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O estado da Nação quando D.

João V morreu

O reinado do "Magnânimo" ficou famoso pela tendência do monarca


em copiar Luís XIV e a corte francesa. O ouro do Brasil deu ao soberano e
à maioria dos nobres a possibilidade de ostentarem opulência como nunca
anteriormente tinha acontecido. Por toda a parte se construíram igrejas,
capelas, palácios e mansões em quantidade. Em Mafra, perto de Lisboa,
um enorme mosteiro exibiu a magnificência real. D. João V ocupou-se
igualmente das artes e das letras, despendendo vastas somas na aquisição
de livros e na construção de bibliotecas. Como em tantas cortes do século
XVIII, a depravação moral ocupou lugar preponderante.

A. H. Oliveira Marques, História de Portugal

Testemunhos desta época

Uma explicação muito popularizada desse fenómeno consiste em


responsabilizar o próprio D. João V pela dissipação dos tesouros vindos do
Brasil. É verdade que o Rei consumiu quase tudo quanto ao Estado coube
no rendimento das minas brasileiras na manutenção de uma corte luxuosa
e em gastos enormes relacionados com o prestígio real. Aliás, algumas
dessas minas de ouro e diamantes no Brasil acabaram por esgotar-se
rapidamente.
Outros testemunhos dão conta de um país arruinado e da maioria das
actividades económicas nas mãos de estrangeiros, depois da morte do
"Magnânimo". Esses empresários e artífices estrangeiros tinham sido
muitos deles convidados (e subsidiados) por D. João V, com o pretexto de
desenvolver a indústria nacional. Em 1750, quando morreu o Rei, a maior
parte deles estavam falidos!

O que dizem os historiadores

Apesar do ouro e dos diamantes vindos do Brasil, continuou a haver


em Portugal ricos e pobres como dantes. A respeito deste ciclo do ouro, o
Professor Hermano Saraiva diz que "a maré alta passou por nós como o
vento e deixou o País como dantes"O período de maior afluxo de ouro
brasileiro coincide aproximadamente com o longo reinado de D. João V,
que se estendeu por perto de meio século (1706-1750). Mas o aumento
da receita pública e privada não se repercutiu em modificações sensíveis
na estrutura social portuguesa.

Aqueduto das Águas Livres

Para ter água com fartura, o povo teve de pagar. Mas valeu a pena!

A arte no reinado de D. João V

O Convento de Mafra, em que chegaram a trabalhar 50 mil pessoas,


para não falar do exagero dos dois carrilhões, com um total de 114 sinos,
que encomendou para as torres do Convento. Em toda a Europa, este é o
único monumento em que há dois carrilhões! D. João V quis que Mafra
desse não só nas vistas, mas também nos ouvidos. Por isso mandou
compor peças musicais para serem executadas por dois carrilhões ao
mesmo tempo. E, por ordem do Rei, até vieram músicos de toda a Europa
para as tocarem.
D. João V, o rei absoluto

Dentro desta conjuntura política europeia, D. João V seguiu as pegadas


de Luís XIV (símbolo máximo do absolutismo europeu) e fez-se um Rei-Sol
à portuguesa. Tornou-se o centro das atenções de todo o reino de
Portugal e imitou a corte francesa.
Durante o seu reinado as cortes deixaram de ser convocadas — o Rei, e só
o Rei, mandava.

O luxo na corte

A corte de D. João V tornou-se famosa pela sua riqueza e ostentação.


Os palácios do rei eram mobilados com grande luxo, muitas vezes com
peças em talha dourada, por cima dos móveis eram colocados objectos
em prata e peças de requintadas loiças.
Para mostrar a sua riqueza e o seu poder organizava concertos, bailes,
espectáculos de ópera e de teatro, assim como opulentos banquetes. O
café, o chocolate e o chá eram bebidas raras e caras que serviam para
terminar a refeição. Também se aspirava o rapé.
João V, O Magnânimo
24.° rei de Portugal, nasceu em Lisboa a 22 de Outubro de 1689, onde
também faleceu a 31 de Julho de 1750. Era segundo filho de D. Pedro II,
e de sua segunda mulher, a rainha D. Maria Sofia Isabel de Neuburgo.
Falecendo seu irmão mais velho, do mesmo nome João, a 30 de
Agosto de 1688, tendo apenas um mês de vida, foi proclamado príncipe
herdeiro em 1 de Dezembro de 1697, em acto solene na presença da
corte, e por morte de seu pai, em Dezembro de 1706, subiu ao trono,
sendo solenemente aclamado no dia 1 de Janeiro de 1707. Em 1696 fora
armado por seu pai cavaleiro da ordem de Cristo. No Anno Historico, do
padre Francisco de Santa Maria (vol. I, pág. 12 e seguintes), vem uma
descrição minuciosa desta cerimónia e das festas que então se
realizaram.

D. João V herdou de seu pai uma guerra que ia começar a ser


desastrosa, a da Sucessão de Espanha. Os pretendentes eram o
arquiduque Carlos e duque de Anjou, neto de Luís XIV, Filipe V. A
Espanha aceitava a realeza de Filipe V, e D. Pedro II, de Portugal, aliara-
se com os ingleses e os austríacos a favor do arquiduque. O duque
Berwick, um dos generais de Filipe V, tinha na sua frente o general
português, marquês das Minas, que na campanha de 1706 atravessou a
Espanha e entrou vitorioso em Madrid, onde fez aclamar o arquiduque
com o nome de Carlos III. Mas a vontade decidida de Espanha de querer
Filipe V para seu rei, era muito poderosa. As províncias intermediárias
entre Madrid e Portugal sublevaram-se em massa, ao mesmo tempo Luís
XIV, por um esforço desesperado, reforçava as forças do duque de
Berwick, e o marquês das Minas achava-se em Madrid cortado da
fronteira portuguesa. Outro general do arquiduque, lorde Peterborough,
desembarcara na província de Valência da qual tomara posse, e o
marquês das Minas, obrigado a abandonar Madrid, em vez de se retirar
para Portugal, foi para Valência. O duque de Berwick seguiu-o desejoso
de dar batalha nas planícies dessa parte da Espanha, por causa da
grande superioridade da sua cavalaria. O marquês das Minas desejava
evitá-la, por isso mesmo, mas lorde Galloway, comandante das tropas
auxiliares inglesas, insistiu para que se travasse a luta. Deu-se então a
batalha de Almanza a 25 de Abril de 1707, em que ficou vencedor o
partido de Filipe V. O marquês das Minas deixou sob o comando do
conde de Atalaia um pequeno exército português agregado às tropas
inglesas e veio para Portugal. A guerra daí em diante foi apenas uma
série de combates de pouco valor nas fronteiras, sendo o facto mais
importante a defesa de Campo Maior, em 1711, ultima façanha da
guerra da Sucessão de Espanha, em que Portugal se envolvera.
A guerra expôs à perseguição dos franceses a nossa marinha e as
nossas colónias. Em 1710 organizou-se em Brest uma pequena esquadra
para atacar o Rio de Janeiro, mas o comandante, Mr. du Clerc, ficou
derrotado caindo em poder dos portugueses. Esta notícia causou a maior
satisfação em Lisboa, e celebrou-se um solene Te Deum na capela real a
que assistiu el-rei e toda a régia família. No ano seguinte, 1711, uma
outra esquadra, comandada pelo célebre marítimo Du Guay-Trouin, veio
atacar o Rio de Janeiro, e vingou cruelmente o desastre do seu
compatriota du Clerc, apesar da forte resistência, oposta pelo
governador Francisco de Castro de Morais. A cidade foi posta a saque.
Finalmente, em 1715 assinou-se o tratado de Utrecht entre as
diversas potências beligerantes, que trouxe a paz à Europa. Nesta luta
foi Portugal que menos aproveitou, porque nenhumas compensações
obteve por tantos e tão cruéis sacrifícios.

Enquanto durara a guerra com a Espanha e a França, deu-se o


casamento de el-rei D. João V com a arquiduquesa D. Maria Ana de
Áustria, filha do imperador Leopoldo, irmã do imperador José, então
reinante, e do imperador Carlos VI. Foram assombrosas as solenidades
que se realizaram em Viena e depois em Lisboa à chegada da nossa
rainha. O conde de Vilar Maior, Fernando Teles da Silva, foi encarregado,
como embaixador extraordinário, de ir pedir em casamento a
arquiduquesa. O embaixador chegou a Viena a 21 de Fevereiro de 1705,
e antes de fazer a sua entrada pública, recebeu audiência particular do
imperador, da imperatriz sua mulher e da imperatriz viúva; dias depois
também lhe foi concedida audiência das arquiduquesas. A entrada oficial
demorou-se algum tempo, porque o embaixador português esperava
que da Holanda lhe chegassem alguns coches e cavalos, que deviam
figurar no acto solene. No dia 7 de Junho é que se realizou a imponente
cerimónia da apresentação. O conde de Vilar Maior saiu de Inzerstorff,
para onde partira na véspera, e entrou em Viena com todo o aparato; aí
o esperava o conde Waldestein, marechal da corte, o qual o conduziu
com dois coches do imperador, e mais 42, tirados a seis cavalos,
mandados pelos cavalheiros principais da corte com os seus gentis-
homens. 0 cortejo era imponente; passou pelo paço da Favorita, em
cujas janelas se viam o imperador José, as imperatrizes e as
arquiduquesas, e seguiu até ao palácio do embaixador português. No dia
seguinte, o conde Gundacharo Poppone de Dietrichstein, com os
mesmos dois coches do imperador, foi buscar o conde de Vilar Maior,
Fernando Teles da Silva, para o conduzir ao paço da Favorita, à audiência
pública dos imperadores reinantes, e pouco depois ao paço de Viena,
onde também foi recebido em audiência pela imperatriz viúva e pelas
arquiduquesas. No dia 21 de Junho é que no paço da Favorita, em solene
audiência foi pedida em casamento a arquiduquesa D. Maria Ana, em
nome de el-rei de Portugal D. João V. Repetiu-se depois a mesma
cerimónia no paço da imperatriz viúva. O embaixador entregou à futura
rainha o retrato de D. João V, guarnecido de diamantes de grande valor.
Neste mesmo dia se assinou o contrato de casamento. À noite houve
baile no Paço, e no dia seguinte realizou-se no palácio do embaixador
um magnífico cortejo, a que assistiu toda a corte austríaca. Em 9 de
Julho efectuou-se a cerimónia nupcial, sendo o imperador quem recebeu
a rainha por procuração do rei de Portugal; foi celebrante o cardeal de
Saxónia Zeits, a quem o conde embaixador presenteou com um dos seus
coches, tirado a seis cavalos, presenteando também com diversas
dádivas todos os demais capelães que assistiram à solenidade.
Na viagem para Portugal tocou em diversos portos, realizando-se
sempre pomposas festas, até que em 26 de Outubro chegou a Lisboa,
onde teve uma imponentíssima recepção. No paço da Ribeira houve
serenatas e músicas. No Terreiro do Paço queimaram-se fogos de
artifício, e armou-se um anfiteatro, onde em três tardes sucessivas se
realizaram corridas de touros. No dia 22 de Dezembro, seguidas dum
pomposo cortejo, foram as pessoas reais e toda a corte à Sé, onde se
cantou um solene Te Deum.
No Anno Histórico do Padre Francisco de Santa Maria (vol. II, pág 334
e seguintes), vêm minuciosamente descritas as esplêndidas festas, os
deslumbrantes cortejos e cerimónias, que se realizaram em Viena de
Áustria e em Lisboa, assim como a descrição do dote da rainha, do
contrato do casamento e de muitas ofertas feitas pelo imperador da
Áustria às pessoas que compunham a embaixada portuguesa.

Em Lisboa houve por esta época uma notável contenda com os


embaixadores das principais potências, que insistiam para terem umas
franquias incompatíveis com o regular andamento da justiça. D. João V
foi sempre muito enérgico em todas estas contendas com os ministros
estrangeiros, mantendo as prerrogativas da Coroa e as preeminências
marcadas pela etiqueta com a mais severa austeridade. Também pode
dizer-se que em poucas épocas teve Portugal diplomatas tão hábeis
como no tempo de D. João V, em que se encontram os nomes de D. Luís
da Cunha, Diogo de Mendonça Corte Real e de Alexandre de Gusmão. O
monarca era extremamente devoto, e dessa exagerada devoção resultou
intervir Portugal numa guerra entre o papa, os venezianos e os turcos.
Em 1716 enviou em socorro do papa uma luzida esquadra, comandada
pelo conde do Rio Grande, que tomou parte na gloriosa vitória do cabo
Matapan, mas que sobrecarregou a fazenda com uma despesa enorme.
Descuidava das causas urgentes do país e despendia largas e fabulosas
somas com a cúria romana, com igrejas e monumentos religiosos.
Construiu o grandioso convento de Mafra, que custou 120 milhões de
cruzados; a capela de S. João Baptista na igreja de S. Roque, obra
riquíssima que se construiu em Roma pelo desenho de Vanvitelli e,
enquanto se não concluiu, D. João V mandava repetidas vezes
importantes quantias exigidas pelo papa, então Benedito XIV. Em 1744
ficou pronta a capela, que se armou dentro da igreja de S. Pedro e,
depois de sagrada em 15 de Dezembro do referido ano, o papa oficiou de
pontifical. El-rei, por esta distinção feita à sua devota capela, presenteou
o pontífice com 100 000 cruzados. Em 1746 foi toda desarmada e
cuidadosamente encaixotada, transportando-se assim para Lisboa,
sendo acompanhada por alguns dos artistas que tinham trabalhado na
obra e do escultor afamado Alexandre Giusti, que nunca mais
abandonou Portugal. Quando a capela chegou a Lisboa, achava-se D.
João V gravemente doente, e já não pôde ver realizada a sua
monumental obra, porque faleceu pouco tempo depois. A capela
somente se colocou em S. Roque já no reinado de D. José, em 13 de
Janeiro de 1751. No vol. XI do Gabinete Histórico, de Fr. Cláudio da
Conceição, vem descrita a história da capela de S. João Baptista na igreja
de S. Roque e de todas as suas grandiosas riquezas.
D. João V engrandeceu bizarramente a capela real que ele elevou a
uma sumptuosa patriarcal com um numeroso cabido, músicas e
cantores. Dividiu Lisboa em duas partes: Lisboa Oriental e Lisboa
Ocidental; a primeira metropolitana e a segunda patriarcal. As
negociações para a concessão desta igreja custaram também
importantíssimas somas, que se enviaram à Cúria romana; conseguiu
igualmente do Papa a 22 de Dezembro de 1748, a troco de grandes
dádivas, a denominação de rei fidelíssimo para si e para os seus
descendentes, considerando assim como a maior glória da sua raça o ter
sido sempre fiel à Santa Sé. As prodigalidades deste monarca eram
extraordinárias: enriqueceu os conventos, deu dinheiro ilimitado aos
fidalgos; nos últimos anos da sua vida mandou rezar para cima de
700000 missas; por uma imagem que o papa benzeu, de prata dourada,
deu 120000 cruzados; para Jerusalém mandou 1377 cruzados; fundou o
convento do Louriçal, dotando-o com 6000 cruzados, e deu-lhe muitas
alfaias e pratas; criou dois bispados no Brasil; mandou para diferentes
igrejas do estrangeiro alfaias e adornos de incalculável valor; em
indulgências e canonizações enviou para Roma perto de 1,38 milhões de
cruzados; na missão que foi a Roma assistir a um conclave gastou-se
para cima de dois milhões de cruzados; ao núncio Bichi, quando se
retirou de Lisboa, mandou dar-lhe 1000 moedas para ajuda da viagem;
ao cardeal Oddi deu-lhe uma caixa de brilhantes no valor de 20000
cruzados, etc. Apesar da sua exagerada devoção, não tinha escrúpulo em
profanar a clausura das virgens do Senhor, o que lhe adquiriu o título de
rei freirático, transformando, por exemplo, o convento de Odivelas,
sustentando escandalosamente os seus amores com a madre Paula,
freira sua predilecta.
O que bastante ilustra este reinado foi a edificação do Aqueduto das
Águas Livres, melhoramento de grande importância, e a fundação da
Academia Real da História Portuguesa, pelo decreto de 8 de Dezembro
de 1720. Esta Academia tinha por fim escrever a história eclesiástica
destes reinos, e depois tudo o que pertencesse à história deles e de suas
conquistas. Também neste reinado se deu muita atenção aos estudos de
cirurgia: em 1715 foi impressa a tradução da Cirurgia de Le Clerc; em
Abril de 1731 estabeleceu-se no Hospital Real de Todos os Santos uma
escola cirúrgica, dando as lições Isaac Eliot com cirurgiões de partido, aos
quais el-rei assignou o vencimento de um tostão por dia. No Porto
estabeleceu-se em 1746 a Academia Cirúrgica Protótipo-Lusitânica
Portuense, cujos estatutos foram aprovados por D. João V.
Na Historia dos Estabelecimentos científicos, literários e artísticos, de
José Silvestre Ribeiro, vol, I, pág. 174 e seguintes, encontram-se notícias
circunstanciadas acerca desta academia.
D. João V tinha constante desvelo em favorecer os autores pobres,
habilitando-os a publicar os seus escritos, que sem a protecção do
monarca, ficariam por imprimir. Se alguma obra lhe era indicada como
excelente, e já rara, não hesitava em a mandar reimprimir. Foi assim que
se publicou a Historia Genealogica da Casa Real Portugueza, por D.
António Caetano de Sousa; O Vocabulario portuguez e latino de Bluteau;
o Corpus poetarum lusitanorum, do padre António dos Reis, e outras
muitas obras. Reuniu, com grande dispêndio, uma rica livraria no seu
palácio, bem como numerosos e interessantes objectos de estudo. D.
António Caetano de Sousa dá curiosas notícias a este respeito: «Assim
tem, diz ele, uma numerosa e admirável livraria, em que se vêem as
edições mais raras, grande número de manuscritos, instrumentos
matemáticos, admiráveis relógios, e muitas outras coisas raras que
ocupam muitas casas e gabinetes. Não havia no Paço mais que um
pequeno resto da Livraria antiga da Sereníssima Casa de Bragança: El-rei
o fez colocar em esta Real biblioteca, que se compõe de muitos mil
volumes, que quase não cabem no grande edifício chamado o Forte.»
Determinou ao seu enviado junto à Santa Sé, Manuel Pereira de
Sampaio, que formasse uma colecção de tudo quanto pudesse descobrir
nas bibliotecas da Cúria Romana, que dissesse respeito à história do
reino. Do cumprimento desta ordem proveio talvez a colecção que tem o
título de Symmicta Lusitanica, que existe na Biblioteca Real da Ajuda,
excedente a 200 volumes. A Sebastião José de Carvalho, quando foi
ministro plenipotenciário na Grã-Bretanha, ordenou que reunisse uma
colecção de bíblias hebraicas, e de tudo quanto pertencesse a seus ritos,
leis, costumes e polícia, em qualquer das línguas vivas. Aquela preciosa
colecção chegou a Lisboa no ano de 1743. Por este tempo foi Martim de
Mendonça nomeado bibliotecário de el-rei e adiantou este ramo de
erudição, mandando vir obras da mesma natureza na língua original, em
que era muito versado. Para aumentar a Biblioteca Real sustentou o
soberano muitos amanuenses fora do país por alguns anos. Para o
mesmo fim fez comprar diversas colecções de livros, tiveram ordem os
livreiros Gendeon e Reycend de mandar vir os que pudessem alcançar.
Destes livros repartiu el-rei com as bibliotecas das Necessidades e de
Mafra, por sua ordem se abriram nesta última casa, em Janeiro de 1731,
escolas públicas, com sete cadeiras. Em Outubro deste mesmo ano
chamar a Lisboa Martim de Pina de Proença, para formar o catálogo da
livraria real, na ocasião em que tinham chegado 20000 volumes. A
Universidade de Coimbra não possuía uma casa competente para
acomodação duma livraria. 0 reitor Nuno da Silva Telles solicitou e
obteve do soberano a permissão de construir um bom edifício. A
provisão régia, que deu esta licença, tem a data do de 31 de Outubro de
1716. A casa da livraria veio a concluir-se, sendo reitor Francisco
Carneiro de Figueiroa. D. João V, também elevou a 100$000 réis anuais a
verba de 40$000 réis, que a Universidade tinha para a compra de livros.
Promoveu os estudos militares, mandando traduzir e imprimir algumas
obras de fortificação e artilharia, assistindo a actos solenes dos exames
de tais disciplinas e decretando, em 24 de Dezembro de 1732, que, além
da Academia Militar estabelecida na corte, e a da praça de Viana do
Minho, se estabelecessem outras academias militares: uma na praça de
Elvas e outra na de Almeida. Em 1713 já o monarca havia mandado
traduzir e imprimir a Fortificação Moderna, de Pfeffinger. Foi protector e
académico, com o título de Pastor Albano, da Academia dos Árcades, de
Roma, e ali comprou um sítio em que se estabeleceu a Academia, para
se realizarem as suas assembleias. Sobre a porta do edifício está
colocada uma inscrição latina. Esta Arcádia fora fundada em 1690 por
alguns poetas célebres. Mandando D. João V vir par a sua igreja
patriarcal músicos e cantores italianos, começou em Portugal a
influência da música italiana.
As solenidades que se realizavam naquele sumptuoso templo eram
imponentes, executadas por um coro de 70 cantores, muitos deles
escolhidos entre os melhores que se podia encontrar em Itália, dirigidos
pelos professores Scarlatti, João Jorge, Jomelli e David Peres, os mais
eminentes mestres então conhecidos no referido país. D. João V também
mandou vir de Roma cantocanistas e liturgistas, enviando para aquela
cidade a estudar alguns pensionistas. De todos os livros do coro usados
no Vaticano, mandou tirar cópias para servirem na sua real capela, em
observância rigorosa do uso e ritual pontifício. D. João V também
prezava a música profana. Os saraus do Paço eram frequentemente
entretidos com peças teatrais ornadas de música. As mais antigas
representações neste género de que há notícia são as festas realizadas
em 1711, 1712 e 1713 nos dias dos anos do rei e da rainha. Em 1733 um
violinista italiano ao serviço do Paço, Alexandre Paghetti, obteve
privilégio para dar representações públicas de óperas no teatro armado
junto ao convento da Trindade, em que se cantaram algumas óperas nos
anos de 1737 e 1738, bem como no teatro da Rua dos Condes, em 1738,
1739 e 1740. D. João V mandou construir um teatro no palácio de Belém,
que tinha comprado em 1726 ao conde de Aveiras, e foi este o primeiro
teatro régio especialmente construído para esse fim, inaugurando-se a 4
de Novembro de 1739. O monarca instituiu um seminário destinado ao
ensino especial da música, organizado à semelhança do de Vila Viçosa, e
cujas despesas eram pagas pelas rendas da Capela Real. Tem a data de 9
de Abril de 1713 o decreto que fundou este novo seminário de música, o
qual começou logo a funcionar no antigo paço dos arcebispos; pouco
depois, para ter mais largueza, foi transferido para o convento de S.
Francisco.
Em 1729, D. João V casou seu filho, o príncipe D. José, com a princesa
espanhola D. Mariana Vitória, e sua filha, D. Maria Bárbara, com o
príncipe das Astúrias, D. Fernando, que depois foi Fernando VI, rei de
Espanha. A troca das duas princesas efectuou-se na presença dos dois
soberanos das duas cortes, num pavilhão que se ergueu na ponte sobre
o rio Caia, exactamente na fronteira dos dois estados, fazendo-se tudo
com extraordinária pompa. Em 1742 foi o monarca atingido pelo
primeiro ataque de paralisia. Reconhecendo o seu estado melindroso,
dedicou-se a Deus, temendo a morte que o esperava. Os frades
estimulavam-lhe o fervor religioso, e os físicos lhe aconselhavam o
emprego das águas das Caldas da Rainha. D. João V utilizou
efectivamente estas águas, acompanhando o tratamento com exercícios
devotos e muitas rezas. Fez treze jornadas às Caldas, seguido de frades e
de freiras. Em 1717 ordenou que o hospital fosse refundido, ficando as
obras concluídas em 1750. Em Julho deste ano piorou
consideravelmente e foi sacramentado. Os frades foram chamados,
recitaram-se salmos e jaculatórias, e o núncio veio administrar-lhe o
sacramento da extrema unção. 0 rei expirou pouco depois, tendo a seu
lado a rainha, o príncipe D. José, os infantes D. Pedro e D. António, o
cardeal da Cunha e os médicos da corte.
Assim terminou o rei D. João V, deixando pobre o país pelas suas
prodigalidades e desperdícios. Deixou também três filhos bastardos, D.
António, D. Gaspar e D. José, conhecidos pelos Meninos de Palhavã.
Acerca deste monarca escreveu Rebelo da Silva o interessante
romance A Mocidade de D. João V. Das amantes fala-se nos seguintes
livros: A Caveira da martyr, de Camilo Castelo Branco; 0 mosteiro de
Odivellas, de Borges de Figueiredo; As minhas queridas freirinhas de
Odivellas, de Bernardes Branco; As amantes de D. João V, de Alberto
Pimentel; A Madre Paula, de Rocha Martins. 0 Sr. Artur Lobo de Ávila
publicou recentemente no Diário de Notícias um novo romance
histórico, com o título de 0 Rei Magnífico.

Portugal — Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e


Artístico, Volume III, págs. 1048-1051.

Amantes de D. João V
A Madre Paula (1701-1768) foi uma freira famosa, apenas por ser
amante do rei D. João V, de quem teve vários filhos.
A madre Paula, religiosa de Odivelas e mãe de D. José, um dos
Meninos de Palhavã, tornou-se a amante mais célebre do Magnânimo,
ficando para sempre associada ao monarca e ao seu reinado. O traço de
escândalo da paixão que teria inspirado a D. João V durante uma longa
relação amorosa combina-se com a fama do espantoso luxo que a
protecção do soberano enriquecido pelo ouro brasileiro forneceria a
Paula.
Paula Teresa da Silva nasceu em Lisboa em 17 de Junho de 1701,
sendo baptizada na freguesia de Santa Justa, de acordo com o registo de
baptismos desta paróquia. O seu avô paterno era João Paulo de Bryt, um
alemão estabelecido em Lisboa como ourives. Do seu casamento com
Leonor de Almeida (filha do marinheiro napolitano Domingos Urselo e
de Domingas Andrade Almeida) nasceu Adrião de Almeida Paulo, que
seguiu a profissão do pai. Adrião de Almeida e a sua mulher, Josefa da
Silva e Sousa, tiveram três filhas, Maria Micaela da Luz, Paula Teresa da
Silva e Leocádia Felícia de Assis e Almeida.
De acordo com os registos do mosteiro de Odivelas, Maria Micaela
da Luz tornou-se noviça em 15 de Agosto de 1704, tendo professado a 4
de Outubro desse ano e permanecido na instituição até à sua morte (4
de Julho de 1768). Quanto a Leocádia Felícia, também passou por
Odivelas, vindo no entanto a casar com José Falcão de Gamboa Fragoso
(morgado da Boavista e Santo Aleixo e dono da Quinta da Bela Vista, ou
Quinta do Falcão, na Pontinha), do qual teve uma filha.
Paula Teresa seguiu o exemplo da irmã mais velha, juntando-se a
Maria da Luz no mosteiro de Odivelas, cujos assentos registam o seu
noviciado, em 31 de Janeiro de 1717, tal como a profissão, em 22 de
Fevereiro do ano seguinte. A sua entrada na vida religiosa parece ter
sido decidida pelo pai desde muito cedo. Os escassos recursos de Adrião
de Almeida justificariam essa vontade de assegurar o sustento das filhas
através do seu ingresso no célebre mosteiro dos arredores de Lisboa.
Não existe base para a hipótese de Paula ter conhecido D. João V antes
de entrar para a congregação.
Odivelas era um local assiduamente frequentado pela nobreza de corte
na época em que Paula se tornou freira. Em 1719, realiza-se no mosteiro
a festa do Desagravo do Santíssimo Sacramento (11 de Maio),
promovida pelo conde de Penaguião e por Francisco de Assis de Távora,
na qual se ofereceu “um magnífico jantar a toda a Nobreza que assistiu”
à cerimónia. No mesmo ano, a 23 de Outubro, ocorre em Odivelas, com
a presença da Corte, a tourada comemorativa do casamento de D. Brás
Baltasar da Silveira e D. Joana de Meneses (filha dos condes de
Santiago). Não faltariam, portanto, oportunidades para D. João V e os
titulares que o rodeavam se deslocarem ao local.
Terá sido por esta altura que começaram os encontros entre o rei e
Paula Teresa da Silva, uma vez que D. José de Bragança nasce, em Lisboa,
no dia 8 de Setembro de 1720. Sobre a forma como o monarca e a filha
de Adrião de Almeida se conheceram, existem versões sem grande
credibilidade, como as de Charles Fréderic de Merveilleux (o interesse
por outra mulher que resistia, refugiando-se em Odivelas, à sua
aproximação teria levado o rei ao mosteiro, onde conheceria Paula) e
Alberto Pimentel (para este autor, o primeiro interesse amoroso do
monarca seria D. Madalena de Miranda, mãe de D. Gaspar, outro dos
“Meninos de Palhavã”).

O luxo de Paula
Adrião de Almeida beneficiou da ligação entre a sua segunda filha e o
monarca, que lhe concedeu algumas benesses, documentadas na
Chancelaria da Ordem de Cristo. Em 15 de Setembro de 1722, o pai de
Paula recebe o hábito de Cristo (nesta altura, segundo a carta que lhe
atribui o hábito, era já viúvo e maior de 50 anos) e é armado cavaleiro,
recebendo licença para professar no Mosteiro de Nossa Senhora da Luz.
É-lhe também atribuída uma tença de 12 réis “no Almoxarifado da Fruta
de Lisboa” (8 de Outubro).
Em 1728, Paula recebe tenças avultadas, registadas na Chancelaria
de D. João V. Assim, em 28 de Abril, são concedidos à religiosa 210 mil
réis anuais. Em 10 de Maio, são atribuídos 210 mil réis por ano a Paula e
a todos os seus herdeiros e sucessores, “assentados nos direites da Casa
de India e pagos como athegora em duas pagas de Natal e São João”.
Finalmente, a 3 de Novembro, é estabelecida uma tença de 1288 mil réis
(cedida por Manuel Tomás da Silva, deão da capela real de Vila Viçosa),
que duraria três vidas (Paula, Maria da Luz, Leocádia), podendo
prolongar-se por mais duas vidas, caso a terceira beneficiária tivesse
filhos.
D. João V não deixaria de mandar construir para Paula “uma
residência cujo interior era digno da magnificência do rei do ouro”,
erguendo o edifício conhecido popularmente por “Torre da Madre
Paula” (demolido em 1948 devido ao perigo de derrocada, aquando de
obras no espaço do mosteiro). Aí se localizariam os aposentos de Paula e
da sua irmã Maria da Luz.
Uma descrição do seu interior encontra-se num manuscrito anónimo
e sem data (existente na Biblioteca Nacional de Lisboa), embora
aparentemente contemporâneo das habitantes da casa, uma vez que
utiliza o tempo presente (“O quarto de cima, aonde assistem”, “O
gabinete em que se touca Paula”). Um dos exemplares conhecidos do
documento possui o título de Notícia verdadeira do ornato que se viu
nas casas de Madre Soror D. Paula Maria, religiosa no mosteiro de
Odivelas. Seria a quem El-Rei D. João V tratou com as mais distintas
honras obrigado a um amoroso afecto.
O texto refere as várias divisões que compõem os aposentos de
Paula e Maria da Luz, enumerando a decoração (“assentos de veludo
amarelo, com passamanes de prata”, “armado de melania carmesim,
com franjas e passamanes cor de ouro”) e os móveis que as
ornamentam, procurando o autor impressionar com a profusão de
objectos como espelhos (frequentemente dourados) ou bufetes
(existentes em todos os espaços descritos, excepto no oratório, também
ele luxuoso). Alguns móveis, como o “leito da moda” de Paula, com
“santos de ouro maciço em relevos” e roupa também valiosa (“lençois de
olanda mui boa”), merecem particular destaque. O autor afirma não ter
contemplado (“isto ainda não se viu”) as numerosas arcas “de roupa de
cheiro” que se dizem existir.
O aspecto mais impressionante da descrição é a abundância de prata
(“tudo de prata dourada, que não tem número”, “e tudo, que não se
pode repetir, de prata”), de talha dourada (“as paredes de talha
dourada”, “tectos de entalhados dourados”, “oratório todo de talha
dourada”, “duas sanefas de talha dourada”, etc.) e ouro (“cortinas
bordadas de ouro e borlas de ouro”). A repetição de termos relativos a
este metal (nos onze parágrafos do texto, a palavra “ouro” é utilizada
trinta vezes, tal como o conjunto de adjectivos dela derivados) destaca a
preocupação do autor anónimo em realçar o esplendor da habitação. Os
metais brasileiros abundariam em Odivelas, sendo a habitação de Paula
(servida por nove criadas) um verdadeiro símbolo do esplendor joanino.
César de Saussure contribui para a ideia do luxo de Paula com a sua
descrição da “banheira de prata maciça”, “dourada por dentro e por
fora”, que viu em Londres (a qual terá sido encomendada em 1724 por
D. João V ). Fabricada para oferta à amante do monarca português, “uma
religiosa de não sei que convento”, a banheira pesaria 3580 onças,
causando, pela sua beleza, a admiração da corte britânica.
A caracterização pormenorizada do edifício presente no documento
anónimo tem sido considerada verosímil, embora Carlota Abrantes
Saraiva aponte a ausência de referências aos conjuntos de valiosos
azulejos joaninos cuja existência no local, já no século XIX, é referida por
Borges de Figueiredo e Manuel Bernardes Branco. Na minha opinião, o
manuscrito que descreve a habitação da freira erroneamente designada
por “Paula Maria” no título pode não merecer plena confiança, caindo
no exagero. Terá surgido em resultado quer do interesse pela relação
extraconjugal de D. João V quer da fama que logo na altura se criou
acerca da ostentação que constituía um aspecto essencial da imagem do
rei freirático. A sua favorita não poderia deixar de beneficiar dessa
riqueza, correspondendo o conteúdo do texto às expectativas dos
eventuais leitores.
Mitos criados logo na primeira metade do século XVIII estarão na
origem da crença no luxo oriental da religiosa. No entanto, D. João V
terá contribuído (conscientemente?) para essa lenda com as benesses
que concedeu a Paula e à sua família e o seu investimento na decoração
da Torre (cujos aposentos principais terão sido destruídos pelo sismo de
1755).

Meninos de Palhavã

Coche dos Meninos de


Palhavã

Os denominados Meninos de Palhavã eram os filhos bastardos (de


sexo masculino) de D. João V (1706-50), reconhecidos pelo soberano em
documento que firmou em 1742, mas que só foi publicado em 1752,
após a sua morte.
A expressão deriva do facto de terem habitado no palácio dos
marqueses de Louriçal, situado na zona de Palhavã, na altura arredores
de Lisboa, mas que hoje se situa em plena cidade (o edifício —
denominado Palácio da Azambuja — é hoje a Embaixada de Espanha em
Portugal, sendo também conhecido por "Palácio dos Meninos de
Palhavã"). Eram eles:
D. António (1704-1800), filho de uma francesa cujo nome é
desconhecido. Doutorou-se em Teologia e veio a ser cavaleiro da Ordem
de Cristo.
D. Gaspar (1716-1789), filho da religiosa D. Madalena Máxima de
Miranda. Veio a ser arcebispo primaz de Braga.
D. José (1720-1801), filho da religiosa madre Paula de Odivelas (Paula
Teresa da Silva). Exerceu o cargo de Inquisidor-mor.
Em consequência de um conflito que tiveram com o marquês de
Pombal, D. António e D. José foram desterrados para o Buçaco em 1760
de onde só puderam regressar depois da morte de D. José I, ocorrida em
1777.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Meninos_da_Palhav%C3%A3

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