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SISSI E O ÚLTIMO

BRILHO DE UMA
DINASTIA
Paulo Rezzutti
Cláudia Thomé Witte

SISSI E O ÚLTIMO
BRILHO DE UMA
DINASTIA

UMA BREVE HISTÓRIA NÃO


CONTADA DOS HABSBURGOS
Copyright © 2022, Paulo Rezzutti & Cláudia omé Witte
© 2022, Casa dos Mundos / LeYa Brasil

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Edição de texto
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Preparação
Carolina M. Leocadio

Revisão
Marcela Ramos

Projeto grá co e capa


Kelson Spalato

Diagramação
Alfredo Rodrigues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Rezzutti, Paulo
Sissi e o último brilho de uma dinastia : uma breve história não contada dos Habsburgos /
Paulo Rezzutti, Cláudia omé Witte. – São Paulo: LeYa Brasil, 2022.
264 p. : il. (Uma breve história não contada)

Bibliogra a
ISBN 978-65-5643-182-6

1. Elisabete, imperatriz consorte de Francisco José I, imperador da Áustria, 1837-1898 –


Biogra a 2. Império Austro-Húngaro 3. Habsburgos I. Título II. Rezzutti, Paulo III. Série
22-1529 CDD 923.1

Índices para catálogo sistemático:


1. Elisabete, imperatriz consorte de Francisco José I,
imperador da Áustria, 1837-1898 - Biogra a

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Para Valéria omé de Oliveira
e Raquel Bueno de Paula Tamani
Sissi em Viena, circa 1869.
SUMÁRIO

Introdução
Árvore genealógica da imperatriz Sissi
AEIOU
Ventos de mudança
Herdeiros de um império
Francisco José, o desejado
Novo imperador, velhas ideias
Uma noiva para o imperador
Sissi, a indomável
Um casamento imperial
Um início difícil
A imperatriz do povo
Altos e baixos
A viajante
A disputa na Alemanha
A rainha da Hungria
Uma tragédia mexicana
O culto à beleza
A dama do dominó amarelo
Mayerling
O ocaso da imperatriz
O herdeiro rebelde
Sarajevo
O último imperador
A serviço do país, no exílio
Os Habsburgos muito além do trono
Referências bibliográ cas
A última foto de Sissi, à esquerda, acompanhada por sua dama de
companhia Irma Sztáray. Imagem tirada sem seu conhecimento,
em setembro de 1898, enquanto caminhavam em Genebra.
INTRODUÇÃO

Duas guras femininas caminhavam à margem do lago Genebra numa


tarde quente no nal do verão de 1898. Elas haviam saído do hotel Beau-
Rivage, em Genebra, na Suíça, onde passaram a noite, para pegar o barco
a vapor Genève, que as levaria para Montreux. Ao lado da condessa
húngara Irma Sztáray, ia a condessa de Hohenembs, uma mulher alta e
magra, toda vestida de negro, sem nenhum enfeite e com o rosto oculto
por um véu.
De repente, um jovem malvestido de cabelos escuros correu na
direção das duas e tropeçou diante delas. Estendendo a mão como se
quisesse evitar a queda, ele atingiu a mulher de negro com um golpe no
peito antes de fugir. Ela caiu no chão, mas com o auxílio da condessa
Sztáray levantou-se de novo, tranquilizando-a de que não estava ferida.
Embora pálida, a condessa de Hohenembs caminhou sem assistência a
centena de metros que a separava do barco. No tombadilho, entretanto,
ela subitamente caiu no chão e perdeu os sentidos.
Outras pessoas acorreram, enquanto a condessa Sztáray afrouxava
as roupas de sua companheira para que respirasse melhor. Foi só então
que, com horror, ela descobriu uma pequena mancha de sangue no
espartilho. A condessa de Hohenembs, que na verdade era a imperatriz
Elisabete da Áustria, havia sido apunhalada no coração.
Elisabete acordou e perguntou o que tinha acontecido, antes de
perder a consciência novamente. A essa altura, o barco já havia deixado o
ancoradouro, e a condessa Sztáray, dama de companhia da imperatriz,
pediu que o capitão retornasse. Elisabete foi carregada de volta para o
Beau-Rivage e colocada na cama. Três médicos que estavam no hotel
nesse momento foram convocados e zeram o que podiam para salvá-la,
mas em vão. A arma do crime, uma lima de marceneiro a ada até se
tornar pontuda como um punhal, como se descobriu mais tarde,
atravessara o centro do coração. O ferimento era tão estreito que o
espartilho apertado da imperatriz impediu o sangramento até que suas
roupas fossem soltas, quando a hemorragia interna se tornou
incontrolável. Pouco depois das 3 horas da tarde, os médicos constataram
sua morte.
Esse foi o último capítulo da vida trágica da imperatriz Elisabete,
que entrou para o imaginário popular com o apelido de Sissi. A história
romântica de seu casamento com o imperador da Áustria, Francisco José,
sua beleza lendária, mas também as muitas perdas e tristezas pelas quais
passou em seus 60 anos, tornaram Sissi uma das guras mais populares
da dinastia Habsburgo, que durante séculos governou o maior império da
Europa. O brilho dessa família, sinônimo de poder e majestade,
começaria a se apagar após a morte de Sissi, ironicamente nos mesmos
Alpes da Suíça onde os Habsburgos se originaram, muitos séculos antes.
ÁRVORE GENEALÓGICA DA IMPERATRIZ SISSI

(1), (2), (3), (4): Números entre parênteses indicam a ordem dos
casamentos
Linha contínua, geração do primeiro casamento
Linha tracejada, geração do segundo casamento

Nota: foram contabilizados os lhos que faleceram na infância.


AEIOU

Iluminura do registro do imperador


Frederico III em 1446. No alto,
está a sigla AEIOU, criada por
ele e que guiaria o destino dos
Habsburgos ao longo dos séculos.
nome da dinastia Habsburgo surgiu por volta de 1020, tendo como
origem a expressão Habichtsburg, ou “Castelo do Açor”. O conde Radbot
O ergueu esse castelo no cantão de Argóvia, na Suíça, e deu a ele esse
nome depois de ter visto uma dessas aves pousada sobre o edifício.
Seu neto, Otto II, foi o primeiro a acrescentar “von Habsburg” ao
próprio título, dando início à dinastia.
Em 1273, durante uma disputa entre os príncipes germânicos, eles
decidiram escolher um descendente de Radbot, Rodolfo Habsburgo,
como rei. Os Habsburgos tinham então pouca expressão política, mas os
príncipes estavam enganados se achavam que seus adversários não
tinham ambição. Mais tarde, em 1282, Rodolfo I anexou a Áustria aos
domínios pessoais da família, fazendo sua sede na fortaleza Hourg, em
Viena, e dali em diante eles começaram a expandir seus domínios. Essa
política afastou-os da sua base inicial na Suíça, fazendo com que fossem
expulsos de lá e tivessem seu castelo destruído em 1415.
Não demorou para a família descobrir que guerras para aumentar
seus territórios custavam muito caro e que um meio mais barato de
alcançar o mesmo m eram os casamentos. O primeiro a se aproveitar
dessa ideia foi Rodolfo IV, duque da Áustria, bisneto de Rodolfo I, que se
casou com a irmã do rei do Tirol, Meinhard III. Quando o rei morreu, o
território cou como herança para ela, e Rodolfo aproveitou para
incorporá-lo às possessões dos Habsburgos em 1363. Isso deu origem a
uma política que norteou a dinastia pelos quinhentos anos seguintes,
resumida no mote Bella gerant alii, tu felix Austria nube / Aliis nam quae
Marte, dat tibi diva Venus, que signi ca: “Deixe que os outros façam a
guerra, tu, Áustria feliz, casa-te / O que Marte dá aos demais, para ti será
um presente de Vênus”.
O projeto de poder da dinastia consolidou-se em 1452, quando
outro Habsburgo, Frederico III, foi coroado imperador do Sacro Império
Romano-Germânico pelo papa Nicolau V. Com o tempo, a família
transformaria esse título, que era eletivo, em hereditário. Frederico III
cunhou o mote que regeria a política dos Habsburgos pelos séculos
seguintes: “AEIOU”, primeiras letras da frase em alemão: Alles Erdreich ist
Österreich untertan e em latim: Austriae est imperare orbi universo. Em
português: tudo no reino da Terra está subordinado à Áustria, aqui no
sentido de “a Casa da Áustria”, ou seja, os Habsburgos. Essa pretensão de
se tornar uma monarquia universal chegou perto de virar realidade em
diversos períodos dos séculos XVI e XVII, quando a família quase
alcançou a hegemonia na Europa e na América.
Inicialmente, as mulheres eram excluídas da sucessão dos
Habsburgos devido à chamada Lei Sálica. Essa determinação foi alterada
em 1713 pelo imperador Carlos VI, que não tinha herdeiros masculinos
legítimos e declarou a lha, Maria Teresa, como sua sucessora. Diversos
Estados do Sacro Império se recusaram a seguir a ordem de Carlos VI, o
que levou a uma guerra de sucessão. Maria Teresa prevaleceu, embora
tenha perdido parte de seus territórios para a Prússia e a França.
In uenciada pelas ideias do Iluminismo, um processo social,
político, cultural, econômico e losó co que visava, entre outras coisas,
ao uso da razão como o melhor caminho para se alcançar a liberdade, a
imperatriz procurou atualizar o império para os novos tempos. Além
disso, continuando com a política de casamentos dinásticos, Maria Teresa
conseguiu unir três de suas lhas com membros da poderosa casa dos
Bourbons: o rei das Duas Sicílias, o duque de Parma e o rei da França.
A esposa deste último, Maria Antonieta, acabaria sendo a mais
lembrada pela história, e não por bons motivos. Ela cou mais conhecida
pelas festas e pelos penteados extravagantes do que por seus
conhecimentos da política interna e externa da França, o que não a
preparou para o colapso social que veio a varrer os alicerces de todos os
tronos europeus: a Revolução Francesa.
VENTOS DE
MUDANÇA

Napoleão recebendo as chaves


de Viena em 1805. Gravura de
Jean Bein baseada na pintura
original de Anne-Louis
Girodet de Roussy-Trioson.
A França vivia uma severa crise nanceira, agravada por uma
sequência de guerras. O rei Luís XVI tentou diminuir as despesas
da corte e lançar um novo imposto que atingiria a propriedade da
nobreza e do clero, mas encontrou oposição. Finalmente, a crise tornou-
se tão grave que o obrigou a convocar os Estados Gerais, uma espécie de
parlamento, em 1789.
Os Estados Gerais eram divididos entre três estados, cada um
valendo um voto: nobreza, clero e burguesia. Desse modo, embora a
classe burguesa representasse a vasta maioria da população, tinha o
mesmo peso que os outros estados nas decisões. In uenciados pelos
ideais de liberdade e igualdade do Iluminismo, os burgueses revoltaram-
se contra a situação e criaram uma Assembleia Nacional, que ganhou o
apoio da população. Assim se iniciou uma revolta generalizada que
acabou obrigando o rei a jurar obedecer à constituição imposta pela
Assembleia.
Esse ato rompia de nitivamente com a ideia, cultivada por gerações
de Habsburgos, de que os reis haviam sido colocados em seus tronos para
governar por direito divino. O imperador do Sacro Império na época era
Leopoldo II, lho de Maria Teresa, que sucedera seu irmão mais velho, o
popular José II. Como a mãe, Leopoldo era um déspota esclarecido, um
dos diversos governantes europeus que tentaram implementar as ideias
iluministas. Ele viu com horror as ideias que tomavam impulso na França
fazerem irromper movimentos contrários ao sistema absolutista em
vários pontos da Europa, inclusive em territórios controlados pelos
Habsburgos.
Na tentativa de combater o avanço dessas ideias, em 1791, Leopoldo
e o rei da Prússia ameaçaram invadir a França caso algo ocorresse com a
família real, da qual fazia parte a irmã do imperador. O efeito, porém, foi
contrário ao esperado. A França declarou guerra aos dois, e a
animosidade resultou, em última análise, na deposição e prisão dos
monarcas franceses. Acusados de conspiração contra a França, Luís XVI
e Maria Antonieta foram declarados culpados, e a rainha nascida
Habsburgo foi levada à guilhotina em 16 de outubro de 1793.
Leopoldo II havia falecido subitamente no ano anterior, e seu lho
fora coroado imperador como Francisco II. Francisco não estava disposto
a fazer concessões à França e juntou-se aos outros Estados fronteiriços –
Espanha, Prússia, Sardenha, Nápoles e Inglaterra – para fazer guerra a
ela. Essa união, conhecida como Primeira Coalizão, buscava dar o
exemplo ao punir o povo que se atrevera a se levantar contra seus
governantes, bem como sufocar os ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade que começavam a orescer nos campos franceses
encharcados com o sangue dos aristocratas.
De forma inesperada, porém, em meio ao caos interno, a França
conseguiu reorganizar seu exército o su ciente para resistir sozinha ao
avanço dos impérios vizinhos. Ironicamente, essa campanha fez surgir a
fama de um militar nascido na Córsega que viria a ser o pesadelo dos
governos europeus nas duas décadas seguintes.
Napoleão Bonaparte era praticamente desconhecido quando partiu
para a campanha da Itália, em março de 1796. Como um trator, ele
passou conquistando grande parte dos territórios italianos, incluindo
alguns sob domínio austríaco. Dentro de um ano, ele marchava contra a
própria Áustria, chegando a 150 quilômetros de Viena em 9 de abril de
1797. Foi então que os austríacos decidiram encerrar a guerra. A paz
entre a França e o Sacro Império foi o cializada pelo Tratado de Campo
Formio, em 17 de outubro, que Napoleão assinou em nome dos
franceses. Foi um duro golpe contra o império, arduamente construído
com sangue e casamentos pelos antepassados de Francisco II. De uma só
tacada, a Áustria perdia parte dos Países Baixos e diversas possessões
italianas, além de ser obrigada a reconhecer a república francesa.
A certeza de que o trono era parte de sua herança divina levou
Francisco, assim como outros monarcas absolutistas, a não aceitar bem a
derrota para Napoleão. Outras coalizões foram formadas contra a França,
mas a cada vez o exército francês voltava a bater os inimigos e retirava
mais territórios dos domínios do Sacro Império. Por duas vezes, em 1805
e 1809, a corte austríaca chegou a ser forçada a fugir de Viena para
escapar do avanço napoleônico.
Com a perda de territórios, especialmente nos Estados germânicos,
a Assembleia Legislativa do Sacro Império Romano-Germânico exigiu
que Francisco II devolvesse a coroa de imperador. Sem mais forças para
lutar e abatido com a perda de grande parte de sua herança ancestral, em
6 de agosto de 1806, Francisco abdicou do título. Assim, passou a utilizar
apenas o de Francisco I, imperador da Áustria, que ele reorganizara dois
anos antes como um império a partir das principais possessões dos
Habsburgos, que incluíam a Boêmia e a Hungria.
Mais uma vez, a política matrimonial entrou em ação. Napoleão,
que se proclamara imperador da França em 1804, estava à procura de
uma princesa de uma das casas reais europeias para se casar e ter um
herdeiro. Com o auxílio das maquinações do primeiro-ministro
austríaco, Metternich, a escolha recaiu sobre a lha mais velha do
imperador Francisco, Maria Luísa. Assim, a Áustria e a França aliaram-se
por casamento.
Foi um choque geral na família Habsburgo. Soava inadmissível que
uma das suas princesas fosse dada ao “demônio” que, por meio de guerra
e revolta, fatiara o império ancestral da família e destronara muitos
parentes. Mas, para Francisco, foi um meio de melhorar a frágil posição
da Áustria, debilitada pelas indenizações que fora obrigada a pagar em
troca da paz. Ele estava disposto a fazer tudo que pudesse para consolidar
o novo império, até “entregar uma virgem para ser sacri cada ao
Minotauro”, nas palavras de lorde Castlereagh, secretário britânico de
Assuntos Estrangeiros.
Maria Luísa não cou muito feliz com a determinação paterna, mas
obedeceu, como se esperaria de uma arquiduquesa Habsburgo. O
casamento por procuração foi celebrado em 11 de março de 1810, e dois
dias depois a nova imperatriz partiu para Paris, refazendo o mesmo
percurso de Maria Antonieta quarenta anos antes. Ela e Napoleão
tiveram um lho, Napoleão Francisco, que recebeu ao nascer o título de
rei de Roma.
O ano de 1812 marcou o declínio de Napoleão. Ele avançou sobre a
Rússia com um exército enorme, mas a campanha foi um desastre. Os
russos, em vez de partirem para o confronto, começaram a recuar e a
queimar tudo pelo caminho – assim os franceses não podiam se
reabastecer e dependiam das rotas de suprimentos. Com a chegada do
inverno, essas rotas foram di cultadas, e Napoleão foi forçado a recuar
com seu exército, perdendo 90% dos homens no caminho.
Isso encorajou os antigos inimigos, inclusive a Áustria, a se unirem
contra ele outra vez, e mais derrotas se seguiram, forçando-o a abdicar
em 6 de abril de 1814. O ex-imperador foi banido para a ilha de Elba, na
costa italiana. Napoleão tentou ensaiar um retorno ao trono em 1815,
mas após apenas cem dias acabou derrotado de nitivamente na batalha
de Waterloo, em 18 de junho. Capturado, tornou-se prisioneiro na ilha de
Santa Helena até sua morte, em 1821. Maria Luísa retornou a Viena com
o lho e acabou recebendo o ducado de Parma para ali viver, longe da
corte vienense, onde a sua presença, como esposa de Napoleão, se tornara
incômoda. Enquanto isso, o pequeno Napoleão Francisco permaneceria
em Viena até a sua morte, como o maior dos troféus de guerra da
Áustria.
Após a queda de Napoleão, as grandes potências reuniram-se em
Viena entre maio de 1814 e junho de 1815 para realizar o “Concerto da
Europa”, realinhando, de acordo com os interesses das potências
vencedoras, o continente desmantelado pelo corso. Durante o Congresso
de Viena, novas fronteiras foram demarcadas, casas reinantes voltaram
aos seus tronos, mas alguns dos reinos criados por Napoleão foram
mantidos. Entre esses novos estados independentes, estava o Reino da
Baviera, governado pela dinastia de Wittelsbach. O país havia sido criado
em 1806 após a dissolução do Sacro Império Romano-Germânico. Dele
viriam duas importantes mulheres que marcariam profundamente a
história dos Habsburgos e da Áustria: So a, nora de Francisco I e esposa
do arquiduque Francisco Carlos, e a sobrinha dela, Elisabete, mais
conhecida como Sissi, que viria a se casar com o lho do casal, o
imperador Francisco José.
Durante o Congresso de Viena, começou a ser aventada a hipótese
da aliança entre a Áustria absolutista, que emergia como grande vitoriosa
no con ito contra a França, e Portugal, cuja corte havia se estabelecido na
América em 1808, escapando de Napoleão. Lá, d. João VI criara o Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarve, instalando nas Américas um
baluarte do absolutismo.
D. João imaginou, a princípio, um casamento duplo para unir
de nitivamente as duas casas: seu herdeiro, d. Pedro, se casaria com a
arquiduquesa Leopoldina, lha de Francisco I e irmã da imperatriz Maria
Luísa. Em troca, o herdeiro do imperador austríaco, Fernando, se uniria à
infanta Isabel Maria, lha do rei português. O tratado para a primeira
união foi assinado no nal de 1816, e a cerimônia de casamento por
procuração foi o cializada em 13 de maio de 1817.
D. Leopoldina partiu então para o Rio de Janeiro, tornando-se assim
a primeira princesa europeia a atravessar o Atlântico para se casar na
América. Ela, que havia se unido ao herdeiro do trono de Portugal,
acabaria nunca mais retornando à Europa e se transformaria numa
articuladora da Independência do Brasil e sua primeira imperatriz. Entre
seus lhos, estão a rainha de Portugal, d. Maria II, e o imperador do
Brasil, d. Pedro II. D. Leopoldina faleceu no Rio de Janeiro em 11 de
dezembro de 1826, aos 29 anos.
O outro casamento planejado acabou não ocorrendo. Fernando se
casaria com outra princesa, e d. Isabel Maria morreria solteira. Mas o
destino daria uma ajuda ao plano de d. João algumas gerações adiante.
D. Leopoldina como princesa do Brasil, gravura de Blasius
Höfel baseado no desenho de Natale Schiavoni, circa 1817.
HERDEIROS
DE UM
IMPÉRIO

Imperador Fernando I da Áustria, que governou de 1835 a 1848.


F rancisco I casou-se quatro vezes e teve treze lhos, dos quais sete
chegaram à vida adulta – todos lhos do imperador com sua prima,
Maria Teresa. A endogamia cobrou o seu preço. Seu lho mais velho,
Fernando, por exemplo, nasceu com hidrocefalia e sofria com uma
epilepsia severa. Sua inteligência a ada foi prejudicada pela doença, que
chegou a lhe causar vinte ataques num único dia, levando a problemas
neurológicos que o deixaram incapaz de governar quando subiu ao trono
como Fernando I, em 1835. A doença também o impediu de consumar
seu casamento: quando tentou fazer isso, sofreu cinco convulsões
sucessivas.
Dessa maneira, o herdeiro de Fernando continuava sendo seu
irmão, Francisco Carlos, tido como um homem fraco e sem ambições.
Ele tinha um assento no conselho de Estado, que na prática governava no
lugar do imperador, e seu posto era em grande parte formal, sem muita
autoridade. Isso porque as decisões eram usualmente tomadas por
Metternich e seu grande oponente, o conde Franz Anton von Kolowrat-
Liebsteinsky, que dividiam a maior parte do poder político.
Porém o que faltava a Francisco Carlos, sua esposa, So a, tinha de
sobra. Nascida em 1805, ela era uma das lhas mais novas do segundo
casamento de Maximiliano de Wittelsbach, príncipe-eleitor da Baviera.
Considerada a favorita do pai, So a tinha uma irmã gêmea, Maria Ana, e
era muito próxima da mãe e das demais irmãs.
A reestruturação da Europa, levada a cargo por Napoleão, havia
tornado o título de príncipe-eleitor quase obsoleto. Entretanto, menos de
um ano após o nascimento das gêmeas, a importância de Maximiliano e
sua família mudou subitamente. Ao decidir se aliar ao corso, o príncipe
tornou-se soberano do recém-criado Reino da Baviera em 1o de janeiro
de 1806. Para consolidar essa aliança, sua lha mais velha, Augusta, foi
dada em casamento ao enteado de Napoleão, Eugênio de Beauharnais,
vice-rei da Itália, que mais tarde receberia do sogro o título de duque de
Leuchtenberg. Uma das lhas desse casal, Amélia de Leuchtenberg, se
tornaria a segunda imperatriz do Brasil ao se casar com d. Pedro I após o
falecimento de d. Leopoldina.
Mais tarde, Maximiliano mudaria de lado e se juntaria à Sexta
Coalizão contra Napoleão. Como prêmio, a soberania da Baviera acabou
reconhecida. Para consolidar ainda mais a existência do Estado, as lhas
do rei foram peças valiosas no mercado de alianças matrimoniais. Várias
tornaram-se esposas de monarcas. Uma delas, Carolina, foi a última
esposa de Francisco I da Áustria; outra, Isabel Luísa, casou-se com o
imperador da Prússia; e Maria Ana foi dada em casamento ao rei da
Saxônia. O casamento de So a com o arquiduque Francisco Carlos,
enteado de sua irmã, era considerado politicamente interessante pela
possibilidade de ele herdar o trono austríaco, dada a incapacidade de seu
irmão Fernando em gerar um sucessor.
A autoritária So a e o vacilante Francisco Carlos casaram-se em
1824 e tiveram um relacionamento harmonioso que gerou seis crianças,
das quais quatro meninos chegaram à idade adulta: Francisco José,
Maximiliano, Carlos Luís e Luís Vítor. Apesar dessa vida em família sem
perturbações, o casal não podia ser mais diferente e com poucos
interesses em comum.
A pessoa na corte com quem So a se relacionava melhor era o
sobrinho do marido, Napoleão Francisco, o lho de Napoleão e Maria
Luísa. Seis anos mais novo que ela, o jovem era inteligente, curioso e
charmoso, e os dois logo iniciaram uma amizade que durou até a morte
dele, em 1832, vítima de tuberculose. Napoleão e So a eram tão
próximos que surgiram rumores de que os dois teriam um caso amoroso
e que ele, e não o marido, seria o pai do arquiduque Maximiliano,
segundo lho dela, que nasceu dezesseis dias antes da morte de Napoleão
Francisco.
Inteligente e sociável, So a era popular entre a aristocracia vienense,
mas sua vontade rme não era segredo para ninguém, a ponto de ela ser
chamada pelas costas de “o único homem da corte”. Embora tivesse
facilidade em manipular o marido, So a logo concluiu que não podia
esperar muito dele e transferiu suas ambições para o lho mais velho,
Francisco José.
A oportunidade da arquiduquesa veio em 1848, quando uma série
de revoltas e revoluções se espalhou pela Europa, inclusive no Império
Austríaco.
Napoleão Francisco, circa 1830.

A crescente industrialização em boa parte do continente e a consequente


urbanização, por conta da migração de pessoas do campo para a cidade
em busca de emprego, levaram a uma difusão de ideias liberais,
nacionalistas e mesmo socialistas. Esses movimentos reivindicavam
desde liberdade de expressão e associação até direito de voto para todos
os homens. Isso se chocava diretamente com os propósitos conservadores
da Santa Aliança, da qual a Áustria era uma das signatárias e que fora
criada exatamente para garantir a manutenção da situação política
anterior à Revolução Francesa e defender a causa absolutista.
No campo, o crescimento da população levou a con itos de terras e
revoltas camponesas. Para agravar a situação, a partir de 1845 uma praga
ocasionou uma queda na produção de batata, principal fonte de calorias
para as classes mais baixas em muitos países europeus. Isso gerou
escassez de alimentos, causando milhares de mortes.
O ano de 1848 começou com uma série de revoltas populares na
Itália que culminou na proclamação da república em Roma, em 9 de
fevereiro. Logo em seguida, uma revolução na França levou à queda do
rei Luís Filipe e à implantação da Segunda República, em 24 de fevereiro.
A partir daí, uma onda de revoltas e movimentos armados estendeu-se
da Espanha à Suécia.
A chamada “Primavera dos Povos” atingiu a Áustria em março,
quando o parlamento da Baixa Áustria exigiu a renúncia do chanceler
absolutista Metternich, que, sem receber defesa nem de seus próprios
apoiadores, decidiu renunciar em 13 de março e fugir para Londres. Os
meses seguintes viram uma sequência de gabinetes caírem um depois do
outro, enquanto as revoltas continuavam se espalhando pelo império.
Além daqueles inspirados pelo descontentamento das classes populares
com o governo, havia os de caráter nacionalista, com diversos povos
buscando a independência do império.
Essas revoluções expuseram as questões étnicas que se escondiam
dentro do Império Austríaco. Além dos germânicos, vivia nos territórios
governados por Viena uma miríade de povos que praticavam religiões
diferentes e falavam um grande número de idiomas. Além da Áustria,
compunham o império mais doze divisões administrativas e várias
subdivisões, incorporando germânicos, eslavos de vários idiomas,
magiares, romenos e italianos. A área mais explosiva eram os Bálcãs, uma
colcha de retalhos do decrépito Império Turco-Otomano dividida em
territórios que foram sendo ao longo do século XIX pouco a pouco
incorporados pelos austríacos.
A insurreição, no entanto, foi rapidamente reprimida por tropas
lideradas pelo conde Radetzky, enquanto os levantes nacionalistas na
Boêmia e na Alemanha acabaram dominados por parte de seus próprios
membros, leais ao regime dos Habsburgos. Porém os nacionalistas
húngaros avançaram contra Viena e forçaram o imperador Fernando a
fugir com sua corte. A revolta foi contida, mas a situação política
delicada fez com que Fernando fosse forçado a abdicar.
O arquiduque Francisco Carlos era o próximo na linha de sucessão,
mas So a convenceu-o de que o melhor era renunciar a seus direitos em
favor de Francisco José, então com 18 anos. Dessa maneira, em vez de se
tornar a consorte de um imperador sem vontade, ela passou a ser a
arquiduquesa-mãe e o verdadeiro poder por trás do trono do lho.
FRANCISCO
JOSÉ, O
DESEJADO
A arquiduquesa Sofia com seu
filho, o arquiduque Francisco José.
Litografia de G. Bodmer baseada na
tela de Joseph Karl Stieler, 1832.

Apressão para que Francisco Carlos e Sofia tivessem filhos havia sido
enorme, dado que era tido como improvável que Fernando, o então
herdeiro do trono, fosse fisicamente capaz de gerar descendentes. Para
piorar, Sofia sofreu diversos abortos espontâneos nos primeiros anos de
casamento. Até que, em 18 de agosto de 1830, conseguiu dar à luz um
menino saudável, que recebeu o nome de Francisco José. O nascimento do
muito desejado sucessor foi celebrado por todo o Império Austríaco, mas
principalmente pelo avô, o imperador Francisco I, que assim via assegurada
a continuidade do trono pelo qual tanto lutara.

A posição de herdeiro aparente fez com que Francisco José crescesse como
o centro das atenções da corte austríaca. Sua mãe, Sofia, tratou de planejar
sua educação com base nessa ideia de que um dia ele seria o imperador da
Áustria. Os diários dela trazem uma infinidade de detalhes sobre o
desenvolvimento físico e mental do menino.

A aia de Francisco José, responsável por sua educação até os seis anos, era
a baronesa Louise von Sturmfeder, uma aristocrata alemã inteligente,
instruída e capaz. Além de educar o herdeiro, a baronesa foi também
responsável pela educação dos outros arquiduques, irmãos dele. Ela já
conhecia Sofia da corte da Baviera; sua irmã mais nova, Fanny,
acompanhara a imperatriz d. Amélia ao Brasil quando de seu casamento
com d. Pedro I. Louise fora recomendada ao imperador por Metternich
quando a arquiduquesa ainda estava grávida. As duas tornaram-se
confidentes, e a baronesa viria a ser uma grande influência na formação do
caráter de Francisco José.

Louise tinha ideias consideradas modernas para a época, como a de que


mulheres solteiras deveriam trabalhar e que a saúde das crianças dependia
de ar fresco e exercício físico. Conforme o número de seus pupilos foi
crescendo, a aia passou a chefiar um batalhão de amas de leite, cozinheiras,
criados e babás, que ela organizava eficientemente dentro do esquema de
educação que criara. Louise decidiu que os pequenos arquiduques não
deviam ser criados numa redoma, protegidos e mimados, mas sim tratados
como crianças normais, brincando com os mesmos tipos de brinquedos e
sendo encorajados a cuidar de si mesmos. Também insistiu que eles
aprendessem outras línguas do império além do alemão. De acordo com o
costume da época, os pais tinham pouca participação nessas decisões, e o
sistema da baronesa teve sucesso: os meninos tornaram-se disciplinados e
autoconfiantes desde muito jovens.

Francisco José e seu irmão Maximiliano. Litografia de Joseph Kriehuber.

Apesar da aparente severidade de Louise, todas as crianças eram muito


apegadas a ela, a quem chamavam de Ami. Mas Francisco José era seu
preferido, e ela não fazia questão de esconder isso, a tal ponto que, numa
ocasião, o segundo irmão, Maximiliano, se lançou ao seu pescoço dizendo:
“Eu a amo tanto quanto você ama Franzi”.1 Com o tempo, o carisma de
Maximiliano conquistou o coração da baronesa. Porém a preferência pelo
irmão mais velho nesses primeiros anos pode ter influenciado a
personalidade do mais novo, que a vida toda procurou esconder sua
sensibilidade atrás de uma fachada de assertividade e buscou construir seu
próprio caminho longe da corte austríaca.

Esse período idílico da infância ao lado da baronesa chegava ao fim quando


as crianças faziam seis anos e, pela etiqueta da corte, não podiam ter mais
nenhum contato oficial com ela. A partir de então, eram entregues a
preceptores para receber educação formal. Louise von Sturmfeder
continuou cuidando dos pequenos até que o caçula, Luís Vítor, doze anos
mais novo que Francisco José, atingiu a idade-limite. Depois disso, ela
continuou vivendo no palácio de Hofburg, como dama da imperatriz viúva
Carolina, até morrer, em 1866.

O novo aio, responsável pela educação de Francisco José a partir de 1836, e


mais tarde pela dos outros arquiduques, era um diplomata, o conde
Heinrich Franz de Bombelles. Nascido na França poucas semanas antes do
início da Revolução Francesa, Bombelles cresceu na Áustria e lutou no
exército austríaco contra Napoleão. Posteriormente, entrou para o serviço
diplomático, atuando nas cortes russa, portuguesa e piemontesa. Um de
seus irmãos, Carlos, esteve a serviço da viúva de Napoleão, Maria Luísa,
no Ducado de Parma, e mais tarde se casou com ela.

Sofia não gostou muito da indicação de Bombelles, mas acatou a decisão,


porque ela podia manter em suas mãos o que seria ensinado e como. Além
disso, o aio era um homem devoto, que destacava os aspectos referentes à
religião na educação do pupilo, algo importante para o futuro imperador de
um Estado que se via como um bastião de defesa da Igreja católica.

O severo programa que Bombelles aplicava foi decidido pela arquiduquesa


Sofia e por Metternich e incluía uma enorme gama de professores e de
assuntos. Um dos principais focos era o aprendizado de línguas. Francisco
José estudou alemão, tcheco, húngaro e polonês – as principais línguas do
império –, além de francês, italiano, latim e grego. A isso se adicionavam
geografia, história, química, filosofia, leis e política, bem como música,
desenho e um grande número de atividades físicas: ginástica, esgrima,
natação, equitação e dança.

A educação do pequeno herdeiro ainda incluía um programa de treinamento


militar. Era esperado que os arquiduques homens soubessem o básico sobre
formações e táticas militares e que vissem o poderio bélico como um dos
pilares do império, mas o treinamento de Francisco José foi além: ele
recebeu preparação para ser um oficial, o que era inédito para um futuro
imperador austríaco, sendo nomeado coronel de um batalhão de dragões
aos 13 anos. Como resultado, embora não se destacasse nos exercícios, ele
ganhou um senso de ordem e disciplina, bem como um interesse por
assuntos militares que o acompanhou por toda a vida.

Francisco José tinha pouco tempo livre dentro do rígido sistema de ensino a
que foi submetido. Aos seis anos, entrava para a primeira aula às 7h30,
antes do café da manhã, e terminava a última às 19 horas. Um ano mais
tarde, o tempo dedicado às lições somava 32 horas por semana, e quando
ele chegou aos 16 anos o regime de estudos começava às 6 horas e só se
encerrava às 21 horas.

Os únicos momentos em que ele e os irmãos podiam se entregar a algum


prazer pessoal eram aos domingos, quando os meninos recebiam um lanche
da tarde especial com café, creme, doces e, se tivessem se comportado
particularmente bem, sorvete. Em seguida, era permitido a eles brincar com
algumas outras crianças selecionadas, com quem costumavam montar uma
fortaleza e atacá-la com um canhão de brinquedo. Outra diversão era um
teatro de bonecos, que Francisco José tinha prazer em dirigir.

A severidade da educação e a falta de momentos de lazer moldaram a


personalidade do herdeiro, que chegou à vida adulta como um homem
rígido e de pouca imaginação, mas que via a si mesmo em primeiro lugar
como servo da nação.

Essa rotina foi subitamente interrompida em 1848, alguns meses antes de


Francisco José completar 18 anos, com as revoluções que varreram o
Império Austríaco. O jovem arquiduque juntou-se às tropas que
enfrentavam os rebeldes na Itália e deu mostras de bravura sob fogo, mas
seguiu com a família para Innsbrück, no Tirol, quando a corte fugiu de
Viena, devido ao ataque de tropas húngaras sublevadas. Foi em Innsbrück
que Francisco José encontrou pela primeira vez seus primos, filhos da
duquesa Ludovica na Baviera, irmã mais nova da arquiduquesa Sofia. Entre
eles, estava uma menina de dez anos, Elisabete, que nessa ocasião não
impressionou o rapaz.

A família imperial chegou a voltar para Viena, mas a situação ainda


instável fez com que deixassem a cidade para Olmütz, na Morávia
(atualmente Olomouc, na República Tcheca). Foi durante essa estada que o
novo primeiro-ministro, o príncipe Schwarzenberg, com o apoio dos
principais generais do exército e da arquiduquesa Sofia, convenceu o
imperador Fernando I a abdicar e seu irmão Francisco Carlos a abrir mão
do trono em favor do filho.

Todos os preparativos foram feitos em segredo. Embora tenha sido avisado


do plano várias semanas antes, Francisco José continuou recebendo aulas, e
na noite anterior ainda se dedicou a lições de direito canônico. Na manhã
de 2 de dezembro de 1848, às 8 horas em ponto, a corte reuniu-se na Sala
do Trono em Olmütz para ouvir o imperador Fernando ler uma breve
declaração abdicando em nome de seu sobrinho. Em seguida, o príncipe
Schwarzenberg leu a renúncia de Francisco Carlos a seu direito ao trono e o
reconhecimento da maioridade de Francisco José, que se dera em 18 de
agosto, quando ele completara 18 anos. Então o rapaz loiro, alto e magro
que acabara de se tornar imperador atravessou a sala e ajoelhou-se diante
de Fernando para receber sua bênção.

Gravura de 1848 mostrando a subida ao trono de Francisco José. O tio, o


ex-imperador Fernando I, aparece do lado direito descendo os degraus do
trono, e o pai de Francisco José, o arquiduque Francisco Carlos, do lado
esquerdo entregando o cetro para o filho. Litografia de Franz Kollarz.

Inicialmente, considerava-se que o jovem imperador assumiria o trono com


seu primeiro nome, Francisco. Mas, por sugestão de Schwarzenberg,
decidiu-se usar também o segundo, José, em homenagem a seu tio-bisavô
José II, o “Imperador do Povo”, lembrado pela população como um grande
reformador social e pela história como um dos principais déspotas
esclarecidos do século XVIII. Isso resultou no nome duplo Francisco José,
uma escolha incomum para um imperador Habsburgo.

Mais tarde, no mesmo dia, Francisco José fez sua primeira aparição pública
como imperador ao inspecionar as tropas estacionadas em Olmütz.
Enquanto passava a cavalo, ele recebeu uma estrondosa ovação dos
soldados entusiasmados. Ao retornar ao palácio, foi recebido por um
membro da corte com a saudação “Sua Majestade”. Ao ouvir isso, de
acordo com a tradição, Francisco José teria murmurado: “Adeus, minha
juventude…”.2
NOVO
IMPERADOR,
VELHAS
IDEIAS
“Eu enviei meu anjo para guiá-lo”,
alegoria da subida de Francisco
José ao trono. Litografia de
Vinzenz Katzler, 1848.

Apopulação do Império Austríaco tinha grandes expectativas sobre


Francisco José. Esperava-se que ele trouxesse mudanças ao trono,
afastando-se do absolutismo e propondo reformas liberais. Um passo nesse
sentido foi dado no início de 1849, quando ele assinou uma nova
constituição. Mas essas esperanças não demoraram a se evaporar. Criado
dentro da rígida e católica educação dos Habsburgos, por trás da fachada de
juventude o novo imperador era tão conservador quanto seus antecessores.

A educação estipulada por Metternich, baseada nos mesmos valores da


Santa Aliança, tivera efeitos sobre o jovem monarca. Francisco José via a si
mesmo como um governante absoluto, submetido apenas a Deus, cujo
poder emanava dele como chefe da dinastia e da Igreja católica, não da
vontade do povo. Sob a orientação de sua mãe, a agora arquiduquesa-mãe
Sofia, e do conservador primeiro-ministro Schwarzenberg, o imperador aos
poucos foi retrocedendo em todas as concessões liberais que fizera.
Devolveu à Igreja o poder de regular os assuntos privados dos cidadãos,
como os registros de nascimento, casamento e morte, e a autorização para
os religiosos ensinarem em escolas, que haviam sido retirados desde o
tempo de José II. Também fechou o parlamento e terminou por anular a
própria constituição, em 1851.

O resultado acabou sendo uma nova revolta no Reino da Hungria, onde as


reformas estabelecidas pelo parlamento local foram revogadas pelo novo
imperador em 1849. Além disso, a nova constituição do império anulava a
antiga legislação húngara, acabando com o parlamento local, que datava do
século XII. Para completar, os húngaros não reconheciam Francisco José
como monarca, pois tecnicamente a abdicação de Fernando não era válida
para esse reino. Em seu lugar, foi nomeado um regente, que deu início a um
levante contra o domínio austríaco e a princípio obteve vários sucessos.

Aproveitando-se dessa crise, o rei da Sardenha, Carlos Alberto, reiniciou a


luta na Itália, mas de pronto foi derrotado por Radetzky em Novara, sendo
forçado a declarar a paz e a abdicar. A revolução húngara, por sua vez, foi
severamente reprimida, e em consequência a autonomia do Reino da
Hungria acabou anulada, com o território sendo dividido em vários
governos. O resultado foi o aumento do sentimento contra os Habsburgos
na região.

O autoritarismo de Francisco José e a severa repressão aos movimentos


nacionalistas tornaram-no extremamente impopular nesses primeiros anos.
No auge dessa impopularidade, o imperador acabou sofrendo um atentado
contra sua vida, em 18 de fevereiro de 1853. Francisco José estava
caminhando numa fortificação em Viena com um de seus oficiais,
Maximilian O’Donnell, quando um jovem alfaiate húngaro, János Libényi,
se aproximou e atacou o imperador com uma faca. O golpe atingiu o
pescoço, mas a gola rígida do uniforme militar que Francisco José vestia o
protegeu, fazendo com que o ferimento fosse superficial. Antes que
pudesse desferir um segundo golpe, Libényi foi dominado por O’Donnell e
por um açougueiro chamado Josef Ettenreich.

Apesar do susto, Francisco José retornou ao Hofburg caminhando e


tranquilizou sua mãe, dizendo: “Agora eu sou uma baixa, também, assim
como meus soldados”.3 Ele se recuperou depressa e em menos de um mês
retomou suas funções oficiais. Libényi foi rapidamente julgado e
condenado à morte, e executado apenas oito dias depois do atentado. A
polícia austríaca, depois de realizar uma verdadeira devassa em busca de
cúmplices, concluiu que ele agira sozinho e que não havia uma
conspiração.

Graças à iniciativa do irmão de Francisco José, o arquiduque Maximiliano,


uma subscrição foi aberta para construir um memorial no lugar do atentado.
Maximiliano conseguiu que outras famílias reais da Europa fizessem
doações, e assim foi erigida uma igreja conhecida como Votivkirche (igreja
votiva, em alemão), na Ringstrasse, consagrada em 1879.

A tentativa de assassinato acabou tendo o efeito contrário. A bravura de


Francisco José após ser ferido, a simpatia que demonstrou pelos soldados
em batalha ao se comparar a eles, bem como a demonstração de bondade ao
conferir à mãe de Libényi uma pequena pensão, já que ela dependia
totalmente do filho, ajudaram a melhorar sua imagem junto ao povo. Seus
salvadores também foram beneficiados. O’Donnell, um descendente da
aristocracia irlandesa, recebeu o título austríaco de conde. Já o açougueiro
foi elevado à nobreza, passando a ter o direito de assinar Josef von
Ettenreich.

Celebração da colocação da pedra fundamental da


Votivkirche, em 24 de abril de 1856, por Francisco
José. Desenho de Ferdinand Tewele litografado
por Ludwig Czerny, 1856. Wien Museum.

Por sua vez, ao ver o filho passar tão perto da morte, a arquiduquesa Sofia
chegou à conclusão de que era urgente que Francisco José tomasse mais um
passo decisivo para o futuro da dinastia: ele deveria se casar.
UMA NOIVA
PARA O
IMPERADOR

Elisabete, futura imperatriz da Áustria,


em 1853. Litogra a de F. Hanfstaengl.
P lanos para o casamento de Francisco José já estavam sendo feitos,
mas a procura pela noiva perfeita ainda continuava. Em 1852, o
imperador havia conhecido em Berlim a bela princesa Ana da
Prússia e se apaixonado por ela. Ele chegou a conseguir o apoio da
arquiduquesa-mãe à sua ideia de propor casamento à jovem, mas havia
dois empecilhos. Em primeiro lugar, Ana já estava comprometida com
outro príncipe, e, em segundo, uma aliança matrimonial com a Áustria
católica era vista como indesejável pela Prússia protestante, o que fez
malograr a ideia.
Outros projetos também caram pelo caminho. Uma das favoritas
de Francisco José era a arquiduquesa Elisabete Francisca, uma prima
distante que havia cado viúva e tinha uma lha pequena, mas a
arquiduquesa So a não gostava desse ramo da família. Ela então escolheu
uma de suas sobrinhas, a princesa Sidônia da Saxônia, mas o imperador
não se interessou por ela, e esse projeto também foi abandonado.
Além dos sentimentos e dos interesses familiares e políticos, havia
alguns pré-requisitos necessários para ser quali cada como aspirante a
noiva do imperador da Áustria. Ela precisava ser uma princesa de sangue
real e deveria ser católica, ou ao menos ter o interesse de se converter a
essa religião. Assim, havia poucas opções disponíveis, e So a resolveu
recorrer a sua irmã mais nova, Ludovica, que havia feito um casamento
bem menos prestigioso que as mais velhas. Ela se casara com
Maximiliano, familiarmente conhecido como Max, duque na Baviera,
título de um ramo menor da casa de Wittelsbach, em oposição ao de
duques da Baviera, usado pelos descendentes do ramo principal antes de
se tornarem reis. O casal tivera nove lhos: cinco meninas e quatro
meninos. A duquesa tinha grandes ambições para as lhas. Por isso foi
com alegria que ela recebeu a proposta de sua irmã So a para casar uma
delas com Francisco José.
Helena, de 19 anos, a mais velha das meninas, foi a escolhida como
candidata. Quatro anos mais nova que Francisco José, ela tinha a idade e
o temperamento certos para o papel. Chamada pela família de Néné,
Helena era uma garota atraente, inteligente, calma e religiosa, tão séria
que preocupava a mãe, mas com um senso de dever que seria perfeito
para uma imperatriz. Ludovica tratou de contratar tutores às pressas para
ensinar à lha francês, dança e o básico do que precisaria saber para sua
futura posição antes de conhecer Francisco José.
O encontro entre os dois potenciais noivos foi planejado para
acontecer no aniversário do imperador, em agosto de 1853. As
festividades se dariam em Bad Ischl, um refúgio idílico dos Habsburgos à
beira de um lago nos Alpes austríacos, onde os jovens poderiam se
conhecer melhor numa atmosfera menos rígida, em meio a passeios e
bailes. Ludovica decidiu que, além da lha mais velha, levaria também a
segunda, Elisabete, então com 15 anos. Durante a infância, a menina era
chamada na família de Sisi (pronuncia-se “Zízi” em alemão), apelido que
não a acompanhou na vida adulta. Ele só se popularizou, transformado
em Sissi, devido a uma série de lmes nos anos 1950, que colocaram
Elisabete de nitivamente no imaginário popular.
A mãe esperava que Sissi acabasse se unindo ao terceiro lho de
So a, Carlos Luís, com quem a jovem já se correspondia. O plano era
casar Francisco José com Helena imediatamente e Carlos com Sissi
dentro de alguns anos, quando ela fosse um pouco mais velha. Essas duas
uniões consolidariam a situação dinástica da Áustria, já que o segundo
irmão, Maximiliano, não pensava em se casar tão cedo. Em fevereiro
daquele ano, ele perdera a jovem com quem estava comprometido, d.
Maria Amélia de Bragança, por quem era apaixonado. D. Maria Amélia
era a lha do imperador d. Pedro I do Brasil com d. Amélia, sobrinha de
So a e Ludovica.
A viagem cuidadosamente projetada teve um mau início. Devido a
uma enxaqueca, Ludovica foi obrigada a interromper a jornada, e ela e as
lhas chegaram a Bad Ischl, em 16 de agosto, horas mais tarde que o
esperado, atrapalhando todos os planos de So a para o primeiro dia.
Além disso, a carruagem trazendo as damas de companhia e os baús de
roupas teve di culdades na estrada e chegou ainda depois delas. As três
mulheres não tinham nenhuma ajuda nem nada para vestir além dos
vestidos que usavam, que eram negros por conta do luto por uma tia e
estavam empoeirados da viagem.
So a emprestou uma dama de companhia para ajudar as três a se
arrumarem e mandou um cabeleireiro para cuidar dos cabelos de Helena.
Sissi, por sua vez, ajeitou os próprios cabelos em simples tranças. A
arquiduquesa-mãe, mais tarde, descreveria numa carta a graça dos
movimentos da garota enquanto fazia isso. Enquanto Sissi parecia
adorável em seu vestido severo, o traje de luto não favorecia a séria
Helena.
Mais tarde, as recém-chegadas foram recebidas para o jantar, onde
foram apresentadas formalmente a Francisco José e seus irmãos. Helena
sentou-se com Ludovica e os austríacos à mesa principal, enquanto Sissi
cava sozinha em outra mesa com sua governanta, como era habitual
para as mais jovens. Ela estava tão nervosa que confessou à
acompanhante que não conseguia comer. A reunião foi embaraçosa;
nenhum dos presentes tinha o dom de iniciar uma conversação. No meio
de seu constrangimento, nem Helena nem Sissi perceberam que
Francisco José pouca atenção dava à irmã mais velha, que ele achou
rígida e fria. Todos os seus olhares estavam voltados à mais jovem.
Uma lenda corrente a rma que esse não teria sido o primeiro
encontro de Francisco José com Sissi naquele dia. Ao chegar a Bad Ischl,
ele teria encontrado a garota correndo no jardim do hotel onde estava
hospedada. Sem conhecer a identidade um do outro, eles teriam
conversado por alguns minutos, e o imperador teria se encantado com a
espontaneidade dela. Verdade ou não, os presentes ao jantar não tiveram
di culdade de perceber que Francisco José já tinha uma escolhida. Tanto
o arquiduque Carlos, suposto futuro noivo de Sissi, quanto a
arquiduquesa-mãe So a registraram a alegria do jovem monarca ao
observar a jovem.4
No dia seguinte, muito cedo pela manhã, Francisco José foi até o
quarto da mãe e declarou a ela que tinha achado Sissi encantadora e se
decidira por ela. So a tentou dissuadi-lo, exaltando as qualidades de
Helena, sua beleza e inteligência, mas o lho foi irredutível. Pela primeira
vez na vida, enfrentou a mãe: ia se casar com Sissi ou com mais ninguém.
So a decidiu não o contrariar, mas não desistiria tão fácil de uni-lo
a sua candidata favorita. Naquela noite, véspera do aniversário de
Francisco José, haveria um baile, e a arquiduquesa-mãe considerou essa a
ocasião perfeita tanto para que o imperador conhecesse Helena melhor
quanto para testar as habilidades de Sissi.
Dessa vez, a mais velha usou um belo vestido novo, de cetim
mar m, que destacava seu porte, enquanto a mais nova trazia um vestido
cor-de-rosa simples que a deixava com ar ainda mais infantil. A
arquiduquesa So a, no entanto, reparou como essa simplicidade
ressaltava o charme despretensioso de Sissi. Helena foi colocada ao lado
de Francisco José, para que os dois tivessem oportunidade de conversar.
So a, então, pediu ao ajudante de campo do lho, o barão Hugo von
Weckbecker, que dançasse com Sissi. Apesar da timidez da jovem, que
nunca zera isso antes sem o auxílio de seu mestre de dança, von
Weckbecker apreciou sua leveza e senso de ritmo, mas se recordaria
mesmo dos olhares que Francisco José lançava sobre ela. Tanto que, ao
nal, sussurrou para um amigo: “Suspeito que acabei de dançar com a
futura imperatriz”.5
Mais tarde no baile, Francisco José convidou Sissi para dançar com
ele o cotilhão e entregou a ela um buquê de ores. Todos no salão,
inclusive a arquiduquesa-mãe e Helena, entenderam o sinal: o imperador
estava mostrando que aquela era a escolhida para ser sua noiva. Todos
menos Sissi, que, ignorando o signi cado do gesto, apenas se sentiu
constrangida com aquela atenção toda do imperador da Áustria.
No dia seguinte, Sissi foi colocada à mesa ao lado de Francisco José e
depois participou com Helena e os Habsburgos de uma excursão. Foi só à
noite que So a contou a Ludovica que o imperador queria se casar com a
lha mais nova, em vez da mais velha, e coube à mãe explicar à jovem as
intenções dele. De acordo com o relato da arquiduquesa So a em suas
cartas, Sissi caiu em lágrimas. Quando lhe perguntaram se poderia amá-
lo, ela teria dito “Como alguém poderia não amar aquele homem?”, e em
seguida, ao re etir sobre ela mesma ser uma pessoa “sem importância”:
“Se ao menos ele não fosse o imperador!”.6
Anos depois, Ludovica seria mais comedida ao falar sobre a reação
de sua lha à proposta de casamento. Quando lhe perguntavam se os
sentimentos de Sissi foram considerados na decisão, ela respondia
invariavelmente: “Ninguém manda o imperador da Áustria ir passear”.7
Coube a ela, mais uma vez, comunicar a So a por um bilhete que a lha
aceitara a proposta.
Na manhã seguinte, Francisco José foi ao hotel onde as primas da
Baviera estavam e teve a oportunidade de conversar com Sissi a sós pela
primeira vez. Em seguida, apresentou-a a todos os seus ajudantes de
ordens. Depois do café da manhã, ele pediu o cialmente a seu pai, o
arquiduque Francisco Carlos, que abençoasse a união, e então seguiram
todos para assistir à missa. Na entrada da igreja, So a deu um passo para
o lado para permitir que a jovem entrasse primeiro, dando precedência à
futura imperatriz da Áustria. Depois da cerimônia, o imperador levou-a
até o padre e pediu a bênção dele para o casal, e os dois receberam os
cumprimentos dos presentes.
Apenas mais tarde Ludovica informaria o marido, ausente como
sempre, a respeito do noivado de Sissi com Francisco José. Em seguida, o
grupo foi numa excursão para Hallstatt, uma pitoresca cidade próxima a
Bad Ischl. A notícia havia se espalhado, e curiosos começaram a chegar
para tentar vislumbrar a jovem noiva do imperador. Por toda parte, Sissi
tornou-se o centro de todos os olhares e o foco de todas as conversas.
A garota, porém, mal parecia participar desse conto de fadas. A
súbita atenção que despertava deixava-a incomodada e embaraçada.
Quando So a lhe cedera a precedência, ela quase não parecera notar e
teve de ser orientada sobre o que fazer. Catapultada diretamente da sala
das crianças para o primeiro lugar do império, sentia-se despreparada
para a nova posição. Mais tarde, se queixaria amargamente: “O
casamento é um arranjo absurdo. Alguém é vendida em casamento como
uma criança de quinze anos, faz um voto que não entende, depois se
arrepende por trinta anos ou mais e não pode desfazê-lo”. 8
SISSI, A
INDOMÁVEL
Elisabete e seu irmão Carlos em Possenhofen, 1840. Pintura de autoria de
Carl Haag. Sisi Museum, Viena.

Elisabete Amália Eugênia tinha sido o nome escolhido para a quarta dos
nove filhos do duque Maximiliano na Baviera e da duquesa Ludovica. Ela
nasceu na noite de Natal, 24 de dezembro de 1837, às 22h45, no Herzog-
Max-Palais, o palácio da família em Munique. O fato de ter nascido num
domingo e com um dente de leite já visível foi visto como bom presságio,
que indicavam que ela teria sorte na vida. Quando bebê, Elisabete era
chamada de Lisi, mas sua dificuldade em pronunciar o próprio apelido fez
com que ele evoluísse para Sisi dentro da família. Apenas os mais íntimos
chamavam-na assim; outros amigos costumavam chamá-la de Elise.

Por essa época, Max e Ludovica tinham conseguido estabelecer uma


relação tolerável. Os dois eram primos distantes e se conheciam desde
crianças, mas não eram próximos. Oficialmente, a decisão de casá-los teria
sido tomada para que ela pudesse ficar perto da mãe e tomar conta dela
conforme envelhecia. Além disso, havia considerações políticas, pois os
duques na Baviera haviam sido fundamentais para consolidar o poder dos
Wittelsbach como reis bávaros.

A escolha do noivo frustrou Ludovica. Filha mais nova de um rei e muito


consciente de sua posição na sociedade, superior à do marido, ela não podia
ser mais diferente de Max. Ele era um espírito livre, mais interessado em
música, festas e viagens do que na vida familiar. Além disso, ambos
estavam apaixonados por outras pessoas, mas tinham sido impedidos de
continuar esses relacionamentos por questões dinásticas.
Como era de se esperar, os primeiros anos de casamento foram um desastre.
Enquanto Max passava a maior parte de seu tempo em longas cavalgadas
pela floresta, ou então viajando por meses a fio, chegando a perder festas
importantes como aniversários de casamento, Ludovica ficava em casa
sozinha, chorando sua má sorte. Foi apenas no terceiro ano de união, depois
do nascimento do primeiro filho, Luís Guilherme, que os dois chegaram a
um acordo: enquanto ela se dedicava a criar a família e cuidar da casa, ele
ficaria fora do caminho o máximo possível.

O “bom duque Max”, como era conhecido por sua generosidade, foi tão
ausente como pai quanto como marido. De temperamento artístico e
excêntrico, ele foi um dos grandes músicos de cítara, instrumento típico da
Baviera, no século XIX. Também mantinha, no terreno de um de seus
palácios, a arena de um circo que ele mesmo dirigia, às vezes tendo outros
aristocratas como atração, e chegou a se aventurar como dramaturgo sob o
pseudônimo de Phantasius. Ele gostava de frequentar tavernas e se misturar
ao povo comum, e até se permitia ser contratado por plebeus para tocar em
festas. Mas passava boa parte do tempo viajando para os países
mediterrâneos, a África ou o Oriente, onde se dedicava à música, a caçadas
e a pesquisas científicas. A mais importante dessas viagens iniciou-se
quando Sissi tinha poucos meses de idade, em 1838, e levou-o até o Egito e
o Oriente Médio. Max publicou o relato dessa jornada no livro Wanderung
nach dem Orient im Jahre 1838 [Jornada para o Oriente no ano de 1838],
considerado um dos relatos mais importantes sobre a cultura do Oriente
Médio no período.

Como se não bastassem suas prolongadas ausências fora de casa, elas


também eram sentidas quando ele retornava. O duque isolava-se no
escritório e dava mais atenção a seus filhos ilegítimos que aos legítimos.
No dia a dia, quem tomava todas as decisões relacionadas às crianças era
Ludovica, que, como no caso da viagem a Bad Ischl e do noivado da filha,
muitas vezes nem sequer se dava ao trabalho de consultar o marido.

Ludovica não gostava de viver em Munique e achava a corte bávara hostil.


Assim, todos os anos, levava a prole para um castelo às margens do lago de
Starnberg, cerca de vinte quilômetros ao sul da cidade. O castelo de
Possenhofen fora erguido em 1536 e tinha sido adquirido pelo duque Max
em 1834. Era originalmente uma residência de verão, mas aos poucos a
família começou a passar mais e mais tempo ali, até o ponto em que só
voltavam a Munique no inverno, para a temporada social, dos bailes, festas
e concertos. Localizado em meio a um parque e a jardins de rosas, com os
Alpes como cenário, o castelo estava longe do refinamento que se esperaria
de um palácio ducal, mas permitia que as crianças crescessem em contato
com a natureza.

Essa paixão pela natureza era uma das poucas coisas que Ludovica e Max
tinham em comum, embora não a apreciassem juntos. Ambos gostavam de
longas caminhadas e passeios a cavalo, e todas as crianças faziam
atividades físicas e aprenderam a montar muito bem. Afirma-se que, muitas
vezes, os mais jovens fugiam das aulas para correr pela floresta, e isso seria
uma das causas de sua educação irregular. Além de cavalos, Possenhofen
abrigava inúmeros cachorros, pássaros e outros animais. Foi nesse
ambiente idílico no castelo que eles chamavam de “Possi” que Sissi e seus
irmãos cresceram, unidos uns aos outros.

Assim como seu pai, Sissi preferia a vida ao ar livre aos salões e a
informalidade de Possenhofen à atmosfera sufocante da corte. Enquanto
Ludovica dedicava-se a dar uma educação esmerada a sua favorita Helena,
considerada pela família a mais bonita, inteligente e talentosa, a Sissi, de
quem se esperava pouco, era permitido levar uma vida desregrada. Os
estudos ocupavam apenas duas horas do seu dia, e, mesmo assim, a
governanta, a baronesa Louise Wulffen, observaria que a garota era a mais
sonhadora e distraída dos oito irmãos. Por outro lado, era a mais gentil e a
mais preocupada com os sentimentos dos outros.9

Sissi tinha grande admiração pela irmã, Helena, quatro anos mais velha,
com quem costumava conversar em inglês, mas era mais próxima do irmão
imediatamente mais novo, Carlos Teodoro. Ela era a favorita do pai, com
quem compartilhava o espírito independente. Max ensinou-a a tocar a
cítara, e Sissi frequentemente o acompanhava em suas caminhadas pelas
montanhas. Além de montar e caminhar, ela também gostava de nadar no
lago. O amor pelas atividades físicas a acompanharia por toda a vida.

Mas essa liberdade não impedia os percalços de uma adolescência


aristocrática. No ano anterior a seu encontro com Francisco José, Sissi teria
se apaixonado por um plebeu a serviço do duque Max, alguém totalmente
inadequado para uma aristocrata de sangue real. O rapaz logo foi enviado
para longe da Baviera, para a qual voltou apenas quando estava doente,
morrendo pouco depois. Sissi ficou inconsolável. Deprimida, trancava-se
no quarto chorando e escrevendo poemas para seu amor desaparecido,
muitos dos quais foram preservados no arquivo da família.10 A tentativa de
curar essa tristeza teria sido uma das razões pelas quais Ludovica decidira
levar a filha a Bad Ischl.

Essa juventude sem limites teve um fim súbito quando Sissi ficou noiva de
Francisco José. Sem nunca ter sido preparada para um papel de grandeza,
ela teve de trocar a liberdade de Possenhofen pela rigidez da corte
vienense.
UM
CASAMENTO
IMPERIAL
A imperatriz Elisabete em 1854. Óleo
sobre tela atribuído a Franz Schrotzberg.

Oanúncio oficial do noivado do imperador Francisco José foi publicado


pelos jornais austríacos em 24 de agosto de 1853. A notícia foi
comemorada por todo o império como um momento esplêndido em meio a
uma época difícil, com uma colheita ruim e na iminência de uma guerra.
Porém o nome da noiva causou surpresa. Especulava-se muito em Viena
sobre quem seria a futura imperatriz, mas nenhuma das apostas incluía
Sissi. Com o anúncio, as fofocas da corte não tardaram a apontar que
famílias menos prestigiosas faziam parte da linhagem paterna da noiva,
portanto ela estaria abaixo da dignidade imperial, ainda mais tendo um pai
excêntrico como o duque Max.

As duas famílias ainda permaneceriam em Bad Ischl por mais uma semana,
entre passeios, bailes e caçadas. Francisco José até mesmo arranjaria para
que um balanço fosse instalado nos jardins para sua jovem noiva. Sissi,
porém, continuava se sentindo inadequada. Ao ser cumprimentada por uma
das damas da corte austríaca, ela retrucou: “Vocês vão ter que ser muito
pacientes comigo”.11 Tampouco as outras mulheres da família estavam à
vontade. Magoada por ser preterida e considerando-se velha, aos 19 anos,
para arranjar outro par, Helena só pensava em voltar para casa, um
sentimento que ela compartilhava com Ludovica, sobrecarregada pelo
excesso de vida social e preocupada com Sissi, cujo acanhamento era
constantemente desafiado por sua nova posição.
Em comemoração ao noivado, a arquiduquesa Sofia comprou o palácio
onde Francisco José e Sissi se conheceram. Ela o renovaria para que se
tornasse a residência de verão do casal imperial, a qual passaria a ser
conhecida como Kaiservilla. A arquiduquesa mandaria construir duas
novas alas, de modo que o edifício tivesse o formato de um E, de
“Elisabete”, que ainda hoje se reconhece em fotos aéreas. Atualmente,
parte do palácio é residência de alguns dos descendentes de Sissi e
Francisco José, enquanto o restante abriga um museu que conta a história
do casal.

A vila de Bad Ischl circa 1870, com a Kaiservilla


em primeiro plano. Gravura de V. A. Fesca.

Após o anúncio do noivado, Sofia também começou a se corresponder com


sua futura nora, buscando demonstrar nas cartas felicidade com a união.
Esta só aconteceria no ano seguinte, pois eram necessários preparativos,
incluindo uma dispensa papal, já que os noivos eram primos diretos. Além
disso, Ludovica, preocupada com a maneira como a filha tímida se sentiria,
tentou negociar uma cerimônia mais discreta: um casamento por
procuração em Munique ou durante o verão, quando menos dignitários
estrangeiros estivessem em Viena. Ambas as propostas foram recusadas: o
casamento de um imperador deveria ser um evento magnífico, e Sissi
deveria estar preparada para isso.

De volta à Baviera, Sissi e Ludovica dedicaram-se a encomendar o


enxoval, bem como a preparar a jovem para seu futuro papel. Dadas as
deficiências da educação dela, professores de francês, italiano, dança,
protocolo da corte e história austríaca foram contratados às pressas. O
professor de história era um autor húngaro, Johann Mailáth, cujas lições
impressionaram tanto a aluna que décadas mais tarde ela ainda o
mencionaria. Orgulhoso de sua origem, ele dava à história da Áustria uma
interpretação do ponto de vista da Hungria e provavelmente influenciou a
simpatia que Sissi mostraria pelo país no futuro.

Enquanto isso, Francisco José retornou aos assuntos de Estado em Viena. O


imperador pareceu a todos mais feliz e animado, mesmo diante das
intermináveis reuniões e papeladas a que o governo absoluto o obrigava.
Ele mandou pendurar um retrato de Sissi em seu escritório, que fez questão
de mostrar a todos os ministros, e ansiava por revê-la. Isso foi possível
quando Francisco José fez uma visita protocolar ao rei Maximiliano da
Baviera, em Munique, e passou alguns dias em Possenhofen. Enquanto o
casamento não chegava, tanto ele quanto a arquiduquesa Sofia mandavam
incessantes presentes para Sissi, incluindo o retrato do noivo, joias,
vestidos de cerimônia, um serviço de café da manhã gravado com a coroa
imperial e a inicial “E”, um buquê de rosas frescas, em pleno inverno, para
o seu aniversário e até um papagaio, o único agrado que realmente a
encantou. De presente de Natal para o noivo, foi pintado um quadro
mostrando Sissi, a cavalo, na frente de Possenhofen.

Finalmente, em 20 de abril de 1854, Sissi começou a viagem que a levaria


para sua nova vida na Áustria. Ela despediu-se de todos os empregados da
família em Munique antes de tomar uma carruagem até Straubing, onde
embarcou com seus pais e irmãos mais velhos no vapor Stadt Regensburg e
começou a descer o rio Danúbio na direção de Viena, numa viagem que
duraria três dias. Quando o barco entrou em território austríaco, em Passau,
uma delegação subiu a bordo para saudá-la, enquanto gente do povo
acotovelava-se no cais para ter a primeira visão de sua futura imperatriz.
Em Linz, a família de Sissi desembarcou e foi surpreendida pela presença
de Francisco José, que queria receber a jovem noiva, fora do protocolo. Em
seguida, ele apressou-se a voltar a Viena para a recepção oficial dela na
capital austríaca.

Sissi, porém, não estava no melhor dos humores. Abandonar Possenhofen,


seus irmãos e sua infância despreocupada a deixara muito triste; além disso,
todo o interesse público em sua viagem a assustava e a aturdia. A
programação minuciosa da noite passada em Linz, em contraste com a vida
desregrada que tivera até ali, colaborou para aumentar seu desalento.

A última parte da viagem foi realizada a bordo do vapor Franz Joseph, um


barco novo em folha, construído com a melhor tecnologia disponível na
época. O imperador colocara-o à disposição de sua noiva e mandara
enfeitá-lo com rosas da proa à popa. As cabines dos duques e de seus filhos
eram decoradas com veludo púrpura, e o convés fora coberto com um
jardim de plantas vivas. Por todo o caminho, camponeses, trabalhadores e
crianças aglomeravam-se às margens do Danúbio para saudar Sissi, que foi
obrigada a passar a maior parte da viagem no convés, sorrindo e acenando
de volta para as multidões.

Enfim, no final da tarde de 22 de abril de 1854, o Franz Joseph aproximou-


se de Nussdorf, uma cidadezinha nos arredores de Viena, onde ocorreria o
desembarque oficial. Sob uma tenda, estavam aristocratas, dignitários,
representantes de todos os setores do governo austríaco e membros do
clero, enquanto embaixadores estrangeiros e suas esposas, bem como
representantes das municipalidades do império, aguardavam numa
plataforma elevada. Um imenso arco do triunfo recepcionava Sissi e sua
comitiva, e em torno dele milhares de curiosos esperavam para ter o
primeiro vislumbre da futura imperatriz. Quando o barco aportou,
Francisco José saltou a bordo, sob o som de canhões e sinos que
ribombavam por toda Viena. Ele foi seguido por seus pais, e a multidão
explodiu em gritos saudando a noiva.

Sissi estava atordoada. Todos os seus gestos no convés eram acompanhados


por mais manifestações de alegria, do abraço de Francisco José até a
reverência que ela fez para a arquiduquesa Sofia. Por alguns minutos, a
jovem permaneceu parada, indecisa, ao lado do noivo, até que finalmente
correspondeu às saudações com reverências e acenos com seu lenço de
renda. O público redobrou seus vivas, conquistado pela espontaneidade da
futura imperatriz. A partir desse momento, Sissi tomou seu lugar no
coração dos austríacos.

Já escurecia quando as carruagens deixaram Nussdorf na direção do palácio


de verão de Schönbrunn, passando por ruas decoradas e mais multidões
exultantes. Sissi, cansada pela viagem, pouco viu da cidade onde residiria.
Mas não houve muito tempo para repousar. Na mesma noite, ela e sua
família tiveram de comparecer a uma recepção em Schönbrunn, durante a
qual a jovem foi apresentada aos demais membros da família Habsburgo e
a diversos cortesãos, entre eles a sua nova dama de companhia, a condessa
Sophie Esterházy-Liechtenstein. Ela era uma mulher de 55 anos, amiga e
confidente da arquiduquesa Sofia, e havia sido escolhida por esta para
servir à nora. A dama de companhia era rígida, conservadora e apegada aos
protocolos da corte, a mais perfeita antítese da futura imperatriz, e a
antipatia entre as duas foi fulminante. A atitude da condessa com a jovem,
agindo mais como sua governanta do que como sua companheira e
reportando cada quebra de etiqueta da imperatriz a Sofia, não contribuiu
para que a relação delas melhorasse com o tempo.

No dia seguinte, a condessa Esterházy-Liechtenstein e as duas outras damas


nomeadas pela arquiduquesa Sofia ajudaram Sissi a se vestir para a
cerimônia oficial da entrada da noiva em Viena. Depois de quatro horas
sendo arrumada, a jovem, usando a tiara de diamantes que ganhara de
Francisco José na véspera como presente de casamento, percorreu a cidade
num roteiro cerimonial, acompanhada por sua mãe, dentro de uma
carruagem dourada enfeitada com a águia imperial e puxada por oito
cavalos brancos. Até mesmo uma nova ponte, inaugurada nesse dia,
recebeu o nome de Elisabete. Ao chegar ao Hofburg, exausta e assustada,
Sissi estava às lágrimas. Mesmo assim, Sofia registraria em seu diário que
ela havia se portado maravilhosamente.

O casamento ocorreu em 24 de abril, um belo dia ensolarado de primavera.


As celebrações começaram logo cedo, quando um Te Deum foi realizado
em todas as igrejas de Viena em homenagem aos noivos. Francisco José,
Sissi e suas famílias assistiram à missa solene na capela do Hofburg.
Depois, as ruas foram se enchendo com milhares de pessoas de todas as
partes do império. Às seis e meia da tarde, a noiva apareceu usando um
vestido de seda branca bordada a ouro e prata e com uma longa cauda, os
cabelos castanho-claros enfeitados de diamantes e cobertos por um véu de
renda, e carregando um buquê de rosas brancas. Então começou a procissão
até a igreja Agostiniana, ao lado do palácio, onde ocorreria a cerimônia de
casamento. Sob todo o luxo e pompa do cerimonial, era evidente que Sissi
não passava de uma criança, assustada com as salvas de tiros e oprimida
pela multidão de nobres e oficiais do cortejo.

Entrada oficial de Sissi em Viena, em 23 de abril de 1854,


passando pela recém-inaugurada ponte Elisabete.
Decorada com veludo e tapeçarias da coleção dos Habsburgos e iluminada
por 3 mil velas, a igreja estava repleta de aristocratas, dignitários e
representantes estrangeiros. Sob um toldo branco e dourado, os noivos
escutaram o sermão do arcebispo de Viena, cardeal Rauscher, um dos
antigos tutores de Francisco José, auxiliado na missa por mais de setenta
bispos e prelados. Após a bênção nupcial, Sissi deixou a catedral de braços
dados com o marido, não mais a garota sem rédeas da Baviera, mas a
imperatriz de todos os povos governados pelos Habsburgos.

Se a jovem imperatriz já começava seu reinado caindo nas graças do povo


pelo charme e simpatia, ao redor do império houve muito mais motivo de
alegria. Em comemoração ao casamento, Francisco José assinou uma
anistia geral, perdoando a maior parte dos rebeldes acusados de traição.
Milhares de prisioneiros políticos, boa parte deles húngaros, foram
libertados das prisões, e muitos outros que haviam escapado puderam
retornar para suas casas sem punição. Além disso, ele doou 200 mil florins
para auxílio aos indigentes. Sissi não ficou atrás e destinou os 60 mil florins
que recebera como presente de casamento para obras de caridade,
estabelecendo que não deveriam ser concentradas em Viena, e sim
distribuídas por todos os territórios sob domínio austríaco.

Casamento de Francisco José e Sissi. Litogravura de Karl Lazendelli, 1854.


Wien Museum, Viena.

O imperador voltou a desfrutar da popularidade que tivera em seus


primeiros meses de governo, e Sissi passou a ser vista como um prenúncio
da felicidade futura dos povos do império. Esse papel político involuntário
acabaria sendo explorado nos anos seguintes.
UM INÍCIO
DIFÍCIL
Foto da imperatriz Elisabete
tirada no final da década de
1850. Wien Museum, Viena.

Os primeiros tempos do casamento foram uma adaptação difícil para Sissi.


Todos os momentos de seu dia eram regidos pela estrita etiqueta da corte
vienense; todos os seus movimentos eram vigiados, e qualquer deslize,
prontamente informado à arquiduquesa Sofia. Não havia um único
momento em que ela pudesse ficar sozinha e fazer o que bem entendesse.
Os aristocratas, que não a consideravam de origem suficientemente
elevada, fechavam-se a ela e teciam intrigas às suas costas. Já na recepção
do casamento ela dera motivos para mexericos por deixar esperando as
damas que deveriam beijar sua mão e por ser tímida demais para iniciar
uma conversa. Seus modos informais e sua sensibilidade para com os
menos favorecidos escandalizavam os cortesãos, para quem todas as
cerimônias eram uma questão política, já que num país absolutista a família
imperial deveria ser intocável, acima de todas as outras.

A menor discrepância em relação ao protocolo gerava críticas. A decisão de


Sissi de tirar as luvas durante um jantar de Estado causou um escândalo,
assim como o fato de ela usar o mesmo par de sapatos por um mês inteiro,
em vez de um diferente por dia, como prescrito – os sapatos descartados
eram distribuídos para a criadagem. Certa vez, ela saiu para ir às compras a
pé, acompanhada apenas por uma dama, mas foi reconhecida e cercada por
uma multidão entusiasmada. A polícia teve de agir para tirá-la de lá e levá-
la de volta para o palácio. A experiência deixou-a apavorada, mas isso não
a poupou das críticas dos cortesãos, que desaprovaram os modos da jovem
dizendo que seriam mais adequados a uma camponesa da Baviera do que a
uma imperatriz da Áustria.

Sissi, como imperatriz, tinha de participar de todos os eventos da corte, que


requeriam uma preparação exaustiva. Geralmente, eles começavam com
uma missa às 10 horas da manhã e, para que estivesse pronta nesse horário,
a jovem precisava acordar às 4 horas. Era o tempo necessário para arrumar
seus cabelos, fartos e tão longos que mais tarde chegariam aos joelhos,
fazer a maquiagem, apertar os espartilhos, vestir as várias camadas de
roupas que eram usadas, incluindo as enormes armações que estruturavam
as saias, e colocar as joias. Quase sem descanso, à missa seguiam-se
almoço, recepção de convidados e um baile à noite, quando a exaustão se
juntava a sua timidez natural, prejudicando ainda mais sua capacidade de
socializar.

Sissi odiava toda essa pompa e cerimônia e se sentia prisioneira numa


gaiola de ouro, cercada por inimigos e espionada por todos os lados. Até
mesmo opinar sobre a decoração das salas que ocupava foi um direito
adquirido com muito esforço. O apartamento reservado para os jovens
imperadores havia sido decorado pessoalmente pela arquiduquesa-mãe com
tudo do melhor e do mais caro, das tapeçarias luxuosas, passando pelos
relógios e porcelanas chinesas, ao jogo de toalete de Sissi, feito de ouro
maciço. Mas os aposentos não tinham cozinha nem sala de banho, e a
imperatriz precisou lutar durante anos para ter direito a uma banheira, já
que o hábito na corte austríaca era que a limpeza corporal fosse feita por
criadas com toalhas úmidas.

Os temperamentos muito diferentes de Sissi e da arquiduquesa Sofia eram


outra fonte constante de conflito. A nora achava a sogra rígida e opressora,
enquanto esta considerava a jovem selvagem e pouco religiosa. Sofia havia
esperado que Sissi, despreparada e inexperiente, fosse fácil de manipular,
mantendo, assim, a precedência e sua influência sobre o filho. Com a
desculpa de educar e instruir a nora, buscava moldá-la de acordo com seus
próprios padrões, que eram os da corte austríaca. Com o auxílio da atenção
minuciosa das damas que Sofia escolhera para Sissi, qualquer iniciativa ou
demonstração de independência por parte da jovem era reprimida.
Porém Sissi resistia. Ela se ressentia desse controle, embora anos mais
tarde acabasse por reconhecer que Sofia não o fazia por mal, mas por
acreditar que era a maneira correta de agir. De personalidade forte, a jovem
começou a se recusar a fazer o que não queria e atirava-se àquilo de que
gostava. Dado que a uma imperatriz era permitido montar, Sissi se dedicava
todos os dias a essa atividade, uma de suas preferidas. Mas, em vez de se
restringir aos cavalos treinados, considerados adequados, ela mesma se
dedicava a amansar garanhões e passava horas nos estábulos alimentando
os animais pessoalmente e conversando com os cavalariços.

Gravura representando o casal imperial


num camarote de teatro em 1855.

Francisco José, por sua vez, ocupado com os assuntos de Estado e temeroso
de contrariar a mãe, oferecia à esposa pouco conforto e nenhuma proteção
contra as intrigas da corte. Ele pensava que o tempo resolveria os conflitos;
enquanto isso, procurava cobrir Sissi de presentes para distraí-la, sem
perceber que, como a parte mais vulnerável, ela tinha mais a perder.
Sentindo-se acuada, a imperatriz começou a se isolar cada vez mais nos
próprios aposentos, alimentando-se cada vez menos e abrindo-se apenas em
seus diários e poemas. Sua saúde ficou abalada, e sua solidão era tão
grande que apenas duas semanas após o casamento ela pediu ao marido que
convidasse o irmão favorito dela, Carlos Teodoro, para passar algumas
semanas em Viena.

Os momentos menos infelizes eram quando o jovem casal se transferia para


o palácio de Laxenburg, cerca de vinte quilômetros ao sul de Viena, onde
tinham passado a lua de mel. Nesse lugar, havia uma atmosfera mais
informal e um grande parque onde Sissi podia caminhar durante horas e
cavalgar ao lado do marido sem escolta. Porém até ali as perturbações a
seguiam. Francisco José tinha de ir frequentemente a Viena para lidar com
os assuntos políticos e diplomáticos, e Sissi via-se o dia todo sozinha entre
estranhos. Como se não bastasse, sob o pretexto de lhe fazer companhia, a
arquiduquesa-mãe ia diariamente ficar com ela, criticando cada um de seus
passos. Se Sissi tinha ilusões românticas sobre a vida a dois com o marido,
esses sonhos logo se desfizeram de encontro à realidade que ela ainda tinha
dificuldade em aceitar.

Por essa época, todas as partes do império ansiavam por conhecer a jovem
imperatriz. Já na época do casamento apelos a ela haviam surgido na forma
de panfletos celebrando a união:

Você foi eleita pelos Céus para coroar a reconciliação entre um príncipe e
seu povo e para ligar para sempre os amantes separados. O que o homem,
brandindo a espada da justiça, não pode alcançar, a mulher vestindo a
folhagem da misericórdia trará.12

Para capitalizar a popularidade que o casamento trouxera, foi decidido,


então, que o casal começaria a viajar por seus domínios, começando pelas
regiões da Morávia e da Boêmia, na atual República Tcheca. Francisco José
e Sissi partiram a 3 de junho por uma linha de trem recém-construída e
foram recebidos por multidões eufóricas. Na primeira parada, em Brno,
Sissi estreou nas suas funções oficiais como imperatriz, visitando orfanatos,
escolas e hospitais. Sua gentileza e simplicidade ao conversar com pessoas
de todas as classes sociais angariaram a imediata simpatia da população
local. Ela deixou a mesma impressão em Praga, onde uma corte foi
instalada no castelo de Hradčany. Enquanto Francisco José despachava
como em Viena, sua esposa recebia delegações e encantava a todos com seu
interesse genuíno por tudo.

O casal retornou para Viena a tempo para a festa de Corpus Christi, na qual
Sissi, na condição de imperatriz, representou um papel principal a
contragosto. Ela receava as comparações com a majestade imponente de
Maria Ana, a mulher do ex-imperador Fernando, mas sua atitude graciosa
durante a procissão rendeu elogios. A viagem deveria continuar para a
Polônia e a Galícia, mas a saúde de Sissi causava preocupações. Ela sofria
de vômitos e dor de cabeça e ficou em Viena. A arquiduquesa Sofia
arranjou para que um médico a visse, e ele confirmou que a causa dos
problemas era na verdade uma felicidade. Apenas dois meses depois do
casamento, Francisco José e Sissi tinham cumprido um dos maiores
deveres de um casal imperial: ela estava grávida pela primeira vez.
A
IMPERATRIZ
DO POVO
Sissi e Francisco José com as
primeiras filhas do casal. Sofia está
no colo de Sissi, e Gisela, no berço.
Desenho de Ferdinand Laufberger
gravado por J. Sonnenleiter e
I. Lechleitner, Viena, 1856.

Oanúncio da chegada do bebê não melhorou o mal-estar de Sissi em


relação à corte. Sentindo-se ainda mais isolada em seus aposentos, ela era
forçada a continuar participando de eventos públicos mesmo durante a
gravidez, e isso foi deixando-a cada vez mais deprimida. Nem o reencontro
com sua família em Bad Ischl, durante o verão de 1854, foi capaz de
melhorar seu ânimo.

A primeira criança foi uma menina, nascida em 5 de março de 1855. Ela


recebeu o nome de Sofia em homenagem à avó, que também foi escolhida
como sua madrinha sem que a mãe fosse consultada. Para decepção geral,
uma segunda menina, Gisela, nasceu pouco mais de um ano depois, em 12
de julho de 1856. O fato de que Sissi ainda não dera um herdeiro masculino
ao trono contribuiu para aumentar a pressão da corte austríaca sobre ela.

Para piorar, a arquiduquesa Sofia tomara a decisão de lidar pessoalmente


com o cuidado das crianças, afastando Sissi da criação dos próprios filhos.
A sogra mandou preparar o berçário do lado de seu quarto no Hofburg,
muito distante dos aposentos do casal imperial, de maneira que estes só
podiam visitar as crianças na presença da avó. Sissi também não teve
permissão para opinar na escolha da aia ou da babá que cuidaria delas.

Mais tarde, Sissi alegaria que os filhos haviam sido tirados dela logo após o
nascimento, mas isso parece ser uma afirmação exagerada. Embora a
arquiduquesa-mãe tenha se encarregado das crianças desde o parto, é mais
provável que ao menos nas primeiras semanas elas tenham sido deixadas ao
lado da mãe. A própria Sissi afirmou numa carta a parentes na Baviera, três
semanas após o nascimento de Sofia, que a bebê ficava com ela quase todo
o tempo, o que lhe causava imensa alegria. Porém, intimidada pela sogra,
não ousava desafiar as determinações dela e mais tarde expressaria
arrependimento por nunca ter tido uma relação próxima com os filhos.

Enquanto isso, Sissi voltava a acompanhar Francisco José nas viagens ao


redor do império. Parte por seu charme e simplicidade ao lidar com o
público, parte porque o casamento coincidira com uma certa liberalização
do regime, a popularidade da jovem imperatriz não parava de crescer. Ela
era vista como uma luz em meio aos tempos sombrios que a Áustria vivera
nos anos anteriores, e os efeitos políticos de sua presença diante dos
inúmeros povos que compunham o império não podiam ser ignorados.

Em setembro de 1856, o casal viajou aos Alpes austríacos, onde, conforme


registrou em seu diário, Sissi colheu seu primeiro edelweiss,13 uma flor
que nasce nas montanhas e que até hoje é considerada um símbolo da
Áustria, aparecendo até em moedas de euro do país. Em novembro, eles
estavam na Itália para uma longa temporada. Havia um receio de que a
reação italiana ao domínio austríaco, que continuava muito forte desde
1848, levasse a problemas, por isso a segurança foi reforçada. Mesmo
assim, Sissi insistiu em levar a pequena Sofia. Mais segura de si depois do
sucesso da viagem anterior, a imperatriz havia começado a tomar coragem
para enfrentar a sogra. Primeiro, lutou até conseguir que as filhas fossem
transferidas para outros aposentos, mais próximos dos seus, onde ela não
tivesse de subir escadas para vê-las. Depois, convenceu Francisco José a
permitir a presença da filha mais velha na viagem à Itália, alegando que o
clima mais ameno do inverno italiano favoreceria a saúde da menina.

Na chegada a Veneza, a recepção foi fria, com a população se recusando a


saudar o casal imperial, mas logo a atitude conciliatória de Francisco José,
que concedeu anistias e suspendeu leis de exceção, e o encanto de Sissi
mudaram isso. Todos queriam vê-la, falar com ela e beijar sua mão, e até o
imperador reconheceu que o carisma da esposa havia conquistado os
italianos com mais facilidade que as baionetas.14 A situação se repetiu na
Lombardia, onde algumas famílias aristocráticas se recusaram a ir a um
baile em honra dos imperadores e mandaram em seus lugares criados
usando luvas negras de luto. Embora a jovem imperatriz tenha ajudado a
melhorar a situação, as simpatias locais só foram restabelecidas quando
Francisco José decidiu remover do cargo de governador o velho conde
Radetzky e nomear o arquiduque Maximiliano para o posto.

Maximiliano, de ideias liberais, representava o oposto do conservadorismo


de Radetzky. Como um membro da casa imperial, esperava-se que pudesse
gerar uma certa lealdade pessoal à casa dos Habsburgos, e ele buscou
conquistar o coração de seus súditos não apenas com gentileza, mas
também com realizações: mais equidade de impostos, obras de
infraestrutura, estabelecimento de médicos locais e melhoramentos
urbanos. Também tentou, sem sucesso, obter de Viena poderes para
estabelecer um governo constitucional na região. Não foi o suficiente para
evitar que os sentimentos antiaustríacos continuassem crescendo na
Lombardia-Vêneto, mas até mesmo os inimigos da Áustria reconheceriam
mais tarde que o trabalho de Maximiliano fizera o máximo para reverter
esse quadro.

Francisco José e Sissi voltaram a Viena em 12 de março de 1857, animados


com o sucesso da viagem. A visita de vários meses à província turbulenta
parecia haver melhorado as relações locais com o império. Livre das
pressões da corte vienense, o casal também havia se reaproximado.
Imediatamente, começou o planejamento de uma próxima viagem, dessa
vez à Hungria. Sissi tinha particular interesse pela região desde os tempos
em que tivera aulas com Johann Mailáth na Baviera. Ela apreciava o estilo
húngaro de equitação, achava muitos dos aristocratas dessa origem na corte
pessoas agradáveis e se interessara em aprender o difícil idioma. Sabendo
dessa identificação, os húngaros esperavam que a jovem imperatriz pudesse
ter uma influência benéfica em favor de seus anseios nacionalistas.
Em 5 de maio, a comitiva imperial pegou um barco no Danúbio até Peste,
atravessando a ponte para uma entrada oficial em Buda, então capital da
Hungria – as duas cidades só seriam unificadas, tornando-se Budapeste, em
1867. Sissi insistiu em levar as duas filhas, Sofia, de 2 anos, e Gisela, de
apenas 9 meses. A arquiduquesa Sofia foi contra, argumentando que a
viagem representava um risco muito grande para duas crianças tão jovens,
mas dessa vez a vontade de Sissi prevaleceu, e as meninas viajaram com os
pais.

Mas nem essa demonstração de confiança foi suficiente para entusiasmar o


povo húngaro. Fazia apenas sete anos que a autonomia do país havia sido
esmagada e ainda existia muito ressentimento contra o imperador. Houve
distribuição de anistias e até rescisão de penas de morte, permitindo o
retorno de muitos aristocratas do exílio, entre eles Gyula Andrássy, que
mais tarde teria um papel relevante na luta nacionalista da Hungria. No
entanto, Francisco José recusou demandas para a instituição da língua
húngara nas repartições públicas e a anulação da divisão administrativa da
região.

Por sua vez, Sissi estreou conquistando corações com seu charme e
interesse pela cultura local, mas logo foi distraída por um problema maior:
a pequena Gisela caiu doente com sarampo. Quando ela estava melhorando,
Sofia também pegou a doença e teve um caso mais grave, fazendo o casal
adiar a partida para outras cidades da Hungria para cuidar dela. A viagem
foi retomada quando os médicos declararam a menina fora de perigo. Mas,
cinco dias mais tarde, quando estavam em Debrecen, uma mensagem
alcançou Francisco José e Sissi avisando que Sofia havia piorado muito.
Em 28 de maio, os dois estavam de volta a Buda, e Sissi não saiu mais do
lado da filha, mas era tarde demais: Sofia faleceu no dia seguinte.
ALTOS E
BAIXOS

A imperatriz Elisabete em 1860 em


Viena, fotogra a de Ludwig Angerer.
O s dois retornaram a Viena com o corpo da lha, e Sissi fechou-se
em seus aposentos no palácio de Laxenburg. Não bastasse a
reprovação da arquiduquesa-mãe e do restante da corte, ela
culpava a si mesma por ter insistido em levar So a consigo. Numa
profunda depressão, recusava-se a ver até mesmo Gisela e só com
di culdade permitia a presença do marido. Além disso, parou de se
alimentar quase completamente.
Durante a vida toda, Sissi sempre tivera pouco apetite e, com
frequência, em situações de estresse, chegava a não conseguir comer
coisa alguma. Ela sempre fora muito magra para os padrões da época, e a
pressão para que se apresentasse bela e impecável todo o tempo tornou a
preocupação com a forma física uma obsessão. Mesmo em banquetes
Sissi raramente consumia mais que caldos e frutas. A tristeza pela morte
da lha exacerbou essa situação, e a imperatriz começou a perder tanto
peso e car tão fraca que alarmou Francisco José.
A preocupação com a esposa fez com que o imperador convocasse a
mãe dela para Viena. Ludovica chegou com suas três lhas mais novas, e
a presença da família teve um efeito positivo sobre Sissi, que começou a
se recuperar. Uma outra coisa também ajudou na sua melhora. O casal
mudara-se para novos aposentos no Hourg: em vez do lúgubre
apartamento que os lembrava da lha morta, os imperadores passaram a
habitar uma ala ensolarada contígua à chancelaria. Para o espanto dos
cortesãos, Sissi mandaria instalar numa das salas um equipamento de
ginástica completo, em que se exercitava com frequência. Mesmo assim,
seis meses depois da morte da lha, Sissi ainda tinha crises de choro
diante da menor lembrança de So a.
O luto da família foi interrompido em agosto, quando o arquiduque
Maximiliano se casou com Carlota, lha do rei da Bélgica. Carlota não
apenas era bonita, inteligente e educada, mas também vinha de uma
linhagem impecável: seu pai era tio da rainha Vitória da Inglaterra, e
entre seus primos estava Fernando II, rei consorte de Portugal, viúvo de
d. Maria II. A corte e, sobretudo, a arquiduquesa So a não demoraram a
fazer comparações entre ela e Sissi, o que ajudou a envenenar as relações
entre a imperatriz e a nova cunhada.
Rumores na corte começaram a duvidar que Sissi, que ainda não
tinha 20 anos, pudesse gerar um herdeiro masculino e, portanto,
apostavam que Maximiliano e Carlota sucederiam como imperadores, ou
um lho do casal. Porém, no Natal, a imperatriz começou a apresentar
sintomas de gravidez. Toda a atenção da arquiduquesa-mãe virou-se mais
uma vez para ela, que voltou a se alimentar bem e teve a permissão dos
médicos para fazer longas caminhadas, embora fosse proibida de montar.
As esperanças de que dessa vez chegasse o esperado herdeiro se
con rmaram: em 21 de agosto de 1858, três dias depois do aniversário de
Francisco José, Sissi deu à luz um menino “não exatamente bonito, mas
bem-feito e robusto”, conforme o imperador comunicou a seus pais.15 O
herdeiro foi batizado no domingo seguinte com o nome de Rodolfo, em
honra do Habsburgo que conquistara a Áustria no século XIII.

Sissi segurando Rodolfo nos braços. No


chão está Gisele, e Francisco José ao fundo.
Litogra a de Eduard Kaiser, circa 1858.

Francisco José celebrou o nascimento nomeando o recém-nascido


coronel de um regimento, além de presentear Sissi com um colar de
pérolas de três voltas, mais valioso que o rendimento anual da imperatriz.
Também ofereceu anistias e doações para diversas causas; até um hospital
foi nomeado em honra de Rodolfo. Em todas as partes do império, o
nascimento do príncipe foi celebrado por festas e fogos de artifício, e
mesmo canções foram compostas em sua honra.
Sissi, porém, pouco participou das comemorações. O parto havia
sido difícil, e a recuperação foi ainda pior. Durante semanas, ela sofreu
com febres, e o fato de não ter podido amamentar fez o leite congestionar
seu peito, agravando o problema. Para piorar, Rodolfo havia sido tirado
dela logo após o nascimento: para a arquiduquesa So a, Sissi era
inconsequente e irresponsável demais para ter a seu cargo a educação do
precioso herdeiro do trono. A lenta convalescença deixou-a enfraquecida
e, mais uma vez, sem apetite. Apenas a chegada da mãe, dessa vez
acompanhada pelo antigo médico da família, em quem Sissi con ava, foi
capaz de fazê-la começar a melhorar.
A família continuava sendo o porto seguro de Sissi, e era com prazer
que ela utilizava sua posição de imperatriz para interferir em favor deles.
Uma dessas vezes foi quando sua irmã Helena, que aos 24 anos já era
considerada uma solteirona, recebeu uma proposta de casamento do
príncipe Maximiliano de urn e Taxis. Embora fosse um dos homens
mais ricos da Europa, sua família não era da realeza, por isso foi apenas
com a intervenção de Sissi que o rei da Baviera autorizou a união.
Ela voltaria a in uenciar em outro noivado, o de sua irmã Maria
So a com o príncipe herdeiro do reino das Duas Sicílias, Francisco. Sissi
intermediou as negociações do casamento, que acabou ocorrendo em
janeiro de 1859; dois meses depois, o pai de Francisco faleceu, e ele
tornou-se o rei. Mas essa união não seria feliz. Francisco era um homem
de personalidade fraca, com tantos problemas de saúde que durante anos
foi incapaz de consumar o casamento. Além disso, a situação de seu reino
era delicada por conta da agitação política e militar na Itália.
O reino da Sardenha, derrotado dez anos antes pelas forças
austríacas, havia se aliado à França e começou a provocar a Áustria com
manobras militares na fronteira. Os austríacos reagiram invadindo a
região do Piemonte em abril de 1859. Eles esperavam ter, novamente,
uma rápida vitória, mas em vez disso se depararam com as forças
francesas reforçando o exército sardo-piemontês. Assim, sofreram uma
sequência de derrotas que levaram Francisco José a assumir o comando
do exército, pela primeira e única vez. Sissi implorou que ele não partisse
para a Itália ou que a levasse junto, mas ele recusou. Ela cou numa
melancolia tão grande, chorando e se lamentando o tempo todo, que
acabou afetando psicologicamente Gisela, de três anos. Ao longo de toda
a campanha, Francisco José encontraria tempo para escrever longas
cartas à esposa.
O exército austríaco enfrentou as tropas aliadas francesas e sardo-
piemontesas em Solferino, a 24 de junho de 1859. Pela última vez na
história, todas as forças eram comandadas por seus governantes:
Francisco José do lado austríaco, a Sardenha com o rei Vítor Emanuel II,
e a França com o imperador Napoleão III, sobrinho de Napoleão
Bonaparte, que in igira tantas derrotas à Áustria meio século antes.
Cerca de 300 mil homens lutaram durante nove horas, dos quais
aproximadamente 6 mil perderam a vida e 40 mil caram feridos. Essa
ação tão sangrenta inspirou a criação do Comitê Internacional para
Ajuda de Feridos que daria origem à Cruz Vermelha, legitimada
internacionalmente pela primeira Convenção de Genebra, em 1864.
Apesar de o exército austríaco ter mais homens e o dobro de
canhões, acabou perdendo a batalha e, com isso, a Lombardia. Três
semanas mais tarde, a guerra foi encerrada por um armistício em que a
região passava para o controle da Sardenha. Em 1861, a conquista do
reino das Duas Sicílias pelo exército de Vítor Emanuel, destronando a
irmã e o cunhado de Sissi, abriu caminho para a uni cação italiana.
A derrota trouxe insatisfação à sociedade de Viena. As críticas à
maneira como a guerra fora conduzida eram públicas e atingiam até
mesmo o exército, e o aumento de impostos, necessário para pagar pela
campanha, piorara a crise nanceira no país. Francisco José tentou
apaziguar essa inquietação com uma reforma ministerial e algumas
concessões à autonomia das regiões do império e à liberdade religiosa.
Entretanto, as desejadas reformas constitucionais foram modestas:
embora um parlamento tenha sido estabelecido, o poder na prática
permanecia nas mãos do imperador. Até mesmo as mudanças na
Hungria, que visavam apaziguar a região mais problemática do império,
caram aquém dos desejos da elite local.

Francisco José e Elisabete com os lhos, Gisela,


à direita, e Rodolfo, à esquerda, circa 1860.
Enquanto isso, Sissi continuava lutando sua própria batalha pelo
direito de opinar na educação de Rodolfo – e perdendo. Tanto a sogra
quanto o marido a consideravam imatura demais para tomar decisões a
respeito do futuro do herdeiro do trono. Ele deveria ter exatamente a
mesma educação de seu pai e seus tios, focada na disciplina que, na visão
da corte austríaca, faltava à mãe.
Esse novo embate afastou ainda mais o casal. Enquanto ele lidava
com complexas questões de política interna e externa, a obsessão dela
com a aparência física atingiu o auge. Sua dieta tornou-se cada vez mais
restrita, passando a se resumir a líquidos como leite e cerveja por
extensos períodos. Em termos modernos, Sissi provavelmente sofria de
um distúrbio alimentar, talvez anorexia nervosa, mas, como se tratava de
algo desconhecido pela ciência da época, seus problemas psicológicos
nunca foram diagnosticados.
A combinação desse sofrimento mental com a dieta restrita e os
espartilhos apertados demais começou a afetar seriamente a saúde da
imperatriz. No verão de 1860, ao visitar a família em Possenhofen, ela
estava magra a ponto de assustar sua mãe e tinha uma tosse debilitante
que não conseguia aliviar. Os médicos de Viena não chegavam a um
diagnóstico, até que nalmente concluíram que o problema era nos
pulmões e que ela precisava de um clima mais ameno para se recuperar.
Embora alguns dos lugares mais procurados para tratar os pulmões
na época estivessem nos domínios austríacos, como as encostas dos
Alpes no Tirol, o local escolhido para a viagem de Sissi foi a ilha da
Madeira. Longe do clima e das intrigas da corte em Viena, ela esperava
encontrar a cura.
A VIAJANTE
A imperatriz Elisabete no Funchal,
na ilha da Madeira. Litografia
de Adolf Dauthage, 1861.

Não se sabe precisamente o motivo pelo qual a ilha da Madeira foi


escolhida para a recuperação de Sissi. Localizada no meio do oceano
Atlântico, a 685 quilômetros da costa africana, esse território português tem
um clima mediterrânico, com médias anuais acima de 20°C, que era
considerado saudável para quem sofria com problemas nos pulmões. Tinha
sido nessa ilha que a princesa d. Maria Amélia, filha mais nova de d. Pedro
I do Brasil, falecera em 1853 de tuberculose, após buscar tratamento no
local. O arquiduque Maximiliano, prometido de d. Maria Amélia, após a
sua morte, fez um périplo pelos lugares relacionados a ela, visitando
também a ilha da Madeira. Em dezembro de 1859, ele passou uma
temporada ali e deixou sua esposa Carlota na ilha por vários meses,
enquanto viajava ao Brasil. É possível que a descrição de Maximiliano
sobre as belezas do local tenha influenciado a decisão de Sissi de ir para lá
se restabelecer.

A notícia de que a imperatriz da Áustria estava com a saúde abalada


espalhou-se pela Europa e provocou uma onda de simpatia. Até mesmo a
rainha Vitória da Inglaterra colocou seu iate particular à disposição para
levá-la até a ilha da Madeira, já que não havia nenhum navio austríaco
preparado. Histórias exageradas davam conta de que Sissi estava à beira da
morte e talvez não sobrevivesse à viagem, mas familiares apenas a acharam
mais magra e com a tosse pior que no verão. Enquanto isso, na corte
austríaca, o burburinho dos nobres dava como certo que a doença era uma
invenção e condenavam a imperatriz por abandonar os filhos pequenos
durante vários meses.
Sissi partiu em novembro de 1860, inicialmente para Munique, onde fez
algumas visitas oficiais à família, coisa que costumava desagradá-la.
Francisco José seguiu com ela até Bamberg, depois retornou a Viena,
enquanto ela seguia até Antuérpia, na Bélgica, onde ficou alguns dias
preparando sua comitiva para embarcar no iate britânico Victoria and
Albert. A viagem pelas turbulentas marés de inverno foi um tormento para
seus acompanhantes. Quase todo mundo sofreu com enjoos terríveis, mas
Sissi passou incólume. Até mesmo seu apetite melhorou, e ela se deleitou
com as refeições preparadas pelos marinheiros britânicos, já que seu
próprio chef estava doente demais para cozinhar. Sua primeira grande
viagem marítima despertou-lhe um amor pelo mar que ela levaria pela vida.

As primeiras semanas na ilha da Madeira tiveram um efeito imediato na


saúde de Sissi, que começou a explorar os arredores com entusiasmo. Ela e
a comitiva instalaram-se no Funchal, numa residência à beira-mar
conhecida como Quinta Vigia, tendo as montanhas como cenário, assim
como em Possenhofen. A casa era cercada por amplas varandas, e os
aposentos de Sissi eram espaçosos e bem decorados, mas as dependências
para seus acompanhantes não tinham muito conforto. Atualmente, no local,
existe o hotel Casino Park, projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar
Niemeyer, na frente do qual uma estátua de Sissi, em tamanho natural,
recorda a passagem da imperatriz pela ilha.

Contudo, conforme se aproximaram o Natal e seu aniversário, a imperatriz


começou a sentir a solidão de estar longe de todos os que amava. Além
disso, havia muito pouco a fazer na ilha da Madeira. Praticamente não
havia vida cultural ou outras distrações exceto jogos de cartas e os animais
que Sissi levara consigo, incluindo pôneis, papagaios e vários cachorros de
porte grande. Assim, ela começou a ficar deprimida outra vez, trancando-se
no quarto para chorar e comendo muito pouco. A visita de sua irmã Helena,
que passou algumas semanas com ela no início de 1861, voltou a animá-la,
assim como a chegada da primavera, que encheu a ilha de flores.

Ela se dedicava à música, chegando a ser fotografada tocando bandolim, lia


muito, escrevia cartas quase diárias para Francisco José e os filhos e voltou
a se dedicar à poesia. Também aproveitou o tempo para melhorar seus
conhecimentos da língua húngara, tendo como professor um dos
acompanhantes da comitiva, o conde húngaro Imre Hunyady. Hunyady
aparentemente se sentia atraído por ela, e esse interesse colaborou para que
ela recuperasse a autoestima. Essa existência ociosa causava irritação em
Viena, onde sua estada longe da família era vista como um capricho para
fugir dos próprios deveres. No entanto, o médico da corte insistiu para que
ela permanecesse na ilha da Madeira por mais tempo e só retornasse à
Áustria em maio, quando o clima estaria mais ameno.

A imperatriz Elisabete tocando bandolim, ao centro,


com suas damas ao redor. Ilha da Madeira, 1861.

Sissi chegou a Trieste em maio, ansiosa por rever o marido e os filhos. O


reencontro aconteceu em Miramar, o palácio que o arquiduque
Maximiliano mandara construir perto da cidade e onde ele vivia com
Carlota. Sissi dava-se muito bem com o cunhado, mas nem tanto com a
cunhada, e um incidente durante essa visita azedou ainda mais a relação
entre as duas. Um cachorro de raça airedale pertencente à imperatriz atacou
e matou o cãozinho de Carlota, que havia sido um presente da rainha
Vitória. A única desculpa que Sissi ofereceu foi: “Não gosto de cães
pequenos”.16

Sissi com um de seus cães. Foto de


Emil Rabending, Viena, 1866.

A visível melhora na saúde da imperatriz e o carinho entre ela e Francisco


José na viagem de volta a Viena pareciam um bom prenúncio, mas o
retorno à rotina da corte teve um efeito quase imediato. Não se passaram
mais que alguns dias no Hofburg para que os sintomas dela voltassem:
tosse, falta de apetite e uma interminável tristeza.

Logo, os médicos da corte perceberam que ela estava com uma febre que
não cedia. Os jantares e recepções previstos foram cancelados, e Sissi foi
rapidamente mandada para Laxenburg, onde ficou cercada de médicos.
Dessa vez, até Sofia estava alarmada e acreditou que a nora estava à beira
da morte. Francisco José ficou tremendamente preocupado, e até seus
ministros notaram a perturbação do imperador. Por fim, os médicos
chegaram ao diagnóstico equivocado de tuberculose galopante e
recomendaram uma nova viagem.

Dessa vez, o destino foi a ilha de Corfu, na Grécia. Sissi fizera uma parada
ali durante seu retorno da ilha da Madeira e ficara encantada com a beleza
do lugar. Mais uma vez, Francisco José seguiu com ela parte do caminho, e
Maximiliano ficou encarregado de levá-la para a ilha em seu iate. Como na
primeira viagem, os sintomas aliviaram-se e o apetite de Sissi retornou
antes mesmo que ela chegasse ao destino.

A ilha era parte do protetorado britânico das ilhas Jônicas, e Sissi ficou
hospedada em Mon Repos, um palacete próximo da cidade de Corfu
disponibilizado para ela pelo alto comissário local, Henry Stork. Quando as
ilhas Jônicas passaram para o domínio da Grécia, em 1864, a casa se tornou
propriedade da família real grega, e lá nasceram diversos de seus membros,
inclusive o príncipe Philip, que se casaria com a rainha Elisabete II da
Inglaterra.

Sissi apaixonou-se pelo local, onde ela podia escalar uma colina próxima
todas as manhãs e passar quanto tempo quisesse olhando o mar do
Mediterrâneo. Mais uma vez, sua irmã Helena deixou o marido e os filhos
pequenos na Alemanha para se juntar a ela. De início, ficou assustada com
a palidez da irmã mais jovem, mas, em alguns dias, escreveu para a mãe
dizendo que Sissi começara a se alimentar melhor, tossia menos e estava
sempre alegre. Francisco José também se juntou à esposa por alguns dias
em outubro e observou satisfeito a melhora na saúde dela. Ele havia
enviado diversos emissários para verificar o progresso de Sissi, nem todos
eles delicados o bastante, o que a irritou e prejudicou a relação entre o
casal. Mas a visita aproximou-os novamente, e os dois faziam longas
caminhadas juntos. O imperador aproveitou para inspecionar as
fortificações na ilha e observar incógnito as manobras militares dos
soldados britânicos.

Com paciência, Francisco José conseguiu convencer Sissi de que a


ausência prolongada dela dos territórios austríacos afetava a imagem dele
como chefe de dinastia. Como ela não ousaria voltar a Viena para passar o
inverno, ficou decidido que faria sua corte em Veneza e que os filhos
seriam enviados para lá. Politicamente, a decisão também era bem pensada:
com a imperatriz residindo nos territórios que a Áustria ainda dominava na
Itália, acreditava-se que se fortaleceria a presença do império naquela
região, permitindo que o imperador se concentrasse nos problemas mais
urgentes na Hungria e nos territórios alemães.

Gisela e Rodolfo, circa 1860.

Contudo, a estada de seis meses não foi tão pacífica. A tentativa de


conquistar os italianos por meio de Sissi não funcionou. Os venezianos
receberam-na friamente, vendo-a como uma estrangeira imposta a eles, e
evitavam a corte em torno dela. Além disso, a arquiduquesa-mãe insistiu
que a condessa Esterházy-Liechtenstein, que não havia acompanhado Sissi
nem à ilha da Madeira nem a Corfu, seguisse com Gisela e Rodolfo para
manter Sofia informada das coisas. Por oito anos, a imperatriz havia
suportado a presença da dama de companhia, mas sua paciência esgotou-se:
assim que os conflitos entre as duas começaram por conta da educação das
crianças, Sissi tratou de demiti-la do cargo. A escolhida para substituí-la foi
Pauline Königsegg, condessa de Bellegarde, muito mais jovem que sua
antecessora. Mas isso causou um escândalo na corte: Pauline não pertencia
à alta nobreza, e sua nomeação fez com que tivesse precedência mesmo
sobre as damas de nascimento mais elevado. A vontade de Sissi, no
entanto, prevaleceu.

A permanência no Vêneto durou seis meses, durante os quais Francisco


José fez várias visitas, mas ao final desse período Sissi estava novamente
entediada e com a saúde piorando. Sua mãe, Ludovica, veio ao resgate e
levou-a para a Baviera, para se consultar com o médico que a atendia desde
criança. Familiar com o histórico de saúde dos Wittelsbach, ele descartou o
diagnóstico de problemas pulmonares e afirmou que o problema era uma
anemia severa, recomendando a ela temporadas anuais em estações de
águas e uma dieta rica em carne.

Subitamente, em agosto de 1862, Sissi decidiu retornar a Viena para os


aniversários de Francisco José e Rodolfo. A arquiduquesa Sofia estava fora
da cidade e manteve-se discretamente distante, enquanto a imperatriz
retomava parte de suas funções oficiais. Mais confiante depois de quase
dois anos fora da Áustria, Sissi aos poucos conseguia fazer sua vontade
prevalecer. Francisco José, receoso de outra crise, esforçava-se para que ela
fosse atendida. Sissi raramente aparecia em público, mas quando o fazia
causava grande impressão.

Porém a paixão pelas viagens havia fisgado a imperatriz em definitivo. Já


na ilha da Madeira, ela tinha escrito ao conde Karl Grünne, antigo ajudante
de ordens de Francisco José que se tornara seu amigo: “[…] desejo sempre
estar me movendo, cada navio que vejo zarpando enche-me com o maior
desejo de estar nele, seja indo ao Brasil, à África ou ao Cabo, não importa
para mim, apenas não quero ficar no mesmo lugar por muito tempo”.17

Pelo resto da vida, ela manteria essa inquietude, sempre se movendo de um


lugar para o outro, iniciando viagens num repente, sem aviso, vagando pela
Europa como se fugisse de alguma coisa, de alguém ou de si mesma.
A DISPUTA
NA
ALEMANHA
Francisco José, de uniforme
militar, Viena, 1869.

Enquanto Sissi retomava suas funções de imperatriz, Francisco José estava


às voltas com mais uma crise, dessa vez nos territórios alemães. O
movimento nacionalista que se espalhara por Hungria, Itália e Bálcãs a
partir das revoltas de 1848 vinha crescendo nas regiões de língua alemã.
Muitas dessas áreas eram estados independentes, enquanto outras estavam
sob domínio da Áustria, da Dinamarca ou da Prússia.

Os primeiros esforços para unir esses povos vieram com uma aliança
aduaneira criada em 1834, abrangendo os 39 estados da Confederação
Germânica, uma associação estabelecida pelo Congresso de Viena. No
início da década de 1860 já havia uma série de esforços para incorporar
esses territórios sob uma administração única, embora houvesse propostas
divergentes sobre quem deveria estar no comando, a Áustria ou a Prússia.

Isso levou a tensões entre os dois países, especialmente depois que o


habilidoso diplomata Otto von Bismarck tornou-se primeiro-ministro da
Prússia. Bismarck via a unificação dos territórios germânicos, sob a coroa
prussiana, como uma maneira de fortalecer o Estado e torná-lo uma
potência europeia. Para isso, ele buscou usar meios tanto diplomáticos
quanto militares para estabelecer a ascendência de seu país sobre o quebra-
cabeça formado pelos territórios alemães.
Uma dessas iniciativas militares foi em relação à questão de Schleswig-
Holstein. Esses dois ducados eram parte da Confederação Germânica, mas
estavam sob administração da Dinamarca desde o século XV. A população
de maioria germânica, no entanto, desejava a independência. Uma
oportunidade surgiu em 1863, quando morreu o rei dinamarquês Frederico
VII. As leis de sucessão na Dinamarca e em Schleswig-Holstein eram
diferentes, fazendo com que não tivessem o mesmo herdeiro, porém o novo
rei, Cristiano IX, decidiu anexar os ducados. Isso foi visto como um ato de
agressão, e Bismarck convenceu a Áustria a se juntar à Prússia contra os
dinamarqueses.

Em fevereiro de 1864, os exércitos dos dois países invadiram Schleswig-


Holstein e rapidamente tomaram a região. Em 8 de março, as tropas já
haviam entrado na Dinamarca, e a paz foi assinada em julho. Pelos acordos
que se seguiram, a Áustria ganhou a administração de Holstein, enquanto a
Prússia ficou com Schleswig, e os dois países deveriam tomar decisões em
conjunto.

A posição geográfica dos ducados, no extremo norte dos Estados


germânicos, distante mais de oitocentos quilômetros de Viena e mais
próximo da Prússia, começou a pesar. Francisco José, por algum tempo,
considerando importante a aliança entre os austríacos e os prussianos,
tentou ignorar os avanços de Bismarck, que vinha se encontrando com
nacionalistas húngaros e representantes do governo da Itália. Mas em
meados de 1866 a tensão militar chegou ao limite. Um conflito sobre o
nível de autonomia em Holstein levou a Áustria a mobilizar suas tropas. A
Prússia respondeu na mesma moeda, e Bismarck fez uma aliança com a
Itália, que, por sua vez, mandou soldados para a fronteira com a Áustria, no
Vêneto.

Percebendo que teria de lutar em duas frentes, Francisco José tentou


garantir a neutralidade de Napoleão III oferecendo um acordo: se o
imperador francês permanecesse fora da guerra, cederia a ele a região do
Vêneto quando derrotasse a Prússia. O tratado foi assinado em 12 de junho;
no dia 14, Bismarck rejeitou a autoridade da Confederação Germânica e
invadiu vários Estados germânicos menores. Seis dias depois, a Itália
declarou guerra à Áustria.
De início, as perspectivas de vitória austríaca pareciam boas: eles tinham
uma força maior, haviam mobilizado seus exércitos com antecedência, e
todos os Estados germânicos, com exceção da Saxônia, tinham se aliado a
eles. Mas os prussianos dispunham de uma tecnologia mais moderna: fuzis
carregados pela culatra, não pelo cano. Essas armas podiam ser
recarregadas mais depressa e por um soldado abaixado atrás de uma
proteção, em vez de em pé. Além disso, eles agiram rapidamente,
avançando e atacando enquanto as tropas da Áustria ainda se organizavam.

Sissi permaneceu boa parte do tempo ao lado de Francisco José durante a


crise. Sua correspondência com o filho de oito anos, que fora enviado a
Bad Ischl, demonstra que ela se manteve informada sobre o progresso da
guerra, contradizendo a noção de que ela não se interessava pelos eventos
políticos. Era ela quem contava a Rodolfo a respeito das vitórias e derrotas
austríacas, sem minimizar as perdas, mas sempre elogiando a compostura
do imperador diante das piores notícias.

Em poucas semanas, os austríacos foram forçados a recuar. Nem as vitórias


obtidas na Itália, que garantiram a supremacia da Áustria no mar Adriático
por mais cinquenta anos, foram capazes de compensar as sucessivas
derrotas na Prússia, e no final de julho a guerra estava efetivamente
perdida. Mas Bismarck tinha planos de longo prazo e não queria perpetuar
as hostilidades entre os dois países a ponto de prejudicar as chances de uma
paz prolongada. Assim, ele convenceu o rei da Prússia, Guilherme I, a
interromper a investida antes de chegarem a Viena e a aceitar negociar o
fim da guerra.

Os termos de paz oferecidos também foram bastante moderados: além do


Vêneto, que passaria para as mãos dos franceses e deles para a Itália, e de
Holstein, a Áustria não perderia territórios. Por outro lado, comprometia-se
a pagar uma indenização de guerra e a aceitar o fim da Confederação
Germânica, substituída por uma outra entidade liderada pela Prússia, na
qual os austríacos não teriam nenhum poder.

A derrota austríaca na Guerra Austro-Prussiana teve um efeito


determinante na mudança da configuração geopolítica da Europa. Por um
lado, a passagem do Vêneto para as mãos do reino da Itália consolidou o
processo de unificação italiana, concluído quatro anos mais tarde com a
ocupação de Roma. Por outro, o fim da presença da Áustria sobre os
territórios germânicos permitiu à Prússia avançar o processo de unificação
da Alemanha sob seu controle, que seria oficializado em 1871.

Quem saiu enfraquecido foram os Habsburgos. A perda da influência que


ainda era mantida sobre grande parte do que havia sido o Império Austríaco
reduziu enormemente o peso da Áustria no equilíbrio político europeu. Era
necessário voltar-se aos problemas internos antes que o restante dos
domínios da dinastia se esfacelassem. O mais urgente desses problemas era
a questão húngara, e Francisco José encontraria na esposa a arma secreta de
que precisava para salvar o império.
A RAINHA
DA HUNGRIA
Sissi usando um vestido de corte
tradicional húngaro, com o qual
foi coroada rainha da Hungria.
Fotografia de Emil Rabending, 1867.

Embora haja na correspondência de Sissi evidências de seu interesse pela


política e pelos assuntos do império, a questão da Hungria foi a única em
que há registros de que a imperatriz atuou de forma direta.

Desde as aulas com Johann Mailáth, antes de seu casamento, Sissi


interessou-se pela cultura e pelo destino da Hungria. Ao longo dos anos, ela
aprendeu a falar húngaro com proficiência, e a maior parte dos cortesãos
com quem se relacionava em Viena eram aristocratas húngaros. Mesmo
durante suas estadas na ilha da Madeira e em Corfu, muitos de seus
acompanhantes eram dessa nacionalidade. Sua principal companheira era a
condessa Lily Hunyady, uma dama de companhia húngara quase de sua
idade que se tornou uma de suas amigas mais íntimas. Parte disso pode ser
atribuída à rebeldia dela contra os padrões da corte, já que os húngaros
eram habitualmente vistos com desdém pela nobreza austríaca, por serem
considerados revolucionários e contrários ao império.

Desde as primeiras visitas à Hungria, Sissi buscou intervir junto a


Francisco José em favor da causa húngara. Embora o trauma da morte da
pequena Sofia a tenha afastado de Budapeste por muito tempo, ela sempre
manteve seu amor pelo país. Mesmo da ilha da Madeira, em sua
correspondência com o conde Grünne, ajudante de ordens do marido, ela
dava sua opinião sobre a situação da Hungria. Os próprios húngaros
estavam cientes do interesse da imperatriz e viam-na como uma aliada da
causa autonomista.

A partir de 1860, Francisco José estabelecera uma política de conceder


maior autonomia às províncias, mas os húngaros não haviam ficado
satisfeitos com a solução. Eles queriam que Francisco José e Sissi fossem
legitimados como soberanos, sendo coroados em Budapeste como rei e
rainha da Hungria. A demanda, porém, era menos simples do que parecia:
uma condição para que isso acontecesse era a existência de suas antigas leis
e seu próprio parlamento ancestral. Privados disso, eles se recusavam a
fazer parte do parlamento criado em Viena e seguiam em permanente
agitação política, até mesmo se negando a pagar impostos.

Foi só após a derrota para a Prússia que Francisco José veio a reconhecer a
situação única da Hungria entre todos os povos do Império. Ao contrário
dos germânicos com a Prússia e dos eslavos com a Rússia, eles não tinham
uma “pátria-mãe” estrangeira para onde se voltar como referência cultural
e, portanto, só podiam contar com o próprio orgulho nacional para manter
sua identidade. No confronto com outros países, esse caldeirão de
inquietude tornava-se perigoso, pois podia ser manipulado pelos poderes
estrangeiros para enfraquecer o regime de Viena. Isso levou a questão da
Hungria para o centro das atenções do império.

Por essa época, Sissi já não era mais a garota assustada, oprimida pela
etiqueta da corte e sem autoconfiança. Ela também estava mais forte
fisicamente, graças às recomendações médicas de dieta rica em proteína
animal e temporadas anuais de cura pelas águas medicinais e à rotina
extenuante de exercícios a que se impunha. Até mesmo seus poemas
ganharam mais qualidade, com uma maior dedicação de sua parte à
literatura séria. Seu poeta favorito era o alemão Heinrich Heine, cuja obra
havia sido proibida em seu próprio país como subversiva, por suas ideias
socialistas e sua crítica à religião.

A assertividade de Sissi crescera tanto que ela ousou enfrentar o marido e a


sogra exigindo mudanças na educação de seu filho Rodolfo, que a
imperatriz acreditava estar sendo prejudicado por um tutor excessivamente
rigoroso. Revoltada com o tratamento dado ao herdeiro, ela deu um
ultimato a Francisco José: ou recebia plenos poderes para decidir sobre a
criação dos filhos e seus assuntos pessoais, inclusive a nomeação e
demissão de funcionários e escolha do local de residência, ou abandonaria a
corte em definitivo. O imperador capitulou, mudando o tutor de Rodolfo e
permitindo à esposa fazer o que bem entendesse. Por sua parte, Sissi a
partir de então se manteve lealmente ao lado do marido, procurando cuidar
de seu bem-estar mesmo quando não estava fisicamente com ele.

Fortalecida por ter ganhado essa batalha, Sissi tomou a decisão de partir
para uma guerra maior: intervir em favor da causa da Hungria. Entre as
pessoas de seu séquito de origem húngara, estava Ida Ferenczy, uma jovem
bonita, inteligente e culta que se tornou a companhia favorita da imperatriz.
Por ser da baixa nobreza, Ida não podia ser admitida como dama de
companhia, por isso recebeu o título de “leitora da imperatriz”. A corte
desprezava-a por sua origem inferior, mas Ida mantinha-se à parte das
fofocas, inteiramente dedicada à sua soberana. Ela tinha entre suas tarefas
acompanhar Sissi nas viagens e ler para ela em húngaro para melhorar sua
compreensão da língua. Por causa disso, as duas podiam comunicar-se
livremente nesse idioma, mesmo em frente das damas austríacas, que não o
compreendiam.

Sissi, a segunda pessoa da esquerda para a direita, e


Ida, a terceira, durante um passeio por uma trilha em
Merano, no Tirol, em 26 de setembro de 1897.

Ida foi capaz de fazer a mediação entre Sissi e alguns nacionalistas


húngaros, entre eles Gyula Andrássy, um dos rebeldes condenados à morte
após a revolução de 1848 e perdoados após o casamento imperial, e Ferenc
Deák, líder da campanha de resistência passiva contra o governo austríaco.
Esses contatos foram fundamentais para estabelecer um canal de
comunicação direto entre a monarquia de Viena e os nacionalistas da
Hungria, permitindo a cada um dos lados conhecer as forças e as aspirações
do outro e trabalhar para um meio-termo conciliatório. Uma primeira
tentativa ocorreu em junho de 1865, quando Francisco José viajou para
Budapeste. Algumas concessões foram feitas, como o fim da intervenção
militar sobre a Hungria e a anistia a crimes de opinião, mas isso ainda foi
visto como muito pouco. Mais tarde, nesse ano, houve mais avanços, e
foram convocadas eleições para o novo parlamento na Hungria, que o
imperador abriu em 14 de dezembro com um discurso em húngaro.

Sissi tomou o centro do palco quando uma delegação parlamentar visitou


Viena, em janeiro de 1866, para levar felicitações pelo seu aniversário e
convidar o casal imperial para uma estada na Hungria. Vestida em roupas
típicas húngaras enfeitadas com pérolas e diamantes, ela representou
perfeitamente o papel de rainha da Hungria, chegando a fazer um discurso
de improviso em excelente húngaro. À noite, os delegados foram recebidos
para o jantar. Essa foi a primeira vez que Sissi teve a oportunidade de
conversar com o conde Gyula Andrássy, então vice-presidente do
parlamento, que se tornaria um aliado e amigo próximo dela.

Andrássy estava com 42 anos, catorze a mais que Sissi. Alto, de cabelos
escuros e atraente, incorporava a imagem de herói romântico devido à vida
aventurosa que levara desde seu envolvimento na revolução de 1848. Ele
estava em Constantinopla, para onde havia sido enviado para convencer o
governo do Império Otomano a não repatriar rebeldes húngaros para a
Áustria, quando recebeu a notícia de sua condenação à morte por traição.
Então se exilou, primeiro em Londres, depois em Paris, vivendo das
generosas rendas de suas propriedades na Hungria e brilhando na sociedade
internacional por seu charme, boa aparência e conversa inteligente e
espirituosa. Com as portas da aristocracia abertas para ele, tratou de
aproveitar esses novos contatos com os mais poderosos políticos da Europa
para angariar simpatias à causa húngara.

Ao retornar do exílio, em 1858, Andrássy juntou-se ao partido liberal,


liderado por Ferenc Deák. Ao mesmo tempo, mantinha diálogo com a
aristocracia e os conservadores. Esse talento para a diplomacia, seus dotes
como orador e os laços que mantinha com a imprensa transformaram-no
num dos principais líderes da Hungria.

O carisma e a conversa interessante de Andrássy agradaram a Sissi e


incendiaram sua imaginação. Ele passou a personificar para ela o espírito
húngaro, e a imperatriz acreditou encontrar nele um interlocutor que
pudesse intermediar as relações entre seu marido e a Hungria. Por sua vez,
Andrássy compreendeu o valor político de ter Sissi como aliada e
convenceu-a de que poderia ser a salvadora dos húngaros. Não foi difícil
para ele persuadi-la a acompanhar Francisco José numa viagem de cinco
semanas ao país, onde ela não pisava desde a morte de sua filha Sofia.

A visita foi um sucesso, e grande parte deveu-se a Sissi, que combateu a


própria aversão a cerimônias oficiais para enfrentar uma infinidade de
compromissos ao lado do marido, além de visitar hospitais e conversar com
súditos. Entregava-se por completo ao papel de soberana em Buda, com o
mesmo fervor com que fugia das formalidades da corte em Viena. “Com
sua cortesia, tato e discrição, assim como seu húngaro excelente, Sissi é
uma grande ajuda para mim”, escreveu o imperador à mãe.18 A imperatriz
também se reuniu informalmente com Andrássy e Deák e repassou tudo o
que escutou para o imperador, inclusive alertas a respeito de Bismarck e da
Prússia, contra quem a Áustria se veria em guerra dentro de poucos meses.

Mais tarde no mesmo ano, com a guerra se aproximando de Viena, Sissi


deixou a capital com os filhos Gisela e Rodolfo e instalou-se numa
propriedade perto de Buda. A escolha foi bem calculada: o apoio da
Hungria nesse momento crítico era fundamental para a sobrevivência do
Império Austríaco. Assim, a imperatriz reprisava o apelo de Maria Teresa
aos húngaros, com o filho nos braços, quando seu trono esteve ameaçado,
em 1741, o que não passou despercebido na imprensa local. De lá, Sissi
escrevia longas cartas a Francisco José pedindo a ele para “fazer algo” em
relação à questão húngara, afirmando que mesmo que não desse certo ela
poderia “dizer a Rodolfo um dia: ‘Eu fiz tudo que estava em meu poder.
Seus infortúnios não estão na minha consciência’”.19

Gyula Andrássy em 1861, gravura de József Marastoni.

Andrássy era um companheiro constante da imperatriz nessa temporada


húngara. Para ultraje dos cortesãos austríacos, os dois podiam ser vistos
frequentemente em recepções oficiais e bailes conversando na língua local,
ou até mesmo cavalgando juntos, o que deu margem a todo tipo de fofocas
a respeito de sua relação. Sissi estava no auge da beleza, e o atraente
Andrássy era conhecido por suas ligações amorosas. Logo rumores de que
os dois estavam apaixonados espalharam-se pela Hungria.
Efetivamente, porém, o conde aproveitou-se de sua influência sobre Sissi
para se estabelecer como um intermediário junto ao imperador, viajando
com frequência entre Buda e Viena e, pouco a pouco, convencendo
Francisco José da necessidade de um novo arranjo do império que honrasse
o desejo dos húngaros por autonomia. Em suas viagens, ele mantinha uma
constante correspondência política com Sissi, usando Ida Ferenczy como
mensageira. A imperatriz até mesmo tentou convencer o marido a nomear
Andrássy como ministro de Assuntos Estrangeiros, mas Francisco José
considerou que ter um húngaro num posto tão elevado enfureceria outras
nacionalidades do império.

Foi Andrássy, junto com Deák, quem idealizou o que veio a ser o
Compromisso Austro-Húngaro de 1867. Por esse acordo, passou a haver
uma união real entre a Áustria e a Hungria, ou seja, ambos os países
compartilhavam o soberano, o sistema monetário e os assuntos externos,
mas internamente mantinham sua independência, cada um com seus
próprios parlamentos, legislações e sistemas judiciários e até mesmo
impostos e cidadanias separadas. Essa monarquia dual, com duas nações de
igual status liderando o império, traria uma solução aceitável às duas
partes, mas causaria conflitos com os outros povos, particularmente os
eslavos, que passaram a se sentir menosprezados no arranjo.

Como resultado do compromisso, o conde Andrássy foi eleito primeiro-


ministro da Hungria em 17 de fevereiro de 1867. Reconhecido por sua
habilidade e firmeza, ele se dedicou a construir as bases da nova nação e a
reorganizar o exército húngaro. Sissi, por sua vez, foi recebida em triunfo
na sua visita seguinte, reconhecida, junto com Andrássy, como responsável
pela conciliação.

O próximo passo era a coroação de Francisco José e Sissi como reis da


Hungria, o que teve lugar em 8 de junho de 1867 na igreja de Matias, em
Buda. A cerimônia começou às 4 horas da manhã com uma salva de tiros.
Às 7 horas, o cortejo saiu do castelo de Buda em direção à igreja. Depois
de onze porta-estandartes, vinha o conde Andrássy, carregando a coroa de
santo Estêvão, símbolo tradicional da monarquia húngara. Francisco José
seguia pouco atrás, na frente de Sissi, para quem todos os olhos se
voltavam. O serviço religioso incluiu música do compositor nacionalista
húngaro Franz Liszt, que chegou a viajar para a coroação. Francisco José
foi ungido pelo primaz da Hungria, depois a coroa foi colocada na sua
cabeça por Andrássy, representando o papel de palatino. Em seguida, a
coroa, de acordo com um antigo costume, foi posta acima do ombro direito
de Sissi. A coroação encerrou-se com uma procissão a cavalo atravessando
a ponte que ligava Buda a Peste, onde o novo rei da Hungria pronunciou o
voto de lealdade à constituição.

Entre as festividades, banquetes e cerimônias que se seguiram, Andrássy


apresentou ao casal um presente do povo húngaro a seus reis: o palácio de
verão de Gödöllő, uma residência barroca do século XVIII a trinta
quilômetros de Peste. Durante sua permanência na Hungria no ano anterior,
Sissi havia se encantado pela propriedade e tentara convencer o marido a
comprá-la, porém, às voltas com as dívidas deixadas pela guerra contra a
Prússia, Francisco José se recusara. Andrássy conseguiu que o parlamento
aprovasse uma decisão oferecendo o palácio aos reis da Hungria, um
reconhecimento ao trabalho de Sissi em prol da independência. Ela
retribuiu passando a maior parte de seu tempo em Gödöllő a partir de então,
a ponto de irritar a corte de Viena. O palácio seria um dos preferidos dos
imperadores austríacos até a queda da monarquia, em 1918.

Essas longas estadas na Hungria afetariam até Rodolfo. O herdeiro do trono


deleitava-se com a adoração desse povo por sua mãe e encantava-se com as
histórias dos heróis húngaros contadas por ela. Ele também ficou fascinado
por Andrássy, que se tornou seu ídolo e mentor político, influenciando-o
por toda a vida.

Outro efeito do envolvimento de Sissi com a questão húngara foi


reaproximá-la de Francisco José. Desde a viagem dela à ilha da Madeira, os
dois vinham seguindo caminhos cada vez mais separados. Sempre
preocupada com a própria aparência, desde o nascimento do herdeiro ela se
recusava a dormir com o marido para não correr o risco de uma nova
gravidez. Isso mudou conforme Sissi foi se envolvendo com os húngaros.
Já em 1865, Francisco José escreveu à mãe afirmando que ele e a esposa
haviam se reconciliado, e as cartas trocadas pelo casal durante a temporada
dela na Hungria mostram um afeto crescente.
Demorou apenas um par de meses após a coroação para que a corte
anunciasse que a imperatriz estava esperando uma nova criança. Sissi
decidiu que o bebê nasceria na Hungria, sonhando que, se fosse menino,
pudesse se tornar o rei desse país, independente do trono austríaco. Até
mesmo escolhera o nome de Estêvão, para homenagear o primeiro rei
cristão da Hungria. No entanto, em 22 de abril de 1868, nasceu uma
menina, que foi batizada Maria Valéria.

Rumores circularam de que a menina não seria filha de Francisco José, e


sim de Andrássy, mas nada comprova isso. Em primeiro lugar, na rígida
etiqueta austríaca, em que todos os movimentos do dia eram
acompanhados, seria muito difícil que Sissi tivesse um caso extraconjugal
sem que a corte inteira ficasse sabendo. Ela mesma dificilmente arriscaria
algo assim, dado seu manifesto desejo de que a criança pudesse ser no
futuro um legítimo herdeiro do trono húngaro. Como se não bastasse,
qualquer ideia de que Maria Valéria tivesse outro pai dissipava-se à
primeira vista: de todos os filhos do casal imperial, ela era a mais parecida
com Francisco José.

Essa “filha húngara” viria a ser a favorita de Sissi, que tomaria sua
educação nas mãos e daria a ela toda a atenção e afeto que fora privada de
conceder aos mais velhos. Maria Valéria seria criada sobretudo em
Budapeste, tendo o húngaro como primeira língua, e mais tarde
acompanharia a mãe em suas constantes viagens. As duas raramente
ficariam separadas, e a filha caçula registraria em seus diários as narrativas
que Sissi confidenciava a ela sobre sua juventude infeliz.

Maria Valéria, última filha de Sissi, em 1871,


com aproximadamente três anos de idade. Foto de Victor Angerer.
UMA
TRAGÉDIA
MEXICANA
Os imperadores Maximiliano e
Carlota desembarcando em Vera Cruz,
México, em 29 de maio de 1864.

Poucos meses antes do nascimento de Maria Valéria, os Habsburgos


passaram por um dos seus piores momentos. Em janeiro de 1868, chegaram
a Viena os restos mortais do arquiduque Maximiliano, irmão de Francisco
José, que retornava de maneira trágica de sua aventura quixotesca como
imperador do México.

Fernando Maximiliano, o segundo filho dos arquiduques Francisco Carlos e


Sofia, nasceu em 6 de julho de 1832 e cresceu à sombra do irmão mais
velho. Essa consciência prematura de que o irmão era o predestinado e ele,
apenas o reserva, de quem não se esperava muito, fez com que
Maximiliano desenvolvesse um desejo de ser melhor que ele em tudo e
construir seu próprio caminho a qualquer custo.

Ao contrário de Francisco José, sóbrio e fechado, Maximiliano era sensível,


generoso e sonhador, o que o tornava muito popular entre o povo austríaco.
De perfil intelectual, tinha interesses por artes e ciências. O
conservadorismo do irmão mais velho encontrava um contraponto no
pensamento liberal do mais novo. Em vez de se juntar ao exército,
Maximiliano escolheu servir na marinha, negligenciada havia muito tempo
por sucessivos governos. Seu interesse pelo assunto levou-o a ser nomeado
comandante-chefe da força em 1854, aos 22 anos, o que permitiu a ele
reorganizar e modernizar a frota austríaca a partir de Trieste, onde se
estabeleceu.

Durante seus anos na marinha, o arquiduque participou de diversas viagens


marítimas, que o levaram por toda a Europa e até as Américas. Numa delas,
em 1852, ele fez uma parada em Portugal, país governado por uma prima, a
rainha d. Maria II. Lá ele reencontrou outra prima, a princesa d. Maria
Amélia, a quem não via desde criança.

Os dois haviam se conhecido em 1838, quando tinham por volta de 7 anos,


em Tegernsee, na Baviera, para onde boa parte da realeza e nobreza
germânica convergiu com a desculpa de acompanhar a czarina Alexandra
da Rússia, que fora para lá tratar da saúde. As duas crianças deram-se tão
bem que é possível que as mães de ambas, a arquiduquesa Sofia e sua
sobrinha d. Amélia, imperatriz viúva do Brasil, tenham cogitado um
compromisso para que se casassem quando crescessem.

O reencontro foi ainda melhor que o esperado. Durante duas semanas, o


arquiduque e Maria Amélia passaram a maior parte do tempo juntos,
vendo-se todos os dias, conversando e fazendo passeios. Maximiliano veio
a anotar em seu diário: “A mais gentil e sem dúvida a mais espirituosa
figura na Corte Portuguesa é de longe a Imperatriz Viúva Amélia, segunda
esposa de Dom Pedro […]. Ela viveu com a sua gentil e mui adorada Filha,
uma perfeita Princesa, como raramente se encontra […]”.20

No entanto, o noivado entre os dois não foi oficializado nessa ocasião,


basicamente por dois motivos. Em primeiro lugar, Francisco José não havia
ainda se decidido por uma noiva, e o protocolo requeria que o irmão mais
velho se casasse antes. Em segundo, a saúde da jovem não estava boa. No
início do ano, ela havia ficado doente com escarlatina e desde então tivera
constantes dores de garganta e problemas pulmonares que fizeram os
médicos diagnosticarem tuberculose.

Os doutores por fim decidiram que d. Maria Amélia deveria ir tratar da


doença na ilha da Madeira, onde ela faleceu em fevereiro de 1853, aos 21
anos. O arquiduque ficou arrasado e mais tarde anotaria em seu diário: “Ela
morre […] e aqui morre uma felicidade, uma vida primaveril […] O anjo
feliz mora entre os coros puros do céu […] para lá ela ansiava ir”.21 Ele
havia idealizado seu casamento com a jovem princesa brasileira e por
vários anos mergulhou no trabalho e recusou-se a tocar no assunto de uma
noiva.

Quatro anos depois, Francisco José pressionou o irmão, que havia acabado
de ser nomeado vice-rei da Itália, a aceitar o casamento com Carlota da
Bélgica. O casal instalou-se inicialmente em Milão, de onde ele governava
os territórios italianos do Império Austríaco, e os dois construíram juntos o
castelo de Miramar, onde foram viver depois que Maximiliano foi
removido do posto de governador da Lombardia-Vêneto, em fevereiro de
1859, e de cujos jardins ele se ocupava pessoalmente. Porém a sombra de
Maria Amélia sempre perseguiu o relacionamento, e ele passou muito
tempo em viagens, incluindo à ilha da Madeira e ao Brasil, onde realizou
expedições e conheceu o irmão dela e seu primo, o imperador d. Pedro II.
O arquiduque não teve uma boa impressão do Brasil, mas retornou para
Miramar com muitas plantas e beija-flores, o pássaro preferido de Maria
Amélia.

Foi enquanto atuava como governador da Itália que Maximiliano foi


abordado por membros da nobreza mexicana com uma proposta para se
tornar imperador do México. O país havia se declarado separado da
Espanha em 1810, e, após uma prolongada guerra de independência,
iniciara-se uma disputa entre monarquistas e republicanos a respeito do
sistema de governo. Inicialmente, o México fora declarado um império, e
um aristocrata local, Agustín de Iturbide, chegou a ser feito imperador, mas
sua queda e a ausência de um membro da realeza europeia interessado em
assumir o trono facilitaram que as ideias republicanas prevalecessem.
Seguiram-se anos de disputas internas e externas, incluindo uma guerra
contra os Estados Unidos, em que o país perdeu vários territórios.

Os monarquistas acreditavam que o restabelecimento do império poderia


pôr fim a essas instabilidades, mas para isso precisavam de alguém que
aceitasse o trono. Maximiliano era um candidato adequado em primeiro
lugar porque os Habsburgos, quando governavam a Espanha, haviam sido
monarcas da região, e em segundo porque não era herdeiro direto de
nenhum trono. A oportunidade veio quando o presidente mexicano Benito
Juárez decidiu decretar uma moratória das dívidas externas contraídas pelo
país. O imperador francês, Napoleão III, com o apoio de Espanha e Estados
Unidos, decidiu intervir militarmente no México e apoiar a causa
monarquista.

Maximiliano foi convidado oficialmente a assumir o trono mexicano em


1861. A princípio, ele ficou reticente, afirmando que só concordaria se
tivesse o apoio do povo local. Napoleão III, que invadira o México,
fabricou um plebiscito pelo qual o império foi restabelecido, e o austríaco,
proclamado imperador. Foi só então que Maximiliano decidiu aceitar a
coroa, em outubro de 1863, mesmo com todos os alertas contra os riscos da
aventura.

Foto da família imperial austríaca reunida. Da esquerda


para a direita, atrás: o imperador Francisco José,
Maximiliano, futuro imperador do México, Carlota da
Bélgica, sua esposa, Luís Vitor e Carlos Luís. Na frente:
Sissi com Rodolfo, Gisela, a arquiduquesa-mãe Sofia
e seu marido, o arquiduque Francisco Carlos, pai do
imperador. Foto de 1859, feita por Ludwig Angerer.

Depois de uma negociação tensa com Francisco José, Maximiliano


renunciou ao título de arquiduque e a todos os direitos à coroa austríaca e
embarcou com Carlota para o México, aonde chegou em 29 de maio de
1864. A recepção foi entusiástica em várias cidades no caminho para a
capital Cidade do México, onde foi saudado pela elite local, que esperava
do novo imperador a interrupção das reformas liberalizantes de Juárez. No
entanto, esse sentimento da elite não refletia a opinião da maioria da
população fora da capital.

Instalado no Castelo de Chapultepec, nos arredores da cidade, Maximiliano


começou a se dedicar à decoração e ampliação de sua nova residência e aos
desafios de seu novo império com o mesmo entusiasmo que mostrara como
vice-rei da Itália. Ele e Carlota, que haviam aprendido espanhol nos dois
anos anteriores, ficaram horrorizados com as condições primitivas de
infraestrutura que encontraram e faziam planos de melhoria, mas havia um
obstáculo. O acordo com Napoleão III que tinha lhes dado o trono previa o
pagamento de grandes somas para os franceses, o que significava a
insolvência do Estado mexicano desde o início. Mesmo assim,
Maximiliano gastou bastante em melhorias nas suas residências, incluindo
a construção de uma avenida do centro até Chapultepec.

O jovem imperador tinha suas próprias ideias quanto à criação de uma


monarquia constitucional e democrática, mas esbarrava nos militares
franceses e belgas da ocupação, que detinham o poder de fato. Na
realidade, Napoleão III esperava que o México se comportasse como um
protetorado francês. Além disso, o novo império não contava com o
reconhecimento de quase nenhum país, nem mesmo de alguns que haviam
inicialmente apoiado a ideia, como Inglaterra e Espanha. Como se não
bastasse, vastas áreas do país ainda estavam nas mãos de insurgentes, e a
administração carecia de organização.

Baseando-se nos mesmos princípios de justiça social que haviam sido seus
guias na Itália, Maximiliano criou uma regulação trabalhista e mostrou
interesse pelas condições dos indígenas, frequentemente maltratados nas
grandes fazendas de seus apoiadores. Para tentar mitigar seu
desconhecimento sobre o povo que governava, realizou uma longa viagem
a cavalo entre agosto e outubro de 1864, quando, vestido com roupas
comuns, procurou conversar diretamente com a população. Durante suas
ausências, Carlota assumia a frente do governo, o que a tornou de fato a
primeira mulher a governar o México.

Essa tentativa de se aproximar do povo desagradou as elites conservadoras,


que já não viam com bons olhos as simpatias de Maximiliano com algumas
das ideias de Juárez, como a reforma agrária e a liberdade religiosa. O que
o imperador conseguiu construir de duradouro foi na área das artes e da
cultura. Incentivou o desenvolvimento do teatro, fundou uma academia de
ciências, deu os passos iniciais para a criação de museus de arqueologia e
encorajou as artes, além de intervir na elaboração de um novo plano
didático para a educação.

Um dos grandes problemas era que Maximiliano e Carlota não tinham


filhos. Acredita-se que eles pararam de ter relações íntimas poucos anos
depois do casamento e mesmo a retomada da proximidade entre os dois,
após a mudança para o México, não produziu um sucessor. A saída
encontrada foi adotar os dois netos do imperador anterior, Agustín de
Iturbide, e proclamá-los herdeiros do trono. A decisão causou um
escândalo, já que um dos meninos, de apenas dois anos, foi retirado da mãe
para ser educado pelos imperadores. Além de a opinião pública ter se
ofendido com isso, o caso gerou um incidente internacional: como a mãe da
criança era norte-americana, o parlamento dos Estados Unidos votou uma
moção de repúdio.

A situação de Maximiliano começou a ficar mais complicada em 1865,


quando o fim da Guerra de Secessão nos Estados Unidos fez o país se
voltar para a situação em seu vizinho do sul. A doutrina Monroe,
estabelecida em 1823, defendia a não interferência dos poderes europeus
sobre os países da América, e o governo norte-americano deixou claro que
não aceitaria mais a intervenção estrangeira no México. Mesmo Napoleão
III estava perdendo o apoio para esse projeto e, pressionado pela própria
opinião pública francesa e pelo fortalecimento da Prússia depois da guerra
contra a Áustria, decidiu retirar gradualmente suas tropas do México em
1866.

Numa tentativa de angariar apoio para o trono do marido, Carlota decidiu


retornar à Europa em julho de 1866. Já temendo os acontecimentos no
México, ela levou consigo diários, documentos e obras de arte para manter
em segurança. Dirigiu-se primeiro a Paris, onde não teve sucesso em
convencer Napoleão III a manter seu apoio, depois foi para Roma buscar a
ajuda do papa. Pio IX deu abrigo à imperatriz, mas, com a saúde mental
abalada, ela teve um colapso. Ela nunca se recuperaria e passaria o resto da
vida enclausurada. Carlota veio a falecer em 1927, sem nunca rever
Maximiliano.

Sem o apoio de Napoleão e com negativas de ajuda da Bélgica e da


Áustria, Maximiliano pensou em abdicar e chegou a embarcar objetos de
valor num navio pronto para levá-lo de volta para a Europa, mas foi
convencido a lutar contra o avanço dos republicanos. Com problemas de
saúde, ele decidiu em fevereiro de 1867 deixar a Cidade do México e ir
para Querétaro, de clima mais ameno e população favorável à monarquia.

Os comandantes militares logo notaram que a geografia da região tornava a


cidade difícil de defender e recomendaram a Maximiliano que fosse para
outro lugar, mas ele deixou-se ficar. As tropas republicanas chegaram em 5
de março e iniciaram um cerco; Maximiliano e seus generais fizeram um
conselho de guerra, onde concluíram que a falta de recursos financeiros
tornava qualquer ação efetiva impossível. No dia 22, os republicanos
enviaram uma mensagem ao imperador garantindo sua segurança caso se
rendesse, porém ele recusou.

No início, as tropas leais ao imperador conseguiram algumas vitórias, mas


foram insuficientes para romper o cerco, e logo os republicanos reverteram
a situação. Em 15 de maio, um membro da guarnição abriu uma das portas
da cidade ao inimigo, e Querétaro caiu. Mesmo assim, Maximiliano
recusou-se a se esconder. Saiu de seu refúgio com alguns de seus generais e
dirigiu-se ao Cerro de las Campanas, onde foi capturado.

Em 13 de junho, Maximiliano foi levado à corte marcial por diversas


acusações e, por 4 votos a 3, foi condenado à morte. Francisco José reagiu
imediatamente. Na tentativa de salvar o irmão, devolveu a ele o título e os
direitos de arquiduque da Áustria. Outros apelos pela vida do ex-soberano
vieram de todas as partes, desde monarcas europeus e o presidente dos
Estados Unidos até o herói da unificação italiana, Giuseppe Garibaldi, e
mesmo o escritor Victor Hugo, inimigo político de Napoleão III, que
militava contra a pena de morte. Mas Juárez negou-se a ceder, e a execução
foi marcada para 19 de junho.

Maximiliano foi despertado nesse dia às 3 horas da manhã. Recebeu a


visita de um padre para se confessar e em seguida a de seu médico, um
portador seguro, a quem confiou cartas de despedida para a família em
Viena e seu rosário. Também deu a ele uma medalha religiosa que sempre
usava, para entregar a d. Amélia. Para a mãe, também enviou um anel que
nunca tirava, contendo uma mecha dos cabelos da princesa d. Maria
Amélia.

Às 6h30, o ex-imperador e dois de seus generais foram colocados em


carruagens fechadas e levados para o Cerro de las Campanas sob forte
escolta militar. Maximiliano marchou na frente, abraçou e acalmou seus
companheiros enquanto eram dispostos atrás de um muro baixo de adobe
que havia sido construído durante a noite. Seu comportamento
impressionou tanto o pelotão de fuzilamento que um dos oficiais ensaiou
um pedido de desculpas, ao que Maximiliano respondeu: “Você é um
soldado e é seu dever obedecer”.22 Em seguida, entregou uma moeda de
ouro a cada homem pedindo que lhe dessem uma morte rápida e evitassem
seu rosto. Por fim, disse suas últimas palavras: “Eu perdoo a todos. Oro
para que todos possam também me perdoar, e espero que meu sangue que
vai ser derramado traga paz ao México. Viva o México! Viva a
independência!”.23 As palavras mal haviam acabado de ser pronunciadas
quando os tiros soaram e Maximiliano caiu ao chão, morto
instantaneamente.

A notícia chegou a Viena em 27 de junho. Francisco José estava na Baviera


com Sissi para um funeral, e os dois voltaram imediatamente para consolar
os pais. A arquiduquesa Sofia, que previa que a aventura de Maximiliano
acabaria mal, nunca se recuperou e afastou-se da política. A última entrada
em seu diário naquele ano, embora lamentasse a morte do “belo filho”,
também agradecia a Deus pela sua bravura diante da morte.24

Sissi também ficou abalada com a morte do cunhado favorito. Francisco


José tratou de enviar um navio austríaco para buscar os restos mortais do
irmão para sepultá-lo em Viena. Juárez, porém, tinha outros planos. Ele
exigiu que o governo austríaco reconhecesse o novo governo republicano
antes de entregar o corpo embalsamado de Maximiliano, que, enquanto
isso, ficou exposto no México. Só no início de 1868 é que os Habsburgos
conseguiram realizar o funeral do ex-imperador na Cripta Imperial em
Viena. É comum, ainda nos dias de hoje, encontrarmos diante do túmulo
dele lembranças trazidas por visitantes, como sombreros, fitas e flores com
as cores do México.

A morte de Maximiliano foi uma tragédia sentida em toda a Europa. Desde


a Revolução Francesa, nenhum monarca europeu tinha sido executado. A
maior parte da culpa recaiu sobre Napoleão III, considerado responsável
por toda aquela aventura insensata. O pintor Édouard Manet, um opositor
do imperador francês, deixou esse sentimento claro na pintura A execução
de Maximiliano, finalizada em 1869. Manet retratou Maximiliano e seus
companheiros sendo executados por um pelotão usando uniformes
franceses, apontando o imperador da França como o verdadeiro culpado
pela tragédia de Querétaro. O povo mexicano é retratado ao fundo, como
simples espectadores.

A execução de Maximiliano, óleo sobre tela de Édouard Manet, 1869.


MoMA, Nova York.
O CULTO À
BELEZA
Sissi retratada com os seus longos
cabelos soltos. Óleo sobre tela de
Franz Xaver Winterhalter, circa
1860. Coleção Hofburg, Viena.

Aconsternação após a morte de Maximiliano no México levou o imperador


da França, Napoleão III, a desejar dar as condolências pessoalmente a seus
aliados Habsburgos. O encontro em Salzburgo, em agosto de 1867,
despertou o interesse da imprensa europeia, não por causa dos imperadores,
mas devido às duas imperatrizes. Todos queriam comparar Sissi e Eugênia,
consideradas as mulheres mais bonitas da realeza europeia na época.

Aos 41 anos, Eugênia mantinha a beleza, ressaltada por suas roupas


espetaculares, na última moda de Paris, e foi muito elogiada pelos modos
impecáveis. Mas a conclusão geral foi de que ela não era páreo para a
elegância e o charme de Sissi, mesmo com seu vestido um pouco
antiquado. As duas imperatrizes mantiveram uma relação fria, mas sem
atritos. Apesar disso, circulou um rumor de que um diplomata a serviço da
França teria encontrado as duas num quarto, com uma fita métrica,
comparando o diâmetro de suas panturrilhas.

A beleza de Sissi, que se tornou mais extraordinária ainda na idade adulta,


era sua característica mais conhecida e o que a tinha transformado numa
celebridade mundial. Sua autoconfiança, adquirida a duras penas, estava
sustentada em grande parte na aparência física, de modo que a preocupação
com isso começou a dominar todos os aspectos de sua vida. Não apenas ela
dedicava a maior parte do dia a permanecer bonita, como procurava se
cercar de pessoas atraentes. Ela até mesmo mantinha um álbum com
retratos das mulheres mais bonitas da Europa, que solicitava aos
embaixadores austríacos nas cortes onde estavam acreditados.

Seu cuidado com o peso, numa época em que o padrão de beleza pedia
mulheres mais robustas, era quase incompreensível. Sissi manteve-se muito
magra durante toda a vida. Com 1,72 metro de altura – vários centímetros
mais alta que o marido –, tinha um peso que variava entre 45 e cinquenta
quilos, a não ser, naturalmente, quando estava grávida. Sua cintura tinha
apenas cinquenta centímetros, que os espartilhos reduziam ainda mais para
quarenta. Para manter essa circunferência tão estreita, ela usava um
espartilho especial apertado em três lugares diferentes, num processo que
chegava a demorar uma hora.

Ela se pesava todos os dias e mantinha uma dieta restritiva, que, em certos
períodos, resumia-se a líquidos como sopas ralas, laranjas, leite e cerveja.
A única exceção que fazia era para sorvetes e eventualmente doces, em
particular pétalas de violeta cristalizadas, às quais não resistia. Essa dieta
acabou por levá-la a uma profunda anemia, e parte do tratamento para sua
recuperação consistia no consumo de grandes quantidades de carne
vermelha. Para fazer isso sem abandonar seu regime, Sissi mandava
espremerem carne de vaca num equipamento e em seguida bebia o suco
resultante.

Um dos recursos que Sissi usava para afastar a fome era o fumo. Na época,
cigarros e charutos eram tidos como um hábito exclusivamente masculino,
indigno de uma dama, portanto a notícia de que Sissi e sua irmã Maria
fumavam tornou-se assunto internacional. Em 1890, o jornal Los Angeles
Times publicou que a imperatriz austríaca fumava de trinta a quarenta
cigarros turcos por dia, além de um charuto depois do jantar. Até a rainha
Vitória da Inglaterra teria demonstrado sua desaprovação.

Como consequência do hábito de fumar, agravou-se um problema que


sempre perturbara Sissi: seus dentes amarelados. Já durante o noivado, a
arquiduquesa Sofia havia observado esse problema e recomendado que ela
fosse ensinada a cuidar melhor da higiene bucal. A recomendação parecia
ter funcionado, porque a sogra observou, quando Sissi chegou a Viena, que
seus dentes haviam se tornado “bastante brancos”.25 Mas a má
alimentação, aliada ao tabagismo, foi prejudicando a dentição da jovem, e
Sissi acostumou-se a esconder a boca atrás de leques. Também evitava falar
e sorrir em público para não mostrar os dentes, o que gerou a imagem de
uma mulher atraente, mas que seria pouco inteligente a ponto de não abrir a
boca.

Os exercícios, de que ela sempre gostara, ocupavam a maior parte do seu


tempo. Sissi mandou instalar salas de exercício com barras não apenas no
Hofburg, mas em todos os palácios que habitava, incluindo Gödölő, e
dedicava-se a intermináveis sessões diárias. Além de ser uma amazona
talentosa que fazia tanto longas cavalgadas como adestramento, também
realizava caminhadas que podiam durar três ou quatro horas, em qualquer
clima. As damas de companhia que deviam acompanhá-la não aguentavam
seu ritmo, e era comum que, enquanto algumas começavam o percurso
andando com a imperatriz, outras seguissem numa carruagem para
substituí-las conforme se cansavam. Mais tarde, quando um problema no
nervo ciático a impediu de cavalgar, Sissi passou a praticar esgrima.

Outro esporte a que ela se dedicava com entusiasmo era a natação.


Costumava nadar na piscina que mandou construir em Bad Ischl e também
no mar. Nessa época anterior ao maiô, ela nadava com uma espécie de
macacão por baixo de um vestido de tecido leve e trançava os cabelos para
que não a atrapalhassem. Porém, quando estava numa praia mais deserta,
como em Corfu, gostava de nadar nua e com os cabelos soltos, como uma
sereia. Para não ferir a dignidade imperial sendo vista por estranhos, Sissi
despia-se dentro de um corredor de tecido segurado por suas damas, que a
protegia dos olhares até que estivesse dentro da água. O processo se repetia
na saída. Seu amor pelo mar era tão grande que em 1888 mandou tatuar
uma âncora no ombro esquerdo. Embora transgressora, essa atitude não era
inédita na realeza: Eduardo VII da Inglaterra, Nicolau II da Rússia e outros
monarcas também eram tatuados.

Os cabelos, aliás, eram uma das grandes vaidades de Sissi. Nessa época, os
fios longos eram uma das características mais admiradas na aparência de
uma mulher. Isso porque, como eles costumavam ser cortados em períodos
de doença, eram um sinal de saúde. Os cabelos castanhos de Sissi eram
famosos não apenas por seu comprimento, chegando até os joelhos, mas
também pelo volume e brilho. Os cuidados com eles ocupavam três horas
diárias, entre escovar, tratar e fazer o penteado. A cada quinze dias, os fios
eram hidratados com uma mistura de conhaque com gemas de ovos, depois
lavados e secos, um processo que podia tomar a maior parte do dia. A
cabeleira era tão pesada que às vezes causava dores de cabeça severas. Para
reduzir a pressão, os fios tinham que ser erguidos e amarrados com fitas.

Os cuidados com o patrimônio que eram os cabelos da imperatriz foram


delegados por ela a uma cabeleireira particular, Fanny Angerer. De origem
humilde, ela trabalhava no Burgtheater, em Viena, em 1863, quando Sissi
reparou no belo penteado de uma das atrizes no palco. Descontente com
suas próprias cabeleireiras, decidiu oferecer à jovem de 21 anos um salário
astronômico, equivalente ao de um professor universitário, para que
trabalhasse somente para ela.

Fanny Angerer, cabelereira de Sissi, Viena, circa 1860.

Fanny era a única pessoa autorizada a lidar com os fios de Sissi: se ela
ficasse doente, a imperatriz reclamava da substituta e frequentemente
cancelava todos os compromissos, recusando-se a ser vista em público. A
cabeleireira estava sempre a seu lado, tornando-se sua confidente mais
próxima. Ela desenvolveu um estilo particular de trançar os cabelos da
imperatriz, entrelaçados em torno da cabeça, que virou moda na Europa.
Além disso, conhecia as mínimas manias da patroa. Ao desembaraçar os
fios, costumava esconder agilmente todos os que se soltavam, mostrando
para Sissi um pente limpo como prova da saúde dos seus cabelos.

O trabalho de Fanny com os cabelos de Sissi ficou famoso com o retrato de


Franz Xaver Winterhalter, pintado em 1865, que a mostra com o penteado
enfeitado por joias em formato de estrelas. Essas estrelas de diamantes e
pérolas, em número de 27, foram encomendadas por ela a um joalheiro de
Viena e tornaram-se um sucesso instantâneo, sendo copiadas até hoje.
Outras duas pinturas realizadas na mesma ocasião retratam a imperatriz de
uma maneira bem menos pudica, enrolada num tecido e com os longos
cabelos soltos. Esses retratos foram encomendados por Francisco José e
ficavam nas paredes de seu estúdio particular até a morte dele.
Fotografia do estúdio de Francisco José no palácio de
Hofburg. Sentado na sua cadeira, o imperador tinha
visão direta do retrato da esposa de cabelos soltos.

Sissi tornou-se tão dependente de Fanny que, quando esta decidiu se casar,
em 1866, interveio para que ela não fosse obrigada a deixar o serviço da
corte, como era de praxe. Não só convenceu Francisco José a mantê-la
como colocou o marido dela, Hugo Feifalik, a seu próprio serviço, numa
posição que permitia a ele viajar com a imperatriz e, consequentemente,
ficar junto da esposa.

Além de seu talento como cabeleireira, Fanny também tinha um tipo físico
parecido com o de Sissi: alta, esguia, de cabelos fartos e atraente. Por conta
disso, ela frequentemente servia de “dublê de corpo” para a imperatriz,
representando-a em público, enquanto a verdadeira passava discretamente
sem ser reconhecida. Algumas outras damas de confiança também faziam
esse papel, permitindo que Sissi tivesse alguma independência para fazer o
que quisesse. Por vezes, isso permitia a ela fazer brincadeiras, como vestir
roupas simples e misturar-se na multidão, enquanto Fanny ou outra pessoa
acenava para o povo se passando por ela, para escutar as opiniões das
pessoas comuns a seu respeito.

Sissi em 1864, usando os seus longos cabelos


trançados no penteado criado por Fanny.

Com a fama da beleza de Sissi, cada vez mais pessoas acorriam para vê-la e
observar o menor detalhe de sua aparência, o que, aliado a sua natural
timidez e reserva, fazia de qualquer aparição pública uma causa de
ansiedade. A preocupação dela em esconder qualquer falha tornou-se tal
que, aos 30 anos, embora sua aparência fosse tão fresca e juvenil como
sempre, ela começou a recear estar envelhecendo. Para evitar rugas, criou
uma máscara facial composta de morangos esmagados e coberta por
pedaços de carne crua. Também costumava se banhar em azeite de oliva
para hidratar a pele.
Por fim, a pressão para que se mantivesse sempre bela ficou tão pesada que
ela decidiu que não se permitiria mais retratar ou fotografar, assim as
pessoas se lembrariam dela para sempre com seu rosto juvenil. Todas as
vezes que saía às ruas, escondia o rosto com véus e leques, ou mesmo
abrindo a sombrinha. Até mesmo suas caminhadas passaram a ser feitas à
noite para que as pessoas não pudessem vê-la claramente.

Essa preocupação em se manter sempre juvenil chegou a causar um


problema familiar. Sua filha Gisela casou-se em 1873 com o príncipe
Leopoldo da Baviera. Sissi empenhou-se pessoalmente em escolher o noivo
da filha, a quem considerava pouco bonita e deselegante. No ano seguinte,
Gisela teve sua primeira filha, Elisabete Maria. Sissi, que engravidara
muito jovem, tinha apenas 36 anos quando nasceu o seu primeiro neto e
ficou ultrajada que a filha a submetesse a se tornar avó tão cedo. Sempre
preocupada com a aparência daqueles a seu redor, chegou a escrever a
Rodolfo na ocasião: “A filha de Gisela é de uma feiura rara, mas muito
vivaz, parece-se exatamente com Gisela”.26

Sissi escondendo o rosto com o leque para


não ser fotografada, circa 1890.
A DAMA DO
DOMINÓ
AMARELO
Gravura de Sissi na década de 1870.

Na terça-feira de carnaval de 1874, teve início um dos relacionamentos


mais curiosos de Sissi. Francisco José estava numa viagem oficial à Rússia,
e sua esposa, presa às obrigações da corte em Viena, sentia-se aborrecida
enquanto toda a cidade festejava. A irrequieta imperatriz, com a ajuda de
Ida Ferenczy e Fanny Feifalik, concebeu um plano: enquanto a cabeleireira
simulava a presença de Sissi em seus aposentos, esta e Ida esgueiravam-se
para uma aventura na cidade.

As fantasias e as máscaras contribuíam para o anonimato das duas


aristocratas. Elas escolheram trajes de dominó, um personagem menor do
carnaval de Veneza, que se tornara popular entre as mulheres na época
porque o casaco amplo permitia esconder as formas do corpo. Sissi, vestida
de amarelo, e Ida, de vermelho, usavam máscaras que cobriam todo o rosto.
Além disso, a imperatriz disfarçou seus famosos cabelos com uma peruca
loira e adotou o nome de uma de suas criadas de quarto, Gabrielle, para se
esquivar da segurança na saída do palácio.

As duas mulheres se dirigiram para o baile da Associação Musical, uma das


mais famosas casas de concerto de Viena. Elas se acomodaram em bancos
de uma galeria, de onde podiam ver a pista de dança sem ser incomodadas,
mas logo Sissi começou a se entediar. Então Ida teve uma ideia: pediu que
“Gabrielle” escolhesse alguém que achasse atraente, que ela o traria para
conversar. Sissi, observando o salão, reparou num jovem solitário, atraente
e cujo rosto lhe era totalmente desconhecido. Ida foi falar com ele e
convenceu-o a entreter sua amiga solitária.

Friedrich Pacher von Theinburg era um funcionário público de 26 anos, dez


a menos do que Sissi, sem nenhum tipo de relacionamento com a corte, o
que o tornava ideal para esse jogo. Ele afirmaria mais tarde ao primeiro
biógrafo da imperatriz, Egon Conte Corti, que imediatamente desconfiou,
pela postura e maneira de falar, que a dama de dominó amarelo devia
pertencer à alta aristocracia.27

Ida deixou-os sozinhos, e Sissi, apresentando-se como uma estrangeira,


acabou perguntando para o rapaz, no meio da conversa, o que ele achava da
imperatriz. Pacher suspeitou nesse momento que aquela dama seria a
própria Sissi, mas descartou a ideia e respondeu que só vira Elisabete de
longe, cavalgando no parque, e que ela parecia ser muito bonita, mas as
pessoas lamentavam que ela não se deixasse ver e passasse mais tempo
com seus cães e cavalos do que com o povo.

Os dois dançaram juntos e andaram pelo salão conversando durante horas,


falando de religião a política, e Sissi apreciou a crítica honesta do jovem
funcionário à situação social do império, concordando com ele em vários
momentos. Por fim, o assunto caiu num interesse comum, o poeta Heinrich
Heine, o preferido da imperatriz. Membros da aristocracia presentes ao
baile ficaram interessados no casal, desconfiados, como Pacher, da origem
social da dama, que se esforçou para se esquivar deles. Enquanto isso, sem
dar nenhuma informação sobre si mesma e recusando-se até mesmo a tirar
as luvas, ela já sabia tudo sobre o jovem: desde seu nome até a repartição
pública onde ele trabalhava.

Por fim, Ida Ferenczy, sob sua fantasia de dominó vermelho, começou a
pressionar a companheira para irem embora. Pacher acompanhou as duas
até uma carruagem, e a dama de amarelo pediu a ele seu endereço, para que
pudessem se corresponder. No último instante, o rapaz tentou erguer a
máscara dela, mas Sissi acertou a mão dele com o leque para interrompê-lo.
Ele, então, tomou o leque das mãos dela e guardou-o consigo antes de se
despedirem.
Ida ficou aflita de que alguém tivesse descoberto a identidade delas e fez a
carruagem dar uma grande volta para se assegurar de que não estavam
sendo seguidas. Mas tal cuidado era desnecessário: Pacher simplesmente
retornou para sua modesta residência com as lembranças da aventura
daquela noite. Uma semana depois, chegou uma carta com um carimbo de
Munique, assinada por Gabrielle. Era o início da longa correspondência que
o jovem manteria com a dama misteriosa durante os anos seguintes.

Como Pacher não tinha o endereço de Gabrielle, enviava as cartas para ela
ao correio central de Viena, mas recebia as respostas em casa. Estas vinham
dos lugares mais diversos, especialmente de várias cidades da Alemanha,
mas também da Inglaterra, para onde eram levadas pela irmã de Sissi,
Maria Sofia, ex-rainha de Nápoles, e postadas sobretudo de Londres. Em
outros casos, a imperatriz recebia os selos de pessoas em outros países,
colava na carta e pedia que seus criados as entregassem. Para despistá-lo
ainda mais sobre sua verdadeira identidade, ela contava histórias a respeito
de viagens fictícias e dos lugares onde fingia estar.

A correspondência foi provavelmente a coisa mais próxima de um romance


que Sissi teria tido durante toda a sua vida. Nas cartas, eles falavam sobre
literatura, natureza e também sobre seus pensamentos a respeito um do
outro. Pacher especulou algumas vezes sobre a verdadeira identidade de
sua correspondente, chegando a insinuar que ela era a imperatriz, o que
causou, da parte de Sissi, uma interrupção momentânea das cartas, mais
tarde retomadas.

A última carta que ela escreveu para Pacher é datada de 3 de junho de


1887. A correspondência contém um poema intitulado “A canção do
dominó amarelo”, em que a misteriosa Gabrielle se despedia e confessava
que, embora platônico, Pacher foi o seu maior amor. Fatores como
distúrbios políticos e a saúde cada vez mais problemática de Sissi podem
ter contribuído para que a imperatriz encerrasse a correspondência. Pacher
ainda tentou responder, escrevendo um outro poema, mas a carta ficou na
agência central dos correios em Viena sem ser reclamada e acabou
retornando para ele.

Uma coisa curiosa a respeito dessa carta final de Sissi está no envelope: ele
traz um selo do Brasil. Não se sabe exatamente como isso aconteceu, se
algum conhecido viajara ao país e postara de lá ou se o selo apenas fora
enviado à imperatriz como um presente. Esse detalhe inusitado chamou a
atenção de Pacher, que o registraria em sua narrativa a Conte Corti.28

Foi apenas no final da vida, quando apresentou ao biógrafo de Sissi as


cartas e o leque guardados durante mais de cinquenta anos, que Friedrich
Pacher von Theinburg teve a certeza da identidade de sua correspondente.
Conte Corti foi capaz de identificar a letra e comprovou que Gabrielle era
mesmo a imperatriz. Pacher morreu em 1934, aos 87 anos.
MAYERLING

Foto de 1861 do príncipe herdeiro Rodolfo, aos 3 anos de idade, em uniforme de


coronel do 19o Regimento de Infantaria de Viena.
O nascimento do príncipe herdeiro, Rodolfo, em 1858 parecia haver
assegurado o trono dos Habsburgos por mais uma geração. O
menino mostrava uma inteligência precoce e aos 5 anos já
conseguia se expressar em quatro línguas: alemão, húngaro, tcheco e
francês. Além disso, era dono de uma imaginação viva e de uma
personalidade extrovertida e sensível.
Isso tudo, porém, não era su ciente para o que se esperava de um
herdeiro do trono austríaco. Seguindo a criação dada a Francisco José,
seu herdeiro deveria ser, sobretudo, um soldado. Mas Rodolfo não era
talhado para isso. Franzino e de saúde frágil, ele era mais interessado em
artes que em exercícios militares, sendo uma constante fonte de
preocupação para os pais. Enquanto Francisco José insistia num rigoroso
regime educacional que tornasse o menino robusto e vigoroso, Sissi
acreditava que esse tratamento poderia colocar em perigo a saúde física e
mental do lho.
O embate sobre a educação de Rodolfo foi a razão pela qual Sissi fez,
pela primeira vez, sua opinião prevalecer na corte austríaca. Livre do
controle da condessa Esterházy-Liechtenstein, o menino e sua irmã
Gisela, a quem era muito ligado, oresceram aos cuidados da sua aia,
Caroline von Welden, que acatou o novo regime imposto pela imperatriz.
A vontade de Francisco José, por sua vez, predominou quando o herdeiro
completou 6 anos e iniciou sua educação formal. Rodolfo foi então
entregue aos cuidados do preceptor, o conde Leopold von Gondrecourt,
um general condecorado que acreditava em métodos severos para
transformar o pupilo num militar.
Os métodos de Gondrecourt incluíam banhos de água gelada,
longas marchas na neve de madrugada e disparos sem aviso de tiros de
festim dentro do quarto para testar as reações do menino. Com sua saúde
delicada, Rodolfo acabou cando traumatizado com esse tratamento.
Mesmo assim, ele tinha tanto medo do pai que não ousou revelar as
crueldades de que era vítima. Nem mesmo quando o menino adoeceu a
ponto de se temer por sua morte Francisco José permitiu que o regime
imposto ao herdeiro fosse abrandado.
A ajuda só veio quando Sissi descobriu, por meio do general Joseph
Latour von urnburg, que Gondrecourt levara Rodolfo, sem
autorização, para uma reserva de caça de propriedade da família imperial
e trancara-o para fora da casa gritando que um javali selvagem ia pegá-lo.
Rodolfo teve uma crise de nervos, e a imperatriz cou furiosa. Foi nessa
ocasião que Sissi deu um ultimato ao marido: ela o abandonaria se não
tivesse controle da educação dos lhos. Gondrecourt recebeu
discretamente o comando de um corpo de exército, e o general Latour
tornou-se o novo preceptor de Rodolfo.
Com seus novos poderes, Sissi ordenou que o médico da corte
zesse uma avaliação completa da saúde do lho. Este começou a se
bene ciar da tutoria de Latour, que era rme, mas sensível. O novo tutor,
de tendências liberais, era um estranho à corte, mas contava com a
con ança da imperatriz. Ele acreditava numa educação completa para o
herdeiro, não apenas militar, e conseguiu carta branca para escolher os
professores. Em vez de padres e aristocratas, como era hábito entre os
Habsburgos, Rodolfo foi ensinado por alguns dos melhores estudiosos de
sua época. A formação intelectual do herdeiro sobrepôs-se ao
treinamento físico, reduzido a exercícios básicos, tiro e equitação.
Dentro desse regime, Rodolfo recuperou as forças e ganhou
con ança nas próprias habilidades, mas o trauma causado por seu antigo
tutor permaneceu: ele sofreria com ansiedade e terrores noturnos por
muitos anos. De criança precoce que mostrara interesse tanto pelos
sucessos das guerras da Áustria quanto pela natureza, ele tornou-se um
jovem culto e re nado, interessado em ciências, sobretudo ornitologia. O
herdeiro, de pensamento liberal, acreditava que o futuro da monarquia
não estava nos aristocratas ou na religião, mas na classe média burguesa,
que deveria participar das decisões políticas por meio de instituições
democráticas. Isso o colocou muito cedo em rota de colisão com o
absolutismo vigente na corte, particularmente encarnado na gura do
seu pai, o imperador, que achava as ideias de Rodolfo “extravagantes”.29
Aos 18 anos, quando sua educação terminou e ele foi declarado
maior de idade, Rodolfo começou a passar cada vez mais tempo com a
mãe, sobretudo em sua residência de Gödöllő, na Hungria. A pouca
atenção que Sissi dera a ele e Gisela enquanto estavam crescendo não
impediu que mãe e lho se aproximassem mais tarde. Além de
compartilharem o amor pela Hungria, os dois tinham personalidades
parecidas: gostavam da natureza, de animais, de montar e caçar. Ambos
também dividiam a paixão por viagens, embora raramente as zessem
juntos. Rodolfo escreveu vários relatos de suas aventuras pelo mundo, o
mais famoso deles sobre o Oriente Médio e o Egito. Ainda no campo
literário, ele também idealizou uma enciclopédia sobre o Império Austro-
Húngaro, editada a partir de 1883 tanto em alemão quanto em húngaro e
com a qual ele colaborou com textos e pesquisas.
Em 1878, alguns dias antes de completar 20 anos, Rodolfo mudou-
se para Praga, na Boêmia, iniciando sua carreira militar na ativa a serviço
do 36o Regimento de Infantaria. Há rumores de que durante esse período
ele teria se apaixonado por uma jovem de origem judaica e tido um caso
com ela. O relacionamento não durou muito, a polícia teria afastado os
amantes, e a moça faleceu pouco depois, sendo enterrada no cemitério
judaico da cidade. Rodolfo teria visitado várias vezes o túmulo da amada,
sempre deixando ores. Esse não seria, porém, o único romance do
herdeiro do trono. Atraente como a mãe, ele teria tido uma longa
sucessão de amantes desde os 16 anos, de aristocratas a moças de classes
menos elevadas.
Antes que os amores clandestinos de Rodolfo se transformassem
num escândalo, tornou-se urgente a busca por uma esposa conveniente
para o futuro imperador. Ele chegou a visitar a Espanha e a Saxônia para
se encontrar com princesas consideradas adequadas, mas não tinha
pressa em se comprometer. Finalmente, em 1880, Francisco José iniciou
contato com o rei Leopoldo II da Bélgica para que Rodolfo conhecesse a
lha mais nova dele, Estefânia. A jovem loira de 15 anos agradou ao
príncipe, que, dois dias depois de sua chegada à Bélgica, telegrafou aos
pais anunciando o noivado.
Noivado da princesa Estefânia com o arquiduque Rodolfo
no castelo de Laeken em 7 de março de 1880. Revista O
Mundo Ilustrado, xilogravura de Hippolyte Dutheil.

Sissi, que estava caçando na Irlanda, não cou feliz com a escolha,
uma vez que sua relação turbulenta com a cunhada Carlota havia gerado
uma profunda antipatia dela pela família real belga. No entanto, a
imperatriz fez um desvio durante sua viagem de volta a Viena para
cumprimentar pessoalmente os noivos em Bruxelas. A visita durou
apenas quatro horas, mas a atenção da mãe foi su ciente para que
Rodolfo se convencesse de que havia tomado a decisão certa. Sissi, no
entanto, não tinha tanta segurança quanto à escolha do lho.
O casamento foi realizado em Viena em 10 de maio de 1881, diante
de convidados que incluíam os príncipes herdeiros da Inglaterra e da
Alemanha. Rodolfo e Estefânia passaram a lua de mel no palácio de
Laxenburg, numa convivência embaraçosa: os dois tinham pouco em
comum e quase não encontravam assunto para conversar. Ele se
interessava por política e ciências e tinha amplas ideias para o futuro da
dinastia, enquanto ela, criada numa corte muito conservadora, tinha
interesses intelectuais limitados, restringindo-se a pouco além de moda e
religião.
Isso mudou quando o jovem casal foi para Praga, onde Rodolfo
ainda estava servindo no regimento ali estacionado. Estefânia começou a
mostrar interesse pelos deveres militares do marido e frequentemente o
acompanhava não só em visitas o ciais, mas também em caçadas e
cavalgadas. A companhia da esposa, a quem logo se declararia
apaixonado, deu à vida dele uma certa ordem e ajudou-o a organizar os
pensamentos, colocando no papel suas críticas à situação política
austríaca e suas ideias para modernizar o país. Nesse memorial, ele
descreveu o pai como uma criatura solitária, sem amigos, cuja falta de
interlocutores o desconectava da realidade de seu tempo, e a mãe como
alguém que poderia contrabalançar a tendência conservadora do
imperador caso não dedicasse todo o seu tempo aos esportes e ao lazer.
Suas tentativas de obter o reconhecimento do pai, no entanto, foram
frustradas, pois Francisco José o manteve sistematicamente afastado de
qualquer poder de decisão.
O príncipe herdeiro Rodolfo e a
princesa Estefânia em 1881.

O anúncio de que Estefânia estava grávida completou essa felicidade


doméstica. O posto de Rodolfo foi então mudado para a Áustria, perto de
Viena, mas o casal não perdeu o amor pela Boêmia, onde haviam
passado os primeiros meses juntos: eles zeram planos de dar ao bebê, se
fosse menino, o nome de Venceslau, em honra do padroeiro da região.
Isso, porém, não ocorreu. Em 2 de setembro de 1883, nasceu em
Laxenburg a única lha deles. A menina, que recebeu o mesmo nome de
sua avó e madrinha, a imperatriz Elisabete, seria chamada em família
pelo diminutivo em húngaro, Erzsi.
Entretanto, o casamento, que tivera um primeiro ano tão auspicioso,
começou a ruir assim que eles passaram a viver perto da corte. Embora as
cartas de Rodolfo para a esposa e a lha permanecessem afetuosas, o
casal começou a ter cada vez mais discussões. A educação conservadora
de Estefânia e sua devoção aos rituais da corte não se conciliavam com a
visão liberal do marido, e, para piorar, ele continuava colecionando
amantes. Por causa de uma delas, Rodolfo acabou contraindo uma
doença sexualmente transmissível, que passou à esposa. Isso, por sua vez,
fez com que ela casse estéril, acabando com a possibilidade de que
dessem um novo herdeiro ao trono.
Com o tempo, a saúde de Rodolfo deteriorou-se. Às enxaquecas,
que tinha desde criança, somaram-se preocupantes ataques de bronquite
associados a dores reumáticas. Como parte do tratamento, ele começou a
tomar mor na e logo se tornou dependente da droga. Além disso,
começou a beber demais, frequentando lugares de reputação duvidosa, e
seu comportamento foi se tornando cada vez mais volátil. Rumores
indicam que ele cou cada vez mais obcecado com a ideia de morrer
jovem e teria chegado a propor um pacto suicida a uma de suas amantes,
que denunciou isso à polícia, mas não foi levada a sério.
Foi nesse período, em 1888, que Rodolfo conheceu Maria Vetsera,
uma jovem de 17 anos da baixa aristocracia. A mãe dela, Helena, de uma
família nobre da Grécia, havia se casado com um diplomata austríaco
muito mais velho e era conhecida na corte vienense por sua ambição de
ascender socialmente. Havia rumores de que teria até mesmo sido
amante de Francisco José por um breve período. Tanto Maria quanto sua
irmã, Ana, foram educadas para se casar com homens de status superior,
e Helena costumava organizar festas suntuosas para que as jovens
conhecessem os solteiros mais cobiçados da capital do império.
Maria Vetsera em 1887.
Maria, a mais bonita das duas, com grandes olhos azuis e um corpo
bem-feito, aparentava mais que sua idade e tinha um bom número de
pretendentes, entre eles o duque Miguel Januário de Bragança, único
lho homem de d. Miguel, lho do rei de Portugal d. João VI e irmão do
imperador d. Pedro I do Brasil. No entanto, ela mantinha o espírito
juvenil, cheio de sonhos românticos. Esses sonhos eram povoados pelo
arquiduque Rodolfo, a quem costumava avistar durante seus passeios no
parque e que lhe parecia um príncipe de contos de fadas. Mas era
improvável que ela conseguisse sequer ser apresentada ao objeto de sua
admiração, até que a jovem fez amizade com uma prima de Rodolfo, a
condessa Marie Larisch.
Marie era lha do irmão mais velho de Sissi, que tinha renunciado a
seus direitos para se casar com a mãe da criança, uma simples atriz feita
baronesa depois do casamento. Sissi havia se tornado protetora da
sobrinha, que passou a ser uma de suas companheiras mais frequentes,
sobretudo por sua habilidade com os cavalos. Mas a imperatriz cou
chocada com o comportamento de Marie quando percebeu que ela
ertava abertamente com Rodolfo e outros companheiros de cavalgada.
Assim, para evitar um escândalo, tratou de arranjar um casamento para a
jovem com o conde George Larisch von Moennich.
Por intermédio da condessa Larisch, Maria Vetsera foi, nalmente,
apresentada a Rodolfo num encontro informal no parque. Algumas
semanas mais tarde, em 5 de novembro de 1888, a condessa buscou a
jovem em casa, com o pretexto de acompanhá-la às compras. Ambas,
porém, foram tirar fotogra as, e em seguida a carruagem levou-as a uma
entrada lateral do palácio, onde as duas se encontraram com Rodolfo.
Maria escreveu para uma amiga que, ao car sozinha, vira sobre a
escrivaninha do príncipe uma arma e uma caveira. Ao voltar, Rodolfo
encontrara-a examinando os objetos e sorrira quando ela disse que não
tinha medo. Pouco depois, os dois se tornaram amantes.
Condessa Larisch e Maria Vetsera. Foto que tiraram juntas
em 5 de novembro de 1888 em Viena.

O momento não era o melhor para Rodolfo. Fazia alguns anos que
suas ideias liberais o levaram a se arriscar no jornalismo, escrevendo sob
diversos pseudônimos. Pouco antes de seu encontro com Vetsera, ele
havia sido associado a um novo jornal hostil aos pró-germânicos do
império e ao próprio imperador da Alemanha, Guilherme II. Seguiu-se
uma série de ataques contra o príncipe herdeiro, quase todos
antissemitas, ao denunciar a ligação de Rodolfo com empresários e
banqueiros judeus. A saúde do arquiduque também sofreu um novo
golpe com uma queda de cavalo em 19 de novembro. Estefânia chegou a
procurar o sogro implorando que o marido fosse enviado para fora de
Viena para se tratar, mas Francisco José considerou que o alarme da nora
não tinha fundamento.
Naquele ano, as festas de Natal, e também o aniversário de Sissi,
foram marcados pelo noivado entre a arquiduquesa Maria Valéria e o
arquiduque Francisco Salvador, do ramo toscano dos Habsburgos. Havia
o receio de que o casamento da irmã desagradasse a Rodolfo, mas ele
reagiu de maneira sentimental ao saber da notícia, abraçando-a com um
carinho pouco comum para ele. Uma outra cena emotiva ocorreu na
véspera de Natal, quando o lho abraçou Sissi e chorou por um longo
tempo. Ele também preparou um presente especial para ela: onze cartas
escritas pelo poeta Heine, o favorito da mãe, que ele mandara localizar e
comprar em Paris, gastando um valor exorbitante.
Enquanto janeiro começava calmo para a família imperial, com
Francisco José indo caçar com Rodolfo e Sissi viajando com Maria
Valéria para a Baviera, o caos instalou-se na casa dos Vetsera. Uma criada
denunciara à baronesa Helena as escapadas de Maria. A mãe mandou
arrombar a porta do quarto da lha e encontrou alguns presentes de
Rodolfo para ela, como uma cigarreira de aço com fecho de sa ras. Ao
ser confrontada, a jovem protestou inocência, e a própria baronesa
acabou considerando que um objeto de metal não precioso não poderia
ser um presente tão comprometedor assim.
Essa ilusão da mãe desfez-se em 27 de janeiro, durante uma
recepção em homenagem ao aniversário de Guilherme II da Alemanha.
Maria, diante da família e da corte, não fez questão nenhuma de disfarçar
seu interesse pelo amante, chegando, de acordo com algumas pessoas, a
tratar Estefânia com insolência. Para evitar um escândalo maior, a mãe e
a irmã da jovem arrastaram-na de volta para casa no meio do evento,
gritando com ela e esbofeteando-a.
Rodolfo e Francisco José também estavam vivendo uma crise.
Naquela manhã, os dois foram ouvidos discutindo violentamente, e o
príncipe herdeiro saiu furioso do Hourg. As ideias políticas de Rodolfo
podem ter ocasionado o embate, mas acredita-se que havia uma causa
mais grave. Pouco tempo antes, ele teria enviado ao papa Leão XIII um
pedido de anulação de seu casamento. Não só o pedido não teria sido
concedido como o papa também teria mandado informar Francisco José.
O imperador vinha sendo tolerante com o que considerava
excentricidades do lho, mas essa atitude cruzava uma linha inaceitável, e
ele teria exigido de Rodolfo que abandonasse Maria e voltasse para sua
família.
O príncipe herdeiro Rodolfo em 1888.

Na segunda-feira, 29 de janeiro, Rodolfo deixou Viena rumo a sua


propriedade de Mayerling, a cerca de 35 quilômetros da capital. O local,
que antigamente era parte de uma abadia cisterciense, fora adquirido por
ele em 1887 e transformado num pavilhão de caça. A região, repleta de
orestas, há muito tempo era uma de suas favoritas, e Rodolfo costumava
se retirar para lá de tempos em tempos para re etir.
Horas depois, a condessa Larisch procurou a polícia para informar
sobre o desaparecimento de Maria Vetsera, que se afastara dela em frente
a uma loja e entrara numa carruagem desconhecida. No dia seguinte à
recepção, Rodolfo procurara a condessa pedindo que levasse Maria ao
Hourg. Pouco mais tarde, a própria jovem, transtornada, viera visitá-la,
reclamando dos maus-tratos que sofrera em casa e ameaçando atirar-se
no rio Danúbio. Larisch reconduziu-a para casa prometendo levá-la para
passear no dia seguinte. Foi nesse passeio que Maria desapareceu.
Rodolfo era esperado naquela noite para um jantar em família, mas
não apareceu, o que preocupou Francisco José. O príncipe, porém,
mandou um telegrama de Mayerling desculpando-se, dizendo que estava
resfriado, o que foi con rmado pelo príncipe Filipe de Saxe-Coburgo-
Gotha, um cunhado de Estefânia, que estivera com ele. Filipe e um outro
amigo, o conde Joseph Hoyos, haviam combinado de caçar com Rodolfo,
mas este decidira não ir com eles e tomara as refeições nos seus
aposentos. Mais tarde, ambos a rmariam que nunca descon aram da
presença de uma mulher na propriedade.
Às 7 horas da manhã do dia seguinte, 30 de janeiro, o camareiro de
Rodolfo bateu em seu quarto e não recebeu resposta. Alarmado, foi pedir
a ajuda do príncipe Filipe e do conde Hoyos, e os três juntos arrombaram
a porta. O que encontraram dentro do quarto horrorizou-os. Rodolfo
jazia na ponta da cama, em mangas de camisa, sentado e caído para a
frente, com um lete de sangue saindo da boca. Só depois notaram
embaixo dos lençóis um outro corpo: o de Maria Vetsera, nu e já rígido,
com o rosto des gurado do lado esquerdo por um tiro.
Inicialmente, ao ver um copo perto de Rodolfo e o sangue em sua
boca, os presentes pensaram que ele havia tomado veneno. Enquanto
Hoyos partia para Viena com a difícil missão de informar a família sobre
a morte do arquiduque, o príncipe Filipe tomou para si os arranjos da
situação, desde reunir os criados e fazê-los jurar segredo até chamar o
médico da corte para examinar os corpos. Foi só quando o médico
chegou que o revólver, que caíra das mãos de Rodolfo, foi encontrado.
Assim concluíram que ele atirara em Maria e depois em si mesmo,
usando um espelho para garantir que o tiro fosse preciso. Uma análise
dos papéis no quarto também revelou cartas de despedida de ambos para
amigos e parentes. A mais longa das mensagens de Rodolfo estava
direcionada a sua mãe. Em nenhuma delas ele dava uma razão para seu
suicídio.
Enquanto isso, Hoyos chegou ao Hourg e contou tudo que
ocorrera ao ajudante de ordens do imperador. Os dois decidiram que a
notícia era delicada demais e que deveria ser a imperatriz a contá-la. Sissi
estava numa aula de grego moderno quando foi interrompida. Hoyos,
que deixara Mayerling antes da chegada do médico, disse a ela que Maria
dera veneno a Rodolfo e depois se matara. Apesar do choque, Sissi
recuperou a compostura e reuniu suas forças para contar tudo ao marido.
Francisco José sempre procurara evitar que a esposa sofresse grandes
abalos emocionais, mas nessa ocasião ele teve muito mais di culdade de
absorver a notícia do que ela.
Foi a imperatriz também quem deu a notícia a Estefânia, a viúva de
Rodolfo, e à baronesa Helena Vetsera, que fora ao palácio desesperada
atrás da lha. Sissi exigiu dela que mantivesse o mais absoluto segredo
sobre a presença de Maria e que saísse de Viena o mais rápido possível.
Para todos os efeitos, Rodolfo morrera sozinho de um ataque cardíaco,
conforme a versão que seria contada à imprensa.
Um tio materno de Maria Vetsera, Alexandre Baltazzi, foi chamado
até Mayerling para cuidar do corpo da sobrinha. Ela foi penteada e
vestida cuidadosamente, e seu ferimento foi disfarçado por um chapéu
com véu. Depois, seu corpo foi carregado para dentro de uma carruagem
e transportado como se ainda estivesse viva até o cemitério da abadia
cisterciense próxima, onde foi enterrada em segredo. Somente após
alguns anos a baronesa Vetsera conseguiu permissão para colocar uma
lápide sobre o túmulo da lha.
Rodolfo havia pedido em sua carta de despedida para ser enterrado
junto de Maria no cemitério local, mas a dignidade imperial impediu que
seu desejo fosse atendido. Uma declaração médica de que o herdeiro
havia morrido em estado de confusão mental foi o que permitiu que ele
não fosse considerado suicida e por isso pudesse ser sepultado com toda
a cerimônia da Igreja católica. Rodolfo foi depositado na cripta imperial
na igreja dos Capuchinhos, em Viena, junto aos demais Habsburgos. Em
seu testamento, fez do pai seu executor, deixando a ele a guarda da lha,
Erzsi, e legando a ela todos os seus bens.

Gravura representando Francisco José, Sissi e a princesa Estefânia diante do corpo de Rodolfo.

O segredo imposto pelo casal imperial em torno da morte do lho


acabou tornando obscuro o que realmente aconteceu naquela noite e
gerando a sensação de que algo fora acobertado. Mesmo com as
promessas de segredo e a destruição de muitos documentos, partes da
verdade aos poucos começaram a aparecer. Rumores de que Rodolfo
cometera suicídio surgiram pouco tempo após o funeral, e ao longo dos
anos muitas teorias foram levantadas. Uma das mais fantásticas é que ele
e Maria teriam decidido se matar ao descobrirem que eram irmãos, pois
ela seria na verdade lha ilegítima de Francisco José. Outras têm mais
credibilidade, como a de que o herdeiro fora vítima de um marido
enciumado ou assassinado por motivos políticos, sendo Maria apenas um
dano colateral. A última imperatriz da Áustria, Zita, defenderia por toda
a vida que Rodolfo se recusara a participar de uma conspiração,
envolvendo a França e nacionalistas húngaros, para depor Francisco José
e por isso fora morto.
O OCASO DA IMPERATRIZ

Última foto de Sissi e Francisco


José juntos, tirada em 1898
em Bad Kissingen, uma estação
de águas na Alemanha.
A morte do príncipe herdeiro atingiu duramente Francisco José e
Sissi. O casal nem mesmo suportava permanecer em Viena, e
alguns dias depois do funeral de Rodolfo partiu para uma
temporada na Hungria. Enquanto o imperador, atordoado e emotivo,
enterrava sua dor mergulhando no trabalho, toda a calma aparente da
imperatriz nos primeiros momentos desmoronou. Tomou seu lugar um
luto profundo, alimentado pela crença de que trouxera o gene da loucura
de sua família para o lho. Algum consolo veio de tentativas de contatar
o espírito dele por meio de sessões espiritualistas. Apesar disso, Sissi
nunca se recuperou da morte de Rodolfo. Ela passou a se vestir sempre
de preto ou cinza e doou quase todas as suas joias para as lhas e a neta.
Para piorar, no início de 1890, duas outras perdas adicionaram-se ao
luto de Sissi. Em fevereiro, Gyula Andrássy faleceu em Budapeste. A
imperatriz viajou para visitar a viúva dele, mas em seguida teve de correr
para a Baviera, para a cabeceira de sua irmã Helena, que acabou
falecendo em maio. Perder duas das pessoas com quem mais podia
contar piorou ainda mais a depressão de Sissi, que buscou refúgio nas
viagens.
Já fazia vários anos que Sissi passava períodos cada vez maiores em
suas andanças pela Europa. Depois da morte da arquiduquesa-mãe So a,
em 1872, ela se sentira mais livre para seguir os próprios desejos. Mas foi
quando faleceu o ex-imperador Fernando, tio de Francisco José, em 1875,
que a liberdade se tornou mais completa. Fernando não tinha lhos e
deixou todos os seus bens, no valor de diversos milhões de orins, para o
sobrinho. A primeira medida do imperador em relação a essa nova
fortuna foi triplicar o estipêndio anual da esposa, além de presenteá-la
com a soma de 2 milhões de orins. Pela primeira vez, Sissi não dependia
mais do dinheiro do marido para fazer o que quisesse. Ela aumentou
ainda mais esse patrimônio investindo em ações e fundos, além de abrir
uma conta na Suíça com a casa bancária Rotschild.
Nos anos anteriores à morte de Rodolfo, o amor de Sissi pela Grécia,
e em particular por Corfu, reavivara-se. Os moradores locais exultavam a
cada vez que a imperatriz passava uma temporada lá, pois isso signi cava
que a curiosidade internacional traria outros visitantes. As autoridades de
Corfu chegaram a reconstruir estradas inteiras para a conveniência dela.
Finalmente, em 1888, com o noivado de Maria Valéria, Sissi tinha
começado a pensar em se retirar para a ilha e decidira construir seu
próprio palácio ali.
O local escolhido, conhecido como Villa Braila, onde ela já havia se
hospedado, cava a dez quilômetros da cidade de Corfu, no vilarejo de
Gastouri. Embora a casa fosse modesta, estava localizada num terreno de
200 mil metros quadrados, sobre uma colina e à vista do mar. Em 1890,
Sissi mandou demolir a edi cação e encomendou ao arquiteto italiano
Raffaele Caritto um palácio inspirado na mitologia grega que deveria
lembrar uma residência fenícia da Antiguidade. Ela nomeou o novo
edifício como Villa Achilleion, em homenagem a Aquiles, o herói da
Ilíada. Não houve economias na construção, e todas as fantasias de Sissi
ganharam forma. A construção de mármore branco, cheia de colunas,
tem 128 cômodos e é cercada de parques em terraços e plantações de
oliveira que se estendem até a costa. A peça central do jardim é uma
estátua de Aquiles moribundo, do escultor alemão Ernst Herter, um
especialista em guras mitológicas, que criou diversas outras peças para a
propriedade, sempre dentro da temática da guerra de Troia. Sissi também
ordenou a construção de um pequeno templo com a estátua de Heinrich
Heine, seu poeta favorito. Os móveis do palácio tinham detalhes em
prata e mar m, e até mesmo luz elétrica a imperatriz mandou instalar na
vila.
Apesar da magnitude da obra, a Villa Achilleion cou pronta em
menos de dois anos, e Sissi começou a passar longas temporadas no local.
Mas não demorou muito para que perdesse o interesse no palácio. Em
1896, ela fez sua última visita a Corfu e depois disso mandou transferir a
maior parte das peças da Villa para Viena, chegando mesmo a considerar
se desfazer dela. O palácio acabaria herdado por sua lha Gisela e mais
tarde seria vendido para o kaiser Guilherme II da Alemanha, que fez
várias melhorias e passou quase todos os verões ali até o início da
Primeira Guerra Mundial. Mais tarde, a Villa Achilleion foi transferida
para o Estado grego e teve várias funções, chegando a ser arrendada para
um cassino.

Vista do pátio da Villa Achilleion em


2010. Fotógrafo: Piotrus.

Após a morte do lho, com ambas as lhas casadas, Sissi sentia-se


sozinha, idosa e doente, e suas longas jornadas tornaram-se a regra. Ela
passava todo o tempo que podia longe da Áustria e, nas poucas semanas
por ano em que retornava, mantinha-se com a família em completo
isolamento, sem participar de funções públicas ou atividades sociais.
Essas peregrinações da imperatriz, porém, trouxeram a ela uma
outra preocupação. Francisco José costumava se organizar para se juntar
à esposa em algum lugar fora do país ao menos uma vez por ano, mas na
maior parte do tempo eles cavam separados e mantinham o
relacionamento apenas por cartas. Sissi começou a sentir remorso ao
perceber que, como ela estava constantemente longe, o marido se sentia
muito sozinho. Devido à falta de intimidade física com a esposa, ele teve
várias amantes ao longo do casamento, mas encontrava nelas apenas
satisfação para o corpo, não para a mente. Sissi então resolveu intervir e
encontrar para ele uma pessoa que também pudesse ser uma
companheira e con dente durante suas ausências.
Essa busca teve m quando Sissi reparou numa jovem atriz
chamada Katharina Schratt. Nascida em 1853, ela começou a atuar aos 17
anos e chegou a se apresentar até nos Estados Unidos. Francisco José
admirava sua presença no palco, mas foi só por volta de 1883 que os dois
se encontraram pela primeira vez. Em fevereiro de 1885, Sissi percebeu a
a nidade do imperador e da atriz ao vê-los conversando longamente
durante uma festa e decidiu encorajar esse relacionamento. Katharina e
sua companhia de teatro foram chamados para se apresentar no
aniversário de Francisco José e novamente alguns dias depois para
entreter o czar da Rússia, Alexandre III, durante uma conferência
diplomática.
Pensando em seu adorado poeta Heine, que mantivera uma amizade
platônica com uma jovem durante seus últimos anos de vida, Sissi
resolveu dar um incentivo aos dois. Em maio de 1886, ela encomendou
um retrato de Katharina a um de seus pintores favoritos. Enquanto a atriz
estava posando, Sissi chegou para ver o progresso da pintura, trazendo
com ela Francisco José. A imperatriz pediu para o pintor mostrar-lhe
suas outras obras, deixando o marido conversando com Katharina. Dois
dias depois, ele mandou a ela a primeira das inúmeras cartas que
trocariam, e no verão ambos já estavam marcando de se encontrar em
suas residências de veraneio, onde passaram muitas horas juntos.
Não é certo que Francisco José e Katharina tenham se tornado
amantes, mas eles compartilharam de uma amizade íntima que durou até
a morte dele. O imperador via nela muitas das qualidades que amava em
Sissi, sem as complicações da esposa. Katharina era bem-humorada,
divertida e inteligente, muito diferente de suas companhias anteriores,
com quem ele achava difícil manter um diálogo. Até mesmo na ocasião
da morte de Rodolfo, Sissi mandou chamar Katharina e deixou-a
consolando Francisco José enquanto tomava as providências necessárias.
As duas mulheres relacionavam-se bem, escreviam e visitavam uma à
outra, e Sissi frequentemente mandava presentes a ela de suas viagens.
A atriz Katharina Schratt em 1893.

A felicidade doméstica que encontrava ao lado de sua amiga íntima


deu ao imperador a estabilidade de que precisava para lidar com as
questões políticas. Mas ele evitou lidar diretamente com uma questão
espinhosa: a sua própria sucessão. O falecimento do único lho homem
tinha deixado Francisco José sem um herdeiro direto; embora tivesse
dois irmãos mais novos ainda vivos, ele não con ava na capacidade de
nenhum deles. O próximo na linha de sucessão ao trono era o
arquiduque Carlos Luís, que não demonstrava o menor interesse por
política. Ele era mais conhecido pela devoção religiosa e como patrono
das artes e das ciências que por sua ambição, e ninguém acreditava que
fosse algum dia de fato assumir o trono. Já o irmão mais novo, Luís Vítor,
era visto como alguém totalmente inadequado. Sua homossexualidade
tornara-se um escândalo quando ele fora surpreendido fazendo sexo com
um rapaz menor de idade no Banho Central de Viena, e em consequência
Francisco José banira-o para Salzburgo.
Pouco depois da morte de Rodolfo, os jornais já especulavam que
Carlos renunciaria a seu direito de sucessão em favor do lho mais velho,
Francisco Ferdinando. Francisco José também nunca mostrou muito
entusiasmo por esse sobrinho. Se faltavam energia e interesse a Carlos,
Francisco Ferdinando tinha ambas as coisas em excesso: ele era
irrequieto, indisciplinado e ambicioso. Além disso, tinha a saúde frágil e
provavelmente sofria de tuberculose, o que não prenunciava muitos anos
à frente do império. O imperador preferia o segundo lho do irmão, Oto,
mas evitou nomear o cialmente qualquer parente como herdeiro ou
mesmo dar uma demonstração clara de quem desejava que o sucedesse.
Mesmo sem uma de nição o cial, Francisco Ferdinando começou a
realizar algumas das obrigações imperiais que antes cabiam a Rodolfo
poucas semanas depois da morte deste. Ele representou a coroa austríaca
em celebrações o ciais, acompanhou o tio numa visita de Estado a
Berlim e até substituiu o primo numa viagem à Rússia que o herdeiro
vinha planejando. Carlos mantinha-se a maior parte do tempo longe da
corte, e ainda não se sabia se sucederia ou não o irmão quando caiu
doente durante uma viagem à Terra Santa, em 1896, e acabou falecendo.
A partir de então, Francisco Ferdinando tornou-se o herdeiro aparente
para todos os efeitos.
De acordo com a etiqueta, a morte do arquiduque Carlos obrigou
sua esposa, a arquiduquesa Maria Teresa, a se retirar da corte. Ela era
uma das lhas do infante d. Miguel de Portugal, portanto neta de d. João
VI, e irmã de Miguel Januário, que havia cortejado Maria Vetsera. Maria
Teresa havia se tornado a terceira esposa de Carlos em 1873 e, além de ter
duas lhas com ele, educara como seus os lhos do casamento anterior
do marido, incluindo Francisco Ferdinando, que era muito apegado à
madrasta. Essa posição tornou-a particularmente in uente na corte de
Viena.
Astuta, diplomática e de vontade forte, ela era mais respeitada e
querida que o marido. Desse modo, durante as longas ausências de Sissi,
Maria Teresa começou a assumir parte do papel dela como an triã,
acompanhando Francisco José em eventos o ciais e na recepção a
dignitários estrangeiros. Como viúva, porém, ela não poderia mais
realizar esses encargos. Mesmo assim, manteve-se in uente na corte,
especialmente por sua proximidade com os enteados, que estavam na
linha direta de sucessão do trono, e sua palavra continuaria tendo peso.
Com Francisco José nessas boas companhias, Sissi estava livre para
suas andanças, que a levavam de Portugal até o Egito. Tornou-se uma
espécie de mito a gura da imperatriz andarilha que nunca parava por
muito tempo num lugar, que estava sempre coberta de luto, escondendo
o rosto sob o leque, sem se deixar fotografar. Para ela, as viagens eram a
fuga de uma vida que a oprimira e, agora, dos lutos que acumulava. Sua
mãe, Ludovica, faleceu em 1892, quatro anos depois do marido; a perda
dos pais privou Sissi de um dos seus últimos portos seguros. O irmão
mais novo da imperatriz, Maximiliano, morreu no ano seguinte, com
apenas 43 anos.
A maior tragédia, no entanto, ocorreu em 4 de maio de 1897. Um
incêndio atingiu um grande bazar de caridade das freiras dominicanas
em Paris, matando pelo menos 130 pessoas, entre elas So a, uma das
irmãs de Sissi. So a, casada com o duque de Alençon, um príncipe
francês, era membro da Ordem Terceira e uma das organizadoras do
evento. Quando o fogo começou, ela se preocupou em salvar o maior
número de pessoas possível e acabou engolfada pelas chamas. Seus restos
mortais só puderam ser reconhecidos pela arcada dentária.

Arquiduquesa Maria Teresa, cunhada


de Francisco José, em 1905.
Antes de se casar com o duque de Alençon, So a havia sido noiva
do primo, o rei Luís II da Baviera, de quem Sissi fora muito próxima.
Porém o casamento foi sendo adiado devido aos primeiros sintomas da
doença mental de Luís, até ser de nitivamente cancelado tempos depois.
O rei acabou sendo considerado insano em 1886 e deposto; após três
dias, foi encontrado morto no lago de Starnberg, não muito longe de
Possenhofen, onde as duas irmãs cresceram. Sissi mais tarde contou a
várias pessoas que na mesma noite sonhara com o fantasma de Luís e que
ele teria previsto mortes trágicas tanto para So a quanto para ela mesma
antes que eles fossem “felizes juntos no Paraíso”.30
A profecia viria a se cumprir com a morte da duquesa de Alençon e,
menos de um ano e meio mais tarde, com o assassinato da própria Sissi.
Como não poderia deixar de ser, a morte não a encontrou perto de casa,
mas em trânsito, no meio de uma viagem, a caminho de um barco, indo
de um lugar para outro, em busca da paz que nunca conseguiu alcançar.
O m de sua jornada deu-se a 10 de setembro de 1898, pelas mãos do
anarquista Luigi Lucheni, na Suíça, mesmo país onde havia se iniciado a
história dos Habsburgos.
Lucheni nasceu em Paris em 22 de abril de 1873, lho de uma
italiana, que o abandonou no hospital logo depois do parto. Ele cresceu
em orfanatos e serviu no exército italiano antes de se transferir para a
Suíça para trabalhar na construção civil. Foi aí que entrou em contato
com grupos anarquistas, defensores de uma ideia conhecida como
propaganda pelo ato. Para esses revolucionários, era necessária uma ação
de grande visibilidade que se tornasse referência para outras semelhantes
e assim gerasse um movimento que levaria à igualdade social. O grupo
do qual fazia parte decidiu que eles precisavam assassinar um membro da
aristocracia para servir de exemplo e colocar as engrenagens da revolução
em movimento.
Mais tarde, Lucheni a rmaria que não tinha a intenção de atacar a
imperatriz da Áustria especi camente: qualquer pessoa da realeza
serviria. Ele pensava em assassinar o rei da Itália, mas não tinha dinheiro
para a viagem, por isso foi para Genebra, onde esperava matar o príncipe
Henrique de Orléans, presumido herdeiro do trono da França. Ao chegar
lá, porém, descobriu que seu alvo falecera no ano anterior. Foi então que
um conhecido informou a Lucheni sobre a presença de Sissi na cidade. A
imperatriz viajava incógnita, com apenas uma dama de companhia, a
condessa Irma Sztáray, mas sua chegada acabou noticiada num jornal
local, que informava o nome do hotel onde ela se hospedaria.
Sem dinheiro para comprar um revólver ou mesmo um canivete,
Lucheni arranjou uma lima de marceneiro e amolou-a em formato
triangular até que estivesse na e a ada como um estilete. No dia
seguinte, foi até perto do hotel e cou de tocaia até vê-las saírem e se
encaminharem para o cais, onde tomariam um barco. Antes que elas
conseguissem embarcar, Lucheni correu em direção às duas damas, que,
ao notarem aquele homem se aproximando, se afastaram para deixá-lo
passar. Isso obrigou o anarquista a tropeçar para a frente e assim
conseguir apunhalar o peito de Sissi. A condessa Sztáray achou que ele
tivesse atingido a imperatriz com um soco e não se preocupou enquanto
o jovem se afastava, acreditando que tudo aquilo não tivesse passado de
uma tentativa de furto malsucedida. O porteiro do hotel, que viu a cena,
correu atrás de Lucheni e, com a ajuda das pessoas que estavam andando
pela rua, capturou o anarquista.
Interrogado pela polícia, o rapaz confessou com orgulho o
assassinato, a rmando que agira sozinho e que escolhera o alvo
simplesmente por pertencer à monarquia, repetindo que “apenas os que
trabalham têm o direito de comer”.31 Declarou que se sacri cava pela
causa e pediu para ser condenado à morte. Seu desejo, no entanto, não foi
atendido. Em vez de se tornar um mártir, morto por suas ideias, Lucheni
foi condenado pela justiça suíça à prisão perpétua em solitária. Anos
depois, em 19 de outubro de 1910, foi encontrado enforcado em sua cela.
Sua morte permanece envolta em mistério: embora as autoridades
a rmem que ele se suicidou, há teorias de que teria sido assassinado. Sua
cabeça preservada em formol foi enviada à Áustria, onde cou exposta
no Instituto Médico Forense de Viena até 1985, quando foi retirada de
exposição e posteriormente enterrada, em 2000.
O assassinato de Sissi acabou levando 21 países a se reunirem numa
conferência para discutir a defesa contra ações como essa. Os governos
presentes estabeleceram um sistema de troca de informações e vigilância
contra o anarquismo, de nido por eles como “qualquer ato que use meios
violentos para destruir a organização da sociedade”.32
Primeira representação grá ca do assassinato de Sissi,
estampada no Le Petit Journal de 25 de setembro de 1898.
O HERDEIRO
REBELDE

Francisco Ferdinando e So a
Chotek, foto de circa 1900.
E m 9 de setembro, um dia antes da morte da esposa, Francisco José
voltara a Viena, depois de uma viagem a Bad Ischl e à Hungria, e
recebera notícias animadoras de Sissi. Ela havia escrito fazia alguns
dias para sua lha Maria Valéria falando sobre as melhoras em sua saúde
durante a estada na Suíça. Porém, às 16h30 o ajudante de ordens do
imperador entrou em seu escritório com um telegrama. Francisco José
imediatamente presumiu que a esposa tivera uma recaída, mas a
mensagem dizia que ela desmaiara após ter sido ferida. Alguns minutos
depois, um novo telegrama chegou, anunciando sua morte. O choque
desmoronou as defesas de Francisco José, que exclamou angustiado:
“Então não vou ser poupado de nada neste mundo!”. E em seguida
murmurou para si mesmo: “Ninguém faz ideia do amor que tivemos um
pelo outro”.33 Para sua lha Maria Valéria, ele diria algo semelhante:
“Você não sabe quanto eu amei essa mulher”.34
As autoridades na Suíça inquiriram das autoridades austríacas se
deveriam realizar uma autópsia, e Francisco José determinou que a lei
local deveria ser seguida. O exame revelou que Sissi fora atingida na
altura da quarta costela, quatro centímetros acima do mamilo esquerdo.
A lima havia atravessado o coração e atingido o pulmão. O ferimento
tinha apenas 2,5 milímetros de largura, e o sangramento foi contido pelo
espartilho apertado; quando as roupas foram afrouxadas, isso causou
hemorragia interna. O exame também mediu a altura da imperatriz e
notou que ela tinha bons dentes. Entre os pertences encontrados com ela,
estavam a aliança de casamento, que ela usava presa numa corrente de
ouro sob o vestido, e um medalhão contendo uma mecha dos cabelos de
Rodolfo.
Depois da autópsia, o corpo da imperatriz foi embalsamado, os
cabelos, arrumados do jeito habitual, e Sissi foi colocada num caixão para
a viagem de volta a Viena, aonde chegou em 15 de setembro. Ela havia
expressado o desejo de ser enterrada junto ao mar, mas, como ocorreu
com Rodolfo, isso também não foi respeitado. Em obediência ao
protocolo, o corpo da imperatriz foi depositado na cripta imperial, junto
aos outros Habsburgos.
Antiga gravura mostrando Francisco José
chorando pela morte da esposa, circa 1900.

Ondas de simpatia varreram o império por mais esse golpe sofrido


por Francisco José, que estava com 68 anos de idade e prestes a completar
cinquenta no trono. Assim como na ocasião da morte do lho, ele
encontrou consolo para sua dor no trabalho e em Katharina Schratt.
Quando não estava trabalhando, passava a maior parte do tempo livre
falando interminavelmente sobre Sissi com a amiga e as lhas, que
acorreram ao Hourg para lhe fazer companhia. De acordo com Maria
Valéria, ele repetia sempre: “Como alguém pode matar uma mulher que
nunca feriu ninguém?”.35
Se Sissi era liberal e incentivara o relacionamento entre o marido e a
atriz, a lha nem tanto. A presença de Maria Valéria acabou gerando
atritos com Katharina, com quem a arquiduquesa não se dava. O
resultado foi o rompimento entre Francisco José e a amiga em 1900,
quando Katharina partiu de Viena para viver na França, mas a separação
durou pouco: alguns meses depois, os dois reataram o relacionamento.
No entanto, essa não era a única turbulência na família imperial. A
viúva de Rodolfo, princesa Estefânia, que Francisco José pensara em
casar com Francisco Ferdinando, conseguira autorização para se unir a
um conde húngaro, e houve grandes discussões sobre qual seria seu
status na corte de Viena após o casamento. Finalmente, decidiu-se que ela
seria excluída da casa imperial e passaria a ter uma posição inferior, de
acordo com o título do novo marido, àquela que usufruíra até então. A
lha dela, Erzsi, cou tão aborrecida com o casamento que cortou
qualquer contato com a mãe. Estefânia também foi afastada de sua
família na Bélgica. Seu pai, Leopoldo II, chegou a interrogar juristas
sobre a possibilidade de retirar o título de alteza real da princesa e
proibiu a lha mais nova de se corresponder com a irmã.
Mas o problema maior estava relacionado, justamente, ao herdeiro.
Francisco Ferdinando recusava-se a aceitar o casamento não só com
Estefânia, mas com qualquer outra princesa europeia. Por vários anos, ele
fazia visitas frequentes aos arquiduques Frederico e Isabel, duques de
Teschen, na Eslováquia. Isabel recebia-o lisonjeada, pois acreditava que o
futuro imperador desejava se casar com uma de suas numerosas lhas.
Isso durou até o dia em que a arquiduquesa encontrou um medalhão que
pertencia a Francisco Ferdinando. Sem conseguir resistir à curiosidade,
abriu-o. Qual não foi sua surpresa ao encontrar não a esperada imagem
de uma lha, mas sim a de uma de suas damas de companhia, a condessa
So a Chotek.
O imperador foi imediatamente informado do escândalo. O
herdeiro do trono estava envolvido com uma jovem da baixa nobreza,
totalmente inadequada à dignidade imperial: uma simples condessa não
poderia se tornar imperatriz. Além disso, ela também pertencia à
aristocracia da Boêmia, uma região que vinha dando problemas políticos
ao império. Francisco José primeiro pensou que aquilo não era mais que
uma aventura passageira do sobrinho e pediu que ele terminasse com o
romance, mas Francisco Ferdinando recusou-se. Ele a rmou que se
relacionava com So a havia cinco anos e ela chegara a tomar conta dele
quando estava doente; estava apaixonado e, o pior de tudo, desejava se
casar com ela.
So a Chotek em 1900.

Francisco José cou furioso com a resposta e se recusou a dar


autorização para o casamento. Chegou a exigir que Francisco Ferdinando
escolhesse entre a noiva e o trono, mas o arquiduque permaneceu
irredutível. Quem acabou intervindo foi a madrasta, Maria Teresa, que,
mesmo tendo sido obrigada a se retirar da corte após a morte do marido,
ainda era ouvida pelo imperador. Poucas pessoas ousavam contradizer a
neta de d. Carlota Joaquina, mesmo que isso ferisse o protocolo. Maria
Teresa tomou o partido do enteado e começou a pressionar Francisco
José para que aceitasse a escolha de Francisco Ferdinando. Ela mobilizou
até mesmo o papa na tentativa de demonstrar ao imperador que o
escândalo que estava fazendo era muito pior para a imagem da Áustria
que um casamento desigual do futuro herdeiro.
Finalmente, Francisco José capitulou. Ele aceitou a união, mas
impôs uma série de condições. O casamento seria morganático, ou seja,
além de So a não ser elevada à dignidade imperial e consequentemente
não poder se tornar imperatriz no futuro, os lhos que os dois tivessem
também não seriam membros da casa imperial e não poderiam suceder
ao trono. So a permaneceria sendo considerada inferior na hierarquia da
corte. Isso signi cava que todos os arquiduques, duques e membros da
alta aristocracia teriam precedência sobre ela, mesmo quando Francisco
Ferdinando reinasse. Ela não poderia andar ao lado dele em cerimônias
o ciais ou junto dele na carruagem imperial, nem aparecer no camarote
imperial no teatro. O arquiduque aceitou todas essas condições, mesmo
que as considerasse humilhantes, pois eram o único meio de permanecer
com a mulher que amava.
Foi ainda a arquiduquesa Maria Teresa que buscou So a Chotek no
convento em Praga para onde ela havia se retirado depois da descoberta
do relacionamento. Hospedou-a em sua própria casa em Viena e
organizou todo o matrimônio. Mas, antes da união, outra cerimônia
ocorreu. A 28 de junho de 1900, no Hourg, na presença do imperador,
dos arquiduques e do núncio papal, Francisco Ferdinando renunciou
formalmente a todos os direitos da futura esposa, bem como dos lhos
que viesse a ter com ela, sobre status, sucessão e herança esperados de um
casamento entre iguais. Três dias mais tarde, ele e So a casaram-se no
castelo de Reichstadt, na Boêmia, sem a presença de Francisco José ou de
qualquer outro membro da família imperial. Contudo, entre os
convidados estavam Maria Teresa e suas irmãs, todas casadas com altos
dignitários europeus.
O imperador, no entanto, presenteou a noiva com um diadema
adequado à esposa de um monarca e deu a ela o título de princesa de
Hohenberg, mais tarde elevado ao de duquesa, permitindo que seus
descendentes tivessem uma posição na corte acima da de simples condes.
Ele apenas foi conhecer a esposa do sobrinho dois meses depois e fez
elogios a ela, embora a considerasse “não mais jovem” – So a tinha 32
anos, quatro a menos que o marido.
Francisco Ferdinando e So a receberam como residência o cial o
palácio do Belvedere, um dos mais bonitos de Viena, que o arquiduque
tratou de melhorar ainda mais. Ele tinha interesse em arquitetura e arte e
manteve importantes arquitetos sob sua proteção, porém rejeitava as
tendências de vanguarda. Era crítico da Secessão, um movimento
artístico ligado ao Art Nouveau, liderado em Viena pelo artista Gustav
Klimt, que buscava romper com a arte acadêmica de então. Em vez disso,
Francisco Ferdinando favorecia um estilo mais conservador, o
neobarroco, considerado um estilo “imperial”. Ironicamente, o museu
que existe hoje no palácio do Belvedere abriga diversas obras de Klimt.
Francisco Ferdinando também se dedicou a preservar o patrimônio
histórico. Atuando numa comissão dedicada à preservação de
monumentos, conseguiu evitar muitas demolições, realizou restaurações,
ordenou o tombamento de edifícios e criou as primeiras regulamentações
proibindo a venda de tesouros de arte austríacos no exterior.
O casal mantinha um relacionamento harmônico e teve três lhos,
uma menina e dois meninos. No entanto, as humilhações a que So a era
submetida eram uma constante causa de descontentamento para o
marido. A maior parte da corte de Viena desprezava-a abertamente, e sua
posição inferior era sempre ressaltada no protocolo rígido da corte. Ela
não podia participar de certas ocasiões mais íntimas da família e, até que
sua posição fosse elevada pelo imperador, era a última mulher do cortejo
nas entradas dos bailes, que o marido encabeçava com alguma
arquiduquesa. Por contraste, quando Francisco Ferdinando fez uma visita
o cial à Alemanha, em 1903, a corte de Guilherme II tratou So a com
todas as honras devidas a uma futura imperatriz, conquistando a
simpatia do arquiduque.
Francisco Ferdinando, So a e seus três lhos, da direita para
a esquerda: Maximiliano, So a e Ernesto. Foto de 1910.

Mas não era apenas na questão do casamento que Francisco


Ferdinando divergia de Francisco José. Os dois tinham diferenças sobre o
modo de conduzir o Império Austro-Húngaro, e o imperador mantinha o
sobrinho longe das decisões. Francisco Ferdinando era crítico da
monarquia dual, que colocava o status da Hungria acima das outras
nacionalidades do império. Ele defendia que a consolidação do poder da
coroa dependia da igualdade entre todos os povos subordinados a ela,
particularmente os eslavos, descontentes com sua posição inferior em
relação aos húngaros. Para tanto, pretendia retomar a centralização do
poder em Viena, porém com maior autonomia para todas as
nacionalidades.
Em relação à política externa, o arquiduque defendia uma
aproximação à Rússia, sem deixar a aliança com a Alemanha, e a
melhoria no intercâmbio com o Império Britânico. Também considerava
que as relações com a vizinha Sérvia deveriam ser cautelosas. A Sérvia
era um reino independente, de língua eslava e religião cristã ortodoxa,
como sua aliada, a Rússia. Os sérvios vinham se expandindo sobre os
Bálcãs em territórios conquistados aos turcos. Por ser uma referência aos
vizinhos de etnia similar, passaram a in uenciá-los e ameaçavam avançar
sobre as áreas do Império Austríaco na região, como a Bósnia. Francisco
Ferdinando era de opinião que tratar muito severamente o pequeno país
poderia arrastar a Áustria-Hungria a um con ito com as grandes
potências, para o qual os austríacos não estavam preparados.
SARAJEVO

O arquiduque Francisco Ferdinando


e sua esposa saindo da
prefeitura de Sarajevo em 28 junho de 1914.

A Europa do início do século XX vivia um período de relativa paz,


mas esta era precária, ameaçada por uma corrida armamentista e
um complexo sistema de alianças militares. De um lado, Áustria-
Hungria, Alemanha e Itália estavam unidas na Tríplice Aliança, que
previa apoio mútuo em caso de ataque por outras potências. De outro,
havia a Tríplice Entente, um tratado similar envolvendo o Império
Britânico, a França e a Rússia. Cada um desses países ainda mantinha
acordos do gênero com outras nações; por exemplo, a Áustria-Hungria
com a Bulgária e a Rússia com a Sérvia.
Desse modo, o menor con ito tinha o potencial de desencadear um
efeito dominó, atingindo proporções gigantescas. Francisco Ferdinando
tinha consciência disso e também defendia uma reorganização das forças
militares, que para ele eram a base do poder da dinastia. Ele se frustrava
com o que via como a falha do Império Austro-Húngaro em agir como
uma grande potência e defendia, como seu tio Maximiliano, o
fortalecimento da marinha. Aos poucos conseguiu aumentar sua
in uência nessa área, e em 1913 foi nomeado pelo imperador como
inspetor-geral de todas as Forças Armadas, uma posição que lhe dava
poder para reformar o poderio militar austro-húngaro.
Dentro das funções desse posto, em junho de 1914, Francisco
Ferdinando foi visitar a Bósnia para supervisionar manobras militares e,
acompanhado por So a, decidiu seguir para a capital, Sarajevo, para a
inauguração do novo prédio do museu local. A data escolhida para a
recepção do arquiduque, 28 de junho, era funesta para ele. Tratava-se do
aniversário de catorze anos da cerimônia em que havia renunciado aos
direitos dos seus lhos. Entretanto, também era um péssimo dia para os
sérvios: na mesma data, em 1389, eles haviam travado uma batalha
contra os otomanos em que tinham resistido heroicamente, mas as
perdas foram tão grandes que a região acabou conquistada nos anos
seguintes. Os nacionalistas locais viram a escolha como uma provocação.
Além disso, os sérvios consideravam a postura de Francisco Ferdinando
em favor da autonomia das etnias do império como um obstáculo a seu
objetivo de uni car os povos eslavos dos Bálcãs sob seu domínio.
Nesse ambiente, um grupo de estudantes bósnios, apoiados pela
Mão Negra, uma sociedade secreta nacionalista da Sérvia, decidiu
aproveitar a ocasião para assassinar o arquiduque. A rota de Francisco
Ferdinando foi estudada, e seis homens foram dispostos ao longo do
caminho. Sem suspeitar de nada, o casal chegou de trem e fez sua
primeira parada num quartel para inspeção. Às 10 horas, o cortejo de
carros deixou o local em direção à prefeitura, onde ocorreria a recepção
o cial. No caminho, um dos terroristas atacou o carro do arquiduque
com uma bomba, que resvalou e explodiu sob o veículo seguinte,
atingindo a multidão e ferindo cerca de vinte pessoas. O jovem tentou
suicídio engolindo uma pílula de cianureto, mas o veneno estava vencido,
e ele acabou capturado, enquanto o comboio acelerava, impossibilitando
novos ataques.
Na chegada à prefeitura, Francisco Ferdinando estava visivelmente
nervoso, e So a teve de acalmá-lo para que escutasse o discurso do
prefeito. O próprio arquiduque precisou esperar enquanto seu discurso,
manchado pelo sangue dos feridos, era trazido do carro dani cado.
Depois da solenidade, apesar dos apelos para que cassem no edifício até
que uma guarda fosse trazida, o casal decidiu visitar as vítimas no
hospital. O general responsável pela segurança decidiu que a comitiva
deveria evitar o centro da cidade, mas uma falha de comunicação fez com
que os primeiros carros virassem na rua errada. Assim que o do
arquiduque fez o mesmo, o general gritou ao motorista que voltasse, mas
quando este tentou dar ré o motor falhou, e o carro parou diante de um
jovem chamado Gavrilo Princip.
Princip, um bósnio de etnia sérvia, era um dos assassinos dispostos
ao longo do caminho, mas quando o plano original falhara ele desistira.
Ao reconhecer Francisco Ferdinando, por coincidência, à sua frente,
aproximou-se do carro, sacou sua pistola e desferiu dois tiros, que
atingiram o arquiduque e sua mulher. Em seguida, tentou atirar em si
mesmo, mas foi contido e preso. So a perdeu a consciência e caiu sobre
as pernas do marido, que exclamou “Não morra. Viva pelos nossos
lhos!”.36 Quando o carro chegou à residência do governador, onde
receberiam atendimento médico, já era tarde: So a estava morta, e
Francisco Ferdinando faleceu dez minutos mais tarde.
Assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando
e sua esposa So a von Hohenberg. Ilustração de
Le Petit Journal de 12 de julho de 1914.

Os corpos dos dois foram levados para Trieste a bordo de um


encouraçado e depois seguiram para Viena num trem especial. Para
ressaltar a diferença de posição do casal, os restos mortais de Francisco
Ferdinando chegaram primeiro à capital, sendo os de So a atrasados no
caminho. Mesmo durante o velório o caixão dele foi posto num patamar
superior ao dela, com todas as insígnias militares de um arquiduque,
enquanto o dela era ornado apenas com um par de luvas, símbolo de sua
posição como dama de companhia.
O funeral foi restrito à família imperial, sem o comparecimento da
realeza estrangeira que planejara aparecer e, pior, sem os lhos do casal,
impedidos de participar das cerimônias públicas por não fazerem parte
da casa imperial. Até mesmo os batalhões de o ciais foram proibidos de
saudar o trem, mas o arquiduque Carlos, sobrinho do falecido e novo
herdeiro aparente, desa ou a ordem. Na chegada dos corpos a Viena, ele
esperou sozinho na estação e, quando os restos mortais deixaram a
capital, organizou uma pequena tropa para saudar Francisco Ferdinando.
Ele também interveio para permitir que os pequenos primos pudessem
ao menos rezar junto aos caixões dos pais.
Dessa vez, diferentemente dos Habsburgos anteriores, o desejo de
Francisco Ferdinando sobre o destino de seus restos mortais foi
respeitado. Ele deixou em seu testamento uma deliberação de que deveria
ser sepultado com So a; como ela não podia ser depositada na cripta
imperial, ele mandou construir um mausoléu no castelo de Artstetten,
onde os dois corpos repousam até hoje.
Como os três lhos do casal não podiam herdar a fortuna do pai,
que passou para o arquiduque Carlos, eles teriam cado sem meios para
sobreviver se não fosse, mais uma vez, a intervenção da arquiduquesa
Maria Teresa, que já cara indignada com a maneira como o funeral fora
conduzido. Além de tomar para si o cuidado dos órfãos até que um
parente de So a viesse buscá-los, ela enfrentou novamente Francisco José
e declarou que, se ele não concedesse às crianças a mesma pensão devida
aos arquiduques da casa imperial, ela abriria mão de seus próprios
rendimentos em favor deles. A pressão de Maria Teresa foi efetiva, e as
crianças receberam o apoio nanceiro equivalente à posição do falecido
pai.
Ao contrário das tragédias anteriores vividas pelos Habsburgos,
restritas ao seio familiar, o assassinato do herdeiro do trono teve um
impacto mundial avassalador. A Áustria-Hungria culpou a Sérvia pelo
assassinato e declarou guerra ao país em 28 de julho de 1914. Isso criou
um efeito cascata em todo o sistema de alianças militares, desencadeando
declarações de guerra que envolveram todas as potências europeias. Era o
início da Primeira Guerra Mundial.
Ú
O ÚLTIMO
IMPERADOR
Imperador Francisco José
em 1905, aos 75 anos.
O novo herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Carlos,
sobrinho-neto de Francisco José, tinha 26 anos em 1914. Nascido a
17 de agosto de 1887, ele era o lho mais velho do arquiduque Oto,
irmão de Francisco Ferdinando, e de sua esposa Maria Josefa da Saxônia.
Por intermédio da mãe, neta da rainha d. Maria II de Portugal, Carlos
descendia de d. Pedro I do Brasil e d. João VI de Portugal.
Carlos cresceu mudando frequentemente de cidade, conforme os
deveres militares do pai o levavam a postos diferentes. Oto e Maria Josefa
não se davam bem; devido ao desinteresse do marido pela família, a
arquiduquesa foi a principal responsável pela educação dos lhos,
cuidando de valorizar a fé católica e o ensino de línguas na formação
deles. Inicialmente, Carlos foi ensinado por tutores, conforme a tradição
dos Habsburgos, mas quando ele tinha 12 anos os pais tomaram uma
decisão inusitada para um membro de uma casa reinante na época:
matricularam-no numa escola, onde ele frequentou algumas matérias e
fez os exames nais do ensino médio em 1901.
Mais tarde, como todos os outros arquiduques, Carlos iniciou a
carreira militar, como o cial de cavalaria, mas interrompeu o serviço por
dois anos para frequentar a universidade em Praga, onde assistiu a aulas
de ciências jurídicas como ouvinte. No entanto, ele não obteve um
diploma, pois isso era considerado incompatível com a dignidade
imperial. A morte do arquiduque Oto, sobrinho preferido de Francisco
José, em 1906, tornou Carlos o segundo na linha de sucessão. Francisco
Ferdinando assumiu a tutela do jovem até que este fosse declarado maior
de idade no ano seguinte.
Em 1908, a arquiduquesa Maria Teresa levou para um de seus
palácios uma de suas sobrinhas, Zita de Bourbon-Parma, para se
recuperar de um problema de saúde. Carlos e ela se conheciam desde a
infância, mas devido à diferença de idade nunca tinham tido muito
interesse um pelo outro, ao menos até aquele momento. Servindo com o
seu regimento perto do palácio de Maria Teresa, Carlos, aos 21 anos,
reencontrou uma Zita que não era mais uma menina. Aos 16 anos, ela
havia se tornado uma moça bastante atraente. Nessa ocasião, os dois
tiveram oportunidade de conversar e se entenderam bem, passando a se
corresponder.
Arquiduque Oto com a esposa, Maria Josefa, e os dois lhos, Carlos, de pé em primeiro plano, e
Maximiliano, em cima da mesa.

Zita era uma das lhas do último duque de Parma, Roberto, deposto
em 1859, com sua segunda mulher, Maria Antônia, a irmã caçula de
Maria Teresa, ambas lhas de d. Miguel e, portanto, também oriundas da
dinastia de Bragança.
Algum tempo depois do encontro de Carlos com Zita, passou a
circular um rumor de que a jovem estava para car noiva de um nobre
espanhol. O arquiduque procurou Maria Teresa tentando con rmar se a
informação era verdadeira. Ela a rmou que não, ao que Carlos
respondeu: “Bem, é melhor me apressar […] ou ela vai car noiva de
outra pessoa”.37 Ele solicitou ao tio-avô, o imperador Francisco José,
permissão para pedi-la em casamento e viajou para a Itália, onde ela se
encontrava. Os jovens caram noivos em junho de 1911 e casaram-se em
21 de outubro, numa cerimônia que contou com a presença do
imperador e da maior parte da corte. Um ano mais tarde, nasceria o
primeiro dos oito lhos do casal, Oto, que descendia, pelas duas avós, dos
dois ramos dos Braganças: tanto de d. Miguel quanto de d. Pedro. Assim,
a união dinástica sonhada por d. João VI quase um século antes se
concretizava de uma maneira inesperada.
Pela lógica legal da sucessão, se Francisco Ferdinando tivesse
assumido o trono, como os lhos não poderiam herdar a coroa, seu
herdeiro seria o sobrinho, o arquiduque Carlos. Em termos dinásticos,
Carlos tinha uma série de qualidades que faltavam tanto a Rodolfo
quanto a Francisco Ferdinando. Ele era gentil, humano, disciplinado,
íntegro, religioso, dedicado à família e pouco inclinado a contrariar as
disposições imperiais. Mesmo assim, Francisco José manteve-o afastado
de todas as decisões políticas, insistindo que se dedicasse à carreira
militar. Apenas após o assassinato de Francisco Ferdinando, quando
Carlos se tornou o herdeiro direto do trono, o imperador tomou alguma
iniciativa em educá-lo para governar. Mas essa decisão foi abalada com o
início da Primeira Guerra Mundial.
Casamento de Carlos e Zita, em 1911. O imperador Francisco José está sentado ao centro, do lado
esquerdo dele está Zita, e ao lado dela, o marido Carlos.

Carlos foi elevado ao posto de comandante do exército e passou a


primeira fase do con ito no quartel-general em Teschen, numa posição
sem poder decisório, que se resumia a representar o imperador em
cerimônias e visitas. Mais tarde, Francisco José transferiu-o para perto de
Viena, para continuar a instruí-lo sobre o governo. Com Carlos,
chegaram Zita e as crianças, que se tornaram uma grande fonte de
conforto para o velho imperador. No início de 1916, o arquiduque
ganhou o comando de um corpo de exército na Itália e depois na
Romênia. Sua família continuou morando com Francisco José enquanto
ele lutava na frente de batalha e adquiria experiência, observando, em
primeira mão, as condições dos soldados em combate e a crescente
exaustão das forças austro-húngaras.
Francisco José e o arquiduque Oto, lho
mais velho de Carlos, nascido em 1912.
O nal do mês de outubro de 1916 foi particularmente gelado e
úmido na Europa central. Francisco José estava com 86 anos, e o
trabalho, que fora sua ocupação e sua distração por décadas, combinado
com os intermináveis relatórios das tropas, vinha deixando-o exausto.
Esses fatores juntos levaram a família e a corte a se preocuparem quando
o velho imperador começou a sofrer de uma tosse intensa somada a
problemas pulmonares. No dia 6 de novembro, foi detectado que o
imperador estava também com febre. Os médicos diagnosticaram
pneumonia, como ele tivera em outros invernos anteriores, em 1911 e
1914.
Mas dessa vez ele estava bem mais abatido e com mais idade. Carlos
foi chamado às pressas para Viena, aonde chegou em 12 de novembro.
Francisco José, então, parecia estar em plena recuperação. A febre havia
passado e a tosse começava a ceder. A melhora foi tão grande que suas
lhas caram receosas de ir visitá-lo em Schönbrunn, temendo que o
imperador entendesse a reunião familiar como um sinal de que ele estava
vivendo seus últimos momentos e perdesse o desejo de lutar. Mas no dia
17 a febre voltou, e Francisco José estava tão fraco que às vezes não
conseguia falar. Ele, porém, recusou-se a car repousando no leito e
continuou se dedicando a suas tarefas diárias. Muito doente para ir à
capela no domingo, dia 19, para a celebração da padroeira de Sissi, santa
Isabel da Hungria, ele ouviu missa em seu estúdio.
Em 21 de outubro, porém, no começo da noite, acabou admitindo
que se sentia muito mal e aceitou ser levado para a cama. Enquanto seu
valete o ajudava, Francisco José disse a ele que estivesse pronto às quatro
da manhã, como todos os dias. Pouco depois, murmurou: “Por que deve
ser bem agora?”. Um padre foi chamado para lhe dar os últimos ritos, e 5
minutos após as 9 horas da noite o imperador deu seu último suspiro,
encerrando assim uma era de 68 anos no comando da Áustria-Hungria.
Apenas o valete e os médicos estavam com Francisco José quando
ele morreu, mas imediatamente a lha Maria Valéria foi chamada, assim
como o novo imperador, Carlos. Este se encarregou de avisar Katharina
Schratt e conduziu-a pessoalmente à câmara de seu velho amigo para que
ela pudesse se despedir.
A nação inteira cobriu-se de luto; praticamente três gerações inteiras
não tinham conhecido outro Habsburgo no trono. A tarefa monumental
de substituí-lo, em particular no meio de uma guerra de grandes
proporções, recaiu sobre os ombros inexperientes de Carlos I, de 29 anos.
As primeiras medidas do novo imperador foram assumir o comando
supremo das Forças Armadas e trazer as decisões de guerra para mais
perto de Viena. Também reconvocou o parlamento, que tinha sido
dissolvido no início das hostilidades, assim terminando com a
interferência militar direta sobre assuntos civis. Devido à guerra, Viena
resolveu adiar a coroação, mas os húngaros insistiram, e em dezembro de
1916 Carlos e Zita, acompanhados por Oto, de 4 anos, foram coroados
como reis da Hungria em Budapeste.

Procissão do funeral do imperador Francisco José. Na frente estão o imperador Carlos I, seu lho Oto
e a imperatriz Zita, seguidos dos reis da Baviera e da Bulgária, do príncipe herdeiro da Alemanha e do
rei da Saxônia.
Embora bem-intencionado, Carlos tinha pouco conhecimento do
funcionamento do Estado que passara a governar. Suas tentativas de
reforma, como aumentar a autonomia dos povos do império, tropeçaram
nas realidades de um país em guerra, com uma máquina estatal
monstruosa e com uma grande agitação interna, especialmente de cunho
nacionalista, como as dos eslavos.
Além disso, a experiência de Carlos na guerra tornou-o um
paci sta, que via o con ito como um desastre anunciado para seus
súditos. Quase imediatamente após a coroação, ele começou a trabalhar
para tirar a Áustria-Hungria da guerra. Encarregou um irmão de Zita,
Sixto de Bourbon-Parma, de entrar em contato secretamente com a
França para abrir uma frente de negociação com os países da Entente. As
negociações arrastaram-se por boa parte de 1917, mas acabaram
arruinadas pela exigência da Itália de que a Áustria-Hungria cedesse a
eles o Tirol.
Esse poderia ser o m da história, entretanto em abril de 1918 o
ministro austríaco de Assuntos Estrangeiros, em meio a um discurso no
qual buscava levantar o moral das tropas do país, apontou o primeiro-
ministro francês, Georges Clemenceau, como um obstáculo à paz.
Clemenceau irritou-se com a acusação e divulgou as negociações com o
imperador Carlos, chegando a publicar algumas das cartas trocadas com
Sixto. O imperador viu-se numa situação difícil e negou ter
conhecimento sobre o assunto, para não abalar ainda mais as relações
com a Alemanha, que já não estavam bem. Mas isso não bastou.
Humilhado, viu-se forçado a visitar o kaiser Guilherme II e a rmar sua
lealdade à aliança.
Foto o cial de Carlos e Zita coroados como
reis da Hungria em 1916. O arquiduque
Oto aparece no meio dos pais.

O evento, que entrou para a história como “Caso Sixto”, acabou


abalando ainda mais a con ança dos povos do império na capacidade de
Carlos como monarca. Num período em que as tensões étnicas dentro da
Áustria-Hungria atingiam níveis insuportáveis, os súditos de origem
germânica consideraram as negociações uma traição. Mas a realidade é
que, além do humanismo de Carlos e da sua preocupação com as vidas
que estavam sendo perdidas na guerra, a Áustria-Hungria estava
esgotada e a ponto de desmoronar.
Em outubro de 1918, dois anos após a morte de Francisco José, o
país solicitou o cialmente um armistício, com base nos Catorze Pontos
do presidente norte-americano Woodrow Wilson. Essa proclamação
constituía um plano para a paz mundial a ser levado em conta nas
negociações para o m da Primeira Guerra Mundial. Defendendo a
autodeterminação dos povos, Wilson exigia, entre outros assuntos, a
independência polonesa e a retirada de tropas germânicas dos Bálcãs.
Como consequência, em 16 de outubro Carlos fez uma proclamação
dando a independência à parte da Polônia que pertencia ao império e
dividindo a Áustria entre quatro povos: germânicos, tchecos, eslavos do
sul e ucranianos, que se adicionariam aos húngaros como partes de um
Estado federal. A ideia, no entanto, internamente foi considerada muito
conservadora e de pouco efeito para a liberdade das etnias que
compunham o império e também foi rejeitada por Wilson, que exigia a
completa independência de cada uma das nações. Assim, o Império
Austro-Húngaro chegou a um m, fragmentando-se em várias
repúblicas.
Pressionado pelos aliados e pelas forças políticas internas, Carlos foi
forçado a abrir mão de seu poder. No mesmo dia do armistício, 11 de
novembro, ele assinou uma declaração no Palácio de Schönbrunn
reconhecendo o direito dos povos austríacos de decidirem a própria
forma de governo e renunciando à participação nos assuntos de Estado.
Dois dias depois, fez outra proclamação com termos semelhantes em
relação à Hungria. Na prática, isso encerrou a monarquia austro-
húngara, embora Carlos nunca tenha o cialmente abdicado do trono. Ele
esperava que o povo o reconduzisse ao governo, porém a República da
Áustria foi proclamada em 12 de novembro, e a da Hungria, no dia 16.
Carlos, Zita e a família deixaram Viena. Primeiro se mudaram para
o castelo de Eckartsau, no leste da Áustria, perto da fronteira com a
Hungria. Em março do ano seguinte, sob pressão britânica, a Suíça, lar
ancestral dos Habsburgos, aceitou recebê-los, e Carlos e a família
seguiram para o exílio, embora ele continuasse insistindo em reivindicar
seus direitos monárquicos.
Como resposta, o parlamento austríaco editou em 3 de abril de 1919
a Lei de Habsburgo, que extinguia os direitos da casa sobre o país e bania
seus descendentes. O ex-imperador nunca poderia pisar novamente na
Áustria, e qualquer outro membro da família só teria direito a retornar
caso renunciasse a todos os direitos dinásticos e prestasse um juramento
à república. A lei seria revogada em 1935, mas foi reintroduzida em 1938,
na época da anexação da Áustria pela Alemanha nazista. Esse banimento
vigorou até 1995, quando a União Europeia o considerou uma violação
dos direitos humanos e forçou o país a repelir a lei antes de ser admitido
na organização.
Í
A SERVIÇO DO PAÍS, NO
EXÍLIO

Carlos ajudando a
desembarcar os lhos
no exílio na ilha da
Madeira, em 1922.
C arlos e a família instalaram-se no castelo de Wartegg, que pertencia
a parentes de Zita. O local, hoje um hotel, está situado junto ao lago
Constança, no extremo leste da Suíça, com vista para a fronteira
austríaca. A insistência do ex-imperador em declarar inválida a renúncia
a seus direitos levou as autoridades suíças a temerem um con ito
diplomático se eles permanecessem ali, e dois meses depois a família foi
forçada a se mudar para a Villa Prangins, junto ao lago Genebra, do outro
lado do país.
Na Suíça, os Habsburgos levavam uma existência feliz e pací ca em
família, porém Carlos nunca desistiu da ideia de retomar o trono. Ele
acreditava que seu direito tinha origem divina e que não poderia
renunciar às suas responsabilidades. O ex-imperador contava com o
apoio velado da França e de alguns elementos do exército britânico, além
de inúmeros seguidores que não o abandonaram.
Uma oportunidade então surgiu na Hungria. Desde sua
transformação em república, os húngaros tinham vivido tempos
turbulentos. Em março de 1919, o primeiro-ministro havia sido
removido do poder por uma coalizão de esquerda, que proclamou um
regime comunista no país. Mas esse novo governo não durou muito,
sendo derrubado meses mais tarde. O arquiduque José Augusto, membro
de um ramo colateral dos Habsburgos instalado na Hungria, assumiu
como regente do país em 7 de agosto de 1919, mas foi obrigado a
renunciar menos de vinte dias depois por pressão dos países vencedores
da Primeira Guerra. Os aliados acreditavam que um Habsburgo no poder
poderia desestabilizar a Europa Central. Antes de deixar o cargo, ele
con rmou o almirante Miklós Horthy como comandante em chefe do
exército. Este foi feito regente em março de 1920, e o Reino da Hungria
foi o cialmente restabelecido.
Embora o novo regime não tenha chamado Carlos, devido
sobretudo à posição dos aliados a respeito do retorno dos Habsburgos ao
poder, ele cou otimista com o restabelecimento do reino e, aconselhado
por alguns de seus seguidores, decidiu retornar ao país por conta própria.
Ele acreditava que sua mera aparição em Budapeste levaria a opinião
pública a reinstalá-lo no trono húngaro. Em março de 1921, munido de
um passaporte espanhol falso e tendo raspado o bigode, Carlos deixou a
Suíça e atravessou a fronteira austríaca, chegando à Hungria no dia 26,
Sábado de Aleluia. Aproveitando a calmaria do feriado de Páscoa,
reuniu-se com alguns partidários legitimistas que apoiavam sua
reivindicação e tentou convocar o primeiro-ministro, conde Pál Teleki,
que o aconselhou a se reunir com Horthy.
Carlos chegou ao palácio sem ser anunciado bem quando a família
de Horthy estava sentada para o almoço de Páscoa. O almirante recebeu-
o calorosamente, mas manteve-se in exível de que não era o momento de
o rei retornar ao país. Ao m da discussão, Carlos acreditou que o
convencera, mas Horthy tinha outras ideias. O parlamento húngaro
aprovou um voto de con ança no regente e requereu que o ex-imperador
se retirasse do território, o que ele foi obrigado a fazer em 5 de abril.
Como resultado da desastrosa aventura, o governo suíço decidiu
restringir os movimentos de Carlos, exigindo que ele se instalasse em
outra área e que informasse as autoridades se desejasse deixar o país.
Mas, apesar da indiferença do povo e da falta de suporte do exército, ele
ainda acreditava que os húngaros estavam à espera de seu legítimo rei. De
fato, o novo primeiro-ministro, István Bethlen, começou a dar sinais de
que uma restauração da monarquia poderia ser considerada, e alguns
legitimistas mais entusiasmados mandaram uma mensagem a Carlos
informando que poderia se aproveitar da situação política turbulenta
para retomar o poder. Ele não esperou: em 20 de outubro saiu
clandestinamente da Suíça com Zita e desembarcou na Hungria.
Dessa vez, erroneamente informados de que um golpe comunista
estava sendo tramado, e acreditando que Carlos teria o apoio das grandes
potências, batalhões do exército apoiaram o monarca e partiram para
Budapeste. Mas a marcha foi tão mal organizada que deu tempo a Horthy
para reunir seus próprios homens. Em 23 de outubro, Carlos e suas
tropas estavam a trinta quilômetros de Budapeste, e uma guerra civil
parecia prestes a acontecer. Porém Horthy e Bethlen conseguiram
comunicar-se com alguns dos líderes legitimistas e informaram-nos da
real situação: caso os Habsburgos voltassem, a Hungria seria invadida
militarmente pela Tchecoslováquia, e nenhuma das grandes nações dera
sinal de defender a causa monarquista. Em 24 de outubro, Carlos aceitou
negociar e na mesma tarde deu ordem de rendição. Era o m das suas
tentativas de retomar o trono.

Carlos e Zita inspecionando soldados em Sopron,


Hungria, em 21 de outubro de 1921.

Como uma ironia do destino, o último imperador da Áustria teria


um m semelhante ao do arqui-inimigo da dinastia, Napoleão
Bonaparte. Assim como o corso, Carlos, após tentar retomar o trono,
acabou sendo feito prisioneiro pelas potências vencedoras da Primeira
Guerra Mundial e exilado também para uma ilha ao largo da costa da
África. Enquanto o destino de Napoleão foi Santa Helena, o de Carlos foi
a ilha da Madeira. Em 1o de novembro, ele e a esposa foram embarcados
num navio de guerra britânico, que os transportou até a ilha, um lugar
distante onde era mais fácil mantê-los sob controle. As crianças
juntaram-se a eles em fevereiro de 1922.
Com suas rendas e propriedades con scadas pelo governo austríaco,
o casal teve di culdades em se sustentar na ilha da Madeira. As
condições de vida no exílio não eram boas, e a saúde de Carlos começou
a declinar. Em março de 1922, ele pegou um forte resfriado, que evoluiu
para bronquite e mais tarde para pneumonia. Depois de sofrer dois
ataques cardíacos, faleceu de insu ciência respiratória em 1o de abril, na
companhia de Zita e de seu lho Oto. Carlos tinha apenas 34 anos. Seus
restos mortais permanecem sepultados na igreja Nossa Senhora do
Monte, na cidade do Funchal, capital da ilha da Madeira, apesar de existir
um movimento para que sejam transferidos para a cripta dos Habsburgos
em Viena.
Ofuscada desde o início pela comparação com a gura portentosa
de Francisco José, a imagem de Carlos foi aos poucos resgatada na
Áustria no período entreguerras, apenas para ser enterrada
de nitivamente no período nazista, quando ele foi tachado como um
traidor dos germânicos. O interesse sobre ele começou a ressurgir
décadas mais tarde, e aos poucos sua gura estabeleceu-se como a de um
paci sta e uni cador enfrentando desa os para os quais não estava
preparado. Essa imagem de paci cador, aliada à profunda fé católica que
demonstrou até seus últimos momentos, levaram-no a ser beati cado
pelo papa João Paulo II em 2004. O milagre que autorizou sua
beati cação foi a cura de uma freira brasileira que havia rezado para ele.
Depois da morte de Carlos, Zita, que estava grávida de seu último
lho, recebeu do governo espanhol um convite para se instalar no país
com as crianças. A caçula, Elisabete, nasceu no palácio real de El Pardo,
perto de Madri, em 31 de agosto, e mais tarde a família foi instalada em
Lekeitio, no País Basco, onde vivia com meios modestos. Zita tomou a
responsabilidade de educar os oito lhos como arquiduques da Áustria,
assim como manter vivo o movimento de restauração da monarquia. O
mais velho, Oto, recebeu a preparação de um herdeiro da dinastia,
contando com tutores húngaros e austríacos e aprendendo a falar sete
idiomas uentemente.
Mais tarde, em 1929, eles se mudaram para a Bélgica, onde Zita
tinha parentes, e os lhos mais velhos passaram a frequentar a
Universidade de Louvain. Oto, considerado chefe da Casa dos
Habsburgos a partir de sua maioridade em 1930, graduou-se em ciências
políticas e sociais e defendeu seu doutorado na mesma universidade em
1935, com uma tese sobre questões de propriedade rural na Áustria. Por
essa época, havia um considerável suporte à monarquia no seu país natal,
e o herdeiro desfrutava de enorme popularidade, a ponto de mais de
1.500 municipalidades nomearem-no como cidadão honorário.

Zita com seus oito lhos na residência em que moraram


em Lekeitio, na Espanha. Do lado esquerdo, sentado no
sofá, está Oto, o lho mais velho e herdeiro do trono.
Foi em grande parte por seu esforço que a lei de banimento foi
revogada em 1935, embora ele tenha sido aconselhado a não retornar
imediatamente. Sua irmã Adelaide tornou-se a primeira pessoa da família
imperial a pisar na Áustria. Outro irmão de Oto, Félix, instalou-se em
Viena e tornou-se o primeiro Habsburgo desde a queda da monarquia a
seguir carreira no exército austríaco. Ele acabou fugindo após a união
com a Alemanha e foi impedido de entrar no país outra vez.
Oto opôs-se publicamente à ascensão do nazismo e aos planos de
Adolf Hitler de uni car a Alemanha com a Áustria. Acredita-se que
Hitler cou tão enfurecido com a posição do lho do seu ex-imperador
que retaliou nomeando esse plano como “Operação Oto”. Quando a
anexação pelos nazistas aconteceu, em março de 1938, Oto apoiou uma
intervenção internacional na Áustria e chegou a se oferecer para assumir
as rédeas do país como chanceler, visando liderar a resistência. Por conta
disso, o regime nazista condenou-o à morte, retirou a cidadania dele, da
mãe e dos irmãos, tornando-os apátridas, e reinstalou a lei de banimento,
bem como o con sco das propriedades da família no país.
Outros Habsburgos também lutaram contra o nazismo dentro da
Áustria, como Maximiliano e Ernesto, primos de Oto e lhos do falecido
arquiduque Francisco Ferdinando. Eles estiveram entre os poucos
membros da família que permaneceram no país depois da lei de
banimento. Quando os pais morreram, os dois e sua irmã foram levados
para a Boêmia, terra natal de sua mãe, mas, com o m do Império
Austro-Húngaro, foram forçados a retornar à Áustria, onde cresceram no
castelo de Artstetten. Maximiliano e Ernesto enfrentaram abertamente os
nazistas, o que levou os dois a serem presos no campo de concentração
de Dachau e terem suas propriedades con scadas. No m da Segunda
Guerra Mundial, Maximiliano seria saudado como um herói em
Artstetten e eleito prefeito por dois mandatos.
Mesmo a prisão dos primos e as ameaças de Hitler não intimidaram
Oto, que participou ativamente de uma rede que retirou 15 mil
refugiados da Áustria, boa parte deles judeus. Com o início da Segunda
Guerra Mundial e a invasão alemã à Bélgica e à França em 10 de maio de
1940, a família decidiu fugir da Europa. Com um visto emitido pelo
diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que salvou milhares de
refugiados do nazismo, Zita, Oto e seus irmãos dirigiram-se para
Portugal, de onde embarcaram para a América do Norte. A mãe instalou-
se em Quebec, no Canadá, com os lhos menores, enquanto os mais
velhos mudaram-se para os Estados Unidos.
Oto, usando de sua in uência em favor tanto da Áustria quanto dos
outros países que haviam composto o império dos Habsburgos, chegou a
ser recebido pelo presidente Franklin Roosevelt. Ele se tornou o líder
extrao cial de um grande número de organizações de resistência da
Europa Central, a maioria de cunho monarquista. Uma delas esteve entre
as primeiras a informar os Aliados sobre o extermínio do povo judeu
pelos nazistas. Oto e seus irmãos ainda tentaram formar um batalhão de
exilados austríacos para lutar na guerra como “Áustria Livre”, mas
acabaram não tendo sucesso na empreitada.
Em 1944, Oto esteve entre os primeiros a retornar a Paris depois de
sua libertação dos nazistas. Seguindo com as tropas aliadas até a Áustria,
o herdeiro dos Habsburgos voltou a pisar em seu país natal após 27 anos
de exílio. Mas, com o m da guerra, o novo regime expulsou-o
novamente. Ele então se estabeleceu na Alemanha e se tornou uma das
vozes mais ativas em favor da Áustria e de sua independência. Graças a
seus esforços, o governo provisório social-democrata instalado no país
recebeu apoio dos aliados, e a Áustria foi reconhecida como vítima de
guerra, em vez de agressora.
Em 1951, Oto casou-se em Nancy, na França, com a princesa Regina
de Saxe-Meiningen. O casal teve sete lhos: Andréa, Mônica, Micaela,
Gabriela, Walburga, Carlos e Jorge. Enquanto a família crescia, ele
continuava reivindicando seu direito ao trono e até elevando pessoas à
nobreza, o que o tornou suspeito para as autoridades austríacas. Sua
nacionalidade só foi devolvida em 1956. Em 1961, Oto acabaria
concordando em assinar sua renúncia aos direitos dinásticos como
condição para retornar à Áustria. Mas a informação de que uma de suas
lhas havia sido registrada como arquiduquesa levou a uma crise
constitucional, e somente em 1966 Oto recebeu autorização para visitar
seu país.
Além das questões relacionadas à Áustria, Oto também se envolveu
ativamente no movimento do pan-europeísmo, advogando a uni cação
da Europa. Ele se tornou membro da União Pan-Europeia, o mais antigo
movimento a favor da integração política e econômica do continente,
quando ainda vivia na Bélgica, na década de 1930, e presidiu a
organização por mais de trinta anos, de 1973 a 2004. Essa entidade teve
in uência na criação da Comunidade Econômica Europeia, em 1957, que
acabou se transformando na União Europeia em 1993. Usando o nome
de Otto von Habsburg, o arquiduque foi eleito pela Alemanha para o
Parlamento Europeu em 1978. Membro de partidos democrata-cristãos,
de centro-direita, e defensor de uma Europa cristã e unida, ele ocupou o
cargo até 1999, quando se retirou por motivos de saúde, aos 87 anos.

Casamento do arquiduque Oto com a princesa Regina. Nancy, França, 1951. Ao fundo, entre a noiva e
o noivo, está a imperatriz Zita.
Como presidente da União Pan-Europeia, Oto organizou em 1989 o
Piquenique Pan-Europeu, uma demonstração paci sta realizada na
fronteira entre a Áustria e a Hungria que buscava a integração dos dois
lados da Cortina de Ferro – a divisão da Europa entre nações capitalistas
e comunistas. O governo da Hungria encampou a ideia e aceitou abrir
temporariamente a fronteira para o país vizinho. Em 19 de agosto, uma
passagem por uma estrada foi liberada. A ideia era que os cidadãos dos
dois países pudessem confraternizar por algumas horas num evento
informal, com música e comida, mas folhetos convocando ao piquenique
sugeriam a ideia de que cada visitante cortasse um pedaço de arame
farpado da cerca da fronteira e levasse consigo. Quando a notícia se
espalhou, milhares de pessoas começaram a viajar de outros países
comunistas, especialmente da Alemanha Oriental, para a região. Embora
apenas uma pequena parcela tenha conseguido atravessar a fronteira,
muitos caram acampados perto, e uma grande parte da cerca foi
desmantelada.
A falta de intervenção das tropas húngaras e o silêncio do governo
da União Soviética acabaram transformando uma bola de neve em
avalanche. A fronteira austro-húngara foi de nitivamente aberta em 11
de setembro, e 30 mil alemães orientais acampados ali atravessaram para
o Ocidente. O movimento chegou à Tchecoslováquia, onde novas rotas
de saída acabaram sendo criadas. As tentativas de repressão a essas
movimentações levaram a um levante popular na Alemanha Oriental.
Em 9 de novembro, o Muro de Berlim foi derrubado, efetivamente
acabando com a Cortina de Ferro e abrindo caminho para a uni cação
alemã, em 31 de agosto de 1990.
Memorial ao Piquenique Pan-Europeu, de autoria de Miklós Melocco, Sopron, Hungria. © Derzsi
Elekes Andor.

No início dos anos 2000, Oto entrou com pedidos para recuperar a
cidadania de outros países que também haviam pertencido ao Império
Austro-Húngaro. Como resultado, na época de sua morte, o ex-apátrida
contava com passaportes da Alemanha, da Áustria, da Hungria e da
Croácia.
Sua mãe, a imperatriz Zita, falecera na Suíça aos 97 anos em 14 de
março de 1989. Oto passou a che a da casa para seu lho Carlos em
2007, falecendo na Alemanha em 4 de julho de 2011, aos 98 anos, e está
sepultado na cripta da família em Viena.
O arquiduque Oto na Baviera em 2006. Foto de Oliver Mark.
OS
HABSBURGOS
MUITO ALÉM
DO TRONO
“Erzsi”, a arquiduquesa
Elisabete, neta de Francisco
José e Sissi, em 1901.
O atual chefe da Casa de Habsburgo é Carlos, lho de Oto
Habsburgo. Nascido na Alemanha em 11 de janeiro de 1961, ele
visitou a Áustria pela primeira vez em 196838 e em 1981 decidiu se
mudar para o país, onde prestou serviço militar voluntariamente,
entrando para a Força Aérea. Embora a lei austríaca tenha revogado
todos os títulos de nobreza e no dia a dia ele assine como o cidadão
comum Karl von Habsburg, não é raro que a imprensa local ainda se
re ra a ele pelos títulos ancestrais de arquiduque e de príncipe real.
Sua atividade política começou em 1986, quando se tornou
presidente da seção austríaca da União Pan-Europeia, tendo ajudado o
pai a organizar o Piquenique Pan-Europeu. Como representante da
organização, em 1990, ele liderou pessoalmente um comboio de ajuda
humanitária para a Lituânia, depois que a União Soviética bloqueou o
envio de bens a esse país após este declarar sua independência.
Carlos, que chegou a ser apresentador de um programa de TV, foi
deputado no Parlamento Europeu de 1996 a 1999 e está envolvido em
inúmeras organizações não governamentais e de caridade. Seu trabalho
principal está voltado à preservação do patrimônio histórico, e desde
2008 ele preside a organização Blue Shield, que pretende ser o equivalente
à Cruz Vermelha no que se refere a bens culturais. A entidade busca
proteger o patrimônio cultural material e imaterial em situações como
con itos armados e desastres naturais. Além disso, ele atua na proteção
dos direitos humanos de povos minoritários e chegou a ser presidente da
Unpo (Organização das Nações e Povos Não Representados), que luta
pela defesa de povos marginalizados e sem representação internacional.
Enquanto as lhas de Sissi, Gisela e Maria Valéria, se casaram,
tiveram lhos e desfrutaram de uma vida relativamente tranquila após a
morte dos pais e o esfacelamento do império, o capítulo mais inusitado
de um descendente direto da imperatriz e de Francisco José cou por
conta de uma neta deles, Elisabete. Filha única do arquiduque Rodolfo e
da princesa Estefânia, Erzsi era a preferida do avô, que se tornou
responsável por sua educação depois da morte do pai da menina. Foi
para ela que Sissi deixou em testamento todos os seus objetos pessoais e
as joias que ainda possuía quando faleceu. A neta receberia as famosas
estrelas de diamantes da avó por ocasião de seu casamento.
O imperador desejava que Erzsi se casasse com o herdeiro de
alguma dinastia, mas em 1900, aos 17 anos, ela se apaixonou pelo
príncipe Otto de Windisch-Grätz. A paixão dela era, aparentemente, sem
futuro: Otto já era comprometido, estava noivo, e era de posição social
abaixo da arquiduquesa. Mas tanto Erzsi insistiu com o avô que ele
forçou o príncipe a abandonar seu compromisso e a se casar com ela.
Embora Francisco José tenha permitido que a neta mantivesse o título e
tenha oferecido um dote vultoso, ele fez com que ela renunciasse aos
direitos sucessórios por si e seus descendentes.
O casamento, ocorrido em 1902, foi marcado por brigas e
escândalos. Já no ano seguinte, Erzsi descobriu que o marido estava
tendo um caso com uma atriz. Ela encontrou os dois amantes na cama e
disparou contra a jovem, que foi ferida no peito e acabou falecendo. O
assassinato, no entanto, foi abafado. A arquiduquesa, por sua vez,
também não era el ao marido. Mesmo assim, os dois tiveram quatro
lhos. Após a morte de Francisco José e o m da monarquia, o casal
separou-se formalmente, e Erzsi voltou sua atenção para a política. Em
1921, ela renunciou ao seu título e liou-se ao Partido Social-Democrata,
defendendo o socialismo e a mudança na estrutura da sociedade por
meio do voto.
Erzsi cou conhecida como “a arquiduquesa vermelha”, e sua gura
alta e elegante podia ser vista vendendo cravos vermelhos, um símbolo
do socialismo na Europa central, durante o Dia do Trabalho,
participando de comícios e até mesmo atuando como conselheira
municipal. Na política ela encontrou, além de um novo propósito, um
novo amor: Leopold Petznek, um professor de origem humilde que
chegou a ser presidente do parlamento de um dos estados da Áustria. Os
dois estavam impedidos de se casar: a separação de Erzsi, que ainda
estava correndo na justiça, não permitia uma nova união, e Petznek era
casado, embora sua mulher estivesse internada num hospital
psiquiátrico. Mesmo assim, os dois foram morar juntos numa mansão
que ela comprou em 1929 nos arredores de Viena e que encheu de
objetos de arte e relíquias imperiais de sua família, lado a lado com obras
de Karl Marx.
A separação judicial foi concedida em 1924, e seguiu-se uma árdua
batalha pela guarda dos lhos, que ela acabou vencendo. Erzsi tentou dar
a eles uma educação inspirada por seus princípios socialistas. Embora
fosse uma mãe dedicada, mais tarde a relação com as crianças
deteriorou-se. Sua lha, Estefânia, mudou-se para a Bélgica, onde foi
aceita como um membro da família real, e casou-se na aristocracia desse
país. Anos depois, a rmaria que escolheu o marido porque sua mãe não
gostava dele. Em 1934, o ex-marido e um dos lhos tentaram interditá-la
sob o pretexto de que ela estava dilapidando sua fortuna, destinando
vultosas doações ao Partido Social-Democrata, mas, posteriormente,
desistiram da acusação.
Ao contrário de muitos de seus parentes, Erzsi lutou contra a
restauração da monarquia, defendendo que uma república democrática
era o melhor regime para a Áustria. A ascensão da extrema direita no
país atingiu duramente os sociais-democratas. Por ter renunciado a seu
título, Erzsi não estava sujeita à lei de banimento e foi deixada em paz,
mas Petznek foi preso duas vezes, uma em 1933 e outra em 1944, quando
foi enviado para Dachau, sendo libertado quando os aliados chegaram ao
campo de concentração. Mas a liberação de Viena não trouxe sossego ao
casal: a mansão onde viviam foi saqueada por soldados soviéticos e mais
tarde requisitada pelo comandante da zona de ocupação francesa. Os
dois só puderam retornar para seu lar em 1955.
Em 1948, com Erzsi nalmente divorciada do primeiro marido e
Petznek viúvo, eles puderam se casar. Entretanto, a saúde dos dois não
estava boa, e ele morreu de um ataque cardíaco em julho de 1956. Erzsi
passou seus últimos anos criando cães da raça pastor alemão e con nada
a uma cadeira de rodas por causa da gota. A arquiduquesa vermelha
faleceu em 16 de março de 1963 e, a seu pedido, foi enterrada ao lado do
marido num túmulo simples e anônimo em Viena. Ela também legou
todos os bens preciosos que herdara dos Habsburgos para o Estado
austríaco. Hoje seus tesouros estão distribuídos entre vários museus.
Erzsi perto do nal da vida.
A queda do império liberou os membros da família Habsburgo,
como Erzsi, Oto e seus lhos, para defenderem livremente as próprias
opiniões políticas e envolverem-se em causas humanitárias. Sissi, apesar
de suas ideias, não teve a oportunidade de se expressar abertamente
sobre alguns assuntos devido à posição que ocupava, ao protocolo e à
mentalidade da sociedade de sua época. Mas ela arrumou um modo de
fazer isso após a morte.
A imperatriz estabeleceu em 1890 que seus diários poéticos, uma
série de poemas que escrevera ao longo de seus últimos anos, seriam
deixados sob a guarda de um de seus irmãos. Após sessenta anos de sua
morte, eles deveriam ser entregues ao governo da Suíça e publicados.
Nesses textos, ela falava sobre seu cotidiano e tecia críticas provocativas
ao modo de vida dos Habsburgos e à própria instituição da monarquia.
Ainda por decisão de Sissi, o valor obtido pela venda das obras deveria
ser direcionado para o benefício das famílias de prisioneiros políticos do
Império Austro-Húngaro.
A primeira edição de Das Poetische Tagebuch [O diário poético] só
saiu em 1984. Como a Áustria-Hungria não existia mais, o governo da
Suíça decidiu que o dinheiro obtido com a venda deveria bene ciar o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Até hoje esse
órgão da ONU recebe toda a renda do livro. Ela é usada para ajudar
pessoas que tiveram de fugir por motivos políticos e se refugiaram em
regiões que um dia foram parte do império dos Habsburgos. Esse fundo
foi usado, por exemplo, em 2019 para proteger 2.600 refugiados na
Ucrânia.
Ao contrário dos Romanovs, que foram perseguidos e mortos na
Rússia após a revolução de 1917, os Habsburgos puderam continuar com
suas vidas no exílio e espalharam-se pelo mundo. Um dos membros da
família até mesmo veio parar no Brasil. Maria Antônia da Áustria-
Toscana pertencia ao ramo italiano da família. Nascida em 1899 na
Croácia, ela era lha do arquiduque Leopoldo Salvador, cujo irmão
Francisco se casara com Maria Valéria, a lha mais nova de Francisco
José e Sissi. Sua mãe, Branca, era uma infanta da Espanha.
Com a proclamação da república e o con sco das propriedades dos
Habsburgos, a família perdeu toda a sua fortuna. Os pais de Maria
Antônia decidiram se instalar na Espanha, onde Branca tinha parentes, e,
assim, mudaram-se com oito de seus dez lhos para viver modestamente
em Barcelona. Ali, a jovem arquiduquesa voltou-se para a religião,
chegando a pensar em se tornar freira. Isso horrorizou os pais, que
achavam que ela não tinha vocação nem temperamento para a vida
religiosa. O receio passou quando Maria Antônia, que fora mandada para
Mallorca para re etir sobre sua decisão, se apaixonou por Ramón
Orlandis y Villalonga, um aristocrata espanhol de família empobrecida.
Os dois se casaram em 1924 e tiveram cinco lhos, mas Ramón faleceu
durante a Guerra Civil Espanhola, em 1936.
Viúva, sem dinheiro e com cinco lhos pequenos para criar, Maria
Antônia tomou a decisão de embarcar num navio para a América do Sul.
Ela foi viver no Uruguai, onde conheceu um argentino de origem
aristocrática, d. Luis Perez Sucre. Os dois se casaram em 1942 e acabaram
se mudando para o Brasil, onde continuaram vivendo com di culdades
em Porto Alegre. Depois da morte do marido, em 1957, Maria Antônia
foi reduzida a uma pobreza tal que muitas vezes ia pegar restos de
comida no mercado municipal da cidade. Em seus últimos anos, vivia
sozinha numa casa de madeira em Canoas com seu cachorro, afastada
dos lhos. Maria Antônia faleceu de câncer em Porto Alegre em 22 de
outubro de 1977.
Mais de cem anos após a queda da monarquia, a memória dos
Habsburgos ainda permanece muito viva nos países que compuseram o
seu império. No castelo de Liubliana, na Eslovênia, por exemplo, o
audioguia conta a história da arquiduquesa Leopoldina de Habsburgo,
que se casou com o herdeiro do trono de Portugal e se tornou imperatriz
do Brasil. Mas é a imagem de Sissi que reina absoluta. Aqueles que
andam pelas ruas de Viena esbarram com ela a cada passo, seja nos
prédios históricos e museus, seja nas lojas de suvenires, que vendem todo
tipo de lembrança relacionada à imperatriz. Ela tem seu rosto estampado
em chocolates, canecas, ímãs de geladeira, caixinhas, livros, porta-joias,
louças em miniatura e até mesmo lenços de papel. É possível tropeçar em
réplicas das famosas estrelas de diamantes em todas as lojas de
lembranças.
No palácio de Hourg, no centro de Viena, um museu foi instalado
nos antigos apartamentos imperiais e conta a história da dinastia, com
foco em Sissi e no imperador Francisco José, enquanto outra ala inteira é
dedicada apenas a ela, o Sisi Museum. Formam-se ali longas las de
turistas que desejam ver os mais de quinhentos objetos relacionados à
famosa imperatriz, incluindo luvas, leques, peças de roupas, baús de
viagem, o sanitário dela no trem imperial e até o atestado de óbito
original. Um alerta de alguém que tomou uma bronca em três idiomas
diferentes por causa de um ato descuidado: guarde seus celulares e
máquinas fotográ cas assim que passar de um museu para o outro.
Enquanto tudo pode ser fotografado na câmara do tesouro, qualquer
registro é proibido no museu dedicado à imperatriz que cou famosa por
passar boa parte de sua vida procurando se esconder.

Cartão-postal de Corfu, virada do século XIX para o XX, onde não só a Villa Achilleion aparece, mas
a própria Sissi, como se fosse um atrativo local.
Mas essa tentativa de permanecer oculta não teve sucesso.
Verdadeira celebridade durante a vida, após a morte Sissi se tornou mito.
Ela continua sendo relembrada, e não apenas no museu do Hourg. Sua
imagem aparece em estátuas na Áustria, Hungria, Itália, Alemanha e
Portugal, e museus em outros países também contam a sua história. Um
deles ca em Possenhofen, na Alemanha, onde Sissi cresceu, e outro em
Corfu, na Grécia, na Villa Achilleion, dividido com o outro proprietário
ilustre, Guilherme II da Alemanha. Na própria Áustria, existe um
segundo museu sobre a imperatriz, em Salzburgo, no castelo Fuschl, que
serviu de locação para os lmes que trouxeram a imperatriz para o
imaginário coletivo internacional: a série Sissi.
Os três lmes, lançados entre 1955 e 1957, Sissi; Sissi, a imperatriz e
Sissi e seu destino, fazem parte de um fenômeno do cinema alemão do
pós-guerra, os chamados “ lmes da terra natal”. A Alemanha saíra havia
pouco tempo da Segunda Guerra Mundial como perdedora. Além das
cidades destruídas e da economia em frangalhos, pesava sobre o país a
sombra do nazismo e todo o mal causado por esse regime
ultranacionalista. O apoio internacional, sobretudo por meio do Plano
Marshall, ajudou o país a começar sua recuperação, e uma das áreas
bene ciadas foi o cinema. A ideia era ajudar a reforçar o sentido de
orgulho nacional de uma maneira mais leve e poética. Isso foi feito por
meio do resgate de uma Alemanha idealizada do século XIX, com
mocinhas de tranças e guirlandas de ores vivendo aventuras românticas
inocentes, tendo os Alpes como cenário. Foi necessário apenas mais um
passo para que os lmes incorporassem o conto de fadas da jovem
princesa que se casou com o imperador.
A história, largamente romanceada e embelezada, fez um imenso
sucesso, não só na Alemanha como em muitos outros países. Parte desse
sucesso deve-se à escolha da atriz que interpretou a protagonista. Romy
Schneider, vinda de uma família de atores, tinha 17 anos e era
praticamente uma desconhecida. De olhos claros, cheia de vida e com
uma beleza angelical, a encantadora adolescente tinha a aparência e o
charme exatos para interpretar Elisabete, que o mundo passou a
conhecer pelo apelido de Sissi, recriado para o lme. Conforme o mundo
se apaixonava por Schneider, também se apaixonava pela gura
idealizada da imperatriz. O lme cumpria assim o seu papel como fuga
romântica num período no qual os horrores da Segunda Guerra ainda
impactavam a vida das pessoas.
Cartaz do lme Sissi, a imperatriz, de 1956, com a atriz Romy Schneider no papel de Sissi e Karlheinz
Böhm como Francisco José.
Décadas mais tarde, gerações continuam a assistir e a car
fascinadas pela trilogia, alimentando o mito de Sissi. Esse mito, por sua
vez, impulsiona o turismo. Desde o palácio de Gödöllő, na Hungria, até a
ilha da Madeira, multidões de admiradores fazem verdadeiras
peregrinações para qualquer lugar associado ao seu nome. Assim, Sissi, a
imperatriz que tanto rejeitou seu papel, tornou-se um símbolo romântico
que faz sobreviver no imaginário coletivo o nome e o esplendor da
família Habsburgo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Greenwood, 1980.

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Charles and Empress Zita of Austria-Hungary. Leominster: Gracewing,
1990.

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Maria Amélia. Funchal: Direcção Regional de Assuntos Culturais, 2009.

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2004.

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politique matrimoniale à la n du Moyen Âge (siècles XIIIe-XVI).
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<https://congress.esgo.org/media/2017/09/CV-Karl-von-Habsburg-
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minha vida; Um inverno na Madeira. Parede: Sopa de Letras, 2011, p.
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Húngaro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944.

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persönlichen Aufzeichnungen der Mutter Kaiser Franz Josephs. Salzburgo;
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to Today’s Refugees”. UNHCR, 27 set. 2019. Disponível em:
<https://www.unhcr.org/news/stories/2019/9/5d8df2ea4/legacy-19th-
century-empress-austria-extends-todays-refugees.html>. Acesso em: 12
jan. 2022.
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Sissi: tudo o que você sempre quis


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Sissi: tudo o que você ainda não


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A queda dos Habsburgos (1848 a


2011): a saga de uma dinastia
Casamento de D. Leopoldina em
Viena

O palácio de Hourg em Viena e


os Habsburgos

Uma tragédia mexicana:


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CADERNO DE IMAGENS
Águia bicéfala com 11 brasões dos reinos e países que compunham os domínios dos Habsburgos.
Escudo feito por volta de 1900. FOTO DE BIRGIT E PETER KAINZ. © MUSEU DE VIENA
A família do imperador Francisco I no castelo de Laxenburg. A menina que aponta para o lago é a
arquiduquesa Leopoldina, futura imperatriz do Brasil. O menino próximo a ela é o arquiduque
Francisco Carlos, que no futuro seria pai do imperador Francisco José. LITOGRAFIA COLORIDA DE F.
WOLF DE 1835 BASEADA EM DESENHO DE JOHANN NEPOMUK HÖCHLE DE 1807.
Retrato da família imperial ao redor de Napoleão Francisco, duque de Reichstadt, lho de Napoleão
Bonaparte e neto de Francisco I. Da esquerda para a direita: Carolina Augusta da Baviera, imperatriz
da Áustria; Francisco I; Napoleão Francisco; So a Frederica da Baviera, arquiduquesa da Áustria;
Maria Luísa da Áustria, duquesa de Parma, mãe de Napoleão Francisco; Fernando, futuro imperador
Fernando I; e Francisco Carlos, marido de So a, futuros pais do imperador Francisco José. ÓLEO
SOBRE TELA, LEOPOLD FERTBAUER, 1826. FOTO DE BIRGIT E PETER KAINZ. © MUSEU DE VIENA
Retrato do arquiduque Francisco José, futuro imperador da Áustria. FOTOTIPIA A CORES DE 1908
BASEADA EM UMA PINTURA DE FRIEDRICH VON AMERLING, VIENA, 1838.
Tentativa de assassinato do imperador Francisco José. JOHANN JOSEPHF REINER, ÓLEO SOBRE TELA, 1853.
FOTO: BIRGIT E PETER KAINZ. © MUSEU DE VIENA
Imperador Francisco José em uniforme de gala de marechal de campo. FRANZ RUSS, O VELHO, ÓLEO
SOBRE TELA, 1852. FOTO: BIRGIT E PETER KAINZ. © MUSEU DE VIENA
Este retrato de Sissi a cavalo foi um presente de noivado dela para Francisco José. Ao fundo, vemos
uma parte de Possenhofen, propriedade de sua família na Baviera. PINTURA A ÓLEO DE KARL THEODOR
VON PILOTY E FRANZ ADAM, 1853.
Sissi retratada por Franz Russ, o Velho, em 1855. FOTO: BIRGIT E PETER KAINZ. © MUSEU DE VIENA
Família imperial em 1856. Da esquerda para a direita: a arquiduquesa So a com a neta Gisela no colo;
de pé, o arquiduque Francisco Carlos; no centro, está Sissi, e, ao seu lado, Francisco José, com a lha
So a na frente. LITOGRAFIA COLORIDA FEITA COM BASE EM GRAVURA DE JOSEPH KRIEHUBER, DE 1856. ©
MUSEU DE VIENA
Sissi segurando Rodolfo nos braços. No chão, está Gisela, e, na parede, o quadro da falecida So a.
LITOGRAFIA DE JOSEF JOSEPH KRIEHUBER, LAXENBURG 1858.
Sissi em 1865, no famoso retrato em que aparece com as suas estrelas de diamantes nos cabelos. ÓLEO
SOBRE TELA DE FRANZ XAVER WINTERHALTER. © HOFBURG
Sissi com seus longos cabelos soltos. Esse quadro era um dos que o imperador Francisco José mandou
colocar em seu estúdio e que ainda é possível ver no Hourg. ÓLEO SOBRE TELA DE FRANZ XAVER
WINTERHALTER, 1854. © HOFBURG
Sissi vestindo o traje de corte húngaro. ÓLEO SOBRE TELA DE GEORG RAAB, 1867. © SISI MUSEUM
Chegada de Sissi ao castelo de Miramar em 1861. No alto, no cais, vemos Sissi, de negro,
cumprimentando a princesa Carlota. No barco, estão Francisco José e seu irmão Maximiliano. ÓLEO
SOBRE TELA DE CESARE DELL’ACQUA, 1865. © CASTELO DE MIRAMAR.
O imperador Maximiliano do México e sua esposa, Carlota, recebendo a visita de indígenas da tribo
Kikapú, que buscavam proteção para suas terras. ÓLEO SOBRE TELA DE JEAN ADOLPHE BEAUCÉ, 1865. ©
CASTELO ARTSTETTEN.
Castelo de Possenhofen, Baviera, onde Sissi passou boa parte de sua infância. FOTO AÉREA DE CARSTEN
STEGER.
Kaiservilla, Bad Ischl, Áustria. Nesse local, Francisco José e Sissi caram noivos em 1853. Na foto, é
possível ver as três alas do prédio, que formam a inicial “E”, de Elisabete. FOTO DE SIGMUNDS, 2007.

Francisco José em 1874. ÓLEO SOBRE TELA DE GEORG RAAB. © MUSEU BELVEDERE
Sissi em 1874, aos 36 anos, num dos últimos retratos que ela permitiu que zessem dela. ÓLEO SOBRE
TELA DE GEORG RAAB. © MUSEU BELVEDERE
A família imperial no parque de Gödöllo, Hungria. Da esquerda para a direita: Rodolfo, Francisco
José, Sissi, com Maria Valéria no colo, e Gisela. LITOGRAFIA COLORIDA DE VINCENZ KATZLER, 1871.
Villa Achilleion, em Corfu, Grécia, mandada construir por Sissi e onde ela passou algumas
temporadas. FOTO DE PRZEMEK PIETRAK.
Francisco José, a cavalo à direita, e Sissi, na carruagem, encontrando-se com Rodolfo e Estefânia no
parque do castelo de Laxenburg. ÓLEO SOBRE TELA DE KARL SCHWENINGER, 1881. FOTO DE BIRGIT E PETER
KAINZ © MUSEU DE VIENA
O imperador Francisco José, viúvo, em seu estúdio no palácio de Schönbrunn pouco antes de falecer,
em 1916. Na parede, vemos um retrato de Sissi quando jovem. ÓLEO SOBRE TELA DE FRANZ VON
MATSCH. FOTO BIRGIT E PETER KAINZ. © MUSEU DE VIENA
Francisco José e seus herdeiros, o arquiduque Carlos, de pé, e o lho dele, Oto, com soldados de
brinquedo. Litogra a colorida de J. Streyl, 1915.

Chegada da rainha Zita e do príncipe herdeiro Oto ao palácio real em Budapeste, em dezembro de
1916, para a coroação dos reis da Hungria. ÓLEO SOBRE TELA DE GYULA ÉDER, 1929.
Estátua de Sissi no Funchal, Ilha da Madeira. Escultura feita em bronze por Lagoa Henriques em
2000. FOTO DE PÁSZTÖRPERC.
1 ANDERS; EGGERT, Maximilian von Mexiko, 1982. p. 12.
2 BAGGER, Francis Joseph, 1927. p. 125.
3 BAGGER, Francis Joseph, 1927. p. 214.
4 HAMANN, e Reluctant Empress, 1986. p. 13.
5 Ibid., p. 14.
6 Ibid., p. 15.
7 Ibid., p. 16.
8 Ibid., p. 18.
9 DES CARS, Jean. Sissi, 1995. p. 25.
10 HAMANN, e Reluctant Empress, 1986. p. 11.
11 HAMANN, e Reluctant Empress, 1986. p. 20.
12 HAMANN, e Reluctant Empress, 1986. p. 34.
13 TSCHUDI, Elizabeth, Empress of Austria and Queen of Hungary, 1901. p. 58.
14 Ibid, p. 59.
15 PALMER, Twilight of the Habsburgs, 1995. p. 96.
16 Apud HABSBURGO; BÉLGICA, Memórias da minha vida: Um inverno na Madeira, 2011. p.
164.
17 HAMANN, e Reluctant Empress, 1986. p. 104.
18 PALMER, Twilight of the Habsburgs, 1995. p. 151.
19 Idem.
20 BRAGANÇA, A Princesa Flor dona Maria Amélia, 2009. p. 53.
21 Idem.
22 HASLIP, e crown of Mexico, 1972. p. 499.
23 Idem.
24 PALMER, Twilight of the Habsburgs, 1995. p. 160.
25 HAMANN, e Reluctant Empress, 1986. p. 45.
26 Ibid., p. 203.
27 CORTI, Elizabeth, Empress of Austria, 1936. p. 239.
28 Ibid., p. 361.
29 PALMER, Twilight of the Habsburgs, 1995. p. 215.
30 HAMANN, e Reluctant Empres, 1986. p. 278.
31 HAMANN. e Reluctant Empress, 1986. p. 369.
32 WILLIAMSON, Terrorism, war and International Law, 2016.
33 PALMER, Twilight of the Habsburgs, 1995. p. 285.
34 HAMANN, e Reluctant Empress, 1986. p. 370.
35 Idem.
36 ALBERTINI, e origins of the war 1914, 1980. p. 51.
37 VOVK, Imperial Requiem, 2014. p. 221.
38 HABSBURG, Curriculum vitae, [2022].
Sumário
Capa
Folha de rosto
Créditos
Dedicatória
Sumário
Introdução
Árvore genealógica da imperatriz Sissi
AEIOU
Ventos de mudança
Herdeiros de um império
Francisco José, o desejado
Novo imperador, velhas ideias
Uma noiva para o imperador
Sissi, a indomável
Um casamento imperial
Um início difícil
A imperatriz do povo
Altos e baixos
A viajante
A disputa na Alemanha
A rainha da Hungria
Uma tragédia mexicana
O culto à beleza
A dama do dominó amarelo
Mayerling
O ocaso da imperatriz
O herdeiro rebelde
Sarajevo
O último imperador
A serviço do país, no exílio
Os Habsburgos muito além do trono
Referências bibliográ cas
Saiba mais no canal do youtube de paulo rezzutti
Caderno de imagens
Os últimos czares
Rezzutti, Paulo
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280 páginas

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De um lado, reis, rainhas, intrigas palacianas e luxo, muito luxo. Do


outro, fome, miséria, palavras de ordem exigindo justiça social,
revolucionários, lutas e morte. Sonho de um lado e realidade do
outro? Um revolucionário diria que a construção de uma nova
realidade passa por sonhá-la. Fato é que dos contos de fadas às
monarquias ao longo da história, a vida da realeza, com seus
símbolos, riqueza, luxo e rituais, sempre estiveram no imaginário da
humanidade nas mais diversas culturas. Da mesma forma, as
hordas revolucionárias, com suas marchas, protestos e motins, que
tentam romper de forma abrupta a ordem política e social
estabelecida, também povoam o nosso imaginário num misto de
admiração e pavor, habitando os nossos sonhos e pesadelos. Neste
livro, o escritor e pesquisador Paulo Rezzutti junta os dois lados
dessa moeda numa história só: a da família Romanov, os últimos
czares da Rússia imperial, que foram presos e depostos do poder
pelos bolcheviques durante a revolução de outubro de 1917 e
assassinados em 1918, nos apresentando, ainda, um belíssimo
caderno de fotos, com imagens inéditas ao público brasileiro,
registrando o cotidiano da família real.

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Projeto Nacional
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Gomes, é um convite para debater racionalmente o país que somos
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problemas e as pistas para sua solução", escreve Ciro na
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nosso desenvolvimento com democracia, liberdade e justiça, como
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livro, de Amanda Lovelace, é comparado ao fenômeno editorial
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a linguagem direta, em forma de poesia, e a temática
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método que revolucionou processos de gestão pode ser usado no
dia a dia de todos, ajudando a tirar do papel projetos que vão de
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do papel com Scrum oferece um olhar prático sobre a técnica que
revolucionou os processos de gestão ao permitir que profissionais
produzam muito mais em muito menos tempo. O autor Alexandre
Magno, um dos pioneiros do Scrum no Brasil e seu primeiro
certificador na América Latina, mostra aqui a segunda revolução: o
uso do método em projetos pessoais. No livro, ele compartilha
técnicas e atitudes que podem ser incorporadas às rotinas não
apenas de executivos e programadores, mas também de
estudantes, famílias, viajantes, artistas e profissionais em geral –
enfim, de todas as pessoas que precisam tirar um projeto, qualquer
que seja, do papel. A meta pode ser sair de férias, escrever um livro,
mudar de carreira, reformular o guarda-roupa, comprar uma casa,
aprender a cozinhar, ampliar a receita de um negócio... O que
importa é abrir caminho para fazer com que o plano dê certo,
mesmo com todas as complicações que naturalmente surgem no
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