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Ficha catalográfica

Capa e Projeto Gráfico Marina Avila


Tradução Cláudia Mello Belhassof
Revisão Karine Ribeiro e Bárbara Parente

D 886 Dumas, Alexandre Mary Stuart, a rainha da Escócia / Alexandre Dumas; tradução de Cláudia Melo Belhassof. – São Caetano do Sul, SP: Wish, 2020.
Tradução de : Mary Stuart, Celebrated Crimes (ed. 1910) 1. Ficção francesa I. Belhassof, Cláudia Melo II. Título CDD 840 Índice para catálogo sistemático:
1.Ficção : Literatura francesa 840

Este livro possui direitos de tradução e projeto gráfico e não pode ser distribuído, de forma comercial ou gratuita, ao todo ou parcialmente, sem a prévia
autorização da editora.

Editora Wish
www.editorawish.com.br
São Caetano do Sul - SP - Brasil
Importante:
Esta edição digital não inclui as ilustrações presentes na versão física.
SUMÁRIO

Prefácio

Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
PREFÁCIO

UMA RAINHA DE MUITAS FACES


Renato Drummond Tapioca Neto

Das soberanas mais famosas da história, poucas alcançaram a atenção e o prestígio de Mary
Stuart. Rainha da Escócia desde o berço, foi ela também agraciada com a coroa da França por
seu casamento com o delfim e depois Rei Francisco II, além de possuir uma forte pretensão ao
trono da Inglaterra. Direito esse que, por sua vez, acabou por lhe trazer mais dissabores que
contentamento. Nascida em 8 de dezembro de 1542 com um valioso dote, cobiçado por muitos
reis, a jovem Mary passou sua infância no seio da corte mais faustosa da Europa, sendo adorada
pelos poetas por sua beleza e cortejada por muitos nobres, devido à sua inteligência e sagacidade.
A sorte não poderia ter sido mais gentil ao distribuir tantos dotes àquela que estava predestinada
a cingir três das mais importantes coroas do continente, não fosse uma trágica combinação de
infortúnios que acabou por lhe custar sua herança, três maridos, o filho e, por fim, a própria
vida. A história de Mary Stuart reúne assim alguns dos elementos que tornaram sua sina
irresistível para muitos romancistas, poetas, dramaturgos e roteiristas. Nesse enredo, amor e
tragédia se misturam para compor a narrativa da rainha que teria sacrificado tudo o que tinha
por amor e pereceu nas mãos da prima invejosa. Essa é a receita da obra de um dos romancistas
mais célebres da literatura mundial: Alexandre Dumas.
Mais conhecido por seus clássicos Os Três Mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo, A
Rainha Margot e O Homem da Máscara de Ferro, Dumas também presenteou os seus leitores da
década de 1840 com a história da soberana da Escócia, pincelada com tons de tragédia e alguma
dose de aventura. Desde que o alemão Friedrich Schiller lançou em 1800 sua peça em cinco atos,
Maria Stuart, que os séculos seguintes se viram bastante obcecados pelo drama da rainha
supostamente martirizada pelo ódio de outra. Com os anos, a ficção acabou por ganhar o poder
da tradição e o mito foi transformado em memória nacional. Atualmente, filmes e séries de
televisão celebram a figura de soberana, apresentando diferentes versões de sua história,
adaptada ao gosto de cada público. Apesar de algumas variações, os enredos geralmente seguem
a mesma linha: uma rainha linda e impetuosa, refinada, tentando governar sobre uma terra
brutal, quando uma sucessão de conspirações acabam por assassinar seu marido, fazendo-a
também perder o filho e a coroa; sem amigos ou aliados, ela pede asilo justamente àquela que,
acima de tudo, desejava sua ruína. Sendo assim, não é preciso ir muito longe caso procuremos
por uma história que combine os três elementos abençoados por Hollywood: romance, aventura
e drama. O passado nos fornece modelos interessantíssimos do que acaba de ser dito, e o caso de
Mary Stuart talvez seja o mais controverso deles.
Sob o olhar literário, Mary Stuart aparece para nós como uma mulher dominada por suas
paixões, capaz de sacrificar seu reino pelos desejos do coração, personificando assim o ideal da
heroína romântica. Com sua beleza atraente, sensualidade e feminilidade, ela acaba triunfando
perante a sua pretensa rival, a Rainha da Inglaterra. Nem mesmo Dumas pôde resistir, tal como
seus antecessores, em descrever a protagonista da sua obra de forma a exaltar seus dotes físicos,
enquanto Elizabeth é retratada como uma pessoa cruel e invejosa, porém pragmática: “Mary,
sempre mais mulher do que rainha, enquanto, pelo contrário, Elizabeth sempre foi mais rainha
do que mulher”, escreve o autor. A imagem da soberana da Escócia como uma pessoa governada
por suas emoções e instintos se consolidou nas obras do já citado Friedrich Schiller e nas de Sir
Walter Scott, autor de História da Escócia, bem como de um romance publicado no Brasil sob o
título de O Pajem de Maria Stuart. Seguindo a linha de seus antecessores, Alexandre Dumas
apresenta para o leitor uma situação na qual uma monarca, privada do seu direito de nascença,
aprisionada contra a própria vontade, tenta de todos os artifícios recuperar a liberdade e o trono.
Traições e mortes dão o toque final que compõe o drama vivenciado pela protagonista, cujo
enredo faz parte de uma coleção de oito volumes composta pelo autor, chamada de Crimes
Célebres.
Para construir sua trama, Alexandre Dumas lançou mão de farto material documental, tais
como cartas, crônicas, por meio dos quais foi possível mesclar sua prosa de ficção com os dados
fornecidos pela pesquisa que elaborou sobre os dias de cativeiro de Mary Stuart, a história de sua
ascensão e declínio. Entre os cronistas citados pelo autor, podemos destacar Pierre de Brantome,
cujo nome aparece citado numa das falas da protagonista do romance. Brantome era um assíduo
frequentador da corte dos Valois, onde Mary passou boa parte de sua infância e juventude, e
deixou para a posteridade testemunhos valiosos sobre a vida da família real francesa nos anos em
que a França era sacudida pelas guerras de religião. Em Les dames galantes, ele fornece detalhes
picantes da corte dos reis Charles IX e Henry III, principalmente sobre a irmã dos dois reis,
Marguerite de Valois, e a rainha-mãe, Catherine de Medici. A crônica de Brantome seria usada
por Alexandre Dumas como fonte não apenas no seu Mary Stuart, como também em outro de
seus romances mais famosos, A Rainha Margot, que, em certos aspectos, dialoga com o romance
que a leitora e o leitor recebe agora em mãos, especialmente no que toca ao vínculo familiar
estabelecido entre as personagens de ambos.
Além da crônica de Pierre de Brantome, Alexandre Dumas recebeu o auxílio dos vários
despachos diplomáticos emitidos pelos embaixadores da França e Escócia estabelecidos na corte
da Inglaterra, o que deu ao seu romance um apelo bastante verossímil. Numa das cenas
protagonizadas pela Rainha da Inglaterra e o embaixador escocês, James Melville, Elizabeth cria
determinadas situações que deem ao diplomata a oportunidade de vê-la cantando, dançando ou
tocando, a fim de comparar suas habilidades aos atributos de sua prima. Esse comportamento
frívolo pode parecer aos olhos do leitor mera invenção do romancista, feita para acentuar a
imagem de soberana invejosa que ele constrói para Elizabeth, embora se trate de um ocorrido
que de fato foi reportado pelo embaixador que, inclusive, notou a curiosidade da rainha inglesa
em saber se a sua prima escocesa era mais alta do que ela. Essa passagem serve para demonstrar
o uso que Dumas faz das fontes para criar um enredo que não se distancie tanto daquilo que foi
documentado. Acresce-se ainda algumas cartas de Mary, especialmente as supostas “cartas do
baú”, uma peça chave que foi usada contra ela no seu primeiro julgamento, pela morte de seu
marido Henry Stewart, Lorde Darnley. É por meio de algumas lacunas não preenchidas pela
História que Dumas elabora seu trabalho de ficcionista, mais percebido nos diálogos travados
entre Mary e os membros da sua criadagem, bem como com seus captores.
A obra de Alexandre Dumas se divide em dois grandes momentos: no primeiro deles, o
autor faz um rápido apanhado da história da monarquia escocesa, para esclarecer as
circunstâncias em que Mary Stuart, ainda um bebê, herdou o trono da Escócia logo após a morte
prematura do pai, o Rei James V. Tendo sido enviada aos 7 anos para a França, ela recebeu uma
educação primorosa, sob os olhares atenciosos de seu tio, o Duque de Guise, e do Rei Henry II.
Infelizmente, a coroa de flores de lis não repousou muito tempo na sua cabeça. Aos dezoito anos,
ela era uma jovem viúva e com um reino bem menos dócil para governar. A história da
inimizade entre a Rainha da Escócia e a Rainha da Inglaterra começa a partir daí. Num gesto de
ousadia, Mary havia adicionado ao seu brasão as armas da coroa inglesa, mostrando assim para
todos que ela era a legítima herdeira do trono ocupado por sua prima. A situação de Elizabeth,
por sua vez, era tanto mais delicada, uma vez que o casamento de seus pais havia sido anulado
em 1536 e ela perdeu o status de princesa, só sendo readmitida na linha sucessória pelo pai, o Rei
Henry VIII, no Ato de Sucessão de 1543. Muitos dentro da comunidade católica da Europa
viam a Rainha da Inglaterra como uma bastarda sem direitos ao trono e alguns até conspiravam
secretamente para passar a coroa para as mãos de Mary Stuart.
Com efeito, esse aspecto no romance de Alexandre Dumas é utilizado pelo autor para
justificar o ressentimento que Elizabeth sentia por sua prima. Afinal, Mary era tida não só como
mais bonita que a rival, como também mais prendada e, principalmente, não possuía qualquer
mácula que manchasse sua linhagem de sangue real. A fraqueza da rainha escocesa, na opinião
do autor, residia unicamente na feminilidade, enquanto Elizabeth abrira mão da sua para reinar
soberana. É curioso observar que esse tipo de interpretação até hoje é recorrente em algumas
biografias que procuram analisar o relacionamento das duas rainhas. Stefan Zweig, por exemplo,
critica as ações políticas da Rainha da Escócia sumariamente pelo fato de ela ser uma mulher,
julgando-a vassala de suas paixões, e, portanto, inapta para o exercício do poder, ao contrário de
Elizabeth, que em vida afirmava possuir o “corpo frágil de uma mulher, mas o coração de um
rei”. Frase essa que, diga-se de passagem, a leitora e o leitor poderão ler através dos lábios da
própria personagem. Assim como ocorreu com outros escritores de sua época, Dumas parece
sucumbir à beleza, impulsividade e majestade de sua protagonista, eximindo Mary de quase
todos os seus erros para colocá-la no pedestal de mártir, no qual ela permaneceria cristalizada
pelas páginas do seu romance.
Sendo assim, a Rainha da Escócia surge como vítima de uma série de tramoias orquestradas
por aqueles que desejam tomar o seu poder, seja seu meio-irmão, o Conde de Moray, que
assume a regência do reino após a abdicação forçada de Mary, ou a Rainha da Inglaterra, que do
país vizinho aguardava o momento certo para derrubar a prima. Alexandre Dumas passa por
cima dos vários erros de sua protagonista, para retratá-la como uma mulher injustiçada. Mas,
para além das intrigas que movem a narrativa do romance, subjaz os problemas que ambas as
monarcas tiveram que enfrentar por serem mulheres que governavam em um mundo
estritamente masculino. Dumas prefere dar ênfase à rivalidade que existia entre elas, criando um
jogo de antagonismos que move a narrativa quase que do início ao fim. A diferença de suas
naturezas é um detalhe que certamente não escapa aos olhos da leitora e do leitor, suas
experiências de reinado ou o tipo de soberana que cada uma desejava ser. Ao longo de sua vida,
Elizabeth jogava com sua condição feminina para extrair dos homens aquilo que desejava,
enquanto Mary lançava as cartas que tinha ao seu alcance, embora com efeito desconcertante.
Apesar de afirmar possuir as fraquezas que acreditava inerentes ao sexo feminino,
Elizabeth a vida toda reiterou que possuía na política a mente e a resolução de um homem,
enquanto Mary era vista como mais emotiva e suscetível a colapsos nervosos. Apesar dessa
diferença de temperamentos, as duas se igualavam no vigor de suas ambições e propósitos. Em
alguns sentidos, o relacionamento entre as duas pareceu adquirir vida própria durante sua
existência conjunta, mantendo uma presa ao imaginário da outra. A indissolubilidade desse elo
de forças opostas foi forjada pelo conflito em prol da coroa da Inglaterra, à qual ambas tinham
direito. A história desse relacionamento é também pontuada por viradas de sorte, tais como
mistérios de assassinato, intrigas sexuais, traições e batalhas acaloradas. Sem dúvidas, um prato
cheio para que romancistas como Alexandre Dumas pudessem criar uma trama arrebatadora,
que ainda tem o poder de conquistar o público. Por meio de sua obra, saltam aos nossos olhos
duas figuras de mulheres fortes, que conseguiram se sobrepor àquele vasto conclave de homens
que se engalfinhavam pelo poder: Elizabeth, provando que seu sexo não era incompatível com a
política, e Mary, com sua espantosa força de retidão e coragem.
Com efeito, a suposta inclinação de Mary às suas paixões e sentimentos humanos seriam as
qualidades que, ao olhar contemporâneo, deixam-na mais próxima de nós, meros mortais, do
que Elizabeth, sempre retratada com uma pose rígida e expressão austera, ostentando as signos
de sua realeza. Derrotada após uma conspiração de lordes escoceses devido ao seu malfadado
casamento com James Hepburn, 4º Conde de Bothwell, Mary foi aprisionada no Castelo de
Lochleven, onde foi forçada a abdicar do trono em favor de seu filho de um ano, James VI da
Escócia, que com a morte de Elizabeth se tornou também James I da Inglaterra. Boa parte do
romance tem no Castelo de Lochleven o pano de fundo para uma trama desenvolvida em prol da
libertação de Mary e da tentativa de reconquistar seu direito de nascença. Dumas apresenta para
os seus leitores a figura de George Douglas, cavaleiro romântico que arrisca a própria vida pela
de sua soberana. Seguindo a tradição da escola literária do romantismo, o autor conjuga esse
amor platônico entre uma soberana em desgraça e um possível filho bastardo de uma grande
casa para impulsionar sua narrativa que, muitas vezes, recai na mera troca de farpas entre a
protagonista e seus captores, seja com Lady Lochleven ou com os agentes do Conde de Moray,
seu meio-irmão que assumiu a regência da Escócia em nome do pequeno James VI.
O segundo grande momento do romance de Alexandre Dumas se passa na Inglaterra,
durante os dezenove anos de cativeiro da Rainha da Escócia. Essa sem dúvidas é uma das fases
mais contraditórias da vida da monarca. Era ela culpada ou não das inúmeras tentativas de
assassinato que envolviam seu nome contra Elizabeth I? Até hoje, poucas personagens
conseguem reunir em torno de si um número tão grande de defensores, embora em igual
proporção ao de detratores. Vítima, mártir e romântica para uns; vilã, oportunista e assassina
para outros. Sua figura sempre costuma ser apresentada em tons de contraste, transformando-a
numa personalidade multifacetada e, por isso, bastante fascinante. Mary Stuart, assim como sua
prima, foram únicas em seu tempo. Apesar de a filha de James V ter reinado efetivamente
apenas por seis anos, de 1561, quando chega da França como Rainha Viúva, até 1567, quando
perdeu a coroa, ela foi uma séria rival para as pretensões políticas de Elizabeth I. A maioria dos
autores costuma justificar o declínio de Mary Stuart na sua incapacidade de saber conciliar suas
funções de rainha e esposa. Já outros, como Stefan Zweig, defendem a hipótese de que sua
educação na França não a preparou direito para ser uma rainha reinante, e sim uma rainha
consorte.
A resposta para seu declínio, porém, é um pouco mais complexa do que a maioria desses
escritores nos faz acreditar. A Escócia do tempo de Mary Stuart era um país bastante diferente
do reino vizinho. A nobreza escocesa não se submetia com facilidade às ordens da coroa, ainda
mais quando esta era cingida por uma mulher. Os clãs viviam constantemente em conflito na
busca pela supremacia política, vendo no monarca uma peça de xadrez que poderiam manobrar
ao seu bel-prazer. Não obstante, o protestantismo havia tomado conta do país apenas algumas
décadas antes, tendo em John Knox o seu principal representante. Foi para esse ambiente hostil
que Mary, uma jovem viúva, retornou em 1561, com o objetivo de apaziguar seu reino e manter
boas relações com os outros príncipes do continente. Fosse ela tão bem assessorada por seus
conselheiros como sua prima Elizabeth, muitos dos maiores dramas de sua vida talvez fossem
facilmente evitados, a exemplo do seu segundo e terceiro casamentos e também a proximidade
que ela manteve com seu secretário italiano David Rizzio, brutalmente esfaqueado aos pés de
uma Mary em estado avançado de gestação. Só mesmo um ser humano dotado de fibra e
coragem poderia suportar tudo o que Mary aguentou sem perder a força e a resolução de seu
caráter.
Com efeito, o último grande ato de sua vida foi protagonizado no dia 8 de fevereiro de 1587,
quando ela entregou seu pescoço para a lâmina do machado do carrasco, após ter sido julgada e
condenada por traição contra a Rainha da Inglaterra. Os últimos dias de sua vida foram passados
em oração, preparando seu espírito para o momento em que ela precisaria de maior coragem. A
narração desses eventos foi feita de forma bastante eficaz por Alexandre Dumas, que consultou
os relatos dos embaixadores, nobres e demais testemunhas que estavam presentes na cena,
compondo assim um painel bastante verossímil do que aconteceu com a Rainha da Escócia. Sua
ficção não extrapola os limites da licença poética, como fez Friedrich Schiller na sua peça em
cinco atos, que promove um encontro secreto das duas soberanas pouco antes de a morte as
separar. Talvez o detalhe mais dramático na história do relacionamento de Elizabeth e Mary é o
fato de que elas nunca se viram pessoalmente. Apesar de estarem tão perto uma da outra, a
história não registra qualquer encontro entre as duas, ficando para a ficção o encargo de imaginar
como teria sido esse evento. Na ausência do contato físico, a imagem de rivalidade crescia
sobremaneira aos olhos de ambas as rainhas, tornando-as objeto de desejo e frustração uma para
a outra.
Ao final de seu romance, Alexandre Dumas apresenta Mary como inocente da conspiração
orquestrada por Anthony Babington para assassinar Elizabeth, mas condenada devido às
artimanhas do mestre de espionagem da rainha inglesa, Francis Walsingham. Evidências
documentais, porém, sugerem que a Rainha da Escócia tinha ciência do plano para libertá-la do
cativeiro inglês, embora não se saiba ao certo se havia consentido no assassinato. Mas porque se
considerou necessária a morte de Mary Stuart? A resposta pode ser encontrada na atitude de
outros monarcas que precederam Elizabeth no trono da Inglaterra. Cem anos antes, uma guerra
civil tinha levado o país ao caos, com duas famílias rivais disputando o trono, os York,
representados pela rosa branca, e os Lancaster, representados pela rosa vermelha. O conflito,
conhecido como Guerra Das Duas Rosas, terminou em 1485 com o casamento de Henry VII de
Lancaster e Isabel de York e o surgimento de uma nova dinastia, os Tudor. Porém, havia na
Inglaterra outros pretendentes à coroa, que vez ou outra ameaçavam a paz do reino e o poder da
família real, o que levou à execução de muitos nobres de ascendência Plantageneta. Ou seja,
enquanto vivesse, Mary Stuart seria uma eterna ameaça ao poder e estabilidade do reinado de
Elizabeth.
Apesar de tudo, a Rainha da Inglaterra titubeou. Executar uma rainha ungida por Deus, da
mesma forma como seu pai fizera à sua mãe, Ana Bolena, era passar uma mensagem perigosa
para os outros: a de que o sangue dos reis era tão vermelho quanto o do mais singelo dos mortais.
A execução de Mary Stuart deu a ela a oportunidade de superar a prima em algo que ela até
então não alcançara: o martírio. Ao subir os degraus do palanque erguido no castelo de
Fotheringhay, ela pediu às suas damas que removessem seus trajes de viúva para revelar por
baixo uma camisola escarlate, as vestes da peregrina, que entregava seu corpo e vertia seu sangue
pela fé católica. A morte da Rainha da Escócia teve a força de transformá-la em um ícone, eterno
símbolo de retidão e coragem. É verdade que muitos ainda a veem com cores bem negativas,
mas no final ela triunfou sobre todos aqueles que conspiraram pela sua queda. Os séculos não
fizeram perder o lustre de sua figura, dedicando-lhe poemas, romances como o de Alexandre
Dumas (que o leitor e a leitora recebe agora em nova tradução), peças de teatro e até mesmo
filmes, protagonizados por atrizes de peso, como Katharine Hepburn, Vanessa Redgrave e mais
recentemente Saoirse Ronan. Assim sendo, Mary Stuart partiu deste mundo para viver no reino
da ficção, um lugar onde ela possui uma legião de súditos que não cansam de lhe render sincera
homenagem.

RENATO DRUMMOND TAPIOCA NETO


Historiador, licenciado em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz, e Mestre
em Memória: Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. É
autor do blog e do livro Rainhas Trágicas, dedicado à vida de mulheres que marcaram a história
mundial.
CAPÍTULO I

Alguns nomes da realeza estão predestinados ao infortúnio: na França, é o nome “Henry”.


Henry I foi envenenado, Henry II foi morto em uma justa, Henry III e Henry IV foram
assassinados. Quanto a Henry V, para quem o passado já é tão fatal, só Deus sabe o que o futuro
lhe reserva.
Na Escócia, o nome azarado é “Stuart”. Robert I, fundador da raça, morreu aos 28 anos de
uma doença prolongada. Robert II, o mais afortunado da família, foi obrigado a passar parte de
sua vida não apenas aposentado, mas também no escuro, por causa de uma inflamação nos olhos
que os deixava vermelhos como sangue. Robert III sucumbiu ao luto, à morte de um filho e à
prisão de outro. James I foi esfaqueado por Graham na Abadia dos Monges Negros de Perth.
James II foi morto no cerco de Roxburgh por um estilhaço de um canhão que explodiu. James
III foi assassinado por um desconhecido em um moinho, onde se refugiou durante a Batalha de
Sauchie. James IV, ferido por duas flechas e um golpe de alabarda, caiu no meio de seus nobres
no campo de batalha de Flodden. James V morreu de tristeza pela perda de seus dois filhos e de
remorso pela execução de Hamilton. James VI, destinado a unir na própria cabeça as duas coroas
da Escócia e da Inglaterra, filho de um pai assassinado, levou uma existência melancólica e
temerosa, entre o cadafalso de sua mãe, Mary Stuart, e o de seu filho, Charles I. Charles II
passou uma parte da vida no exílio. James II morreu nele. O cavaleiro Saint-George, depois de
ter sido proclamado Rei da Escócia como James VIII, e da Inglaterra e da Irlanda como James
III, foi forçado a fugir, sem ter conseguido dar às suas armas nem mesmo o resplendor de uma
derrota. Seu filho, Charles Edward, depois da escaramuça em Derby e da Batalha de Culloden,
caçado de montanha em montanha, perseguido de rocha em rocha, nadando de costa a costa, foi
capturado seminu por um navio francês e se dirigiu a Florença para morrer ali, sem que as cortes
da Europa quisessem reconhecê-lo como soberano. Finalmente, seu irmão, Henry Benedict, o
último herdeiro dos Stuarts, tendo vivido com uma pensão de três mil libras esterlinas,
concedida a ele por George III, morreu completamente esquecido, deixando para a Casa de
Hannover todas as joias da coroa que James II carregava quando atravessou para o continente
em 1688; um reconhecimento tardio, mas completo, da legitimidade da família que sucedera a
dele.
Em meio a essa corrida azarada, Mary Stuart era a preferida do infortúnio. Como Brantome
disse sobre ela: “Quem desejar escrever sobre essa ilustre rainha da Escócia tem nela dois
assuntos muito amplos: sua vida e sua morte”. Brantome a conhecera em uma das ocasiões mais
tristes da sua vida: no momento em que ela estava abandonando a França e indo para a Escócia.
Foi no dia 9 de agosto de 1561, depois de ter perdido a mãe e o marido no mesmo ano, que
Mary Stuart, Viúva da França e Rainha da Escócia aos dezenove anos, escoltada pelos tios, os
cardeais Guise e Lorraine, pelo Duque e pela Duquesa de Guise, pelo Duque d’Aumale e por
M. de Nemours, chegou a Calais, onde duas galeras estavam esperando para levá-la à Escócia,
uma comandada por M. de Mevillon e a outra pelo Capitão Albize. Ela ficou seis dias na cidade.
Finalmente, no dia 15 do mês, após o mais triste adieus a sua família, acompanhada pelos
Messieurs d’Aumale, d’Elboeuf e Damville, com muitos nobres, dentre os quais Brantome e
Chatelard, ela embarcou na galera de M. de Mevillon, que foi imediatamente lançada ao mar
com a ajuda de remos, pois não havia vento suficiente para fazer uso das velas.
Mary Stuart estava então em plena floração de sua beleza, uma beleza ainda mais brilhante
em seu traje de luto, uma beleza tão maravilhosa que derramava ao redor um encanto ao qual
ninguém que ela desejava agradar conseguia escapar e que foi fatal para quase todo mundo.
Nessa época, também, alguém a transformou no tema de uma música que, como até seus rivais
confessavam, continha apenas a verdade. Foi escrita, diziam, por M. de Maison-Fleur, um
cavaleiro igualmente talentoso com as armas e as letras. Aqui está: Vê-se sob o branco adorno
Em grande luto e tristeza
Andar de um lado a outro
A deusa da beleza;
Nas mãos, tem o traço
De um fio desumano;
E o amor desvelado
Adeja em seu contorno
Disfarçando sua venda
Sob um véu enlutado
Onde se leem as palavras:
“Morrer ou ser capturado.”1
Sim, neste momento, Mary Stuart, em seu profundo luto branco, estava mais adorável do
que nunca. Grandes lágrimas escorriam pelo seu rosto quando, acenando um lenço, de pé no
tombadilho, ela, que estava tão triste ao sair, se despedia daqueles que estavam tão tristes em
permanecer.
Por fim, meia hora depois, o porto ficou para trás; a embarcação estava no mar. De repente,
Mary ouviu gritos altos atrás de si. Um barco que se aproximava sob a pressão da vela, pela
ignorância do piloto, tinha atingido uma rocha de tal maneira que rachou, e depois de ter
tremido e gemido por um instante como alguém ferido, começou a ser engolido, em meio aos
gritos aterrorizados de toda a tripulação. Mary, horrorizada, pálida, muda e imóvel, observou-o
afundar gradualmente, enquanto a desafortunada tripulação, conforme a quilha desaparecia,
subia nas longarinas e nos ovéns, para adiar a agonia da morte por alguns minutos. Por fim,
quilha, longarinas, mastros, tudo tinha sido engolido pelas mandíbulas abertas do oceano. Por
um instante restaram algumas partículas pretas, que desapareceram uma após a outra. Depois
veio uma onda atrás da outra, e os espectadores dessa terrível tragédia, vendo o mar calmo e
solitário como se nada tivesse acontecido, se perguntaram se não era uma visão que tinha
aparecido e desaparecido para eles.
— Ai de mim! — lamentou Mary, sentando-se e apoiando os dois braços na popa da
embarcação. — Que triste agouro para uma viagem tão triste! — Então, mais uma vez fixando o
olhar no porto que se afastava, seus olhos secaram por um instante, aterrorizados, e começaram a
umedecer novamente: — Adieu, França! — murmurou ela. — Adieu, França! — E durante cinco
horas continuou assim, chorando e murmurando: — Adieu, França! Adieu, França!
A escuridão caiu enquanto ela ainda estava se lamentando. E então, quando a vista foi
apagada e ela foi convocada para o jantar: — É de fato agora, querida França — disse ela, se
levantando —, que eu realmente a amo, já que a noite invejosa se amontoa luto após luto,
lançando um manto negro diante dos meus olhos. Adieu, então, pela última vez, querida França,
porque nunca mais voltarei a vê-la.
Com essas palavras, ela desceu, dizendo que era o oposto de Dido, que, depois da partida
de Enéias, não tinha feito nada além de olhar para as ondas, enquanto ela, Mary, não conseguia
tirar os olhos da terra. E todos se reuniram ao seu redor para tentar diverti-la e consolá-la. Mas
ela, ficando mais triste e incapaz de reagir, sufocada pelas lágrimas, mal conseguia comer. Tendo
uma cama preparada no convés de popa, mandou chamar o timoneiro e ordenou-lhe que, se
ainda visse a terra ao raiar do dia, fosse acordá-la imediatamente. Nesse ponto, Mary foi
favorecida: como o vento havia diminuído, quando a aurora chegou, o navio ainda estava à vista
da França.
Foi uma grande alegria quando, acordada pelo timoneiro, que não se esqueceu da ordem
que recebera, Mary se levantou no catre e, pela janela que tinha mandado abrir, viu mais uma
vez a amada orla. Mas, às cinco horas da manhã, com o vento fortalecido, a embarcação
rapidamente se afastou, de modo que a terra logo desapareceu por completo. Mary então se
recostou na cama, pálida como a morte, murmurando mais uma vez: — Adieu, França! Eu
jamais voltarei a vê-la.
De fato, os anos mais felizes de sua vida tinham acabado de morrer nessa França pela qual
ela tanto lamentava. Nascida em meio aos primeiros conflitos religiosos, ao lado da cabeceira do
pai moribundo, o luto do berço se estendeu até seu túmulo, e sua estada na França fora um raio
de sol em sua noite. Caluniada desde o nascimento, a notícia tão difundida no exterior era de que
ela tinha uma má-formação e não conseguiria sobreviver e crescer. Até que, um dia, sua mãe,
Mary de Guise, se cansou desses falsos boatos, a despiu e a mostrou nua para o embaixador
inglês, que chegara, por parte de Henry VIII, para pedir sua mão em casamento para o Príncipe
de Gales, ele próprio com apenas cinco anos de idade. Coroada aos nove meses pelo Cardeal
Beaton, Arcebispo de St. Andrews, foi imediatamente escondida no Castelo de Stirling pela
mãe, que tinha medo de uma perfídia do Rei da Inglaterra. Dois anos depois, deixando de
considerar até mesmo essa fortaleza segura o suficiente, ela a transferiu para uma ilha no meio do
Lago de Menteith, onde um priorado, o único prédio no local, ofereceu asilo para a criança real e
para quatro meninas nascidas no mesmo ano, tendo, como ela, o doce nome Marie, em francês,
que é um anagrama da palavra “aimer”, amor, e que, sem abandoná-la na boa ou na má sorte,
eram chamadas de “Marys da Rainha”. Elas se chamavam Mary Livingston, Mary Fleming,
Mary Seyton e Mary Beaton. Mary ficou nesse priorado até o Parlamento aprovar seu casamento
com o delfim francês, filho de Henry II, e foi levada para o Castelo Dumbarton, para aguardar o
momento da partida. Lá ela foi confiada a M. de Breze, enviado por Henry II para buscá-la.
Tendo partido nas galeras francesas ancoradas na foz do Clyde, Mary, depois de ter sido
fortemente perseguida pela frota inglesa, entrou no Porto de Brest em 15 de agosto de 1548, um
ano após a morte de Francis I. Além das quatro Marys, as embarcações também levaram até a
França três de seus irmãos naturais, entre os quais estava o prior de St. Andrews, James Stuart,
que mais tarde renegou a fé católica e, com o título de regente e sob o nome de Conde de
Murray, se tornou tão fatal para a pobre Mary. De Brest, Mary foi para St. Germain-en-Laye,
onde Henry II, que acabara de ascender ao trono, a inundou com carícias e depois a mandou
para um convento onde as herdeiras das casas francesas mais nobres eram criadas. Ali as
qualidades felizes de Mary se desenvolveram. Nascida com o coração de uma mulher e a cabeça
de um homem, Mary não apenas conquistou todas as realizações que faziam parte da educação
de uma futura rainha, mas também o conhecimento real que é objeto dos verdadeiramente
instruídos.
Assim, aos catorze anos, no Louvre, diante de Henry II, Catherine de Medici e toda a corte,
ela proferiu um discurso em latim de sua própria composição, no qual afirmava que fazia bem às
mulheres cultivar as letras e que é injusto e tirânico privar as flores de seus perfumes banindo as
jovens de todas as preocupações domésticas. É possível imaginar como uma futura rainha,
sustentando tal tese, seria bem-vinda na corte mais letrada e pedante da Europa. Entre a
literatura de Rabelais e Marot se aproximando do declínio, e a de Ronsard e Montaigne
atingindo o apogeu, Mary se tornou uma Rainha da poesia, feliz demais por nunca ter de usar
outra coroa além daquela que Ronsard, Dubellay, Maison-Fleur e Brantome colocavam
diariamente em sua cabeça. Mas ela era predestinada. Em meio às festas que um cavalheirismo
em declínio tentava reviver, veio a justa fatal de Tournelles: Henry II, atingido por um estilhaço
por não ter uma viseira, descansou antes da hora com seus ancestrais, e Mary Stuart ascendeu ao
trono da França, onde, do luto por Henry, passou ao luto pela mãe e, do luto pela mãe, ao luto
pelo marido. Mary sentiu esta última perda tanto como mulher quanto como poeta; seu coração
explodiu em lágrimas amargas e harmonias melancólicas. Eis alguns versos que ela compôs
naquela época: Em meu triste e doce canto,
Com um tom de forte lamento,
Derramo um luto absoluto
De insólito aniquilamento,
E em suspiros penetrantes
Vão-se meus melhores anos.
Foi tal o sofrimento
E tão cruel destino,
Nem tão triste dor
De dama infortunada
Quem meu coração e meus olhos
Veem em caixão e féretro?
Quem em minha doce primavera
E flor da juventude,
Sente todas as chagas
de uma extrema tristeza,
E em nada se vê prazeroso
Mas se sente lamentoso e desejoso.
O que me fora prazeroso
Transformou-se em punição dura;
O dia mais luminoso
É para mim noite obscura,
E nada é mais estranho
Que de mim isso ser exigido.
Tenho no coração e nos olhos
Uma imagem, um retrato,
Que traduz o luto
Em meu pálido rosto
De tez violeta,
De que o amado é também feito.
Em minha saudade estrangeira,
Permaneço imóvel,
Mas procuro em vão mudar,
Porque minha dor é imutável,
Pois meu melhor e meu pior
São os mais desertos lugares.
Em alguma morada,
Seja em um bosque, em uma pradaria,
Seja na alvorada,
Ou ao entardecer,
Sem cessar meu coração sente
O pesar de um ausente.
Se por vezes em direção aos céus
Meu olhar se volta,
Os traços suaves de seus olhos
Eu vejo em uma nuvem;
Se eles se voltam para a água,
Veem como um túmulo.
Se estou em repouso,
Adormecida sobre meu lençol,
Ouço o que ele me diz,
Sinto que ele me toca;
Em labor, em calmaria,
Sempre perto de mim.
Não vejo outro objetivo,
Por mais belo que se apresente,
A quem seja o sujeito
Jamais meu coração consente;
Livre de perfeição
Para tal afeição.
Minha canção aqui encerra
Esse tão triste lamento
Cujo refrão será
Amor verdadeiro e sem fingimento,
Que nem a separação,
Trará diminuição.2
— Nessa época — diz Brantome — era um prazer vê-la; pois a brancura de seu semblante e
de seu véu competiam uma com a outra. Mas finalmente o artifício do véu cedeu, e a neve da
palidez de seu rosto derrotou a outra. Pois foi assim que — acrescenta ele —, desde o momento
em que ela se tornou viúva, eu sempre a via com sua tonalidade pálida, já que tive a honra de vê-
la na França e na Escócia, onde ela precisava chegar dali a dezoito meses, para seu grande
arrependimento, depois da viuvez, para pacificar seu reino, consideravelmente dividido por
conflitos religiosos. Que desgraça! Ela não tinha desejo nem vontade de fazê-lo, e muitas vezes a
ouvi dizer isso, com medo dessa jornada como da morte, pois ela preferia cem vezes morar na
França como Rainha Viúva e disputar seu dote com Touraine e Poitou, a ir reinar em seu país
selvagem. Mas seus tios, pelo menos alguns deles, não todos, a aconselharam, e até a instigaram,
e se arrependeram profundamente desse erro.
Mary obedeceu, como vimos, e começou sua jornada sob tais auspícios que, ao perder de
vista a terra, pensava que estava morrendo. Foi então que a poesia da sua alma encontrou
expressão nesses famosos versos: Adeus, agradável França,
Ó minha pátria
Mais querida,
Que alimentou minha tenra infância!
Adeus, França! Adeus, meus belos dias.
O navio que afasta nossos amores
Só levou de mim a metade;
Uma parte fica, ela te pertence;
Eu a confio à tua amizade,
Para que de você ela se lembre3.
Essa parte de si mesma que Mary deixou na França era o corpo do jovem rei, que levara
consigo toda a felicidade da pobre Mary para o túmulo.
Mary tinha apenas uma esperança: que a visão da frota inglesa obrigasse seu pequeno
esquadrão a voltar, mas teve de cumprir seu destino. Nesse mesmo dia, um nevoeiro, uma
ocorrência muito incomum no verão, se estendeu por todo o Canal e a fez escapar da frota, já que
era uma névoa tão densa que não se podia ver da popa ao mastro. Durou todo o domingo, um dia
após a partida, e não se dissolveu até o dia seguinte, segunda-feira, às oito da manhã. A pequena
flotilha, que durante todo esse tempo navegava ao acaso, tinha se colocado entre tantos recifes
que, se o nevoeiro durasse mais alguns minutos, a galera certamente teria batido em alguma
rocha e teria perecido como a embarcação que eles viram ser engolida ao sair do porto. Mas,
graças ao clareamento do nevoeiro, o piloto reconheceu a costa escocesa e, conduzindo os quatro
barcos com grande habilidade por todos os perigos, no dia 20 de agosto entrou em Leith, onde
não foi feita nenhuma preparação para a recepção da rainha. No entanto, ela mal havia chegado
lá e as pessoas mais importantes da cidade se juntaram para cumprimentá-la. Enquanto isso, eles
reuniram às pressas alguns pangarés miseráveis, com o arnês caindo aos pedaços, para levar a
rainha até Edimburgo.
Ao ver isso, Mary não conseguiu evitar de chorar de novo; pensou nos esplêndidos
palafréns e hackneys de seus cavaleiros e damas franceses e, nessa primeira visão, a Escócia se
mostrava em toda a sua miséria. No dia seguinte, se mostraria em toda a sua selvageria.
Depois de passar uma noite no Palácio de Holyrood, “durante a qual”, diz Brantome,
“quinhentos a seiscentos patifes da cidade, em vez de a deixarem dormir, foram lhe dar um
cumprimento matinal selvagem com violinos desafinados e pequenas rabecas”, ela expressou o
desejo de ouvir uma missa. Infelizmente, o povo de Edimburgo pertencia quase inteiramente à
religião reformada. E, assim, furiosos porque a rainha deu essa prova de papismo em sua
primeira aparição, eles entraram na igreja à força, armados com facas, paus e pedras, com a
intenção de matar o pobre padre, seu capelão. Ele deixou o altar e se refugiou perto da rainha,
enquanto o irmão de Mary, o Prior de St. Andrews, que, a partir de então, estava mais inclinado
a ser um soldado do que um eclesiástico, pegou uma espada e, colocando-se entre o povo e a
rainha, declarou que mataria com as próprias mãos o primeiro homem que desse mais um passo.
Essa firmeza, combinada com o ar imponente e digno da rainha, controlou o zelo dos
reformadores.
Como dissemos, Mary chegou no meio de todo o calor das primeiras guerras religiosas.
Católica zelosa, como toda sua família pelo lado materno, ela inspirou os mais graves medos nos
huguenotes. Além disso, havia um boato de que Mary, em vez de desembarcar em Leith, como
fora obrigada pelo nevoeiro, deveria ter desembarcado em Aberdeen. Ali, dizia-se, ela teria
encontrado o Conde de Huntly, um dos nobres que permaneciam fiéis à fé católica e que, ao lado
da família de Hamilton, era o aliado mais próximo e mais poderoso da casa real. Apoiada por ele
e por vinte mil soldados do norte, ela então teria marchado por Edimburgo e restabelecido a fé
católica em toda a Escócia. Os eventos não demoraram a provar que essa acusação era falsa.
Como declaramos, Mary era muito apegada ao Prior de St. Andrews, filho de James V e de
uma descendente nobre dos Condes de Mar, que tinha sido muito bonita na juventude e que,
apesar do conhecido amor de James V por ela e pela criança resultante, tinha, no entanto, se
casado com Lorde Douglas de Lochleven, com quem teve dois outros filhos, o mais velho
chamado William e o mais novo, George, que eram, portanto, meios-irmãos da regente. Assim,
logo que Mary voltou ao trono, ela restaurou ao Prior de St. Andrews o título de Conde de Mar,
de seus ancestrais maternos e, como o de Conde de Murray havia expirado desde a morte do
famoso Thomas Randolph, Mary, em sua amizade fraternal por James Stuart, se apressou a
acrescentar esse título àqueles que já lhe tinha concedido.
Mas aqui surgiram dificuldades e complicações, pois o novo Conde de Murray, com seu
caráter, não era homem de se contentar com um título estéril, enquanto as terras que eram de
propriedade da coroa desde a extinção do ramo masculino dos antigos condes tinham sido
gradualmente invadidas por vizinhos poderosos, entre os quais o famoso Conde de Huntly, a
quem já mencionamos. O resultado foi que, como a rainha julgou que nessa região suas ordens
provavelmente encontrariam oposição, sob o pretexto de visitar suas posses no norte, ela se
colocou como chefe de um pequeno exército comandado pelo irmão, o Conde de Mar e Murray.
O Conde de Huntly foi o menos ludibriado pelo aparente pretexto dessa expedição, pois
seu filho, John Gordon, por algum abuso de poder que cometeu, tinha acabado de ser
condenado a uma prisão temporária. Não obstante, ele fez todas as submissões possíveis à
rainha, enviando mensageiros para convidá-la a descansar em seu castelo, e seguiu pessoalmente
os mensageiros, para renovar seu convite ao vivo. Infelizmente, no momento em que ele estava
prestes a se juntar à rainha, o governador de Inverness, que era totalmente dedicado a ele, se
recusou a permitir que Mary entrasse no castelo, que era da realeza. É verdade que Murray,
convencido de que não deveria negociar com essas rebeliões, já tinha mandado cortar sua cabeça
por alta traição.
Esse novo ato de firmeza mostrou a Huntly que a jovem rainha não estava disposta a
permitir que os lordes escoceses retomassem o poder quase soberano removido por seu pai. De
modo que, apesar da recepção extremamente gentil que ela lhe concedeu, quando ele soube no
acampamento que o filho, tendo escapado da prisão, acabara de se nomear chefe de seus
vassalos, ele temia que acreditassem que ele fazia parte dessa insurreição e partiu na mesma
noite para assumir o comando de suas tropas, determinado, já que Mary só tinha consigo sete a
oito mil homens, para se arriscar em uma batalha, divulgando, no entanto, como Buccleuch fez
em sua tentativa de arrebatar James V das mãos dos Douglases, que não era na rainha que ele
estava mirando, mas somente no regente, que a mantinha sob sua tutela e pervertia suas boas
intenções.
Murray, que sabia que muitas vezes a paz de um reinado depende da firmeza que se exibe
no seu início, convocou imediatamente todos os barões do norte cujas propriedades faziam
fronteira com a dele para marchar contra Huntly. Todos obedeceram, pois a casa de Gordon já
era tão poderosa que eles temiam que se tornasse ainda mais. No entanto, ficou claro que, se
havia ódio pelo sujeito, não havia grande afeição pela rainha, e que a maioria vinha sem
intenções fixas e com a ideia de ser levada pelas circunstâncias.
Os dois exércitos se encontraram perto de Aberdeen. Murray logo posicionou as tropas que
trouxera de Edimburgo, e das quais tinha certeza, no topo de um terreno elevado, e formou
fileiras na encosta da colina com todos os seus aliados do norte. Huntly avançou resolutamente
sobre eles e atacou seus vizinhos, os Highlanders, que após uma curta resistência se retiraram
desorganizados. Seus homens imediatamente dispensaram as lanças e, sacando as espadas e
gritando “Gordon, Gordon!”, perseguiram os fugitivos e acreditavam que já tinham vencido a
batalha, quando subitamente encontraram o corpo principal do exército de Murray, que
permanecia imóvel como uma muralha de ferro e que, com suas longas lanças, tinha a vantagem
sobre os adversários, que estavam armados apenas com suas espadas claymore. Foi a vez dos
Gordon recuarem, vendo os clãs do norte se reunindo e retornando à luta, cada soldado com um
raminho de urze no chapéu para que seus companheiros o reconhecessem. Esse movimento
inesperado decidiu a batalha: os Highlanders correram ladeira abaixo como uma torrente,
arrastando com eles todos que tentaram se opor à sua passagem. Murray, vendo que havia
chegado o momento de transformar a frustração em derrota, atacou com toda a sua cavalaria.
Huntly, que era muito robusto e estava armado até os dentes, caiu e foi esmagado sob os pés dos
cavalos; John Gordon, detido em sua fuga, foi executado em Aberdeen três dias depois; por fim,
seu irmão, jovem demais para sofrer o mesmo destino naquele momento, foi trancado em uma
masmorra e executado posteriormente, no dia em que completou dezesseis anos.
Mary estava presente na batalha, e a calma e a coragem que demonstrou causaram uma
impressão vigorosa em seus defensores selvagens, que ao longo da estrada a ouviram dizer que
gostaria de ser homem, de passar os dias cavalgando, as noites sob uma tenda, de usar uma cota
de malha, um capacete, um escudo e uma espada larga ao seu lado.
Mary entrou em Edimburgo em meio ao entusiasmo geral, pois essa expedição contra o
Conde de Huntly, que era católico, fora muito popular entre os habitantes, que não tinham uma
ideia muito clara dos verdadeiros motivos que a levaram a executá-la. Eles eram da fé reformada,
o conde era papista, e havia um inimigo a menos: isso era tudo que eles pensavam. Agora,
portanto, os escoceses, em meio a suas aclamações, por meios verbais ou por exigências escritas,
expressaram o desejo de que sua rainha, que não tinha problemas com Francis II, se casasse
novamente. Mary concordou e, cedendo aos conselhos prudentes das pessoas a seu respeito,
decidiu consultar Elizabeth, de quem era herdeira, em seu título de neta de Henry VII, no caso
de a Rainha da Inglaterra morrer sem um descendente. Infelizmente, ela nem sempre agira com
a mesma cautela, pois, com a morte de Mary Tudor, conhecida como Bloody Mary, ela
reivindicou o trono de Henry VIII e, contando com a ilegitimidade do nascimento de Elizabeth,
assumiu com o delfim a soberania sobre a Escócia, a Inglaterra e a Irlanda e cunhou moedas com
esse novo título e gravou placas com essa nova situação heráldica.
Elizabeth era nove anos mais velha que Mary, ou seja, naquele momento ainda não tinha
completado trinta anos, portanto, não era apenas sua rival como rainha, mas também como
mulher. No que diz respeito à educação, ela poderia sustentar a comparação com vantagem,
pois, se tinha menos charme mental, tinha mais solidez de julgamento: era versada em política,
filosofia, história, retórica, poesia e música. Além do inglês, sua língua materna, falava e escrevia
com perfeição grego, latim, francês, italiano e espanhol. Mas, embora Elizabeth superasse Mary
nesse ponto, Mary era mais bonita e, acima de tudo, mais atraente do que sua rival. Elizabeth
tinha, é verdade, uma aparência majestosa e agradável, olhos rápidos e brilhantes, uma pele
branca deslumbrante, mas tinha cabelos ruivos, pés grandes4 e uma mão poderosa, enquanto
Mary, pelo contrário, com seus lindos cabelos louros acinzentados5, sua nobre testa larga,
sobrancelhas que só podiam ser culpadas por serem arqueadas com tanta precisão e que
pareciam desenhadas com lápis, os olhos refletindo continuamente o feitiço do fogo, um nariz de
perfeito delineado grego, uma boca tão vermelha e graciosa que parecia que, assim como uma
flor se abre apenas para deixar escapar seu perfume, ela não poderia se abrir senão para dar
passagem a palavras gentis, com um pescoço branco e gracioso como o de um cisne, mãos de
alabastro, com forma de deusa e pé de criança. Mary era uma harmonia na qual o entusiasta mais
ardente pela forma esculpida não encontraria nada para reprovar.
Este realmente foi o grande e verdadeiro crime de Mary: uma única imperfeição no rosto ou
no corpo, e ela não teria morrido no cadafalso. Além disso, para Elizabeth, que nunca a tinha
visto e, consequentemente, só podia julgar pelos boatos, essa beleza era uma grande causa de
inquietação e inveja que ela nem conseguia disfarçar e que se mostrava incessantemente em
perguntas e impaciência. Certo dia, quando conversava com James Melville sobre a missão dele
em sua corte, a oferta de Mary de ser guiada por Elizabeth na escolha de um marido – que a
princípio a Rainha da Inglaterra parecia desejar que fosse o Conde de Leicester –, ela conduziu o
embaixador escocês a um gabinete, onde lhe mostrou diversos retratos com rótulos escritos na
sua própria caligrafia: o primeiro era do Conde de Leicester. Como esse nobre era exatamente o
pretendente escolhido por Elizabeth, Melville pediu à rainha que lhe desse o retrato para
mostrar à sua senhora, mas Elizabeth recusou, dizendo que era o único que tinha. Melville
respondeu, sorrindo, que estando de posse do original, ela poderia muito bem se separar da
cópia, mas Elizabeth não permitiu de jeito nenhum. Essa pequena discussão terminou, ela
mostrou a ele o retrato de Mary Stuart, beijando-o com muita ternura, expressando a Melville
um grande desejo de ver sua senhora.
— Isso é muito fácil, milady — respondeu ele. — Fique no seu quarto, sob o pretexto de
estar indisposta, e viaje incógnita até a Escócia, assim como o Rei James V partiu para a França
quando quis ver Madeleine de Valois, com quem se casou posteriormente.
— Ai de mim! — respondeu Elizabeth. — Eu gostaria de fazer isso, mas não é tão fácil
quanto você pensa. No entanto, diga à sua rainha que eu a amo com ternura e que desejo que
possamos viver mais em amizade do que fizemos até agora. — Depois, passando para um
assunto que parecia querer abordar havia muito tempo: — Melville — continuou —, diga-me
francamente: minha irmã é tão bonita quanto dizem?
— Ela tem essa reputação — respondeu Melville —, mas não posso dar a Vossa Majestade
nenhuma ideia da beleza dela sem ter um ponto de comparação.
— Vou lhe dar um — disse a rainha. — Ela é mais bonita do que eu?
— Milady — respondeu Melville —, a senhora é a mulher mais bonita da Inglaterra, e
Mary Stuart é a mulher mais bonita da Escócia.
— Então, qual das duas é mais alta? — perguntou Elizabeth, que não ficou inteiramente
satisfeita com aquela resposta, por mais inteligente que fosse.
— Minha senhora, milady — respondeu Melville —, sou obrigado a confessar.
— Então ela é alta demais — disse Elizabeth bruscamente —, pois eu sou alta o suficiente.
E quais são suas diversões preferidas? — continuou.
— Milady — respondeu Melville —, caçar, cavalgar, tocar alaúde e cravo.
— Ela é habilidosa neste último? — indagou Elizabeth.
— Ah, sim, milady — respondeu Melville —, habilidosa o suficiente para uma rainha.
Ali a conversa parou; mas, como Elizabeth era uma excelente musicista, ordenou que
Lorde Hunsdon levasse Melville até ela no momento em que estava tocando cravo, para que ele
pudesse ouvi-la sem que ela parecesse tocar para ele. De fato, no mesmo dia, Hunsdon, de
acordo com as instruções dela, levou o embaixador a uma galeria separada dos aposentos da
rainha apenas por uma tapeçaria, de modo que, depois de seu guia levantá-la, Melville pôde
ouvir Elizabeth, que não se virou até terminar a peça, que, no entanto, estava tocando com muita
habilidade. Quando viu Melville, ela fingiu se irritar e até queria bater nele, mas sua raiva se
acalmou pouco a pouco com os elogios do embaixador e cessou completamente quando ele
admitiu que Mary Stuart não era igual a ela. Mas isso não foi tudo: orgulhosa de seu triunfo,
Elizabeth também desejou que Melville a visse dançar. Consequentemente, ela cancelou seus
despachos por dois dias para que ele pudesse estar presente em um baile que ela estava
organizando. Esses despachos, como dissemos, continham o desejo de que Mary Stuart se
casasse com Leicester, mas essa proposta não podia ser levada a sério. Leicester, cujo valor
pessoal era, acima de tudo, bem medíocre, tinha um berço muito inferior para aspirar à mão da
filha de tantos reis. Assim, Mary respondeu que essa aliança não lhe convinha. Enquanto isso,
aconteceu algo estranho e trágico.
CAPÍTULO II

Entre os lordes que haviam seguido Mary Stuart até a Escócia estava, como mencionamos, um
jovem nobre chamado Chatelard, um verdadeiro tipo de nobreza daquela época, sobrinho de
Bayard por parte de mãe, poeta e cavaleiro, talentoso e corajoso e apegado ao Marechal
Damville, de cuja casa ele fazia parte. Graças a essa alta posição, Chatelard, durante toda a
estadia dela na França, cortejou Mary Stuart, que não viu, na homenagem que ele prestou a ela
em verso, nada além do que declarações poéticas de galanteria costumeiras naquela época e com
as quais ela era diariamente sobrecarregada. Mas, no período em que Chatelard estava mais
apaixonado pela rainha, ela foi obrigada a deixar a França, como dissemos. Assim, o Marechal
Damville, que não sabia nada da paixão de Chatelard, e que, encorajado pela bondade de Mary,
estava entre os candidatos a suceder Francis II como seu marido, partiu para a Escócia com os
pobres exilados, levando Chatelard consigo e, sem imaginar que encontraria um rival nele, fez
dele um confidente e deixou-o com Mary quando foi obrigado a abandoná-la, encarregando o
jovem poeta de transmitir a ela os interesses de seu amor. Esse posto de confidente aproximou
Mary e Chatelard mais ainda. E como, na condição de poeta, a rainha o tratava como um irmão,
ele ousou em sua paixão arriscar tudo para obter mais um título. Assim, certa noite ele entrou no
quarto de Mary Stuart e se escondeu embaixo da cama, mas, no momento em que a rainha
estava começando a se despir, seu cachorrinho começou a latir tão alto que suas aias vieram
correndo e, conduzidas pelo animal, encontraram Chatelard. Uma mulher perdoa facilmente
um crime do qual o excesso de amor é a desculpa. Mary Stuart era mulher antes de ser rainha: ela
perdoou.
Mas essa gentileza só fez aumentar a confiança de Chatelard: ele ignorou a repreensão que
recebera na presença das aias da rainha e supôs que, se estivesse sozinha, ela o teria perdoado
ainda mais completamente. De modo que, três semanas depois, essa mesma cena se repetiu. Só
que, desta vez, Chatelard, descoberto em um armário quando a rainha já estava na cama, foi
preso.
O momento foi péssimo: um escândalo assim, quando a rainha estava prestes a se casar de
novo, foi fatal para Mary e mais ainda para Chatelard. Murray assumiu o caso e, pensando que
apenas um julgamento público poderia salvar a reputação da irmã, insistiu com a acusação com
tanto vigor que Chatelard, condenado pelo crime de lesa-majestade, foi condenado à morte.
Mary implorou ao irmão que Chatelard fosse enviado de volta à França, mas Murray a fez ver as
consequências terríveis que esse uso do seu direito de perdão poderia ter, de modo que Mary foi
obrigada a deixar a justiça seguir seu curso: Chatelard foi levado à execução. Chegando ao
cadafalso, que foi montado diante do palácio da rainha, Chatelard, que recusara os serviços de
um padre, pediu para lerem Ode à Morte, de Ronsard. E quando a leitura, que ele seguiu com
evidente prazer, terminou, virou-se para as janelas da rainha e, depois de gritar pela última vez
“Adieu à mais adorável e mais cruel das princesas!”, esticou o pescoço para o carrasco, sem
demonstrar arrependimento nem proferir nenhuma reclamação. Essa morte impressionou tanto
a rainha que ela não ousou demonstrar sua simpatia abertamente.
Enquanto isso, havia um boato de que a Rainha da Escócia ia consentir em um novo
casamento, e vários pretendentes se apresentaram, vindos das principais famílias reinantes da
Europa. Primeiro, o Arquiduque Charles, terceiro filho do Imperador da Alemanha; em
seguida, o príncipe herdeiro da Espanha, Don Carlos, que foi morto pelo pai; e, depois, o Duque
de Anjou, que posteriormente se tornou Henry III. Mas casar-se com um príncipe estrangeiro
significava desistir de suas pretensões à coroa inglesa. Assim, Mary recusou e, assumindo o
crédito dessa recusa perante Elizabeth, lançou um olhar para um parente do último, Henry
Stuart, Lorde Darnley, filho do Conde de Lennox. Elizabeth, que não tinha nada plausível
contra esse casamento, já que a Rainha da Escócia não apenas escolheu um inglês como marido,
mas também ia casar-se com alguém de sua própria família, permitiu que o Conde de Lennox e
seu filho fossem à corte escocesa, reservando a si mesma, se as coisas parecessem mudar
seriamente, o direito de chamar os dois de volta – um comando que eles seriam obrigados a
obedecer, já que todas as propriedades deles estavam na Inglaterra.
Darnley tinha dezoito anos: era bonito, gracioso, elegante, falava daquela maneira atraente
dos jovens nobres das cortes francesas e inglesas que Mary não ouvia mais desde o exílio na
Escócia. Ela se deixou enganar por essas aparências e não viu que, sob esse exterior brilhante,
Darnley escondia sua insignificância profunda, sua coragem duvidosa e um caráter instável e
grosseiro. É verdade que ele chegou lá sob os auspícios de um homem cuja influência era tão
singular quanto a elevação que lhe dava a oportunidade de exercê-la. Estamos falando de David
Rizzio.
David Rizzio, que desempenhou um papel tão importante na vida de Mary Stuart, cuja
estranha preferência por ele deu aos inimigos, provavelmente sem nenhum motivo, armas tão
cruéis contra ela, era filho de um músico de Turim, com o peso de uma família numerosa, que,
reconhecendo nele um gosto musical pronunciado, o instruíra nos princípios da arte. Aos quinze
anos, deixou a casa do pai e foi a pé até Nice, onde o Duque de Savoy mantinha sua corte. Lá,
passou a servir ao Duque de Moreto e, alguns anos depois, esse lorde foi nomeado para a
embaixada escocesa, e Rizzio seguiu-o até a Escócia. Como esse jovem tinha uma voz muito
bonita e acompanhava na viola e no violino canções com melodia e letras de sua própria autoria,
o embaixador falou dele para Mary, que pediu para vê-lo. Rizzio, cheio de confiança em si
mesmo, e vendo na vontade da rainha um caminho para o sucesso, apressou-se em obedecer ao
seu comando, cantou diante dela e lhe agradou. Ela implorou a Moreto para ficar com ele,
tratando o assunto como se estivesse pedindo um cão de raça pura ou um falcão bem treinado.
Moreto deu Rizzio de presente para ela, encantado por encontrar essa oportunidade de fazer sua
corte. Mas Rizzio mal tinha começado a servir a ela quando Mary descobriu que a música era o
menor de seus dons, que ele tinha, além disso, uma educação, se não profunda, pelo menos
variada, uma mente flexível, uma imaginação espirituosa, modos gentis e, ao mesmo tempo,
muita ousadia e presunção. Ele a fazia lembrar dos artistas italianos que vira na corte francesa e
falava com ela na língua de Marot e Ronsard, cujos poemas mais lindos ele sabia de cor: isso era
mais do que suficiente para agradar Mary Stuart. Em pouco tempo, ele se tornou o preferido
dela e, enquanto isso, o lugar de secretário de despachos franceses ficou vazio, e Rizzio foi
nomeado.
Darnley, que desejava ter sucesso a todo custo, listou Rizzio em seus interesses, sem saber
que não precisava desse apoio. Enquanto isso, Mary, que se apaixonara por ele à primeira vista,
temendo novas intrigas de Elizabeth, apressou a união até onde as conveniências lhe permitiam,
e o caso avançou com maravilhosa rapidez. E, em meio ao júbilo público, com a aprovação da
nobreza, exceto por uma pequena minoria, com Murray à frente, o casamento foi celebrado sob
os auspícios mais felizes no dia 29 de julho de 1565. Dois dias antes, Darnley e seu pai, o Conde
de Lennox, tinham recebido uma ordem para voltar a Londres e, como não haviam obedecido,
uma semana após a celebração do casamento, descobriram que a Condessa de Lennox, a única
da família que continuava sob o poder de Elizabeth, tinha sido presa e levada para a Torre.
Dessa forma, Elizabeth, apesar de sua dissimulação, cedendo ao primeiro impulso de violência
que sempre teve tantos problemas para superar, demonstrou publicamente seu ressentimento.
No entanto, Elizabeth não era uma mulher de se satisfazer com uma vingança inútil. Ela
logo soltou a condessa e voltou os olhos para Murray, o mais descontente dos nobres da
oposição, que, por causa desse casamento, estava perdendo toda a sua influência pessoal. Assim,
foi fácil Elizabeth colocar armas na mão dele. De fato, quando fracassou em sua primeira
tentativa de capturar Darnley, ele chamou em seu auxílio os Duques de Chatellerault,
Glencairn, Argyll e Rothes e, reunindo o máximo possível de partidários, eles se rebelaram
abertamente contra a rainha. Esse foi o primeiro ato ostensivo desse ódio que depois foi tão fatal
para Mary.
A rainha, de sua parte, apelou para seus nobres, que, em resposta, se apressaram a protegê-
la, de modo que em um mês ela se viu à frente do melhor exército que um rei da Escócia já havia
criado. Darnley assumiu o comando desse grupo magnífico, montado em um cavalo excelente,
vestido com uma armadura dourada e acompanhado pela rainha, que, vestida de amazona, com
pistolas na sela, desejava fazer a campanha com ele, para não sair de perto dele nem por um
instante. Ambos eram jovens, ambos eram bonitos, e deixaram Edimburgo em meio aos gritos
de aclamação do povo e do exército.
Murray e seus cúmplices sequer tentaram se opor a eles, e a campanha consistiu em
marchas e contramarchas tão rápidas e complexas que essa rebelião é chamada de Incursão de
Fuga, ou seja, uma corrida em todos os sentidos. Murray e os rebeldes se retiraram para a
Inglaterra, onde Elizabeth, embora parecesse condenar seu flagelo, deu a eles toda a assistência
necessária.
Mary voltou para Edimburgo encantada com o sucesso de suas duas primeiras campanhas,
sem suspeitar que essa nova boa sorte era a última que teria e que ali sua prosperidade fugaz
cessaria. De fato, ela logo viu que, com Darnley, não se entregara a um marido dedicado e muito
atencioso, como ela acreditava, mas a um mestre imperioso e brutal, que, sem mais nenhum
motivo para se esconder, mostrava-se a ela exatamente como era: um homem de vícios
vergonhosos, dos quais a embriaguez e a devassidão eram os menores. Consequentemente,
diferenças graves não demoraram a surgir nessa casa real.
Darnley, ao se casar com Mary, não tinha se tornado rei, mas apenas o marido da rainha.
Para lhe conferir uma autoridade quase equivalente à de um regente, era necessário que Mary
lhe desse o que era chamado de matrimônio da coroa: uma coroa que Francis II usara durante
sua curta realeza e que Mary, após a conduta de Darnley em relação a ela, não tinha a menor
intenção de lhe conceder. Assim, a todos os pedidos que ele fazia, não importava a forma, Mary
simplesmente respondia com uma recusa invariável e obstinada. Darnley, impressionado com
essa força de vontade em uma jovem rainha que o amava o suficiente para erguê-lo à sua altura e
sem acreditar que ela conseguisse encontrar isso em si mesma, procurou na comitiva dela um
conselheiro secreto e influente que pudesse tê-la inspirado nesse sentido. Suas suspeitas
recaíram sobre Rizzio.
Na realidade, qualquer que fosse o motivo para Rizzio ter poder (e mesmo para os
historiadores mais perspicazes, esse assunto sempre permaneceu obscuro), seja dominando
como amante, seja orientando como ministro, seus conselhos enquanto ele viveu sempre foram
dados para enaltecer a glória da rainha. Nascido tão inferior, ele pelo menos desejava se mostrar
digno de ter subido tanto e, devendo tudo a Mary, tentou compensá-la com dedicação. Desse
modo, Darnley não estava enganado, pois foi de fato Rizzio quem, desesperado por ter ajudado a
criar uma união que ele previa que ia se tornar tão infeliz, deu a Mary o conselho de não abrir
mão de seu poder em nome de alguém que já tinha muito mais do que merecia, pois era dono de
sua pessoa.
Darnley, como todas as pessoas de caráter fraco e violento, não acreditava na persistência
da força nos outros, a menos que essa força fosse sustentada por uma influência externa. Pensou
que, ao se livrar de Rizzio, seria vitorioso, já que, como acreditava, era Rizzio quem estava se
opondo à concessão desse seu grande desejo: o matrimônio da coroa. Consequentemente, como
Rizzio era odiado pela nobreza porque foi elevado acima deles pelos seus méritos, foi fácil
Darnley organizar uma conspiração, e James Douglas de Morton, chanceler do reino, concordou
em ser o líder.
Esta é a segunda vez desde o início de nossa narrativa que inscrevemos esse nome, Douglas,
tão frequentemente pronunciado na história da Escócia, e que, naquela época, extinto no ramo
mais antigo, conhecido como os Douglases Pretos, foi perpetuado no ramo mais jovem,
conhecido como os Douglases Vermelhos. Era uma família antiga, nobre e poderosa que,
quando a descendência na linhagem masculina de Robert Bruce terminou, disputou o título real
com o primeiro Stuart, e que desde então manteve-se constantemente ao lado do trono, às vezes
como apoio, às vezes como inimiga, invejando todas as grandes casas, pois a grandeza a deixava
desconfortável, mas acima de tudo invejando a casa de Hamilton, que, se não fosse igual, era, de
qualquer forma, a segunda mais poderosa.
Durante todo o reinado de James V, graças ao ódio do rei, os Douglases não apenas
perderam toda a sua influência, mas também foram exilados na Inglaterra. Esse ódio era porque
eles tinham tomado a tutela do jovem príncipe e o mantido prisioneiro até os quinze anos. Então,
com a ajuda de um de seus pajens, James V escapou de Falkland e chegou a Stirling, cujo
governador agia de acordo com seus interesses. Ele mal estava seguro no castelo quando
proclamou que qualquer Douglas que se aproximasse a uns vinte quilômetros seria processado
por alta traição. Isso não foi tudo: ele conseguiu um decreto do Parlamento, declarando-os
culpados de confisco e condenando-os ao exílio. Eles continuaram proscritos durante a vida do
rei, e só retornaram à Escócia depois da sua morte. O resultado foi que, apesar de terem sido
chamados de volta ao trono e, graças à influência passada de Murray, que, como nos lembramos,
era um Douglas por parte de mãe, eles ocuparam os postos mais importantes de lá e não
perdoaram a filha pela inimizade gerada pelo pai.
Foi por isso que James Douglas, sendo chanceler e, consequentemente, encarregado da
execução das leis, se colocou à frente de uma conspiração que tinha por objetivo a violação de
todas as leis humanas e divinas.
A primeira ideia de Douglas foi tratar Rizzio como os preferidos de James III tinham sido
tratados na Ponte de Lauder, ou seja, fingir ter um julgamento e enforcá-lo depois. Mas essa
morte não era suficiente para a vingança de Darnley. Como, acima de tudo, ele queria punir a
rainha na pessoa de Rizzio, ele exigiu que o assassinato acontecesse na presença dela.
Douglas associou-se a Lorde Ruthven, um sibarita ocioso e libertino, que prometeu, nessas
circunstâncias, dedicar sua devoção a colocar uma couraça. Então, com a certeza desse cúmplice
importante, ele cuidou de encontrar outros agentes.
No entanto, a trama não pôde ser tecida com tanto sigilo a ponto de não transparecer; e
Rizzio recebeu diversos alertas que desprezou. Sir James Melville, entre outros, tentou de todas
as maneiras fazê-lo entender os perigos de um estrangeiro que gozava de uma confiança tão
absoluta em uma corte selvagem e invejosa como a da Escócia. Rizzio recebeu essas insinuações
como as de um homem determinado a não aplicá-las, e Sir James Melville, satisfeito por ter feito
o suficiente para aliviar sua consciência, não insistiu mais. Então, um padre francês, que tinha
uma reputação de astrólogo astuto, foi apresentado a Rizzio e avisou que as estrelas previam que
ele estava em perigo mortal e deveria tomar cuidado com um certo bastardo, acima de tudo.
Rizzio respondeu que, desde o dia em que fora honrado com a confiança de sua soberana, ele
havia sacrificado antecipadamente a própria vida pelo seu cargo; que, desde então, teve a
oportunidade de notar que, em geral, os escoceses eram rápidos para ameaçar, mas demoravam a
agir. Que, quanto ao bastardo mencionado, que sem dúvida era o Conde de Murray, cuidaria
para ele nunca entrar na Escócia o suficiente para que sua espada o alcançasse, desde Dumfries
até Edimburgo, o que, em outras palavras, era o mesmo que dizer que Murray deveria
permanecer exilado na Inglaterra por toda a vida, já que Dumfries era uma das principais
cidades da fronteira.
Enquanto isso, a conspiração prosseguia, e Douglas e Ruthven, depois de reunirem seus
cúmplices e tomarem suas medidas, foram até Darnley para concluir o pacto. Como pagamento
pelo serviço sangrento que iam prestar ao rei, exigiram dele a promessa de obter o perdão de
Murray e dos nobres comprometidos com ele no caso da “corrida em todos os sentidos”.
Darnley concedeu tudo que lhe pediram, e um mensageiro foi enviado a Murray para lhe
informar da expedição que estava sendo preparada e para convidá-lo a estar pronto para voltar à
Escócia no primeiro aviso que recebesse. Então, com essa questão estabelecida, eles fizeram
Darnley assinar um documento em que assumia ser o autor e o chefe do empreendimento. Os
outros assassinos foram o Conde de Morton, o Conde de Ruthven, George Douglas, o bastardo
de Angus, Lindley e Andrew Carew. O restante era composto de soldados, máquinas de matar,
que nem sabiam o que estava acontecendo. Coube a Darnley marcar o horário.
Dois dias depois que essas condições foram estabelecidas, Darnley, tendo sido informado
que a rainha estava sozinha com Rizzio, quis determinar o grau de favorecimento que o ministro
desfrutava com ela. Assim, ele entrou nos aposentos dela por uma portinha cuja chave levava
sempre consigo, mas a chave girou na fechadura e a porta não se abriu. Então Darnley bateu,
anunciando sua presença, mas o desprezo que a rainha sentia por ele era tamanho que Mary o
deixou do lado de fora. Supondo que estivesse sozinha com Rizzio, ela teria tido tempo
suficiente para mandá-lo embora. Darnley, impulsionado por esse evento, convocou Morton,
Ruthven, Lennox, Lindley e o bastardo Douglas e combinou o assassinato de Rizzio para dali a
dois dias.
Eles tinham acabado de combinar todos os detalhes e distribuído os papéis que cada um ia
interpretar nessa tragédia sangrenta quando, de repente, e no momento em que menos
esperavam, a porta se abriu e Mary Stuart apareceu na soleira.
— Milordes — disse ela —, esses conselhos secretos são inúteis. Fui informada de suas
conspirações e, com a ajuda de Deus, em breve terei uma solução.
Com essas palavras, e antes que os conspiradores tivessem tempo de se recompor, ela
fechou a porta de novo e desapareceu como uma visão fugaz, mas ameaçadora. Todos ficaram
estupefatos. Morton foi o primeiro a recuperar a fala.
— Milordes — disse ele —, este é um jogo de vida e morte, e o vencedor não será o mais
inteligente ou o mais forte, mas o mais preparado. Se não destruirmos esse homem, estaremos
perdidos. Precisamos derrubá-lo hoje mesmo, não depois de amanhã.
Todos aplaudiram, até Ruthven, que, ainda pálido e febril por causa da vida libertina,
prometeu não ficar para trás. O único ponto alterado, por sugestão de Morton, foi que o
assassinato ocorresse no dia seguinte, pois, na opinião de todos, era necessário um intervalo
mínimo de um dia para reunir os conspiradores menos importantes, que não eram menos de
cento e cinquenta.
No dia seguinte, sábado, 9 de março de 1566, Mary Stuart, que herdara de seu pai, James
V, uma aversão pela etiqueta e a necessidade de liberdade, convidou seis pessoas para jantar
consigo, incluindo Rizzio. Darnley, que recebeu essa informação pela manhã, notificou
imediatamente os conspiradores, dizendo que ele próprio os deixaria entrar no palácio entre seis
e sete da noite. Os conspiradores responderam que estariam preparados.
A manhã estava escura e tempestuosa, como quase todos os primeiros dias da primavera na
Escócia, e ao entardecer a neve e o vento redobraram em profundidade e violência. Mary ficou
fechada com Rizzio, e Darnley, que tinha ido até a porta secreta várias vezes, ouvia o som de
instrumentos e a voz do preferido, que estava cantando aquelas doces melodias que chegaram
até os nossos dias, e que o povo de Edimburgo ainda atribui a ele. Essas músicas eram para Mary
um lembrete de sua estadia na França, onde os artistas dos aposentos dos Medicis já ecoavam a
Itália, mas, para Darnley, eram um insulto, e cada vez ele se afastava mais fortalecido em seu
projeto.
Na hora marcada, os conspiradores, que receberam a senha durante o dia, bateram no
portão do palácio e foram recebidos sem a menor dificuldade, pois o próprio Darnley, envolto
em uma grande capa, os esperava na portinhola pela qual foram admitidos. Os cento e cinquenta
soldados entraram imediatamente em um pátio interno, onde se colocaram sob alguns abrigos,
tanto para se protegerem do frio quanto para não serem vistos no chão coberto de neve. Uma
janela bem iluminada dava para esse pátio: era dos aposentos da rainha. Ao primeiro sinal dado a
eles dessa janela, os soldados deveriam arrombar a porta e entrar para ajudar os chefes da
conspiração.
Dadas essas instruções, Darnley levou Morton, Ruthven, Lennox, Lindley, Andrew
Carew e o bastardo Douglas para a sala ao lado dos aposentos, separados apenas por uma
tapeçaria pendurada diante da porta. Dali, era possível ouvir tudo que estava sendo dito e, de
uma só vez, atacar os convidados.
Darnley os deixou nesta sala, pedindo silêncio. Depois, sinalizando para eles entrarem no
momento em que o ouvissem gritar “Venha, Douglas!”, ele deu a volta pela passagem secreta,
para que, ao vê-lo entrar pela porta habitual, a rainha não suspeitasse de sua visita inesperada.
Mary estava jantando com seis pessoas, tendo, dizem Thou e Melville, Rizzio sentado à sua
direita, enquanto, por outro lado, Carapden garante que ele estava comendo em pé em um
aparador. A conversa era alegre e íntima, pois todos se rendiam ao bem-estar de estarem seguros
e aquecidos, sentados a uma mesa farta, enquanto a neve batia nas janelas e o vento rugia nas
chaminés. De repente, Mary, surpresa porque um silêncio muito profundo tinha se seguido ao
fluxo espirituoso e animado de palavras entre seus convidados desde o início do jantar, e
suspeitando, pelos olhares deles, que a causa do desconforto estava atrás de si, virou-se e viu
Darnley recostado na cadeira dela. A rainha estremeceu, pois, embora o marido estivesse
sorrindo ao olhar para Rizzio, o sorriso assumira uma expressão tão estranha que ficou claro que
alguma coisa terrível estava para acontecer. No mesmo instante, Mary ouviu passos pesados e
arrastados na sala ao lado perto do gabinete, depois a tapeçaria foi levantada e Lorde Ruthven,
com uma armadura da qual mal suportava o peso, pálido como um fantasma, apareceu na soleira
e, sacando a espada em silêncio, se apoiou nela.
A rainha achou que ele estava delirando.
— O que deseja, milorde? — perguntou a ele. — E por que você veio ao palácio assim?
— Pergunte ao rei, majestade — respondeu Ruthven com uma voz indistinta. — Cabe a ele
responder.
— Explique, milorde — exigiu Mary, voltando-se novamente para Darnley —, o que
significa esse lapso de conveniência?
— Significa, majestade — respondeu Darnley, apontando para Rizzio —, que aquele
homem deve sair daqui neste exato momento.
— Esse homem é meu, milorde — argumentou Mary, erguendo-se com orgulho —, e,
consequentemente, só recebe ordens de mim.
— Venha, Douglas! — gritou Darnley.
Com essas palavras, os conspiradores, que por alguns instantes tinham se aproximado de
Ruthven, temendo, já que o caráter de Darnley era muito instável, que ele os tivesse levado em
vão e não tivesse coragem de dar o sinal, entraram na sala com tanta pressa que derrubaram a
mesa. David Rizzio, vendo que era ele que eles queriam, jogou-se de joelhos atrás da rainha,
agarrando a barra do manto dela e gritando em italiano:
— Giustizia! Giustizia!
De fato, a rainha, fiel ao seu caráter, não se deixou ser intimidada por essa terrível irrupção
e colocou-se na frente de Rizzio e o protegeu atrás da própria Majestade. Mas ela contou demais
com o respeito de uma nobreza acostumada a lutar corpo a corpo com seus reis durante cinco
séculos. Andrew Carew levou uma adaga ao peito dela e ameaçou matá-la se insistisse em
defender aquele cuja morte tinha sido decidida. Então Darnley, sem considerar a gravidez da
rainha, agarrou-a pela cintura e afastou-a de Rizzio, que continuou de joelhos, pálido e trêmulo,
enquanto o bastardo Douglas, confirmando a previsão do astrólogo que advertira Rizzio para
tomar cuidado com um certo bastardo, sacando a adaga do próprio rei, mergulhou-a no peito do
ministro, que caiu ferido, mas não morto. Morton imediatamente o pegou pelos pés e o arrastou
do gabinete até a sala maior, deixando no chão aquele longo rastro de sangue que continuou ali.
Então, chegando lá, cada um se apressou sobre ele como em uma caça e atacou o cadáver, que foi
esfaqueado em 56 pontos. Enquanto isso, Darnley segurava a rainha, que, pensando que a cena
ainda não tinha acabado, não parava de gritar por misericórdia. Mas Ruthven voltou, mais
pálido do que antes, e, depois que Darnley perguntou se Rizzio estava morto, fez que sim com a
cabeça. Assim, como não suportava mais fadiga em seu estado convalescente, sentou-se, embora
a rainha, que Darnley finalmente soltara, continuasse em pé no mesmo lugar. Com isso, Mary
não conseguiu se controlar.
— Milorde — exclamou ela —, quem lhe deu permissão para se sentar na minha presença e
de onde vem tanta insolência?
— Majestade — respondeu Ruthven —, faço isso não por insolência, mas por fraqueza,
pois, para servir ao seu marido, acabei de fazer mais exercícios do que meus médicos permitem.
— Em seguida, virando-se para um criado: — Me dê uma taça de vinho — disse ele, mostrando
a Darnley sua adaga ensanguentada antes de colocá-la de volta na bainha —, pois aqui está a
prova de que eu a mereci. — O criado obedeceu, e Ruthven esvaziou a taça com tanta
tranquilidade como se tivesse acabado de realizar o ato mais inocente.
— Milorde — disse a rainha, dando um passo em sua direção —, pode ser que, por ser
mulher, apesar do meu desejo e da minha vontade, eu nunca encontre uma oportunidade de
retribuir o que você está fazendo comigo, mas — acrescentou, golpeando energicamente o ventre
com a mão —, aquele que carrego aqui e cuja vida você deveria ter respeitado, já que respeita tão
pouco minha Majestade, um dia me vingará de todos esses insultos. — Então, com um gesto ao
mesmo tempo soberbo e ameaçador, ela se retirou pela porta de Darnley e a fechou depois de
passar.
Nesse momento, um grande barulho foi ouvido no quarto da rainha. Huntly, d’Athole e
Bothwell, que em breve veremos desempenhar um papel muito importante no decorrer desta
história, estavam reunidos em outro salão do palácio, quando de repente ouviram clamor e o
choque de armas, de modo que saíram correndo a toda velocidade. Quando d’Athole, que
chegou primeiro, sem saber de quem era, atingiu o cadáver de Rizzio, que estava esticado no
topo da escada, acreditou, ao ver alguém assassinado, que a vida do rei e da rainha estava
ameaçada, e todos sacaram suas espadas para forçar a porta que Morton estava protegendo. Mas
assim que Darnley entendeu o que estava acontecendo, ele saiu em disparada do gabinete,
seguido por Ruthven, e mostrou-se aos recém-chegados.
— Milordes — disse ele —, a rainha e eu estamos a salvo, e nada aconteceu aqui, a não ser
por nossas ordens. Retirem-se, então; vocês saberão mais sobre isso no momento certo. Quanto
a ele — acrescentou, segurando a cabeça de Rizzio pelos cabelos, enquanto o bastardo Douglas
iluminava o rosto com uma tocha para que pudesse ser reconhecido —, vejam quem é e se vale a
pena ter problemas por causa dele.
De fato, assim que Huntly, d’Athole e Bothwell reconheceram o ministro músico, todos
embainharam suas espadas e, depois de saudar o rei, foram embora.
Mary tinha saído dali com um único pensamento no coração: vingança. Mas ela entendia
que não podia se vingar ao mesmo tempo de seu marido e de seus companheiros: começou a
trabalhar com todos os encantos de sua inteligência e sua beleza para separar o rei de seus
cúmplices. Não era uma tarefa difícil: quando a raiva brutal que muitas vezes levava Darnley
além de todos os limites se esgotou, ele se assustou com o crime que havia cometido e, enquanto
os assassinos, reunidos por Murray, estavam resolvendo que ele deveria ter o tão desejado
matrimônio da coroa, Darnley, tão volúvel quanto violento, tão covarde quanto cruel, no
próprio quarto de Mary, diante do sangue quase seco, fez outro pacto, no qual se comprometeu a
entregar seus cúmplices. De fato, três dias após o evento que acabamos de relatar, os assassinos
souberam de uma notícia estranha: que Darnley e Mary, acompanhados por Lorde Seyton,
tinham escapado juntos do Palácio de Holyrood. Três dias depois, apareceu uma proclamação,
assinada por Mary e datada de Dunbar, que convocava, em nome da rainha e do rei, todos os
lordes e barões escoceses, incluindo aqueles que tinham se envolvido no caso da “corrida em
todos os sentidos”, a quem ela não apenas concedia perdão total e completo, mas também
restaurava toda a sua confiança. Dessa maneira, ela separou a causa de Murray da causa de
Morton e dos outros assassinos, que, por sua vez, vendo que não havia mais nenhuma segurança
para eles na Escócia, fugiram para a Inglaterra, onde todos os inimigos da rainha sempre
encontravam uma calorosa recepção, apesar das boas relações que aparentemente reinavam entre
Mary e Elizabeth. Quanto a Bothwell, que tentou se opor ao assassinato, ele foi nomeado
guardião de todas as marchas do reino.
Infelizmente para sua honra, Mary, sempre mais mulher do que rainha, enquanto, pelo
contrário, Elizabeth sempre foi mais rainha do que mulher, assim que recuperou o poder,
realizou como primeiro ato de rainha a exumação de Rizzio, que fora enterrado sem cerimônia
nos arredores da capela mais próxima do Palácio de Holyrood, para levá-lo ao cemitério dos reis
escoceses, comprometendo-se ainda mais pelas honrarias que prestou a ele morto do que pelo
favorecimento que lhe concedia em vida.
Essa demonstração imprudente naturalmente levou a novas brigas entre Mary e Darnley.
As brigas eram ainda mais amargas, uma vez que, como se sabe, a reconciliação entre marido e
mulher, pelo menos por parte desta, nunca passara de fingimento. De modo que, sentindo-se em
uma posição mais forte ainda por causa da gravidez, ela não se conteve mais e, deixando
Darnley, saiu de Dunbar para o Castelo de Edimburgo, onde, em 19 de junho de 1566, três
meses depois do assassinato de Rizzio, deu à luz um filho que depois se tornou James VI.
CAPÍTULO III

Assim que deu à luz, Mary chamou James Melville, seu habitual emissário para Elizabeth, e
encarregou-o de transmitir a notícia à Rainha da Inglaterra e, ao mesmo tempo, implorar que ela
fosse madrinha da criança real. Ao chegar a Londres, Melville se apresentou imediatamente no
palácio, mas, como havia um baile da corte, não pôde ver a rainha e contentou-se em dar a
conhecer o motivo de sua jornada ao ministro Cecil e em implorar que ele pedisse uma audiência
à sua senhora no dia seguinte. Elizabeth estava dançando uma quadrilha no momento em que
Cecil, aproximando-se dela, disse em voz baixa:
— A Rainha Mary da Escócia acabou de dar à luz um filho.
Ao ouvir essas palavras, ela ficou tremendamente pálida e, olhando ao redor com um ar
perplexo e como se estivesse prestes a desmaiar, apoiou-se em uma poltrona. Em pouco tempo,
sem conseguir ficar de pé, ela se sentou, jogou a cabeça para trás e mergulhou em um devaneio
sofrido. Então uma das damas de sua corte, rompendo o círculo formado ao redor da rainha,
aproximou-se dela, pouco à vontade, e perguntou o que estava pensando com tanta tristeza.
— Ora, madame — respondeu Elizabeth, impaciente —, não sabe que Mary Stuart deu à
luz um filho, enquanto eu não passo de um tronco estéril, que morrerá sem descendentes?
No entanto, Elizabeth era uma política boa demais, apesar de seu risco de ser levada pelo
primeiro impulso, para se comprometer com uma demonstração muito prolongada de sua dor.
O baile não foi encerrado por esse relato, e a quadrilha interrompida foi retomada e finalizada.
No dia seguinte, Melville teve sua audiência. Elizabeth o recebeu com perfeição,
assegurando-lhe todo o prazer que a notícia da qual era portador lhe causou e que, segundo ela, a
curou de uma doença da qual sofrera durante quinze dias. Melville respondeu que sua senhora
estava ansiosa para dividir sua alegria, sabendo que não tinha uma amiga melhor, mas
acrescentou que essa alegria quase custou a vida de Mary, já que seu resguardo tinha sido muito
doloroso. Ele retornou a esse ponto pela terceira vez, com o objetivo de aumentar ainda mais a
aversão da Rainha da Inglaterra pelo casamento:
— Calma, Melville — respondeu Elizabeth —, você não precisa insistir nisso. Nunca me
casarei. Meu reino assume o lugar de um marido para mim, e meus súditos são meus filhos.
Quando eu morrer, quero que seja gravado na minha lápide: “Aqui jaz Elizabeth, que reinou
por muitos anos e morreu virgem”.
Melville aproveitou a oportunidade para lembrar a Elizabeth do desejo que ela havia
demonstrado três ou quatro anos antes de encontrar Mary, mas Elizabeth disse que, além dos
assuntos de seu país, que exigiam sua presença no coração de suas propriedades, depois de tudo
que ouvira falar da beleza de sua rival, ela não gostaria de se expor a uma comparação
desvantajosa para o seu orgulho. Por isso, contentou-se em escolher como representante o
Conde de Bedford, que partiu com vários outros nobres para o Castelo de Stirling, onde o jovem
príncipe foi batizado com grande pompa e recebeu o nome de Charles James.
Percebeu-se que Darnley não apareceu nessa cerimônia, e sua ausência pareceu
escandalizar muito o emissário da Rainha da Inglaterra. Pelo contrário, James Hepburn, Conde
de Bothwell, ocupava o primeiro posto.
Isso aconteceu porque, desde a noite em que Bothwell, ouvindo os gritos de Mary, se
apressou para evitar o assassinato de Rizzio, ele subiu muito no favorecimento da rainha. Ele
parecia muito ligado ao grupo da rainha, excluindo os outros dois, o do rei e o do Conde de
Murray. Bothwell era um homem de 35 anos, chefe da poderosa família de Hepburn, que teve
grande influência em East Lothian e no Condado de Berwick; além disso, era violento, bruto,
dado a todo tipo de devassidão e capaz de tudo para satisfazer uma ambição que ele nem se dava
ao trabalho de esconder. Na juventude, era considerado corajoso, mas por muito tempo não teve
nenhuma oportunidade séria de sacar a espada.
Se a autoridade do rei já tinha sido abalada pela influência de Rizzio, ela foi totalmente
derrubada pela de Bothwell. Os grandes nobres, seguindo o exemplo do preferido, não se
levantavam mais na presença de Darnley e aos poucos pararam de tratá-lo como igual: sua
comitiva foi cortada, suas louças de prata foram retiradas e alguns oficiais que continuaram por
perto o fizeram comprar seus serviços com as mais repugnantes amarguras. Quanto à rainha, ela
nem se dava mais ao trabalho de esconder sua aversão por ele, evitando-o sem consideração, a tal
ponto que um dia, quando foi com Bothwell para Alway, ela partiu de novo imediatamente,
porque Darnley tinha chegado para se juntar a ela. O rei, no entanto, ainda tinha paciência, mas
uma nova imprudência de Mary finalmente levou à terrível catástrofe que, desde a ligação da
rainha com Bothwell, alguns já haviam previsto.
No fim de outubro de 1566, quando a rainha realizou um tribunal de justiça em Jedburgh,
foi anunciado a ela que Bothwell, ao tentar apreender um malfeitor chamado Elliot du Parc, fora
gravemente ferido na mão. A rainha, que estava prestes a participar do conselho, adiou
imediatamente a sessão para o dia seguinte e, ordenando que um cavalo fosse selado, partiu para
o Castelo de Hermitage, onde Bothwell estava morando, e percorreu a distância rapidamente,
embora fossem trinta quilômetros, tendo que atravessar bosques, pântanos e rios. Depois de
ficar algumas horas cara a cara com ele, ela partiu novamente com a mesma diligência para
Jedburgh, chegando à noite.
Embora esse acontecimento tivesse gerado muito burburinho, mais envenenado ainda
pelos inimigos da rainha, que pertenciam principalmente à religião reformada, Darnley não
ouviu falar de nada até quase dois meses depois – ou seja, quando Bothwell, completamente
recuperado, voltou com a rainha para Edimburgo.
Darnley achou que não devia mais aguentar essas humilhações. Mas como, desde sua
traição a seus cúmplices, ele não havia encontrado em toda a Escócia um nobre que
desembainhasse a espada por ele, decidiu procurar o Conde de Lennox, seu pai, esperando que,
por sua influência, pudesse reunir os descontentes, dos quais havia um grande número desde
que Bothwell começou a ser favorecido. Infelizmente, Darnley, indiscreto e imprudente como
sempre, confidenciou esse plano a alguns de seus oficiais, que advertiram Bothwell da intenção
do mestre. Bothwell não pareceu se opor à jornada de jeito nenhum, mas Darnley estava a
apenas um quilômetro e meio de Edimburgo quando sentiu dores violentas, continuou pela
estrada e chegou muito doente a Glasgow. Ele imediatamente chamou um médico célebre,
chamado James Abrenets, que encontrou seu corpo coberto de pústulas e declarou sem hesitar
que ele tinha sido envenenado. No entanto, outros, dentre eles Walter Scott, afirmaram que a
doença era apenas varíola.
Não importava o que fosse, a rainha, na presença do perigo que rondava o marido, pareceu
esquecer seu ressentimento e, correndo o risco de algo que poderia ser desaconselhável para ela,
foi até Darnley, depois de ser precedida pelo seu médico. É verdade que, se acreditarmos nas
cartas seguintes, datadas de Glasgow, que Mary é acusada de ter escrito para Bothwell, ela
conhecia bem demais a doença que o acometeu para temer o contágio. Como essas cartas são
pouco conhecidas e nos parecem muito curiosas, elas foram transcritas aqui. Depois contaremos
como elas caíram no poder dos lordes confederados e de suas mãos passaram às de Elizabeth,
que, muito feliz, exclamou ao recebê-las:
— Pela morte de Deus, então eu tenho a vida e a honra dela nas minhas mãos!

PRIMEIRA CARTA
Quando saí do lugar onde deixara meu coração, julgue em qual condição eu estava, um pobre
corpo sem alma. Além disso, durante toda a refeição, não conversei com ninguém, e ninguém ousou
se aproximar, pois era fácil ver que havia algo errado. Quando cheguei a cinco quilômetros da
cidade, o Conde de Lennox me enviou um de seus cavalheiros para me cumprimentar e se desculpar
por não ter vindo pessoalmente. Além disso, ele me informou que não ousou se apresentar diante de
mim depois da repreensão que lhe dei em Cunningham. Esse cavalheiro me implorou, como se por
sua própria vontade, para examinar a conduta de seu mestre, para averiguar se minhas suspeitas
eram fundamentadas. Respondi a ele que o medo era uma doença incurável, que o Conde de Lennox
não ficaria tão irrequieto se sua consciência não o reprovasse em nada e que, se algumas palavras
precipitadas escaparam de mim, eram apenas represálias pela carta que ele me escrevera.
Nenhum dos residentes me visitou, o que me faz crer que todos estão de acordo com ele. Além
disso, falam dele muito favoravelmente, assim como de seu filho. Ontem o rei chamou Joachim e lhe
perguntou por que não me hospedei com ele, acrescentando que minha presença o curaria em pouco
tempo, e também me perguntou com que objetivo eu tinha vindo: se era para me reconciliar com ele;
se você estava aqui; se eu tinha melhorado o estado da minha casa; se eu tinha apoiado Paris e
Gilbert como secretários; e se eu ainda estava decidida a demitir Joseph. Não sei quem o instruiu tão
bem. Não há nada, até o casamento de Sebastian, que ele não saiba. Eu lhe perguntei o significado
de uma de suas cartas, na qual ele reclama da crueldade de certas pessoas. Ele respondeu que estava
abatido, mas que minha presença lhe causou tanta alegria que ele achou que ia morrer por isso. Ele
me censurou várias vezes por ser sonhadora; eu o deixei para ir jantar; ele me implorou para
voltar: eu voltei. Então ele me contou a história de sua doença, e que queria fazer um testamento
deixando tudo para mim, acrescentando que eu era um pouco a causa do problema dele e que
atribuía isso à minha frieza. “Você me pergunta”, acrescentou ele, “quem são as pessoas de quem
reclamo: é você, sua cruel, é você, que eu nunca consegui apaziguar com minhas lágrimas e meu
arrependimento. Eu sei que a ofendi, mas não na questão em que você me censura; também ofendi
alguns de seus súditos, mas você me perdoou por isso. Sou jovem, e você diz que sempre escorrego
nos meus defeitos; mas um jovem como eu, desprovido de experiência, não pode obtê-la, quebrar
suas promessas, se arrepender imediatamente e melhorar com o tempo? Se quiser me perdoar mais
uma vez, prometo nunca mais ofendê-la. Tudo que lhe peço é que moremos juntos, como cônjuges,
que tenhamos apenas uma cama e uma mesa. Se você for inflexível, nunca mais vou me levantar
daqui. Diga-me, por favor, sua resolução. Só Deus sabe o que eu sofro, e isso porque só cuido de
você, porque amo e adoro apenas você. Se eu a ofendi algumas vezes, é você que deve ser
repreendida, pois, quando alguém me ofende, se me fosse permitido reclamar com você, eu não
confidenciaria minhas mágoas a outras pessoas, mas, quando estamos afastados, sou obrigado a
guardá-las para mim, e isso me enlouquece.”
Ele então me pediu muito para ficar com ele e me hospedar em sua casa, mas eu me desculpei e
respondi que ele deveria ser expurgado e que ele não podia estar convenientemente em Glasgow. Ele
me disse que sabia que eu tinha levado uma liteira para ele, mas que ele teria preferido fazer a
viagem comigo. Acho que ele acreditava que eu pretendia mandá-lo para uma prisão. Respondi que
o levaria a Craigmiller, que ele encontraria médicos lá, que eu ficaria perto dele e que ficaríamos à
distância de ver meu filho. Ele respondeu que irá para onde eu quiser levá-lo, desde que eu conceda
o que ele me pediu. No entanto, ele não quer ser visto por ninguém.
Ele me falou mais de cem coisas bonitas que não posso repetir para você, e com as quais você
ficaria surpreso. Ele não queria me deixar ir, queria que eu ficasse vigiando a noite toda. Quanto a
mim, fingi acreditar em tudo e pareci realmente interessada nele. Além disso, nunca o vi tão
pequeno e humilde; e se eu não soubesse com que facilidade o coração dele transborda e como o meu é
impenetrável a todas as outras características além daquelas com as quais você o feriu, acho que
poderia me deixar comover. Mas que isso não o assuste, pois eu morreria antes de desistir do que lhe
prometi. Quanto a você, aja da mesma maneira em relação a esses perversos que farão todo o
possível para separá-lo de mim. Acredito que todas essas pessoas foram feitas com o mesmo molde:
este sempre tem uma lágrima nos olhos; aquele faz reverência para todos, do mais importante ao
menos importante; outro deseja beneficiá-los com seu favor e se colocar como vítima. Hoje o pai dele
expeliu sangue pelo nariz e pela boca: pense no significado desses sintomas. Ainda não o vi, pois ele
fica em casa. O rei quer que eu o alimente, senão ele não come. Mas, o que quer que eu faça, você
não será mais enganado do que eu me engano. Estamos unidos, você e eu, a dois tipos de pessoas
muito detestáveis6: que o inferno possa romper esses nós, e que o céu possa formar outros melhores
que não possam ser rompidos, que ele faça de nós o casal mais terno e fiel que já existiu; esta é a
profissão de fé na qual quero morrer.
Desculpe meus garranchos; você terá que adivinhar mais da metade, mas não conheço uma
cura para isso. Sou obrigada a escrever com pressa enquanto todos dormem. Mas fique tranquilo:
sinto um prazer infinito na minha vigília, pois não consigo dormir como os outros, não consigo
dormir como gostaria, ou seja, em seus braços.
Vou para a cama; amanhã terminarei minha carta. Tenho muitas coisas a lhe dizer, mas a
noite está avançada demais. Imagine meu sofrimento. É para você que escrevo, é sobre mim que falo
com você e sou obrigada a terminar.
Não posso me abster, no entanto, de ocupar apressadamente o que resta da minha folha.
Maldito seja o alucinado que me atormenta tanto! Não fosse por ele, eu poderia falar com você
sobre coisas mais agradáveis. Ele não mudou quase nada, apesar de ter sofrido muito. Além disso,
ele quase me matou com o cheiro fétido do seu hálito, porque ele está pior do que o seu primo. Você
pode achar que esse é um novo motivo para eu não me aproximar dele. Pelo contrário, eu me afasto
até onde posso e me sento em uma cadeira ao pé da cama dele.
Vamos ver se me esqueci de alguma coisa:
– O mensageiro do pai dele na estrada;
– A pergunta sobre Joachim;
– O estado da minha casa;
– As pessoas no meu quarto;
– O motivo da minha chegada;
– Joseph;
– A conversa entre mim e ele;
– Seu desejo de me agradar e seu arrependimento;
– A explicação da carta dele;
– M. Livingston.
Ah! Eu estava me esquecendo disso. Ontem, Livingston, durante o jantar, disse a Reres em
voz baixa para beber à saúde de alguém que eu conhecia bem e pedir que eu fizesse as honras.
Depois do jantar, quando eu estava encostada no ombro dele perto do fogo, ele me disse: “Não é
verdade que haja visitas muito agradáveis para quem as faz e para quem as recebe? Mas, por mais
satisfeitos que pareçam com a sua chegada, duvido que o prazer deles se iguale à dor de quem você
deixou sozinho hoje e que nunca ficará feliz até vê-la de novo”. Perguntei-lhe a respeito de quem ele
queria falar comigo. Ele então me respondeu apertando o meu braço: “De um daqueles que não a
seguiram; e, entre esses, é fácil você adivinhar de quem quero falar”.
Trabalhei até as duas horas no bracelete; prendi uma pequena chave com dois cordões. Não
está tão bom quanto eu gostaria, mas não tive tempo de melhorar. Vou fazer um melhor assim que
puder. Tome cuidado para que não seja visto em você, pois trabalhei nele na frente de todo mundo,
e ele certamente seria reconhecido.
Eu sempre volto, apesar de não querer, ao terrível ataque que você aconselha. Você me obriga
a dissimulações e, sobretudo, a traições que me fazem estremecer. Prefiro morrer, acredite em mim,
do que fazer essas coisas, pois elas fazem meu coração sangrar. Ele não quer me seguir, a menos que
eu prometa dividir a mesma cama e mesa com ele como antes e não o abandone com tanta
frequência. Se eu consentir, ele diz que fará tudo que eu desejar e me seguirá para toda parte, mas
ele me fez adiar minha partida em dois dias. Fingi concordar com tudo que ele deseja, mas eu disse a
ele para não falar da nossa reconciliação com ninguém, para não provocar ressentimento em alguns
lordes. Por fim, vou levá-lo a todos os lugares que ele quiser... Infelizmente! Eu nunca enganei
ninguém, mas o que eu não faria para agradar você? Ordene e, aconteça o que acontecer, vou
obedecer. Mas veja se não é possível inventar alguns meios secretos como remédio. Ele deve se
purificar em Craigmiller e tomar banhos lá; ficará alguns dias sem sair. Até onde consigo ver, ele
está muito preocupado, mas ele tem muita confiança no que lhe digo. No entanto, sua confiança não
chega a permitir que ele se abra para mim. Se você quiser, eu conto tudo para ele. Não tenho prazer
em enganar alguém que confia em mim. Quanto ao resto, será como você deseja: não me considere
menos por isso. Foi você que me aconselhou: a vingança nunca me levaria tão longe. Às vezes, ele
me ataca em um ponto muito sensível, e me toca quando me diz que seus crimes são conhecidos, mas
que todos os dias são cometidos crimes maiores que se tenta inutilmente esconder, já que todos os
crimes, sejam quais forem, grandes ou pequenos, chegam ao conhecimento dos homens e formam o
assunto comum de seu discurso. Às vezes, acrescenta, ao falar comigo sobre a Madame de Reres:
“Espero que os serviços dela estejam à sua altura”. Ele me garantiu que muitas pessoas pensavam, e
ele também pensava, que eu não era dona de mim mesma, provavelmente porque eu rejeitei as
condições que ele me ofereceu. Por fim, é certo que ele está muito preocupado com o que você sabe e
que ele até suspeita que alguém esteja querendo a vida dele. Ele fica desesperado sempre que a
conversa envolve você, Livingston e meu irmão. Quanto ao resto, ele não fala nem bem nem mal das
pessoas ausentes; pelo contrário, sempre evita falar deles. O pai dele fica em casa: ainda não o vi.
Muitos Hamiltons estão aqui e me acompanham por toda parte; todos os amigos do outro me seguem
toda vez que vou vê-lo. Ele me pediu para encontrá-lo amanhã, quando ele acordar. Meu
mensageiro vai lhe contar o resto.
Queime minha carta: seria perigoso guardá-la. Além disso, não vale a pena, já que está cheia
de pensamentos sombrios.
Quanto a você, não se ofenda por eu estar triste e preocupada hoje. Para lhe agradar, passo
por cima da honra, do remorso e dos perigos. Não leve a mal o que lhe digo e não ouça as
interpretações maliciosas do irmão da sua esposa. Ele é um canalha que você não deve ouvir em
detrimento da amante mais terna e fiel que já existiu. Acima de tudo, não se deixe dominar por essa
mulher: suas lágrimas falsas não são nada comparadas às lágrimas verdadeiras que eu derramei, e
quanto amor e constância me fazem sofrer por sucedê-la. Foi só por esse motivo que, apesar de tudo,
traí todos aqueles que atrapalharam o meu amor. Que Deus tenha piedade de mim e lhe envie toda a
prosperidade que lhe deseja uma amiga humilde e terna que espera por você em breve com outra
recompensa. Está muito tarde, mas é sempre com pesar que deixo minha caneta de lado quando
escrevo para você. No entanto, não terminarei minha carta até ter beijado suas mãos. Perdoe-me
por estar tão mal escrita: talvez eu o faça de propósito, para que você seja obrigado a relê-la várias
vezes. Transcrevi apressadamente o que tinha anotado nas minhas prateleiras e perdi o papel.
Lembre-se de uma amiga querida e escreva para ela com frequência: me ame com tanta ternura
quanto eu te amo e lembre-se:
– Das palavras da Madame de Reres;
– Dos ingleses;
– Da mãe dele;
– Do Conde de Argyll;
– Do Conde de Bothwell;
– Dos habitantes de Edimburgo.

SEGUNDA CARTA
Parece que você me esqueceu durante a sua ausência, especialmente porque me prometeu, ao
partir, que me contaria em mais detalhes tudo que ia acontecer de novo. A esperança de receber suas
notícias me deu quase tanto prazer quanto seu retorno poderia me dar: você o adiou mais do que me
prometeu. Quanto a mim, embora você não escreva, eu sempre faço a minha parte. Vou levá-lo a
Craigmiller na segunda-feira, e ele vai passar a quarta-feira toda lá. Nesse dia, irei a Edimburgo
para ser sangrada lá, a menos que você peça o contrário. Ele está mais feliz do que o normal e
melhor do que nunca.
Ele diz tudo que pode para me convencer de que me ama, ele me dedica mil atenções e me avisa
de todas as coisas: tudo isso é tão agradável para mim que eu nunca entro na casa dele, pois a dor
na minha lateral apareceu de novo, já que a companhia dele é pesada para mim. Se Paris me
trouxesse o que lhe pedi, eu seria curada em breve. Se você ainda não tiver voltado quando eu for
você sabe para onde, me escreva, lhe peço, e me diga o que quer que eu faça, pois, se você não
conduzir as coisas com prudência, prevejo que todo o fardo recairá sobre mim. Examine tudo e
avalie o assunto com maturidade. Envio minha carta por Beaton, que partirá para Balfour no dia
que foi designado. Só me resta pedir que você me conte da sua viagem.
Glasgow, neste sábado de manhã.

TERCEIRA CARTA
Fiquei você sabe onde por mais tempo do que deveria, pelo menos para pegar com ele algo que o
portador desses presentes vai lhe dizer que foi uma boa oportunidade para encobrir nossos projetos.
Prometi a ele que vou trazer amanhã a pessoa que você sabe. Cuide do resto, se achar adequado.
Infelizmente! Eu fracassei no nosso acordo, pois você me proibiu de lhe escrever ou de lhe enviar um
mensageiro. No entanto, não pretendo ofendê-lo: se soubesse os temores que me perturbam, não teria
tantas dúvidas e suspeitas. Mas eu os tomo em boa parte, convencida como estou de que eles não têm
outra causa além do amor – um amor que estimo mais do que qualquer coisa sob o céu.
Meus sentimentos e minhas boas ações são, para mim, garantias claras desse amor e me dão
respostas do seu coração. Minha confiança é total na minha cabeça, mas explique-se, por favor, e
abra sua alma para mim. Caso contrário, devo temer, pela fatalidade da minha estrela e pela
influência afortunada das estrelas sobre as mulheres menos afetuosas e menos fiéis do que eu, que eu
possa ser suplantada em seu coração como aconteceu com Medeia no coração de Jasão. Não que eu
queira compará-lo a um amante tão azarado quanto Jasão e me comparar com um monstro como
Medeia, embora você tenha influência suficiente sobre mim para me forçar a parecer com ela cada
vez que nosso amor assim exija, e que cabe a mim guardar seu coração, que pertence a mim, e
apenas a mim. Pois nomeio como pertencendo a mim o que comprei com o amor afetuoso e constante
com o qual ardi por você, um amor mais vivo hoje do que nunca e que só terminará com a minha
vida. Um amor, enfim, que me faz desprezar tanto os perigos quanto o remorso que podem ser suas
tristes consequências. Como preço por este sacrifício, peço-lhe apenas um favor, que é se lembrar de
um local não muito distante daqui. Não exijo que você cumpra sua promessa amanhã, mas quero
vê-lo dissipar suas suspeitas. Peço a Deus apenas uma coisa: que Ele faça você ler meu coração, que
é menos meu que o seu, e que Ele o proteja de todos os males, pelo menos durante a minha vida.
Essa vida me é querida apenas na medida em que lhe agrada e que eu lhe agrade. Vou me deitar.
Adeus. Mande notícias amanhã de manhã, porque ficarei preocupada até recebê-las. Como um
pássaro que escapou da gaiola ou uma pomba que perdeu seu companheiro, ficarei sozinha,
chorando sua ausência, por mais curta que seja. Esta carta, mais feliz do que eu, seguirá esta noite,
já que não posso ir, na esperança de que o mensageiro não o encontre dormindo, como temo. Não
ousei escrevê-la na presença de Joseph, de Sebastian e de Joachim, que tinham acabado de me
deixar quando a iniciei.
Assim, como se vê, e sempre supondo que essas cartas sejam genuínas, Mary sentia por
Bothwell uma daquelas paixões sem sentido, tão mais fortes nas mulheres que são vítimas delas
que menos se entende o que poderia tê-las inspirado. Bothwell não era mais jovem, Bothwell não
era bonito e, no entanto, Mary sacrificou por ele um jovem marido, que foi considerado um dos
homens mais bonitos do seu século. Era como uma espécie de encantamento. Darnley, o único
obstáculo à união, já estava condenado havia muito tempo, se não por Mary, pelo menos por
Bothwell. Então, como sua forte constituição tinha vencido o veneno, outro tipo de morte foi
providenciado.
A rainha, como anunciou na carta a Bothwell, se recusou a levar Darnley consigo e voltou
sozinha para Edimburgo. Chegando lá, ordenou que o rei fosse transportado em uma liteira,
mas, em vez de levá-lo para Stirling ou Holyrood, decidiu alojá-lo na abadia de Kirk of Field. O
rei fez algumas objeções quando soube desse arranjo. No entanto, como não tinha poder para se
opor, contentou-se em reclamar da solidão da habitação que lhe fora designada, mas a rainha
respondeu que não poderia recebê-lo naquele momento, nem em Holyrood nem em Stirling, por
medo de que sua doença fosse infecciosa, para que não a transmitisse ao filho. Darnley então foi
obrigado a tirar o melhor proveito da residência que lhe fora atribuída.
Era uma abadia isolada e, pela sua posição, não era construída para dissipar os medos que o
rei nutria, porque era situada entre duas igrejas em ruínas e dois cemitérios. A única casa, à
distância de um tiro de besta, pertencia aos Hamiltons e, como inimigos mortais de Darnley, a
região não era nada tranquilizadora. Mais ao norte erguiam-se algumas cabanas miseráveis,
chamadas de “encruzilhadas dos ladrões”. Ao percorrer sua nova residência, Darnley notou que
três buracos, suficientemente grandes para um homem passar, tinham sido feitos nos muros. Ele
pediu que esses buracos, através dos quais poderiam passar malfeitores, fossem fechados.
Prometeram enviar pedreiros para lá, mas nada foi feito, e os buracos continuaram livres e
abertos.
No dia seguinte à sua chegada a Kirk of Field, o rei viu uma luz na casa próxima à dele, que
acreditava estar deserta. No dia seguinte, perguntou a Alexander Durham de onde vinha e soube
que o Arcebispo de St. Andrews tinha deixado seu palácio em Edimburgo e passado a morar ali
desde a noite anterior – não se sabia por quê. Essa notícia aumentou ainda mais a inquietação do
rei, já que o Arcebispo de St. Andrews era um de seus inimigos mais notórios.
O rei, abandonado aos poucos por todos os seus serviçais, morava no primeiro andar de um
pavilhão isolado, tendo por perto apenas o mesmo Alexander Durham que já mencionamos e
que era seu criado. Darnley, que tinha uma amizade muito especial com ele e que, além disso,
como dissemos, temia algum ataque a sua vida a todo momento, o fez transportar a cama para os
seus aposentos, de modo que os dois dormiam no mesmo ambiente.
Na noite de 8 de fevereiro, Darnley acordou Durham. Pensou ter ouvido passos nos
aposentos abaixo do dele. Durham levantou-se, pegou uma espada em uma das mãos, uma vela
na outra e desceu para o térreo. Mas, embora Darnley tivesse certeza de que não estava
enganado, Durham voltou a aparecer um instante depois, dizendo que não tinha visto ninguém.
A manhã do dia seguinte transcorreu sem nenhuma novidade. A rainha estava no
casamento de um de seus serviçais chamado Sebastian: um auvergnat que ela trouxera da França
e a quem amava muito. No entanto, quando o rei disse que não a vira nos dois dias anteriores, ela
deixou o casamento às seis horas e foi visitá-lo, acompanhada da Condessa de Argyll e da
Condessa de Huntly. Enquanto ela estava lá, Durham, ao preparar sua cama, ateou fogo em sua
coberta, que foi queimada com parte do colchão, de modo que, depois de jogar tudo pela janela
em chamas por medo de que o fogo atingisse o restante dos móveis, ele se viu sem uma cama e
pediu permissão para voltar à cidade para dormir. Mas Darnley, que se lembrava do terror da
noite anterior e ficou surpreso com a prontidão de Durham para jogar toda a roupa de cama pela
janela, implorou que ele não fosse embora, oferecendo-lhe um de seus colchões ou até para
deixá-lo dormir na sua cama. No entanto, apesar dessa oferta, Durham insistiu, dizendo que se
sentia mal e que gostaria de consultar um médico na mesma noite. Então a rainha intercedeu por
Durham e prometeu a Darnley que lhe mandaria outro criado para passar a noite com ele.
Darnley foi então obrigado a ceder e, fazendo Mary repetir que lhe enviaria alguém, deixou
Durham ir embora naquela noite. Naquele momento, Paris, de quem a rainha fala em suas
cartas, entrou: era um jovem francês que estava na Escócia havia alguns anos e que, depois de
servir com Bothwell e Seyton, estava atualmente com a rainha. Ao vê-lo, ela se levantou e, como
Darnley queria abraçá-la novamente, disse:
— Na verdade, milorde, é impossível. Deixei o casamento deste pobre Sebastian e tenho
que voltar, pois prometi ir mascarada ao baile.
O rei não ousou insistir, apenas lembrou a ela da promessa de lhe enviar um serviçal. Mary
o renovou mais uma vez e foi embora com seus acompanhantes. Quanto a Durham, ele saiu no
momento em que recebeu permissão.
Eram nove da noite. Darnley, deixado sozinho, fechou as portas com cuidado e foi para a
cama, mas preparado para se levantar e abrir a porta para o criado que ia passar a noite com ele.
Mal tinha se deitado quando escutou o mesmo barulho da noite anterior. Dessa vez, Darnley
ouviu com toda a atenção que o medo proporciona, e logo não tinha mais dúvida de que vários
homens estavam andando sob ele. Era inútil gritar, era perigoso sair; esperar era o único
caminho que restava ao rei. Garantiu mais uma vez que as portas estavam bem fechadas,
colocou a espada na cabeceira da cama, apagou o lampião para que a luz não o revelasse e
aguardou em silêncio a chegada do serviçal, mas as horas passaram, e o serviçal não apareceu. À
uma da manhã, Bothwell, depois de conversar um pouco com a rainha na presença do capitão da
guarda, voltou para casa para trocar de roupa. Depois de alguns minutos, saiu envolto na capa de
um hussardo alemão, passou pela guarita e abriu o portão do castelo. Quando chegou do lado de
fora, seguiu com toda a velocidade até Kirk of Field, onde entrou pelo buraco no muro. Mal
tinha dado um passo no jardim quando encontrou James Balfour, governador do castelo.
— Bem — disse ele —, até onde chegamos?
— Está tudo pronto — respondeu Balfour —, e estávamos esperando você para acender o
pavio.
— Isso é ótimo — respondeu Bothwell —, mas primeiro quero ter certeza de que ele está no
quarto.
Com essas palavras, Bothwell abriu a porta do pavilhão com uma chave falsa e, depois de
subir os degraus tateando, colocou o ouvido na porta de Darnley. Darnley, sem ouvir nenhum
outro barulho, acabou indo dormir, mas com uma respiração brusca que revelava sua agitação.
Pouco importava para Bothwell que tipo de sono era, desde que ele realmente estivesse no
quarto. Ele desceu em silêncio do mesmo jeito que subiu e, pegando um lampião de um dos
conspiradores, foi até a câmara inferior para ver se tudo estava em ordem. Essa câmara estava
cheia de barris de pólvora, e um pavio preparado aguardava apenas uma faísca para incendiar
tudo. Bothwell retirou-se, então, para os fundos do jardim com Balfour, David, Chambers e três
ou quatro outros, deixando um homem para acender o pavio. Depois de um instante, esse
homem se juntou a eles.
Houve alguns minutos de ansiedade, durante os quais os cinco homens se entreolharam em
silêncio e como se estivessem com medo. Depois, vendo que nada explodiu, Bothwell,
impaciente, virou-se para o artífice, repreendendo-o por ter feito mal seu trabalho, sem dúvida
por medo. Ele garantiu ao mestre que tinha certeza de que estava tudo correto e, como Bothwell,
ansioso, queria voltar até a casa para verificar, ele se ofereceu para voltar e ver como as coisas
estavam. De fato, ele voltou ao pavilhão e, passando a cabeça por uma espécie de janela no
porão, viu que o pavio ainda estava queimando. Alguns segundos depois, Bothwell o viu voltar
correndo, fazendo um sinal de que tudo estava indo bem. No mesmo instante, ouviu-se uma
explosão assustadora, o pavilhão foi destruído, e a cidade e o golfo foram iluminados com uma
claridade que superava a luz do dia mais brilhante. Então tudo virou noite de novo, e o silêncio
foi quebrado apenas pela queda de pedras e vigas, que desabavam tão rápido quanto granizo
durante um furacão.
No dia seguinte, o corpo do rei foi encontrado em um jardim da vizinhança. Tinha
escapado da ação do fogo pelos colchões em que estava deitado e, como, sem dúvida, em seu
terror, ele tinha simplesmente se jogado na cama enrolado no roupão e de chinelo, e como foi
encontrado assim, só que sem os chinelos, que tinham sido arremessados a alguns passos,
acreditava-se que ele tinha sido estrangulado primeiro e depois levado para lá. Mas a versão mais
provável era que os assassinos simplesmente confiaram na pólvora, um auxiliar suficientemente
poderoso em si, e por isso não tinham medo do fracasso.
A rainha era cúmplice ou não? Ninguém, exceto ela, Bothwell e Deus, jamais soube, mas,
cúmplice ou não, sua conduta, imprudente dessa vez como sempre, deu à acusação que seus
inimigos imputaram a ela, se não uma consistência, pelo menos um aspecto de verdade. Assim
que ouviu as notícias, ordenou que o corpo fosse levado até ela e, pedindo para estendê-lo sobre
um banco, observou-o por alguns instantes com mais curiosidade do que tristeza. E o cadáver,
embalsamado, foi colocado na mesma noite, sem pompa, ao lado do de Rizzio.
O cerimonial escocês prevê que as viúvas dos reis se retirem por quarenta dias em um
cômodo totalmente isolado da luz do dia. No décimo segundo dia, Mary abriu as janelas e, no
décimo quinto, partiu com Bothwell para Seaton, uma casa de campo situada a quase dez
quilômetros da capital, onde o embaixador francês, Ducroc, foi procurá-la e a repreendeu,
determinando que ela voltasse a Edimburgo. Mas, em vez das aclamações que normalmente
saudavam sua chegada, ela foi recebida por um silêncio gelado, e apenas uma mulher na
multidão gritou:
— Que Deus a trate como ela merece!
O nome dos assassinos não era um segredo para o povo. Quando Bothwell levou um casaco
esplêndido que era grande demais para ele a um alfaiate, pedindo que o refizesse à sua medida, o
homem reconheceu que pertencia ao rei.
— Isso mesmo — disse ele. — É costume o carrasco herdar as posses dos condenados.
Enquanto isso, o Conde de Lennox, apoiado pelos murmúrios do povo, exigiu justiça pela
morte do filho e acusou seus assassinos. A rainha, obrigada a apaziguar o clamor paterno e o
ressentimento público, ordenou ao Conde de Argyll, grande juiz do reino, que fizesse
investigações. No mesmo dia em que essa ordem foi dada, uma proclamação foi anunciada nas
ruas de Edimburgo, na qual a rainha prometia duas mil libras esterlinas a quem descobrisse os
assassinos do rei. No dia seguinte, em todos os lugares que essa carta tinha sido afixada, outro
cartaz foi encontrado, com a seguinte redação:
Como foi proclamado que aqueles que descobrissem os assassinos do rei receberiam duas mil
libras esterlinas, eu, que fiz uma pesquisa rigorosa, afirmo que os autores do assassinato são o
Conde de Bothwell, James Balfour, o padre de Flisk, David, Chambers, Blackmester, Jean Spens
e a própria rainha.
Este cartaz foi destruído, mas, como geralmente acontece, já tinha sido lido por toda a
população.
O Conde de Lennox acusou Bothwell, e a opinião pública, que também o acusou, apoiou o
conde com tanta violência que Mary foi obrigada a permitir que ele fosse julgado, mas foram
tomadas todas as precauções para privar o promotor do poder de condenar o acusado. Em 28 de
março, o Conde de Lennox recebeu um aviso de que o julgamento tinha sido marcado para o dia
12 de abril. Ele tinha duas semanas para reunir provas decisivas contra o homem mais poderoso
de toda a Escócia, mas o Conde de Lennox, considerando que esse julgamento não passava de
um escárnio, não apareceu. Bothwell, pelo contrário, apresentou-se ao tribunal, acompanhado
por cinco mil partidários e duzentos fuzileiros de elite, que guardavam os portões por onde ele
entrou, de modo que ele parecia ser mais um rei prestes a violar a lei do que um acusado que foi
se submeter a ela. E aconteceu o que certamente aconteceria, ou seja, o júri absolveu Bothwell do
crime pelo qual todos, inclusive os juízes, sabiam que ele era culpado.
No dia do julgamento, Bothwell postou o seguinte desafio:
Embora eu esteja suficientemente liberado do assassinato do rei, do qual fui falsamente
acusado, ainda assim, para provar melhor minha inocência, estou pronto para lutar contra
qualquer um que ousar afirmar que eu matei o rei.
No dia seguinte, esta resposta apareceu:
Aceito o desafio, contanto que você escolha um terreno neutro.
No entanto, o julgamento mal tinha acabado quando se espalharam boatos de um
casamento entre a rainha e o Conde de Bothwell. Por mais estranho e louco que esse casamento
parecesse, as relações entre os dois amantes eram tão conhecidas que ninguém duvidava que
fosse verdade. Mas, como todos obedeciam a Bothwell, por medo ou por ambição, apenas dois
homens ousaram protestar de antemão contra essa união: um era Lorde Herries e o outro era
James Melville.
Mary estava em Stirling quando Lorde Herries, aproveitando a ausência momentânea de
Bothwell, se jogou aos pés dela, implorando para que ela não perdesse a honra se casando com o
assassino do marido, e que isso poderia convencer aqueles que ainda duvidavam de que ela era
sua cúmplice. Mas a rainha, em vez de agradecer a Herries por essa devoção, pareceu muito
surpresa com a ousadia e, sinalizando com desdém para ele se levantar, respondeu friamente que
seu coração não lhe dizia nada em relação ao Conde de Bothwell e que, se ela um dia se casasse
novamente, o que não era provável, não se esqueceria do que devia ao seu povo nem do que
devia a si mesma.
Melville não ficou desanimado com esse precedente e fingiu ter recebido uma carta que um
de seus amigos, Thomas Bishop, tinha escrito da Inglaterra. Ele mostrou a carta à rainha, mas,
nas primeiras linhas, Mary reconheceu o estilo e, sobretudo, a camaradagem de seu embaixador
e entregou a carta ao Conde de Livingston, que estava presente:
— Aqui está uma carta muito singular — disse ela. — Leia. É bem no estilo de Melville.
Livingston deu uma olhada na carta, mas mal tinha lido a metade quando pegou Melville
pela mão e o conduziu até a fresta de uma janela.
— Meu querido Melville — disse ele —, você certamente estava com raiva agora, quando
entregou esta carta à rainha, mas, assim que o Conde de Bothwell souber disso, e não vai
demorar, ele vai assassiná-lo. Você se comportou como um homem honesto, é verdade, mas na
corte é melhor se comportar como um homem inteligente. Vá embora o mais rápido possível.
Sou eu que recomendo.
Melville não precisou ser avisado duas vezes e ficou fora por oito dias. Livingston não
estava enganado: Bothwell mal retornara à rainha quando soube de tudo que tinha acontecido.
Ele explodiu em maldições contra Melville e o procurou por toda parte, mas não conseguiu
encontrá-lo.
Esse começo de oposição, por mais fraco que fosse, perturbou Bothwell, que, tendo certeza
do amor de Mary, resolveu acelerar o processo. Assim, quando a rainha estava voltando de
Stirling para Edimburgo alguns dias depois das cenas que acabamos de descrever, Bothwell
apareceu de repente na Ponte de Grammont com mil cavaleiros e, tendo desarmado o Conde de
Huntly, Livingston e Melville, que tinha retornado para a amante, agarrou o cavalo da rainha
pelas rédeas e, com aparente violência, forçou Mary a voltar e segui-lo até Dunbar, o que a
rainha fez sem resistência – algo estranho para a personalidade de Mary.
No dia seguinte, o Conde de Huntly, Livingston, Melville e seus seguidores foram
libertados; dez dias depois, Bothwell e a rainha, perfeitamente reconciliados, voltaram juntos
para Edimburgo.
Dois dias após esse retorno, Bothwell ofereceu um grande banquete em uma taberna para
os nobres que eram seus partidários. Quando a refeição terminou, na mesma mesa, entre copos
pela metade e garrafas vazias, Lindsay, Ruthven, Morton, Maitland e cerca de quinze outros
nobres assinaram um ato declarando não só que, em suas almas e suas consciências, Bothwell era
inocente, mas também que ele era o marido mais adequado para a rainha. Esse ato terminava
com uma declaração bem estranha:
Afinal, a rainha não pode fazer diferente, já que o conde a sequestrou e se deitou com ela.
No entanto, duas circunstâncias ainda se opunham a esse casamento: a primeira era que
Bothwell já tinha se casado três vezes e que as três esposas estavam vivas; a segunda era que,
tendo sequestrado a rainha, essa violência poderia fazer com que a aliança parecesse fútil. A
primeira dessas objeções foi tratada como a mais difícil de resolver.
As duas primeiras esposas de Bothwell eram de berço obscuro; consequentemente, ele
rejeitava a preocupação com elas. Mas não era assim com a terceira, filha do Conde de Huntly,
que foi pisoteado sob os pés dos cavalos, e irmã de Gordon, que foi decapitado. Felizmente para
Bothwell, seu comportamento passado fez a esposa desejar o divórcio com uma ansiedade tão
grande quanto a dele. Não foi difícil ela decidir apresentar uma queixa de adultério contra o
marido. Bothwell confessou que teve um comércio criminoso com um parente da esposa, e o
Arcebispo de St. Andrews, o mesmo que ficou naquela casa solitária em Kirk of Field e
testemunhou a morte de Darnley, pronunciou a sentença de dissolução. O caso foi instituído,
processado e julgado em dez dias.
Quanto ao segundo obstáculo, o da violência usada contra a rainha, Mary comprometeu-se
a removê-lo, pois, sendo levada ao tribunal, declarou que não apenas perdoava a conduta de
Bothwell em relação a ela, mas também, sabendo que ele era um súdito bom e fiel, pretendia
elevá-lo incessantemente a novas honras. De fato, alguns dias depois, ela o nomeou como Duque
de Orkney e, no dia 15 do mesmo mês – ou seja, apenas quatro meses após a morte de Darnley –,
com uma leviandade que parecia loucura, Mary, que tinha pedido uma licença para se casar com
um príncipe católico, seu parente em terceiro grau, casou-se com Bothwell, um protestante
arrivista que, apesar do divórcio, ainda era bígamo e, portanto, tinha quatro esposas vivas,
incluindo a rainha.
O casamento foi triste, como deveria ser uma festa sob auspícios tão sangrentos. Morton,
Maitland e alguns bajuladores de Bothwell assistiram sozinhos. O embaixador francês, embora
fosse uma criatura da Casa de Guise, à qual a rainha pertencia, recusou-se a comparecer.
A ilusão de Mary durou pouco: ela mal estava sob o poder de Bothwell quando viu que tipo
de mestre tinha dado a si mesma. Nojento, insensível e violento, ele parecia ter sido escolhido
pela Providência para vingar os erros dos quais tinha sido instigador ou cúmplice. Logo seus
surtos de paixão chegaram a tal ponto que, um dia, não mais capaz de suportá-los, Mary pegou a
adaga de Erskine, que estava presente com Melville em uma dessas cenas, e queria se ferir,
dizendo que preferia morrer do que continuar vivendo infeliz como estava. Contudo, por mais
inexplicável que pareça, apesar dessas misérias, renovadas sem cessar, Mary, esquecendo que
era esposa e rainha, sempre voltava terna e submissa como uma criança para Bothwell.
No entanto, essas cenas públicas deram um pretexto aos nobres, que procuravam apenas
uma oportunidade para explodir. O Conde de Mar, tutor do jovem príncipe, Argyll, d’Athole,
Glencairn, Lindley, Boyd e até Morton e Maitland, eternos cúmplices de Bothwell, levantaram-
se, disseram, para vingar a morte do rei e tirar o filho das mãos que mataram o pai e mantinham
a mãe em cativeiro. Quanto a Murray, tinha desaparecido completamente de todos os últimos
eventos: estava no Condado de Fife quando o rei foi assassinado e, três dias antes do julgamento
de Bothwell, ele pediu e obteve da irmã permissão para viajar pelo continente.
A insurreição ocorreu de maneira tão rápida e instantânea que os lordes confederados, cujo
plano era pegar Mary e Bothwell de surpresa, pensaram que teriam sucesso na primeira
tentativa.
O rei e a rainha estavam à mesa na casa de Lorde Borthwick, que lhes servia um banquete,
quando de repente foi anunciado que uma grande tropa de homens armados cercava o castelo.
Os dois cônjuges suspeitavam de que eles eram os procurados e, como não tinham meios de
resistência, Bothwell se vestiu como escudeiro, Mary como pajem e ambos montaram
imediatamente em cavalos e escaparam por uma porta no instante em que os confederados
entravam por outra. Os fugitivos se retiraram para Dunbar.
Lá eles reuniram todos os amigos de Bothwell e os fizeram assinar um tipo de tratado pelo
qual se comprometiam a defender a rainha e seu marido. No meio de tudo isso, Murray chegou
da França e Bothwell apresentou a ele, como aos outros, o documento, mas Murray se recusou a
assiná-lo, dizendo que era um insulto pensar que ele precisava estar vinculado a um acordo por
escrito quando se tratava de defender sua irmã e rainha. Essa recusa levou a uma briga entre ele e
Bothwell. Murray, fiel ao seu sistema de neutralidade, retirou-se para seu condado e deixou os
assuntos seguirem sem ele o caminho de declínio fatal que tinham tomado.
Enquanto isso, os confederados, depois de terem fracassado em Borthwick, não se sentindo
suficientemente fortes para atacar Bothwell em Dunbar, marcharam sobre Edimburgo, onde
fizeram um acordo com um homem que Bothwell achava correto. Esse homem era James
Balfour, governador da cidadela, o mesmo que tinha organizado a preparação da mina que
explodiu Darnley e com quem Bothwell tinha se encontrado ao entrar no jardim em Kirk of
Field. Balfour não apenas entregou a cidadela de Edimburgo nas mãos dos confederados, mas
também deu a eles uma pequena caixa de prata cuja decoração, um “F” coroado, indicava que
pertencera a Francis II; e, de fato, foi um presente de seu primeiro marido, que a rainha tinha
dado a Bothwell. Balfour afirmou que a caixa continha documentos preciosos que, nas
circunstâncias atuais, poderiam ser de grande utilidade para os inimigos de Mary. Os lordes
confederados a abriram e encontraram as três cartas genuínas ou falsas que citamos, o contrato
de casamento dos dois consortes e doze poemas escritos à mão pela rainha. Como Balfour
dissera, ali estava, para os inimigos dela, um achado rico e precioso, que valia mais que uma
vitória; pois uma vitória lhes daria apenas a vida da rainha, enquanto a traição de Balfour lhes
rendia a honra dela.
CAPÍTULO IV

Enquanto isso, Bothwell tinha reunido algumas tropas e se considerava em posição de


prosseguir com a campanha. Assim, partiu com seu exército, sem sequer esperar pelos
Hamiltons, que estavam reunindo seus vassalos, e, em 15 de junho de 1567, as duas forças
opostas ficaram cara a cara. Mary, que desejava evitar o derramamento de sangue, enviou
imediatamente o embaixador francês aos lordes confederados para exortá-los a deixarem as
armas de lado, mas eles responderam “que a rainha estava enganada ao considerá-los rebeldes,
pois não era contra ela que eles marchavam, e sim contra Bothwell”. Então os amigos do rei
fizeram o possível para interromper as negociações e travar a batalha: era tarde demais. Os
soldados sabiam que estavam defendendo a causa de um homem e que iam lutar pelo capricho
de uma mulher, e não pelo bem do país. Eles gritaram, então, que “já que Bothwell era o único
alvo, cabia a Bothwell defender sua causa”. E ele, vaidoso e arrogante, como sempre, revelou
estar pronto para provar sua inocência com as armas na mão contra quem se atrevesse a afirmar
que ele era culpado. Imediatamente toda a nobreza do campo rival aceitou o desafio e, quando
deram lugar aos mais valentes, Kirkcaldy de Grange, Murray de Tullibardine e Lorde Lindsay
de Byres o desafiaram sucessivamente. Mas, como sua coragem o abandonou ou, no momento
do perigo, ele não acreditou na justiça de sua causa, para escapar do combate, ele buscou
pretextos tão estranhos que a própria rainha se envergonhou e seus amigos mais dedicados
cochicharam.
Então Mary, percebendo a disposição fatal dos espíritos, decidiu não correr o risco de uma
batalha. Ela enviou um arauto a Kirkcaldy de Grange, que comandava um posto avançado, e
enquanto ele seguia sem desconfiar para conversar com a rainha, Bothwell, enfurecido com sua
própria covardia, ordenou que um soldado atirasse nele. Só que, dessa vez, a própria Mary
interpôs, proibindo, sob pena de morte, que o mínimo de violência lhe fosse causado. Enquanto
isso, quando a ordem imprudente dada por Bothwell se espalhou pelo exército, tais murmúrios
eclodiram, e ele viu claramente que sua causa estava perdida para sempre.
Era o que a rainha pensava, pois o resultado de sua conferência com Lorde Kirkcaldy foi
que ela abandonaria a causa de Bothwell e passaria para o lado dos confederados, desde que eles
abandonassem as armas diante dela e a levassem de volta a Edimburgo como rainha. Kirkcaldy
saiu para levar essas condições aos nobres e prometeu voltar no dia seguinte com uma resposta
satisfatória. Mas, no momento de deixar Bothwell, Mary foi novamente tomada por aquele amor
fatal por ele, que não conseguia superar, e sentiu-se tomada por tanta fraqueza que, chorando
amargamente e diante de todos, desejou informar a Kirkcaldy que ela estava interrompendo
todas as negociações. No entanto, como Bothwell tinha entendido que não estava mais seguro no
campo, foi ele quem insistiu que as coisas deveriam permanecer como estavam. E assim,
deixando Mary em lágrimas, ele montou no cavalo e partiu a toda velocidade, só parando ao
chegar a Dunbar.
No dia seguinte, na hora marcada, as cornetas que precediam Lorde Kirkcaldy de Grange
anunciaram sua chegada. Mary montou imediatamente no cavalo e foi encontrá-lo. Então,
quando ele desmontou para cumprimentá-la:
— Milorde — disse ela —, eu me rendo a você, de acordo com as condições que me propôs
por parte dos nobres, e aqui está minha mão como um sinal de perfeita confiança. — Kirkcaldy
então se ajoelhou, beijou respeitosamente a mão da rainha e, levantando-se, pegou o cavalo pelas
rédeas e o conduziu até o acampamento dos confederados.
Todos os líderes do exército e toda a nobreza a receberam com expressões de respeito que
não podiam ser maiores, mas não foi assim com os soldados e as pessoas comuns. Mal a rainha
alcançou a segunda fileira, formada por eles, grandes murmúrios surgiram e várias vozes
gritaram:
— Para a fogueira, adúltera! Para a fogueira, parricida!
No entanto, Mary enfrentou estoicamente essas ofensas, mas um julgamento ainda mais
terrível estava reservado para ela. De repente, ela viu diante de si um estandarte no qual estava
retratado, de um lado, o rei morto e estendido no jardim fatal e, do outro, o jovem príncipe
ajoelhado, com as mãos entrelaçadas e os olhos erguidos ao céu, com a seguinte inscrição: “Ó,
Senhor! Julgue e vingue a minha causa!”. Mary puxou bruscamente as rédeas do cavalo quando
viu isso e quis voltar, mas, assim que deu alguns passos, o estandarte acusador bloqueou de novo
sua passagem. Aonde quer que ela fosse, encontrava essa aparição fatal. Durante duas horas, ela
tinha constantemente sob seu olhar o cadáver do rei pedindo vingança e o jovem príncipe, seu
filho, orando a Deus para punir os assassinos. Por fim, ela não aguentou mais e, gritando, se
jogou para trás, perdendo completamente a consciência, e teria caído se alguém não a tivesse
segurado. À noite, ela entrou em Edimburgo, sempre precedida por esse estandarte cruel, e já
parecia mais uma prisioneira do que uma rainha, pois, sem ter tido um momento durante o dia
para cuidar da toalete, seus cabelos caíam desordenados sobre os ombros, o rosto estava pálido e
mostrava traços de lágrimas e, por fim, suas roupas estavam cobertas de poeira e lama.
Enquanto ela seguia pela cidade, as vaias do povo e as maldições da multidão a acompanhavam.
Por fim, meio morta de fadiga, exausta de dor, curvada de vergonha, ela chegou à casa do lorde
preboste, mas mal chegara lá quando toda a população de Edimburgo se aglomerou na praça,
com gritos que de tempos em tempos assumiam um tom de ameaça aterrorizante. Várias vezes,
então, Mary desejou ir até a janela, esperando que sua aparição, da qual ela tantas vezes provara
a influência, desarmasse a multidão, mas todas as vezes via esse estandarte se desenrolando
como uma cortina sangrenta entre ela e o povo – uma tradução terrível dos sentimentos da
multidão.
No entanto, todo esse ódio era dirigido a Bothwell, e não a ela: era Bothwell que eles
estavam perseguindo na viúva de Darnley. As maldições eram para ele: Bothwell era o adúltero,
Bothwell era o assassino, Bothwell era o covarde, enquanto Mary era a mulher fraca e fascinada
que, naquela mesma noite, deu uma nova prova de sua loucura.
Assim que a noite caiu e dispersou a multidão e um pouco de silêncio foi recuperado, Mary,
deixando de se sentir desconfortável por conta própria, voltou imediatamente para Bothwell, a
quem tinha sido obrigada a abandonar, e que agora era prescrito e fugitivo enquanto ela, como
acreditava, estava prestes a reassumir seu título e a posição de rainha. Com essa eterna confiança
da mulher no próprio amor, pelo qual invariavelmente mede o amor de outra pessoa, ela pensou
que a maior angústia de Bothwell era ter perdido não a riqueza e o poder, mas sim a ela. Por isso,
escreveu-lhe uma longa carta, na qual, esquecendo de si mesma, prometeu-lhe, com as mais
ternas expressões de amor, que nunca o abandonaria e lembrou a ele que a dissolução dos lordes
confederados daria a ela o poder de fazer isso. Então, depois de escrever essa carta, ela chamou
um soldado, deu-lhe uma bolsa de ouro e encarregou-o de levar essa carta a Dunbar, onde
Bothwell deveria estar, e, se ele já tivesse partido, segui-lo até encontrá-lo.
Em seguida, foi para a cama e dormiu mais tranquila. Por mais infeliz que estivesse,
acreditava que tinha acabado de amenizar infortúnios ainda maiores que os dela.
No dia seguinte, a rainha foi acordada pelos passos de um homem armado que entrou no
quarto. Atônita e assustada com essa negligência de decoro, que não podia indicar nada de bom,
Mary sentou-se na cama e, abrindo as cortinas, viu diante de si o Lorde Lindsay de Byres. Sabia
que ele era um de seus inimigos mais antigos, e perguntou-lhe em uma voz que tentou, em vão,
tornar confiante, o que ele queria dela àquela hora.
— Conhece essa caligrafia, madame? — perguntou Lorde Lindsay com uma voz áspera,
apresentando à rainha a carta que ela escrevera para Bothwell à noite, que o soldado entregara
aos lordes confederados, em vez de levar ao endereço indicado.
— Sim, sem dúvida, milorde — respondeu a rainha —, mas já sou prisioneira, então, para
que minha correspondência seja interceptada? Ou não é mais permitido que uma esposa escreva
para o marido?
— Quando o marido é um traidor — respondeu Lindsay —, não, madame, não é mais
permitido escrever para o seu marido, a menos, no entanto, que essa esposa faça parte da traição.
E me parece que isso foi comprovado pela promessa feita a esse miserável de trazê-lo de volta
para si.
— Milorde — exclamou Mary, interrompendo Lindsay —, você se esqueceu que está
falando com sua rainha?
— Houve uma época, madame — respondeu Lindsay —, em que eu teria falado com uma
voz mais suave e dobrado o joelho, embora não seja da natureza dos velhos escoceses agir como
seus cortesãos franceses. Mas, por algum tempo, graças a suas mudanças de amores, você nos
manteve com tanta frequência em campanha, com arreios nas costas, que nossas vozes estão
roucas do ar frio da noite e nossos joelhos duros não conseguem mais dobrar nossas armaduras.
Deve aceitar-me como sou, madame. Hoje, para o bem-estar da Escócia, você não tem mais
liberdade para escolher seus preferidos.
Mary ficou terrivelmente pálida diante dessa falta de respeito, à qual ainda não estava
acostumada, mas, contendo rapidamente sua raiva na medida do possível:
— Mesmo assim, milorde — disse ela —, por mais que eu esteja disposta a aceitá-lo como
é, devo pelo menos saber com que direito você veio até aqui. A carta que está em suas mãos me
leva a pensar que você é um espião, se a facilidade com que entra no meu quarto sem ser
solicitado não me fizesse acreditar que é mais como um carcereiro. Tenha a bondade de me
informar por qual desses dois nomes devo chamá-lo.
— Nem um nem outro, madame, pois sou simplesmente seu companheiro de viagem, chefe
da escolta que a levará ao Castelo de Lochleven, sua futura residência. E, no entanto, quando eu
chegar lá, serei obrigado a deixá-la e ajudar os lordes confederados a escolherem um regente para
o reino.
— Então — disse Mary —, foi como prisioneira e não como rainha que me rendi a Lorde
Kirkcaldy? Parece-me que as coisas foram combinadas de outra maneira, mas fico feliz em ver
quanto tempo os nobres escoceses levam para trair seus compromissos jurados.
— Vossa Majestade se esquece que esses compromissos foram feitos sob uma condição —
respondeu Lindsay.
— Qual? — perguntou Mary.
— Que você deveria se separar para sempre do assassino de seu marido. E esta é a prova —
acrescentou, mostrando a carta — de que você tinha se esquecido da sua promessa antes de
pensarmos em revogar a nossa.
— E minha partida está marcada para que horas? — indagou Mary, que estava começando
a ficar cansada dessa discussão.
— Onze horas, madame.
— Está bem, milorde. Como não desejo fazer sua senhoria esperar, pode fazer a bondade,
ao se retirar, de me enviar alguém para me ajudar a me vestir, a menos que eu tenha sido
rebaixada a cuidar de mim mesma.
E, ao pronunciar essas palavras, Mary fez um gesto tão imperioso que, qualquer que fosse o
desejo de resposta de Lindsay, ele se curvou e saiu. Atrás dele entrou Mary Seyton.
CAPÍTULO V

Na hora marcada, a rainha estava pronta. Tinha sofrido tanto em Edimburgo que saiu sem
nenhum arrependimento. Além disso, para lhe poupar das humilhações do dia anterior ou
ocultar sua saída de qualquer partidário que lhe restasse, uma liteira foi preparada para ela.
Mary entrou nela sem nenhuma resistência e, após duas horas de jornada, chegou a
Duddington. Lá, uma pequena embarcação esperava por ela e zarpou assim que ela embarcou e,
no dia seguinte, ao amanhecer, desembarcou do outro lado do Golfo de Edimburgo, no
Condado de Fife.
Mary só parou no Castelo de Rosyth por tempo suficiente para tomar o café da manhã e
recomeçou imediatamente a jornada, pois Lorde Lindsay tinha declarado que queria chegar ao
seu destino na mesma noite. De fato, quando o sol estava se pondo, Mary viu com os últimos
raios as altas torres do Castelo de Lochleven, situadas em uma ilhota no meio do lago de mesmo
nome.
Sem dúvida, a prisioneira real já era esperada no Castelo de Lochleven, pois, ao chegar às
margens do lago, o escudeiro de Lorde Lindsay desenrolou seu estandarte, que até então tinha
permanecido no coldre, e balançou-o da direita para a esquerda, enquanto seu mestre soprava a
pequena corneta de caça que estava pendurada ao seu lado. Um barco se afastou imediatamente
de Fife e foi em direção ao cortejo, conduzido por quatro remadores vigorosos que logo
diminuíram o espaço que os separava da margem. Mary entrou em silêncio e sentou-se à popa,
enquanto Lorde Lindsay e seu escudeiro ficaram diante dela. E, como o condutor não parecia
mais inclinado a falar do que ela estava inclinada a responder, ela teve tempo de sobra para
examinar sua futura habitação.
O castelo, ou melhor, a Fortaleza de Lochleven, já um pouco sombria por sua situação e sua
arquitetura, assumiu uma desolação ainda maior na hora em que apareceu para a rainha. Era, até
onde ela podia julgar em meio às brumas que se erguiam do lago, uma daquelas estruturas
maciças do século XII que são tão bem fechadas que parecem a armadura de pedra de um
gigante. Ao se aproximar, Mary começou a distinguir os contornos de duas grandes torres
redondas, que flanqueavam os cantos e lhe davam o caráter rígido de uma prisão estadual. Um
grupo de árvores antigas cercadas por um muro alto, ou melhor, por uma muralha, erguia-se na
face norte e parecia uma vegetação de pedra, completando o efeito geral dessa morada sombria.
Do outro lado, passando de ilha em ilha, a vista se perdia a oeste, norte e sul, na vasta planície de
Kinross, ou parava ao sul nos cumes irregulares de Ben Lomond, cujas encostas mais longínquas
morriam às margens do lago.
Três pessoas aguardavam Mary no portão do castelo: Lady Douglas, William Douglas, seu
filho, e um menino de doze anos chamado Pequeno Douglas, que não era nem filho nem irmão
dos habitantes do castelo, apenas um parente distante. Como se pode imaginar, os
cumprimentos entre Mary e seus anfitriões foram reduzidos, e a rainha, conduzida aos seus
aposentos, que ficavam no primeiro andar e cujas janelas davam para o lago, logo foi deixada
com Mary Seyton, a única das quatro Marys que teve permissão para acompanhá-la.
No entanto, por mais rápida que tivesse sido a conversa e por mais curtas e comedidas as
palavras trocadas entre a prisioneira e seus carcereiros, Mary teve tempo, com o que descobriu
sobre eles antecipadamente, para ter uma ideia bem precisa dos novos personagens que tinham
acabado de se misturar a sua história.
Lady Lochleven, esposa de Lorde William Douglas, de quem já dissemos algumas
palavras no início desta história, era uma mulher de 55 a 60 anos, que foi bela o suficiente na
juventude para atrair os olhares do Rei James V e teve um filho com ele: o mesmo Murray que já
vimos aparecendo com tanta frequência na história de Mary e que, embora fosse filho ilegítimo,
sempre foi tratado como irmão pela rainha.
Lady Lochleven teve uma esperança momentânea, tão grande era o amor do rei por ela, de
se tornar sua esposa. No geral, isso era possível, já que a família de Mar, da qual ela descendia,
era igual às mais antigas e mais nobres famílias da Escócia. Mas, infelizmente, talvez por calúnia
ou malícia, certas conversas que circulavam entre os jovens nobres da época chegaram aos
ouvidos de James. Dizia-se que, além do amante real, a bela preferida tinha outro, a quem
escolhera, sem dúvida por curiosidade, entre a classe mais baixa do povo. Acrescentou-se que
esse Porterfeld, ou Porterfield, era o verdadeiro pai da criança que já tinha recebido o nome de
James Stuart e a quem o rei estava educando como filho no Mosteiro de St. Andrews. Esses
boatos, fundamentados ou não, acabaram impedindo James V que, em gratidão por ela ter lhe
dado um filho, estava prestes a elevá-la ao posto de rainha. De modo que, em vez de se casar com
ela, ele a convidara a escolher alguém entre os nobres da corte. Como ela era muito bonita, e o
favorecimento do rei acompanhava o casamento, essa escolha, que recaiu sobre Lorde William
Douglas, de Lochleven, não encontrou resistência nenhuma da parte dele. No entanto, apesar
dessa proteção direta, que James V dedicou a ela durante toda a vida, Lady Douglas jamais
conseguiu esquecer que tinha almejado uma fortuna maior. Por isso odiava aquela que, segundo
ela mesma, usurpara seu lugar, e a pobre Mary naturalmente herdara a profunda animosidade
que Lady Douglas carregava em relação à mãe dela, que já tinha surgido nas poucas palavras que
as duas mulheres tinham trocado. Além disso, ao envelhecer, seja por arrependimento pelos seus
erros ou por hipocrisia, Lady Douglas tinha se tornado virtuosa e puritana. De modo que, em
certo momento, ela uniu à expressão natural de seu caráter toda a rigidez da nova religião que
adotara.
William Douglas, filho mais velho de Lorde Lochleven, meio-irmão de Murray pelo lado
da mãe, era um homem de 35 a 36 anos, atlético, com feições duras e bem pronunciadas, ruivo
como todo o ramo mais jovem e que herdara esse ódio paterno que, durante um século, os
Douglases acalentaram contra os Stuarts e que era demonstrado por tantas conspirações,
rebeliões e assassinatos. De acordo com a sorte que favorecia ou abandonava Murray, William
Douglas via os raios da estrela fraterna se aproximarem ou se afastarem. Ele então sentia que
estava vivendo a vida de outra pessoa e era dedicado, de corpo e alma, àquele que era a causa de
sua grandeza ou de sua humilhação. A queda de Mary, que necessariamente elevaria Murray,
era, portanto, uma fonte de alegria para ele. Os lordes confederados não poderiam ter tomado
uma decisão melhor do que confiar a guarda da prisioneira ao rancor instintivo de Lady Douglas
e ao ódio inteligente do filho dela.
Quanto ao Pequeno Douglas, ele era, como dissemos, uma criança de doze anos, órfão
havia alguns meses. Os Lochlevens estavam cuidando dele e faziam o menino pagar com todo
tipo de dificuldade pelo pão que lhe davam. O resultado foi que a criança, orgulhosa e rancorosa
como um Douglas, e sabendo, apesar de sua fortuna ser inferior, que seu nascimento se igualava
ao de seus pais orgulhosos, pouco a pouco transformou sua gratidão anterior em um ódio
duradouro e profundo. Pois costumava-se dizer que os Douglases tinham uma idade para amar,
mas não tinham idade para odiar. O resultado foi que, sentindo sua fraqueza e seu isolamento, a
criança se fechou com um poder além da sua idade e, de aparência humilde e submissa,
simplesmente aguardava o momento em que, ao se tornar jovem, poderia deixar Lochleven e
talvez até se vingar da orgulhosa proteção daqueles que ali residiam. Mas os sentimentos que
acabamos de expressar não se estendiam a todos os membros da família: por mais que, no fundo
do coração, o Pequeno Douglas detestasse William e sua mãe, ele amava George, o segundo
filho de Lady Lochleven, de quem ainda não falamos, porque, estando longe do castelo quando
a rainha chegou, ainda não encontramos uma oportunidade de apresentá-lo aos nossos leitores.
George, que naquela época devia ter cerca de 25 ou 26 anos, era o segundo filho de Lorde
Lochleven, mas, por uma coincidência bizarra, que a juventude aventureira de sua mãe fez Sir
William interpretar mal, esse segundo filho não tinha nenhuma das características específicas
dos Douglases: bochechas cheias e vermelhas, orelhas grandes e cabelos ruivos. Como resultado,
o pobre George, que, pelo contrário, recebeu por natureza bochechas pálidas, olhos azuis-
escuros e cabelos pretos, era, desde sua chegada ao mundo, objeto de indiferença do pai e de ódio
do irmão mais velho. Quanto à mãe, se de fato foi surpreendida como Lorde Douglas por essa
diferença de raça, se sabia a causa disso e se reprovava por dentro, George nunca foi, pelo menos
ostensivamente, objeto de profundo afeto materno. O fato é que o jovem, perseguido desde a
infância por uma fatalidade que não conseguia explicar, brotou como um arbusto selvagem,
cheio de seiva e força, mas inculto e solitário. Assim, a partir dos quinze anos, acostumou-se a se
ausentar sem motivo, e a indiferença que todos sentiam por ele tornava isso perfeitamente
explicável. De vez em quando, no entanto, ele era visto reaparecendo no castelo, como aquelas
aves migratórias que sempre retornam ao mesmo lugar, mas descansam apenas por um instante,
depois seguem seu caminho de novo sem que se saiba para que ponto do mundo estão
orientando o voo.
Um instinto de infortúnio semelhante atraíra o Pequeno Douglas em direção a George.
George, vendo a criança maltratada por todos, desenvolveu um afeto por ele, e o Pequeno
Douglas, sentindo-se amado em meio à atmosfera de indiferença ao redor, voltou-se de coração e
braços abertos para George. Como resultado desse afeto mútuo, certo dia, quando a criança
cometeu um erro e William Douglas levantou o chicote com o qual espancava os cachorros para
bater nele, George, sentado em uma pedra, triste e pensativo, imediatamente saltou, arrancou o
chicote das mãos do irmão e o jogou para longe. Diante desse insulto, William sacou sua espada
e George a dele, de modo que os dois irmãos, que durante vinte anos se odiavam como inimigos,
iam cortar a garganta um do outro. Foi então que o Pequeno Douglas pegou o chicote, voltou e
ajoelhou-se diante de William, oferecendo-lhe a arma infame, dizendo:
— Pode bater, primo. Eu mereço.
Esse comportamento da criança provocou alguns minutos de reflexão nos dois jovens, que,
aterrorizados com o crime que estavam prestes a cometer, tinham devolvido as espadas à bainha
e ido embora em silêncio. Desde esse incidente, a amizade entre George e o Pequeno Douglas
adquiriu novas forças e, pelo lado da criança, tornou-se veneração.
Talvez nos demoremos um pouco mais nesses detalhes, mas sem dúvida nossos leitores nos
perdoarão quando virem o quanto são úteis para o que está por vir.
Foi no meio dessa família, exceto George, que, como dissemos, estava ausente no momento
da chegada dela, que a rainha caiu, passando em um instante da cúpula do poder para o estado
de prisioneira – pois, no dia seguinte à sua chegada, Mary viu que estava no Castelo de
Lochleven na condição de prisioneira. De fato, Lady Douglas apareceu diante dela assim que
amanheceu e, com a vergonha e a aversão mal disfarçadas sob a aparência de respeitosa
indiferença, convidou Mary a segui-la para conhecer as diversas partes da fortaleza previamente
designadas para seu uso particular. Ela então a fez atravessar três cômodos, um dos quais seria
seu quarto, o segundo seria a sala de estar e o terceiro era a antessala. Depois, descendo na frente
por uma escada em espiral que dava no grande salão do castelo, a única saída do local, atravessou
o salão e levou Mary até o jardim cujas árvores a rainha vira no topo das muralhas altas em sua
chegada: era um pequeno quadrado de terra, formando um canteiro no meio do qual havia uma
fonte artificial. Entrava-se ali por uma porta muito baixa, reproduzida na parede oposta. Essa
segunda porta dava para o lago e, como todas as portas do castelo, cujas chaves, porém, nunca
saíam do cinto ou do travesseiro de William Douglas, era guardada noite e dia por uma
sentinela. Este agora era todo o domínio dela, que possuíra os palácios, as planícies e as
montanhas de um reino inteiro.
Mary, ao voltar para o quarto, encontrou o café da manhã pronto e William Douglas de pé
ao lado da mesa. Ele ia cumprir as funções de copeiro e provador da rainha.
Apesar de seu ódio por Mary, os Douglases considerariam uma mancha eterna em sua
honra se algum acidente acontecesse com a prisioneira enquanto ela estivesse morando no
castelo. E, para que a própria rainha não sentisse esse tipo de medo, William Douglas, em sua
qualidade de senhor do castelo, não apenas queria servir à rainha, mas também provar, em sua
presença, os pratos servidos a ela, assim como a água e os diversos vinhos que lhe seriam
oferecidos. Essa precaução entristeceu Mary mais do que a tranquilizou, pois ela entendeu que,
enquanto permanecesse no castelo, essa etiqueta evitaria qualquer intimidade à mesa. No
entanto, partiu de uma intenção nobre demais para ela considerar como um crime dos anfitriões.
Ela se resignou, então, a essa companhia, por mais insuportável que fosse. Só que, a partir
daquele dia, ela encurtou as refeições e, no período em que esteve em Lochleven, as mais longas
mal duravam mais de quinze minutos.
Dois dias após sua chegada, Mary, ao sentar-se à mesa para o café da manhã, encontrou no
prato uma carta endereçada a ela que tinha sido colocada ali por William Douglas. Mary
reconheceu a caligrafia de Murray, e seu primeiro sentimento foi de alegria, pois, se um raio de
esperança lhe restava, este vinha de seu irmão, com quem sempre fora perfeitamente boa, a
quem, de Prior de St. Andrews, tinha lhe feito conde e entregado a ele as esplêndidas
propriedades que faziam parte do antigo Condado de Murray, e a quem, o que era mais
importante, desde então ela havia perdoado, ou fingido perdoar, o papel que ele tinha assumido
no assassinato de Rizzio.
Seu espanto foi grande, então, quando, ao abrir a carta, encontrou ali repreensões amargas
contra sua conduta, uma exortação à penitência e uma garantia várias vezes reiterada de que ela
nunca deveria deixar a prisão. Ele terminava a carta anunciando que, apesar de sua aversão por
assuntos públicos, ele fora obrigado a aceitar a regência e que tinha feito menos pelo país do que
pela irmã, e esse era o único meio que ele tinha de impedir o julgamento infame ao qual os
nobres desejavam conduzi-la como autora ou, pelo menos, como cúmplice principal da morte de
Darnley. Essa prisão, então, era claramente uma grande oportunidade para ela, que deveria
agradecer aos Céus, como um alívio do destino que esperava por ela se ele não tivesse
intercedido.
Essa carta foi um desastre para Mary. Só que, como não queria dar aos inimigos o prazer de
vê-la sofrer, ela conteve a tristeza e voltou-se para William Douglas:
— Milorde — disse ela —, esta carta contém notícias que você sem dúvida já conhece, pois,
embora não sejamos filhos da mesma mãe, aquele que me escreve é nosso parente no mesmo
grau e não escreveria para a irmã sem escrever para o irmão ao mesmo tempo. Além disso, como
um bom filho, ele adoraria compartilhar com a mãe a grandeza inesperada que lhe ocorreu.
— Sim, madame — respondeu William. — Sabemos desde ontem que, para o bem-estar da
Escócia, meu irmão foi nomeado regente. E, como ele é um filho tão respeitoso com a mãe
quanto dedicado a seu país, esperamos que ele conserte o mal que, durante cinco anos, favoritos
de todo tipo e espécie fizeram a ambos.
— Cabe a um bom filho, e ao mesmo tempo como um anfitrião cortês, não recuar muito na
história da Escócia — respondeu Mary Stuart — e não fazer a filha corar pelos erros do pai, pois
ouvi dizer que o mal que Vossa Senhoria lamenta era anterior à época para a qual vocês o
designaram, e que o Rei James V também tinha favoritos, tanto homens quanto mulheres. É
verdade que eles acrescentam que alguns mal foram recompensados com sua amizade quanto
outros com seu amor. Isso, se não sabe, milorde, pode ser informado, se ele ainda estiver vivo,
por um certo Porterfeld ou Porterfield, não sei qual, entendendo que esses nomes das classes
mais baixas são muito difíceis de lembrar e pronunciar, mas sobre quem, em meu lugar, sua
nobre mãe poderia lhe dar informações.
Com essas palavras, Mary Stuart levantou-se e, deixando William Douglas roxo de raiva,
voltou para o quarto e trancou a porta.
Durante todo o dia Mary não desceu, permanecendo à janela, da qual pelo menos
desfrutava de uma vista magnífica das planícies e da vila de Kinross. Mas essa vasta extensão só
serviu para apertar mais seu coração quando, trazendo o olhar de volta do horizonte para o
castelo, viu as muralhas cercadas de todos os lados pelas águas profundas do lago, em cuja ampla
superfície um único barco, onde o Pequeno Douglas estava pescando, balançava como um
ponto. Por alguns instantes, os olhos de Mary pousaram mecanicamente sobre a criança, que já
tinha visto quando chegou, quando de repente uma corneta soou no lado de Kinross. No mesmo
instante, o Pequeno Douglas jogou fora sua linha e começou a remar com habilidade e força
além da sua idade em direção à margem de onde o sinal viera. Mary, que, sem motivo, fixara o
olhar nele, continuou a segui-lo com os olhos e viu-o chegar a um lugar tão distante na margem
que o barco lhe pareceu apenas um ponto imperceptível. Mas logo reapareceu, aumentando à
medida que se aproximava, e Mary conseguiu ver que ele estava trazendo de volta ao castelo um
novo passageiro que, tendo assumido os remos, fez o barquinho voar sobre a água tranquila do
lago, onde deixou um sulco brilhando sob os últimos raios do sol. Em pouco tempo, voando com
a rapidez de um pássaro, Mary percebeu que o remador habilidoso e vigoroso era um jovem de
25 a 26 anos, com longos cabelos negros, usando um casaco de tecido verde e um gorro do povo
das montanhas, adornado com uma pena de águia. Então, com as costas voltadas para a janela,
ele se aproximava, e o Pequeno Douglas, que estava encostado no seu ombro, disse algumas
palavras que o fizeram se virar em direção à rainha. Imediatamente, Mary, mais por um
movimento instintivo do que pelo medo de ser objeto de uma vã curiosidade, recuou, mas não
tão rapidamente que não conseguisse ver o rosto bonito e pálido do desconhecido, que, quando
ela voltou à janela, tinha desaparecido atrás de um dos cantos do castelo.
Tudo é motivo de conjectura para uma prisioneira: Mary achava que o rosto desse jovem
não era desconhecido e que ele já a tinha visto. Mas, apesar do grande cuidado com que
vasculhou a memória, não conseguiu pensar em nenhuma lembrança distinta, de modo que a
rainha acabou achando que era uma brincadeira da sua imaginação ou que alguma semelhança
vaga e distinta a tinha enganado.
No entanto, apesar de Mary resistir, essa ideia ocupou um lugar importante em sua mente.
Ela via incessantemente aquele barquinho deslizando na água, e o jovem e a criança que estavam
nele aproximando-se dela pareciam querer lhe oferecer ajuda. O resultado foi que, embora não
houvesse nada de concreto nesses sonhos em cativeiro, ela dormiu naquela noite um sono mais
calmo do que nunca desde que chegara ao Castelo de Lochleven.
No dia seguinte, quando se levantou, Mary correu para a janela. O tempo estava bom e
tudo parecia sorrir para ela: a água, os céus e a terra. Mas, sem conseguir perceber o motivo que
a impedia, ela não queria descer para o jardim antes do café da manhã. Quando a porta se abriu,
ela se virou rapidamente: era William Douglas que, como no dia anterior, tinha chegado para
cumprir seu dever como provador.
O café da manhã foi curto e silencioso. Assim que Douglas se retirou, Mary desceu. Ao
atravessar o pátio, viu dois cavalos com sela, indicando a partida próxima de um mestre e um
escudeiro. Era o jovem de cabelos pretos que já estava saindo?, foi isso que Mary não se atreveu
ou não quis perguntar. Ela seguiu seu caminho e entrou no jardim. À primeira vista, ela o
analisou em toda sua extensão: estava deserto.
Mary caminhou ali por um instante. Depois, cansada do passeio, voltou para o quarto. Ao
passar pelo pátio, notou que os cavalos não estavam mais lá. Assim que voltou aos aposentos, foi
até a janela para ver se conseguia descobrir alguma coisa no lago que pudesse guiá-la em suas
conjeturas. Um barco estava recuando, e nesse barco estavam os dois cavalos e os dois
cavaleiros: um era William Douglas e o outro era um simples escudeiro da casa.
Mary continuou observando o barco até ele encostar na margem. Chegando lá, os dois
cavaleiros desceram, desembarcaram os cavalos e continuaram a galope, seguindo a mesma
estrada pela qual a rainha havia chegado. Assim, como os cavalos estavam preparados com arnês
completo, Mary pensou que William Douglas estava indo para Edimburgo. Quanto ao barco,
ele mal deixou os dois passageiros na margem oposta e retornou ao castelo.
Naquele momento, Mary Seyton anunciou à rainha que Lady Douglas estava pedindo
permissão para visitá-la.
Foi a segunda vez, depois de um ódio prolongado por parte de Lady Douglas e de uma
indiferença desdenhosa por parte da rainha, que as duas mulheres ficaram cara a cara. Portanto,
a rainha, com aquele impulso instintivo de elegância que incita as mulheres, em qualquer
situação em que se encontrem, a desejarem ser bonitas, sobretudo para outras mulheres, fez um
sinal para Mary Seyton e, indo até um pequeno espelho preso à parede em uma pesada moldura
gótica, arrumou os cachos e reajustou o laço da gola. Então, tendo se sentado na pose mais
favorável em uma grande poltrona, a única que havia na sala de estar, disse com um sorriso que
Mary Seyton poderia deixar Lady Douglas entrar, e ela apareceu imediatamente.
A expectativa de Mary não foi frustrada: Lady Douglas, apesar do ódio pela filha de James
V e senhora de si mesma, não conseguiu se impedir de demonstrar, com um movimento de
surpresa, a impressão que aquela beleza excepcional lhe causava. Ela achava que encontraria
Mary arrasada pelo infortúnio, pálida pela fadiga, humilhada pelo cativeiro, mas a encontrou
calma, amável e altiva como sempre. Mary percebeu o efeito que estava provocando e dirigiu-se
com um sorriso irônico, em parte para Mary Seyton, que estava apoiada no encosto da cadeira, e
em parte para quem estava fazendo essa visita inesperada:
— Estamos felizes hoje — disse ela —, porque, ao que parece, vamos desfrutar da
companhia da nossa boa anfitriã, a quem agradecemos por ter gentilmente mantido a cerimônia
vazia de anunciar a si mesma; uma cerimônia que, tendo as chaves do nosso aposento, ela
poderia ter dispensado.
— Se minha presença é inconveniente para Vossa Graça — respondeu Lady Lochleven —,
sinto muito, mas as circunstâncias me obrigam a impô-la duas vezes por dia, pelo menos durante
a ausência de meu filho, que foi convocado a Edimburgo pelo regente. Foi isso que vim informar
a Vossa Graça, não com a cerimônia vazia da corte, mas com a consideração que Lady
Lochleven deve a todos que recebem a hospitalidade em seu castelo.
— Nossa boa anfitriã confunde nossa intenção — respondeu Mary, com uma amabilidade
afetada —, e o próprio regente pode testemunhar o prazer que sempre tivemos ao nos
aproximarmos de pessoas que nos fazem lembrar, mesmo que indiretamente, de nosso amado
pai, James V. Seria errado, portanto, que Lady Douglas interpretasse de maneira desagradável
para si mesma nossa surpresa ao vê-la. E a hospitalidade que ela nos oferece com tanta gentileza
não nos concede, apesar de sua boa vontade, distrações suficientes para nos privarmos daquilo
que suas visitas não conseguem deixar de nos proporcionar.
— Infelizmente, madame — respondeu Lady Lochleven, a quem Mary estava mantendo
de pé diante de si —, qualquer que seja o prazer que eu tenha com essas visitas, sou obrigada a
me privar delas, exceto nos momentos que mencionei. Agora estou velha demais para suportar o
cansaço e sempre fui orgulhosa demais para aguentar sarcasmos.
— De fato, Seyton — exclamou Mary, parecendo se lembrar —, jamais achamos que Lady
Lochleven, tendo conquistado seu direito a um banquinho na corte do rei meu pai, precisaria
preservá-lo pela prisão da rainha sua filha. Traga um assento, Seyton, para que não sejamos
privadas tão cedo, e por uma falha de memória de nossa parte, da companhia de nossa graciosa
anfitriã. Ou até mesmo — continuou Mary, levantando-se e apontando seu próprio assento para
Lady Lochleven, que estava fazendo um movimento para sair — se um banquinho não combina
com você, milady, pegue esta poltrona. Não será o primeiro membro da sua família a se sentar
no meu lugar.
A esta última alusão, que a fez lembrar da usurpação de Murray, Lady Lochleven sem
dúvida estava prestes a dar uma resposta extremamente amarga quando o jovem de cabelos
escuros apareceu no solado da porta sem ser anunciado, e, avançando em direção a Lady
Lochleven, sem cumprimentar Mary:
— Madame — disse ele, curvando-se para a primeira —, o barco que levou meu irmão
acabou de voltar, e um dos homens nele tem uma recomendação urgente que Lorde William se
esqueceu de fazer à senhora.
Então, saudando a velha senhora com o mesmo respeito, ele imediatamente saiu da sala,
sem sequer olhar para a rainha, que, magoada com essa impertinência, virou-se para Mary
Seyton e, com sua calma habitual:
— O que nos disseram, Seyton, dos boatos ofensivos que foram espalhados sobre nossa
digna anfitriã em relação a uma criança de rosto pálido e cabelos escuros? Se essa criança, como
tenho todos os motivos para acreditar, se tornou o jovem que acabou de sair daqui, estou pronta
para afirmar a todos os incrédulos que ele é um verdadeiro Douglas, não pela coragem, que não
podemos julgar, mas pela insolência da qual ele acaba de nos dar provas. Vamos entrar, minha
querida — continuou a rainha, apoiando-se no braço de Mary Seyton —, porque nossa boa
anfitriã, por cortesia, pode se achar obrigada a nos fazer companhia por mais tempo, enquanto
sabemos que ela é impacientemente esperada em outro lugar.
Com essas palavras, Mary entrou no quarto. A velha senhora, ainda muito atordoada com a
chuva de sarcasmos que a rainha havia jogado sobre ela, retirou-se, murmurando:
— Sim, sim, ele é um Douglas, e com a ajuda de Deus ele provará isso, espero.
A rainha teve forças enquanto era sustentada pela presença da inimiga, mas, mal ficou
sozinha e se afundou em uma cadeira, não tendo mais nenhuma testemunha de sua fraqueza
além de Mary Seyton, caiu em prantos. Na verdade, ela acabara de ser cruelmente ferida: até
então, nenhum homem se aproximara dela sem prestar uma homenagem à majestade de sua
posição ou à beleza de seu semblante. Mas precisamente ele, em quem ela havia se apoiado, sem
saber por quê, com esperanças instintivas, a insultou ao mesmo tempo em seu duplo orgulho de
rainha e mulher. Assim, ela permaneceu calada até a noite.
Na hora do jantar, como Lady Lochleven havia informado a Mary, ela subiu aos aposentos
da rainha usando seu traje de honra. Ela precedia quatro servas que estavam carregando os
vários pratos que compunham a refeição da prisioneira e elas, por sua vez, eram seguidas pelo
velho mordomo do castelo, que, como nos dias de grande cerimônia, tinha uma corrente de ouro
em volta do pescoço e uma bengala de marfim na mão. Os serviçais colocaram os pratos sobre a
mesa e esperaram em silêncio a rainha sair do quarto; mas neste momento a porta se abriu e, no
lugar da rainha, Mary Seyton apareceu.
— Madame — disse ela ao entrar —, Sua Graça ficou indisposta durante o dia e não comerá
nada esta noite. Será inútil, portanto, vocês esperarem mais tempo por ela.
— Permita-me ter esperança — respondeu Lady Lochleven — de que ela mude sua
decisão. De qualquer forma, me veja desempenhar meu cargo.
Com essas palavras, um serviçal entregou a Lady Lochleven pão e sal em uma bandeja de
prata. O velho mordomo, que, na ausência de William Douglas, cumpria as funções de copeiro,
serviu a ela, em um prato do mesmo metal, um pedacinho de cada um dos pratos que foram
trazidos; então, essa operação foi concluída.
— Quer dizer que a rainha não vai aparecer hoje? — indagou Lady Lochleven.
— Essa é a decisão de Vossa Majestade — respondeu Mary Seyton.
— Nossa presença é inútil, então — disse a velha senhora. — Mas, de qualquer forma, a
mesa está servida e, se Sua Graça precisar de mais alguma coisa, basta dizer.
Com essas palavras, Lady Lochleven, com a mesma rigidez e a mesma dignidade com que
chegara, se retirou, seguida pelos quatro serviçais e pelo mordomo.
Como Lady Lochleven havia previsto, a rainha, cedendo às súplicas de Mary Seyton,
finalmente saiu de seu quarto por volta das oito da noite, sentou-se à mesa e, servida pela única
dama de honra que lhe restava, comeu um pouco. Então, levantando-se, foi até a janela.
Era uma daquelas magníficas noites de verão em que toda a natureza parece estar em festa:
o céu estava pontilhado de estrelas refletidas no lago e, no meio delas, como uma estrela mais
ardente, reluzia a chama de um fogareiro queimando na popa de um pequeno barco. Pelo brilho
que a luz lançava, a rainha identificou George Douglas e o Pequeno Douglas, que estavam
pescando. Por mais que ela desejasse aproveitar a bela noite para respirar o ar fresco, a visão
desse jovem que a insultara tão grosseiramente no mesmo dia lhe causou uma forte impressão, e
ela fechou a janela do quarto, foi se deitar e fez sua companheira de cativeiro ler várias orações
em voz alta. Então, sem conseguir dormir, pois estava muito agitada, ela se levantou e, vestindo
um roupão, foi de novo para a janela. O barco tinha desaparecido.
Mary passou parte da noite contemplando a imensidão dos céus ou as profundezas do lago.
Mas, apesar da natureza dos pensamentos que a agitavam, ela encontrou um alívio físico muito
grande no contato com esse ar puro e na contemplação dessa noite pacífica e silenciosa. Assim,
acordou no dia seguinte mais tranquila e mais resignada. Infelizmente, a visão de Lady
Lochleven, que apareceu na hora do café da manhã para cumprir seus deveres de provadora,
trouxe de volta sua irritabilidade. Talvez, no entanto, as coisas tivessem acontecido sem
problemas se Lady Lochleven, em vez de ficar de pé junto ao aparador, tivesse se retirado depois
de provar os diversos pratos. Mas sua insistência em permanecer ao lado dela durante toda a
refeição, que talvez fosse apenas um sinal de respeito, pareceu à rainha uma tirania insuportável.
— Minha querida — disse ela, falando com Mary Seyton —, você se esqueceu de que nossa
boa anfitriã se queixou ontem do cansaço que sentia ao ficar em pé? Traga para ela, então, um
dos dois bancos que compõem nossos móveis reais e preste atenção para não trazer aquele com a
perna quebrada.
— Se os móveis do Castelo de Lochleven estão em péssimas condições, madame —
respondeu a velha senhora —, a culpa é dos reis da Escócia. Os pobres Douglases, por quase um
século, receberam uma parcela tão pequena dos favores de seus soberanos que não foram
capazes de manter o esplendor de seus ancestrais à altura de indivíduos específicos, e porque
havia na Escócia um certo músico que, segundo me informaram, gastou sua renda de um ano
inteiro em um mês.
— Aqueles que sabem se dar tão bem, milady — respondeu a rainha —, não precisam ser
atendidos. Parece-me que os Douglases não perderam nada por esperar, e não há um jovem
dessa família nobre que não possa aspirar às mais altas alianças. É realmente um infortúnio que
nossa irmã, a Rainha da Inglaterra, tenha feito voto de virgindade, como alguns afirmam.
— Ou — interrompeu Lady Lochleven — que a Rainha da Escócia não seja viúva do
terceiro marido. Quanto ao resto — continuou a velha senhora, fingindo se recompor —, não
digo isso para reprovar Vossa Graça. Os católicos veem o casamento como um sacramento e,
como tal, o recebem sempre que possível.
— Essa, então — retrucou Mary —, é a diferença entre eles e os huguenotes. Pois estes, não
tendo o mesmo respeito, pensam que lhes é permitido dispensá-lo em determinadas
circunstâncias.
Com esse terrível sarcasmo, Lady Lochleven deu um passo em direção a Mary Stuart,
segurando a faca que acabara de usar para cortar um pedaço de carne que lhe fora dado para
provar. Mas a rainha levantou-se com tanta calma e majestade que, por respeito involuntário ou
vergonha de seu primeiro impulso, ela largou a arma que estava segurando e não encontrou nada
suficientemente forte para responder e expressar seus sentimentos. Em seguida, fez um sinal
para os serviçais a seguirem e saiu dos aposentos com toda a dignidade que a raiva lhe permitia
invocar.
Mal Lady Lochleven saiu do cômodo e a rainha se sentou novamente, alegre e triunfante
com a vitória que acabara de conquistar, e comeu com um apetite melhor do que nunca desde
que virou prisioneira. Enquanto isso, Mary Seyton lamentava em tom baixo e com todo respeito
possível esse dom fatal de retrucar que Mary tinha recebido do céu e que, com sua beleza, era
uma das causas de todos os seus infortúnios. Mas a rainha apenas riu de todas as suas
observações, dizendo que estava curiosa para ver a figura que sua boa anfitriã representaria na
hora da próxima refeição.
Após o café da manhã, a rainha desceu para o jardim. Seu orgulho satisfeito restaurara parte
de sua alegria. Tanto que, ao atravessar o salão de honra, viu um bandolim esquecido em uma
cadeira e disse a Mary Seyton para levá-lo, para ver se ela conseguia se lembrar de seu antigo
talento. Na realidade, a rainha era uma das melhores musicistas da época e tocava
admiravelmente, diz Brantome, no alaúde e na viola, um instrumento muito parecido com o
bandolim.
Mary Seyton obedeceu.
Chegando ao jardim, a rainha sentou-se sob a sombra mais profunda e, depois de afinar o
instrumento, primeiro tirou dali tons vivos e leves, que ficaram lúgubres pouco a pouco, ao
mesmo tempo em que seu rosto assumiu um tom de profunda melancolia. Mary Seyton olhou
para ela com inquietação, embora estivesse acostumada a essas mudanças repentinas no humor
de sua senhora, e estava prestes a perguntar a razão daquele véu sombrio que se espalhou
repentinamente pelo seu rosto quando, depois de regular os acordes, Mary começou a cantar, em
voz baixa e como se estivesse sozinha, os seguintes versos:
Antros, planícies, montes e prados, Rochedos, florestas e bosques,
Rios, fontes, regatos,
Onde perdida me vejo,
Em um lamento incerto,
De soluços repleta,
Eu quero cantar
A miserável dor
Que me faz lamentar.
Mas quem poderá ouvir
Meu suspiro gemedor?
Ou quem poderá compreender
Meu tédio lânguido?
Talvez esta pastagem,
Ou a água dessa paragem,
Que, correndo,
Carrega de minha face
Esse regato destilante?
Ai de mim! não, pois a chaga
Procura a cura em vão
Que em socorro busca,
Pelas coisas sem razão.
É melhor que meu lamento
Conte sua espera
Amargamente
A você que obrigou
Minha alma a tal tormento.
Ó, deusa imortal,
Ouve então minha voz,
Você que possui a tutela,
De meu poder sob suas leis,
Para que se minha vida
Em breve se exaurir,
Sua crueldade,
O perecimento confesso
Por sua ímpar beldade.
É visível que meu rosto
Escoa pouco a pouco,
Como a fria neve
Sob o calor do fogo.
Contudo, a chama
Que me queima e me inflama
De paixão,
Não comove jamais tua alma
Com qualquer afeição.
No entanto, suas árvores,
Que estão a minha volta,
Esses rochedos e mármores
Conhecem bem minha comoção.
Enfim, nada na natureza
Ignora minha ferida
Exceto somente
Você, que se alimenta
De tão cruel tormenta.
Mas se te agrada
Ver-me miserável
Em tormento tal,
Meu sofrimento deplorável
Seja então imortal.7
Este último verso morreu como se a rainha estivesse no fim de suas forças. Ao mesmo
tempo, o bandolim escorregou de suas mãos e teria caído no chão se Mary Seyton não tivesse se
jogado de joelhos e impedido. A jovem permaneceu assim aos pés de sua senhora por algum
tempo, olhando-a em silêncio, e, quando viu que ela estava se perdendo cada vez mais em
pensamentos sombrios:
— Esses versos fizeram Vossa Majestade ter alguma lembrança triste? — perguntou
hesitante.
— Ah, sim — respondeu a rainha —, eles me fizeram lembrar do homem infeliz que os
compôs.
— E posso, sem indiscrição, perguntar a Vossa Graça quem é o autor? — continuou Mary
Seyton.
— Ah! Era um jovem nobre, corajoso e bonito, com um coração fiel e uma mente
entusiasta, que me defenderia hoje, se eu o tivesse defendido naquela época. Mas sua ousadia me
pareceu uma temeridade, e sua culpa, um crime. O que se poderia fazer? Eu não o amava. Pobre
Chatelard! Fui muito cruel com ele.
— Mas não foi você que o processou, foi seu irmão; não foi você que o condenou, foram os
juízes.
— Sim, sim. Eu sei que ele também foi vítima de Murray, e esse sem dúvida é o motivo
pelo qual estou me lembrando dele agora. Mas eu poderia tê-lo perdoado, Mary, e fui inflexível.
Deixei subir no cadafalso um homem cujo único crime foi me amar demais. E agora estou
surpresa e reclamo de ter sido abandonada por todos. Escute, minha querida, há uma coisa que
me assusta: é que, quando procuro dentro de mim, descubro que não apenas mereço o meu
destino, mas também que Deus não me castigou o suficiente.
— Que pensamentos estranhos para Vossa Graça! — lamentou Mary. — E veja aonde
esses versos infelizes que voltaram à sua memória a levaram, no mesmo dia em que você estava
começando a recuperar um pouco da sua alegria.
— Ai de mim! — respondeu a rainha, sacudindo a cabeça e soltando um suspiro profundo.
— Pois seis anos se passaram sem que eu repetisse esses versos em voz baixa, embora seja a
primeira vez que os repito em voz alta. Ele também era francês, Mary. Eles exilaram, levaram ou
mataram todos os que vieram da França até mim. Você se lembra daquela embarcação que foi
tragada diante de nossos olhos quando saímos do porto de Calais? Exclamei naquele momento
que era um mau presságio. Todos vocês quiseram me tranquilizar. Bem, quem estava certo:
vocês ou eu?
A rainha estava em um daqueles ataques de tristeza cujo único remédio são as lágrimas. Por
isso, Mary Seyton, percebendo que não apenas todo consolo seria inútil, mas também
inoportuno, longe de continuar a reagir contra a melancolia de sua senhora, concordou
plenamente com ela. Seguiu-se que a rainha, que estava sufocando, começou a chorar, e as
lágrimas lhe trouxeram conforto. Ela pouco a pouco recuperou o autocontrole, e a crise passou,
como de costume, deixando-a mais firme e resoluta do que nunca, de modo que, quando voltou
a seu quarto, era impossível perceber a menor alteração em seu rosto.
A hora da refeição estava se aproximando, e Mary, que pela manhã aguardava com
impaciência o prazer de seu triunfo sobre Lady Lochleven, agora via seu avanço com
inquietação. A mera ideia de encarar de novo essa mulher, a cujo orgulho ela sempre era
obrigada a se opor com insolência, era, depois da fadiga moral do dia, um novo cansaço. Por isso,
decidiu não aparecer para comer, como no dia anterior. Ficou ainda mais feliz por ter tomado
essa decisão, pois desta vez não foi Lady Lochleven que apareceu para cumprir os deveres
impostos a um membro da família para tranquilizar a rainha, mas sim George Douglas, a quem
a mãe, descontente com a cena da manhã, enviou para substituí-la. Assim, quando Mary Seyton
disse à rainha que viu o jovem de cabelos escuros atravessar o pátio na direção dela, Mary ficou
ainda mais feliz por sua decisão, pois a insolência desse jovem a havia ferido mais
profundamente do que todos os insultos arrogantes de sua mãe. A rainha não ficou nem um
pouco surpresa, quando, alguns minutos depois, Mary Seyton retornou e anunciou que George
Douglas, após dispensar os serviçais, desejava a honra de falar com ela sobre uma questão
importante. A princípio, a rainha recusou, mas Mary Seyton disse a ela que a expressão e os
modos do jovem estavam tão diferentes do que tinha visto dois dias antes que ela pensou que sua
senhora estaria errada se recusasse o pedido.
A rainha então se levantou, e com a altivez e a majestade habituais, entrou no cômodo
adjacente e, depois de dar três passos, parou com um ar desdenhoso, esperando George se dirigir
a ela.
Mary Seyton tinha falado a verdade: George Douglas não era mais o mesmo homem. Hoje
ele parecia tão respeitoso e tímido quanto no dia anterior tinha parecido arrogante e orgulhoso.
Ele, por sua vez, fez um movimento em direção à rainha. Mas, ao ver Mary Seyton em pé atrás
dela:
— Madame — disse ele —, eu gostaria de falar apenas com Vossa Majestade. Não posso
conseguir esse favor?
— Mary Seyton não é qualquer uma para mim, senhor. Ela é minha irmã, minha amiga;
mais que tudo isso, ela é minha companheira de cativeiro.
— E por todos esses títulos, madame, tenho a maior veneração por ela, mas o que tenho a
lhe dizer não pode ser escutado por outros ouvidos que não os seus. Assim, madame, como a
oportunidade oferecida agora pode não se repetir, em nome do que lhe é mais querido, conceda-
me o que lhe peço.
Havia na voz de George uma expressão de súplica tão respeitosa que Mary virou-se para a
jovem e, fazendo um sinal simpático com a mão:
— Vá, então, minha querida — disse ela —, mas fique tranquila, você não vai perder nada
por não ouvir. Vá.
Mary Seyton retirou-se. A rainha, sorrindo, olhou para ela até a porta se fechar. Depois,
voltando-se para George:
— Agora, monsieur — disse ela —, estamos sozinhos. Fale.
Mas George, em vez de responder, avançou em direção à rainha e, ajoelhado em um dos
joelhos, tirou do peito um papel que apresentou a ela. Mary o pegou com espanto, desdobrou
olhando para Douglas, que continuava na mesma posição, e leu o seguinte:
Nós, condes, lordes e barões, considerando que nossa rainha está detida em Lochleven e que
seus súditos fiéis não podem ter acesso a sua pessoa; vendo, por outro lado, que nosso dever nos
obriga a garantir sua segurança, prometer e jurar utilizar todos os meios razoáveis que dependem de
nós para libertá-la novamente em condições compatíveis com a honra de Vossa Majestade, o bem-
estar do reino, e mesmo com a segurança daqueles que a mantêm na prisão, desde que decidam
entregá-la; que, se recusarem, declaramos que estamos preparados para fazer uso de nós mesmos,
nossos filhos, nossos amigos, nossos serviçais, nossos vassalos, nossos bens, nossos corpos e nossas
vidas para restaurá-la à liberdade, para garantir a segurança do príncipe e para cooperar na
punição dos assassinos do falecido rei. Se formos atacados por essa intenção, seja como um corpo ou
em particular, prometemos nos defender e ajudar uns aos outros, sob pena de infâmia e perjúrio.
Que Deus nos ajude.
Assinado com nossas próprias mãos em Dumbarton,
St. Andrews, Argyll, Huntly, Arbroath, Galloway, Ross, Fleming, Herries, Stirling,
Kilwinning, Hamilton e Saint-Clair, Cavaleiro.
— E Seyton? — exclamou Mary. — Entre todas essas assinaturas, não vejo a de meu fiel
Seyton.
Douglas, ainda ajoelhado, tirou do peito um segundo papel e o apresentou à rainha com os
mesmos sinais de respeito. Continha apenas estas poucas palavras:
Confie em George Douglas, pois Vossa Majestade não tem um amigo mais dedicado em todo o
reino.
SEYTON.
Mary baixou os olhos para Douglas com uma expressão que pertencia apenas a ela. Em
seguida, dando-lhe a mão para levantá-lo:
— Ah! — disse ela, com um suspiro mais de alegria do que de tristeza. — Agora vejo que
Deus, apesar dos meus erros, ainda não me abandonou. Mas como é, neste castelo, que você, um
Douglas... Ah! Isso é incrível!
— Madame — respondeu George —, sete anos se passaram desde que a vi na França pela
primeira vez, e há sete anos eu a amo. — Mary fez um movimento, mas Douglas estendeu a mão
e balançou a cabeça com um ar de tristeza tão profunda que ela entendeu que devia ouvir o que o
jovem tinha a dizer. Ele continuou: — Tranquilize-se, madame. Eu nunca teria feito essa
confissão se, ao explicar minha conduta, essa confissão não tivesse lhe dado mais confiança em
mim. Sim, há sete anos eu a amo, mas como alguém ama uma estrela que nunca pode ser
alcançada, uma madona a quem só se pode orar. Durante sete anos eu a segui por todos os
lugares, sem que você nunca tenha prestado atenção em mim, sem dizer uma palavra nem fazer
um gesto para chamar sua atenção. Eu estava na galé de cavaleiros de Mevillon quando você
atravessou para a Escócia; eu estava entre os soldados do regente quando você derrotou Huntly;
eu estava na escolta que a acompanhou quando você foi visitar o rei doente em Glasgow; cheguei
a Edimburgo uma hora depois que você partiu para Lochleven. E então me pareceu que minha
missão me foi revelada pela primeira vez e que esse amor pelo qual até então eu me censurara
como crime era, pelo contrário, um favor de Deus. Descobri que os nobres estavam reunidos em
Dumbarton e corri para lá. Comprometi meu nome, comprometi minha honra, comprometi
minha vida; e consegui deles, graças à facilidade que eu tinha para entrar nesta fortaleza, a
felicidade de trazer até você o papel que eles acabaram de assinar. Agora, madame, esqueça tudo
o que lhe disse, exceto a garantia da minha devoção e do meu respeito. Esqueça que estou perto
de você; estou acostumado a não ser visto. Mas, se precisar da minha vida, dê um sinal, porque,
depois de sete anos, minha vida é sua.
— Ai de mim! — respondeu Mary. — Eu me queixei hoje de manhã por não ser mais
amada, mas devo me queixar, pelo contrário, por ainda ser amada, pois o amor que inspiro é
fatal e mortal. Olhe para trás, Douglas, e conte as tumbas que, ainda jovem, já deixei no meu
caminho: Francis II, Chatelard, Rizzio, Darnley... Ah, agora, mais do que me amar, é necessário
apegar-se à minha sorte, já que o heroísmo e a devoção são tão necessários que, como você disse,
Douglas, é um amor sem recompensa possível. Você entende?
— Ah, madame, madame — respondeu Douglas —, não é recompensa acima dos meus
méritos vê-la todos os dias, nutrir a esperança de que a liberdade lhe seja restaurada por meu
intermédio e ter pelo menos, se eu não a libertar, a certeza de morrer diante dos seus olhos?
— Pobre rapaz! — murmurou Mary, os olhos erguidos ao céu, como se estivesse lendo ali
de antemão o destino que aguardava seu novo defensor.
— Pelo contrário: feliz Douglas — exclamou George, agarrando a mão da rainha e
beijando-a com talvez ainda mais respeito do que amor. — Feliz Douglas, pois, ao conseguir um
suspiro de Vossa Majestade, já conseguiu mais do que esperava.
— E o que você decidiu com meus amigos? — disse a rainha, levantando Douglas, que até
então continuava de joelhos diante dela.
— Nada ainda — respondeu George —, porque mal tivemos tempo de nos vermos. Sua
fuga, impossível sem mim, ainda é difícil mesmo comigo. E Vossa Majestade viu que fui
publicamente obrigado a lhe faltar com o respeito para obter de minha mãe a confiança que me
deu a oportunidade de vê-la hoje. Se essa confiança da parte de minha mãe ou de meu irmão se
estender a me entregar as chaves do castelo, você estará salva! Que Vossa Majestade não se
surpreenda com nada. Na presença de outras pessoas, sempre serei um Douglas, ou seja, um
inimigo. E, a menos que sua vida esteja em perigo, madame, não direi uma palavra, não farei um
gesto que possa trair a fé que jurei. Mas, ao seu lado, que Vossa Graça saiba que, presente ou
ausente, calado ou falando, agindo ou ficando inerte, tudo será apenas aparência, exceto minha
devoção. Apenas — continuou Douglas, aproximando-se da janela e mostrando para a rainha
uma casinha na Colina de Kinross. — Apenas olhe todas as noites naquela direção, madame, e,
quando vir uma luz brilhar ali, seus amigos estarão de vigia, e você não precisa perder a
esperança.
— Obrigada, Douglas, obrigada — disse a rainha. — É bom encontrar um coração como o
seu de vez em quando. Ah! Obrigada.
— E agora, madame — respondeu o jovem —, devo deixar Vossa Majestade; ficar mais
tempo com você levantaria suspeitas. E uma única suspeita sobre mim, pense bem, madame, e
essa luz que é seu único farol será extinta, e tudo voltará à noite.
Com essas palavras, Douglas curvou-se com mais respeito do que antes e retirou-se,
deixando Mary cheia de esperança e ainda mais cheia de orgulho. Dessa vez, a homenagem que
acabara de receber certamente era para a mulher, e não para a rainha.
Como a rainha lhe dissera, Mary Seyton foi informada de tudo, até do amor de Douglas, e
as duas mulheres esperaram impacientemente pela noite para ver se a estrela prometida brilharia
no horizonte. A esperança delas não foi em vão: na hora marcada, o farol estava aceso. A rainha
tremia de alegria, pois era a confirmação de suas esperanças, e sua companheira não conseguia
arrancá-la da janela, onde permaneceu com o olhar fixo na casinha em Kinross. Por fim, cedeu às
súplicas de Mary Seyton e consentiu em ir para a cama, mas se levantou em silêncio duas vezes
durante a noite para ir até a janela. A luz continuou brilhando e não se extinguiu até o
amanhecer com suas irmãs, as estrelas.
No dia seguinte, no café da manhã, George anunciou à rainha o retorno de seu irmão,
William Douglas: tinha chegado naquela noite. Quanto a ele, George, teria que deixar
Lochleven na manhã seguinte para conversar com os nobres que assinaram a declaração e que se
separaram imediatamente para formar tropas em seus diferentes países. A rainha não podia
tentar nenhuma fuga eficiente até ter certeza de que tinha reunido um exército forte o suficiente
para manter o país. Quanto a ele, Douglas, todos estavam tão acostumados com seus
desaparecimentos silenciosos e seus retornos inesperados que não havia motivo para temer que
sua partida inspirasse alguma suspeita.
Tudo aconteceu como George dissera: à noite, o som da corneta anunciou a chegada de
William Douglas. Trazia consigo Lorde Ruthven, filho daquele que assassinara Rizzio e que,
exilado com Morton após o assassinato, morreu na Inglaterra da doença com a qual já estava
contaminado no dia da terrível catástrofe da qual o vimos participar. Ele chegou um dia antes de
Lorde Lindsay de Byres e Sir Robert Melville, irmão do ex-embaixador de Mary para Elizabeth:
todos os três receberam uma missão do regente para com a rainha.
No dia seguinte, tudo voltou à rotina habitual, e William Douglas reassumiu suas funções
de provador. O café da manhã passou sem que Mary soubesse nada da partida de George ou da
chegada de Ruthven. Ao se levantar da mesa, ela foi até a janela. Mal chegou lá e ouviu o som de
uma corneta ecoando nas margens do lago e viu uma pequena tropa de cavaleiros parar enquanto
esperava o barco chegar para levar os que estavam indo para o castelo.
A distância era grande demais para Mary reconhecer algum dos visitantes, mas estava
claro, pelos sinais de inteligência trocados entre a pequena tropa e os habitantes da fortaleza, que
os recém-chegados eram seus inimigos. Esse era o motivo pelo qual a rainha, em sua ansiedade,
não devia perder de vista nem por um instante o barco que ia buscá-los. Viu apenas dois homens
entrarem, e o barco voltou ao castelo de imediato.
Conforme o barco se aproximava, os pressentimentos de Mary evoluíram para medos reais,
pois, em um dos homens que se aproximava, ela pensou ter reconhecido o Lorde Lindsay de
Byres, o mesmo que, oito dias antes, a levara para a prisão. Na verdade, era ele próprio, como
sempre usando um capacete de aço sem viseira, que permitia ver seu rosto bruto e feito para
expressar paixões fortes, e sua longa barba preta pontilhada de cabelos grisalhos, que caía sobre
o peito. Seu corpo estava protegido, como se estivesse em época de guerra, por sua fiel armadura,
antes polida e bem dourada, mas que, continuamente exposta à chuva e à névoa, agora era
devorada pela ferrugem. Usava nas costas, quase como uma aljava, uma espada larga, tão pesada
que só podia ser manuseada com as duas mãos e tão comprida que, enquanto o punho alcançava
o ombro esquerdo, a ponta atingia a espora direita. Em uma palavra, ele ainda era o mesmo
soldado, corajoso até a temeridade, mas brutal até a insolência, conhecendo apenas o direito e a
força, e sempre pronto para usar a força quando acreditava estar certo.
A rainha estava tão impressionada com a visão de Lorde Lindsay de Byres que só quando o
barco chegou à costa ela olhou para o companheiro dele e reconheceu Robert Melville. Isso era
um consolo, pois, não importava o que acontecesse, ela sabia que encontraria nele uma simpatia,
se não ostensiva, pelo menos secreta. Além disso, seu traje, pelo qual alguém poderia julgá-lo
igual a Lorde Lindsay, formava um contraste perfeito com o de seu companheiro. Consistia em
um gibão de veludo preto, com um gorro e uma pena da mesma tonalidade, presa por um
grampo de ouro. Sua única arma, ofensiva ou defensiva, era uma pequena espada, que ele
parecia usar mais como sinal de sua posição do que para atacar ou defender. Quanto a seus
traços e modos, estavam em harmonia com essa aparência pacífica: seu semblante pálido
expressava delicadeza e inteligência; seus olhos aguçados eram cheios de doçura; e sua voz era
insinuante. Sua figura, esbelta e um pouco inclinada pelo hábito, e não pela idade, já que tinha
apenas 45 anos naquela época, indicava um caráter tranquilo e conciliador.
No entanto, a presença desse homem de paz, que parecia encarregado de vigiar o demônio
da guerra, não conseguiu tranquilizar a rainha. Ao chegar ao local de desembarque, em frente ao
grande portão do castelo, o barco tinha simplesmente desaparecido atrás do canto de uma torre.
Ela ordenou que Mary Seyton descesse para tentar descobrir que motivo levava Lindsay a
Lochleven, sabendo muito bem que, com a força de caráter com que era dotada, ela precisava
conhecer esse motivo com alguns minutos de antecedência para dar ao próprio rosto aquela
calma e majestade que sempre achou que influenciava seus inimigos.
Deixada sozinha, Mary permitiu que seu olhar voltasse para a casinha em Kinross, sua
única esperança, mas a distância era grande demais para distinguir qualquer coisa. Além disso,
os contraventos permaneciam fechados o dia inteiro e pareciam ser abertos apenas à noite, como
as nuvens que, depois de cobrirem o céu durante uma manhã inteira, se dispersam por fim para
revelar ao marinheiro perdido uma estrela solitária. Ela ainda estava imóvel, com o olhar fixo no
mesmo objeto, quando foi atraída dessa contemplação silenciosa pelos passos de Mary Seyton.
— E então, minha querida? — perguntou a rainha, virando-se.
— Vossa Majestade não está enganada — respondeu a mensageira. — Realmente eram Sir
Robert Melville e Lorde Lindsay, mas chegou ontem com Sir William Douglas um terceiro
embaixador, cujo nome, receio, será ainda mais odioso para Vossa Majestade do que qualquer
um dos dois que acabei de pronunciar.
— Você está enganada, Mary — respondeu a rainha. — Nem o nome de Melville nem o de
Lindsay são odiosos para mim. O de Melville, pelo contrário, é, nas minhas circunstâncias
atuais, um dos que mais gosto de ouvir. Quanto ao de Lorde Lindsay, sem dúvida não é
agradável para mim, mas não deixa de ser um nome honroso, sempre carregado por homens
rudes e selvagens, é verdade, mas incapazes de trair. Diga-me, então, qual é esse nome, Mary,
pois, veja bem, estou calma e preparada.
— Ai, madame! — retrucou Mary. — Por mais calma e preparada que esteja, reúna todas
as suas forças, não apenas para ouvir esse nome, mas também para receber em poucos minutos o
homem que o carrega, pois esse nome é o de Lorde Ruthven.
Mary Seyton estava certa, e esse nome teve uma influência terrível sobre a rainha. Mal o
nome escapara dos lábios da jovem quando Mary Stuart soltou um grito e empalideceu, como se
estivesse prestes a desmaiar, agarrada à borda da janela.
Mary Seyton, assustada com o efeito produzido por esse nome fatal, imediatamente correu
para apoiar a rainha, mas ela, esticando uma das mãos para a jovem enquanto colocava a outra
no coração:
— Não é nada — disse ela. — Estarei melhor daqui a um instante. Sim, Mary, sim, como
você disse, é um nome fatal misturado com uma das minhas lembranças mais sangrentas. O que
esses homens estão vindo me pedir deve ser realmente terrível. Mas não importa, logo estarei
pronta para receber os embaixadores de meu irmão, pois sem dúvida eles serão enviados em seu
nome. Minha querida, impeça que eles entrem, pois preciso de alguns instantes para me
recuperar. Você me conhece. Não vai demorar muito.
Com essas palavras, a rainha se retirou com um passo firme para o quarto de dormir.
Mary Seyton foi deixada sozinha, admirando a força de caráter que transformava Mary
Stuart, em todos os outros aspectos completamente feminina, em um homem na hora do perigo.
Ela foi imediatamente até a porta para fechá-la com a barra de madeira que passava entre dois
anéis de ferro, mas a barra tinha sido retirada, de modo que não havia como trancar a porta por
dentro. Depois de um instante, ouviu alguém subindo as escadas e, pelo passo pesado e
ressonante, achou que devia ser Lorde Lindsay. Olhou em volta mais uma vez para ver se
encontrava alguma coisa para substituir a barra e, não encontrando nada ao seu alcance, passou o
braço pelos anéis, decidida a deixá-lo ser quebrado, em vez de permitir que alguém se
aproximasse de sua senhora antes que ela desejasse. De fato, as pessoas que estavam subindo
mal chegaram ao patamar quando alguém bateu com violência, e uma voz áspera gritou:
— Vamos, vamos, abra a porta. Abra imediatamente.
— E com que direito — disse Mary Seyton — sou ordenada de maneira tão insolente a
abrir a porta de Mary, Rainha da Escócia?
— Pelo direito do embaixador do regente de entrar em todo lugar em seu nome. Sou Lorde
Lindsay e vim falar com Lady Mary Stuart.
— Sendo embaixador — respondeu Mary Seyton —, não deve se isentar de ser anunciado
ao visitar uma mulher e muito mais uma rainha. E se esse embaixador é, como diz, Lorde
Lindsay, ele vai esperar o descanso da soberana, como todo nobre escocês faria em seu lugar.
— Por St. Andrew! — gritou Lorde Lindsay. — Abra ou vou arrombar a porta.
— Não faça nada, milorde, eu imploro — disse outra voz, que Mary reconheceu como
sendo de Melville. — Vamos esperar por Lorde Ruthven, que ainda não está pronto.
— Sobre a minha alma — exclamou Lindsay, sacudindo a porta. — Não vou esperar nem
um segundo. — Então, vendo que resistia: — Por que você me disse, seu patife — continuou
Lindsay, falando com o mordomo —, que a barra tinha sido removida?
— Mas é verdade — respondeu ele.
— Então — retrucou Lindsay —, essa moça tola está protegendo a porta com o quê?
— Com meu braço, meu senhor, que passei pelos anéis, como Douglas fez pelo Rei James
I, numa época em que os Douglases tinham cabelos escuros em vez de ruivos, e eram fiéis em
vez de traidores.
— Já que você conhece essa história tão bem — respondeu Lindsay, furioso —, lembre-se
de que aquela barreira fraca não impediu Graham, que o braço de Catherine Douglas foi
quebrado como uma varinha de salgueiro e que James I foi assassinado como um cachorro.
— Mas você, milorde — respondeu a jovem corajosa —, também deve conhecer a balada
que ainda é cantada em nossos dias:
Odiado seja Robert Grahame;
Do rei, assassino infame;
Robert Grahame, odiado seja
Assassino de nossa alteza.8
— Mary! — exclamou a rainha, que ouvira a briga de seu quarto. — Mary, ordeno que
você abra a porta imediatamente, está me ouvindo?
Mary obedeceu, e Lorde Lindsay entrou, seguido por Melville, que caminhava atrás dele,
com passos lentos e cabeça baixa. Chegando no meio da segunda sala, Lorde Lindsay parou e,
olhando ao redor:
— Bem, onde está ela, então? — perguntou. — Ela já não nos deixou esperando por tempo
suficiente lá fora para nos fazer esperar novamente aqui dentro? Ou ela acha que, apesar dessas
paredes e barras, ela é eternamente rainha?
— Paciência, meu senhor — murmurou Sir Robert. — Perceba que Lorde Ruthven ainda
não chegou e, como não podemos fazer nada sem ele, esperemos.
— Quem quiser que espere — respondeu Lindsay, inflamado de raiva —, mas não serei eu,
e onde quer que ela esteja, vou procurá-la.
Com essas palavras, ele deu alguns passos em direção ao quarto de Mary Stuart. Mas, no
mesmo instante, a rainha abriu a porta sem parecer movida nem pela visita nem pela insolência
dos visitantes e tão adorável e tão cheia de majestade que todos, até o próprio Lindsay, ficaram
em silêncio com a aparência dela. Como se obedecessem a um poder superior, curvaram-se
respeitosamente diante dela.
— Sinto muito por tê-los deixado esperando, milordes — disse a rainha, respondendo
apenas com uma leve inclinação da cabeça à saudação dos embaixadores —, mas uma mulher
não gosta de receber inimigos sem passar alguns minutos fazendo a toalete. É verdade que os
homens são menos apegados a esse cerimonial — acrescentou ela, lançando um olhar
significativo para a armadura enferrujada de Lorde Lindsay e ao gibão sujo e perfurado. — Bom
dia, Melville — continuou, sem prestar atenção a algumas palavras de desculpa gaguejadas por
Lindsay. — Sejam bem-vindos à minha prisão, como foram ao meu palácio, pois acredito que
vocês sejam tão fiéis a um quanto a outro.
Então, voltando-se para Lindsay, que estava olhando interrogativamente para a porta,
impaciente pela chegada de Ruthven:
— Você tem aí, milorde — disse ela, apontando para a espada que ele carregava sobre o
ombro —, uma companheira fiel, embora um pouco pesada. Você esperava, ao chegar aqui,
encontrar inimigos contra quem usá-la? Caso contrário, é um ornamento estranho para se usar
na presença de uma dama. Mas não importa, milorde, sou Stuart demais para temer a visão de
uma espada, mesmo que ela estivesse desembainhada, devo lhe avisar.
— Ela não está deslocada aqui, madame — respondeu Lindsay, trazendo-a para a frente e
apoiando o cotovelo no punho em forma de cruz —, pois é uma velha conhecida de sua família.
— Seus antepassados, milorde, foram corajosos e leais o suficiente para eu não me recusar a
acreditar no que você me diz. Além disso, uma lâmina tão boa deve ter prestado um bom
serviço.
— Sim, madame, sim, ela certamente o fez, mas o tipo de serviço que os reis não perdoam.
O homem para quem ela foi feita era Archibald Bell-the-Cat, e ele mesmo a cingiu no dia em
que, para justificar seu nome, foi atacar, na tenda do Rei James III, seu avô, seus indignos
favoritos: Cochran, Hummel, Leonard e Torpichen, a quem ele enforcou na Ponte Louder com
o cabresto dos cavalos de seus soldados. Foi também com essa espada que ele matou com um
único golpe, em um campo fechado, Spens of Kilspindie, que o insultara na presença do Rei
James IV, contando com a proteção que seu mestre lhe concedia e que não o protegeu contra ela
mais do que seu escudo, que se dividiu em dois. Na morte de seu mestre, que ocorreu dois anos
após a derrota de Flodden, em cujo campo de batalha deixou dois filhos e duzentos guerreiros
com o nome de Douglas, ela passou para as mãos do Conde de Angus, que a desembainhou
quando expulsou os Hamiltons de Edimburgo. Isso foi feito de maneira tão rápida e completa
que o caso foi chamado de “varrer as ruas”. Por fim, seu pai, James V, a viu brilhar na batalha da
ponte sobre o Tweed, quando Buccleuch, incitado por ele, queria arrancá-lo da guarda dos
Douglases e quando oitenta guerreiros com o nome de Scott permaneceram no campo de
batalha.
— Mas — disse a rainha — como é que essa arma, após essas façanhas, não permaneceu
como troféu na família Douglas? Sem dúvida, o Conde de Angus exigiu uma grande ocasião
para decidir lhe entregar esta Excalibur moderna9.
— Sim, sem dúvida, madame, foi uma grande ocasião — respondeu Lindsay, apesar dos
sinais de súplica de Melville —, e terá pelo menos a vantagem das outras, sendo suficientemente
recente para você se lembrar. Foi há dez dias, no campo de batalha de Carberry Hill, madame,
quando o infame Bothwell teve a audácia de fazer um desafio público no qual provocou ao
combate individual quem ousasse sustentar que ele não era inocente no assassinato do rei seu
marido. Eu o fiz responder então, eu, o terceiro, que ele era um assassino. E como ele se recusou
a lutar contra os outros dois sob o pretexto de que eram apenas barões, eu me apresentei, pois
sou conde e lorde. Foi nessa ocasião que o nobre Conde de Morton me deu essa boa espada para
lutar contra ele até a morte. De modo que, se ele tivesse sido um pouco mais presunçoso ou um
pouco menos covarde, cães e abutres estariam devorando neste momento os pedaços que, com a
ajuda desta boa espada, eu teria cortado na carcaça daquele traidor.
Com essas palavras, Mary Seyton e Robert Melville se entreolharam aterrorizados, pois os
eventos dos quais se lembravam eram tão recentes que estavam, por assim dizer, ainda vivos no
coração da rainha. Mas a rainha, com uma impassibilidade incrível e um sorriso de desprezo nos
lábios:
— É fácil, milorde — disse ela —, derrotar um inimigo que não se apresenta em batalha.
No entanto, acredite, se Mary tivesse herdado a espada dos Stuarts como herdou o cetro, sua
espada, por mais comprida que seja, ainda lhe pareceria muito curta. Mas, como você só tem que
nos dizer agora, milorde, o que pretendia fazer, e não o que fez, acho adequado que eu o traga de
volta para algo mais real. Não creio que tenha se dado ao trabalho de vir aqui pura e
simplesmente para acrescentar um capítulo ao pequeno tratado Des Rodomontades Espagnolles
de M. de Brantome.
— Tem razão, madame — respondeu Lindsay, avermelhando-se de raiva —, e você já
conheceria o objetivo de nossa missão se Lorde Ruthven não nos fizesse esperar de maneira tão
ridícula. Mas — acrescentou ele — tenha paciência: o assunto não será longo, pois aqui está ele.
De fato, naquele momento eles ouviram passos subindo a escada e se aproximando dos
aposentos, e ao som desses passos, a rainha, que suportara com tanta firmeza os insultos de
Lindsay, ficou tão perceptivelmente mais pálida que Melville, que não desviava os olhos dela,
estendeu a mão na direção da poltrona como se fosse empurrar a poltrona na direção dela, mas a
rainha fez um sinal de que não era necessário e olhou para a porta com uma calma aparente.
Lorde Ruthven apareceu. Era a primeira vez que ela via o filho desde que Rizzio fora
assassinado pelo pai.
Lorde Ruthven era um guerreiro e um estadista, e nesse momento seu traje demonstrava as
duas profissões. Consistia em um casaco de couro de búfalo bordado, elegante o suficiente para
ser usado como roupa da corte e no qual, se necessário, alguém poderia prender uma couraça
para a batalha. Assim como o pai, ele estava pálido; assim como o pai, ele morreria jovem e,
ainda mais que o pai, carregava na fisionomia aquela tristeza de mau presságio pela qual os
adivinhos reconhecem aqueles que terão uma morte violenta.
Lorde Ruthven unia em si a dignidade educada de um cortesão e o caráter inflexível de um
ministro. Assim, decidido a obter de Mary Stuart, mesmo que fosse por violência, o que tinha
vindo exigir em nome do regente, fez, ao entrar, uma saudação fria mas respeitosa, à qual a
rainha respondeu com uma reverência. Então o mordomo puxou até a poltrona vazia uma
pesada mesa sobre a qual tinha sido preparado todo o necessário para escrever e, a um sinal dos
dois lordes, saiu, deixando a rainha e sua companheira a sós com os três embaixadores. A rainha,
vendo que a mesa e a poltrona tinham sido preparadas para ela, sentou-se. Depois de um
instante, ela mesma quebrou o silêncio mais sombrio do que qualquer palavra poderia ter sido:
— Milordes — disse ela —, vocês veem que estou esperando. Será que essa mensagem que
vocês têm para me transmitir é tão terrível que dois soldados tão renomados como Lorde
Lindsay e Lorde Ruthven hesitam no momento de dizê-la?
— Madame — respondeu Ruthven —, não sou de uma família, como você sabe, que hesita
em cumprir um dever, por mais doloroso que seja. Além disso, esperamos que seu cativeiro a
tenha preparado para ouvir o que temos a lhe dizer por parte do Conselho Secreto.
— O Conselho Secreto! — exclamou a rainha. — Instituído por mim, com que direito ele
age sem mim? Não importa, estou aguardando a mensagem. Suponho que seja uma petição para
implorar pela minha misericórdia aos homens que ousaram alcançar um poder que apenas eu
detenho diante de Deus.
— Madame — respondeu Ruthven, que parecia ter assumido o doloroso papel de porta-
voz, enquanto Lindsay, mudo e impaciente, mexia com o punho de sua longa espada —, é
angustiante ter que enganá-la neste ponto: não é sua misericórdia que venho pedir. Pelo
contrário, é o perdão do Conselho Secreto que venho lhe oferecer.
— Para mim, milorde, para mim! — gritou Mary. — Os súditos oferecem perdão a sua
rainha! Oh! Isso é uma coisa tão nova e maravilhosa que minha surpresa supera minha
indignação e peço que continue, em vez de fazê-lo parar, como talvez eu devesse fazer.
— E eu vou obedecer com mais vontade, madame — continuou Ruthven, sem se abalar —,
porque esse perdão será concedido apenas sob determinadas condições registradas nesses
documentos destinados a restabelecer a tranquilidade do estado, tão cruelmente comprometida
pelos erros que eles vêm reparar.
— E eu terei permissão, milorde, para ler esses documentos ou devo, seduzida pela minha
confiança naqueles que os apresentam a mim, assinar de olhos fechados?
— Não, madame — respondeu Ruthven. — O Conselho Secreto deseja, pelo contrário, que
você os conheça, pois deve assiná-los de livre e espontânea vontade.
— Leia os documentos para mim, milorde, pois acredito que essa leitura esteja incluída nas
estranhas funções que você aceitou.
Lorde Ruthven pegou um dos dois papéis que tinha na mão e leu o seguinte com a
indiferença de sua voz habitual:
Convocada desde a mais tenra juventude ao governo do reino e à coroa da Escócia, dediquei
todo o meu cuidado à administração. Mas experimentei tanta fadiga e tantos problemas que não me
sinto mais livre nem forte o suficiente para suportar o fardo dos assuntos de Estado.
Consequentemente, e como o favor divino nos concedeu um filho que desejamos ver durante a nossa
vida ostentar a coroa que ele adquiriu por direito de nascimento, resolvemos renunciar e abdicamos
em seu favor, por estes presentes, livre e voluntariamente, a todos os nossos direitos à coroa e ao
governo da Escócia, desejando que ele suba imediatamente ao trono, como se tivesse sido chamado a
ele por nossa morte natural, e não como efeito da nossa própria vontade. E, para que nossa atual
abdicação possa ter um efeito mais completo e solene e que ninguém proponha ser causa de
ignorância, damos plenos poderes a nossos primos confiáveis e fiéis, os lordes Lindsay de Byres e
William Ruthven, para se apresentarem em nosso nome diante da nobreza, do clero e dos burgueses
da Escócia, com quem convocarão uma assembleia em Stirling, para renunciar, pública e
solenemente, de nossa parte, a todos os nossos direitos à coroa e ao governo da Escócia.
Assinado livremente e como testamento de um de nossos últimos desejos reais, em nosso Castelo
de Lochleven, em de junho de 1567. (A data foi deixada em branco.)
Houve um momento de silêncio após a leitura e, em seguida:
— Ouviu, madame? — perguntou Ruthven.
— Ouvi, sim — respondeu Mary Stuart. — Ouvi palavras rebeldes que não entendi e
pensei que meus ouvidos, que tentam se acostumar há algum tempo a uma língua estranha,
ainda me enganavam, e pensei em sua honra, milorde William Ruthven e milorde Lindsay de
Byres.
— Madame — respondeu Lindsay, impaciente por ter ficado em silêncio por tanto tempo
—, nossa honra nada tem a ver com a opinião de uma mulher que mal consegue cuidar de si
mesma.
— Milorde! — disse Melville, arriscando uma palavra.
— Deixe-o falar, Robert — retrucou a rainha. — Temos em nossa consciência uma
armadura tão bem temperada quanto aquela com que Lorde Lindsay está tão prudentemente
coberto, embora, para desonra da justiça, não tenhamos mais uma espada. Continue, milorde —
prosseguiu a rainha, voltando-se para Lorde Ruthven. — Isso é tudo que meus súditos exigem
de mim? Uma data e uma assinatura? Ah! Sem dúvida é muito pouco. E esse segundo
documento, que você manteve para prosseguir aos poucos, provavelmente contém uma
demanda mais difícil de conceder do que a de entregar a uma criança com apenas um ano de
idade uma coroa que me pertence por direito de nascimento e abandonar meu cetro para pegar
uma roca.
— O outro documento — respondeu Ruthven, sem se deixar intimidar pelo tom de ironia
amarga adotado pela rainha — é o ato pelo qual Vossa Graça confirma a decisão do Conselho
Secreto que nomeou seu amado irmão, o Conde de Murray, como regente do reino.
— Como assim? — disse Mary. — O Conselho Secreto acha que precisa da minha
confirmação para um ato de tão pouca importância? E meu amado irmão, para aceitá-lo sem
remorso, precisa que seja eu a acrescentar um novo título aos de Conde de Mar e de Murray que
já lhe concedi? Mas não se pode desejar algo mais respeitoso e tocante do que tudo isso, e devo
estar muito errada em reclamar. Milordes — continuou a rainha, levantando-se e mudando de
tom —, retornem àqueles que os enviaram e digam a eles que Mary Stuart não tem resposta a
dar para tais exigências.
— Prudência, madame — respondeu Ruthven —, porque eu lhe disse que apenas sob essas
condições seu perdão poderá ser concedido.
— E se eu recusar esse perdão generoso — perguntou Mary —, o que vai acontecer?
— Não posso julgar antecipadamente, madame; mas Vossa Graça tem conhecimento
suficiente das leis e, acima de tudo, da história da Escócia e da Inglaterra, para saber que
assassinato e adultério são crimes pelos quais mais de uma rainha foi punida com a morte.
— E em quais provas essa acusação seria fundada, milorde? Perdoe minha persistência, que
toma seu precioso tempo, mas tenho interesse suficiente no assunto para ter permissão de fazer
essa pergunta.
— A prova, madame? — retrucou Ruthven. — Há apenas uma, que eu saiba, mas é
irrefutável: o casamento precipitado da viúva do assassinado com o líder dos assassinos e as
cartas que nos foram entregues por James Balfour, que provam que os culpados tinham unido
seus corações adúlteros antes que lhes fosse permitido unir suas mãos sangrentas.
— Milorde — exclamou a rainha —, você se esquece de um certo banquete oferecido em
uma taberna de Edimburgo, por este mesmo Bothwell, aos mesmos nobres que hoje o tratam
como adúltero e assassino? Você se esquece que no fim da refeição, e na mesma mesa em que
fora servida, foi assinado um documento para convidar essa mesma mulher, a quem hoje você
faz da pressa pelo novo casamento um crime, a deixar de lado o luto de viúva e usar um vestido
de casamento? Pois, se esqueceram, milordes, que não prestariam mais honra à sua sobriedade
do que à sua memória, comprometo-me a mostrá-lo, eu que o preservei. E, talvez, se
procurarmos bem, encontrássemos entre as assinaturas os nomes de Lindsay de Byres e William
Ruthven. Ó, nobre Lorde Herries! — lamentou Mary. — Leal James Melville, você estava certo
quando se jogou aos meus pés, pedindo-me para não concluir esse casamento, que, como vejo
claramente hoje, era apenas uma armadilha criada por conselheiros perversos ou senhores
desleais para uma mulher ignorante.
— Madame! — exclamou Ruthven que, apesar de sua fria impassibilidade, começava a
perder o controle de si mesmo, enquanto Lindsay dava sinais de impaciência ainda mais
barulhentos e menos ambíguos. — Madame, todas essas discussões fogem do nosso objetivo.
Peço-lhe que volte a ele e nos informe se, com sua vida e sua honra garantidas, você consente em
abdicar da coroa da Escócia.
— E que garantia terei de que as promessas que vocês me fazem aqui serão mantidas?
— Nossa palavra, madame — respondeu Ruthven com orgulho.
— Sua palavra, milorde, é uma promessa muito fraca a oferecer, já que você esquece tão
rapidamente a própria assinatura. Você não teria nada a acrescentar para me deixar um pouco
mais tranquila do que estarei apenas com isso?
— Basta, Ruthven, basta! — exclamou Lindsay. — Você não vê que há uma hora essa
mulher só responde às nossas propostas com insultos?
— Sim, vamos embora — disse Ruthven. — E agradeça apenas a si mesma, madame, pelo
dia em que o fio que mantém a espada suspensa sobre sua cabeça for partido.
— Milordes! — exclamou Melville. — Milordes, em nome do Céu, tenham um pouco de
paciência e perdoem essa mulher que, acostumada a comandar, agora é obrigada a obedecer.
— Muito bem! — disse Lindsay, virando-se. — Fique com ela e tente obter com suas
palavras douradas o que ela recusa com nossa oferta franca e justa. Voltaremos em quinze
minutos. Que a resposta esteja pronta em quinze minutos!
Com essas palavras, os dois nobres saíram, deixando Melville com a rainha. Era possível
contar os passos deles pelo som da grande espada de Lindsay retumbando a cada degrau da
escada.
Eles mal ficaram sozinhos quando Melville se jogou aos pés da rainha.
— Madame — disse ele —, você comentou agora há pouco que Lorde Herries e meu irmão
deram um conselho a Vossa Majestade que você se arrependeu de não ter seguido. Bem,
madame, reflita sobre o que lhe digo, pois é mais importante do que o outro, já que você vai se
arrepender com ainda mais amargura por não tê-lo ouvido. Ah! Você não sabe o que pode
acontecer, não sabe do que seu irmão é capaz.
— Parece-me, no entanto — respondeu a rainha —, que ele acabou de me instruir a esse
respeito. O que ele fará além do que já fez? Um julgamento público! Ah! É tudo que eu peço:
permita-me apenas defender minha causa, e veremos quais juízes ousarão me condenar.
— Mas é isso que eles terão o cuidado de não fazer, madame. Pois eles devem ser tolos de
mantê-la aqui neste castelo isolado, sob os cuidados de seus inimigos, tendo como testemunha
apenas Deus, que vinga o crime, mas não o previne. Lembre-se, madame, do que Maquiavel
disse: “O túmulo de um rei nunca está longe de sua prisão”. Você vem de uma família em que se
morre jovem, madame, e quase sempre de uma morte súbita: dois de seus ancestrais morreram
por aço e um por veneno.
— Ah, se a morte fosse repentina e fácil — lamentou Mary —, eu a aceitaria como uma
expiação pelos meus erros. Pois, se me orgulho quando me comparo aos outros, Melville, sou
humilde quando julgo a mim mesma. É injusto que me acusem de ser cúmplice da morte de
Darnley, mas é justo que me condenem por ter me casado com Bothwell.
— O tempo está acabando, madame, o tempo está se esgotando! — exclamou Melville,
olhando para a ampulheta que, colocada sobre a mesa, marcava o tempo. — Eles estão voltando,
eles estarão aqui em um minuto, e dessa vez vão exigir uma resposta. Ouça, madame, e pelo
menos aproveite sua situação o máximo que puder. Você está sozinha aqui com uma mulher,
sem amigos, sem proteção, sem poder. Uma abdicação assinada nessas circunstâncias nunca
parecerá ao seu povo ter sido dada por livre e espontânea vontade, mas sempre parecerá ter sido
arrancada à força. E, se necessário, madame, se chegar o dia de fazer valer uma contestação,
bem, então você terá duas testemunhas da violência que sofreu: uma será Mary Seyton e a outra
— acrescentou, a voz baixa e olhando desconfortável ao redor —, a outra será Robert Melville.
Ele mal terminou de falar quando os passos dos dois nobres foram novamente ouvidos na
escada, retornando antes mesmo dos quinze minutos decorridos. Um instante depois, a porta se
abriu e Ruthven apareceu, e a cabeça de Lindsay estava visível acima de seu ombro.
— Madame — disse Ruthven —, voltamos. Vossa Graça decidiu? Viemos para obter sua
resposta.
— Sim — disse Lindsay, afastando Ruthven, que estava bloqueando seu caminho, e
avançando em direção à mesa —, sim, uma resposta clara, precisa, positiva e sem segundas
intenções.
— Você é exigente, milorde — disse a rainha. — Dificilmente você poderia se dirigir a mim
dessa forma se eu estivesse em total liberdade do outro lado do lago e cercada por uma escolta
fiel. Mas, entre essas paredes, por trás dessas grades, nas profundezas dessa fortaleza, eu diria
que assino voluntariamente e você não acreditaria. Mas não importa, você quer minha
assinatura. Bem, eu lhe darei. Melville, me passe a pena.
— Mas espero — disse Lorde Ruthven — que Vossa Graça não pretenda usar sua
circunstância atual um dia como argumento para protestar contra o que está fazendo.
A rainha já tinha se curvado para escrever, já tinha colocado a mão no papel quando
Ruthven dirigiu-lhe essas palavras. Mas ele mal terminara de falar quando ela se levantou com
orgulho e deixou cair a pena.
— Milorde — disse ela —, o que você me pediu ainda agora era apenas uma abdicação pura
e simples, e eu ia assinar. Mas, se a essa abdicação se juntar essa nota marginal para que eu
renuncie à minha própria vontade e, por me julgar indigna, ao trono da Escócia, eu não faria isso
nem pelas três coroas unidas que me foram roubadas.
— Tenha prudência, madame! — exclamou Lorde Lindsay, agarrando o pulso da rainha
com sua manopla de aço e apertando com toda a força raivosa. — Seja prudente, pois nossa
paciência está se esgotando, e poderíamos acabar quebrando o que não se verga.
A rainha permaneceu de pé e, embora um rubor violento tivesse passado como uma chama
sobre o seu rosto, ela não pronunciou uma palavra e não fez nenhum movimento. Seus olhos
estavam fixos com uma expressão de desprezo tão grande nos do barão grosseiro que ele,
envergonhado pelo impulso ao qual se rendera, soltou a mão que tinha agarrado e deu um passo
para trás. Ela levantou a manga do roupão e mostrou as marcas roxas impressas no seu braço
pela manopla de aço de Lorde Lindsay:
— Era o que eu esperava, milordes — disse ela aos embaixadores —, e nada mais me
impede de assinar. Sim, renuncio livremente ao trono e à coroa da Escócia, e aqui está a prova de
que minha vontade não foi forçada.
Com essas palavras, ela pegou a caneta e assinou rapidamente os dois documentos,
entregou-os a Lorde Ruthven e, fazendo uma reverência com muita dignidade, retirou-se
lentamente para o quarto, acompanhada de Mary Seyton. Ruthven a seguiu e, quando ela
desapareceu:
— Não importa — disse ele. — Ela assinou e, embora os meios que você usou, Lindsay,
sejam bem incomuns na diplomacia, não são menos eficazes, ao que parece.
— Não brinque, Ruthven — disse Lindsay —, pois ela é uma criatura nobre, e se eu tivesse
coragem, teria me jogado aos pés dela para pedir perdão.
— Ainda há tempo — respondeu Ruthven. — E Mary, em suas circunstâncias atuais, não
será rígida com você. Talvez ela tenha decidido apelar ao julgamento de Deus para provar sua
inocência e, nesse caso, um paladino como você pode mudar a situação.
— Não brinque, Ruthven — comentou Lindsay uma segunda vez, com mais violência que
a primeira. — Porque, se eu tivesse tanta convicção de sua inocência quanto tenho de seu crime,
diria que ninguém deveria tocar em um fio de sua cabeça, nem mesmo o regente.
— Que diabos, milorde! — disse Ruthven. — Eu não sabia que você era tão sensível a uma
voz suave e a um olhar choroso. Você conhece a história da lança de Aquiles, que curava com sua
ferrugem as feridas que fazia com a ponta. Faça como ela, milorde, faça como ela.
— Basta, Ruthven, basta — respondeu Lindsay. — Você é como uma armadura de aço de
Milão, que é três vezes mais brilhante que a armadura de aço de Glasgow, mas ao mesmo tempo
é três vezes mais dura. Nós nos conhecemos, Ruthven, então pare com as zombarias e as
ameaças. Basta, acredite em mim, já basta.
E, depois dessas palavras, Lorde Lindsay saiu primeiro, seguido de Ruthven e Melville, o
primeiro com a cabeça erguida e um ar de indiferença insolente, e o segundo, triste, com a testa
franzida, e nem mesmo tentando disfarçar a dolorosa impressão que essa cena tinha provocado
nele10.
CAPÍTULO VI

A rainha só saiu do quarto à noite, para ocupar seu lugar na janela que dava para o lago. Na hora
habitual, viu a luz que agora era sua única esperança brilhar na casinha de Kinross. Durante um
mês inteiro, ela não teve outro consolo além de vê-la, todas as noites, fixa e fiel.
Por fim, depois desse período e quando estava começando a se desesperar para ver George
Douglas novamente, certa manhã, ao abrir a janela, ela soltou um grito. Mary Seyton correu até
ela, e a rainha, sem forças para falar, mostrou no meio do lago o pequeno barco ancorado e,
dentro do barco, o Pequeno Douglas e George, que estavam absorvidos na pesca, sua diversão
favorita. O jovem tinha chegado no dia anterior e, como todos estavam acostumados a seus
retornos inesperados, a sentinela nem tocou a corneta, e a rainha não soube que finalmente um
amigo tinha chegado.
No entanto, ela ainda passou três dias sem ver esse amigo de uma forma diferente da que
acabara de ver, ou seja, no lago. É verdade que, de manhã até a noite, George não saía daquele
local, de onde podia ver as janelas da rainha e a própria rainha, quando, para contemplar um
horizonte mais amplo, ela encostava o rosto nas grades. Por fim, na manhã do quarto dia, a
rainha foi acordada por um grande barulho de cães e cornetas. Correu imediatamente para a
janela, pois, para uma prisioneira, tudo era um evento, e viu William Douglas, que estava
embarcando com um bando de cães e alguns caçadores. De fato, fazendo uma trégua de um dia
em suas funções de carcereiro para desfrutar de um prazer mais em harmonia com sua posição e
seu nascimento, ele ia caçar na floresta que cobre a última cordilheira de Ben Lomond, e que,
sempre afundando, morre nas margens do lago.
A rainha estremeceu de alegria, pois esperava que Lady Lochleven conservasse seu rancor e
que George substituísse o irmão. Essa esperança não foi decepcionada. Na hora habitual, a
rainha ouviu os passos daqueles que lhe levavam o café da manhã. A porta se abriu, e ela viu
George Douglas entrar, precedido dos serviçais que estavam carregando os pratos. George mal
fez uma reverência, mas a rainha, avisada por ele para não se surpreender com nada, retribuiu
sua saudação com um ar desdenhoso. Em seguida, os serviçais cumpriram sua tarefa e saíram,
como estavam acostumados.
— Finalmente — disse a rainha — você voltou.
George fez um gesto com o dedo, foi até a porta para ouvir se todos os serviçais realmente
tinham ido embora e se ninguém tinha ficado para espionar. Depois, voltando mais à vontade e
curvando-se respeitosamente:
— Sim, madame — respondeu ele. — E, graças a Deus, trago boas notícias.
— Ah, me conte rapidamente! — exclamou a rainha. — Pois ficar neste castelo é um
inferno. Você soube que eles vieram, não foi? E que me forçaram a assinar uma abdicação?
— Sim, madame — respondeu Douglas. — Mas também sabemos que só a violência pode
ter conseguido essa assinatura, e nossa devoção a Vossa Majestade aumentou ainda mais, se
possível.
— Mas, afinal, o que você fez?
— Os Seytons e os Hamiltons, que são, como Vossa Majestade sabe, seus súditos mais fiéis
— Mary virou-se, sorrindo, e estendeu a mão para Mary Seyton —, já reuniram suas tropas —
continuou George —, que estão prontas para agir ao primeiro sinal. Mas, como eles sozinhos
não seriam suficientes para realizar a campanha, seguiremos diretamente para Dumbarton, cujo
governador está do nosso lado e que, por sua situação e sua força, pode resistir por tempo
suficiente contra todas as tropas do regente para dar aos corações fiéis que lhe restam tempo para
chegar e se juntar a nós.
— Sim, sim — disse a rainha. — Vejo claramente o que faremos quando sairmos daqui;
mas como devemos sair?
— Essa é a ocasião, madame — respondeu Douglas —, na qual Vossa Majestade deve
chamar em seu auxílio a coragem da qual já deu tantas provas.
— Se eu precisar apenas de coragem e frieza — respondeu a rainha —, fique tranquilo: nem
uma nem outra vai me decepcionar.
— Aqui está uma lima — disse George, dando a Mary Seyton o objeto que ele julgou
indigno de tocar nas mãos da rainha —, e esta noite trarei cordas para Vossa Majestade construir
uma escada. Você vai cortar uma das barras desta janela, cuja altura é de apenas seis metros. Eu
irei até você, tanto para experimentá-la quanto para apoiar você. Se um dos homens da
guarnição estiver na minha lista de pagamento, ele nos dará passagem pela porta que estiver
encarregado de guardar, e você estará livre.
— E quando será isso? — indagou a rainha.
— Precisamos esperar por duas coisas, madame — respondeu Douglas. — A primeira é
reunir em Kinross uma escolta suficiente para a segurança de Vossa Majestade; a segunda é que
o turno de vigilância noturna de Thomas Warden esteja em uma porta isolada pela qual
possamos passar sem sermos vistos.
— E como você vai saber disso? Você vai ficar no castelo?
— Infelizmente não, madame — respondeu George. — No castelo, sou um amigo inútil e
até perigoso para você, enquanto do outro lado do lago posso servi-la de maneira eficaz.
— E como você vai saber quando chegar a vez de Warden montar guarda?
— A flâmula do cata-vento na torre norte, em vez de girar ao vento como as outras,
permanecerá fixa.
— Mas como eu serei avisada?
— Tudo já está planejado nesse sentido: a luz que brilha todas as noites na casinha em
Kinross diz constantemente que seus amigos estão de olho em você, mas, quando você desejar
saber se a hora da sua libertação se aproxima ou é remota, coloque uma luz nesta janela. A outra
desaparecerá imediatamente. Depois, colocando a mão no peito, conte seus batimentos
cardíacos. Se chegar a vinte sem a luz reaparecer, nada estará resolvido; se chegar a apenas dez, o
momento se aproxima; se a luz não lhe permitir contar até mais de cinco, sua fuga será marcada
para a noite seguinte; se não reaparecer mais, estará marcada para a mesma noite. Então o grito
da coruja, repetido três vezes no pátio, será o sinal: jogue a escada pela janela quando ouvi-lo.
— Oh, Douglas — exclamou a rainha —, só você poderia prever e calcular tudo dessa
maneira. Obrigada, obrigada cem vezes! — E estendeu a mão para ele beijar.
Um vermelho vívido corou as bochechas do jovem, mas quase imediatamente, dominando
sua emoção, ele se ajoelhou e, reprimindo a expressão daquele amor do qual havia falado com a
rainha, embora prometendo que nunca mais falaria disso, ele pegou a mão que Mary lhe
estendeu e a beijou com tanto respeito que ninguém poderia ver neste ato nada além da
homenagem à devoção e à fidelidade.
Depois, fazendo uma reverência para a rainha, ele saiu, para que uma estadia mais longa
com ela não levantasse suspeitas.
Na hora do almoço, Douglas levou para ela, como tinha prometido, um pedaço de corda.
Não era suficiente, mas, quando a noite chegou, Mary Seyton desenrolou-a e deixou cair a ponta
pela janela, e George amarrou o restante. Tudo foi feito conforme combinado e sem nenhum
contratempo, uma hora depois de os caçadores terem voltado.
No dia seguinte, George deixou o castelo.
A rainha e Mary Seyton não perderam tempo para se dedicar à escada de corda, e
terminaram no terceiro dia. Na mesma noite, a rainha, em sua impaciência e mais para garantir a
vigilância de seus partidários do que na esperança de que o momento de sua libertação estivesse
próximo, levou a candeia até a janela. Imediatamente, e como George Douglas tinha lhe dito, a
luz na casinha de Kinross desapareceu. A rainha pôs a mão no coração e contou até vinte e dois.
Então a luz reapareceu: eles estavam prontos para tudo, mas nada ainda estava resolvido.
Durante oito dias, a rainha consultou a luz e seus batimentos cardíacos sem que o número
mudasse. Por fim, no nono dia, contou apenas até dez; no décimo primeiro batimento, a luz
reapareceu.
A rainha acreditava estar enganada: não ousou ter esperanças no que isso anunciava. Ela
retirou a candeia e, ao fim de quinze minutos, mostrou-a novamente. O correspondente
desconhecido compreendeu, com sua inteligência habitual, que um novo teste lhe era pedido, e a
luz na casinha desapareceu de novo. Mary mais uma vez consultou as batidas do coração, e ele
saltou tão rápido que, antes da décima segunda batida, a estrela propícia estava brilhando no
horizonte. Não havia mais dúvida: tudo estava resolvido.
Mary não conseguiu dormir a noite toda. Essa persistência de seus partidários a inspirou
com tanta gratidão que ela foi às lágrimas. O dia tinha chegado, e a rainha questionou várias
vezes sua companheira para ter certeza de que não era apenas um sonho. A cada ruído que ouvia,
parecia que o esquema do qual sua liberdade dependia tinha sido descoberto. E, quando, na hora
do café da manhã e do almoço, William Douglas entrou como sempre, ela quase não se atreveu a
olhar para ele, por medo de ler em seu rosto o anúncio de que tudo estava perdido.
À noite, a rainha voltou a consultar a luz e obteve a mesma resposta. Nada havia mudado: o
farol sempre foi de esperança.
Por cinco dias, ela continuou a indicar que o momento da fuga estava próximo. Na noite do
sexto dia, antes que a rainha contasse cinco batidas, a luz reapareceu. A rainha se apoiou em
Mary Seyton: estava quase desmaiando, entre a alegria e o medo. Sua fuga tinha sido marcada
para a noite seguinte.
A rainha repetiu o teste e obteve a mesma resposta. Não havia mais dúvida: tudo estava
pronto, exceto a coragem da prisioneira, que falhou com ela por um instante e, se Mary Seyton
não a tivesse sentado a tempo, ela teria caído. Mas, passado o primeiro momento, ela se
recompôs como sempre e ficou mais forte e resoluta do que nunca.
Até meia-noite, a rainha permaneceu na janela, com os olhos fixos naquela luz abençoada.
Mary Seyton finalmente a convenceu a ir para a cama, se oferecendo, se ela não quisesse dormir,
para ler alguns versos de M. Ronsard ou alguns capítulos de Histoires de la Mer. Mas Mary não
queria nenhuma leitura profana e pediu para ela ler seu Livro das Horas, dando as respostas
como teria feito se estivesse presente em uma missa rezada por um padre católico. Ao
amanhecer, porém, ficou sonolenta e, como Mary Seyton, por sua vez, estava caindo de cansaço,
adormeceu imediatamente na poltrona ao lado da cama da rainha.
No dia seguinte, ela acordou sentindo que alguém estava lhe dando um tapinha no ombro:
era a rainha que já tinha se levantado.
— Venha ver, minha querida — disse ela. — Venha ver o belo dia que Deus está nos
dando. Ah! Como a natureza é viva! Como vou ficar feliz por estar mais uma vez livre entre
aquelas planícies e montanhas! Decididamente, o Céu está do nosso lado.
— Madame — respondeu Mary —, eu preferia ver um clima menos agradável. Isso nos
prometeria uma noite mais escura. Pense que precisamos de escuridão, não de luz.
— Escute — disse a rainha. — É com isso que vamos ver se Deus realmente é por nós. Se o
tempo continuar como está, sim, você está certa, Ele nos abandonou; mas se nublar, ah!, minha
querida, isso certamente será uma prova de Sua proteção, não é?
Mary Seyton sorriu, acenando que adotava a superstição de sua senhora. Então a rainha,
sem conseguir ficar ociosa com tanta preocupação mental, reuniu as poucas joias que preservou,
colocou-as em uma caixa e preparou um vestido preto para a noite, para ficar ainda mais
escondida na escuridão. E, feitos esses preparativos, sentou-se de novo à janela, levando
incessantemente os olhos do lago para a casinha em Kinross, fechada e silenciosa como sempre.
A hora do café da manhã chegou. A rainha ficou tão feliz que recebeu William Douglas
com mais gentileza do que o habitual e foi com muita dificuldade que permaneceu sentada
durante a refeição, mas ela se conteve, e William Douglas retirou-se sem parecer ter notado sua
agitação.
Mal ele foi embora, Mary correu para a janela. Precisava de ar, e seu olhar devorou
antecipadamente aqueles amplos horizontes que estava prestes a atravessar de novo. Pareceu-lhe
que, uma vez em liberdade, nunca mais se trancaria em um palácio, mas vagaria continuamente
pelo campo. Mas, em meio a todos esses tremores de prazer, de vez em quando sentia-se com o
coração inesperadamente pesado. Ela se virou para Mary Seyton, tentando aumentar sua força
com a dela, e a jovem a apoiou, mais por dever do que por convicção.
Por mais lentas que parecessem para a rainha, as horas continuavam passando. Perto de
meio-dia, algumas nuvens flutuavam no céu azul. A rainha comentou alegremente sobre elas
com sua companheira. Mary Seyton parabenizou-a por elas, não por causa do presságio
imaginário que a rainha buscava, mas pela real importância de o tempo estar nublado para que a
escuridão as ajudasse na fuga. Enquanto as duas prisioneiras observavam os vapores esvoaçantes
em movimento, a hora do almoço chegou. Ainda faltava meia hora de constrangimento e
dissimulação, ainda mais dolorosa porque, sem dúvida, em troca do tipo de gentileza que a
rainha demonstrou de manhã, William Douglas se considerou obrigado, por sua vez, a
acompanhar suas funções com elogios, o que obrigou a rainha a participar mais ativamente da
conversa do que sua preocupação lhe permitia. Mas William Douglas não pareceu de forma
alguma observar esses momentos de distração, e tudo percorreu como no café da manhã.
Assim que ele saiu, a rainha correu para a janela. As poucas nuvens que corriam no céu
uma hora antes tinham engrossado e se espalhado, e todo o azul desapareceu para dar lugar a um
tom opaco e chumbo como estanho. Os pressentimentos de Mary Stuart foram concretizados.
Quanto à casinha em Kinross, que ainda era visível no crepúsculo, continuava fechada e parecia
deserta.
A noite caiu. A luz brilhou como sempre; a rainha sinalizou, e ela desapareceu. Mary Stuart
esperou em vão. Tudo continuou escuro: a fuga seria naquela noite. A rainha ouviu
sucessivamente o toque de oito, nove e dez horas. Às dez horas, as sentinelas foram liberadas.
Mary Stuart ouviu as patrulhas passarem sob as janelas, os passos dos vigias se distanciando, e
tudo voltou ao silêncio. Meia hora se passou assim. De repente, o grito da coruja soou três vezes.
A rainha reconheceu o sinal de George Douglas: o momento supremo tinha chegado.
Foi nessas circunstâncias que a rainha reencontrou todas as suas forças. Ela fez um sinal
para Mary Seyton retirar a barra e ajeitar a escada de corda, enquanto, apagando a candeia,
entrou no quarto para procurar a caixa que continha as poucas joias que lhe restavam. Quando
voltou, George Douglas já estava nos aposentos.
— Está tudo bem, madame — disse ele. — Seus amigos esperam por você do outro lado do
lago, Thomas Warden vigia a estrada, e Deus nos enviou uma noite escura.
A rainha, sem responder, estendeu-lhe a mão. George dobrou o joelho e levou a mão dela
aos lábios, mas, ao tocá-la, sentiu que estava fria e trêmula.
— Madame — disse ele —, em nome do Céu, lembre-se de toda a sua coragem e não se
deixe abater nesse momento.
— Nossa Senhora da Boa Ajuda — murmurou Seyton —, venha em nosso auxílio!
— Invoque o espírito dos reis, seus antepassados — respondeu George —, pois neste
momento não é da resignação de uma cristã que você precisa, mas da força e da resolução de uma
rainha.
— Ah, Douglas! Douglas — lamentou Mary com tristeza —, um adivinho previu que eu
morreria na prisão e por uma morte violenta. Não chegou a hora dessa previsão?
— Talvez — disse George —, mas é melhor morrer como rainha do que viver neste antigo
castelo caluniada e como prisioneira.
— Você está certo, George — respondeu a rainha —, mas, para uma mulher, o primeiro
passo é tudo: me perdoe. — Depois de um instante: — Vamos — disse ela. — Estou pronta.
George foi imediatamente até a janela e prendeu a escada de novo e com mais firmeza.
Depois, subindo no peitoril e segurando as barras com uma das mãos, esticou a outra na direção
da rainha, que, tão resoluta agora quanto medrosa instantes antes, subiu em um banquinho e já
tinha colocado um pé no parapeito da janela quando, de repente, um grito soou ao pé da torre:
— Quem está aí? — A rainha se jogou para trás, em parte por instinto e em parte
empurrada por George, que, ao contrário, se inclinou para fora da janela para ver de onde vinha
o grito, que, repetido, ficou duas vezes sem resposta e foi imediatamente seguido de um barulho
e do clarão de uma arma de fogo. No mesmo instante, a sentinela de plantão na torre tocou a
corneta, outra disparou o alarme e os gritos de “Às armas, às armas!” e “Traição, traição!”
ressoaram por todo o castelo.
— Sim, sim, traição, traição! — gritou George Douglas, saltando para dentro dos
aposentos. — Sim, o infame Warden nos traiu! — Então, avançando para Mary, fria e imóvel
como uma estátua: — Coragem, madame, coragem! Se algo acontecer, você ainda tem um amigo
no castelo: o Pequeno Douglas.
Assim que terminou de dizer essas palavras, a porta dos aposentos da rainha se abriu, e
William Douglas e Lady Lochleven, precedidos de serviçais carregando tochas e de soldados
armados, apareceram. O cômodo ficou imediatamente cheio de pessoas e luz.
— Mãe — disse William Douglas, apontando para o irmão diante de Mary Stuart e
protegendo-a com o corpo —, você acredita em mim agora? Olhe!
A velha senhora ficou sem palavras por um instante. Depois, finalmente se recuperando e
dando um passo adiante:
— Fale, George Douglas! — exclamou ela. — Fale e limpe-se imediatamente da acusação
que pesa sobre sua honra. Diga apenas estas palavras: “Um Douglas nunca foi infiel à sua
confiança”, e eu acredito em você.
— Sim, mãe — respondeu William. — Um Douglas! Mas ele... ele não é um Douglas.
— Que Deus conceda à minha velhice a força necessária para suportar tamanho infortúnio
de um de meus filhos e, do outro, tamanho sofrimento! — exclamou Lady Lochleven. — Ó,
mulher nascida sob uma estrela funesta — continuou ela, dirigindo-se à rainha —, quando
deixará de ser, nas mãos do Diabo, um instrumento de perdição e morte para todos que se
aproximam de você? Ó, antiga residência dos Lochleven, maldita hora em que essa feiticeira
cruzou sua porta!
— Não diga isso, minha mãe, não diga isso! — exclamou George. — Abençoado seja, pelo
contrário, o momento que prova que, se existem Douglases que não se lembram mais do que
devem a seus soberanos, há outros que nunca se esqueceram.
— Douglas! Douglas! — murmurou Mary Stuart. — Eu não lhe disse?
— E eu, madame — disse George —, o que foi que respondi, então? Que era uma honra e
um dever de todo súdito fiel a Vossa Majestade morrer por você.
— Então morra! — gritou William Douglas, saltando sobre o irmão com a espada
levantada, enquanto ele, saltando para trás, desembainhou a sua e, com um movimento rápido
como o pensamento e ardente como o ódio, se defendeu. Mas, no mesmo instante, Mary Stuart
se lançou entre os dois jovens.
— Nem mais um passo, Lorde Douglas — disse ela. — Embainhe sua espada, George, ou
use-a para sair daqui e contra todos, menos seu irmão. Eu ainda preciso da sua vida. Tome conta
dela.
— Minha vida, assim como meu braço e minha honra, está ao seu serviço, madame, e no
instante em que você mandar, eu a preservarei.
Com essas palavras, correu para a porta com uma violência e uma determinação que
impediram que alguém o parasse.
— Para trás! — gritou ele para os serviçais que estavam bloqueando a passagem. — Abram
caminho para o jovem mestre dos Douglases ou ai de vocês!
— Parem-no! — gritou William. — Peguem-no vivo ou morto! Atirem nele! Matem-no
como um cachorro!
Dois ou três soldados, não ousando desobedecer a William, fingiram perseguir seu irmão.
Então alguns tiros foram ouvidos, e uma voz gritou que George Douglas acabara de se jogar no
lago.
— E ele escapou? — gritou William.
Mary Stuart respirou. A velha senhora levantou as mãos para o Céu.
— Sim, sim — murmurou William. — Sim, agradeça ao Céu pela fuga de seu filho, pois a
fuga dele cobre toda a nossa casa com vergonha. A partir de agora, seremos vistos como
cúmplices da traição dele.
— Tenha dó de mim, William! — lamentou Lady Lochleven, retorcendo as mãos. —
Tenha pena de sua velha mãe! Você não vê que estou morrendo?
Com essas palavras, ela caiu para trás, pálida e cambaleando. O mordomo e um serviçal a
apoiaram em seus braços.
— Acredito, milorde — disse Mary Seyton, avançando —, que sua mãe precisa tanto de
cuidados agora quanto a rainha precisa de repouso. Não acha que está na hora de você se retirar?
— Sim, sim — disse William —, para lhe dar tempo para tecer novas teias, suponho, e
procurar novas moscas para capturar com elas? Está bem, continue seu trabalho, mas você
acabou de ver que não é fácil enganar William Douglas. Faça o seu jogo, e eu farei o meu. —
Então, voltando-se para os serviçais: — Saiam todos vocês — acrescentou. — E você, minha
mãe, venha.
Os serviçais e os soldados obedeceram. William Douglas saiu por último, apoiando Lady
Lochleven, e a rainha ouviu-o fechar e trancar duas vezes as duas portas de sua prisão.
Assim que Mary ficou sozinha e teve certeza de que não era mais vista ou ouvida, toda sua
força a abandonou e, afundando em uma poltrona, começou a soluçar.
De fato, foi necessária toda a sua coragem para sustentá-la até agora, e a simples visão de
seus inimigos lhe dera essa coragem. Mas, assim que eles se foram, sua situação se revelou com
todas as dificuldades fatais. Destronada, prisioneira, sem amigos neste castelo inexpugnável
além de uma criança a quem ela mal dava atenção. E qual era o único e último fio que ligava suas
esperanças passadas às suas esperanças futuras? O que restava a Mary Stuart de seus dois tronos
e seu duplo poder? O nome dela, só isso. O nome com o qual, em liberdade, sem dúvida, ela
teria transformado a Escócia, mas que pouco a pouco seria apagado do coração de seus
partidários e que durante sua vida o esquecimento talvez cubra como uma mortalha. Essa ideia
era insuportável para uma alma tão elevada quanto a de Mary Stuart, e para uma compleição
que, como a das flores, necessitava, antes de tudo, de ar, luz e sol.
Felizmente lhe restava a mais amada das quatro Marys, que, sempre fiel e consoladora,
apressou-se a socorrê-la e reconfortá-la. Mas desta vez não estava fácil, e a rainha a deixou agir e
falar sem lhe responder de outra maneira que não com soluços e lágrimas. De repente, olhando
pela janela para onde tinha puxado a poltrona de sua senhora:
— A luz! — gritou ela. — Madame, a luz!
Ao mesmo tempo, ela levantou a rainha e, com o braço estendido na janela, mostrou-lhe o
farol, o eterno símbolo da esperança, que tinha reacendido no meio daquela noite escura na
colina de Kinross. Não havia possibilidade de erro: nenhuma estrela estava brilhando no céu.
— Senhor Deus, eu Vos dou graças — disse a rainha, ajoelhando-se e erguendo os braços
para o céu em um gesto de gratidão. — Douglas escapou, e meus amigos ainda estão de vigia.
Então, depois de uma oração fervorosa, que lhe restabeleceu um pouco de força, a rainha
voltou para o quarto e, cansada de suas diversas emoções sucessivas, dormiu um sono inquieto e
agitado, sobre o qual a infatigável Mary Seyton ficou de vigia até o amanhecer.
Como William Douglas dissera, a partir de então a rainha era realmente prisioneira e só
tinha permissão para descer ao jardim sob a vigilância de dois soldados. Mas esse
constrangimento lhe pareceu tão insuportável que ela preferiu desistir dessa distração, que,
cercada por tais condições, se tornou uma tortura. Então ela se trancou em seus aposentos,
encontrando um certo prazer amargo e orgulhoso no excesso de seu infortúnio.
CAPÍTULO VII

Oito dias após os eventos que relatamos, quando o sino do castelo soou nove da noite e a rainha e
Mary Seyton estavam sentadas à mesa onde trabalhavam em uma tapeçaria, uma pedra lançada
do pátio passou pelas barras da janela, quebrou um painel de vidro e caiu no quarto. A primeira
ideia da rainha foi acreditar que era acidental ou um insulto, mas Mary Seyton, dando meia-
volta, percebeu que a pedra estava embrulhada em um papel. Ela a pegou de imediato. O papel
era uma carta de George Douglas, concebida nos seguintes termos:
Você me mandou viver, madame. Obedeci, e Vossa Majestade percebeu, pela luz de Kinross,
que seus súditos continuam de vigia. No entanto, para não levantar suspeitas, os soldados reunidos
para aquela noite fatal se dispersaram ao amanhecer e não se reunirão novamente até uma nova
tentativa tornar necessária a presença deles. Mas, infelizmente, renovar essa tentativa agora,
enquanto os carcereiros de Vossa Majestade estão em alerta, seria sua ruína. Deixe que eles tomem
todas as precauções, então, madame. Deixe que eles durmam em segurança, enquanto nós, em nossa
devoção, continuaremos vigiando.
Paciência e coragem!
— Um coração corajoso e leal! — lamentou Mary. — Mais constantemente dedicado ao
infortúnio do que outros à prosperidade! Sim, terei paciência e coragem e, enquanto essa luz
brilhar, continuarei acreditando na liberdade.
Essa carta restituiu à rainha toda sua antiga coragem. Ela tinha meios de comunicação com
George por intermédio do Pequeno Douglas, pois sem dúvida foi ele quem atirou a pedra. Ela se
apressou a escrever uma carta para George, na qual lhe pedia para expressar sua gratidão a todos
os lordes que tinham assinado o protesto. E implorou a eles, em nome da fidelidade que juraram
a ela, que não esfriassem sua devoção, prometendo-lhes, por sua parte, aguardar o resultado com
a paciência e a coragem que lhe pediam.
A rainha não estava enganada. No dia seguinte, quando estava na janela, o Pequeno
Douglas veio brincar ao pé da torre e, sem levantar a cabeça, parou logo abaixo dela para cavar
uma armadilha para pegar pássaros. A rainha olhou para ver se não estava sendo observada e,
confirmando que aquela parte do pátio estava deserta, deixou cair a pedra envolvida em sua
carta. A princípio, teve medo de ter cometido um erro grave, pois o Pequeno Douglas sequer se
virou com o barulho. Depois de um instante, durante o qual o coração da prisioneira se apertou
com uma ansiedade terrível, o menino colocou a mão na pedra de um jeito indiferente e como se
estivesse procurando outra coisa e, sem se apressar, sem levantar a cabeça, sem dar nenhum sinal
de entendimento àquela que a jogara, colocou a carta no bolso, terminando com a maior calma o
trabalho começado e mostrando à rainha, com aquela frieza apesar da idade, que ela podia
depositar sua confiança nele.
A partir desse momento, a rainha recuperou novas esperanças. Mas dias, semanas e meses
se passaram sem nenhuma mudança na sua situação. O inverno chegou, a prisioneira viu a neve
espalhar-se pelas planícies e montanhas, e o lago, se ela pudesse passar pela porta sozinha,
oferecia um caminho firme para alcançar a outra margem. Mas nenhuma carta chegou durante
todo esse tempo para lhe trazer a notícia consoladora de que eles estavam ocupados com a
libertação dela. Somente a luz fiel anunciava todas as noites que um amigo estava de vigia.
Logo a natureza despertou de seu sono mortal: alguns raios de sol apressados atravessaram
as nuvens do céu sombrio da Escócia. A neve derreteu, o lago quebrou sua crosta de gelo, os
primeiros brotos se abriram, o relvado verde reapareceu. Tudo saiu de sua prisão com a alegre
aproximação da primavera, e foi uma grande tristeza para Mary ver que apenas ela estava
condenada a um inverno eterno.
Certa noite, ela finalmente pensou ter observado, pelos movimentos da luz, que algo novo
estava acontecendo. Ela tantas vezes tinha consultado essa pobre estrela bruxuleante e tantas
vezes tinha contado as batidas do coração mais de vinte vezes que, para se poupar da dor da
decepção, por um longo tempo não a consultou mais. No entanto, decidiu fazer uma última
tentativa e, quase sem esperança, colocou a luz perto da janela e imediatamente a tirou. Sempre
fiel ao sinal, a outra desapareceu no mesmo instante e reapareceu no décimo primeiro batimento
cardíaco da rainha. Ao mesmo tempo, por uma estranha coincidência, uma pedra que passava
pela janela caiu aos pés de Mary Seyton. Estava, como a primeira, embrulhada em uma carta de
George. A rainha a pegou das mãos de sua companheira, abriu e leu:
O momento se aproxima. Seus seguidores estão reunidos. Lembre-se de toda a sua coragem.
Amanhã, às onze da noite, solte a corda pela janela e puxe o pacote que estará preso a ela.
Restava nos aposentos da rainha toda a corda supérflua que tinha sido usada na escada
levada pelos guardas na noite da fuga frustrada. No dia seguinte, na hora marcada, as duas
prisioneiras apagaram a candeia no quarto, para que nenhuma luz pudesse traí-las, e Mary
Seyton, aproximando-se da janela, soltou a corda. Depois de um minuto, sentiu, pelo
movimento, que alguma coisa estava sendo presa a ela. Mary Seyton puxou, e um pacote bem
volumoso apareceu nas barras, mas não conseguiu passar por causa do tamanho. A rainha foi
ajudar sua companheira. O pacote foi desamarrado e os objetos que continha, separados uns dos
outros, passaram com facilidade. As duas prisioneiras os carregaram para o quarto e, barricadas
lá dentro, começaram um inventário. Havia dois uniformes masculinos completos da libré dos
Douglases. A rainha não entendeu nada quando viu uma carta presa à gola de um dos dois
casacos. Ansiosa por saber o significado desse enigma, ela a abriu imediatamente e leu o
seguinte:
Somente por ousadia Vossa Majestade poderá recuperar sua liberdade. Que Vossa Majestade
leia esta carta e siga pontualmente, se você se dignar a adotá-las, as instruções que encontrará nela.
Durante o dia, as chaves do castelo não saem do cinturão do velho mordomo. Quando soa o
toque de recolher e ele faz as rondas para garantir que todas as portas sejam fechadas rapidamente,
ele as entrega a William Douglas, que, se ficar acordado, as prende ao cinto da espada, ou, se
dormir, as coloca embaixo do travesseiro. Durante cinco meses, o Pequeno Douglas, a quem todos
estão acostumados a ver trabalhando na forja do armeiro do castelo, tem trabalhado em fazer
algumas chaves suficientemente parecidas com as outras para que, uma vez substituídas por elas,
William seja enganado. Ontem, o Pequeno Douglas terminou a última.
Na primeira oportunidade favorável, que Vossa Majestade saberá que está prestes a se
apresentar consultando cuidadosamente a luz todos os dias, o Pequeno Douglas trocará as chaves
falsas pelas verdadeiras, entrará no quarto da rainha e a achará vestida, bem como a senhorita
Mary Seyton, em roupas masculinas, e ele irá na frente das duas para liderá-las pelo caminho que
oferece as melhores chances de fuga. Um barco estará preparado e aguardará por vocês.
Até lá, todas as noites, tanto para se acostumar com essas novas roupas quanto para elas
parecerem usadas, Vossa Majestade e a senhorita Mary Seyton devem se vestir com esses
uniformes, que devem manter das nove horas até meia-noite. Além disso, é possível que, sem ter tido
tempo para avisá-las, o jovem guia possa procurá-las de repente. É imperativo, então, que ele as
encontre prontas.
As roupas devem servir perfeitamente em Vossa Majestade e sua companheira, tendo sido
tomadas medidas na senhorita Mary Fleming e na senhorita Mary Livingston, que são exatamente
do tamanho de vocês.
Não é demais recomendar que Vossa Majestade convoque para ajudá-la, nas circunstâncias
extremas em que se encontra, a frieza e a coragem das quais deu provas tão frequentes em outros
momentos.
As duas prisioneiras ficaram surpresas com a ousadia do plano: a princípio, elas se
entreolharam consternadas, pois o sucesso parecia impossível. Não obstante, elas
experimentaram o disfarce. Como George dissera, cabia nas duas como se tivesse sido feito sob
medida.
Durante um longo mês, todas as noites a rainha consultava a luz, como George
recomendara. Embora a luz não anunciasse nada de novo, a rainha e Mary Seyton se vestiam
com roupas masculinas, como havia sido combinado, de modo que ambas adquiriram o hábito e
se sentiam tão à vontade com elas quanto com as de seu próprio sexo.
Por fim, em 2 de maio de 1568, a rainha foi despertada pelo som da corneta. Alarmada
quanto ao que anunciava, vestiu um roupão e correu para a janela, onde Mary Seyton se juntou
imediatamente a ela. Um bando bem numeroso de cavaleiros tinha parado ao lado do lago,
exibindo a bandeira dos Douglases, e três barcos estavam remando juntos até o ponto de buscar
os recém-chegados.
Esse evento causou consternação à rainha. Em sua situação, a menor mudança na rotina do
castelo deveria ser temida, pois poderia perturbar todos os planos combinados. Essa apreensão
redobrou quando, nos barcos que se aproximavam, a rainha reconheceu o Lorde Douglas mais
velho, marido de Lady Lochleven e pai de William e George. O velho cavaleiro, que era o
Guardião das Marchas no norte, vinha visitar sua antiga mansão, na qual não pisava havia três
anos.
Era um evento para o Castelo de Lochleven. E, alguns minutos após a chegada dos barcos,
Mary Stuart ouviu os passos do velho mordomo subindo as escadas. Estava indo anunciar a
chegada de seu mestre à rainha e, como a volta do mestre deve ser um momento de alegria para
todos os habitantes do castelo, ele foi convidar a rainha para o jantar em comemoração ao evento.
Por instinto ou por aversão, a rainha recusou.
Durante todo o dia, o sino e a corneta soaram: Lorde Douglas, como um verdadeiro senhor
feudal, viajava com o séquito de um príncipe. Não se via nada além de novos soldados e serviçais
passando e repassando sob as janelas da rainha. Os lacaios e os cavalariços usavam, além disso,
um uniforme semelhante ao que a rainha e Mary Seyton tinham recebido.
Mary esperou a noite com impaciência. No dia anterior, ela consultara a luz, e recebera a
informação de sempre, reaparecendo no décimo primeiro ou décimo segundo batimento
cardíaco, de que o momento da fuga estava próximo. Mas ela temia muito que a chegada de
Lorde Douglas pudesse ter perturbado tudo e que o sinal desta noite anunciasse um adiamento.
Mas mal ela viu a luz brilhar quando colocou a candeia na janela. A outra luz desapareceu
imediatamente, e Mary Stuart, com uma terrível ansiedade, começou a consultá-la. Essa
ansiedade aumentou quando ela contou mais de quinze batidas. Então ela parou de contar,
abatida, e seus olhos se fixaram mecanicamente no local onde a luz estava. Mas seu espanto foi
grande quando, ao fim de alguns minutos, ela não a viu reaparecer e quando, depois de meia
hora, tudo permaneceu na escuridão. A rainha então renovou seu sinal, mas não obteve resposta:
a fuga seria naquela mesma noite.
A rainha e Mary Seyton esperavam tão pouco por esse evento que, ao contrário do costume,
não tinham vestido as roupas masculinas naquela noite. Elas correram imediatamente para o
quarto da rainha, fizeram uma barricada na porta e começaram a se vestir.
Mal tinham terminado a toalete apressada quando ouviram uma chave girar na fechadura.
Elas apagaram a candeia imediatamente. Passos leves se aproximaram da porta. As duas
mulheres se apoiaram uma na outra, pois ambas estavam quase caindo. Alguém bateu
suavemente. A rainha perguntou quem estava lá, e a voz do Pequeno Douglas respondeu com os
dois primeiros versos de uma antiga balada: “Douglas, Douglas, gentil e fiel”.
Mary abriu imediatamente: era a palavra de ordem combinada com George Douglas.
A criança estava sem luz. Ele estendeu a mão e encontrou a da rainha. Sob a luz das estrelas,
Mary Stuart viu-o ajoelhado, depois sentiu o toque dos lábios dele nos dedos.
— Vossa Majestade está pronta para me seguir? — perguntou ele em tom baixo, se
levantando.
— Sim, minha criança — respondeu a rainha. — É para esta noite, então?
— Com a permissão de Vossa Majestade, sim, é para esta noite.
— Está tudo pronto?
— Tudo.
— O que devemos fazer?
— Seguir-me para todos os lados.
— Meu Deus! Meu Deus! — lamentou Mary Stuart. — Tenha piedade de nós! — Então,
depois de ter feito uma breve oração em voz baixa enquanto Mary Seyton pegava a caixa onde
estavam as joias da rainha: — Estou pronta — disse ela. — E você, minha querida?
— Também estou — respondeu Mary Seyton.
— Venham, então — disse o Pequeno Douglas.
As duas prisioneiras seguiram a criança: a rainha na frente e Mary Seyton atrás. O jovem
guia fechou cuidadosamente a porta ao sair, para que, se houvesse uma ronda, nada fosse visto.
E começou a descer a escada sinuosa. No meio do caminho, o barulho do banquete os alcançou:
uma mistura de risadas, a confusão de vozes e o tilintar de taças. A rainha colocou a mão no
ombro do jovem guia.
— Aonde você está nos levando? — perguntou ela com pavor.
— Para fora do castelo — respondeu a criança.
— Mas teremos que passar pelo grande salão?
— Sem dúvida, e foi exatamente isso que George previu. Entre os lacaios, cujo uniforme
Vossa Majestade está usando, ninguém a reconhecerá.
— Meu Deus! Meu Deus! — murmurou a rainha, apoiada na parede.
— Coragem, madame — disse Mary Seyton em voz baixa —, ou estaremos perdidos.
— Tem razão — respondeu a rainha. — Vamos. — E eles recomeçaram, ainda liderados
pelo guia.
Ao pé da escada, ele parou e deu à rainha uma jarra de pedra cheia de vinho.
— Coloque este jarro no seu ombro direito, madame — disse. — Ele vai esconder seu rosto
dos convidados, e Vossa Majestade vai causar menos suspeita se carregar alguma coisa. Você,
senhorita Mary, me dê essa caixa e ponha na cabeça esta cesta de pão. Agora, isso mesmo: vocês
sentem que têm força?
— Sim — respondeu a rainha.
— Sim — respondeu Mary Seyton.
— Então sigam-me.
A criança seguiu pelo caminho e, depois de alguns passos, as fugitivas se viram numa
espécie de antecâmara do grande salão, de onde procediam ruídos e luzes. Vários serviçais
estavam ocupados ali com diferentes funções. Ninguém prestou atenção a eles, e isso
tranquilizou um pouco a rainha. Além disso, não havia mais como voltar: o Pequeno Douglas
tinha acabado de entrar no grande salão.
Os convidados, sentados em ambos os lados de uma mesa comprida de acordo com a
hierarquia que ocupavam, estavam começando a sobremesa e, consequentemente, tinham
chegado ao momento mais feliz da refeição. Além disso, o salão era tão grande que as candeias e
velas que o iluminavam, por mais numerosas que fossem, deixavam na meia-luz muito favorável
os dois lados do aposento, onde quinze ou vinte serviçais iam e vinham. A rainha e Mary Seyton
se misturaram a essa multidão, que estava ocupada demais para notá-las, e sem parar, sem
relaxar, sem olhar para trás, atravessaram toda a extensão do salão, alcançaram a outra porta e
foram parar no vestíbulo correspondente ao que tinham passado ao entrar. A rainha pousou o
jarro ali, Mary Seyton, a cesta, e as duas, ainda lideradas pela criança, entraram em um corredor
no fim do qual chegaram ao pátio. Uma patrulha estava passando no momento, mas não prestou
atenção a elas.
A criança seguiu em direção ao jardim, ainda seguida pelas duas mulheres. Lá foi
necessário experimentar durante algum tempo qual de todas as chaves abria a porta; foi um
momento de ansiedade inexprimível. Por fim, a chave girou na fechadura, e a porta se abriu. A
rainha e Mary Seyton correram para o jardim. A criança fechou a porta depois que passaram.
A cerca de dois terços do caminho, o Pequeno Douglas estendeu a mão como um sinal para
elas pararem. Em seguida, largando a caixa e as chaves no chão, ele juntou as mãos e soprou
nelas três vezes, imitando tão bem o grito de uma coruja que era impossível acreditar que uma
voz humana estivesse emitindo os sons. Depois, pegando a caixa e as chaves, seguiu na ponta
dos pés e com o ouvido atento. Ao se aproximarem do muro, eles pararam de novo e, após um
momento de espera e ansiedade, ouviram um gemido e algo como o som de um corpo caindo.
Alguns segundos depois, o grito da coruja foi respondido por um tu-uit-tu-ru.
— Acabou — disse o Pequeno Douglas com calma. — Venham.
— O que acabou? — perguntou a rainha. — E o que foi esse gemido que ouvimos?
— Havia uma sentinela na porta que dá para o lago — respondeu a criança —, mas ela não
está mais lá.
A rainha sentiu o sangue do coração gelar, ao mesmo tempo em que um suor frio irrompeu
na raiz dos cabelos, pois entendeu perfeitamente: um desafortunado tinha acabado de perder a
vida por causa dela. Cambaleando, ela se apoiou em Mary Seyton, que sentiu sua força perto de
abandoná-la. Enquanto isso, o Pequeno Douglas estava experimentando as chaves: a segunda
abriu a porta.
— E a rainha? — disse em voz baixa um homem que estava esperando do outro lado do
muro.
— Ela está me seguindo — respondeu a criança.
George Douglas, pois era ele, saltou para o jardim e, pegando o braço da rainha de um lado
e o de Mary Seyton do outro, conduziu-as rapidamente para a margem do lago. Ao passar pela
porta, Mary Stuart não conseguiu deixar de lançar um olhar desconfortável ao redor. Pareceu-
lhe que um objeto disforme estava caído na base do muro, e ela estremeceu.
— Não tenha pena dele — disse George em voz baixa —, pois é um julgamento do céu.
Esse homem era o infame Warden, que nos traiu.
— Ai de mim! — disse a rainha. — Por mais culpado que fosse, ele morreu por minha
causa.
— Quando se trata de sua segurança, madame, é possível pechinchar com algumas gotas de
sangue desprezível? Mas silêncio! Por aqui, William, por aqui. Continuemos ao longo do muro,
cuja sombra nos oculta. O barco está a vinte passos de distância, e estaremos salvos.
Com essas palavras, George apressou ainda mais as duas mulheres, e os quatro, sem serem
detectados, chegaram às margens do lago. Como Douglas havia dito, um pequeno barco estava
esperando. E, ao verem os fugitivos se aproximando, quatro remadores, deitados no fundo,
levantaram-se, e um deles, saltando para a terra, puxou a corrente, para que a rainha e Mary
Seyton pudessem entrar. Douglas as sentou na proa, a criança se colocou no leme e George, com
um chute, empurrou o barco, que começou a deslizar por sobre o lago.
— E agora — disse ele — estamos realmente salvos, pois seria mais fácil perseguir uma
andorinha do mar no Estreito de Solway do que tentar nos alcançar. Remem, crianças, remem.
Não importa se eles nos ouvirem: o principal é ganhar distância.
— Quem vai lá? — gritou uma voz do alto, no terraço do castelo.
— Remem, remem — disse Douglas, colocando-se na frente da rainha.
— O barco! O barco! — gritou a mesma voz. — Tragam o barco! — Então, vendo que ele
continuava a recuar: — Traição! Traição! — gritou a sentinela. — Às armas!
Nesse mesmo instante, um clarão iluminou o lago. O barulho de uma arma de fogo foi
ouvido e uma bala passou assobiando. A rainha soltou um gritinho, embora não tivesse corrido
nenhum perigo, pois George, como dissemos, tinha se colocado na frente dela, protegendo-a
com o próprio corpo.
O alarme soou, e todas as luzes do castelo foram vistas se movendo e correram como loucas
pelos aposentos.
— Coragem, crianças! — disse Douglas. — Remem como se suas vidas dependessem de
cada golpe do remo, pois em menos de cinco minutos o esquife estará atrás de nós.
— Não será tão fácil para eles como você pensa, George — disse o Pequeno Douglas —,
porque eu tranquei todas as portas ao passar, e algum tempo vai ter decorrido antes que as
chaves que deixei lá as abram. Quanto a estas — acrescentou ele, mostrando as que tinha
subtraído com habilidade —, eu as entrego a Kelpie, o gênio do lago, e o nomeio porteiro do
Castelo de Lochleven.
A descarga de um pequeno pedaço de artilharia respondeu à piada de William. Mas, como
a noite estava escura demais para alguém mirar na distância já existente entre o castelo e o barco,
a bola ricocheteou a vinte passos dos fugitivos, enquanto o barulho desaparecia com um eco.
Então Douglas sacou a pistola do cinto e, alertando as damas para não terem medo, deu um tiro
para o ar, não para responder com uma bravata fútil ao canhão do castelo, mas para avisar a uma
tropa de amigos fiéis que estavam esperando por eles na outra margem do lago que a rainha
havia escapado. Imediatamente, apesar do perigo de estar tão perto de Kinross, ouviram-se
gritos de alegria na margem e, com William virando o leme, o esquife partiu em direção ao local
onde tinham sido ouvidos. Douglas estendeu a mão para a rainha, que saltou delicadamente para
a terra e, ajoelhando-se, começou imediatamente a agradecer a Deus por sua feliz libertação.
Ao se levantar, a rainha se viu cercada por seus súditos mais fiéis: Hamilton, Herries e
Seyton, pai de Mary. Louca de alegria, a rainha estendeu as mãos para eles, agradecendo com
palavras interrompidas, que expressavam seu torpor e sua gratidão melhor do que as frases mais
bonitas poderiam ter feito, quando, de repente, virando-se para trás, ela percebeu George
Douglas triste e deslocado. Então, indo até ele e pegando-o pela mão:
— Milordes — disse ela, apresentando George a eles e apontando para William —,
contemplem meus dois libertadores. Esses são aqueles a quem, enquanto eu viver, preservarei
uma gratidão que nada jamais vai satisfazer.
— Madame — disse Douglas —, cada um de nós fez apenas o que deveria, e quem assumiu
o maior risco é o mais feliz. Mas, se Vossa Majestade acredita em mim, não perderá um só
minuto com palavras desnecessárias.
— Douglas está certo — disse Lorde Seyton. — Aos cavalos! Aos cavalos!
Imediatamente, e enquanto quatro mensageiros partiram em quatro direções diferentes
para anunciar aos amigos da rainha sua feliz fuga, eles trouxeram um cavalo selado para ela, que
o montou com sua habilidade usual. Em seguida, a pequena tropa, composta por cerca de vinte
pessoas, escoltou o futuro destino da Escócia, afastando-se da vila de Kinross, para a qual os
tiros do castelo sem dúvida tinham dado o alarme, e tomou a galope a estrada até o castelo de
Seyton, onde já havia uma guarnição grande o suficiente para defender a rainha de um ataque
repentino.
A rainha cavalgou a noite toda, acompanhada de um lado por Douglas e, do outro, por
Lorde Seyton. Depois, ao raiar do dia, eles pararam no portão do Castelo de West Niddrie,
pertencente a Lorde Seyton, como dissemos, e situado em West Lothian. Douglas saltou do
cavalo para oferecer a mão a Mary Stuart, mas Lorde Seyton reivindicou seu privilégio como
dono da casa. A rainha consolou Douglas com um olhar e entrou na fortaleza.
— Madame — disse Lorde Seyton, levando-a a um quarto preparado para ela durante nove
meses —, Vossa Majestade deve precisar de repouso, depois do cansaço e das emoções que viveu
desde a manhã de ontem. Pode dormir tranquila e não se preocupar com nada. Qualquer ruído
que ouvir será causado por um reforço de amigos que estamos esperando. Quanto aos nossos
inimigos, Vossa Majestade não tem nada a temer enquanto habitar o castelo de um Seyton.
A rainha agradeceu novamente a todos os seus libertadores, deu a mão a Douglas para
beijar mais uma última vez, beijou o Pequeno William na testa e o nomeou seu pajem preferido
para o futuro. Depois, aproveitando o conselho que lhe foi dado, entrou em seu quarto, onde
Mary Seyton, excluindo todas as outras mulheres, reivindicou o privilégio de cumprir com ela os
deveres dos quais fora encarregada durante os onze meses de cativeiro no Castelo de Lochleven.
Quando abriu os olhos, Mary Stuart pensou ter tido um daqueles sonhos tão dolorosos para
os prisioneiros que, ao acordar, veem novamente as trancas nas portas e as barras nas janelas.
Então a rainha, sem conseguir acreditar no testemunho de seus sentidos, correu seminua até a
janela. O pátio estava cheio de soldados, e esses soldados eram todos amigos que tinham
chegado rapidamente com a notícia de sua fuga. Ela reconheceu os estandartes de seus amigos
fiéis: os Seytons, os Arbroaths, os Herries e os Hamiltons. Mal foi vista na janela quando todos
esses estandartes se curvaram diante dela com gritos repetidos centenas de vezes: “Viva, Mary
da Escócia! Vida longa à nossa rainha!”. Então, sem prestar atenção à sua falta de roupa, bela e
casta com sua emoção e sua felicidade, ela os saudou, os olhos cheios de lágrimas. Mas dessa vez
eram lágrimas de alegria. No entanto, a rainha percebeu que estava seminua e, corando por ter se
empolgado com o êxtase, recuou abruptamente, vermelha pela confusão.
Então ela teve um súbito medo feminino: tinha fugido do Castelo de Lochleven usando o
uniforme dos Douglases, e sem a ideia ou a oportunidade de levar roupas femininas consigo.
Mas não podia continuar vestida como homem. Explicou sua inquietação a Mary Seyton, que
respondeu abrindo os armários no quarto da rainha. Estavam repletos não apenas de vestidos,
cuja medida, como a do uniforme, fora tirada de Mary Fleming, mas também de todos os itens
necessários para a toalete de uma mulher. A rainha ficou surpresa: era como estar em um castelo
de fadas.
— Minha querida — disse ela, olhando para cada um dos vestidos, todos escolhidos com
bom gosto. — Eu sabia que seu pai era um cavaleiro corajoso e leal, mas não achava que ele
entendesse tanto de toalete. Vamos chamá-lo de secretário do guarda-roupa.
— Ah, madame! — respondeu Mary Seyton, sorrindo. — Você não está enganada: meu pai
fez tudo no castelo ser polido até o último peitoral, afiado até a última espada, desenrolado até o
último estandarte, mas meu pai, por mais que esteja preparado para morrer por Vossa
Majestade, não teria sonhado nem por um instante em lhe oferecer nada além de seu teto para
descansar ou seu casaco para cobri-la. Mais uma vez, foi Douglas que previu tudo, preparou
tudo. Até Rosabelle, a égua preferida de Vossa Majestade, que espera impacientemente no
estábulo pelo momento em que, montada nela, Vossa Majestade fará sua reentrada triunfal em
Edimburgo.
— E como ele conseguiu recuperá-la? — perguntou Mary. — Achei que, na divisão do meu
espólio, Rosabelle tinha ficado com a bela Alice, a sultana preferida do meu irmão.
— Sim, sim — disse Mary Seyton —, foi mesmo. E, como o valor de Rosabelle era
conhecido, ela foi mantida trancada por um exército de cavalariços, mas Douglas é o homem dos
milagres, e, como eu lhe disse, Rosabelle espera por Vossa Majestade.
— Nobre Douglas! — murmurou a rainha, com os olhos cheios de lágrimas. Então, como
se estivesse falando consigo mesma: — E essa é exatamente uma das devoções que nunca
poderemos retribuir. Os outros ficarão felizes com honras, propriedades, dinheiro, mas qual é o
sentido dessas coisas todas para Douglas?
— Ora, madame — disse Mary Seyton. — Deus se encarrega das dívidas dos reis; Ele
recompensará Douglas. Quanto a Vossa Majestade, eles a estão esperando para comer. Espero
— acrescentou ela, sorrindo — que não afronte meu pai, como fez ontem com Lorde Douglas,
ao se recusar a participar do banquete de bom retorno.
— E a sorte chegou para mim, espero — respondeu Mary. — Mas você está certa, minha
querida: chega de pensamentos tristes. Quando de fato nos tornarmos rainha de novo, vamos
pensar no que podemos fazer por Douglas.
A rainha se vestiu e desceu. Como Mary Seyton lhe dissera, os principais nobres de seus
defensores, já reunidos ao seu redor, esperavam por ela no grande salão do castelo. Sua chegada
foi recebida pelas aclamações mais entusiasmadas, e ela se sentou à mesa, com Lorde Seyton à
direita, Douglas à esquerda e atrás dela o Pequeno William, que no mesmo dia começava seus
deveres como pajem.
Na manhã seguinte, a rainha acordou ao som de trombetas e cornetas: no dia anterior, tinha
sido decidido que ela partiria naquele dia para Hamilton, onde esperariam por novos reforços. A
rainha vestia um elegante traje de amazona e logo, montada em Rosabelle, apareceu entre seus
defensores. Os gritos de alegria redobraram: todos admiravam sua beleza, sua graça e sua
coragem. Mary Stuart voltou a ser ela mesma e sentiu ressurgir o poder fascinante que sempre
exercera sobre aqueles que se aproximavam dela. Todos estavam de bom humor, e o mais feliz
de todos talvez fosse o Pequeno William, que pela primeira vez na vida tinha um traje muito
bonito e um cavalo muito bonito.
Dois ou três mil homens aguardavam a rainha em Hamilton, aonde chegou na mesma
noite. Durante a noite seguinte à sua chegada, as tropas aumentaram para seis mil. Em 2 de
maio, ela era prisioneira, sem nenhum amigo exceto uma criança na prisão, sem outros meios de
comunicação com seus partidários além da luz trêmula e incerta de uma candeia. Três dias
depois, ou seja, de domingo para quarta-feira, ela estava não apenas livre, mas também à frente
de uma poderosa confederação, que contava com nove condes, oito lordes, nove bispos e
inúmeros barões e nobres reconhecidos entre os mais valentes da Escócia.
O conselho dos mais sábios entre os que cercavam a rainha era para ela se trancar na
Fortaleza de Dumbarton, que, sendo inexpugnável, daria a todos os seus partidários tempo para
se reunirem, por mais distantes e dispersos que estivessem. Por conseguinte, o comando das
tropas que conduziriam a rainha até aquela cidade foi confiado ao Conde de Argyll e, em 11 de
maio, ela partiu com um exército de quase dez mil homens.
Murray estava em Glasgow quando soube da fuga da rainha. O local era forte; ele decidiu
segurá-lo e convocou seus partidários mais corajosos e mais dedicados para irem até lá.
Kirkcaldy de Grange, Morton, Lindsay de Byres, Lorde Lochleven e William Douglas
correram até ele, e seis mil das melhores tropas do reino se reuniram ao seu redor, enquanto
Lorde Ruthven, nos Condados de Berwick e Angus, cobrava taxas para se unir a eles.
Em 13 de maio, Morton ocupou ao amanhecer a vila de Langside, por onde a rainha tinha
que passar para chegar a Dumbarton. A notícia da ocupação chegou à rainha, pois os dois
exércitos ainda estavam a onze quilômetros de distância. O primeiro instinto de Mary foi evitar
o conflito. Lembrou-se de sua última batalha em Carberry Hill, após a qual foi separada de
Bothwell e levada para Edimburgo. Ela expressou em voz alta essa opinião, apoiada por George
Douglas, que, vestido com uma armadura negra sem brasão de armas, continuava ao lado da
rainha.
— Evitar a batalha! — gritou Lorde Seyton, não ousando responder à sua soberana e
respondendo a George como se essa opinião tivesse sido proferida por ele. — Talvez
pudéssemos fazer isso se fôssemos um contra dez, mas certamente não o faremos quando somos
três contra dois. Você fala uma língua estranha, meu jovem mestre — continuou ele, com algum
desprezo. — E parece se esquecer de que é um Douglas e está falando com um Seyton.
— Milorde — respondeu George calmamente —, quando estivermos arriscando apenas a
vida de Douglases e Seytons, você me encontrará, espero, tão pronto para lutar quanto você, seja
em um contra dez ou três contra dois. Mas agora somos responsáveis por uma existência mais
querida na Escócia do que a de todos os Seytons e todos os Douglases. Meu conselho é para
evitar a batalha.
— Batalha! Batalha! — gritaram todos os líderes.
— Está ouvindo, madame? — disse Lorde Seyton para Mary Stuart. — Acredito que agir
contra tamanha unanimidade seria perigoso. Na Escócia, madame, há um antigo provérbio que
diz que “há muita prudência na coragem”.
— Mas você não ouviu que o regente assumiu uma posição vantajosa? — indagou a rainha.
— O galgo caça a lebre na encosta e na planície — respondeu Seyton. — Nós o
expulsaremos, onde quer que ele esteja.
— Que seja como vocês desejam, então, milordes. Não se dirá que Mary Stuart embainhou
a espada que seus defensores sacaram por ela.
E, virando-se para Douglas:
— George — disse ela —, escolha uma guarda de vinte homens para mim e assuma o
comando deles. Você não vai me deixar.
George curvou-se em obediência, escolheu vinte dentre os homens mais corajosos, colocou
a rainha no meio deles e se colocou à frente. Então as tropas, que tinham parado, receberam a
ordem de continuar seu caminho. Em duas horas a guarda avançada avistou o inimigo. Ela
parou, e o resto do exército se juntou a ela.
Os soldados da rainha estavam em uma linha paralela à cidade de Glasgow, e as montanhas
que se erguiam à frente deles já estavam ocupadas por um exército acima do qual flutuavam,
como acima de Mary, os estandartes reais da Escócia. Do outro lado, e na encosta oposta,
estendia-se a vila de Langside, cercada por terrenos fechados e jardins. A estrada que levava a
ela, e que seguia todos os acidentes do solo, estreitava-se em um lugar de tal maneira que dois
homens mal podiam passar lado a lado. Mais adiante, se perdia em uma ravina, depois da qual
reaparecia e se ramificava em duas, das quais uma subia para a vila de Langside, enquanto a
outra levava a Glasgow.
Ao ver a disposição do terreno, o Conde de Argyll imediatamente compreendeu a
importância de ocupar essa vila e, voltando-se para Lorde Seyton, ordenou que ele galopasse e
tentasse chegar lá antes do inimigo, que sem dúvida, tendo feito a mesma observação como
comandante do exército real, estava colocando em movimento naquele instante um considerável
corpo de cavalaria.
Lorde Seyton chamou seus homens imediatamente, mas, enquanto ele os reunia ao redor
do estandarte, Lorde Arbroath sacou a espada e se aproximou do Conde de Argyll.
— Milorde — disse ele —, você me despreza ao ordenar que Lorde Seyton ocupe esse
cargo. Como comandante da guarda avançada, é a mim que essa honra pertence. Permita-me,
então, usar meu privilégio de reivindicá-la.
— Fui eu quem recebeu a ordem de tomá-lo! Sou eu que vou tomá-lo! — gritou Seyton.
— Talvez — retrucou Lorde Arbroath —, mas não antes de mim!
— Antes de você e antes de todos os Hamiltons do mundo! — exclamou Seyton, galopando
com o cavalo e correndo para a estrada profunda.
— São Bennet! E adiante!
— Venham, meus fiéis! — gritou Lorde Arbroath, avançando de lado na mesma direção.
— Venham, meus homens de armas! Por Deus e pela rainha!
As duas tropas imediatamente se precipitaram desordenadas e entraram em conflito no
caminho estreito, por onde, como dissemos, dois homens dificilmente conseguiriam passar lado
a lado. Houve uma terrível colisão ali, e a briga começou entre amigos que deveriam estar unidos
contra o inimigo. Finalmente, as duas tropas, deixando para trás alguns cadáveres sufocados
pela pressão ou mesmo mortos por seus companheiros, passaram pelo desfiladeiro e se perderam
de vista na ravina. Porém, durante essa luta, Seyton e Arbroath tinham perdido um tempo
precioso, e o destacamento enviado por Murray, que tinha tomado a estrada para Glasgow,
chegara antes à vila. Agora era necessário não pegá-la, mas recuperá-la.
Argyll viu que a luta do dia inteiro se concentraria ali e, compreendendo cada vez mais a
importância da vila, imediatamente se colocou à frente do corpo de seu exército, ordenando que
uma retaguarda de dois mil homens permanecesse ali e aguardasse mais ordens para participar
dos combates. Mas quer o capitão que os comandava não tivesse entendido ou estivesse ansioso
para se distinguir aos olhos da rainha, Argyll mal tinha desaparecido na ravina, no fim da qual a
luta já tinha começado entre Kirkcaldy de Grange e Morton por um lado e por outro entre
Arbroath e Seyton, ele, sem considerar os gritos de Mary Stuart, partiu a galope, deixando a
rainha sem nenhuma outra guarda além da pequena escolta de vinte homens que Douglas tinha
escolhido para ela. Douglas suspirou.
— Ai de mim! — disse a rainha, ouvindo-o. — Não sou um soldado, mas parece-me que a
batalha começou muito mal.
— O que devemos fazer? — respondeu Douglas. — Estamos todos, do primeiro ao último,
em um estado de vertigem, e todos esses homens hoje estão se comportando como loucos ou
crianças.
— Vitória! Vitória! — disse a rainha. — O inimigo está recuando. Vejo os estandartes de
Seyton e Arbroath flutuando perto das primeiras casas da vila. Ah! Meus bravos lordes! —
exclamou ela, batendo palmas. — Vitória! Vitória!
Mas ela parou de repente ao perceber um corpo do exército inimigo avançando para atacar
os vencedores no flanco.
— Não é nada, não é nada — disse Douglas. — Enquanto houver apenas cavalaria, não
temos muito a temer e, além do mais, o Conde de Argyll chegará a tempo de ajudá-los.
— George — disse o Pequeno William.
— Sim? — perguntou Douglas.
— Você não está vendo? — continuou a criança, estendendo os braços em direção à força do
inimigo, que vinha a galope.
— O quê?
— Cada cavaleiro carrega um arcabuzeiro nas costas, de modo que a tropa é duas vezes
mais numerosa do que parece.
— É verdade! Pela minha alma, a criança tem uma boa visão. Que alguém saia a galope
imediatamente e leve essas notícias para o Conde de Argyll.
— Eu! Eu! — gritou o Pequeno William. — Eu os vi primeiro; é meu direito levar a notícia.
— Vá, então, minha criança — disse Douglas. — E que Deus o proteja!
O menino voou, rápido como um raio, sem ouvir ou fingindo não ouvir a rainha, que o
estava chamando. Ele foi visto atravessando o desfiladeiro e mergulhando na estrada profunda
no momento em que Argyll estava desembocando no fim para ajudar Seyton e Arbroath.
Enquanto isso, o destacamento do inimigo tinha desmontado sua infantaria, que, imediatamente
formada, se espalhava pelos lados da ravina por caminhos impraticáveis para os cavalos.
— William chegará tarde demais! — gritou Douglas. — Ou, mesmo que chegasse a tempo,
a notícia agora é inútil para eles. Ó, tolos, tolos que somos! Foi assim que perdemos todas as
nossas batalhas!
— A batalha está perdida? — quis saber Mary, ficando pálida.
— Não, madame, não — respondeu Douglas. — Graças aos Céus, ainda não, mas, com
muita pressa, começamos mal.
— E William? — indagou Mary Stuart.
— Ele agora está servindo como aprendiz em armas, pois, se não me engano, ele deve estar
neste momento no local exato em que esses arcabuzeiros estão fazendo descargas rápidas.
— Pobre criança! — lamentou a rainha. — Se algum mal lhe acontecer, nunca me
consolarei.
— Infelizmente, madame — respondeu Douglas —, temo muito que sua primeira batalha
seja sua última e que tudo esteja terminado para ele. Pois, se não me engano, o cavalo dele está
voltando sem cavaleiro.
— Ai, meu Deus! Meu Deus! — disse a rainha, chorando e levantando as mãos para o céu.
— Já foi dito que eu seria fatal para todos que me rodeiam!
George não estava enganado: era o cavalo de William voltando sem seu jovem mestre e
todo coberto de sangue.
— Madame — disse Douglas —, estamos mal posicionados aqui. Vamos subir a colina
sobre a qual está o Castelo de Crookstone. De lá avaliaremos todo o campo de batalha.
— Não, lá não! Lá não! — disse a rainha aterrorizada. — Foi nesse castelo que passei os
primeiros dias do meu casamento com Darnley. Ele me traria má sorte.
— Bem, sob o teixo, então — disse George, apontando para outra colina perto da primeira
—, mas é importante não perdermos nenhum detalhe desse conflito. Tudo pode depender, para
Vossa Majestade, de uma manobra mal julgada ou de um momento perdido.
— Guie-me, então — disse a rainha —, pois, quanto a mim, não vejo mais nada. Cada tiro
dessa terrível artilharia ecoa nas profundezas do meu coração.
Por mais bem posicionado que fosse esse posto para observar do alto todo o campo de
batalha, os tiros reiterados de canhões e mosquetes cobriam-no com uma nuvem de fumaça que
tornava impossível distinguir qualquer coisa, exceto as massas perdidas em meio a uma névoa
assassina. Finalmente, depois de uma hora nesse conflito desesperado, os fugitivos foram vistos
emergindo pelas extremidades desse mar de fumaça e se dispersando em todas as direções,
seguidos pelos vencedores. Só que, daquela distância, era impossível distinguir quem tinha
ganhado ou perdido a batalha, e os estandartes, que de ambos os lados exibiam o brasão de
armas da Escócia, não conseguiam esclarecer essa confusão.
Naquele momento, foram vistas descendo das encostas de Glasgow toda a reserva restante
do exército de Murray. Estava chegando a toda velocidade para se engajar na luta, mas essa
manobra poderia ter igualmente como objetivo apoiar os amigos derrotados ou completar a
derrota do inimigo. No entanto, logo não havia mais dúvida, pois a reserva atacou os fugitivos,
dentre os quais espalhou uma nova confusão. O exército da rainha tinha sido derrotado. Ao
mesmo tempo, três ou quatro cavaleiros apareceram do outro lado da ravina, avançando a
galope. Douglas os reconheceu como inimigos.
— Fuja, madame — exclamou George —, fuja sem perder um segundo, pois aqueles que
estão vindo até nós são seguidos por outros. Pegue a estrada, enquanto eu vou impedi-los. E
vocês — acrescentou ele, dirigindo-se à escolta —, sejam assassinados até o último homem, mas
não deixem que eles levem sua rainha.
— George! George! — gritou a rainha, imóvel e como se estivesse presa no local.
Mas George já tinha disparado com toda a velocidade do cavalo e, como sua montaria era
esplêndida, voou pelo espaço com a rapidez de um raio e alcançou o desfiladeiro antes do
inimigo. Lá ele parou, descansou a lança e, sozinho contra cinco, aguardou bravamente o
encontro.
Quanto à rainha, ela não tinha vontade de ir embora, mas, pelo contrário, como se estivesse
petrificada, permanecia no mesmo lugar, os olhos fixos no combate que ocorria a apenas
quinhentos passos. De repente, olhando para os inimigos, ela viu que um deles carregava no
meio do escudo um coração sangrando, o brasão de armas dos Douglases. Então ela soltou um
grito de dor e baixou a cabeça.
— Douglas contra Douglas! Irmão contra irmão! — murmurou ela. — Só me faltava esse
último golpe.
— Madame, madame — gritaram os soldados da escolta —, não temos nem um instante a
perder. O jovem mestre Douglas não vai aguentar muito tempo sozinho contra cinco. Vamos
fugir! Vamos fugir! — E dois deles, pegando o cavalo da rainha pelas rédeas, colocaram-no a
galope no momento em que George, depois de ter derrotado dois de seus inimigos e ferido um
terceiro, foi jogado no chão, atingido no coração pela ponta de uma lança. A rainha gemeu ao vê-
lo cair. Então, como se ele a tivesse detido e como, se ele estivesse morto, ela não tivesse interesse
em mais nada, ela colocou Rosabelle a galope, e como ela e sua tropa tinham montarias
esplêndidas, logo perderam de vista o campo de batalha.
Ela fugiu assim por cem quilômetros, sem descansar e sem parar de chorar ou suspirar.
Finalmente, tendo atravessado os Condados de Renfrew e Ayr, chegou à Abadia de
Dundrennan, em Galloway, e certa de estar, pelo menos por enquanto, protegida de todo perigo,
ela deu a ordem de parar. O prior a recebeu respeitosamente no portão do convento.
— Trago-lhe infortúnio e ruína, padre — disse a rainha, saltando do cavalo.
— Eles são bem-vindos — respondeu o prior —, já que vêm a mim acompanhados pelo
dever.
A rainha entregou Rosabelle aos cuidados de um dos homens de armas que a acompanhava
e, apoiando-se em Mary Seyton, que não a deixara nem por um instante, e em Lorde Herries,
que se juntou a ela na estrada, entrou no convento.
Lorde Herries não escondeu sua posição de Mary Stuart. A batalha estava completamente
perdida e, com a batalha, pelo menos por enquanto, todas as esperanças de ascender ao trono da
Escócia. Restavam apenas três soluções para a rainha: se refugiar na França, na Espanha ou na
Inglaterra. Seguindo o conselho de Lorde Herries, que concordava com o sentimento dela, a
rainha escolheu a última. Naquela mesma noite, escreveu esta dupla missiva em verso e prosa
para Elizabeth:
Minha querida irmã,
Muitas vezes pedi para você receber meu barco agitado no seu porto durante a tempestade. Se,
nesse ponto, ele encontrar um porto seguro aí, jogarei minhas âncoras aí para sempre. Caso
contrário, o barco está sob os cuidados de Deus, pois está pronto e calafetado para se defender em
sua viagem contra todas as tempestades. Procedi abertamente com você, e ainda o faço. Não pense
nenhum mal por eu escrever assim. Não é um desafio a você, como parece, pois em tudo eu confio na
sua amizade.
Este soneto acompanhou a carta:
Um só pensamento me domina e perturba
Amargo e doce oscila em meu coração sem cessar
Entre dúvida e esperança a me assolar,
Enquanto a paz e o repouso estão distantes.
Então, cara irmã, se esta carta segue
A afeição de vê-la que me oprime,
É porque vivo em dor e tristeza,
Tão prontamente doce efeito não prossegue.
Vi meu navio abrandar por sujeição
Em alto-mar, perto de aportar
E o sereno tempo se transformar em perturbação;
Assim vivo com medo e preocupação;
Não por você, mas muitas vezes a errar
Fortuna que rompe vela e cordame em combinação!11
Elizabeth tremeu de alegria ao receber essa dupla carta. Durante os oito anos em que sua
inimizade aumentava diariamente em relação a Mary Stuart, ela sempre a seguia com os olhos,
como um lobo a uma gazela. E finalmente a gazela procurava refúgio no covil do lobo. Elizabeth
nunca teve tanta esperança. Enviou imediatamente uma ordem ao xerife de Cumberland para
informar a Mary que estava pronta para recebê-la. Certa manhã, eles ouviram o som de cornetas
na orla: o enviado da Rainha Elizabeth tinha ido buscar a Rainha Mary Stuart.
Então surgiram grandes pedidos à fugitiva para que ela não confiasse tanto assim em uma
rival em poder, glória e beleza. Mas a pobre rainha despossuída confiava naquela que chamava
de boa irmã e acreditava que estava indo, livre e sem pretensões, assumir na corte de Elizabeth o
lugar devido a sua posição e seus infortúnios. E assim ela persistiu, apesar de tudo que lhe era
dito. Em nosso tempo, vimos a mesma tontura capturar outro fugitivo real, que, assim como
Mary Stuart, confiou na generosidade da Inglaterra, sua inimiga. Assim como Mary Stuart, ele
foi cruelmente punido por essa confiança e encontrou, no clima mortal de St. Helena, o patíbulo
de Fotheringay.
Mary Stuart partiu em sua jornada, então, com um pequeno séquito. Chegando às margens
do Golfo de Solway, ela encontrou o Guardião de Todas as Marchas Inglesas. Era um cavalheiro
chamado Lowther, que recebeu a rainha com o maior respeito, mas que a fez entender que não
podia permitir que mais de três de suas mulheres a acompanhassem. Mary Seyton
imediatamente reivindicou seu privilégio, e a rainha lhe estendeu a mão.
— Ai de mim, minha querida! — disse ela. — Deve ser a vez de outra pessoa. Você já
sofreu o suficiente por mim e comigo.
Mas Mary, incapaz de responder, agarrou-se à mão dela, fazendo um sinal com a cabeça de
que nada no mundo deveria separá-la de sua senhora. Então todos aqueles que haviam
acompanhado a rainha renovaram suas súplicas para que ela não persistisse nessa resolução fatal.
E, quando ela já estava a um terço do caminho ao longo da prancha colocada para ela entrar no
esquife, o Prior de Dundrennan, que tinha oferecido a Mary Stuart uma hospitalidade tão
perigosa e comovente, mergulhou na água até os joelhos para tentar impedi-la. Mas tudo era
inútil; a rainha estava decidida.
Nesse momento, Lowther se aproximou dela.
— Madame — disse ele —, lamento novamente que eu não possa oferecer uma recepção
calorosa na Inglaterra a todos que desejam segui-la até lá, mas nossa rainha nos deu ordens
irrefutáveis, e é nosso dever executá-las. Posso lembrar a Vossa Majestade que a maré está
favorável?
— Ordens irrefutáveis! — gritou o prior. — Está ouvindo isso, madame? Ah! Você está
perdida se sair desta orla! Volte enquanto ainda há tempo! Volte, madame, em nome do Céu! A
mim, cavaleiros, a mim! — exclamou ele, voltando-se para Lorde Herries e os outros lordes que
tinham acompanhado Mary Stuart. — Não permitam que sua rainha os abandone. Vocês devem
lutar imediatamente contra ela e contra os ingleses. Segurem-na, milordes, em nome do Céu!
Segurem-na!
— O que significa essa violência, senhor padre? — indagou o Guardião das Marchas. — Eu
vim aqui por ordem expressa da sua rainha. Ela é livre para retornar com você, e não há
necessidade de recorrer à força para isso. — Então, dirigindo-se à rainha: — Madame — disse
ele —, é de sua plena e total vontade me seguir até a Inglaterra? Responda, imploro, pois é
importante para minha honra que o mundo inteiro saiba que você me seguiu por livre e
espontânea vontade.
— Senhor — respondeu Mary Stuart —, peço desculpas, em nome deste digno servo de
Deus e de sua rainha, pelas ofensas que ele fez a você. Saio por livre e espontânea vontade da
Escócia e me coloco em suas mãos, confiando que serei livre para permanecer na Inglaterra com
minha irmã real ou para retornar à França para meus parentes dignos. — Depois, voltando-se
para o padre: — Sua bênção, padre, e que Deus o proteja!
— Ai de mim! Ai de mim! — murmurou o abade, obedecendo à rainha. — Não somos nós
que precisamos da proteção de Deus, mas você, minha filha. Que a bênção de um pobre
sacerdote desvie de sua cabeça real os infortúnios que prevejo! Vá, e que recaia sobre você o que
o Senhor ordenou em Sua sabedoria e Sua misericórdia!
Então a rainha estendeu a mão ao xerife, que a conduziu ao esquife, seguida por Mary
Seyton e apenas duas outras mulheres. As velas foram imediatamente baixadas, e a pequena
embarcação começou a se afastar das margens de Galloway para avançar em direção a
Cumberland. Enquanto puderam vê-la, aqueles que acompanharam a rainha permaneceram na
praia, dando adeus, e ela, de pé na popa da embarcação que a levava, respondia acenando com
um lenço. Finalmente, o barco desapareceu, e todos explodiram em lamentações ou soluços.
Eles tinham razão, pois o pressentimento do bom Prior de Dundrennan era verdadeiro demais, e
aquela foi a última vez em que viram Mary Stuart.
CAPÍTULO VIII

Ao desembarcar nas margens da Inglaterra, a Rainha da Escócia encontrou mensageiros de


Elizabeth com poderes para expressar a ela todo o arrependimento que sua senhora sentia por
não poder admiti-la em sua presença ou dar-lhe a afetuosa acolhida que lhe dava no coração.
Mas era essencial, acrescentaram, que antes de mais nada a rainha fosse perdoada pela morte de
Darnley, cuja família, estando sujeita à Rainha da Inglaterra, tinha direito a sua proteção e sua
justiça.
Mary Stuart ficou tão cega que não viu a armadilha e imediatamente se ofereceu para
provar sua inocência, para satisfação de sua irmã Elizabeth. Mas assim que ela pegou em mãos a
carta de Mary Stuart, transformou-se de árbitra em juíza e, nomeando comissários para ouvir as
partes, convocou Murray para aparecer e acusar a irmã. Murray, que conhecia as intenções
secretas de Elizabeth em relação à sua rival, não hesitou nem por um instante. Ele chegou à
Inglaterra carregando a caixa que continha as três cartas que citamos, alguns poemas e outros
documentos que provavam que a rainha não só fora amante de Bothwell enquanto Darnley
estava vivo, mas também que tinha conhecimento do assassinato de seu marido. Por seu lado,
Lorde Herries e o Bispo de Ross, advogados da rainha, sustentaram que essas cartas eram
forjadas, que a caligrafia tinha sido falsificada e exigiram, para verificar, especialistas que não
podiam obter. De modo que essa grande controvérsia continuou pendente pelos próximos
séculos, e até hoje nada ainda foi definitivamente resolvido sobre esse assunto, nem por
estudiosos nem por historiadores.
Após um inquérito de cinco meses, a Rainha da Inglaterra informou às partes que, por
esses procedimentos, nada foi descoberto contra a honra do acusador ou da acusada, e tudo
permaneceria no mesmo estado até que um ou outro pudesse apresentar novas provas.
Como resultado dessa estranha decisão, Elizabeth deveria ter devolvido a regente à Escócia
e deixado Mary Stuart livre para ir aonde quisesse. Mas, em vez disso, fez sua prisioneira ser
transferida do Castelo de Bolton para o Castelo de Carlisle, de cujo terraço, para coroá-la de
tristeza, a pobre Mary Stuart via as montanhas azuis de sua própria Escócia.
No entanto, entre os juízes nomeados por Elizabeth para examinar a conduta de Mary
Stuart estava Thomas Howard, Duque de Norfolk. Quer ele estivesse convencido da inocência
de Mary, quer estivesse incentivado pelo ambicioso projeto que desde então serviu de base para
sua acusação, e que nada mais era do que se casar com Mary Stuart, fazer a filha ficar noiva do
jovem rei e virar regente da Escócia, ele decidiu libertá-la da prisão. Vários membros da alta
nobreza da Inglaterra, dentre os quais os Condes de Westmoreland e Northumberland,
entraram nessa conspiração e se comprometeram a apoiá-la com todas as suas forças. Mas o
esquema tinha sido comunicado ao regente. Ele o denunciou a Elizabeth, que prendeu Norfolk.
Advertidos, Westmoreland e Northumberland cruzaram as fronteiras e refugiaram-se nas
fronteiras escocesas favoráveis à Rainha Mary. O primeiro chegou a Flandres, onde morreu no
exílio. O segundo, entregue a Murray, foi enviado ao Castelo de Lochleven, que o guardou com
mais cuidado do que a prisioneira real. Quanto a Norfolk, foi executado. Como se vê, a estrela de
Mary Stuart não perdeu nada de sua influência fatal.
Enquanto isso, o regente havia retornado a Edimburgo, rico com os presentes de Elizabeth
e tendo, de fato, conquistado sua causa com ela, já que Mary continuava prisioneira. Ele se
dedicou imediatamente a dispersar o restante dos partidários dela, e mal tinha fechado os
portões do Castelo de Lochleven depois de Westmoreland entrar quando, em nome do jovem
Rei James VI, perseguiu aqueles que tinham apoiado a causa de sua mãe e, principalmente, entre
eles, os Hamiltons, que, desde o caso de “varrer as ruas de Edimburgo”, eram os inimigos
mortais dos Douglases. Seis dos principais membros dessa família foram condenados à morte e
só obtiveram comutação da sentença em exílio eterno com as negociações de John Knox, na
época tão poderoso na Escócia que Murray não ousou recusar seu pedido.
Um dos anistiados era um certo Hamilton de Bothwellhaugh, um homem dos tempos
antigos da Escócia, selvagem e vingativo como os nobres na época de James I. Ele tinha se
retirado para as terras altas, onde havia encontrado asilo, quando soube que Murray, que, em
virtude do confisco pronunciado contra os exilados, tinha dado suas terras a um de seus
favoritos, teve a crueldade de expulsar a esposa doente e acamada de sua própria casa, e isso sem
lhe dar tempo para se vestir embora eles estivessem na época fria do ano. A pobre mulher, além
disso, sem abrigo, sem roupas e sem comida, tinha enlouquecido, vagando por ali durante algum
tempo, objeto de compaixão, mas igualmente de pavor, pois todos tinham medo de se
comprometer ajudando-a. Por fim, ela acabou morrendo de miséria e frio na porta do local de
onde fora expulsa.
Ao saber dessas notícias, Bothwellhaugh, apesar de seu caráter violento, não demonstrou
raiva. Ele simplesmente respondeu, com um sorriso terrível:
— Está bem. Eu a vingarei.
No dia seguinte, Bothwellhaugh deixou suas terras altas e desceu, disfarçado, para a
planície, levando uma ordem de admissão do Arcebispo de St. Andrews para uma casa que esse
prelado – que, como lembramos, havia acompanhado a sorte da rainha até o último momento –
tinha em Linlithgow. Essa casa, situada na rua principal, tinha uma sacada de madeira com vista
para a praça e um portão que dava para o campo. Bothwellhaugh entrou à noite, instalou-se no
andar de cima, pendurou um pano preto nas paredes para que sua sombra não fosse vista de
fora, cobriu o chão com colchões para que seus passos não fossem ouvidos no andar de baixo,
deixou um cavalo pronto, selado e com rédeas no jardim, esvaziou a parte superior do pequeno
portão que dava para o campo aberto para poder passar por ele a galope, armou-se com um
arcabuz carregado e trancou-se na sala.
Todos esses preparativos foram feitos, imagina-se, porque Murray passaria por Linlithgow
no dia seguinte. Mas, por mais secretos que fossem, acabaram sendo inúteis, pois os amigos do
regente lhe avisaram que não seria seguro passar pela cidade, que pertencia quase inteiramente
aos Hamiltons, e o aconselharam a passar ao largo. No entanto, Murray era corajoso e
acostumado a não ceder diante de um perigo real, portanto não fez nada além de rir de um perigo
que considerava imaginário e seguiu corajosamente seu primeiro plano, que era não sair do seu
caminho. Consequentemente, como a rua para a qual dava a sacada do Arcebispo de St.
Andrews ficava em seu caminho, ele entrou nela, sem seguir rapidamente e precedido por
guardas que abririam uma passagem para ele, como seus amigos o tinham aconselhado, mas
avançando a pé, atrasado pela grande multidão que bloqueava as ruas para vê-lo. Chegando em
frente à sacada, como se o acaso estivesse em sintonia com o assassino, a multidão estava tão
grande que Murray foi obrigado a parar por um instante. Esse descanso deu a Bothwellhaugh
tempo para se ajustar para dar um tiro certeiro. Ele apoiou o arcabuz na varanda e, mirando com
todo tempo e toda calma, disparou. Bothwellhaugh colocou tanta carga no arcabuz que o tiro,
depois de atravessar o coração do regente, matou o cavalo de um cavalheiro à sua direita. Murray
caiu imediatamente, dizendo:
— Meu Deus! Estou morto.
Como tinham visto de qual janela o tiro foi disparado, as pessoas no séquito do regente se
jogaram imediatamente contra a grande porta da casa que dava para a rua e a derrubaram. Mas
chegaram apenas a tempo de ver Bothwellhaugh atravessar o pequeno portão do jardim com o
cavalo que deixara preparado. Eles imediatamente remontaram os cavalos que tinham deixado
na rua e, passando pela casa, o perseguiram. Bothwellhaugh tinha um bom cavalo e estava bem à
frente de seus inimigos. No entanto, quatro deles, com pistola na mão, tinham montarias tão
boas que começaram a emparelhar com ele. Então Bothwellhaugh, vendo que o chicote e a
espora não eram suficientes, sacou a adaga e a usou para incitar o cavalo. Seu cavalo, sob esse
terrível estímulo, adquiriu novo vigor e, saltando um barranco de seis metros de profundidade,
colocou entre seu mestre e seus perseguidores uma barreira que eles não ousaram atravessar.
O assassino procurou asilo na França, onde se recolheu sob a proteção dos Guises. Lá,
como o golpe ousado lhe rendeu uma reputação elevada, alguns dias antes do Massacre de São
Bartolomeu, ele recebeu propostas para assassinar o almirante Coligny. Bothwellhaugh, porém,
rejeitou essas propostas com repulsa, dizendo que ele era o vingador de abusos e não um
assassino, e que aqueles que reclamavam do almirante simplesmente tinham que vir perguntar
como ele havia feito e fazer igual.
Quanto a Murray, morreu na noite seguinte ao ferimento, deixando a regência para o
Conde de Lennox, pai de Darnley. Ao saber da notícia de sua morte, Elizabeth lamentou ter
perdido seu melhor amigo.
Enquanto esses eventos ocorriam na Escócia, Mary Stuart ainda era prisioneira, apesar dos
protestos prementes e sucessivos de Charles IX e Henry III. Só que, assustada com a tentativa
feita em seu favor, Elizabeth a transferiu para o Castelo de Sheffield, ao redor do qual novas
patrulhas estavam sempre em movimento.
Mas dias, meses, anos se passaram, e a pobre Mary, que tinha suportado com tanta
impaciência os onze meses de cativeiro no Castelo de Lochleven, já tinha sido levada de prisão
em prisão durante quinze ou dezesseis anos, apesar de seus protestos e dos embaixadores
franceses e espanhóis, quando finalmente foi levada ao Castelo de Tutbury e colocada sob os
cuidados de Sir Amyas Paulet, seu último carcereiro. Lá encontrou para sua acomodação dois
quartos baixos e úmidos, onde pouco a pouco a força que lhe restava se exauriu tanto que havia
dias em que ela não conseguia andar por causa da dor em todos os membros. Foi então que ela,
que tinha sido rainha de dois reinos, nascida em berço dourado e criada com seda e veludo, foi
forçada a se humilhar e implorar a seu carcereiro por uma cama mais macia e cobertas mais
quentes. Esse pedido, tratado como assunto de Estado, deu origem a negociações que duraram
um mês, após o qual a prisioneira finalmente recebeu o que pediu. E, no entanto, a
insalubridade, o frio e as privações de todos os tipos ainda não agiam de maneira suficientemente
ativa nessa compleição saudável e robusta. Foi feita uma tentativa de convencer Paulet que ele
prestaria um ótimo serviço à Rainha da Inglaterra abreviando a existência daquela que, já
condenada na mente de sua rival, ainda demorava a morrer. Mas Sir Amyas Paulet, grosseiro e
severo como era com Mary Stuart, declarou que, enquanto estivesse com ele, ela não precisava
temer o veneno ou o punhal, porque ele provaria todos os pratos servidos à prisioneira e
ninguém se aproximaria dela na presença dele. De fato, alguns assassinos enviados por
Leicester, o mesmo que aspirou por um instante às mãos da adorável Mary Stuart, foram
expulsos do castelo assim que seu severo guardião soube com quais intenções eles tinham
entrado. Portanto, era necessário que Elizabeth tivesse paciência, contentando-se em atormentar
a mulher que não podia matar e sempre esperando uma nova oportunidade para levá-la a
julgamento. Essa oportunidade, há tanto tempo adiada, finalmente foi proporcionada pela
estrela fatal de Mary Stuart.
Um jovem cavalheiro católico, último descendente do antigo cavalheirismo que já estava
morrendo naquela época, exaltado pela excomunhão do Papa Pio V, que declarou Elizabeth
caída de seu reino na terra e de sua salvação no céu, resolveu restaurar a liberdade a Mary, que
agora começava a parecer não mais uma prisioneira política, mas uma mártir de sua fé.
Consequentemente, enfrentando a lei que Elizabeth havia feito em 1585, e que previa que, se
algum atentado contra ela fosse premeditado por ou para uma pessoa que pensava ter direito à
coroa da Inglaterra, seria nomeada uma comissão de 25 membros, que, com exclusão de
qualquer outro tribunal, seria encarregada de examinar a ofensa e condenar os culpados, quem
quer que fossem. Babington, nada desanimado com o exemplo de seus antecessores, reuniu
cinco de seus amigos, católicos tão zelosos quanto ele, que apostaram sua vida e sua honra na
trama da qual ele era líder e que tinha como objetivo assassinar Elizabeth e, como resultado,
colocar Mary Stuart no trono inglês. Mas esse esquema, por mais que tivesse sido bem
planejado, foi revelado a Walsingham, que permitiu que os conspiradores chegassem até onde
achavam que podiam chegar sem perigo e, na véspera do dia marcado para o assassinato, os
prendeu.
Essa tentativa imprudente e desesperada foi uma grande alegria para Elizabeth, pois, de
acordo com o texto da lei, finalmente pôs em suas mãos a vida de sua rival. Ordens foram
imediatamente dadas a Sir Amyas Paulet para apreender os documentos da prisioneira e
transferi-la para o Castelo de Fotheringay. O carcereiro, então, relaxando sua severidade
habitual de um jeito hipócrita, sugeriu a Mary Stuart que ela deveria cavalgar, sob o pretexto de
que ela precisava de ar puro. A pobre prisioneira, que por três anos só tinha visto o país através
das grades da prisão, aceitou com alegria e deixou Tutbury entre dois guardas, montada, para
maior segurança, em um cavalo manco. Esses dois guardas a levaram ao Castelo de Fotheringay,
sua nova habitação, onde ela encontrou o aposento que ia habitar todo coberto de preto. Mary
Stuart entrou viva em sua tumba. Quanto a Babington e seus cúmplices, eles já tinham sido
decapitados.
Enquanto isso, seus dois secretários, Curle e Nau, foram presos, e todos os seus
documentos foram apreendidos e enviados a Elizabeth, que, por sua vez, ordenou que os
quarenta comissários se reunissem e prosseguissem sem interrupção com o julgamento da
prisioneira. Eles chegaram a Fotheringay em 14 de outubro de 1586 e, no dia seguinte, reunidos
no grande salão do castelo, começaram a análise.
Inicialmente, Mary recusou-se a comparecer diante deles, declarando que não reconhecia
os comissários como juízes, não sendo seus iguais e rejeitando a lei inglesa, que nunca tinha lhe
dado proteção e que constantemente a abandonava ao império da força. Mas, vendo que eles
continuavam mesmo assim e que todas as calúnias possíveis eram permitidas, não havendo
ninguém para refutá-las, ela resolveu comparecer perante os comissários. Citamos os dois
interrogatórios aos quais Mary Stuart se submeteu, conforme apresentados no relatório de M. de
Bellievre a M. de Villeroy. M. de Bellievre, como veremos mais adiante, tinha sido enviado
especialmente pelo Rei Henry III a Elizabeth12.
A dita senhora estava sentada na ponta da mesa no referido salão e os referidos comissários
ao seu redor.
A Rainha da Escócia começou a falar nos seguintes termos:
— Não admito que nenhum de vocês aqui reunidos seja meu igual ou meu juiz para me
examinar sob nenhuma acusação. Assim, o que faço, e agora digo a vocês, é de minha livre e
espontânea vontade, levando Deus a testemunhar que sou inocente e pura em minha consciência
das acusações e das calúnias das quais desejam me acusar. Porque sou uma princesa livre e nasci
rainha, sem obedecer a ninguém exceto a Deus, o único a quem devo dar conta das minhas
ações. É por isso que protesto mais uma vez para que minha aparição diante de vocês não seja
prejudicial para mim, nem para os reis, príncipes e potestades que são meus aliados, nem para
meu filho, e exijo que meu protesto seja registrado e exijo isso por escrito.
Então o chanceler, que era um dos comissários, respondeu por sua vez e protestou contra o
protesto; depois, ordenou que lessem para a Rainha da Escócia a comissão em virtude da qual
agiam: uma comissão fundada nos estatutos e na lei do reino.
Mas a isso Mary Stuart respondeu que protestava novamente, que os referidos estatutos e
leis não tinham força contra ela, porque esses estatutos e leis não foram feitos para pessoas de sua
condição.
A isso, o chanceler respondeu que a comissão pretendia proceder contra ela, mesmo que ela
se recusasse a responder, e declarou que o julgamento deveria prosseguir, pois ela estava
duplamente sujeita à acusação, tendo os conspiradores não apenas tramado a seu favor, mas
também com seu consentimento. A dita Rainha da Escócia respondeu que nunca havia pensado
nisso.
Com isso, as cartas que ela supostamente tinha escrito para Babington e as respostas dele
foram lidas para ela.
Mary Stuart afirmou então que nunca tinha visto Babington, que nunca tinha tido
nenhuma conferência com ele, que nunca havia recebido uma única carta dele e que desafiava
qualquer pessoa no mundo a afirmar que alguma vez fizera algo para ajudá-lo a prejudicar a dita
Rainha da Inglaterra. Que, além disso, rigorosamente vigiada como estava, afastada de todas as
notícias, isolada e privada das pessoas mais próximas, cercada de inimigos, privada de todos os
conselhos, ela não poderia participar nem concordar com as práticas de que era acusada. E que
existiam, além disso, muitas pessoas desconhecidas que escreviam para ela e que ela recebia
várias cartas sem saber de onde vinham.
Então a confissão de Babington foi lida para ela, mas ela respondeu que não sabia o que
aquilo significava. Além disso, se Babington e seus cúmplices tinham dito essas coisas, eles eram
covardes, falsos e mentirosos.
— Além disso — acrescentou ela —, mostre-me minha caligrafia e minha assinatura, já que
você diz que escrevi para Babington, e não cópias falsificadas como essas que você preencheu
com as mentiras que lhe agradou inserir.
Então lhe foi mostrada a carta que Babington supostamente lhe escrevera. Ela olhou para a
carta de relance e disse:
— Não tenho nenhum conhecimento dessa carta. — Depois disso, lhe mostraram a sua
resposta, e ela disse de novo: — Também não tenho conhecimento dessa resposta. Se me
mostrar minha própria caligrafia e minha própria assinatura contendo o que você diz, aceitarei
tudo, mas, até agora, como eu já disse, você não produziu nada digno de crédito, exceto cópias
que você inventou e acrescentou o que lhe pareceu bom.
Com essas palavras, ela se levantou e com os olhos cheios de lágrimas:
— Se eu alguma vez — disse ela — consenti com essas intrigas que tinham como objeto a
morte de minha irmã, rogo a Deus que Ele não tenha misericórdia nem piedade de mim.
Confesso que escrevi para várias pessoas, que implorei a elas para me libertarem de minhas
prisões miseráveis, onde fiquei definhando, uma princesa cativa e maltratada, durante dezenove
anos e sete meses, mas nunca me ocorreu, mesmo em pensamento, escrever ou mesmo desejar
tais coisas contra a rainha. Sim, também confesso ter me esforçado para libertar alguns católicos
perseguidos e, se eu tivesse sido capaz e ainda pudesse, com meu próprio sangue, protegê-los e
salvá-los de seus problemas, eu o teria feito e faria isso por eles com todo o meu poder, a fim de
evitar sua destruição.
Então, voltando-se para o secretário, Walsingham:
— Além disso, meu senhor — disse ela —, desde o momento em que o vi aqui, percebi de
onde veio esse golpe. Você sempre foi meu maior inimigo e do meu filho, e moveu todos contra
mim e para me prejudicar.
Acusado assim ao vivo, Walsingham levantou-se.
— Madame — respondeu ele —, protesto diante de Deus, que é minha testemunha, que
você se engana e que nunca fiz nada contra você que não fosse digno de um homem bom nem
como indivíduo nem como pessoa pública.
Isso foi tudo o que foi dito e feito naquele dia no processo até o dia seguinte, quando a
rainha foi novamente obrigada a comparecer perante os comissários.
E, sentando-se na ponta da mesa do referido salão com os referidos comissários ao redor,
ela começou a falar em voz alta.
— Milordes e meus senhores, vocês não podem ignorar que sou uma rainha soberana,
ungida e consagrada na igreja de Deus, e que não posso e não devo, por qualquer motivo, ser
convocada para suas audiências ou chamada ao seu governo para ser julgada pela lei e pelos
estatutos que vocês estabeleceram. Pois sou uma princesa e livre, e não devo a nenhum príncipe
mais do que ele deve a mim e, sobre tudo do qual sou acusada contra minha dita irmã, não posso
responder se vocês não me permitirem ser auxiliada pelos meus conselheiros. E, se vocês forem
mais longe, façam o que quiserem. Mas, de todos os seus procedimentos, ao reiterar meus
protestos, clamo diante de Deus, que é o único juiz justo e verdadeiro, e diante dos reis e
príncipes, meus aliados e confederados.
Esse protesto foi registrado mais uma vez, como ela exigira dos comissários. Foi-lhe dito
que ela havia escrito várias cartas aos príncipes da cristandade contra a rainha e o reino da
Inglaterra.
— Quanto a isso — respondeu Mary Stuart —, é outra questão, e eu não nego. E, se ainda
fosse necessário, faria o que fiz para conseguir minha liberdade, pois não há um homem ou
mulher no mundo de menor qualidade do que eu que não faria isso e não usaria a ajuda e o
socorro de seus amigos para sair de um cativeiro tão duro quanto o meu. Vocês me acusam por
algumas cartas de Babington. Bem, não nego que ele tenha escrito para mim e que eu tenha
respondido. Mas, se você encontrar nas minhas respostas uma única palavra sobre a rainha,
minha irmã, bem, sim, haverá boas razões para me perseguir. Respondi porque ele escreveu que
me libertaria, e eu disse que aceitava sua oferta se ele pudesse fazê-lo sem comprometer um ou
outro de nós: isso é tudo.
— Quanto aos meus secretários — acrescentou a rainha —, não são eles, mas a tortura que
fala pela boca. E, quanto às confissões de Babington e seus cúmplices, não há muito a ser feito,
pois, agora que eles estão mortos, vocês podem dizer tudo que desejarem: acreditará quem
quiser.
Com essas palavras, a rainha se recusou a responder mais se não recebesse conselhos e,
renovando seu protesto, retirou-se para seus aposentos. Mas, como o chanceler tinha ameaçado,
o julgamento continuou apesar da ausência dela.
No entanto, M. de Chateauneuf, embaixador da França em Londres, viu questões muito
próximas para serem confundidas quanto ao seu curso. Consequentemente, no primeiro boato
que chegou a ele sobre o julgamento de Mary Stuart, ele escreveu ao Rei Henry III, para que ele
pudesse intervir a favor da prisioneira. Henry III despachou imediatamente para a Rainha
Elizabeth uma embaixada extraordinária, da qual M. de Bellievre era chefe. E, ao mesmo tempo,
sabendo que James VI, filho de Mary, longe de se interessar pelo destino da mãe, tinha
respondido ao ministro francês, Courcelles, que falou com ele sobre ela: “Não posso fazer nada;
deixe-a beber o que derramou”, escreveu-lhe a seguinte carta, para convencer o jovem príncipe a
apoiá-lo nos passos que daria:
21 de novembro de 1586.
Courcelles, recebi sua carta de 4 de outubro passado, na qual vi as observações que o Rei da
Escócia fez a você a respeito do que você testemunhou sobre o bom afeto que tenho por ele, sobre as
quais ele já demonstrou que deseja corresponder inteiramente, mas gostaria que essa carta também
me informasse que ele estava mais inclinado para a rainha sua mãe, e que ele tinha o coração e o
desejo de dispor de tudo para ajudá-la na aflição em que está agora, refletindo que a prisão onde ela
foi detida injustamente por mais de dezoito anos a levou a dar ouvidos a muitas coisas que lhe foram
propostas para conseguir sua liberdade, algo que é naturalmente muito desejado por todos os
homens, e mais ainda por aqueles que nasceram soberanos e governantes, que suportam a prisão com
menos paciência. Ele também deve considerar que, se a Rainha da Inglaterra, minha boa irmã,
seguir os conselhos daqueles que desejam que ela fique manchada com o sangue da Rainha Mary,
será uma questão que o levará a uma grande desonra, já que será julgado que ele recusou à mãe os
bons ofícios que deveria entregar à dita Rainha da Inglaterra e que talvez fossem suficientes para
comovê-la, se ele os empregasse com o mesmo carinho e assim que seu dever natural lhe ordenasse.
Além disso, deve-se temer por ele, que, com a mãe morta, pode chegar a sua vez, e que alguém
possa pensar em fazer o mesmo com ele, por meios violentos, para facilitar a sucessão inglesa
àqueles que estão em posição de tê-la depois da dita Rainha Elizabeth, e não apenas para frustrar o
dito Rei da Escócia do direito que ele pode reivindicar, mas para contestar que ele próprio tenha sua
coroa. Não sei em que condições estarão as questões da minha cunhada quando você receber esta
carta. Mas lhe digo que, em todos os casos, desejo que você estimule fortemente o referido Rei da
Escócia, com todos os argumentos e tudo que possa ser dito sobre esse assunto, para abraçar a defesa
e a proteção de sua dita mãe e expressar-lhe, da minha parte, que, como esse será um assunto pelo
qual ele será grandemente elogiado por todos os outros reis e príncipes soberanos, ele deve ter certeza
de que, se falhar, haverá uma grande censura em relação a ele e talvez danos notáveis para si
mesmo em particular. Além disso, quanto ao estado dos meus assuntos, você sabe que a rainha,
senhora e mãe está prestes a ver muito em breve o Rei de Navarra e a conversar com ele sobre a
pacificação dos problemas do reino no qual, se ele tiver tanto carinho quanto eu da minha parte,
espero que as coisas cheguem a uma boa conclusão e que meus súditos tenham algum alívio dos
grandes males e calamidades que a guerra lhes proporciona. Suplico ao Criador, Courcelles, para
que Ele o tenha em Sua santa guarda.
Escrito em St. Germain-en-Laye, no dia 21 de novembro de 1586.
Assinado: HENRI,
E, abaixo, BRULART.
Esta carta finalmente fez James VI decidir que faria uma espécie de demonstração a favor
de sua mãe: ele enviou Gray, Robert Melville e Keith à Rainha Elizabeth. Mas, embora Londres
estivesse mais próxima de Edimburgo do que Paris, os enviados franceses chegaram antes dos
escoceses.
É verdade que, ao chegar a Calais, no dia 27 de novembro, M. de Bellievre havia
encontrado um mensageiro especial de M. de Chateauneuf para lhe dizer para não perder um
instante e, que, para atender a todas as dificuldades, fretou um navio que estava preparado no
porto. Porém, por mais que esses nobres senhores fossem diligentes, foram obrigados a aguardar
a boa vontade do vento, que só lhes permitiu navegar à meia-noite de sexta-feira, 28. Também
no dia seguinte, chegando a Dover às nove horas, estavam tão abalados pelo enjoo do mar que
foram forçados a ficar um dia inteiro na cidade para se recuperar. Portanto, apenas no domingo,
dia 30, M. de Bellievre conseguiu partir na carruagem que M. Chateauneuf lhe enviou por M.
de Brancaleon e pegar a estrada para Londres, acompanhado pelos cavalheiros de seu séquito,
que seguiam a cavalo. Mas, descansando apenas algumas horas no caminho para compensar o
tempo perdido, finalmente chegaram a Londres no domingo, 1º de dezembro, ao meio-dia. M.
de Bellievre enviou imediatamente um dos cavalheiros de seu séquito, chamado M. de Villiers, à
Rainha da Inglaterra, que mantinha sua corte no Castelo de Richmond. A sentença já tinha sido
secretamente pronunciada havia seis dias e submetida ao Parlamento, que deveria deliberar
sobre isso a portas fechadas.
Os embaixadores franceses não poderiam ter escolhido um momento pior para se
aproximar de Elizabeth. E, para ganhar tempo, ela se recusou a receber M. de Villiers,
respondendo que ele próprio conheceria o motivo dessa recusa no dia seguinte. E, de fato, no dia
seguinte, espalhou-se o boato em Londres de que a Embaixada da França estava infectada e
contagiosa e que dois lordes que a compunham tinham morrido de peste negra em Calais. A
rainha, por mais que desejasse agradar Henry III, não podia pôr em perigo sua preciosa
existência ao receber seus enviados. O espanto de M. de Bellievre foi grande ao saber dessa
notícia. Ele protestou que a rainha tinha sido levada ao erro por um relato falso e insistiu em ser
recebido. No entanto, os atrasos duraram mais seis dias. Mas, como os embaixadores
ameaçavam partir sem esperar mais, Elizabeth, preocupada com a Espanha e ansiosa para não
brigar com a França, informou a M. de Bellievre na manhã de 7 de dezembro que estava pronta
para recebê-lo depois do jantar no Castelo de Richmond, junto com os nobres de seu séquito.
Na hora marcada, os embaixadores franceses se apresentaram aos portões do castelo e,
tendo sido levados à rainha, encontraram-na sentada no trono e cercada pelos lordes mais
consideráveis de seu reino. Então M. de Chateauneuf e M. de Bellievre, o primeiro o
embaixador geral e o segundo o enviado extraordinário, depois de cumprimentá-la em nome do
Rei da França, começaram a protestar contra suas acusações. Elizabeth respondeu, não apenas
na mesma língua francesa, mas também no discurso mais bonito usado na época e, levada pela
paixão, apontou aos enviados de seu irmão Henry que a Rainha da Escócia sempre a perseguira,
que essa era a terceira vez que ela desejava atentar contra sua vida por uma infinidade de
maneiras; que ela já havia suportado por muito tempo e com muita paciência, mas que nunca
algo cortou seu coração tão profundamente quanto a última conspiração. Esse evento,
acrescentou ela com tristeza, a fez suspirar mais e derramar mais lágrimas do que a perda de
todos os seus parentes, principalmente porque a Rainha da Escócia era sua parente próxima e
estreitamente ligada ao Rei da França. E como, em seus protestos, M. de Chateauneuf e M. de
Bellievre tinham apresentado vários exemplos retirados de histórias, ela repetiu, em resposta a
eles nessa ocasião, o estilo pedante que lhe era habitual e disse que tinha visto e lido muitos
livros na vida, milhares mais do que outras de seu sexo e sua posição tinham o hábito de fazer,
mas nunca havia encontrado neles um único exemplo de um ato como esse que ela tentara. Um
ato praticado por uma parente a quem o rei, seu irmão, não podia nem devia apoiar em sua
maldade, quando era, pelo contrário, seu dever acelerar sua justa punição. Depois ela
acrescentou, dirigindo-se especialmente a M. de Bellievre e descendo do alto de seu orgulho para
um semblante gracioso, que lamentava muito que ele não fosse designado para uma ocasião
melhor. Em poucos dias, ela responderia ao Rei Henry, seu irmão, cuja saúde era preocupante,
bem como a da rainha-mãe, que devia experimentar uma exaustão tão grande pelo problema que
estava enfrentando para restaurar a paz no reino do filho. E então, não desejando ouvir mais,
retirou-se para o seu quarto.
Os enviados retornaram a Londres, onde aguardaram a resposta prometida, mas, enquanto
esperavam inutilmente, souberam secretamente da sentença de morte proferida contra a Rainha
Mary e decidiram voltar a Richmond para fazer novas advertências à Rainha Elizabeth. Depois
de duas ou três viagens infrutíferas, eles finalmente foram recebidos em sua presença real pela
segunda vez no dia 15 de dezembro.
A rainha não negou que a sentença tinha sido pronunciada e, como era fácil perceber que,
nessa circunstância, ela não considerava o direito ao perdão, M. de Bellievre, julgando que não
havia nada a ser feito, pediu um salvo-conduto para levar ao seu rei. Elizabeth prometeu que lhe
daria em dois ou três dias.
Na terça-feira seguinte, 17 de dezembro, o Parlamento e os principais lordes do reino foram
convocados ao Palácio de Westminster, e ali, em pleno tribunal e diante de todos, a sentença de
morte foi proclamada e pronunciada contra Mary Stuart. Então essa mesma sentença, com
grande aparato e solenidade, foi lida nas praças e nas encruzilhadas de Londres, de onde se
espalhou por todo o reino. E, após essa proclamação, os sinos tocaram por 24 horas, enquanto
ordens mais estritas foram dadas a cada um dos habitantes para acenderem fogueiras na frente
de suas casas, como é costume na França na véspera do Dia de São João Batista.
Então, em meio a essa agitação de sinos, à luz dessas fogueiras, M. de Bellievre, desejando,
para não ter nenhum motivo para se reprovar, fazer um último esforço, escreveu a seguinte carta
à Rainha Elizabeth:
Madame, deixamos Vossa Majestade ontem, esperando, como lhe agradou nos dizer, receber
em alguns dias sua resposta ao pedido que fizemos em nome de nosso bom mestre, seu irmão, pela
Rainha da Escócia, sua cunhada e confederada. Mas como, nesta manhã, fomos informados de que
a sentença proferida contra a dita rainha foi proclamada em Londres, apesar de nos ter prometido
um pouco de sua clemência e da amizade que você tem com o dito senhor rei, seu bom irmão, no
entanto, não negligenciamos nenhuma parte de nosso dever, e, crendo nisso para servir às intenções
do rei nosso mestre, não quisemos deixar de lhe escrever esta presente carta, na qual suplicamos mais
uma vez, com muita humildade, que não recuse Vossa Majestade o pedido muito premente e muito
afetuoso que ele lhe fez, para que tenha o prazer de preservar a vida da dita Lady Rainha da
Escócia, que o dito lorde rei receberá como o maior favor que Vossa Majestade poderia lhe conceder.
Pois, caso contrário, não poderia acontecer a ele algo que lhe trouxesse mais descontentamento e que
o tocasse mais no coração do que se fosse usado mais rigor em relação à dita Lady rainha, sendo o
que ela é para ele. E como, madame, o dito rei nosso mestre, seu bom irmão, quando com esse
objetivo nos despachou até Vossa Majestade, não considerou possível, de maneira alguma, resolver
tão prontamente tal execução, nós imploramos, madame, muito humildemente, antes de permitir
que se vá mais longe, que nos conceda um tempo para lhe dar a conhecer o estado dos assuntos da
dita Rainha da Escócia, para que, antes de Vossa Majestade tomar uma decisão final, possa saber
o que agrada a Vossa Majestade Cristã lhe contar e explicar sobre o maior caso que, em nossa
memória, foi submetido ao julgamento dos homens. Monsieur de Saint-Cyr, que entregará a
presente carta a Vossa Majestade, nos trará, se lhe agradar, sua resposta positiva.
Londres, neste dia 16 de dezembro de 1586.
Assinado: DE BELLIEVRE,
E DE L’AUBESPINE CHATEAUNEUF.
No mesmo dia, M. de Saint-Cyr e os outros lordes franceses retornaram a Richmond para
levar a carta, mas a rainha não quis recebê-los, alegando indisposição, de modo que eles foram
obrigados a deixar a carta com Walsingham, seu primeiro Secretário de Estado, que prometeu
enviar a resposta da rainha no dia seguinte.
Apesar dessa promessa, os lordes franceses esperaram mais dois dias. Finalmente, no
segundo dia, perto da noite, dois cavalheiros ingleses procuraram M. de Fellievre em Londres e,
no boca a boca, sem nenhuma carta que confirmasse o que tinham sido instruídos a dizer,
anunciaram a ele, em nome de sua rainha, que, em resposta à carta que lhe escreveram e
expressando o desejo que tinham demonstrado em obter um sursis para a condenada, durante o
qual eles divulgariam a decisão ao rei da França, Vossa Majestade estava disposta a conceder
doze dias. Como essa era a última palavra de Elizabeth, e era inútil perder tempo pressionando-a
ainda mais, M. de Genlis foi imediatamente despachado para Vossa Majestade o Rei da França,
a quem, além do longo despacho de M. de Chateauneuf e M. de Bellievre que estava
encarregado de entregar, ele deveria dizer ao vivo o que tinha visto e ouvido em relação aos
assuntos da Rainha Mary durante todo o tempo em que esteve na Inglaterra.
Henry III respondeu imediatamente com uma carta contendo novas instruções para M. de
Chateauneuf e M. de Bellievre. Mas, por mais diligente que M. de Genlis fosse, ele só chegou a
Londres no décimo quarto dia, ou seja, 48 horas após o término do sursis concedido. No entanto,
como a sentença ainda não tinha sido executada, M. de Bellievre e M. de Chateauneuf partiram
imediatamente para o Castelo de Greenwich, a alguns quilômetros de Londres, onde a rainha
estava comemorando o Natal, implorando para que ela lhes concedesse uma audiência na qual
pudessem transmitir a Vossa Majestade a resposta do rei, mas não conseguiram nada durante
quatro ou cinco dias. No entanto, como eles não se rebelaram e voltavam incessantemente a
insistir, em 6 de janeiro, M. de Bellievre e M. de Chateauneuf finalmente foram chamados pela
rainha.
Assim como na primeira ocasião, eles foram apresentados com todo o cerimonial daquela
época e encontraram Elizabeth em seu tribunal de audiência. Os embaixadores aproximaram-se
dela e cumprimentaram-na, e M. de Bellievre começou a dirigir-se a ela com respeito, mas ao
mesmo tempo com firmeza, transmitindo as críticas de seu mestre. Elizabeth ouviu-os com um
ar impaciente, remexendo-se na cadeira. Por fim, incapaz de se controlar, ela explodiu,
levantando-se e ficando vermelha de raiva.
— M. de Bellievre — disse ela —, você realmente foi encarregado pelo rei, meu irmão, para
falar comigo dessa maneira?
— Sim, madame — respondeu M. de Bellievre, curvando-se —, recebi ordens expressas de
fazê-lo.
— E você tem esse comando escrito pela mão dele? — continuou Elizabeth.
— Sim, madame — retrucou o embaixador com a mesma calma. — E o rei, meu mestre,
seu bom irmão, me encarregou expressamente, em cartas assinadas por sua própria mão, de
fazer a Vossa Majestade as críticas que eu tive a honra de lhe endereçar.
— Bem — exclamou Elizabeth, sem se conter. — Exijo que você me dê uma cópia dessa
carta assinada por ele. E acredito que você vai responder por cada palavra que retirar ou
acrescentar.
— Madame — respondeu o M. de Bellievre —, não é costume dos reis da França nem de
seus representantes falsificar cartas ou documentos. Você terá as cópias solicitadas amanhã de
manhã e eu juro sua exatidão pela minha honra.
— Basta, mounsier, basta! — disse a rainha e, acenando para todos que estavam na sala
para saírem, ficou quase uma hora com M. de Chateauneuf e M. de Bellievre. Ninguém sabe o
que aconteceu nessa entrevista, exceto que a rainha se comprometeu a enviar um embaixador ao
Rei da França, que, prometeu, chegaria a Paris, se não antes, pelo menos ao mesmo tempo que
M. de Bellievre, e seria o portador de sua decisão suprema quanto aos assuntos da Rainha da
Escócia. Elizabeth então se retirou, dando a entender aos enviados franceses que qualquer nova
tentativa que eles fizessem para vê-la seria inútil.
No dia 13 de janeiro, os embaixadores receberam seus passaportes e, ao mesmo tempo,
notaram que um navio da rainha esperava por eles em Dover.
No dia da partida, ocorreu um estranho incidente. Um cavalheiro chamado Stafford, irmão
do embaixador de Elizabeth diante do Rei da França, apresentou-se na casa de M. de Trappes,
um dos oficiais da chancelaria francesa, dizendo que conhecia um prisioneiro por dívidas que
tinha um problema de extrema importância para discutir com ele e, para ele ficar mais ansioso,
disse que o assunto era relacionado ao serviço do Rei da França e dizia respeito aos assuntos da
Rainha Mary da Escócia. M. de Trappes, apesar de desconfiar dessa abordagem desde o início,
não queria, caso suas suspeitas o enganassem, ter que se repreender por qualquer negligência em
uma ocasião tão premente. Ele, então, foi com M. Stafford até a prisão, onde aquele que queria
conversar com ele estava detido. Quando estava em sua presença, o prisioneiro disse que estava
preso por causa de uma dívida de apenas vinte coroas e que seu desejo de ser libertado era tão
grande que, se M. de Chateauneuf pagasse essa quantia, ele se comprometeria a livrar a Rainha
da Escócia de seu perigo esfaqueando Elizabeth. Com esta proposta, M. de Trappes, que viu a
armadilha montada para o embaixador francês, ficou muito surpreso e disse que tinha certeza
que M. de Chateauneuf consideraria muito maligno todo empreendimento que tivesse como
objetivo ameaçar de alguma forma a vida da Rainha Elizabeth ou a paz do reino. Depois, não
desejando ouvir mais, voltou até M. de Chateauneuf e relatou o que acabara de acontecer. M. de
Chateauneuf, que percebeu a verdadeira causa dessa abordagem, disse imediatamente a M.
Stafford que achava estranho um cavalheiro como ele combinar essa traição com outro
cavalheiro e solicitou que ele deixasse a embaixada imediatamente e que nunca mais voltasse a
colocar os pés ali. Então Stafford se retirou e, parecendo se considerar um homem perdido,
implorou a M. de Trappes que lhe permitisse atravessar o canal com ele e os enviados franceses.
M. de Trappes encaminhou-o a M. de Chateauneuf, que respondeu diretamente a M. Stafford
que ele não apenas o proibira de entrar na sua casa, mas também de todas as relações com
qualquer pessoa da embaixada, que ele devia, portanto, saber muito bem que seu pedido não
seria concedido. Ele acrescentou que, se não quisesse manter a consideração por seu irmão, o
Conde de Stafford, seu colega na embaixada, denunciaria sua traição imediatamente a Elizabeth.
Stafford foi preso no mesmo dia.
Após essa conferência, M. de Trappes partiu para se juntar a seus companheiros de
viagem, que estavam algumas horas à sua frente, quando, ao chegar a Dover, também foi preso e
levado de volta para a prisão em Londres. Interrogado no mesmo dia, M. de Trappes relatou
com sinceridade tudo que tinha acontecido, pedindo a M. de Chateauneuf a verdade sobre o que
ele disse.
No dia seguinte, houve um segundo interrogatório, e grande foi sua surpresa quando, ao
solicitar que o interrogatório do dia anterior lhe fosse apresentado, lhe mostraram apenas, de
acordo com o costume da lei inglesa, cópias falsas, nas quais foram encontradas confissões que o
comprometiam assim como a M. de Chateauneuf. Ele se opôs e protestou, recusou-se a
responder ou assinar mais nada e foi levado de volta à Torre com precaução redobrada, cujo
objetivo era o aparecimento de uma acusação importante.
No dia seguinte, M. de Chateauneuf foi convocado diante da rainha e lá foi confrontado
com Stafford, que disse, de maneira imprudente, que combinara uma conspiração com M. de
Trappes e um certo prisioneiro por dívidas: uma conspiração que visava nada menos que pôr em
risco a vida da rainha. M. de Chateauneuf se defendeu no calor da indignação, mas Elizabeth
tinha muito interesse em não ser convencida nem em prestar atenção às evidências. Ela então
disse a M. de Chateauneuf que apenas seu caráter de embaixador a impedia de prendê-lo como
prendera seu cúmplice, M. de Trappes. E, enviando imediatamente, como prometera, um
embaixador ao Rei Henry III, ela o acusou de não a desculpar pela sentença que tinha sido
pronunciada e pela morte que aconteceria em breve, mas acusaria M. de Chateauneuf de ter
participado de uma trama cuja descoberta, por si só, poderia ter determinado que ela consentisse
com a morte da Rainha da Escócia, certa que estava, por experiência própria, que, enquanto sua
inimiga vivesse, sua existência seria ameaçada a cada hora.
No mesmo dia, Elizabeth se apressou em espalhar, não apenas em Londres, mas também
em toda a Inglaterra, o boato do novo perigo do qual acabara de escapar. De modo que, quando,
dois dias após a partida dos enviados franceses, os embaixadores escoceses, que, como se vê, não
foram muito diligentes, chegaram, a rainha respondeu que o pedido tinha chegado na hora
errada, em um momento em que ela acabara de conseguir a prova de que, enquanto Mary Stuart
existisse, a vida dela própria (Elizabeth) estava em perigo. Robert Melville quis responder a
essas palavras, mas Elizabeth ficou furiosa, dizendo que fora ele, Melville, quem dera ao Rei da
Escócia o mau conselho de interceder por sua mãe e que, se ela tivesse um conselheiro desses, o
decapitaria. Ao que Melville respondeu “que, arriscando a própria vida, ele nunca pouparia um
bom conselho ao seu mestre; e que, pelo contrário, aquele que aconselhasse um filho a deixar a
mãe perecer é que mereceria ser decapitado”.
Com essa resposta, Elizabeth ordenou que os enviados escoceses se retirassem, dizendo que
lhes avisaria de sua decisão.
Três ou quatro dias se passaram e, como não tiveram mais notícias, eles pediram de novo
uma audiência de partida para ouvir a última decisão dela, para a qual foram enviados. A rainha
decidiu então conceder e tudo se passou, como aconteceu com M. de Bellievre, com
recriminações e reclamações. Por fim, Elizabeth perguntou-lhes que garantia dariam para sua
vida se ela consentisse em perdoar a Rainha da Escócia. Os enviados responderam que estavam
autorizados a fazer promessas em nome do Rei da Escócia, seu mestre, e de todos os lordes de
seu reino, para que Mary Stuart renunciasse a todos os direitos sobre a coroa inglesa em favor do
filho, e que ela daria como garantia desse compromisso o Rei da França e todos os príncipes e
lordes, seus parentes e seus amigos.
Com essa resposta, a rainha, sem sua presença de espírito habitual, gritou:
— O que você está dizendo, Melville? Isso seria armar minha inimiga com dois direitos,
enquanto ela tem apenas um.
— Vossa Majestade, então, considera o rei, meu mestre, como seu inimigo? — respondeu
Melville. — Ele se considerava mais feliz, madame, e pensava que era seu aliado.
— Não, não — disse Elizabeth, corando —, é um jeito de falar. E, se vocês encontrarem um
meio de conciliar tudo, cavalheiros, para provar a vocês que, pelo contrário, considero o Rei
James VI como meu bom e fiel aliado, estou preparada para me inclinar à clemência. Procure,
então, do seu lado — acrescentou — enquanto procuro do meu.
Com essas palavras, ela saiu da sala e os embaixadores se retiraram, com a luz da esperança
que ela lhes permitira vislumbrar.
Na mesma noite, um cavalheiro da corte procurou M. Gray, o chefe da embaixada, como se
fosse fazer uma visita de conveniência e, enquanto conversava, disse a ele “que era muito difícil
conciliar a segurança da Rainha Elizabeth com a vida de sua prisioneira; além do mais, se a
Rainha da Escócia fosse perdoada e seu filho chegasse ao trono inglês, não haveria segurança
para os lordes comissários que tinham votado pela sua morte; que havia, então, apenas um jeito
de organizar tudo: que o Rei da Escócia deveria desistir de seus direitos ao reino da Inglaterra;
que, de outra forma, segundo ele, não havia garantia de Elizabeth salvar a vida da Rainha da
Escócia”. M. Gray, então, olhando fixamente para ele, perguntou se sua soberana o havia
encarregado de ir até ele com esse discurso. Mas o cavalheiro negou, dizendo que tudo isso era
por conta própria e na forma de opinião.
Elizabeth recebeu os enviados da Escócia uma última vez e lhes disse “que, depois de ter
considerado bem, ela não encontrou como salvar a vida da Rainha da Escócia enquanto protegia
a sua, de modo que não poderia conceder isso a eles”. A essa declaração, M. Gray respondeu
que, “se fosse assim, nesse caso, ele tinha ordens do seu mestre para dizer que eles protestavam
em nome do Rei James que tudo que tinha sido feito contra sua mãe era nulo, visto que a rainha
Elizabeth não tinha autoridade sobre uma rainha como ela, já que as duas eram iguais em
posição e nascimento; que, de acordo com isso, eles declaravam que assim que retornassem e seu
mestre soubesse o resultado da missão, ele reuniria o Parlamento e enviaria mensageiros a todos
os príncipes cristãos para aconselhar-se com eles sobre o que poderia ser feito para vingar aquela
que eles não conseguiriam salvar”.
Elizabeth ficou furiosa de novo, dizendo que eles certamente não tinham recebido do rei
uma missão de falar com ela dessa maneira, mas eles se ofereceram para fazer esse protesto por
escrito e assinado por eles, ao que Elizabeth respondeu que enviaria um embaixador que
providenciaria tudo isso com seu bom amigo e aliado, o Rei da Escócia. Mas os enviados
disseram que seu mestre não ouviria ninguém até que eles voltassem. Com isso, Elizabeth
implorou para que não fossem embora imediatamente, porque ainda não havia tomado sua
decisão final sobre o assunto. Na noite seguinte a essa audiência, Lorde Hingley, tendo ido
visitar M. Gray e parecendo notar algumas boas pistolas que vieram da Itália, M. Gray, assim
que ele saiu, pediu ao primo desse nobre que as levasse a ele de sua parte como um presente.
Feliz com essa agradável encomenda, o jovem desejou realizá-la na mesma noite e foi ao palácio
da rainha, onde seu parente estava hospedado, para lhe dar o presente que fora encarregado de
levar. Mas ele mal passou por algumas salas e foi preso, revistado e as armas que estava levando
foram encontradas. Embora não estivessem carregadas, ele foi imediatamente preso, só que não
foi levado para a Torre, e sim mantido como prisioneiro em seu próprio quarto.
No dia seguinte, havia boatos de que os embaixadores da Escócia queriam assassinar a
rainha e que pistolas, doadas pelo próprio M. Gray, tinham sido encontradas com o assassino.
Essa má-fé abriu os olhos dos embaixadores. Finalmente convencidos de que nada podiam
fazer pela pobre Mary Stuart, eles a deixaram à sua própria sorte e partiram para a Escócia no dia
seguinte.
Assim que eles saíram, Elizabeth enviou seu secretário, Davison, a Sir Amyas Paulet. Ele
foi instruído a sondá-lo novamente em relação à prisioneira. Com medo de uma execução
pública, a rainha voltou a suas antigas ideias de envenenamento ou assassinato, mas Sir Amyas
Paulet declarou que não permitiria que ninguém tivesse acesso a Mary exceto o carrasco, e que
ele teria que levar um mandado perfeitamente em ordem. Davison relatou essa resposta a
Elizabeth, que, ao ouvi-lo, bateu o pé no chão várias vezes e, quando terminou, sem conseguir se
controlar, gritou:
— Pela morte de Deus! Eis aqui um sujeito escrupuloso, sempre falando de sua fidelidade e
sem saber como prová-la!
Elizabeth foi, então, obrigada a se decidir. Ela pediu a sentença a Davison. Ele entregou a
ela e, esquecendo-se que era filha de uma rainha que havia morrido no cadafalso, ela assinou sem
demonstrar nenhum traço de emoção. E, depois de ter afixado o grande selo da Inglaterra:
— Vá — disse ela, rindo —, diga a Walsingham que tudo acabou para a Rainha Mary. Mas
fale com precaução, pois, como ele está doente, receio que morra de tristeza quando ouvir isso.
A piada era ainda mais atroz porque Walsingham era conhecido por ser o inimigo mais
amargo da Rainha da Escócia.
Na noite daquele sábado, dia 14, M. Beale, cunhado de Walsingham, foi convocado ao
palácio. A rainha entregou em suas mãos a sentença de morte e, com ela, uma ordem dirigida aos
Condes de Shrewsbury, Kent, Rutland e outros nobres dos arredores de Fotheringay para
estarem presentes na execução. Beale levou consigo o carrasco de Londres, a quem Elizabeth
vestira de veludo preto para esta grande ocasião. E partiu duas horas depois de receber a
sentença13.
CAPÍTULO IX

Assim, depois de dois meses, a Rainha Mary teve conhecimento da decisão dos comissários. No
mesmo dia em que a decisão foi anunciada, ela soube da notícia pelo capelão, a quem eles
haviam permitido que ela visse essa única vez. Mary Stuart aproveitou a visita para lhe dar três
cartas que acabara de escrever: uma para o Papa Sisto V, a outra para Dom Bernard Mendoza, e
a terceira para o Duque de Guise. Aqui está a última carta:

14 de dezembro de 1586
Meu bom primo, a quem eu mais prezo no mundo, dou-lhe adeus, estando preparada para ser
condenada à morte por um julgamento injusto e a uma morte como ninguém da nossa raça, graças a
Deus, nunca uma rainha e menos ainda um membro da minha hierarquia, já sofreu. Mas, bom
primo, louve ao Senhor, pois eu era inútil neste mundo para a causa de Deus e de Sua Igreja,
prisioneira como era. Enquanto, pelo contrário, espero que minha morte testemunhe minha
constância na fé e minha disposição de sofrer pela manutenção e pela restauração da Igreja Católica
nesta ilha infeliz. E, embora o carrasco nunca tenha mergulhado a mão em nosso sangue, não tenha
vergonha disso, meu amigo, pois o julgamento dos hereges que não têm autoridade sobre mim, uma
rainha livre, é proveitoso aos olhos de Deus para os filhos de Sua Igreja. Além disso, se eu aderisse
ao que eles me propõem, não sofreria esse golpe. Todos da nossa casa foram perseguidos por essa
seita, testemunhe seu bom pai, por cuja intercessão espero ser recebida com misericórdia pelo justo
juiz. Recomendo-lhe, então, meus pobres serviçais, a quitação de minhas dívidas e o estabelecimento
de uma missa anual pela minha alma, não à sua custa, mas que você possa tomar as providências
conforme for necessário ao conhecer meus desejos por intermédio de meus pobres e dedicados serviçais
que serão testemunhas da minha última tragédia. Que Deus faça prosperar você, sua esposa, seus
filhos, irmãos e primos, e acima de tudo nosso líder, meu bom irmão e primo, e todos os dele. Que a
bênção de Deus e a que darei aos meus filhos recaia sobre os seus, a quem não recomendo menos a
Deus do que meu próprio filho, por mais infeliz e maltratado que ele seja. Você receberá alguns
anéis meus, que o farão se lembrar de orar a Deus pela alma da sua pobre prima, privada de toda
ajuda e conselho, exceto o do Senhor, que me dá força e coragem para resistir sozinha a tantos lobos
uivando atrás de mim. Que a Deus seja a glória.
Acredite especialmente no que lhe será dito por uma pessoa que lhe dará um anel de rubi, pois
tenho em minha consciência que a verdade será contada sobre o que eu lhe encarreguei de dizer a
você, e especialmente no que diz respeito a meus pobres serviçais e a mais ninguém. Recomendo essa
pessoa a você pela sua sinceridade e honestidade simples, para que ela seja colocada em um bom
lugar. Eu o escolhi como o menos parcial e como aquele que mais levará minhas ordens a você com
mais simplicidade. Ignore, eu imploro, se ele lhe disser alguma coisa em particular, pois o desejo
pode feri-lo. Sofri muito durante mais de dois anos e não pude lhe informar por um motivo
importante. Deus seja louvado por todos e lhe dê a graça de perseverar no serviço de Sua Igreja
enquanto você viver, e que essa honra nunca abandone a nossa raça, que tantos homens e mulheres
estão prontos para derramar seu sangue para manter a luta pela fé, deixando de lado todas as
outras considerações mundanas. E, quanto a mim, eu me considero nascida do lado do pai e da mãe,
para que eu ofereça meu sangue por essa causa, e não tenho intenção de degenerar. Jesus,
crucificado por nós, e todos os santos mártires, pela intercessão deles, nos tornam dignos da oferta
voluntária que fazemos de nossos corpos para Sua glória!
De Fotheringay, nesta quinta-feira, 24 de novembro.
Eles, pensando em me degradar, derrubaram meu dossel de estado, e desde então meu guardião
se ofereceu para escrever para a rainha, dizendo que essa ação não foi feita pelo seu comando, mas
pelas ordens de alguns membros do Conselho. Eu lhes mostrei, em vez dos meus brasões, o dossel
mencionado: a cruz de Nosso Senhor. Você ouvirá tudo isso. Eles têm sido mais gentis desde então.
Sua prima afetuosa e amiga perfeita,
MARY, Rainha da Escócia, Viúva da França
Desse dia em diante, quando soube da sentença proferida pelos comissários, Mary Stuart
não preservou mais nenhuma esperança. Pois, como sabia que o perdão de Elizabeth era
necessário para salvá-la, ela se considerou perdida e só se preocupou em se preparar para morrer
bem. Na verdade, como às vezes acontecia, por causa do frio e da umidade das prisões, de ela
perder o controle de todos os membros por algum tempo, tinha medo de ser assim quando eles a
levassem, o que a impediria de subir resoluta no cadafalso, como queria fazer. Então, no sábado,
14 de fevereiro, ela chamou seu médico, Bourgoin, e perguntou a ele, comovida pelo
pressentimento de que sua morte estava próxima, disse ela, o que tinha que ser feito para
impedir o retorno das dores que a paralisavam. Ele respondeu que seria bom ela se purificar com
ervas frescas.
— Vá, então — disse a rainha —, e peça a Sir Amyas Paulet permissão para procurá-las nos
campos.
Bourgoin foi até Sir Amyas, que, sofrendo de ciática, deveria ter entendido melhor do que
ninguém a urgência dos remédios que a rainha pedia. Mas esse pedido, por mais simples que
fosse, gerou grandes dificuldades. Sir Amyas respondeu que não podia fazer nada sem consultar
seu companheiro, Drury, mas que ele, mestre Bourgoin, podia pegar papel e tinta e fazer uma
lista das plantas necessárias, e eles tentariam consegui-las. Bourgoin respondeu que não sabia
inglês suficiente e que os farmacêuticos da vila não sabiam latim suficiente para arriscar a vida
da rainha por algum erro dele ou de outrem. Finalmente, depois de mil hesitações, Paulet
permitiu que Bourgoin saísse, o que ele fez, acompanhado pelo farmacêutico Gorjon, para que
no dia seguinte a rainha pudesse começar a se medicar.
Os pressentimentos de Mary Stuart não a enganaram: na terça-feira, 17 de fevereiro, por
volta das duas da tarde, os Condes de Kent e Shrewsbury e Beale enviaram uma mensagem à
rainha dizendo que desejavam falar com ela. A rainha respondeu que estava doente e de cama,
mas se o que eles tinham a lhe dizer era uma questão importante, pediu para eles lhe darem um
pouco de tempo para ela se levantar. Eles responderam que a comunicação que tinham que fazer
não admitia atrasos e que imploravam para que ela se preparasse. A rainha fez isso
imediatamente e, levantando-se da cama e vestindo um roupão, foi sentar-se a uma mesinha, no
mesmo local em que costumava passar boa parte do dia.
Então os dois condes, acompanhados por Beale, Amyas Paulet e Drue Drury, entraram.
Atrás deles, atraídos pela curiosidade, cheios de uma terrível ansiedade, vinham suas mais
queridas filhas e seus serviçais mais íntimos. Entre as mulheres, as senhoritas Renée de Really,
Gilles Mowbray, Jeanne Kennedy, Elspeth Curle, Mary Paget e Susan Kercady; entre os
homens, Dominique Bourgoin, seu médico, Pierre Gorjon, seu farmacêutico, Jacques Gervais,
seu cirurgião, Annibal Stewart, seu valet de chambre, Dither Sifflart, seu sommelier, Jean
Laudder, seu padeiro, e Martin Huet, seu provador.
Então o Conde de Shrewsbury, com a cabeça descoberta como todos os presentes, que
permaneceram assim enquanto estavam no aposento da rainha, começou a dizer em inglês,
dirigindo-se a Mary:
— Madame, a Rainha da Inglaterra, minha augusta amante, enviou-me a você, com o
Conde de Kent e Sir Robert Beale, aqui presentes, para lhe avisar que, depois de ter procedido
honrosamente ao inquérito sobre o ato do qual você é acusada e considerada culpada, um
inquérito que já foi submetido ao seu perdão por Lorde Buckhurst e, tendo atrasado a execução
da sentença enquanto estava em seu poder, ela não consegue mais suportar a importunação de
seus súditos, que a pressionam para executá-la, tão grande e amoroso é o medo deles em relação
a ela. Por fim, viemos como portadores de uma carta e imploramos muito humildemente,
madame, que nos ouça na leitura que pode lhe agradar.
— Leia, milorde. Estou ouvindo — respondeu Mary Stuart com a maior calma. Então,
Robert Beale desenrolou a referida carta, que estava em pergaminho, selada com o Grande Selo
em cera amarela, e dizia o seguinte:
Elizabeth, pela graça de Deus, Rainha da Inglaterra, da França e da Irlanda etc., para
nossos amados e fiéis primos George, Conde de Shrewsbury, grande Marechal da Inglaterra;
Henry, Conde de Kent; Henry, Conde de Derby; George, Conde de Cumberland; Henry, Conde
de Pembroke14, cumprimentam:
Considerando a sentença proferida por nós e por outros membros do nosso Conselho, nobreza e
juízes contra a ex-Rainha da Escócia, com o nome de Mary, filha e herdeira de James V, Rei da
Escócia, comumente chamada de Rainha da Escócia e Viúva da França, que sentencia todos os
estados do nosso reino em nosso último Parlamento reunido, não apenas concluiu, mas, após
deliberação madura, ratificou como justa e razoável, considerando também a súplica e o pedido
urgentes de nossos súditos, implorando-nos e pressionando-nos para proceder à sua publicação e a
executá-la contra sua pessoa, conforme julgaram merecido, acrescentando neste local que sua
detenção foi e seria diariamente um perigo certo e evidente, não apenas para a nossa vida, mas
também para si e para a posteridade, e para o bem público deste reino, tanto por causa do
Evangelho e da verdadeira religião de Cristo quanto pela paz e pela tranquilidade deste Estado,
embora a referida sentença tenha sido frequentemente adiada, de modo que, até esse momento, nos
abstivemos de emitir a ordem de executá-la; todavia, para a completa satisfação das reivindicações
feitas pelos Estados do nosso Parlamento, pelas quais ouvimos diariamente que todos os nossos
amigos e súditos, bem como a nobreza, os mais sábios, os maiores e os mais piedosos, inclusive os de
condição inferior, com toda humildade e carinho pelo cuidado que eles têm com nossa vida e,
consequentemente, pelo medo que têm da destruição do atual estado divino e feliz do reino, se
pouparmos a execução final, consentindo e desejando a referida execução, embora as demandas
gerais e contínuas, súplicas, conselhos e avisos fossem, nessas coisas, contrárias à nossa inclinação
natural; contudo, convencidos do peso urgente de suas intercessões contínuas tendendo à segurança
de nossa pessoa e também ao estado público e privado de nosso reino, finalmente consentimos e
sofremos que a justiça siga seu curso e, para sua execução, considerando a singular confiança que
temos em sua fidelidade e lealdade, unidos pelo amor e pelo carinho que você tem por nós,
especialmente pela proteção de nossa pessoa e de nosso país, do qual você é um membro muito nobre
e principal; nós convocamos e, para o cumprimento disso, pedimos que, à vista dos presentes, você
seja levada para o Castelo de Fotheringay, onde ficava a antiga Rainha da Escócia, sob custódia
de nosso amigo e fiel súdito e conselheiro Sir Amyas Paulet, e lá se encarreguem de você e façam isso
por seu comando, que a execução seja realizada na presença de vocês e do referido Sir Amyas
Paulet e de todos os outros oficiais de justiça que você ordenar que estejam lá. Enquanto isso, temos,
para esse fim e essa execução, uma garantia de tal maneira, em tal hora e local, e por tais pessoas,
que vocês cinco, quatro, três ou dois achem conveniente a seu critério. Não obstante todas as leis,
estatutos e ordenanças contrários a estes presentes, selados com o nosso Grande Selo da Inglaterra,
que deve servir a cada um de vocês e a todos os que estão presentes ou dará, por sua ordem, qualquer
coisa referente à execução acima mencionada despacho completo e suficiente para sempre.
Feito e entregue em nossa casa em Greenwich, no primeiro dia de fevereiro (1º de fevereiro,
pelo novo estilo), no vigésimo nono ano de nosso reinado.
Mary ouviu essa leitura com muita calma e grande dignidade. E, quando terminou, fez o
sinal da cruz:
— Bem-vindas sejam — disse ela — todas as notícias que vêm em nome de Deus!
Obrigada, Senhor, porque Você se digna a pôr fim a todos os males que me viu sofrer por mais
de dezenove anos.
— Madame — disse o Conde de Kent —, não se irrite conosco pela sua morte. Ela foi
necessária para a paz do Estado e o progresso da nova religião.
— Então — exclamou Mary com alegria — terei a felicidade de morrer pela fé de meus
pais. Assim Deus se digna a me conceder a glória do martírio. Obrigada, meu Deus —
acrescentou, juntando as mãos com menos entusiasmo, mas com mais piedade —, obrigada pelo
fato de teres designado para mim esse fim, do qual eu não era digna. Isso, ó, meu Deus, é de fato
uma prova do Seu amor e uma garantia de que Você me receberá entre Seus servos. Porque,
embora essa sentença tenha sido notificada para mim, eu tinha medo, pela maneira como me
tratam há dezenove anos, de ainda não estar tão perto quanto estou de um final tão feliz,
pensando que sua rainha não ousaria colocar as mãos em mim, que, pela graça de Deus, sou
rainha como ela, filha de rainha como ela, consagrada como ela, sua quase parente, neta do Rei
Henry VII, e que teve a honra de ser Rainha da França, da qual ainda sou viúva. E esse medo era
tão grande — acrescentou, colocando a mão em um Novo Testamento que estava próximo a ela
sobre a mesinha — que, juro por este livro sagrado, nunca tentei, consenti ou mesmo desejei a
morte da minha irmã, a Rainha da Inglaterra.
— Madame — respondeu o Conde de Kent, dando um passo em sua direção e apontando
para o Novo Testamento —, este livro sobre o qual você jurou não é genuíno, pois é a versão
papista. Consequentemente, seu juramento não pode ser considerado mais genuíno do que o
livro sobre o qual foi feito.
— Milorde — respondeu a rainha —, o que você diz pode lhe servir, mas não a mim, pois
sabemos que este livro é a versão verdadeira e fiel da palavra do Senhor, uma versão feita por um
médico muito sábio, um homem muito bom, e aprovado pela Igreja.
— Madame — respondeu o Conde de Kent —, Vossa Graça parou no que lhe foi ensinado
em sua juventude, sem indagar se era bom ou ruim. Não é de surpreender, portanto, que você
tenha permanecido no seu erro, por não ter ouvido alguém que pudesse lhe dizer a verdade. É
por isso que, como Vossa Graça tem apenas algumas horas a mais para permanecer neste mundo
e, consequentemente, não tem tempo a perder, com sua permissão chamaremos o Decano de
Peterborough, o homem mais instruído que existe no campo da religião, que, com sua palavra, a
preparará para sua salvação, que você arrisca, para nossa grande tristeza e de nossa augusta
rainha, por todas as loucuras papísticas, abominações e tolices infantis que mantêm os católicos
afastados da Santa Palavra de Deus e do conhecimento da verdade.
— Você está enganado, milorde — respondeu a rainha gentilmente —, se acredita que eu
cresci descuidada na fé de meus pais e sem me ocupar seriamente com um assunto tão
importante quanto a religião. Pelo contrário, passei minha vida com homens sábios e instruídos
que me ensinaram o que é preciso aprender sobre esse assunto, e fui nutrida pela leitura de suas
obras, já que os meios de ouvi-las foram tirados de mim. Além disso, nunca tendo duvidado ao
longo da vida, não será na hora da minha morte que a dúvida vai me atingir. E o Conde de
Shrewsbury, aqui presente, lhe dirá que, desde a minha chegada à Inglaterra, tenho, durante
toda a Quaresma, da qual me arrependo, ouvido seus clérigos mais sábios, sem que os
argumentos deles tenham causado uma impressão na minha mente. Será inútil, então, milorde
— acrescentou, sorrindo —, convocar o Decano de Peterborough, tão endurecido quanto eu, por
mais instruído que ele seja. A única coisa que lhe peço em troca, milorde, e pela qual lhe
agradecerei além de qualquer expressão, é que você me envie meu capelão, a quem vocês
mantêm trancado nesta casa, para me consolar e me preparar para a morte, ou, no lugar dele,
outro sacerdote, seja quem for. Ao menos um pobre padre de uma vila pobre, pois não sou mais
difícil de agradar do que Deus, e não peço que ele tenha conhecimento, contanto que tenha fé.
— É com pesar, madame — respondeu o Conde de Kent —, que me vejo obrigado a
recusar o pedido de Vossa Graça, mas seria contra nossa religião e nossa consciência, e seríamos
culpados por fazê-lo. É por isso que lhe oferecemos novamente o venerável Decano de
Peterborough, certo de que Vossa Graça encontrará mais consolo e contentamento nele do que
em qualquer bispo, padre ou vigário da fé católica.
— Obrigada, milorde — disse a rainha novamente —, mas não tenho nada a ver com ele e,
como tenho a consciência livre do crime pelo qual estou prestes a morrer, com a ajuda de Deus, o
martírio será o meu lugar de confissão. E agora devo lembrá-lo, milorde, do que você mesmo me
disse, que tenho apenas algumas horas de vida, e essas poucas horas, para me beneficiar, devem
ser gastas com orações e meditações, e não em disputas vãs.
Com essas palavras, ela se levantou e, curvando-se para os condes, Sir Robert Beale, Amyas
e Drury, indicou, com um gesto cheio de dignidade, que desejava ficar sozinha e em paz. Então,
enquanto eles se preparavam para sair:
— A propósito, milordes — disse ela —, a que horas devo estar preparada para morrer?
— Às oito horas de amanhã, madame — respondeu o Conde de Shrewsbury, gaguejando.
— Está bem — disse Mary —, mas você não tem uma resposta para mim, da minha irmã
Elizabeth, relativa a uma carta que escrevi para ela cerca de um mês atrás?
— Por favor, madame, do que tratava essa carta? — perguntou o Conde de Kent.
— Do meu enterro e da minha cerimônia fúnebre, milorde. Pedi para ser enterrada na
França, na Catedral de Reims, perto da falecida rainha minha mãe.
— Isso não pode ser feito, madame — respondeu o Conde de Kent. — Mas não se
preocupe com todos esses detalhes. A rainha, minha augusta senhora, os providenciará
conforme for adequado. Vossa Graça tem mais alguma coisa para nos perguntar?
— Eu também gostaria de saber — disse Mary — se meus serviçais terão permissão de
retornar cada um ao seu país, com o pouco que posso lhes dar, o que dificilmente será suficiente,
de qualquer maneira, pelo longo serviço que me prestaram e pela longa prisão que suportaram
por minha causa.
— Não temos instruções para responder a isso, madame — disse o Conde de Kent —, mas
achamos que será dada uma ordem para isso e para as outras coisas, de acordo com seus desejos.
Isso é tudo que Vossa Graça tem a nos dizer?
— Sim, milorde — respondeu a rainha, curvando-se mais uma vez —, e agora vocês podem
se retirar.
— Um momento, meus senhores, em nome do Céu, um momento! — gritou o velho
médico, deixando a fileira dos serviçais e se jogando de joelhos diante dos dois condes.
— O que você quer? — perguntou Lorde Shrewsbury.
— Quero reforçar, milordes — respondeu o idoso Bourgoin, chorando —, que vocês
concederam à rainha um tempo muito curto para um assunto tão importante quanto o de sua
vida. Reflitam, milordes, qual a hierarquia e o grau que ela a quem vocês condenaram deteve
entre os príncipes desta terra, e considere se é bom e adequado tratá-la como uma condenada
vulgar e medíocre. E, se não por essa nobre rainha, milordes, façam isso por nós, seus pobres
serviçais, que, tendo tido a honra de viver perto dela por tanto tempo, não podem se separar dela
tão rapidamente e sem preparação. Além disso, milordes, pensem bem, uma mulher de seu
estado e sua posição deveria ter um tempo para resolver seus últimos assuntos. E o que será dela,
e de nós, meu Deus!, se antes de morrer, nossa senhora não tiver tempo para regularizar seus
dotes e suas contas e colocar em ordem seus documentos e seus títulos? Ela tem serviços a pagar
e serviços devocionais a realizar. Ela não pode negligenciar nem um nem outro. Além do mais,
sabemos que ela só se preocupará conosco e, com isso, milordes, negligenciará sua própria
salvação. Concedam-lhe, então, mais alguns dias, milordes. E, como nossa senhora tem muito
orgulho para lhes pedir esse favor, peço-lhe em nome de todos nós e imploro que não recuse aos
pobres serviçais um pedido que sua augusta rainha certamente não recusaria se eles tivessem a
boa sorte de poder colocá-lo a seus pés.
— Então é verdade, madame — perguntou Sir Robert Beale —, que você ainda não fez um
testamento?
— Não fiz, monsieur — respondeu a rainha.
— Nesse caso, milordes — disse Sir Robert Beale, virando-se para os dois condes —, talvez
seja bom adiar por um dia ou dois.
— Impossível, monsieur — respondeu o Conde de Shrewsbury. — A hora está marcada, e
não podemos mudar nada, nem um minuto, a esta altura.
— Basta, Bourgoin, basta — disse a rainha. — Levante-se, eu lhe ordeno.
Bourgoin obedeceu, e o Conde de Shrewsbury, virando-se para Sir Amyas Paulet, que
estava atrás dele:
— Sir Amyas — disse ele —, confiamos esta senhora a sua guarda. Você se encarregará dela
e a manterá em segurança até o nosso retorno.
Com essas palavras, ele saiu, seguido pelo Conde de Kent, Sir Robert Beale, Amyas Paulet
e Drury, e a rainha ficou sozinha com seus serviçais15.
Então, virando-se para suas mulheres com um semblante sereno como se o evento que
acabara de acontecer tivesse pouca importância:
— Bem, Jeanne — disse ela, falando com Kennedy —, eu sempre lhe disse, não foi, e estava
certa, que no fundo do coração eles queriam fazer isso? E não vi claramente, em todos os
procedimentos deles, o fim que eles tinham em vista e não sabia muito bem que eu era um
obstáculo grande demais à religião falsa deles para ter permissão para viver? Vamos —
continuou ela. — Vamos apressar a ceia, para eu poder cuidar dos meus assuntos. — Então,
vendo que, em vez de obedecer, os serviçais choravam e lamentavam: — Meus filhos — disse
ela, com um sorriso triste, mas sem lágrimas nos olhos —, não é hora de chorar, pelo contrário.
Se vocês me amam, devem se alegrar que o Senhor, ao me fazer morrer por Sua causa, me afaste
dos tormentos que sofri por dezenove anos. Quanto a mim, agradeço a Ele por me permitir
morrer pela glória de Sua fé e Sua Igreja. Portanto, que cada um tenha paciência e, enquanto os
homens preparam a ceia, nós mulheres oramos a Deus.
Os homens saíram imediatamente, chorando e lamentando, e a rainha e suas mulheres
caíram de joelhos. Depois que elas fizeram algumas orações, Mary se levantou e, mandando
buscar todo o dinheiro que lhe restava, contou e dividiu em porções, que colocou em bolsas com
o nome do destinatário em sua caligrafia e com o dinheiro.
Naquele momento, enquanto o jantar era servido, ela se sentou à mesa com as mulheres,
como sempre, os outros serviçais de pé ou indo e vindo, o médico servindo-a à mesa como ele
estava acostumado a fazer desde que o mordomo lhe fora tirado. Ela não comeu nem mais nem
menos do que o habitual, falando, durante toda a ceia, do Conde de Kent e da maneira como ele
se traiu em relação à religião, insistindo em querer levar à rainha um pastor em vez de um padre.
— Felizmente — acrescentou, rindo —, era necessário alguém mais habilidoso que ele para
me convencer. — Enquanto isso, Bourgoin chorava atrás da rainha, pois pensava que a estava
servindo pela última vez e que ela, que estava comendo, conversando e rindo assim, no dia
seguinte, na mesma hora, seria apenas um cadáver frio e insensível.
Quando a refeição terminou, a rainha chamou todos os seus serviçais. Então, antes que a
mesa fosse arrumada, ela se serviu de uma taça de vinho, levantou-se e bebeu à saúde deles,
perguntando se não beberiam à salvação dela. Ela deu uma taça a cada um. Todos ajoelhados, e
todos, diz o relato do qual pegamos esses detalhes emprestados, beberam, misturando suas
lágrimas com o vinho e pedindo perdão à rainha pelas ofensas que poderiam ter cometido em
relação a ela. A rainha concedeu-o de coração e pediu que eles fizessem o mesmo por ela e se
esquecessem de seus modos impacientes, que ela implorava para que colocassem na conta de seu
cativeiro. Então, tendo feito um longo discurso, em que explicou seus deveres para com Deus e
os exortou a perseverarem na fé católica, ela implorou que, depois de sua morte, eles vivessem
juntos em paz e caridade, esquecendo todas as brigas e disputas insignificantes que tiveram
entre si no passado.
Quando o discurso terminou, a rainha levantou-se da mesa e quis entrar no seu guarda-
roupa para ver as roupas e joias que desejava doar, mas Bourgoin observou que seria melhor
levar todos esses objetos separados para dentro de seu quarto, que haveria uma vantagem dupla
nisso: por um lado, ela ficaria menos cansada e, por outro, os ingleses não os veriam. Essa última
razão a convenceu e, enquanto os serviçais estavam jantando, ela levou primeiro para a
antecâmara todos os seus vestidos, pegou o inventário do ajudante de guarda-roupa e começou a
escrever na margem ao lado de cada item o nome da pessoa a quem estava destinado.
Imediatamente, a pessoa que escolhia pegava o item e o separava. Quanto às coisas pessoais
demais para serem doadas dessa maneira, ela ordenou que fossem vendidas e que o dinheiro da
venda fosse usado para as despesas de viagem de seus serviçais quando retornassem ao seu
próprio país, sabendo que o custo seria grande e que ninguém teria meios suficientes. Com esse
memorando terminado, ela o assinou e entregou ao ajudante de guarda-roupa.
Feito isso, ela entrou em seu quarto, para onde tinham sido levados seus anéis, suas joias e
seus pertences mais valiosos. Inspecionou todos, um por um, até os de menor valor, e os
distribuiu como tinha feito com os vestidos, para que, presentes ou ausentes, todos tivessem
alguma coisa. Além disso, entregou aos serviçais mais fiéis as joias que pretendia dar para o rei e
a Rainha da França, para o rei seu filho, para a rainha-mãe, para M. de Guise e M. de Lorena,
sem se esquecer nesta distribuição de nenhum príncipe ou princesa entre seus parentes. Ela
desejava, além disso, que cada um ficasse com as coisas das quais cuidava, entregando seus
lençóis à jovem que cuidava deles, seus bordados de seda para quem era encarregado deles, seus
utensílios de prata ao sommelier e assim por diante com o resto.
Então, como eles pediram um documento de dispensa:
— É inútil — disse ela —, vocês só respondem a mim e, a partir de amanhã, portanto, não
respondem a mais ninguém. — Mas, como eles apontaram que o rei seu filho poderia reivindicá-
los: — Vocês estão certos — disse ela e deu o que eles pediram.
Feito isso, e não tendo mais esperança de ser visitada por seu confessor, escreveu a ele a
seguinte carta:
Fiquei atormentada o dia inteiro por causa da minha religião e instada a receber os consolos de
um herege. Você vai saber, por intermédio de Bourgoin e de outros, que tudo que eles poderiam dizer
sobre esse assunto foi inútil, que fiz uma profissão de fé na qual desejo morrer. Solicitei que você
tivesse permissão para receber minha confissão e me dar o sacramento, que foi cruelmente recusado,
bem como o transporte do meu corpo e o poder de fazer meu testamento livremente, de modo que não
posso escrever nada, exceto pelas mãos deles, e de acordo com o bom prazer de sua senhora. Como
não posso vê-lo, então, confesso meus pecados em geral, como fiz em particular, implorando, em
nome de Deus, que você vigie e ore esta noite comigo pela remissão dos meus pecados e me envie sua
absolvição e seu perdão por todos os erros que cometi. Vou tentar vê-lo na presença deles, já que
permitiram isso ao meu mordomo. E, se for permitido, antes de tudo, pedirei sua bênção de joelhos.
Envie-me as melhores orações que você conhece hoje à noite e amanhã pela manhã, pois o tempo é
curto e não tenho tempo para escrever. Mas fique calmo, eu o recomendarei como aos meus outros
serviçais e, acima de tudo, seus benefícios serão garantidos. Adeus, pois não tenho muito mais
tempo. Envie-me por escrito tudo que puder encontrar que seja melhor para minha salvação, em
orações e exortações. Envio-lhe meu último anel.
Assim que terminou de escrever essa carta, a rainha começou a fazer seu testamento. E,
com a caneta correndo e quase sem levantá-la do papel, ela escreveu duas folhas grandes,
contendo vários parágrafos, nos quais ninguém foi esquecido, presente ou ausente, distribuindo
o pouco que tinha com imparcialidade escrupulosa e mais de acordo com as necessidades do que
com os serviços. Os executores testamentários que ela escolheu foram: o Duque de Guise, seu
primo em primeiro grau; o Arcebispo de Glasgow, seu embaixador; o Bispo de Ross, seu
capelão-chefe; e M. de Ruysseau, seu chanceler, todos os quatro certamente muito dignos da
herança, o primeiro por sua autoridade, os dois bispos por piedade e consciência, e o último por
seu conhecimento dos assuntos. Ao terminar o testamento, ela escreveu a seguinte carta ao Rei
da França:
Senhor meu irmão,
Tendo, pela permissão de Deus e pelos meus pecados, creio, me jogado nos braços dessa
rainha, minha prima, onde tive muito que suportar por mais de vinte anos, ela e seu parlamento
finalmente me condenaram à morte. E, tendo pedido meus documentos, que foram tirados de mim,
para fazer meu testamento, não consegui nenhum que me servisse, nem mesmo permissão para
escrever livremente meus últimos desejos, nem para deixar que, depois da minha morte, meu corpo
seja transportado, como era meu desejo mais querido, para o seu reino, onde tive a honra de ser
rainha, sua irmã e sua aliada. Hoje, depois do jantar, sem nenhum respeito, minha sentença me foi
declarada, a ser executada amanhã, como uma criminosa, às oito horas da manhã. Não tenho
tempo para lhe dar uma descrição completa do que ocorreu, mas por favor acredite no meu médico e
nos meus outros serviçais angustiados, e assim você ouvirá a verdade e que, graças a Deus, desprezo
a morte, que protesto e recebo inocente de todos os crimes, mesmo que eu fosse súdita deles, o que
nunca fui. Mas minha fé na religião católica e meus direitos à coroa da Inglaterra são as
verdadeiras causas da minha condenação, e, no entanto, eles não me permitem dizer que é pela
religião que vou morrer, pois minha religião mata a deles. E isso é tão verdadeiro que eles afastaram
meu capelão de mim, que, embora prisioneiro no mesmo castelo, não pôde vir para me consolar nem
para me dar o sacramento sagrado da eucaristia, mas, pelo contrário, fizeram-me súplicas urgentes
para receber as consolações do ministro deles, a quem trouxeram para esse fim. Aquele que lhe
entregar esta carta, e o restante dos meus serviçais, que são, na maioria, seus súditos, prestarão
testemunhos da maneira como cumprirei meu último ato. Agora me resta implorar a você, como o rei
mais cristão, como meu cunhado, como meu antigo aliado e alguém que tantas vezes me deu a honra
de manifestar sua amizade por mim, que prove essa amizade, em sua virtude e em sua caridade,
ajudando-me do que não posso sem descarregar minha consciência, isto é, recompensar meus bons
serviçais angustiados deixando-lhes seus pagamentos. Então, novamente, ore a Deus por uma
rainha que foi considerada muito cristã e que morre católica e privada de todos os seus bens. Quanto
ao meu filho, eu o recomendo tanto quanto ele merece, pois não posso responder por ele, mas,
quanto aos meus serviçais, eu os recomendo com as mãos entrelaçadas. Tomei a liberdade de lhe
enviar duas pedras raras boas para a saúde, na esperança de que a sua seja perfeita durante uma
vida longa. Você as receberá como provenientes de sua cunhada muito afetuosa, no momento da
morte e dando prova de sua boa disposição em relação a você.
Vou recomendar meus serviçais a você em um memorando e ordená-lo, pelo bem da minha
alma, em cuja salvação será usada, que me pague uma parte do que você me deve, se assim o
desejar, e eu conjuro você pela honra de Jesus, a quem orarei amanhã até a hora da minha morte,
para que você me deixe os meios para realizar uma missa e as caridades necessárias.
Nesta quarta-feira, duas horas depois de meia-noite.
Sua carinhosa e boa irmã,
MARY, R...
E, de todas essas recomendações, do testamento e das cartas, a rainha imediatamente fez
cópias que assinou, para que, se algumas fossem apreendidas pelos ingleses, as outras pudessem
chegar ao seu destino. Bourgoin observou que ela estava errada por ter tanta pressa de fechá-los,
e que talvez dali a duas ou três horas ela se lembrasse que havia deixado alguma coisa de fora.
Mas a rainha ignorou essa observação, dizendo que tinha certeza de que não tinha se esquecido
de nada e que, se tivesse, agora só tinha tempo para orar e olhar para sua consciência. Então, ela
trancou todos os diversos artigos nas gavetas de uma peça de mobiliário e deu a chave a
Bourgoin. Depois pediu um banho para os pés, no qual ficou cerca de dez minutos, deitou-se na
cama, onde não se percebeu que ela dormia, mas onde foi vista repetindo orações ou
permanecendo em contemplação o tempo todo.
Por volta das quatro da manhã, a rainha, acostumada, após as orações da noite, a ouvir em
voz alta a leitura da história de algum santo ou santa, não desejava abandonar esse hábito e,
depois de ter hesitado entre várias histórias para esta ocasião solene, escolheu o maior pecador de
todos, o ladrão penitente, dizendo humildemente:
— Se, por mais pecador que ele tenha sido, ainda pecou menos que eu, desejo implorar a
ele, em memória da paixão de Jesus Cristo, que ele sinta pena de mim na hora da minha morte,
como Nosso Senhor teve pena dele.
Então, quando a leitura terminou, ela pegou todos os seus lenços e escolheu o melhor, de
cambraia delicada, todo bordado em ouro, para vendar os olhos.
Ao amanhecer, refletindo que tinha apenas duas horas de vida, ela se levantou e começou a
se vestir. Mas, antes de terminar, Bourgoin entrou em seu quarto e, com medo de que os
serviçais ausentes murmurassem contra a rainha, se por acaso estivessem descontentes com o
testamento e pudessem acusar os presentes de terem tirado da parte deles para acrescentar à sua
própria parte, ele implorou que Mary chamasse todos e o lesse na presença deles. Mary
concordou e consentiu em fazer isso de imediato.
Todos os serviçais foram então convocados, e a rainha leu seu testamento, dizendo que foi
feito por vontade própria, completa e absoluta, escrito e assinado com sua própria mão, e que,
portanto, implorava aos presentes que prestassem toda a ajuda para vê-lo realizado sem
mudança ou omissão. Depois de ler e receber a promessa de todos, ela o entregou a Bourgoin,
encarregando-o de enviá-lo a M. de Guise, seu executor chefe, e ao mesmo tempo encaminhar
ao rei suas cartas e seus principais documentos e memorandos. Em seguida, pegou a caixa na
qual colocara as sacolas que mencionamos anteriormente. Ela as abriu uma a uma e, vendo pela
nota que colocara ali dentro a quem cada uma se destinava, ela os distribuiu pessoalmente, sem
que nenhum destinatário conhecesse o conteúdo. Os presentes variavam de vinte a trezentas
coroas, nenhum maior nem menor. A essas somas ela acrescentou setecentas libras para dar aos
pobres, a saber, duzentas aos pobres da Inglaterra e quinhentas aos pobres da França. Depois,
deu a cada homem em sua suíte dois nobres cor-de-rosa para serem distribuídos em esmolas em
nome dela e, finalmente, 150 coroas para Bourgoin, para serem divididas entre todos quando
eles se separassem, de modo que 26 ou 27 pessoas receberam doações em dinheiro.
A rainha fez tudo isso com muita calma e serenidade, sem nenhuma mudança aparente no
semblante, de modo que parecia que ela estava apenas se preparando para uma viagem ou uma
mudança de moradia. Depois, despediu-se outra vez de seus serviçais, consolando-os e
recomendando que vivessem em paz, tudo isso enquanto terminava de se vestir da maneira mais
bonita e elegante possível.
Quando sua toalete terminou, a rainha foi de sua sala de recepção para sua antessala, onde
havia um altar montado e arrumado, no qual, antes de ser afastado, seu capelão costumava fazer
a missa. Ajoelhada nos degraus, cercada por todos os seus serviçais, iniciou as orações de
comunhão e, quando terminaram, retirando de uma caixa dourada uma hóstia consagrada por
Pio V, que ela sempre preservara com cuidado para a ocasião de sua morte, disse a Bourgoin para
pegá-la e, como ele era o mais velho, para assumir o lugar do padre, pois a velhice é santa e
sagrada. E, dessa maneira, apesar de todas as precauções tomadas para privá-la disso, a rainha
recebeu o santo sacramento da eucaristia.
Quando essa cerimônia piedosa terminou, Bourgoin disse à rainha que ela havia se
esquecido de três pessoas no testamento: Madame Beauregard, mademoiselle de Montbrun e
seu capelão. A rainha ficou muito espantada com esse esquecimento, que era involuntário, e,
recuperando seu testamento, escreveu seus desejos em relação a eles na primeira margem vazia.
Em seguida, ajoelhou-se novamente em oração, mas, depois de um instante, como sofria demais
nessa posição, ela se levantou, e Bourgoin trouxe-lhe um pouco de pão e vinho, que ela comeu e
bebeu e, quando terminou, estendeu-lhe a mão e agradeceu por ele ter estado presente para
ajudá-la em sua última refeição como estava acostumado. E, sentindo-se mais forte, voltou a se
ajoelhar para rezar.
Mal tinha terminado quando houve uma batida à porta. A rainha entendeu o que lhe era
exigido, mas, como não tinha terminado de rezar, implorou aos que a buscavam que esperassem
um pouco, e em alguns minutos ela estaria pronta.
Os Condes de Kent e Shrewsbury, lembrando-se da resistência dela quando teve que ir até
os comissários e comparecer perante os advogados, chamaram alguns guardas para a antessala
em que estavam esperando, para poderem levá-la à força, se necessário, se ela se recusasse a ir de
boa vontade ou se seus serviçais quisessem defendê-la. Mas não é verdade que os dois barões
entraram no quarto dela, como alguns disseram. Eles só puseram os pés lá uma vez, na ocasião
que relatamos, quando foram avisá-la de sua sentença.
Eles esperaram alguns minutos, como a rainha lhes pedira. Depois, por volta das oito horas,
bateram de novo, acompanhados pelos guardas, mas, para grande surpresa deles, a porta foi
aberta imediatamente, e eles encontraram Mary de joelhos em oração. Com isso, Sir Thomas
Andrew, que na época era xerife do Condado de Nottingham, entrou sozinho, com um bastão
branco na mão. Enquanto todos continuavam de joelhos rezando, ele atravessou a sala com um
passo lento e ficou atrás da rainha. Esperou um instante ali e, como Mary Stuart não pareceu vê-
lo:
— Madame — disse ele —, os condes me enviaram a você.
Com essas palavras, a rainha se virou e se levantou imediatamente no meio da oração:
— Vamos — respondeu ela e se preparou para segui-lo. Em seguida, Bourgoin, levando a
cruz de madeira preta com um Cristo de marfim que estava sobre o altar, disse:
— Madame, você não gostaria de levar esta pequena cruz?
— Obrigada por ter me lembrado — respondeu Mary. — Era minha intenção, mas eu me
esqueci. — Então, dando a Annibal Stewart, seu lacaio, para que ele a entregasse quando ela
pedisse, ela começou a ir em direção à porta e, por causa das grandes dores nas pernas, apoiando-
se em Bourgoin, que, quando eles se aproximaram da porta, de repente a deixou ir, dizendo:
— Madame, Vossa Majestade sabe que a amamos, e todos, enquanto estamos aqui,
estamos prontos para obedecê-la se nos mandar morrer em seu lugar. Mas não tenho forças para
levá-la mais longe. Além disso, não é apropriado para nós, que deveríamos defendê-la até a
última gota de nosso sangue, parecermos traí-la por entregá-la assim nas mãos desses ingleses
infames.
— Tem razão, Bourgoin — disse a rainha. — Além disso, minha morte seria um espetáculo
triste para você, e eu devo poupá-lo pela sua idade e pela sua amizade. Monsieur xerife —
acrescentou ela —, peça para alguém me apoiar, pois você vê que não consigo andar.
O xerife fez uma reverência e sinalizou para dois guardas, que tinha escondido atrás da
porta para ajudá-lo caso a rainha resistisse, se aproximarem e apoiá-la. Eles fizeram isso de
imediato, e Mary Stuart seguiu seu caminho, precedida e seguida pelos seus serviçais, que
choravam e retorciam as mãos. Mas, na segunda porta, outros guardas os detiveram, dizendo
que eles não tinham permissão para prosseguir. Todos clamaram contra essa proibição.
Disseram que durante dezenove anos ficaram trancados com a rainha e sempre a
acompanhavam aonde quer que ela fosse, que era assustador privar sua senhora dos serviços
deles no último momento e que essa ordem tinha sido dada, sem dúvida, porque eles queriam
praticar uma crueldade infame com ela e não queriam testemunhas. Bourgoin, que estava à
frente deles, vendo que não conseguiria obter nada com ameaças ou pedidos, pediu para falar
com os condes, mas essa solicitação também não foi permitida e, como os serviçais queriam
passar à força, os soldados os repeliram com golpes de seus arcabuzes. Então, levantando a voz:
— É errado vocês impedirem que meus serviçais me sigam — disse a rainha. — E começo a
pensar, como eles, que vocês têm alguma intenção maligna em relação a mim.
O xerife respondeu:
— Madame, quatro de seus serviçais foram nomeados para segui-la, e não mais. Quando
você descer, eles serão buscados e se juntarão a você.
— O quê? — exclamou a rainha. — As quatro pessoas escolhidas não podem nem me
seguir agora?
— A ordem dada pelos condes é essa — respondeu o xerife. — E, para meu grande pesar,
madame, não posso fazer nada.
Então a rainha virou-se para eles e, pegando a cruz das mãos de Annibal Stewart, e com a
outra mão o Livro das Horas e o lenço:
— Meus filhos — disse ela —, esse é mais um sofrimento a acrescentar aos nossos outros
sofrimentos. Vamos suportá-lo como cristãos e oferecer esse novo sacrifício a Deus.
Com essas palavras, soluços e gritos eclodiram por todos os lados. Os serviçais infelizes
caíram de joelhos e, enquanto alguns rolavam no chão, arrancando os cabelos, outros beijavam
suas mãos, joelhos e a bainha de seu vestido, implorando perdão por todos os erros possíveis,
chamando-a de mãe e despedindo-se. Achando, sem dúvida, que essa cena estava durando
muito tempo, o xerife fez um sinal e os soldados empurraram homens e mulheres de volta para o
quarto e fecharam a porta. Mesmo assim, com a porta fechada, a rainha ouviu seus gritos e
lamentações que, apesar dos guardas, pareceram acompanhá-la até o cadafalso.
No topo da escada, a rainha encontrou Andrew Melville esperando por ela. Ele tinha sido
seu mordomo, que fora afastado dela havia algum tempo e finalmente conseguiu permissão para
vê-la mais uma vez e se despedir. A rainha, apressando o passo, aproximou-se dele e se ajoelhou
para receber sua bênção, que ele lhe deu, chorando.
— Melville — disse ela, sem se levantar, e se dirigindo a ele como “vós” pela primeira vez
—, como fostes um súdito honesto para mim, sejais o mesmo para meu filho. Procure-o
diretamente após a minha morte e conte a ele em todos os detalhes. Diga que eu lhe desejo bem e
que imploro a Deus que lhe envie Seu Espírito Santo.
— Madame — respondeu Melville —, esta certamente é a mensagem mais triste que um
homem deve transmitir. Apesar disso, devo cumpri-la fielmente, eu juro.
— O que dizeis, Melville? — respondeu a rainha, levantando-se. — E que melhor notícia
podeis transmitir, pelo contrário, do que eu ser libertada de todos os meus males? Diga a ele para
se alegrar, pois os sofrimentos de Mary Stuart chegaram ao fim; diga que morro católica, firme
na minha religião, fiel à Escócia e à França, e que perdoo aqueles que me condenaram à morte.
Diga a ele que eu sempre desejei a união da Inglaterra e da Escócia; diga-lhe, finalmente, que
nada fiz de prejudicial ao seu reino, à sua honra ou aos seus direitos. E assim, meu bom Melville,
até nos encontrarmos novamente no céu.
Então, apoiando-se no velho, cujo rosto estava banhado em lágrimas, ela desceu a escada,
ao pé da qual encontrou os dois condes, Sir Henry Talbot, filho de Lorde Shrewsbury, Amyas
Paulet, Drue Drury, Robert Beale e muitos cavalheiros da vizinhança. A rainha, avançando em
direção a eles sem orgulho, mas sem humildade, reclamou que seus serviçais não tinham
recebido permissão para segui-la e pediu que essa permissão fosse concedida. Os lordes se
reuniram e, um instante depois, o Conde de Kent perguntou quais ela desejava, dizendo que
poderia levar seis deles. Então a rainha escolheu dentre os homens Bourgoin, Gordon, Gervais e
Didier, e dentre as mulheres Jeanne Kennedy e Elspeth Curle, as que preferia acima de todas,
embora a última fosse irmã do secretário que a traiu. Mas aqui surgiu uma nova dificuldade,
pois os condes disseram que a permissão não se estendia a mulheres, que as mulheres não
costumavam assistir a esses espetáculos e, quando o faziam, geralmente incomodavam a todos
com gritos e lamentações e, assim que a decapitação acabava, corriam para o cadafalso para
estancar o sangue com seus lenços, o que não era adequado.
— Milordes — disse a rainha —, respondo e prometo pelas minhas serviçais que elas não
farão nada do que os meritíssimos temem. Ai de mim! Pobres pessoas! Elas ficariam muito
felizes em se despedir de mim. E espero que sua senhora, sendo virgem e rainha e, portanto,
sensível à honra das mulheres, não tenha lhes dado ordens tão estritas que vocês não possam me
conceder o pouco que peço. Tanto mais — acrescentou em um tom profundamente triste — que
minha posição deve ser levada em consideração. Porque, afinal, sou prima de sua rainha, neta de
Henry VII, Rainha Viúva da França e Rainha Consagrada da Escócia.
Os lordes se reuniram de novo e concederam seus pedidos. Em seguida, dois guardas
subiram imediatamente para buscar os indivíduos escolhidos.
A rainha seguiu para o grande salão, apoiando-se em dois cavalheiros de Sir Amyas Paulet,
acompanhados e seguidos pelos condes e pelos lordes, o xerife andando na frente dela e Andrew
Melville carregando a cauda do vestido. O vestido, escolhido com o máximo de cuidado
possível, como dissemos, consistia em uma touca de cambraia fina, enfeitada com renda, com
um véu de renda jogado para trás e caindo no chão. Usava um mantô de cetim preto estampado,
forrado com tafetá preto e adornado com zibelina na frente, com uma cauda longa e mangas que
se estendiam até o chão. Os botões eram de jato em forma de bolotas e cercados de pérolas, a gola
no estilo italiano. O gibão era de cetim preto e, por baixo, um espartilho em cetim carmesim
amarrado atrás, com bordas de veludo da mesma cor. Uma cruz de ouro pendurada por uma
corrente de bolas perfumadas no pescoço e dois rosários no cinto. Foi assim que ela entrou no
grande salão onde o cadafalso tinha sido erguido.
Era uma plataforma de três metros e meio de altura, erguida a cerca de meio metro do chão,
cercada por barreiras e coberta de sarja preta. Nela havia uma cadeira, uma almofada para se
ajoelhar e um bloco também coberto de preto. No momento em que, depois de subir os degraus,
ela pôs os pés nas tábuas fatais, o carrasco avançou e, pedindo perdão pelo dever que estava
prestes a cumprir, ajoelhou-se, escondendo atrás de si o machado. Mas Mary o viu e exclamou:
— Ah! Eu preferia ser decapitada à francesa, com uma espada!
— Não é culpa minha, madame — disse o carrasco —, se este último desejo de Vossa
Majestade não puder ser cumprido. Mas, não tendo sido instruído a trazer uma espada e tendo
encontrado este machado aqui, sou obrigado a usá-lo. Isso vai impedir que você me perdoe?
— Eu o perdoo, meu amigo — disse Mary. — E, como prova disso, aqui está minha mão
para você beijar.
O carrasco levou os lábios à mão da rainha, levantou-se e aproximou-se da cadeira. Mary
sentou-se, e os Condes de Kent e Shrewsbury ficaram em pé à sua esquerda, o xerife e seus
oficiais à frente, Amyas Paulet atrás e, do lado de fora da barreira, os lordes, cavaleiros e
cavalheiros, num total de quase duzentos e cinquenta. Robert Beale leu pela segunda vez o
mandado de execução e, quando estava começando, os serviçais que foram buscados entraram
no salão e se colocaram atrás do cadafalso, os homens montados em um banco recostado na
parede e as mulheres ajoelhadas ao pé do banco. Um pequeno spaniel, que a rainha amava
muito, veio em silêncio, como se temesse ser expulso, e deitou-se perto de sua senhora.
A rainha ouviu a leitura da sentença, sem parecer prestar muita atenção, como se dissesse
respeito a outra pessoa, e com um semblante calmo e até alegre, como se fosse um perdão, e não
uma sentença de morte. Quando Beale terminou, ele gritou em voz alta: “Deus salve a Rainha
Elizabeth!”, e ninguém respondeu. Mary fez o sinal da cruz e, levantando-se sem nenhuma
mudança de expressão e mais bela do que nunca:
— Milordes — disse ela —, nasci rainha, princesa soberana, e não sujeita às leis, parente
próxima da Rainha da Inglaterra e de seu legítimo herdeiro. Sou prisioneira há muito tempo
neste país, sofri aqui muitas provações e muitos males que ninguém tinha o direito de infligir a
mim e, agora, para coroar tudo, estou prestes a perder minha vida. Bem, milordes, sejam
testemunhas de que eu morro na fé católica, agradecendo a Deus por me deixar morrer por Sua
santa causa e declarando, hoje, como todos os dias, em público e em privado, que nunca tramei,
nem consenti nem desejei a morte da rainha, nem nenhuma outra coisa contra sua pessoa, mas
que, pelo contrário, sempre a amei e sempre lhe ofereci boas e razoáveis condições para pôr fim
aos problemas do reino e me libertar do meu cativeiro, e tudo isso, milordes, vocês sabem muito
bem, sem que eu jamais tivesse sido honrada com uma resposta dela. Finalmente, meus inimigos
alcançaram o seu fim, que era me matar. No entanto, eu os perdoo, assim como a todos os que
tentaram algo contra mim. Depois da minha morte, saberemos quem são os autores e os
perseguidores. Mas eu morro sem acusar ninguém, por medo de que o Senhor me ouça e me
vingue.
Então, se ele estava com medo de que esse discurso de uma rainha tão importante
emocionasse demais a assembleia ou se descobriu que todas essas palavras estavam provocando
muito atraso, o Decano de Peterborough se colocou diante de Mary e, inclinando-se sobre a
barreira:
— Madame — disse ele —, minha senhora muito honrada ordenou que eu viesse até você.
Mas, com essas palavras, Mary virou-se e o interrompeu:
— Monsieur Decano — respondeu ela em voz alta —, não tenho nada a ver com você. Não
desejo ouvi-lo e peço que se retire.
— Madame — disse o reitor, insistindo apesar dessa declaração expressa em termos tão
firmes e precisos —, você tem apenas mais um instante. Mude de opinião, renegue seus erros e
confie apenas em Jesus Cristo para poder ser salva por Ele.
— Tudo que você pode me dizer é inútil — respondeu a rainha —, e você não ganhará nada
com isso. Fique em silêncio, então, eu imploro, e deixe-me morrer em paz.
E, ao ver que ele queria continuar, ela se sentou do outro lado da cadeira e virou de costas
para ele, mas o reitor imediatamente contornou o cadafalso até ficar de frente para ela de novo.
Quando ele estava prestes a falar, a rainha se virou mais uma vez e sentou-se como no início.
Vendo isso, o Conde de Shrewsbury disse:
— Madame, estou realmente desesperado por você estar tão apegada a essa loucura do
papado; permita, por favor, que oremos por você.
— Milorde — respondeu a rainha —, se deseja orar por mim, agradeço, porque a intenção é
boa, mas não posso participar de suas orações, pois não somos da mesma religião.
Os condes então chamaram o decano e, enquanto a rainha, sentada em sua cadeira, orava
em tom baixo, ele, ajoelhado nos degraus do cadafalso, orava em voz alta. E toda a assembleia,
exceto a rainha e seus serviçais, orava com ele. Então, no meio da oração, que ela dizia com um
Agnus Dei em volta do pescoço, um crucifixo em uma das mãos e o Livro das Horas na outra, ela
caiu do assento de joelhos, orando em voz alta em latim enquanto os outros oravam em inglês, e
quando os outros ficaram em silêncio, ela, por sua vez, retornou ao inglês, para que pudessem
ouvi-la, orando pela aflita Igreja de Cristo, pelo fim da perseguição aos católicos e pela felicidade
do reinado de seu filho. Em seguida, ela disse, com um sotaque cheio de fé e fervor, que esperava
ser salva pelos méritos de Jesus Cristo, aos pés de cuja cruz ela derramaria seu sangue.
Com essas palavras, o Conde de Kent não conseguiu mais se conter e, sem respeitar a
santidade do momento:
— Ah, madame — disse ele —, coloque Jesus Cristo em seu coração e rejeite toda essa
confusão de enganos papistas.
Mas ela, sem ouvir, continuou, orando aos santos para interceder com Deus por ela e,
beijando o crucifixo, exclamou:
— Senhor! Senhor! Receba-me com os braços estendidos na cruz e perdoe todos os meus
pecados!
Então, com ela sentada de novo na cadeira, o Conde de Kent perguntou se ela tinha alguma
confissão a fazer, ao que ela respondeu que, não sendo culpada de nada, teria que mentir para se
confessar.
— Está bem — respondeu o conde. — Então, madame, prepare-se.
A rainha se levantou e, quando o carrasco se aproximou para ajudá-la a se despir:
— Permita-me, meu amigo — disse ela. — Sei fazer isso melhor do que você, e não estou
acostumada a me despir diante de tantos espectadores nem a ser servida por esse tipo de lacaio.
E, chamando suas duas mulheres, começou a tirar os grampos do penteado e, enquanto
Jeanne Kennedy e Elspeth Curle realizavam este último serviço para sua senhora, não
conseguiam deixar de chorar com amargura.
— Não chorem — disselhes em francês —, porque eu prometi e pedi por vocês.
Com essas palavras, ela fez o sinal da cruz na testa de cada uma, beijou-as e recomendou
que orassem por ela.
Então a rainha começou a se despir, ela mesma também ajudando, como costumava fazer
quando se preparava para dormir e, tirando a cruz de ouro do pescoço, quis entregá-la a Jeanne,
dizendo ao carrasco:
— Meu amigo, eu sei que tudo que tenho em mim pertence a você, mas esta cruz não é para
o seu uso. Deixe-me concedê-la, por favor, a essa jovem, e ela lhe dará o dobro do valor em
dinheiro.
Mas o carrasco, mal permitindo que ela terminasse, arrancou-a de suas mãos, dizendo:
— É meu direito.
A rainha não se comoveu muito com essa brutalidade e continuou a tirar a roupa até ficar
apenas de anágua.
Livre de todos os seus apetrechos, ela se sentou novamente, e Jeanne Kennedy se
aproximou dela, tirou do bolso o lenço de cambraia bordada a ouro que preparara na noite
anterior e vendou seus olhos. Os condes, lordes e cavalheiros olharam com grande surpresa, já
que isso não era habitual na Inglaterra, e como ela pensava que seria decapitada à maneira
francesa, ou seja, sentada na cadeira, ela se manteve na posição vertical, imóvel e com o pescoço
rígido para facilitar para o carrasco, que, por sua vez, sem saber como proceder, estava de pé,
sem golpear, com o machado na mão. O homem finalmente pôs a mão na cabeça da rainha e,
puxando-a para a frente, a fez cair de joelhos. Mary entendeu o que devia fazer e, procurando o
bloco com as mãos, que ainda seguravam o Livro das Horas e o crucifixo, ela deitou o pescoço
nele, as mãos unidas sob o queixo para poder rezar até o último instante. O assistente do
carrasco as afastou, por medo de serem cortadas junto com a cabeça. E, enquanto a rainha dizia:
“In manes teas, Domine”, o carrasco ergueu o machado, que era um simples machado de cortar
madeira, e deu o primeiro golpe, que acertou um ponto alto demais e perfurou o crânio, fez o
crucifixo e o livro voarem das mãos da condenada pela violência, mas não cortou a cabeça. No
entanto, atordoada com o golpe, a rainha não fez nenhum movimento, o que deu ao carrasco
tempo para repeti-lo. Mas ainda assim a cabeça não caiu, e foi necessário um terceiro golpe para
separar um fragmento de carne que ainda a segurava nos ombros.
Por fim, quando a cabeça foi totalmente separada, o carrasco a levantou para mostrar à
assembleia, dizendo:
— Deus salve a Rainha Elizabeth!
— Que assim pereçam todos os inimigos de Vossa Majestade! — respondeu o Decano de
Peterborough.
— Amém — disse o Conde de Kent, mas foi o único. Nenhuma outra voz conseguiu
responder, pois todos estavam sufocados por lágrimas e soluços.
Naquele momento, a touca da rainha caiu, revelando os cabelos, cortados muito curtos, e
brancos como se ela tivesse setenta anos. Quanto ao rosto, tinha mudado tanto durante a agonia
da morte que ninguém o teria reconhecido se não soubesse que era dela. Essa visão fez os
espectadores gritarem alto, porque, assustadoramente, os olhos estavam abertos e os lábios
continuavam se mexendo como se ainda rezassem, e esse movimento muscular durou mais de
um quarto de hora depois que a cabeça foi cortada.
Os serviçais da rainha se apressaram sobre o cadafalso, pegando o Livro das Horas e o
crucifixo como relíquias; e Jeanne Kennedy, lembrando-se do cachorrinho que tinha se juntado
a sua senhora, olhou para todos os lados, procurando-o e chamando-o, mas foi em vão. Ele tinha
desaparecido.
Naquele momento, enquanto um dos carrascos desamarrava as ligas da rainha, que eram de
cetim azul bordado em prata, ele viu o pobre animalzinho, que tinha se escondido em sua
anágua, e teve que ser arrastado à força. Depois, escapando de suas mãos, ele se refugiou entre os
ombros da rainha e a cabeça que o carrasco tinha pousado perto do tronco. Jeanne então o pegou,
apesar de seus uivos, e o carregou coberto de sangue, pois todos tinham acabado de receber
ordens para deixar o salão. Bourgoin e Gervais ficaram para trás, implorando a Sir Amyas Paulet
para deixá-los pegar o coração da rainha para que pudessem levá-lo até a França, como lhe
haviam prometido. Mas receberam uma recusa violenta e foram empurrados para fora do
corredor, cujas portas foram fechadas, e ali ficaram apenas o carrasco e o cadáver.
Brantome relata que algo infame aconteceu ali!
CAPÍTULO X

Duas horas após a execução, o corpo e a cabeça foram levados para o mesmo salão em que Mary
Stuart compareceu diante dos comissários, colocados em uma mesa redonda à qual os juízes
estavam sentados e cobertos com um pano de sarja preto. E ficaram ali até as três da tarde,
quando Waters, o médico de Stamford e o cirurgião da vila de Fotheringay, vieram abri-los e
embalsamá-los, uma operação que realizaram sob o olhar de Amyas Paulet e seus soldados, sem
nenhum respeito pela posição e pelo sexo do pobre cadáver, exposto à visão de quem quisesse
vê-lo; é verdade que essa indignidade não cumpriu o objetivo proposto. Por causa de um boato
espalhado de que a rainha tinha pernas inchadas e era hidrópica, pelo contrário, um dos
assistentes foi obrigado a confessar que nunca tinha visto o corpo de uma jovem na flor da saúde
mais pura e mais adorável que o de Mary Stuart, que teve uma morte violenta depois de
dezenove anos de sofrimento e cativeiro.
Quando o corpo foi aberto, o baço estava em seu estado normal, apenas com as veias um
pouco lívidas, os pulmões amarelados em alguns pontos e o cérebro um sexto maior do que o
habitual em pessoas da mesma idade e do mesmo sexo. Assim, tudo prometia uma vida longa
àquela cujo fim tinha sido tão cruelmente apressado.
Depois de feito o relatório dos detalhes citados, o corpo foi embalsamado de certa maneira,
colocado em um caixão de chumbo e este dentro de outro de madeira, que foi deixado na mesa
até o primeiro dia de agosto, ou seja, por quase cinco meses, sem que ninguém pudesse se
aproximar dele. Não só isso, mas os ingleses, tendo notado que os infelizes serviçais de Mary
Stuart, que ainda eram mantidos em cativeiro, foram examiná-lo pelo buraco da fechadura,
bloquearam o buraco de tal maneira que eles não pudessem ver o caixão que guardava o corpo
daquela a quem eles tanto amavam.
No entanto, uma hora após a morte de Mary Stuart, Henry Talbot, que estivera presente,
partiu a toda velocidade para Londres, levando a Elizabeth o relato da morte de sua rival. Mas,
nas primeiras linhas que leu, Elizabeth, fiel ao seu caráter, gritou de tristeza e indignação,
dizendo que suas ordens tinham sido mal compreendidas, que houve muita pressa e que tudo
isso era culpa de Davison, o Secretário de Estado, a quem ela dera o mandato para guardar até
ela se decidir, e não para enviá-lo a Fotheringay. Consequentemente, Davison foi enviado à
Torre e condenado a pagar uma multa de dez mil libras esterlinas por ter enganado a rainha.
Enquanto isso, em meio a todo esse sofrimento, foi estabelecido um embargo a todos os navios
em todos os portos do reino, para que as notícias da morte não chegassem ao exterior,
principalmente à França, exceto por emissários habilidosos que poderiam explicar a execução
sob uma luz menos desfavorável para Elizabeth. Ao mesmo tempo, as festividades populares
escandalosas que marcaram o anúncio da sentença novamente celebraram a notícia da execução.
Londres estava iluminada, fogueiras foram acesas na frente dos portões, e o entusiasmo era tal
que a embaixada francesa foi arrombada e a madeira retirada era usada para reavivar as fogueiras
quando elas começavam a se extinguir.
Consternado com esse evento, M. de Chateauneuf continuou trancado na Embaixada,
quando, quinze dias depois, recebeu um convite de Elizabeth para visitá-la na casa de campo do
Arcebispo de Canterbury. M. de Chateauneuf foi para lá com a intenção muito positiva de não
dizer nada a ela sobre o que havia acontecido. Mas, assim que o viu, Elizabeth, vestida de preto,
levantou-se, foi até ele e, inundando-o de gentilezas, disse que estava pronta para colocar todas
as forças de seu reino à disposição de Henry III para ajudá-lo a triunfar sobre a Liga.
Chateauneuf recebeu todas essas ofertas com uma expressão fria e severa, sem dizer, como
prometera a si mesmo, uma única palavra sobre o evento que deixara a rainha e ele próprio de
luto. Mas, pegando-o pela mão, ela o puxou para o lado e, com suspiros profundos, disse:
— Ah, monsieur! Desde a última vez que o vi, o maior infortúnio que poderia cair sobre
mim aconteceu: estou falando da morte da minha boa irmã, a Rainha da Escócia, da qual juro
pelo próprio Deus, pela minha alma e pela minha salvação, que sou perfeitamente inocente. Eu
havia assinado a sentença, é verdade, mas meus conselheiros me aplicaram um truque que não
me deixa ficar tranquila. E juro por Deus que, se não fosse pelo longo tempo de serviço, eu os
decapitaria. Tenho corpo de mulher, monsieur, mas no corpo desta mulher bate o coração de um
homem.
Chateauneuf se curvou sem responder, mas sua carta a Henry III e a resposta de Henry
provam que nem um nem outro tinha sido enganado por essa mulher tibéria.
Enquanto isso, como dissemos, os serviçais infelizes continuavam prisioneiros, e o pobre
corpo estava naquele grande salão à espera de um enterro real. Elizabeth disse que as coisas
continuariam assim para dar tempo de planejar um funeral esplêndido para sua boa irmã Mary,
mas, na realidade, era porque a rainha não ousava justapor a morte secreta e infame e o enterro
público e real. Além disso, não era necessário um tempo para que os primeiros relatos que
Elizabeth desejava espalhar fossem creditados antes que a verdade fosse conhecida pela boca dos
serviçais? Pois a rainha esperava que, uma vez que esse mundo piedoso tivesse uma opinião
sobre a morte da Rainha da Escócia, não valeria a pena mudá-la. Quando os guardas estavam tão
cansados quanto os prisioneiros, Elizabeth, tendo recebido um relatório declarando que o corpo
mal embalsamado não podia mais ser guardado, finalmente ordenou que o funeral fosse
realizado.
Assim, em 1o de agosto, alfaiates e costureiras chegaram ao Castelo de Fotheringay,
enviados por Elizabeth, com roupas de tecido e seda preta para vestir todos os serviçais de Mary
em luto. Mas eles recusaram, não tendo esperado pela generosidade da Rainha da Inglaterra e
tendo feito as roupas funerárias às suas próprias custas assim que sua senhora morreu. Os
alfaiates e as costureiras, no entanto, trabalharam com tanto afinco que no dia 7 tudo estava
pronto.
No dia seguinte, às oito da noite, uma grande carruagem, puxada por quatro cavalos com
adornos de luto e cobertos de veludo preto como a carruagem, também adornada com pequenas
flâmulas onde estavam bordados os brasões de armas da Escócia, da rainha e de Aragão, que era
o de Darnley, parou no portão do Castelo de Fotheringay. Seguia-se o rei dos arautos,
acompanhado de vinte cavalheiros a cavalo, com seus serviçais e lacaios, todos vestidos de luto,
que, saltando do cavalo, subiram com todo o séquito para a sala onde estava o corpo, e o
desceram, colocaram na carruagem com todo o respeito possível, com todos os espectadores de
pé com a cabeça descoberta e em profundo silêncio.
Essa visita e essa ação provocaram muita agitação entre os prisioneiros, que debateram por
algum tempo se não deveriam reivindicar o favor de seguir o corpo de sua senhora, que eles não
podiam e não deviam deixar ir sozinho. Mas, quando eles estavam prestes a pedir permissão
para falar com o rei dos arautos, ele entrou na sala onde estavam reunidos e disse que tinha sido
encarregado por sua senhora, a augusta Rainha da Inglaterra, de dar à Mary, Rainha da Escócia
o funeral mais honroso possível. Que, não desejando fracassar em uma tarefa tão elevada, ele já
tinha feito a maioria dos preparativos para a cerimônia, que aconteceria no dia 10 de agosto, ou
seja, dois dias depois, mas que o caixão de chumbo em que o corpo estava fechado, sendo muito
pesado, precisava ser transportado com antecedência e naquela noite para o local onde a cova foi
aberta, em vez de aguardar o dia do enterro. Que eles ficassem tranquilos, porque esse enterro
era apenas uma cerimônia preparatória. Que, se alguns quisessem acompanhar o cadáver para
ver o que seria feito com ele, tinham liberdade para isso, e que aqueles que ficassem para trás
podiam seguir o cortejo fúnebre, porque o desejo positivo de Elizabeth era que todos, do
primeiro ao último, estivessem presentes na cerimônia. Essa garantia tranquilizou os infelizes
prisioneiros, que encarregaram Bourgoin, Gervais e seis outros de seguirem o corpo de sua
senhora: Andrew Melville, Stewart, Gorjon, Howard, Lauder e Nicholas Delamarre.
Às dez horas da noite, eles partiram, andando atrás da carruagem, precedidos pelo arauto,
acompanhados por homens a pé, que carregavam tochas para iluminar o caminho e seguidos por
vinte cavalheiros e seus serviçais. Eles chegaram às duas da manhã a Peterborough, onde há uma
esplêndida catedral construída por um antigo rei saxão e na qual, à esquerda do coro, já estava
enterrada a boa Rainha Catalina de Aragão, esposa de Henry VIII, e onde estava sua tumba,
ainda enfeitada com um dossel com seu brasão de armas.
Na chegada, encontraram a catedral toda enfeitada de preto, com uma cúpula erguida no
meio do coro, da mesma forma que as “chapelles ardentes” são instaladas na França, só que não
havia velas acesas ao redor. A cúpula estava coberta de veludo preto e revestida com os brasões
em armas da Escócia e de Aragão, com flâmulas como as da carruagem mais uma vez repetidas.
A representação do caixão já estava montada sob a cúpula: era um esquife, coberto como o
restante em veludo preto com franjas de prata, sobre o qual havia uma almofada do mesmo
material apoiando uma coroa real.
À direita dessa cúpula, e em frente ao túmulo da Rainha Catalina de Aragão, o sepulcro de
Mary da Escócia tinha sido cavado. Era uma cova de tijolos, arranjada para ser coberta
posteriormente com uma laje ou túmulo de mármore, e na qual seria depositado o caixão, que o
Bispo de Peterborough, em suas roupas episcopais, mas sem a mitra, a cruz ou o manto,
aguardava na porta, acompanhado pelo decano e vários outros clérigos. O corpo entrou na
catedral sem canto e sem oração e desceu à cova em meio a um profundo silêncio. Assim que o
corpo foi colocado ali, os pedreiros, que tinham interrompido o trabalho, voltaram a agir,
fechando o túmulo até o nível do chão e deixando apenas uma abertura de cerca de cinquenta
centímetros, pela qual era possível ver o que estava dentro e jogar no caixão, como é habitual nos
funerais de reis, as varas quebradas dos oficiais e as flâmulas e estandartes com os brasões de
armas. No fim da cerimônia noturna, Melville, Bourgoin e os outros deputados foram levados ao
palácio do bispo, onde se reuniram as pessoas designadas para participar do cortejo fúnebre, em
número superior a trezentos e cinquenta, todos escolhidos, com exceção dos serviçais, entre as
autoridades, a nobreza e o clero protestante.
No dia seguinte, quinta-feira, 9 de agosto, eles começaram a enfeitar os salões de banquetes
com artigos ricos e suntuosos, e isso foi feito aos olhos de Melville, Bourgoin e dos outros, que
tinham sido trazidos menos para estar presente no enterro da Rainha Mary do que para
testemunhar a magnificência da Rainha Elizabeth. Mas, como se pode supor, os prisioneiros
infelizes eram indiferentes a essa suntuosidade, por mais notável e extraordinária que fosse.
Na sexta-feira, 10 de agosto, todas as pessoas escolhidas se reuniram no palácio do bispo.
Elas se organizaram na ordem designada e seguiram em direção à catedral, que ficava perto.
Quando chegaram lá, tomaram os lugares que lhes foram designados no coro, e os coralistas
começaram imediatamente a entoar um cântico fúnebre em inglês e de acordo com os ritos
protestantes. Nas primeiras palavras desse culto, quando viu que não era conduzido por padres
católicos, Bourgoin deixou a catedral, declarando que não assistiria a esse sacrilégio, e foi
seguido por todos os serviçais de Mary, homens e mulheres, exceto Melville e Barbe Mowbray,
que pensavam que, qualquer que fosse o idioma em que se orava, esse idioma era ouvido pelo
Senhor. Essa saída provocou um grande escândalo, mas o bispo continuou pregando mesmo
assim.
Quando a pregação terminou, o rei dos arautos foi procurar Bourgoin e seus companheiros,
que estavam andando pelos claustros, e lhes disse que a oferta estava prestes a começar,
convidando-os a participar dessa cerimônia, mas eles responderam que, sendo católicos, não
podiam fazer ofertas em um altar que não aprovavam. Assim, o rei dos arautos voltou, muito
insatisfeito porque a cerimônia tinha sido perturbada por essa dissidência, mas a oferta ocorreu
do mesmo jeito que a pregação. Então, como última tentativa, ele foi de novo até eles, dizendo
que o culto havia terminado e que, portanto, eles poderiam retornar para as cerimônias da
realeza, que não pertenciam a nenhuma religião exceto a dos mortos, e dessa vez eles
consentiram. Mas, quando chegaram, as varas tinham sido quebradas e os estandartes tinham
sido jogados no túmulo pela abertura, que os operários já estavam fechando.
Então, na mesma ordem em que tinha chegado, o cortejo retornou ao palácio, onde uma
esplêndida refeição fúnebre tinha sido preparada. Por uma estranha contradição, Elizabeth, que,
tendo punido a mulher viva como criminosa e acabara de tratar a morta como rainha, também
desejava que as honras do banquete fúnebre fossem oferecidas aos serviçais, há muito
esquecidos por ela. Mas, como se pode imaginar, eles não se prestaram a essa intenção, não
parecendo maravilhados com o luxo nem alegres com o bom ânimo, mas, pelo contrário,
afogaram o pão e o vinho em lágrimas, sem responder às perguntas feitas a eles ou às honras que
lhes foram concedidas. Assim que a refeição terminou, os pobres serviçais deixaram
Peterborough e pegaram a estrada de volta a Fotheringay, onde souberam que finalmente
estavam livres para ir aonde quisessem. Eles não precisaram ser avisados duas vezes, pois viviam
com um medo eterno, sem considerar suas vidas seguras enquanto permanecessem na
Inglaterra. Eles recolheram imediatamente todos os seus pertences, cada um levando a sua
bagagem, e saíram do Castelo de Fotheringay a pé na segunda-feira, 13 de agosto de 1587.
Bourgoin foi o último. Ao chegar do outro lado da ponte levadiça, virou-se e, como era
cristão, incapaz de perdoar Elizabeth não pelos seus próprios sofrimentos, mas pelos de sua
senhora, encarou os muros da regicida e, com as mãos estendidas para eles, disse em voz alta e
ameaçadora as palavras de Davi:
— Que a vingança pelo sangue de Vossos servos, que foi derramado, ó, Senhor Deus, seja
aceitável aos Vossos olhos. — A maldição do velho foi ouvida, e a história inflexível se
encarregou de castigar Elizabeth.
Dissemos que o machado do carrasco, ao golpear a cabeça de Mary Stuart, fez com que o
crucifixo e o Livro das Horas que ela segurava voassem de suas mãos. Dissemos também que as
duas relíquias tinham sido apanhadas por pessoas de seu séquito. Não sabemos o que aconteceu
com o crucifixo, mas o Livro das Horas está na Biblioteca Real, onde os curiosos com esse tipo
de lembrança histórica podem vê-lo. Dois certificados inscritos nas folhas do volume guardado
demonstram sua autenticidade. São eles:

PRIMEIRO CERTIFICADO
Eu, o abaixo assinado Vigário Superior da estrita observância da Ordem de Cluny, certifico
que este livro nos foi confiado por ordem do falecido Dom Michel Nardin, sacerdote religioso
professo de nossa dita observância, que morreu em nosso colégio de São Marcial de Avignon, em 28
de março de 1723, com cerca de oitenta anos, dos quais passou cerca de trinta entre nós, tendo
vivido muito religiosamente. Era alemão de nascimento e serviu muito tempo nas tropas como
oficial.
Ele entrou em Cluny e fez sua profissão ali, muito desapegado de todos os bens e honras
mundanos. Manteve apenas, com a permissão de seu superior, este livro, que ele sabia ter sido
usado por Mary Stuart, Rainha da Inglaterra e da Escócia, até o fim de sua vida. Antes de morrer
e se separar de seus irmãos, ele pediu que, para nos ser remetido com segurança, o livro deveria ser
enviado por correio, selado.
Assim que o recebi, implorei ao M. L’abbe Bignon, conselheiro de estado e bibliotecário do rei,
que aceitasse este precioso monumento à piedade de uma Rainha da Inglaterra e de um oficial
alemão da religião dela, bem como da nossa.
Assinado: IRMÃO GERARD PONCET,
Vigário Geral Superior.

SEGUNDO CERTIFICADO
Eu, Jean-Paul Bignon, bibliotecário do rei, estou muito feliz pela oportunidade de demonstrar
nosso zelo ao colocar o referido manuscrito na biblioteca de Vossa Majestade.
8 de julho de 1724.
Assinado: JEAN-PAUL BIGNON.
Este manuscrito, no qual foi fixado o último olhar da Rainha da Escócia, é um duodécimo,
escrito em fonte gótica e contendo orações em latim; é adornado com miniaturas decoradas em
ouro, representando assuntos devocionais, contos da história sagrada ou da vida de santos e
mártires. Todas as páginas são emolduradas por arabescos misturados com guirlandas de frutas
e flores, em meio às quais brotam figuras grotescas de homens e animais.
Quanto à encadernação, usada agora ou talvez a partir de então, na trama, é em veludo
preto, cujas laterais planas são adornadas no centro com um amor-perfeito esmaltado em prata
cercado por uma coroa de flores, à qual estão anexados, na diagonal de um canto da capa ao
outro, dois cordões vermelhos retorcidos e com nós, terminados por uma borla nas duas
extremidades.
1 L’on voit sous blanc atour, | En grand deuil et tristesse, | Se promener maint tour | De beauté la déesse; | Tenant le trait en
main | De son fils inhumain; | Et l’amour sans fronteau | Voleter autour d’elle, | Déguisant son bandeau | Sous un funèbre
voile | Où sont ces mots écrits: | “Mourir ou être pris.”
2 En mon triste et doux chant, | D’un ton fort lamentable, | Je jette un deuil tranchant | De perte incomparable, | Et en soupirs
cuisans | Passe mes meilleurs ans.
Fut-il un tel malheur | De dure destinée, | Ni si triste douleur | De dame fortunée | Qui mon coeur et mon oeil | Vois en bière
et cercueil?
Qui dans mon doux printemps | Et fleur de ma jeunesse, | Toutes les peines sens | D’une extrême tristesse, | Et en rien n’ai
plaisir | Qu’en regret et désir.
Ce qui m’étoit plaisant | Me devient peine dure; | Le jours le plus luisant | Est pour moi nuit obscure, | Et n’est rien si exquis |
Qui de moi soit requis.
J’ai au coeur et à l’oeil | Un portrait, une image, | Qui figure mon deuil | Sur mon pâle visage | De violettes teint, | Qui est
l’amoureux teint.
Pour mon mal estranger, | Je ne m’arrête en place; | Mais j’en ai beau changer, | Si ma douleur n’efface; | Car mon pis et mon
mieux | Sont les plus déserts lieux.
Si en quelque séjour, | Soit en bois, soit en prée, | Soit sur l’aube du jour, | Ou soit sur la vesprée, | Sans cesse mon coeur sent |
Le regret d’un absent.
Si parfois vers les cieux | Viens adresser ma vue, | Le doux trait de ses yeux | Je vois en une nue; | Si les baisse vers l’eau, | Vois
comme en un tombeau.
Si je suis en repos, | Sommeillant sur ma couche, | J’oy qu’il me tient propos, | Je le sens qu’il me touche; | En labeur, en recoy,
| Toujours est près de moy.
Je ne vois autre objet, | Si beau qu’il se présente, | À qui que soit subjet | Oncques mon coeur consente; | Exempt de perfection
| À cette affection.
Mets chanson icy fin | A si triste complainte | Dont sera le refrain | Amour vraie et non feinte, | Qui pour séparation, | N’aura
diminution.
3 Adieu, plaisant pays de France, | Ô ma patrie | La plus chérie, | Qui as nourri ma jeune enfance! | Adieu, France! adieu, mes
beaux jours. | La nef qui disjoint nos amours | N’a eu de moi que la moitié; | Une part te reste, elle est tienne; | Je la fie à ton
amitié, | Pour que de l’autre il te souvienne.
4 Elizabeth doou um par de sapatos para a Universidade de Oxford; pelo tamanho, eles indicam o pé de um homem de porte
comum. (Notas do francês)
5 Muitos historiadores dizem que Mary Stuart tinha cabelos pretos; mas Brantome, que a tinha visto e, como dissemos, a
acompanhara à Escócia, afirma que ela era loura acinzentada. “E, dizendo isso, ele (o carrasco) tirou a touca, de maneira
desdenhosa, para mostrar seus cabelos já brancos, que enquanto viva, no entanto, ela não temia mostrar, nem torcer e frisar
como nos dias em que era tão bonito e tão claro.”
6 Mary estava falando de Mademoiselle Huntly, esposa de Bothwell, que ele repudiou, depois da morte do rei, para se casar com
a rainha. (Nota do Francês)
7 Antres, prés, monts et plaines, | Rochers, forêts et bois, | Ruisseaux, fleuves, fontaines, | Où perdu je me vois, | D’une
plainte incertaine, | De sanglots toute pleine, | Je veux chanter | La misérable peine | Qui me fait lamenter.
Mais qui pourra entendre | Mon soupir gémissant? | Ou qui pourra comprendre | Mon ennui languissant? | Sera-ce cet
herbage, | Ou l’eau de ce rivage, | Qui, s’écoulant, | Porte de mon visage | Ce ruisseau distillant?
Hélas! non, car la plaie | Cherche en vain guérison, | Qui sour secours essaie, | Aux choses sans raison. | Il vaut mieux que ma
plainte | Raconte son atteinte | Amêrement | À toi qui as contrainte | Mon âme en tel tourment.
Ô, déesse immortelle, | Écoute donc ma voix, | Toi qui tiens en tutelle, | Mon pouvoir sous tes lois, | Afin que si ma vie | Se
voit en bref tarie, | Ta cruauté, | La confesse périe | Par ta seule beauté.
On voit bien que ma face | S’écoule peu à peu, | Comme la froide glace | À la chaleur du feu. | Et néanmoins la flamme | Qui
me brûle et m’enflamme | De passion, | N’émeut jamais ton âme | D’aucune affection.
Et cependant ses arbres, | Qui sont autour de moi, | Ces rochers et ces marbres | Savent bien mon émoi. | Bref, rien dans la
nature | N’ignore ma blessure, | Hors seulement | Toi, qui prends nourriture | De mon cruel torment.
Mais s’il t’est agréable | De me voir misérable | En tourment tel, | Mon malheur déplorable | Soit alors immortel.
8 Honni soit Robert Grahame; | Du roi l’assassin infâme; | Robert Grahame, honni soit | L’assassin de notre roi.
9 Histoire d’Ecosse, de Sir Walter Scott. “A Abadia”: parte histórica.
10 Histoire d’Ecosse, de Sir Walter Scott. “A Abadia”: parte histórica.
11 Un seul penser qui me profite et nuit, | Amer et doux change en mon coeur sans cesse, | Entre le doute et l’espoir qui
m’opresse, | Tant que la paix et le repos me fuit.
Donc, chère soeur, si cette carte suit | L’affection de vous voir qui m’opresse, | C’est que je vis en peine et en tristesse, | Si
promptement doux effet ne s’ensuit. |
J’ai vu ma nef relâcher par contrainte | En haute mer, proche d’entrer au port, | Et temps serein se convertir en trouble; |
Ainsi je suis en souci et en crainte; | Non pas de vous, mais si souvent à tort | Fortune rompt voille et cordage double!
12 Inteligência de M. Villeroy sobre o que foi feito na Inglaterra por M. de Bellievre em relação às questões da Rainha da
Escócia, nos meses de novembro e dezembro de 1586 e janeiro de 1587. (Nota do Francês)
13 Relatório sobre a forma da execução do Rei da Escócia, ocorrida no dia 8 de fevereiro de 1587, no Castelo de Fotheringay,
com a relação das palavras proferidas por ele e as ocasiões em que ocorreram no momento da referida execução. M. Thomas
Andrews Scherif era então o preboste do Condado de Northampton e estava presente na referida execução. (Nota do Francês)
14 Os Condes de Cumberland, Derby e Pembroke não cumpriram as ordens da rainha e não estiveram presentes nem na leitura
da sentença nem na execução. (Nota do Francês)
15 A morte da Rainha da Escócia, Viúva da França. Biblioteca Real, no 936. (Nota do Francês)

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