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MEU DIABO
Copyright © 2023 por Yago Martins
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Martins, Yago
Esse Deus é meu diabo: Reflexões e aplicações práticas da mensagem de Jó 1—10 / Yago
Martins. — 1. ed. — Rio de Janeiro: GodBooks, 2023.
176 p.
ISBN 978-65-89198-78-9
1. Bíblia. 2. Teologia. 3. Igreja. 4. Espiritualidade. I. Título
CDD: 241.9
CDU: 242
Categoria: Teologia
Introdução
1. Esse Deus é meu diabo
Jó 1
2. A fé em um caco de telha
Jó 2
3. Como crer se eu quero morrer?
Jó 3
4. Teologia certa para a dor errada
Jó 4—7
5. A humildade do diabo
Jó 8—10
Conclusão
Índice de ilustrações
Sobre o autor
“Se eu conversasse com Deus iria lhe perguntar: por que é que
sofremos tanto quando viemos pra cá?
Que dívida é essa que a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também como é que ele é feito que não dorme, que
não come e assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez a gente do mesmo jeito?
O livro de Jó, no entanto, nos mostra que esses homens não têm
razão para achar que Deus não nos enviou o mal e que nunca é da
vontade dele o sofrimento de seus filhos. O livro nos mostra, ainda,
que os homens nem sempre têm razão: o nosso esforço por entender
Deus ou de tentar justificar a existência pelos nossos próprios meios
não faz sentido, já que temos um Deus que não se deixa engarrafar,
que não se permite agir dentro daquilo que nos é fácil explicar.
O livro de Jó nos mostra um Deus que, para muitos, é o diabo, mas
que, para nós, que olhamos pelas lentes da fé para as circunstâncias da
vida presente, entendemos que ele é nada mais do que o bom e
soberano Senhor sobre a nossa vida e sobre cada uma das nossas
criações.
O livro de Jó é um livro sobre o sofrimento do justo e sobre um
sofrimento que Deus envia. Ele existe para nos humilhar e, de forma
indigesta, nos apresentar um Deus que envia sofrimento para seus
filhos a fim de encontrar glória para o próprio nome — e isso não faz
dele um Deus mau e tampouco menos soberano. Apesar de indigesto,
o livro de Jó é urgente. É urgente para quando nossa vida é posta em
risco, para tempos em que nossas empresas vão mal financeiramente
ou nosso emprego é ameaçado, para quando nossos familiares
adoecem ou para quando nós perdemos algum ente querido.
Em seu capítulo 1, nos é apresentada, em quatro atos, uma
narrativa sobre aquilo que precisamos nos lembrar para que não
acusemos Deus de ser o diabo, mas que esse Deus é nada mais do que
o Senhor soberano das Escrituras.
Próspero
Em segundo lugar, Jó era próspero. E não só espiritual, mas também
financeiramente. Na teologia do Antigo Testamento, em especial na
teologia de Deuteronômio, riqueza era bênção de Deus. O povo de
Israel era abençoado à medida que era fiel ao Deus vivo e isso acabava
por se manifestar na vida de indivíduos de Israel. Temos diante de nós
um livro muito antigo, mas que ainda está sob a forma de Deus gerir a
dispensação da Antiga Aliança, onde Deus prosperava Israel quando
eles se arrependiam e os derrubava quando estavam orgulhosos no
pecado. Jesus muda essa compreensão principalmente no Sermão do
Monte, quando diz que bem-aventurados são os pobres de espírito,
contrapondo o que diziam a mística e os documentos judaicos, que
bem-aventurado é o rico no Senhor.
Na verdade, temos aqui um Jó que segue o caminho natural daquilo
que Deus prometeu ao povo de Israel: se fossem fiéis, Deus iria
prosperá-los e encher os seus celeiros. Jó era um homem abençoado
financeiramente, o que mostrava que ele era favorecido de forma
especial pelo Deus vivo. Ele era o homem mais próspero de todo o
Oriente, diz o texto, logo, ele era o homem mais rico do mundo
conhecido. Ele era um homem justo e um homem muito rico e, ainda
assim, o sofrimento o alcança. Isso porque dinheiro ou recursos não
faz ninguém escapar do sofrimento; riquezas não impedem que Deus
cumpra seus propósitos de dor em nossa vida.
Tudo ia bem na economia mundial até ocorrer a quebra na bolsa de
valores americana, em 1929, e multimilionários começaram a pular de
prédios. A sua empresa está prosperando, crescendo, tem dinheiro no
banco e, de repente, vem uma pandemia mundial e acaba com tudo.
Ou então o financiamento que fez dá errado e o dinheiro acaba e sua
poupança gordinha começa a se esvaziar. E agora?
O dinheiro de Jó não impediu que ele sofresse. Sua vida justa não
impediu seu sofrimento. Isso porque as seguranças e as circunstâncias
da vida não são suficientes para garantir que viveremos longe de
provações.
Família íntegra
Em terceiro lugar, Jó tinha uma família íntegra. Ele não foi
simplesmente o homem que cuidou da própria vida de fé, mas que
levou o cuidado para a própria família. Jó tinha filhos que viviam em
harmonia. O texto diz que ele tinha sete filhos homens, que davam
banquetes cada um em sua casa. Os filhos homens eram casados,
tinham as próprias famílias e Jó tinha três filhas que eram convidadas
a participar desses banquetes. O fato de elas não darem os banquetes
em suas casas parece indicar que ainda moravam com Jó. Então, Jó
possuía dez filhos e ter muitos filhos representava, no Antigo
Testamento, bênção de Deus.
Vemos que se tratava de uma família grande e unida, que se
amavam e cuidavam uns dos outros. Ao visualizar uma família com
dez filhos, só me vem uma coisa à mente: confusão! Eu tenho muitos
parentes que têm muitos filhos e sempre tem um que é intrigado com o
outro, que não fala com alguém ou que não se dá bem com outro — e
sempre há alguma confusão. No texto, vemos uma família de dez
filhos que se banqueteiam uns na casa dos outros e convidam as irmãs
que moram com o pai para participar. Os irmãos eram amigos e todos
pareciam ser uma família que vivia de forma harmônica. Jó passa a
impressão de ter criado bem seus filhos, ao dar uma boa estrutura de
relacionamento para eles.
Jó tinha uma família íntegra e, mesmo assim, isso não impediu que
o mal viesse sobre ela, e não só sobre Jó. Sabemos, pela história, que o
patriarca perde seus filhos. A boa educação que lhes deu não impediu
que sofressem. Porque, quando pessoas ao nosso redor sofrem, muitas
vezes perguntamos: “Onde foi que eu errei?”, “O que foi que eu fiz de
errado para que Deus punisse meu filho?”, “ Será que eu o criei
mal?”, “ Será que eu não fui um bom pai?”, “Será que eu trouxe
maldição para dentro da minha casa?”. Na verdade, podemos fazer
tudo certo e agir de forma perfeita com nossos filhos; criá-los no
caminho da Palavra; fazê-los crescer justos, íntegros e retos, tendo um
bom exemplo, e, ainda assim, as coisas darem errado.
Afinal, as nossas boas obras não garantem que, deste lado da
eternidade, as coisas darão certo, que o sofrimento não nos alcançará.
O palco e a plateia
Na ocasião relatada no início do livro de Jó, o diabo vinha “de rodear
a terra”. Satanás não parece morar no abismo do inferno; ele está
rodeando a terra, olhando e atrapalhando os filhos de Deus,
passeando pelo mundo para o nosso mal. Sim, o mal nos alcança. Sim,
é o dedo do diabo que toca em nós. O mal nos alcança porque há
forças malignas que rodeiam a terra e intentam contra os homens de
Deus.
Nessa passagem, Deus provoca o diabo por meio de Jó. Satanás não
chegou acusando o patriarca, é Deus quem o provoca, o incita. Deus
chega para ele e diz: “Você estava onde?”. O diabo responde: “Eu
estava rodeando a terra.” É quando Deus ressalta que havia um
homem em Uz que era íntegro, crente, reto e se desviava do mal. Isso
parece loucura, pois Deus está cutucando o diabo, praticamente o
humilhando por meio da fidelidade de seus santos. Podemos perceber,
assim, que a santidade dos crentes, crentes lutando contra o pecado e
perseverando na fé, humilha as entidades espirituais malignas. Deus
nos usa como argumento contra o diabo, operando em nós
perseverança justamente para poder jogar na cara do diabo que ele
não é nada.
O sofrimento que recai sobre nossa vida — que muitas vezes é, sim,
o próprio Satanás tocando em nós — não vem simplesmente por
iniciativa do diabo. Vem, muitas vezes, por iniciativa de Deus. Isso é
chocante quando olhamos para a vida por uma perspectiva
antropocêntrica, como se fôssemos os senhores dos nossos reinos.
Achamos que Deus nunca poderia permitir que sofrêssemos, que ele
nunca planejaria nosso sofrimento, que nunca tomaria a iniciativa de
nos machucar. Mas, na revelação dos planos secretos do Senhor dos
céus, vemos um Deus que toma a iniciativa de ferir Jó. E é esse mesmo
Deus que toma a iniciativa de nos ferir hoje. Ele não só permite que
aquilo que entendemos como mal caia sobre você; ele o planeja e o
executa, justamente para que o seu nome seja glorificado em nós.
O nosso conforto e o nosso bem-estar são pouco se comparados
com os planos secretos de Deus para a nossa vida. Sempre
sacrificamos o menor em nome do maior. Sempre sacrificamos um
tempo de conforto para estudar e passar em um concurso. E Deus,
seguindo esse mesmo raciocínio, sacrifica o nosso bem-estar, a nossa
saúde, a nossa vida financeira para nos dar coisas maiores e melhores
— como mais comunhão com ele, algo muito melhor que qualquer
coisa dessa vida.
Veremos, ao longo do livro, que os planos de Deus se revelam na
vida de Jó por meio de dor e sofrimento. Mas, no fim da história, Jó
consegue ver Deus de uma forma que ele não via quando estava alheio
ao sofrimento.
Talvez esta seja a primeira grande e maravilhosa mensagem que esse
texto nos traz: nas nossas batalhas contra o pecado, nós não estamos
trancados, sozinhos, sem que ninguém nos veja. As nossas lutas contra
o pecado acontecem em um palco. E temos por plateia da nossa
perseverança os reinos espirituais — uma plateia imensa de anjos e
demônios. E, em cada escolha, há uma resposta dentro do mundo
espiritual. Porque, quando você, alcóolatra, rejeita mais um copo;
quando você, lascivo, fecha o seu computador e sai de casa; quando
você, cobiçoso, rejeita as aproximações de uma mulher que não é a
sua, ou de um marido que não é seu; quando você termina um
namoro sem futuro; quando você deixa de ser egoísta, orgulhoso,
violento... cada escolha dessas não aconteceu somente em seu coração
e em sua vida privada, mas diante de uma plateia envolvida em uma
guerra cósmica — e sua santidade gera festa nos céus, cria argumentos
contra o diabo e traz glória eterna ao Deus vivo.
Caso você tenha encontrado Jesus, saiba que foi inserido em uma
grande história argumentativa em prol da glória e da grandeza de
Deus diante de todo o mundo espiritual. Quando vemos Deus
provocar o diabo por meio da vida de Jó, ele se torna um argumento
vivo para humilhá-lo, para estabelecer, no mundo espiritual, a
grandeza de Deus e a fraqueza de Satanás. Jó é o argumento de Deus,
é o referencial teórico da prova que Deus estabelece diante dos anjos,
dos filhos de Deus, das forças espirituais, de que Satanás é um
derrotado e Deus continua grande!
Deus que nos usa como argumento para estabelecer a sua grandeza
diante do reino espiritual. Isso nos dá senso de propósito para a vida,
a santidade e nosso relacionamento com Deus. Não existimos
simplesmente como indivíduos que nascem, crescem, se reproduzem e
morrem; nós existimos diante de um grande palco do mundo
espiritual para provar que Deus é majestoso.
E, quando perseveramos e permanecemos na fé durante o
sofrimento, os anjos batem palmas, o diabo é humilhado e Deus é
honrado diante do mundo. Há alegria nos céus quando Deus
apresenta ao diabo um de seus filhos e diz: “Este é íntegro, justo, se
desvia do mal, permanece no meu caminho. Perdeu tudo, sofreu e
ainda está comigo. Criou bem os filhos, fugiu do pecado, fez um pacto
com os próprios olhos para não cobiçar as virgens, perdeu a mãe,
faliu, ficou doente, quase morreu no hospital e continuou.” Satanás é
humilhado quando lutamos contra o pecado.
Lembre-se: quando estiver diante do pecado, você não está
escondido, sozinho; mas está em um palco, diante de uma plateia. E
Deus poderá usar aquilo que ele mesmo opera em seu coração como
argumento para humilhar as hostes do mal. O livro de Jó não nos
conta a história de um diabo que toca em Jó pura e simplesmente
contra Deus, contrariando seus planos, como se o Senhor não estivesse
vendo.
Martinho Lutero dizia que até o diabo é o diabo de Deus. Por quê?
O diabo é um cachorro violento, mas há um Senhor segurando a
coleira desse cão selvagem. Ele é perigoso, mas não está fora da
soberania de Deus, pois nada está fora dela. Satanás quer nos matar,
morder e destruir. Satanás diz: “Mas tu colocaste uma barreira em
volta dele.” Satanás não nos destrói não porque ele já esteja preso —
isso virá em uma escatologia futura —, mas porque Deus coloca
barreiras ao nosso redor. Satanás não podia tocar na prosperidade de
Jó nem em sua pessoa porque Deus não permitia. Se Deus não
estivesse nos protegendo, nós não estaríamos aqui.
Lembro-me de um sermão de Spurgeon chamado Poupado!, que ele
pregou quatro anos depois da última onda de pandemia de cólera em
Londres. Ele, então, relembra que, no começo de seu ministério,
passava mais tempo enterrando mortos do que consolando vivos
devido à proliferação da doença. E ele dizia: “Por que a bala da peste
zuniu em seu ouvido e você permaneceu vivo? O que fez com que uns
que se protegeram mais morressem e você, que se protegeu menos,
esteja vivo agora?” Ele mesmo responde: “Só há uma resposta: Deus o
deixou de resto, Deus o poupou. A única coisa que faz com que nós
estejamos aqui, não enterrados, a única coisa que faz com que nós não
tenhamos que consolar seus parentes, é que Deus colocou uma cerca
ao seu redor. Até aqui, Deus o protegeu; até aqui, Deus impediu que
Satanás tocasse em você. Ele não deixou que o leão o tragasse.” A
nossa justiça, a nossa santificação, tudo aquilo que fazemos não é o
suficiente para impedir que Satanás nos toque; somos poupados
porque Deus nos protege.
Dando continuidade à narrativa, vemos Satanás tentando acusar Jó,
dizendo que sua fé não era genuína e verdadeira. Jó só tinha aquela fé
porque tudo ia bem em sua vida. E, quando tudo está indo bem, como
dizem, “até eu”. Quando tudo vai bem é fácil.
Curiosamente, por mais que nossas Bíblias tragam “Satanás”, em
muitas traduções não aparece um nome próprio. Hasatan, no
hebraico, significa “o acusador”, que é um dos nomes do diabo e é o
que o nome Satanás significa: o acusador. No contexto da passagem,
ele está justamente nos céus acusando Jó, dizendo que sua fé era falsa,
que Jó só era próspero espiritualmente porque era próspero na vida
financeira. E o que que Deus faz? Deus põe aquilo que Satanás diz à
prova. Notem que Deus não precisava provar nada a Satanás: já há
uma escatologia futura que diz que ele será destruído. Deus não
precisa provar nada para ninguém, mas ele prova. Por quê? Para que
seu nome fosse glorificado na vida de Jó, para que em toda eternidade
Deus encontrasse glória para o seu nome por meio da fidelidade de Jó
no sofrimento.
Terei, agora, o meu pequeno momento Martinho Lutero: soltar uma
frase um pouco polêmica, mas, por favor, contextualizem-na. Se você
abrir aspas, fechar aspas e publicar no Facebook, provavelmente eu
seria preso pela polícia da teologia. Então, contextualizem-na.
Quando Satanás trabalha, Deus trabalha. Quando o diabo trabalha,
Deus está trabalhando. O diabo nos toca, nos machuca, nos ofende, e
ele será punido por isso, sofrerá por toda a eternidade por causa de
todo mal que nos fez. Porém, Deus transforma o mal em bem,
transforma as ciladas do maligno em coisas que nos trazem para mais
perto dele, pois temos um Deus que é soberano até sobre as
armadilhas do maligno.
Deus não precisava provar nada ao diabo. Mas ele não está
provando somente ao diabo, ele está provando a Jó. O servo de Deus,
aqui, termina melhor do que começou. Jó sai dessa jornada com Deus
adiante das suas provações que vêm pela mão do maligno e sai mais
próximo do Altíssimo. Satanás achava que iria separar Jó de Deus ao
tocar em suas coisas. E o que Satanás fez foi aproximar Jó de Deus. O
tiro saiu pela culatra.
Não é essa a ideia por trás de Romanos 8, de sermos mais do que
vencedores? O acusador vem, tentando nos acusar, trazendo morte,
sofrimento, fome, medo, frio, espada e, diante de todas essas coisas,
saímos mais do que vencedores, pois aprendemos a nos aproximar
cada vez mais de Deus e nos tornamos mais parecidos com Cristo. Só
temos motivos de agradecer a Deus, até mesmo quando o mal nos
toca, até mesmo quando Satanás nos toca, porque Deus está agindo
soberanamente, trabalhando por meio de tudo que acontece em nossas
vidas. Enquanto Deus usa homens que tentam fazer o mal tornando-o
em bem, nós podemos encontrar graça e força para resistir, pois o mal
não vem sozinho: ele sempre vem com um Deus que está trabalhando
por trás do mal para transformá-lo em bem.
O salmo 115, verso 3, diz que nosso Deus está nos céus e faz tudo
como lhe agrada. Daniel 4.35 diz que não há ninguém que possa deter
a mão de Deus e que ninguém pode questionar o que ele faz. Deus
escolheu provar Jó incitando o diabo contra ele e tirando as barreiras
de contenção que estavam à sua volta para mostrar, aparentemente ao
diabo, que Jó era crente de verdade. Porém, ao mesmo tempo, o diabo
seria humilhado pela fidelidade de Jó, conseguindo Deus, assim, glória
para o próprio nome, mostrando a sua grandeza e a sua superioridade
contra os reinos do mal.
Mas o próprio Jó também encontra algo maravilhoso por meio da
provação que Deus dá a ele. No final do livro, somos lembrados de
que Jó tem um relacionamento mais íntimo com Deus após esses
sofrimentos. Satanás acreditava que, ao tirar o muro de proteção da
vida comum de Jó, ele se afastaria de Deus. Mas, ao contrário, Jó se
aproxima. Ele se torna mais crente no fim do livro do que era no
início. No fim das contas, Deus não está simplesmente encontrando
mais glória para seu próprio nome por meio da provação de Jó, mas
está dando mais força e mais fé a ele.
Às vezes, o nosso sofrimento não tem motivo. Olhamos e dizemos:
“eu não fiz nada de errado, eu me protegi, me cuidei, eu fiz o seguro,
andei pelo caminho correto, fui no limite de velocidade. Fiz tudo do
jeito certo, coloquei o carro no estacionamento, está tudo bonito,
correto. E agora? O que eu tenho a aprender com esse sofrimento?
Qual o lado bom? Qual o lado positivo?” Algumas coisas não têm
lado positivo. Você nunca olha para uma vítima de estupro e diz:
“veja pelo lado positivo.” Pessoas que nascem doentes, crianças que
nascem viciadas em crack na rua. Qual o lado positivo? Qual é o
motivo? O que Deus quer ensinar? Algumas coisas não parecem ter o
que ensinar. Algumas coisas não parecem ter um lado positivo.
Algumas coisas parecem ser somente dor, a mais triste humana e
rasteira dor. E o motivo dessas dúvidas é porque estamos olhando
apenas para esse lado da eternidade.
Jó não sabia, não ouviu, não recebeu um memorando dos céus
sobre aquela conversa. “Caro Jó, prepare-se, porque o bicho vai pegar.
Assinado: Javeh.” Ele estava vivendo a vida dele e, do nada, o cenário
do nosso espetáculo, da nossa peça, muda, sai do céu, as cortinas se
fecham, se abrem novamente e voltamos para assistir um dia na vida
desse personagem chamado Jó. E é um dia de vida pelo qual eu espero
nunca passar, que alguns de nós não sobreviveria.
Hoje, penso em uma série de acontecimentos que, se ocorressem em
minha vida, acho que não aguentaria firme na fé. Mas eu tenho
certeza de que, se um dia elas acontecerem, Deus vai trazer junto com
elas a graça necessária para que eu resista. Você pode ter essa
segurança em Cristo Jesus, de que ele não vai abrir espaços para que
Satanás toque em sua vida sem que ele esteja ciente, planejando e
tratando isso para o seu bem e para a glorificação do próprio nome.
Pois a segurança da nossa salvação está justamente no fato de que
Deus permite que passemos pelo sofrimento para glorificar o seu
nome, e Deus não entra em um jogo que ele vai perder. Ele sabe que
ele vai ser glorificado, Deus sabe que a vitória é certa e é dele. Então,
Deus garante que o seu próprio nome será glorificado em nós por
meio do nosso sofrimento.
Deus glorifica o seu nome quando perseveramos. Então, ele nos dá a
graça da permanência.
CONCLUSÃO
Será que possuímos a capacidade de ter a mesma fé que Jó? Podemos
nos inspirar na paciência de Jó? E se o mal nos atingir? E se Deus nos
colocar em circunstâncias difíceis? E se Satanás tocar em nossa carne?
E se as pessoas ao nosso redor se levantarem contra nós quando
estivermos mais vulneráveis? Continuaremos, sim, a louvar o nome de
Deus, permaneceremos firmes em nossa fé. Sim, em meio ao luto. Sim,
no sofrimento. Sim, nos mais profundos lamentos. Mas seremos firmes
em Deus, crentes no Senhor. Jó superou suas circunstâncias. Nós
também podemos superar, pois somos muito mais do que elas,
precisamente porque adoramos o Cristo que venceu as circunstâncias
por nós, adoramos o Cristo que encarnou e foi tentado muito mais do
que Jó — o próprio Satanás sentou-se com Cristo no deserto para
impedi-lo de ir para a cruz, e até as forças celestiais se voltaram contra
Cristo naquela cruz de sofrimento.
Jó, o justo que sofreu, experimentou muito pouco em comparação
com o Cristo que nos salva. E, mesmo diante das circunstâncias que Jó
enfrentou, Jesus venceu circunstâncias muito mais severas por nós.
Jesus também foi tentado a abandonar Deus. Jó foi tentado pela
esposa e pelos amigos; Jesus foi tentado pelo próprio Satanás no
deserto. Jesus também sofreu em seu corpo e venceu a “pele por pele”.
“O homem dá tudo pela própria vida”, disse Satanás ao Senhor antes
de, pela segunda vez, tocar na vida de Jó. Mas Jesus deu tudo por
nossa vida, entregou sua própria vida para que pudéssemos encontrar
redenção.
O Jesus que permaneceu firme sofreu imensamente. Ele suportou a
oposição de todos, não encontrou honra nem mesmo em sua própria
terra, nem mesmo em sua própria casa — seus próprios irmãos e mãe
não acreditaram nele a princípio, somente o fazendo após sua
crucificação. Ele sofreu em seu corpo, teve seu corpo partido por nós.
Mas, diante de tudo isso, Jesus manteve sua integridade, mesmo
quando estava na cruz e diziam que ele não tinha poder para se
libertar. Seus próprios apóstolos o abandonaram e o negaram.
Enquanto se dirigia ao julgamento, à crucificação, nenhum deles
testemunhou a seu favor. Quando confrontado, Pedro negou Jesus três
vezes. Os que eram seus não estavam ao seu lado.
Se, na história de Jó, vemos Satanás perder e Deus continuar a ser
honrado diante da fidelidade de seu servo, o diabo sofreu uma derrota
ainda mais humilhante e Deus foi glorificado de forma mais sublime
diante da fidelidade e obediência perfeita de seu Filho. Pois Cristo é a
nossa justiça, ele é o íntegro que Jó jamais poderia ser. Ele é o justo
perfeito e santo que Jó apenas vislumbrava, e é por meio da obra
perfeita desse Cristo que podemos participar da integridade de Jó.
Não é por causa de nossas obras, não é por causa de nossas
capacidades, mas porque Cristo foi muito maior do que Jó, porque
Cristo é muito maior do que nós, e é por causa dele que podemos
derrotar nosso acusador. Quando Deus olha para nós, ele proclama
coisas muito maiores a nosso respeito do que as que ele disse a
Satanás sobre Jó ao elogiá-lo, pois ele não baseia esses elogios em
nossa fidelidade, mas, sim, na fidelidade de seu Filho, Cristo Jesus,
nosso Senhor.
Jesus é nossa esperança. Foi ele quem venceu as circunstâncias. Ele é
aquele que foi íntegro e fiel. E, crendo nesse Jesus — mesmo quando
olhamos para a história de Jó e pensamos que não somos suficientes,
que não podemos ser como ele — podemos ter fé naquele que é muito
maior do que Jó e naquele em quem podemos permanecer
independentemente de nossas circunstâncias.
Podemos ter constância porque Jesus venceu as circunstâncias por
nós. Ele suportou sofrimentos muito maiores do que os de Jó. Jesus foi
tentado por Satanás de forma muito mais profunda do que Jó; sofreu
em seu corpo muito mais do que Jó sofreu. Jesus foi pendurado em
uma cruz, ferido, humilhado, teve seu corpo partido. Ele carregou
todos os pecados da humanidade sobre si, experimentou a ira de Deus
em sua própria carne. O que é o sofrimento de Jó (e nossos próprios
sofrimentos, às vezes semelhantes aos dele) em comparação com o
sofrimento de Cristo?
Permaneçamos firmes em Jesus, e estaremos juntos por toda a
eternidade, recebendo o consolo que somente Deus pode nos dar por
meio de nosso servo sofredor.
R. C. S
NOW, THAT’S A GOOD QUESTION[Nota 1]
Notas do Capítulo
CONCLUSÃO (3.24-26)
Jó conclui, nos versos 24 ao 26, de forma muito poética e muito triste:
“Porque em vez do meu pão me vêm gemidos, e os meus lamentos se
derramam como água. Aquilo que temo me sobrevém, e o que receio
me acontece. Não tenho descanso, não tenho sossego, não tenho
repouso; só tenho inquietação”.
As palavras finais de Jó são tão belas quanto terríveis. É muito triste
lermos essas palavras vindas de qualquer pessoa. O texto aqui não
fala que Jó não pecou com as palavras, como diz nos capítulos 1 e 2.
A partir do capítulo 3, verdade e mentira começam a se misturar na
boca de um homem santo e profundo em sofrimento e angústia. Mas é
importante notar que Jó não amaldiçoou a Deus, mas amaldiçoou a si,
comeu o pão dos gemidos, bebeu a água dos lamentos, recebeu tudo
aquilo que mais temia. E Jó nos mostra um caminho de fé pelo qual
podemos passar, um caminho de fé que inclui beber sofrimento, comer
gemido, receber temores e, ainda assim, perseverar.
Quando eu olho para esse livro, eu me sinto meio humilhado. Eu
vejo Jó falhando, errando, falando coisas que não deveria, mas ainda
assim eu, se estivesse no lugar dele, já teria “chutado o pau dessa
barraca” há muito tempo. Jó permanece sete dias em lamento em
grupo para começar a falar algumas coisas contra a própria vida.
Quantos de nós já não teríamos falado coisas piores em momentos
menos graves e em menos tempo de sofrimento? Mas somos capazes
de perseverar não porque somos fortes como Jó — pois até ele
fraquejou —, mas podemos perseverar porque confiamos em alguém
que foi mais forte do que Jó; confiamos em alguém que também não
amaldiçoou a Deus, mas que amaldiçoou o próprio dia; alguém que
não amaldiçoou o Pai, mas que recebeu a maldição para que nós
pudéssemos encontrar vida. Somos, sim, capazes de permanecermos
firmes na fé porque existiu alguém que suou sangue em profundo
sofrimento, que, se pudesse, teria passado dele aquele cálice, mas que
suportou até o fim a mais profunda dor e angústia por cada um de
nós. A nossa salvação, a nossa comunhão com Deus, só é possível
porque nós temos esperança em alguém que perseverou muito mais do
que Jó, alguém que, em dor, fraquezas e sofrimentos muito maiores
permaneceu firme.
Jesus viveu isso, e o dia do seu nascimento é comemora-do por
pessoas no mundo todo, em todos os países. Jesus foi amaldiçoado, e
o foi por causa de nós, em nosso lugar, para a nossa salvação. Jesus se
sentiu desamparado por Deus assim como Jó sentiu; Jesus questionou
a Deus assim como Jó questionou. Não é isso que lemos em Mateus
27.46? “Deus meu Deus meu, por que me desamparaste?” Vemos,
aqui, um Cristo em profunda dor e sofrimento questionando a Deus.
Vemos um Cristo desamparado, mas sendo firme por nós, sendo
aquilo que Jó só vislumbrou ser, para que, nele, em Cristo, sejamos
muito mais do que Jó já foi. Nós olhamos para o exemplo de Jó e nos
sentimos pequenos demais diante da grandeza daquele homem, mas
somos elevados para muito além dos méritos de Jó quando, em Cristo,
estamos diante daquele que sofreu muito mais do que Jó, mas que
permaneceu com a perseverança que é doada a cada um de nós.
O livro de Jó deve nos fazer lembrar de um Cristo que veio muito
depois de Jó, que deu a Jó a recompensa da sua perseverança diante
do sofrimento. O sofrimento nos leva a pensar coisas esquisitas, a
dizer coisas que nem acreditamos, mas o sofrimento precisa nos levar
para aquele que perseverou diante da dor. Jesus sofreu mais do que
cada um de nós ou do que Jó apenas imaginou. Mas Jesus permaneceu
firme e nos leva para um caminho de perseverança. Nossa alegria é
saber que, para sermos salvos, não dependemos de imitar Jó, mas de
confiarmos e mantermos a nossa fé naquele que foi muito maior do
que Jó, que sofreu muito mais do que Jó, que perseverou muito mais
do que Jó, que não falhou com os lábios, nem com o seu coração e foi
justo e fiel em tudo.
Você está confuso? Está difícil? Está doendo? Você já está
começando a pensar bobagens? Você, às vezes, fala coisas que nem
acredita? Lembre-se: Jesus foi para cruz. Ele amaldiçoou o próprio dia
para levar cada maldição que era nossa, para que o nosso nascimento
valesse a pena, para que a morte seja, verdadeiramente, um descanso
— não porque estaremos deitados tranquilos no caixão, mas porque
teremos o céu de glória, onde nossas lágrimas serão enxutas. Cristo
bebeu a maldição do nosso dia, para que possamos comemorar para
sempre os aniversários da redenção.
Cristo Jesus, aquele que era o redentor de Jó, nos entrega a sua
perseverança no sofrimento, para que, confiantes nele — mesmo
quando falamos bobagem, quando descremos da vida, quando
pensamos em morrer, quando nos escondemos à sombra do
amaldiçoado —, por meio de sua obra perfeita na cruz, sejamos
trazidos para perto de Deus, para que nossas lágrimas sejam limpas,
nossos desejos de morte sejam extirpa-dos no nosso coração, para que
as confusões do nosso psicológico finalmente sejam saradas (não com
qualquer resposta intelectual, teológica ou terapêutica que eu ou
alguém possa dar, mas de simplesmente contemplarmos a fase adorada
de Jesus, nosso rei). Era o rosto de Cristo que Jó queria ver. E é o
rosto que veremos e que nos dará a redenção e a esperança final,
mesmo quando acharmos que a nossa vida não vale a pena.
O jovem Werther teve uma paixão juvenil e tirou a própria vida por
isso. O Deus Pai nos amou soberanamente e se entregou por nós em
Cristo Jesus para que, com ele, ressuscitemos no último dia. Que
possamos suportar só mais um pouco. Em breve, a redenção virá e
brilhará sobre nós como o Sol ao meio-dia.
Notas do Capítulo
Nota 1 - Theodore Beza, The Life of John Calvin, in Selected Works of John Calvin, vol. 1,
ed. H. Beveridge and J. Bonnet. Grand Rapids, MI: Baker, 1983, p. xcv. [Voltar]
u gosto de livros lentos. Não que eu despreze a aventura e a ação,
E mas sempre fui arrebatado pela contemplação.
Um dos meus livros lentos favoritos se chama Gilead (prêmio
Pulitzer de 2005), escrito pela americana Marilynne Robinson. Trata-
se de um romance epistolar, em que um pastor congregacional prestes
a morrer do coração escreve para seu filho de 7 anos, com a intenção
de que ele tenha memórias. O texto é bem biográfico e o reverendo
John Aimes compartilha com o filho suas experiências e lembranças. A
Bíblia é citada constantemente na história, assim como vários debates
teológicos e filosóficos. Em um trecho particularmente bonito, já
próximo ao fim do livro, ele escreve:
Como devo lidar com esses medos que tenho, de que Jack
Boughton vai fazer mal a você e sua mãe, só porque ele pode,
apenas pela maldade astuta e irrespondível disso? [...]. Ele poderia
me derrubar escada abaixo e eu teria elaborado a teologia para
perdoá-lo antes de chegar ao fim. Mas se ele o prejudicasse da
forma mais mínima, temo que a teologia falhe comigo.
Essa teologia está certa? Sim. Lembra muito Romanos 3, que diz
que o homem é pecador, falho, e que o mal sobrevém porque o pecado
entrou no mundo. Realmente, esse espírito angelical que se apresenta
a Elifaz parece falar coisas certas. Mas existem algumas coisas
estranhas na revelação que ele faz. É dito que Deus atribui
imperfeições aos anjos. Em nenhum outro lugar do Antigo ou do
Novo Testamento lemos alguma coisa sobre isso. Não se parece com o
tipo de linguagem que encontramos na Angeologia.
E aqui temos que destacar um ponto importante sobre todo o livro
de Jó: sua interpretação, pois é um livro de teologia ruim que Deus
ofereceu para que saibamos o que é uma teologia ruim. Devemos ler
as palavras dos discursos dos amigos de Jó (e algumas partes dos
discursos do próprio Jó) da mesma forma que lemos o discurso de
É
Satanás falando com Jesus no deserto. É uma mentira, uma falsidade,
um erro.
Elifaz aplica, aqui, essa revelação que teve desse espírito à vida de
Jó. Ele o julga como alguém que estava em dor e em sofrimento por
causa do pecado que era comum aos homens. Jó estava em
sofrimento, logo, estava em pecado. Só que essa é uma visão
completamente errada acerca do modo como Deus organizou o
mundo. Nós não sofremos simplesmente porque cometemos pecados
particulares, e nós não ficamos bem, ricos e prósperos porque nos
arrependemos ou o que quer que seja. Isso é a mais pura Teologia da
Prosperidade.
Jó já se encontrava em uma situação muito difícil diante do discurso
de Elifaz, mas ele não para por aqui; Elifaz segue jogando mais
responsabilidade em cima de Jó, o convidando ao arrependimento.
Porém, observe que nem todo convite ao arrependimento provém de
Deus. Aqui, temos um homem justo em sofrimento sendo tratado
como se fosse um pecador impenitente quando, na verdade, Jó era um
homem santo passando por dificuldades.
O primeiro grande teólogo da prosperidade não foi Kennedy E.
Hagin, mas Elifaz. Ele chega com a voz do diabo e diz: “Você está
mal, sua vida está ruim por causa do pecado. Se não fosse o pecado,
você estaria melhor”, e essa é uma vi-são completamente errada de
como a vida funciona. Quando olhamos para o Antigo Testamento
vemos várias e várias vezes Davi perguntando: “Por que o ímpio
prospera?”, “Por que o justo sofre?” Essa é a realidade da Bíblia. Veja
a história de Caim e Abel. Qual dos dois era o santo, o justo? Era
aquele que foi assassinado. E quem era o pecador? O que fugiu de
Deus e construiu uma cidade. Ou seja, o santo é assassinado pelo
próprio irmão, enquanto o ímpio se torna um governador e fundador
de uma nova cidadela.
Ao lermos o Antigo Testamento notamos que há uma relação direta
entre a prosperidade ou a miséria do povo de Israel e sua obediência a
Deus. O povo, quando se arrependia, Deus os fazia prosperar; quando
viviam orgulhosos, Deus os derrubava. Mas a realidade que era dada
ao povo enquanto nação não se materializava de forma direta em cada
indivíduo. O erro aqui pode ser pegar essas promessas contidas em
Deuteronômio — e provavelmente o livro de Jó é muito anterior aos
livros de Moisés — sobre a prosperidade dos justos (no plural) e
transformar isso na prosperidade de cada justo (no singular). Deus
prospera a igreja, mas nem todo crente enriquece.
A Bíblia diz que as portas do inferno nunca prevalecerão sobre a
igreja. A igreja nunca morrerá, mas algumas igrejas fecham. Por quê?
Por que foram ímpias? Por que abandonaram ao Senhor? Às vezes, as
circunstâncias individuais não são as mesmas das circunstâncias
coletivas. Há muitas promessas ao povo de Israel, aos santos, mas
essas promessas nem sempre se aplicam diretamente ao indivíduo. O
erro de Elifaz foi achar que, devido ao pecado de forma geral, todo
mundo que estava em sofrimento era porque estava se intensificando
no esquema de pecado. E por causa das promessas de bênção, de
forma geral, todo mundo que prosperava era porque era santo de uma
forma especial. Isso não é verdade. O santo pode perecer em dor, em
sofrimento, em doença. Você pode ser generoso, ofertar, dar dinheiro,
dar esmola para o pobre, dar dinheiro para a igreja, ofertar na obra
missionária e, mesmo assim, falir. Você pode ser ganancioso, ser
alguém que guarda todo o seu dinheiro, que não compartilha com
ninguém, que não ajuda nenhum pobre e, mesmo assim, ficar ainda
mais rico. Sabe qual é o nome que a Bíblia dá para isso? É abandonar
o homem aos seus próprios desejos, como na linguagem usada em
Romanos 3. “Você é ganancioso? Seu Deus é o dinheiro? Pois toma
mais um pouquinho de dinheiro aí! Toma mais do teu Deus.” E, às
vezes, o ímpio prospera, às vezes, o homem justo perece. Por quê?
Quem sabe os porquês da vida é unicamente Deus. Ele organiza
nossa vida, nossa história, do jeito que ele quer. As lições que ele quer
nos passar, aquilo que ele quer nos ensinar, provêm da mão dele. Nós
não podemos achar que as coisas darem errado é um sinal de que
Deus não está nos aprovando, ou que as coisas darem certo é um sinal
de que Deus está feliz conosco. Às vezes, essa vida dá certo e nossa
alma está longe do Senhor. Às vezes, as coisas dão errado e Deus está
nos aprovando do céu. Nós não podemos atrelar o valor que Deus nos
dá às circunstâncias dessa vida. Você pode bater um carro, perder
dinheiro, o cano da sua casa pode estourar, você pode ficar sem
conseguir dormir, pode adoecer, tudo pode dar errado e, ainda assim,
Deus o está aprovando. Da mesma forma, tudo pode dar certo, você
ser promovido no trabalho, achar dinheiro na rua, conseguir uma boa
promoção de viagem, tudo indo muito bem e, ainda assim, você está
debaixo do juízo e da reprovação de Deus. Isso porque o modo como
vai a sua vida não representa o modo como Deus está se relacionando
com você. O que representa o favor de Deus? É estarmos sujeitos à
obra perfeita de Cristo Jesus, é estarmos confiantes naquilo que ele
fez.
Elifaz, infelizmente, julga Jó com base no modo como ele estava
recebendo a circunstância em sua vida, assim como oponentes
políticos que atacam seus adversários com a vida particular deles.
Tenta-se diminuir o outro para dizer que ele vale menos, olhar para a
dificuldade de vida do outro como se isso significasse pouco. Um
homem justo, santo e bom não pode passar por dificuldades
financeiras na vida? Homens santos, justos e bons não podem viver
vidas de provação e sofrimento? Homens canalhas, cretinos, malignos,
podem prosperar também. Conheci muita gente canalha que era podre
de dinheiro. Conheci muita gente maligna mais saudável do que muito
crente. E por quê? Quem o sabe é Deus. Nós nos sujeita-mos à
soberania e à bondade de Deus. Nós não nos julgamos, não julgamos
os outros, pelas circunstâncias da vida, porque quem nos coloca nas
circunstâncias é Deus. E é a ele a quem nós nos submetemos.
Devemos notar também que Elifaz aplica a teologia certa na dor
errada. Porque, sim, o sofrimento entrou no mundo por causa do
pecado, mas isso não significa que os sofrimentos entram em nossa
vida por causa de pecados particulares. Sim, o sofrimento faz com que
o mundo caia em dor e incerteza. Mas observe a sagacidade de Elifaz:
“Olha, todo mundo pecou, todo homem é pecador. Então, você
também é! Se arrependa e tudo vai ficar bem.” Como alguém consegue
se defender de uma acusação dessa? Ora, é claro que eu sou pecador, é
claro que Jó era pecador, é claro que Jó teria pecados para se
arrepender, mas essa não é a questão. A questão está relacionada ao
fato de que Jó não estava sofrendo por causa de algum pecado
particular, ou porque tivesse algum pecado oculto. Jó tinha pecados e
possuía suas falhas morais como todos nós possuímos. Acusar Jó de
ser pecador é óbvio. Porém, havia vários outros pecadores no mundo
e nem todos estavam raspando as suas feridas com cacos de telha.
Qual era o pecado particular do qual Jó precisava se arrepender?
Elifaz particulariza sobre Jó uma realidade geral. É uma teologia
correta, mas ele a aplica à dor errada. E não é isso o que fazemos
muitas vezes, com nossas “teologadas” apressadas, com as nossas
tentativas de respostas rápidas à dor do outro? Ao invés de ouvir e
tentar ajudar e consolar, nós somos rápidos em dar a resposta
reformada correta, que é sempre a soberania de Deus e o pecado do
homem, ponto. Então, eu estou sofrendo: “Deus é soberano”, meu
filho morreu: “Deus é soberano.” Ah, mas por quê? “É pecador”.
Muitas vezes temos a teologia certa aplicada a dores erradas.
Precisamos oferecer, muitas vezes, mais consolo do que respostas. No
meio de sua dor e do seu sofrimento, Jó não é lembrado da bondade e
da misericórdia de Deus, não é lembrado que seu Deus é um Deus que
ama, que cuida, cujos caminhos são misteriosos, mas nos quais
confiamos. Jó simplesmente é repreendido por ser um pecador e ele
não precisava ser lembrado disso. Jó precisava ser lembrado de que
Deus é bom, de que Deus é soberano, justo, honesto, que Deus cuida,
que mais cedo ou mais tarde, fosse naquela vida ou em outra vida,
Deus iria fazer com que ele fosse restaurado. Jó tinha de ser lembrado
que essa vida é muito curta e que ele podia perseverar.
Reiterando, eu não quero desprezar a verdade teológica, mas eu
quero desprezar corações pecaminosos que usam verdades teológicas
mais para ferir do que para curar. John Piper diz que a palavra é uma
lâmina afiada e não é isso o que lemos em Hebreus, que a palavra de
Deus nos penetra profundo como lâmina de dois fios, de dois gumes?
E John Piper faz uma ilustração maravilhosa: nós podemos usar
lâminas como açougueiros ou como cirurgiões. Nós temos a teologia
correta, a verdade da palavra, mas estamos cortando como um médico
que faz uma cirurgia ou estamos desferindo golpes nos outros como
açougueiros, ferindo, machucando, como estripadores que arrancam
os membros das pessoas?
Aqui, neste texto, não vemos alguém que maneja a lâmina da
palavra na vida de Jó com cuidado. Nós temos alguém simplesmente
martelando verdades teológicas em um coração que já estava
À
marcado. Às vezes, achamos que estamos fazendo certo por estarmos
dizendo o certo, mas estamos dizendo o certo para a dor errada. E
note que Elifaz, ainda por cima, solta um “Deus me disse” em Jó:
“[...] veio o espírito de noite [...]”. Como é que você argumenta diante
do “Deus me disse”?Você responde o quê?
Eu venho muito dessa cultura do “Deus me disse”. Quando eu me
converti, eu vivia em uma comunidade onde tudo era isso, tudo era
“Deus me disse”. Namoro e casamento eram na base do “Deus me
disse”. “Deus me disse que você vai namorar com fulano”, “Deus me
disse que você tem que terminar com sicrano. O “Deus me disse”
guiava as atitudes o tempo inteiro. De novo, como é que você se
defende dos “Deus me disse”, se alguém alega estar falando
diretamente da boca do Senhor? Claro, sabemos como nos esquivar
desse tipo de situação, mas Jó, no mais profundo sofrimento, ouvindo
alguém dizer que Deus havia sussurrado no ouvido sobre o pecado
que estava gerando o seu sofrimento, que toda dor vinha por causa de
suas falhas? Ainda bem que Deus fala com Jó no final do livro e não
deixa que um falso mensageiro tome a sua voz naquele momento.
Quantas vezes na dor e no sofrimento nós não somos voz do diabo
dizendo que somos voz de Deus? Quantas vezes, enquanto nossos
amigos sofrem, não achamos que estamos falando a voz de Deus,
dizendo: “Olha, assim diz o Senhor”? Nós estamos simplesmente
repetindo falhas, erros e preconceitos, aplicando inverdades ou, às
vezes, aplicando de forma errônea verdades na vida dos outros. Temos
que tomar muito cuidado quando temos a pretensão de sermos a voz
de Deus na vida de quem quer que seja.
Elifaz, então, prossegue, convidando Jó ao arrependimento: “Grite
agora, para ver se há quem responda! E para qual dos santos anjos
você se voltará? Porque a ira mata o insensato, e a inveja destrói o
tolo. Eu mesmo vi o insensato lançar raízes, mas logo declarei maldita
a sua habitação” (5.1-3). Ele começa dizendo que Jó era um insensato
que estava sendo morto por Deus, que era um tolo sendo destruído
pela inveja e que ele viu insensatos lançarem raízes. A ideia é de
ímpios prosperando de alguma forma. Elifaz diz: “[...] mas logo
declarei maldita sua habitação.” Elifaz está dizendo que Jó era um
tolo, um ímpio, um insensato que estava sofrendo porque a sua
habitação era maldita. No início, ele até começou a prosperar, mas o
correto era que ele tivesse sido realmente amaldiçoado por causa do
pecado oculto que ele tinha em seu coração.
Elifaz se coloca “por cima da carne seca”, como dizemos aqui em
Fortaleza. “O cabra se acha o suprassumo da quinta essência da
cocada preta”, acha que é melhor do que os outros. Ele diz: “Olha, eu
vi o insensato lançar suas raízes. Eu declarei maldita a sua habitação.”
O que Elifaz está insinuando? Que Jó é o insensato que lançou raízes?
Que ele é o pecador que prosperou? E que ele, Elifaz, lançou maldição
sobre a casa do insensato? Ele queria dizer que Jó estava sofrendo
porque merecia ser amaldiçoado, porque estava prosperando como
um tolo? Ele está acusando Jó de prosperar em meio a pecados
ocultos.
Elifaz, ainda, age com desfaçatez para cima de Jó. É um tipo de
coisa que nem o pior inimigo diz, quem dirá um amigo que deveria
consolá-lo. Olha o que ele diz adiante:
Deus frustra os planos dos astutos, para que não possam realizar
seus projetos. Ele apanha os sábios na própria astúcia deles, e o
conselho dos que tramam não chega a vingar. De dia eles
encontram as trevas, e ao meio-dia andam tateando como se fosse
noite. Porém Deus salva da espada que lhes sai da boca, salva os
necessitados das mãos dos poderosos. Assim, há esperança para
os pobres, e a iniquidade tapa a sua própria boca (5.12-16).
Nota 1 - Luther’s Works, Vol. 51: Sermons I, ed. Jaroslav Jan Pe-likan, Hilton C. Oswald,
and Helmut T. Lehmann, vol. 51. Philadelphia: Fortress Press, 1999, p. 201. [Voltar]
famoso escritor inglês G. K. Chesterton (1874–1936) escreveu
Jó entende que Deus é grande, que está muito acima dele, que Deus
é forte. Mas esse é um discurso cheio de verdades e de mentiras
entrelaçadas, cheio de boas percepções de Deus, vindas do bom
histórico de Jó, mas cheio de falsas percepções de Deus, vindas de seu
sofrimento.
Jó sabia que, diante de Deus, ele não era nada e que não estava
sofrendo por arrogância ou por sentir-se mais do que era. Jó sente,
também, que Deus não o ouviria, ainda que pudesse falar com ele
usando argumentos — ele é Deus. O que Jó diria que Deus já não
soubesse? Deus era o justo juiz, como Jó poderia estabelecer sua
própria justiça?
Jó engrandece Deus, pois essa é a verdadeira humildade, não aquela
que simplesmente tenta relacionar de forma muito apressada o
sofrimento dos outros a pecados particulares. A verdadeira humildade
é aquela que levanta e coloca Deus acima de qualquer um de nós. A
postura humilde diante do sofrimento não é a postura de dizer:
pecado, pecado, pecado. A verdadeira humildade diante do sofrimento
é aquela que diz: Deus, Deus, Deus. É aquela que coloca Deus como
grande, como poderoso, como aquele que não erra, como aquele que
está diante de tudo.
Timothy Keller, em seu excelente livro Ego transformado, diz que
humildade não é pensar menos de si, humildade é pensar menos em si.
Humildade não é se arrastar no chão o máximo que puder, não é
esfregar a cabeça no estrume o máximo que conseguir e dizer: “Eu sou
o pior pecador, estou sofrendo porque eu pequei mesmo, não faço
nada que vale a pena, tudo está errado e eu erro e peco.” Humildade é
dizer: “Deus é grande, é poderoso. Deus está acima de tudo; ele é
quem fez as estrelas, quem faz cada uma das coisas.” A verdadeira
humildade é se esquecer de si mesmo e, muitas vezes, nem se colocar
na equação. Humildade não é simplesmente se sentir o menor possível
o tempo inteiro; é se esquecer. Humildade é pensar menos e se colocar
menos nas coisas e olhar mais para aquele que importa. É olhar mais
para a grandeza de Deus do que para nossa pequenez, pois, às vezes,
Satanás pode nos convencer de que somos tão pequenos que Deus não
pode se importar conosco.
Jó entendeu a grandeza de Deus: “Como eu vou discutir com ele?
Como vou argumentar com o Senhor? Olhe a grandeza dele, olhe o
que ele fez, olhe a obra de suas mãos.” É como o salmista diz no
salmo 8: “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a
lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, para que dele te
lembres? E o filho do homem, para que o visites?” (v.4-5). Sim, Jó se
defende, mas ele não se defende rebaixando Deus, dizendo que Deus é
fraco ou algo assim.
As acusações que Bildade faz contra Jó são acusações que provêm
do diabo porque tentam fazer com que Jó seja tão humilde, mas tão
humilde, que ele não se sinta digno de qualquer misericórdia, perdão e
graça da parte de Deus. Podemos notar que Jó fala algumas coisas
esquisitas aqui. Ele fala de um Deus que passou em sua frente sem que
ele pudesse ver, de um Deus que está do lado dele em ira. Jó, de certa
forma, aceita aquilo que seus amigos dizem. Uma das coisas mais
tristes no livro de Jó não é o seu sofrimento, mas o fato de Jó dar
ouvidos a seus amigos, de escutar maus conselhos. Mesmo quando se
defende, alguma coisa entrou na mente de Jó e ele parece ter assumido
que tudo fazia parte de algum pecado que ele havia cometido e que
Deus não queria revelar a ele qual pecado era esse.
Jó continua: “Como então poderei eu responder a ele? Como
escolher as minhas palavras, para argumentar com ele? Ainda que eu
fosse justo, não lhe responderia; pelo contrário, pediria misericórdia
ao meu Juiz” (9.14-15). Isso é humildade. É verdadeira humildade
dizer: “Ainda que eu fosse justo, perfeito, santo, impecável, não
poderia responder a Deus, porque ele é Deus, e eu não sou. E se,
porventura, eu me encontrasse com Deus, eu pediria misericórdia;
jamais olharia para os céus, bateria no peito e diria que o Senhor está
sendo injusto comigo. Eu não encontro motivo para o meu
sofrimento, mas pediria misericórdia, porque ele é o meu Juiz”.
É
O discurso de Jó, aqui, é ao mesmo tempo bonito e errado. É belo, é
humilde, mas é um discurso que não representa exatamente a verdade
de quem Deus é. Deus não declara um íntegro culpado. Jó se humilha
diante de Deus, mas ele está sob a influência do que seus amigos lhe
disseram até esse ponto: “É para me humilhar diante de quê? Da força
de Deus? Eu sei que ele é forte. É para me humilhar diante da justiça
de Deus? Eu sei que ele é justo. É para me humilhar diante da
integridade de Deus? Ainda que eu fosse íntegro, eu seria digno de
condenação.” Onde foi que Jó falhou? Onde foi que Jó errou? E a
resposta é: em lugar nenhum, porque ele não estava sofrendo por
causa de pecado. Deus não estava tentando provar nada, apenas
estava trazendo Jó para mais perto. Deus estava usando Jó como
argumento por toda eternidade de que ele era um crente fiel.
Mas Jó (onde está seu equívoco) equaliza tudo debaixo do sol,
como se a vida desse lado da eternidade realmente representasse a
realidade das coisas: “Para mim, é tudo a mesma coisa; por isso, digo:
ele destrói tanto os íntegros como os perversos. Se um flagelo mata de
repente, ele rirá do desespero dos inocentes. A terra está entregue nas
mãos dos ímpios, e Deus ainda cobre o rosto dos juízes. Se ele não é o
causador disso, quem seria?” (9.22-24).
No filme O advogado do diabo, em um dos discursos de Al Pacino,
que interpreta o diabo, diz que, enquanto pula-mos entre um pé e
outro tentando sobreviver, Deus está lá em cima, urinando-se de rir
das nossas desgraças. Jó parece ter ouvido esse discurso do diabo. A
humildade dele aqui é uma humilhação que desonra a Deus, que trata
Deus como alguém que está rindo do desespero dos inocentes, que
trata Deus como alguém que entrega o mundo na mão dos injustos,
que cobre o rosto, que não vê, que faz os juízes da terra serem
injustos. Mas Deus não está rindo do desespero dos inocentes. Pelo
contrário, a Bíblia registra um Deus que enviou um inocente em nosso
lugar, um Deus que se coloca conosco no sofrimento inocente.
Como disse, o discurso de Jó é permeado de verdade e mentira. Sim,
Deus destrói tanto íntegros quanto perversos. Desse lado da
eternidade, Deus traz sofrimento tanto sobre homens bons quanto
sobre homens maus. Lemos no Novo Testamento que Deus levanta o
sol sobre justos e injustos e faz descer chuva sobre os ímpios e os
bons. Desse lado da eternidade, o sofrimento alcança todos os
homens. O justo prospera, assim como o ímpio, muitas vezes; o justo
perece, assim como o ímpio, muitas vezes. Mas Deus não está rindo
do desespero dos inocentes, não está entregando o mundo na mão dos
ímpios, nem está cobrindo o rosto dos juízes.
Sim, Deus era o causador de tudo o que estava acontecendo com Jó,
ele havia entendido isso. Jó repete aquilo que já havia dito no começo
do livro, que Deus deu e Deus tomou, mas o tom aqui é bem diferente
do tom usado outrora. Ele disse no princípio: “Deus deu, Deus tirou,
louvado seja o nome do Senhor.” Mas agora, Jó não descreve mais a
soberania de Deus: “Deus é o causador disso tudo, mas ele está rindo
de mim lá do céu. Deus só pode estar zombando da minha desgraça,
está rindo dos inocentes.” Jó passa a argumentar com base nos
pressupostos da argumentação de Bildade: “Se eu estou sofrendo por
ser injusto, então não há mais nada que eu possa fazer. Se eu estou em
angústias por causa da minha injustiça e do meu erro, então qual é a
alternativa que me resta? O que mais eu posso fazer, além do que eu já
fiz?”
Os meus dias são mais velozes do que um corredor; fogem sem ter
visto a felicidade. Passam como barcos de junco, como a águia
que se lança sobre a presa. Se eu disser: “Vou esquecer a minha
queixa, deixarei o meu ar triste e ficarei contente”; ainda assim
todas as minhas dores me apavoram, porque bem sei que não me
considerarás inocente. Eu serei condenado; por que, pois,
trabalho em vão? (9.25-29).
À
Às vezes priorizamos um discurso tão intenso sobre o pecado e
usamos versículos que falam dos ímpios ainda não redimidos
aplicados sobre os crentes de uma forma que parece que se santificar
nem faz diferença. Se estou imerso na pornografia, no adultério, nas
drogas, na bebida, se estou imerso no orgulho, na lascívia, ou no que
quer que seja, pensamos: “Ah, tanto faz, é tudo Jesus. É tudo Jesus, é
tudo Cristo.” E acabamos caindo naquilo que Paulo condena em
Romanos, que pecamos para que a graça aumente, entendendo que,
porque Deus é misericordioso, podemos viver como quisermos, sem
consequências.
Jó parece acatar esse tipo de discurso e diz: “Por que trabalho em
vão? Eu serei condenado, ele não vai me considerar inocente.” É um
discurso de humildade, mas é um discurso do diabo, porque, em nós,
crentes, há uma confiança que nos é dada em Cristo Jesus, que Satanás
tenta tirar de nós. Satanás tenta nos fazer olhar tanto para o nosso
pecado que achamos que não podemos nos aproximar mais de Deus.
Capítulo 1
Jó é açoitado por Satanás
Dirck Volckertsz. Coornhert (atribuído a), após um desenho de:
Maarten van Heemskerck.
1548-1550
Capítulo 2
Jó reprovado por seus amigos
James Barry
1777
Capítulo 3
A meditação da paixão: Jeremias, Cristo e Jó
Vittore Carpaccio
1490
Capítulo 4
A visão de Elifaz
William Blake
1825
Capítulo 5
Jó e seus amigos
Ilya Repin
1869
Sobre o autor