

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 96

existe SRD então toda subfamília satisfaz condições do teorema. Deixamos como
exercício a prova desta afirmação.

Após considerarmos o comentário anterior, o enunciado do teorema seria o


seguinte:

Teorema: Dados um conjunto X, um conjunto finito de índices L e uma família F:


L → P*(x), existe um SRD de F se e somente se para toda subfamília G de F tem-se
que |UG| ≥ |G|.

O teorema acima é conhecido na literatura como Teorema do Casamento pois, na


sua origem, o seu enunciado foi escrito como: tem-se um conjunto de n garotas e um
conjunto X de rapazes, cada garota i tem associado um conjunto Fi de rapazes com
os quais gostaria de se casar, é possível celebrar um casamento de forma que os
gostos das garotas sejam atendidos? Este teorema é considerado o mais importante
teorema básico da teoria de conjuntos finitos. A prova original é atribuída à Philip Hall,
em 1935, e a prova aqui descrita é de T.E Easterfield, em 1946, e faz parte do livro
“Paul Erdös, as mais belas demonstrações matemáticas”, de Martin Aignier e Günter
M. Ziegler. Do referido livro, extraímos o fragmento do prefácio da primeira edição:

Paul Erdös costumava falar sobre O Livro, obra na qual Deus mantinha as
demonstrações perfeitas de teoremas matemáticos, seguindo a máxima de
G.H. Hardy de que não há lugar permanente para matemática feia. Erdös
também dizia você pode não acreditar em Deus, mas, como matemático,
deve crer n’O livro [...]. (Aignier; Ziegler, 2017, p.3)13

Existem duas questões fundamentais aqui. Primeiro, a beleza intrínseca da


Matemática, onde a ideia de uma prova pode ser tão fascinante quanto uma sinfonia,
e isso precisa estar refletido na escola. Em segundo lugar, é de suma importância
confiarmos em nosso intelecto e jamais desistirmos simplesmente diante da
complexidade da prova de um teorema (ou exercício). É justamente nesse desafio
que encontramos a verdadeira essência da beleza matemática.

Voltando ao nosso exemplo, o que nos ensina o teorema criado na resolução do


problema?

13 AIGNIER, M. e ZIEGLER, G.M. Paul Erdös: as mais belas demonstrações matemáticas. Primeira
edição, 2017.

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 97

Primeiramente, é importante ressaltar que, do ponto de vista humano, é


praticamente impossível comprovar se as listas fornecidas pelos professores
permitem a marcação dos horários de forma ideal. Isso ocorre porque verificar essa
possibilidade exigiria a conferência de todos os grupos de 2, 3, 4, e até 10
professores, e o número de combinações seria exponencialmente grande. Imaginem
se tivéssemos 100 professores? O volume de combinações se tornaria enorme. Uma
vez que o teorema é formulado como uma condição "se e somente se", não há
escapatória quanto à obrigação de minuciosamente verificar as condições
estipuladas.

Nesse contexto, a melhor solução para João talvez seja postar a lista da Tabela
11.1 e informar aos professores que eles têm a opção de trocar os horários com seus
colegas, caso desejem. No entanto, caso não consigam realizar as trocas, devem
comparecer nos horários marcados originalmente.

Outro aspecto que o exemplo nos revela é que nem sempre a Matemática nos
oferece uma solução viável para um problema específico, contrariando a ideia de sua
completa exatidão. Ao escolher esse exemplo, partimos de um problema 'real' para
ilustrar que, em última instância, toda a Matemática é resultado da observação do
mundo que nos cerca. Os axiomas, que são o ponto de partida da Matemática, são
obtidos dessa forma.

Contudo, é importante não nos enganarmos, o processo de construção da


Matemática pode levar-nos a conceitos tão abstratos que não encontram exemplos
palpáveis no mundo atual. Nem toda a Matemática faz parte do cotidiano atual; a
Matemática produzida hoje possivelmente será aplicada apenas em um futuro
distante, assim como a Matemática produzida no passado é aplicada nos dias de hoje.

Com base nisso, podemos citar a Geometria Hiperbólica, desenvolvida por János
Bolyai (1802-1860) e Nicolai Lobachevsky (1792-1856), como exemplo. Essa
geometria só foi aplicada em 1905, com a Teoria da Relatividade de Albert Einstein.
Outro caso é o Pequeno Teorema de Fermat (1640), que encontrou aplicação
somente na criptografia RSA (1978), desenvolvida por Ron Rivest, Adi Shamir e
Leonard Adleman.

O parágrafo anterior evidencia que o ensino da Matemática não se resume a


apresentar um conjunto de fórmulas com algumas aplicações - algo que pode ser

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Capítulo 11 - Da conjectura à demonstração: pensando o processo | 98

realizado por um computador, programado por um ser humano, é claro. A verdadeira


essência da Matemática é desenvolver o pensamento crítico. Esse pode ser o
principal objetivo do seu aprendizado, inclusive para aqueles que não seguirão
carreiras nas áreas de ciências exatas.

Diferentemente de outras ciências, a Matemática oferece um raciocínio limpo e


livre de "ruídos", o que a torna ideal para aprimorar essa habilidade. Infelizmente,
muitas vezes a Matemática apresentada nas salas de aula é a "Matemática feia",
enfatizando competências relacionadas a decorar ou repetir algoritmos, sem espaço
para criatividade ou humanidade.

Este livro é um convite para o desafio de (re)visitar a forma como aprendemos e


ensinamos Matemática, desconstruindo padrões e estimulando esta conversa franca
e necessária. Nós, enquanto sociedade, esperamos que o pensamento matemático
nos ajude a construir o mundo que queremos. Estamos caminhando nessa direção
com o que estamos ensinando e aprendendo?

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Epílogo: promessa é dívida | 99

Epílogo: promessa é dívida

Na introdução deste livro, nos comprometemos a explicar tudo que fosse possível
de ser explicado, sem deixar lacunas. Então, cumprindo essa promessa, vamos
explicar o que representa a figura que aparece na capa, é claro!

Para poder entender, devemos primeiro conhecer alguns conceitos, mesmo que
de forma muito superficial.

GRAFOS BIPARTIDOS

Vamos voltar ao problema que dá início ao Capítulo 11. Outra forma de


representar a Tabela 11.2 é a seguinte:

Figura 12.1

Na Figura 12.1, cada ponto na coluna da esquerda representa um professor e


cada ponto na coluna da direita representa um horário de reunião com o coordenador.
Em termos matemáticos, a coluna de pontos da esquerda representa o conjunto de
índices L e a coluna da esquerda representa o conjunto de escolhas X.

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Epílogo: promessa é dívida | 100

Cada ponto da esquerda é ligado a todos os elementos do conjunto de escolhas


a ele associados, à direita. No nosso problema, cada professor é ligado aos horários
que estão na sua lista de preferência (consultar Tabela 11.2).

Estão destacadas em verde, na Figura 12.1, as ligações com o horário que foi
finalmente atribuído, segundo a Tabela 11.3.

Uma estrutura como a da Figura 12.1 é denominada grafo. Os “pontos” são


chamados de vértices e as “linhas” de arestas. No caso do grafo da Figura 12.1, todas
as arestas ligam um professor a um horário, mas não existem arestas ligando
professor com professor, nem horário com horário. Quando um grafo pode ser dividido
em dois conjuntos disjuntos, de forma que todas as arestas ligam vértices de um
desses conjuntos com vértices do outro, o grafo é denominado grafo bipartido.

REPRESENTAÇÃO DO DODECAEDRO NO PLANO

Como seu nome indica, o dodecaedro é um sólido com 12 lados. Mas existe uma
representação do dodecaedro no plano como apresentado na Figura 12.2.

Figura 12.2

Na Figura 12.2, observe como a décima segunda fase é delimitada pelas arestas
mais espessas, as quais constituem o pentágono externo. Podemos visualizar essa
situação como se colocássemos uma lanterna acima da estrutura esquelética do
dodecaedro e nos certificássemos de que as sombras projetadas pelas arestas não

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Epílogo: promessa é dívida | 101

se sobrepusessem. Nessa representação planar do dodecaedro, as características


topológicas são preservadas, mantendo-se as fases adjacentes e os vértices
contíguos inalterados.

Ambas satisfazem a fórmula de Euler (F-A+V = 2, onde F é o número de faces A


o número de arestas e V o número de vértices) mas, embora as características
topológicas se mantenham intactas, as propriedades métricas são sacrificadas nesse
processo. As arestas já não são congruentes, tampouco os ângulos se preservam.
De fato, qualquer medida em geral sofre alterações substanciais. Isso ocorre porque,
assim como a sombra projetada de um objeto nem sempre reflete suas dimensões
originais, a representação no plano também não é capaz de preservar fielmente as
informações métricas do dodecaedro tridimensional.

A FIGURA DA CAPA

O dodecaedro possui 20 vértices, assim como o grafo bipartido da Figura 12.1.


Então, a ideia foi construir uma figura que, de alguma forma, herde características
dos dois, de forma a unificar os conceitos geométricos estudados com o teorema do
Capítulo 11.

Claro que vamos perder informação de ambos, mas a figura é mais artística que
conceitual. Vejamos a figura assim elaborada:

Figura 12.3

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Epílogo: promessa é dívida | 102

Observe que, na Figura 12.3, todas as arestas ligam um vértice vermelho a um


vértice azul. Logo, este é um grafo bipartido.

Podemos pensar que os vértices vermelhos representam os professores e os


azuis os horários. Para evitar cruzamentos de arestas, apenas ligamos professores a
três horários, e também não nos preocupamos com sermos fieis à Tabela 11.2. Aqui
também as arestas em verde representam o horário atribuído ao professor, de acordo
com suas preferências.

A posição dos vértices da figura foi mapeada a partir da representação no plano


do dodecaedro com o propósito de que, desta forma, a figura unifique as ideias da
geometria tratada ao longo do livro com o problema exposto no capítulo final.

Indubitavelmente, a Matemática é verdadeiramente fascinante, revelando


conceitos intrigantes e uma notável beleza mesmo em figuras aparentemente
simples, não acha?

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Respostas | 103

Respostas

Como diria o pensador profundo, é 42, para tudo. Quem leu o Guia do Mochileiro
das Galáxias sabe ;). Experimente colocar a pergunta “Qual é o segredo da vida, do
universo e tudo mais” no Google e veja o que aparece.

Brincadeirinha! As respostas e construções interativas aqui abordadas estão no


livro aberto que disponibilizamos no GeoGebra. Para acessá-lo, consulte o link:
https://www.geogebra.org/m/tps2wgye.

No nosso livro, demos uma mexidinha diferente: agora, quando mencionamos


uma ideia que trouxemos de algum lugar, não deixamos você na mão. Além de contar
de onde tiramos aquilo (dá uma olhada nas notas de rodapé), adicionamos links no
final de cada capítulo. Assim, se bater a curiosidade ou a vontade de aprofundar, é
só clicar ali e voilà, mais informação fresquinha na sua frente. A ideia é deixar tudo
mais perto e prático, para você curtir a leitura numa boa!

E para quem teve a curiosidade aguçada ainda mais neste finalzinho, O "Guia do
Mochileiro das Galáxias" é uma famosa série de livros de ficção científica escrita pelo
talentoso autor britânico, Douglas Adams. Esta série é apreciada por seu humor
inteligente, sátira social e abordagem original de questões filosóficas e existenciais.
E você percebeu como essa referência se encaixa perfeitamente aqui em nosso
texto? Assim como os personagens do livro embarcam em aventuras cósmicas
extraordinárias, aqui exploramos conceitos e informações fascinantes, tal qual a
incrível jornada dos mochileiros intergalácticos.

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Sobre os autores

DANIELA MENDES VIEIRA DA SILVA


Doutora pelo programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da UFRJ (PEMAT-
UFRJ) e mestre pelo programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemática da UFRRJ (PPGEDUCIMAT_UFRRJ). Graduada em Licenciatura em
Matemática pelo CEDERJ/UFF. Professora Adjunta do Departamento de Matemática e do
Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional - PROFMAT da Faculdade de
Formação de Professores da UERJ atuando como coordenadora de projetos da FAPERJ,
de extensão e da CAPES. Pesquisa a aprendizagem de Matemática com multimeios no
laboratório, com o suporte da Teoria dos Registros de Representação Semiótica. É líder
do Grupo de Pesquisa em Aprendizagem e Ensino de Matemática da FFP-UERJ, o
GPAEM-FFP.

ABEL RODOLFO GARCIA L OZANO


Doutor em Engenharia de Produção na área de Pesquisa Operacional pela UFRJ e mestre
em Matemática pela UFF. Graduado em Matemática pela Universidad de La Habana.
Professor Associado do Departamento de Matemática e do Mestrado Profissional em
Matemática em Rede Nacional - PROFMAT da Faculdade de Formação de Professores
da UERJ atuando no ensino, pesquisa e extensão na área de Matemática Discreta e
Combinatória, especificamente Teoria dos Grafos onde trabalha fundamentalmente com
problemas de coloração e operações com grafos, também possui experiência na área de
ensino de matemática. É líder do grupo de pesquisa: Matemática Discreta, Estruturas
Algébricas e Sistemas Dinâmicos.

FABIO MENEZES DA SILVA


Doutor em Ensino e História da Matemática e da Física e mestre em Ensino da Matemática
pelo PEMAT-UFRJ. Graduado em Licenciatura em Matemática pela UFRJ. Professor há 22
anos em escolas de educação básica da rede pública. Foi tutor do CEDERJ em Matemática
Discreta e Construções Geométricas. Professor Assistente do Departamento de Matemática
da Faculdade de Formação de Professores da UERJ atuando no ensino, pesquisa e
extensão em Análise Matemática e em Ensino de Matemática.

MARCELE CÂMARA DE SOUZA


Doutora em Modelagem Computacional pela UERJ e mestre em Matemática Aplicada pela
UFRJ. Graduada em Licenciatura em Matemática pela FFP-UERJ. Professora há 20 anos.
Foi Professora de Matemática em escolas de educação básica da rede pública do Rio de
Janeiro. Professora Associada do Departamento de Matemática e do Mestrado Profissional
em Matemática em Rede Nacional - PROFMAT da Faculdade de Formação de Professores
da UERJ atuando no ensino, pesquisa e extensão em Computação, Ensino de Matemática
e Estágio Supervisionado.

PRISCILA CARDOSO PETITO


Doutora e mestre na área de Algoritmos e Combinatória em Engenharia de Sistemas e
Computação pela COPPE-UFRJ. Graduada em Licenciatura em Matemática pela FFP-
UERJ. Professora há 24 anos. Foi Professora de Matemática em escolas de educação
básica das redes pública e privada. Professora Associada do Departamento de Matemática
e do Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional - PROFMAT da Faculdade
de Formação de Professores da UERJ atuando no ensino, pesquisa e extensão em Álgebra,
Ensino de Matemática e Estágio Supervisionado.

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REVISITANDO A CONSTRUÇÃO DE
DEMONSTRAÇÕES:
A ARTE E ELEGÂNCIA MATEMÁTICA
NA GEOMETRIA DA ESCOLA

Este livro foi criado para pessoas que se interessam pelo


intrigante universo das demonstrações matemáticas. Seja
você um estudante ou alguém que simplesmente deseja
explorar o assunto. Nele, você encontrará informações
sobre os bastidores das demonstrações matemáticas,
bem como as intenções de seus criadores. Tudo isso é
apresentado de forma amigável e bem-humorada para
ajudá-lo a entender melhor esse universo fascinante.

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