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João V morreu
Para ter água com fartura, o povo teve de pagar. Mas valeu a pena!
O luxo na corte
Amantes de D. João V
A Madre Paula (1701-1768) foi uma freira famosa, apenas por ser
amante do rei D. João V, de quem teve vários filhos.
A madre Paula, religiosa de Odivelas e mãe de D. José, um dos
Meninos de Palhavã, tornou-se a amante mais célebre do Magnânimo,
ficando para sempre associada ao monarca e ao seu reinado. O traço de
escândalo da paixão que teria inspirado a D. João V durante uma longa
relação amorosa combina-se com a fama do espantoso luxo que a
protecção do soberano enriquecido pelo ouro brasileiro forneceria a
Paula.
Paula Teresa da Silva nasceu em Lisboa em 17 de Junho de 1701,
sendo baptizada na freguesia de Santa Justa, de acordo com o registo de
baptismos desta paróquia. O seu avô paterno era João Paulo de Bryt, um
alemão estabelecido em Lisboa como ourives. Do seu casamento com
Leonor de Almeida (filha do marinheiro napolitano Domingos Urselo e
de Domingas Andrade Almeida) nasceu Adrião de Almeida Paulo, que
seguiu a profissão do pai. Adrião de Almeida e a sua mulher, Josefa da
Silva e Sousa, tiveram três filhas, Maria Micaela da Luz, Paula Teresa da
Silva e Leocádia Felícia de Assis e Almeida.
De acordo com os registos do mosteiro de Odivelas, Maria Micaela
da Luz tornou-se noviça em 15 de Agosto de 1704, tendo professado a 4
de Outubro desse ano e permanecido na instituição até à sua morte (4
de Julho de 1768). Quanto a Leocádia Felícia, também passou por
Odivelas, vindo no entanto a casar com José Falcão de Gamboa Fragoso
(morgado da Boavista e Santo Aleixo e dono da Quinta da Bela Vista, ou
Quinta do Falcão, na Pontinha), do qual teve uma filha.
Paula Teresa seguiu o exemplo da irmã mais velha, juntando-se a
Maria da Luz no mosteiro de Odivelas, cujos assentos registam o seu
noviciado, em 31 de Janeiro de 1717, tal como a profissão, em 22 de
Fevereiro do ano seguinte. A sua entrada na vida religiosa parece ter
sido decidida pelo pai desde muito cedo. Os escassos recursos de Adrião
de Almeida justificariam essa vontade de assegurar o sustento das filhas
através do seu ingresso no célebre mosteiro dos arredores de Lisboa.
Não existe base para a hipótese de Paula ter conhecido D. João V antes
de entrar para a congregação.
Odivelas era um local assiduamente frequentado pela nobreza de corte
na época em que Paula se tornou freira. Em 1719, realiza-se no mosteiro
a festa do Desagravo do Santíssimo Sacramento (11 de Maio),
promovida pelo conde de Penaguião e por Francisco de Assis de Távora,
na qual se ofereceu “um magnífico jantar a toda a Nobreza que assistiu”
à cerimónia. No mesmo ano, a 23 de Outubro, ocorre em Odivelas, com
a presença da Corte, a tourada comemorativa do casamento de D. Brás
Baltasar da Silveira e D. Joana de Meneses (filha dos condes de
Santiago). Não faltariam, portanto, oportunidades para D. João V e os
titulares que o rodeavam se deslocarem ao local.
Terá sido por esta altura que começaram os encontros entre o rei e
Paula Teresa da Silva, uma vez que D. José de Bragança nasce, em Lisboa,
no dia 8 de Setembro de 1720. Sobre a forma como o monarca e a filha
de Adrião de Almeida se conheceram, existem versões sem grande
credibilidade, como as de Charles Fréderic de Merveilleux (o interesse
por outra mulher que resistia, refugiando-se em Odivelas, à sua
aproximação teria levado o rei ao mosteiro, onde conheceria Paula) e
Alberto Pimentel (para este autor, o primeiro interesse amoroso do
monarca seria D. Madalena de Miranda, mãe de D. Gaspar, outro dos
“Meninos de Palhavã”).
O luxo de Paula
Adrião de Almeida beneficiou da ligação entre a sua segunda filha e o
monarca, que lhe concedeu algumas benesses, documentadas na
Chancelaria da Ordem de Cristo. Em 15 de Setembro de 1722, o pai de
Paula recebe o hábito de Cristo (nesta altura, segundo a carta que lhe
atribui o hábito, era já viúvo e maior de 50 anos) e é armado cavaleiro,
recebendo licença para professar no Mosteiro de Nossa Senhora da Luz.
É-lhe também atribuída uma tença de 12 réis “no Almoxarifado da Fruta
de Lisboa” (8 de Outubro).
Em 1728, Paula recebe tenças avultadas, registadas na Chancelaria
de D. João V. Assim, em 28 de Abril, são concedidos à religiosa 210 mil
réis anuais. Em 10 de Maio, são atribuídos 210 mil réis por ano a Paula e
a todos os seus herdeiros e sucessores, “assentados nos direites da Casa
de India e pagos como athegora em duas pagas de Natal e São João”.
Finalmente, a 3 de Novembro, é estabelecida uma tença de 1288 mil réis
(cedida por Manuel Tomás da Silva, deão da capela real de Vila Viçosa),
que duraria três vidas (Paula, Maria da Luz, Leocádia), podendo
prolongar-se por mais duas vidas, caso a terceira beneficiária tivesse
filhos.
D. João V não deixaria de mandar construir para Paula “uma
residência cujo interior era digno da magnificência do rei do ouro”,
erguendo o edifício conhecido popularmente por “Torre da Madre
Paula” (demolido em 1948 devido ao perigo de derrocada, aquando de
obras no espaço do mosteiro). Aí se localizariam os aposentos de Paula e
da sua irmã Maria da Luz.
Uma descrição do seu interior encontra-se num manuscrito anónimo
e sem data (existente na Biblioteca Nacional de Lisboa), embora
aparentemente contemporâneo das habitantes da casa, uma vez que
utiliza o tempo presente (“O quarto de cima, aonde assistem”, “O
gabinete em que se touca Paula”). Um dos exemplares conhecidos do
documento possui o título de Notícia verdadeira do ornato que se viu
nas casas de Madre Soror D. Paula Maria, religiosa no mosteiro de
Odivelas. Seria a quem El-Rei D. João V tratou com as mais distintas
honras obrigado a um amoroso afecto.
O texto refere as várias divisões que compõem os aposentos de
Paula e Maria da Luz, enumerando a decoração (“assentos de veludo
amarelo, com passamanes de prata”, “armado de melania carmesim,
com franjas e passamanes cor de ouro”) e os móveis que as
ornamentam, procurando o autor impressionar com a profusão de
objectos como espelhos (frequentemente dourados) ou bufetes
(existentes em todos os espaços descritos, excepto no oratório, também
ele luxuoso). Alguns móveis, como o “leito da moda” de Paula, com
“santos de ouro maciço em relevos” e roupa também valiosa (“lençois de
olanda mui boa”), merecem particular destaque. O autor afirma não ter
contemplado (“isto ainda não se viu”) as numerosas arcas “de roupa de
cheiro” que se dizem existir.
O aspecto mais impressionante da descrição é a abundância de prata
(“tudo de prata dourada, que não tem número”, “e tudo, que não se
pode repetir, de prata”), de talha dourada (“as paredes de talha
dourada”, “tectos de entalhados dourados”, “oratório todo de talha
dourada”, “duas sanefas de talha dourada”, etc.) e ouro (“cortinas
bordadas de ouro e borlas de ouro”). A repetição de termos relativos a
este metal (nos onze parágrafos do texto, a palavra “ouro” é utilizada
trinta vezes, tal como o conjunto de adjectivos dela derivados) destaca a
preocupação do autor anónimo em realçar o esplendor da habitação. Os
metais brasileiros abundariam em Odivelas, sendo a habitação de Paula
(servida por nove criadas) um verdadeiro símbolo do esplendor joanino.
César de Saussure contribui para a ideia do luxo de Paula com a sua
descrição da “banheira de prata maciça”, “dourada por dentro e por
fora”, que viu em Londres (a qual terá sido encomendada em 1724 por
D. João V ). Fabricada para oferta à amante do monarca português, “uma
religiosa de não sei que convento”, a banheira pesaria 3580 onças,
causando, pela sua beleza, a admiração da corte britânica.
A caracterização pormenorizada do edifício presente no documento
anónimo tem sido considerada verosímil, embora Carlota Abrantes
Saraiva aponte a ausência de referências aos conjuntos de valiosos
azulejos joaninos cuja existência no local, já no século XIX, é referida por
Borges de Figueiredo e Manuel Bernardes Branco. Na minha opinião, o
manuscrito que descreve a habitação da freira erroneamente designada
por “Paula Maria” no título pode não merecer plena confiança, caindo
no exagero. Terá surgido em resultado quer do interesse pela relação
extraconjugal de D. João V quer da fama que logo na altura se criou
acerca da ostentação que constituía um aspecto essencial da imagem do
rei freirático. A sua favorita não poderia deixar de beneficiar dessa
riqueza, correspondendo o conteúdo do texto às expectativas dos
eventuais leitores.
Mitos criados logo na primeira metade do século XVIII estarão na
origem da crença no luxo oriental da religiosa. No entanto, D. João V
terá contribuído (conscientemente?) para essa lenda com as benesses
que concedeu a Paula e à sua família e o seu investimento na decoração
da Torre (cujos aposentos principais terão sido destruídos pelo sismo de
1755).
Meninos de Palhavã
http://pt.wikipedia.org/wiki/Meninos_da_Palhav%C3%A3